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VINGT MILLE LIEUES SOUS LÊS MERS:
ADDRESSING FOUR CHALLENGES OF
INFORMAL LEARNING1
1
- Artigo traduzido por Julio Carlos Morandi, Multilínguas – FACAD – Senac-RS.
A VINTE MIL LÉGUAS SUBMARINAS:
OS QUATRO DESAFIOS DA APRENDIZAGEM INFORMAL
Daniel Schugurensky*
*
- Ontario Institute for Studies
in Education, University of Toronto (OISE/UT), e-mail:
[email protected]
Abstract
Informal learning has always been part of humankind. However, like
an iceberg, most of it is submerged and invisible. Only recently has it started
to be noticed by researchers, employers, community organizations and educational institutions. Paraphrasing Jules Verne, we are now in the first twenty
leagues of a long journey that may be as long as twenty thousand. In this
quest for knowledge about informal learning, we have to address four main
challenges. This article discusses key issues in relation to these challenges.
K e y w o r d s : Informal Learning, Informal Education, Tacit Knowledge, Elicitation, Recognition, Validation.
Resumo
A aprendizagem informal sempre fez parte da humanidade. No entanto, como um iceberg, sua maior parte fica submersa e invisível. Apenas
recentemente começou a ser percebida por pesquisadores, empregados, organizações comunitárias e instituições educacionais. Parafraseando Júlio Verne,
estamos agora nas vinte primeiras léguas de uma longa viagem que pode ter
vinte mil léguas. Nesta busca pelo conhecimento sobre aprendizagem informal, temos que mencionar quatro grandes desafios. Este artigo discute questões-chave em relação a estes desafios.
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P a l a v r a s - C h a v e : Aprendizagem Informal, Educação Informal,
Conhecimento Tácito, Eliciação, Reconhecimento, Validação.
1. Introdução
A aprendizagem informal sempre fez parte da humanidade. Pode
ser adquirida através de diversas experiências de vida que incluem situações de trabalho, responsabilidades na família, leituras, trabalhos voluntários, Internet, festivais, viagens, hobbies, atividades religiosas, grupos de
estudo, filmes e televisão, teatro, museus, participação em oficinas, projetos de pesquisa independente, etc. No entanto, como um iceberg, sua
maior parte fica submersa e invisível abaixo da superfície do mar. Parafraseando Júlio Verne, estamos agora nas vinte primeiras léguas de uma
longa viagem que pode ter vinte mil léguas.
Na investigação da aprendizagem informal, quatro desafios principais (conceituais, metodológicos, de reconhecimento e pedagógicos) são
prováveis de aparecer. O desafio conceitual se refere à necessidade de abrir
a caixa-preta da aprendizagem informal para entender melhor suas diferentes formas de expressão e seus aspectos internos. O desafio metodológico
diz respeito à necessidade de se desenvolver estratégias criativas de pesquisa
para superar as dificuldades na hora de eliciar a aprendizagem informal e o
conhecimento tácito.
O desafio de reconhecimento se relaciona à necessidade de aperfeiçoar mecanismos institucionais para avaliar e validar a aprendizagem informal. O desafio pedagógico diz respeito à necessidade da criação proposital de
oportunidades significativas para uma aprendizagem informal relevante.
2. O desafio conceitual
O conceito de aprendizagem informal é enganoso. Desde o estudo de
Coombs e seus colaboradores, na década de 70, o termo é usado para referirse ao que abarca todo aquele conhecimento adquirido fora dos currículos
de instituições e programas educacionais formais e não formais (COOMBS,
1968; COOMBS et al. 1973; e AHMED, 1974).
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Educação formal refere-se à escalada institucional que começa na
pré-escola e vai até a universidade. Na maior parte do mundo, a educação
formal é altamente regulada pelo Estado e tem um período inicial compulsório – educação básica – que cobre os primeiros anos de escolaridade.
Umas das características do sistema formal é sua natureza propedêutica, no
sentido de que a principal tarefa de cada nível é preparar os aprendizes para
o próximo, e, para entrar num determinado nível, devem concluir o nível
anterior satisfatoriamente.
Educação não formal refere-se a todas as atividades educacionais organizadas que ocorrem fora do sistema escolar formal. Isso inclui uma vasta
gama de programas, geralmente de curto prazo e voluntários, tais como: cursos de línguas, aulas de direção, aulas de culinária, treinamento técnico, oficinas de arte, aulas de tênis, de yoga, cursos promovidos por sindicatos, oficinas
literárias e afins. Como na educação formal, há professores (geralmente chamados de instrutores ou facilitadores) e um currículo com diferentes graus de
rigidez e flexibilidade.
Diferentemente da educação formal, esses programas raramente exigem pré-requisitos em termos de escolaridade prévia. No entanto, por vezes é
fornecido um certificado de capacitação e frequência. A educação não formal
no geral atrai adultos, mas crianças e adolescentes também podem participar
deste setor.
Nesta taxonomia, educação informal refere-se a “tudo mais”, ou seja,
todas aquelas experiências de aprendizagem que não fazem parte dos currículos oferecidos pelos programas e instituições de educação formal e não formal. Ao mesmo tempo que esta taxonomia é conveniente, um de seus problemas é que nela a educação informal torna-se uma categoria residual de uma
categoria residual, colocando a aprendizagem informal à margem das margens da educação. Além disso, os termos “formal”, “não formal” e “informal”
carregam um significado implícito que geralmente implica uma hierarquia
de experiências de aprendizagem que deixa a “educação informal” na base da
pirâmide (THOUGH, 1999; BILLET, 2001, p. 14). Como Illich (1970)
e outros autores mostram, aprendizagem experimental raramente recebe o
mesmo prestígio que tem a aprendizagem adquirida (e validada) através de
sistemas formais e informais.
Isso é paradoxal, pois é na esfera “informal”, tão desconsiderada, e na
qual poucas pesquisas são feitas, que adquirimos o conhecimento informal
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que aplicamos em nossa vida diária, desde o falar línguas até o desenvolvimento de variadas atividades através do trabalho, de hobbies, de viagens e de
responsabilidades familiares. Também adquirimos uma ampla gama de informações e conhecimento através de conversas, livros, revistas, Internet, filmes,
peças de teatro ou televisão. Aprendemos muito pelo fato de nos envolvermos em projetos de pesquisa independentes, trabalho voluntário, atividades
religiosas ou movimentos sociais, ou nos engajarmos em grupos de estudos.
Através de aprendizagem informal também adquirimos valores e atitudes e
uma série de informações e conhecimento. A relevância da aprendizagem informal se aplica a todos os aspectos de nossas vidas e a pessoas em todas as
profissões, inclusive educadores. Na verdade, num recente estudo de educação cívica de educadores de civismo, por exemplo, professores de civismo de
ensino médio relataram que seu aprendizado cívico e político mais significativo ao longo de suas vidas se deu por canais informais (SCHUGURENSKY
e MYERS, 2003). Enquanto a relevância da aprendizagem informal em nosso dia-a-dia está se tornando cada vez mais reconhecida, seu conceito em si
nem sempre é totalmente claro, uma vez que é usado de várias maneiras e com
diferentes significados.
3. Enfrentando o desafio conceitual
Nesta seção, procuro fazer uma modesta contribuição sugerindo duas
estratégias que podem nos auxiliar na conceitualização do termo. A primeira
estratégia tem a ver com a distinção entre aprendizagem informal como espaço (ou lugar) e aprendizagem informal como processo. A segunda estratégia
se propõe a explorar o universo interno da aprendizagem informal através da
distinção entre suas diferentes formas.
3.1. Aprendizagem informal como espaço e como processo
Na definição apresentada acima, a aprendizagem informal está conceitualizada como toda aquela aprendizagem adquirida fora do currículo da
educação formal e não formal. Cabe notar que a definição não diz “fora da
educação formal e não formal”, mas “fora do currículo da educação formal e
não formal”. Devemos admitir que a maior parte da aprendizagem informal
se dá fora das paredes das instituições educacionais. No entanto, a aprendi96_
zagem informal também pode ocorrer dentro das instituições de educação
formal e informal. Isso ocorre através de diversas interações individuais e de
grupo que não fazem parte das atividades curriculares ou planos de curso.
Podem ocorrer durante o recesso, em forma de diversas atividades extracurriculares, como esportes, artes, festivais e reuniões, em almoços e até mesmo
dentro da sala de aula. O currículo oculto, o qual inclui todas aquelas lições
que os alunos aprendem pela experiência de frequentar escolas, além dos
objetivos educacionais estabelecidos por estas instituições, é um dos casos.
Dentro das escolas, muito aprendizado ocorre independentemente dos objetivos e conteúdos propostos pelo currículo explícito, sendo muitas vezes até
mesmo contraditórios a eles. Os alunos podem estar fazendo um curso sobre
democracia, por exemplo, mas através do método de ensino, das interações
professor-aluno e do ambiente de sala de aula, podem também estar aprendendo sobre autoritarismo ou discriminação.
Através do currículo oculto, portanto, os alunos aprendem diversas
lições (tanto positivas quanto negativas) sobre poder, autoridade, raça, classe, gênero e outras questões. Além disso, durante o recesso os alunos podem
aprender uns com os outros uma infinidade de informações sobre muitos tópicos, desde videogames até política, esporte ou namoro, engajar-se em discussões enriquecedoras as quais podem mudar suas posturas e valores quanto
a certas questões, e podem até mesmo desafiar os conteúdos do currículo oficial através de pontos de vista alternativos. Por exemplo, pode-se aprender em
uma aula que Colombo “descobriu” a América, e no recesso aprender que, na
realidade, Colombo estava perdido. Na mesma linha, aprendizagem informal
também pode ocorrer entre adultos na educação não formal, por exemplo,
quando as pessoas trocam ideias durante um coffee break numa sessão de treinamento em seu trabalho.
A questão aqui é que, enquanto boa parte da aprendizagem informal
ocorre fora da escola (em casa, local de trabalho e na comunidade), também
é evidente que os processos da aprendizagem informal podem ocorrer dentro
das instituições educacionais. Isso nos remete ao fato de que a tipologia clássica do formal, não formal e informal, ao mesmo tempo que é útil por fornecer
um mapa geral do território, não deveria ser aceita inquestionavelmente, pois
o mundo real da aprendizagem é mais complexo e tem nuances (LIVINGSTONE, 2002; BROWN, 2000; COLLEY, HODKINSON e MALCOM,
2004; FOLEY, 1999; SCHUGURENSKY e MUNDEL, 2005).
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3.2. As formas de aprendizagem informal
Através da minha pesquisa sobre aprendizagem baseada em comunidades, identifiquei três formas de aprendizagem informal. Mesmo sabendo
que taxonomias são, de certa forma, arbitrárias e que algumas distinções são
mais claras no papel do que no mundo real, esta conceitualização propicia
uma possibilidade de examinar mais a fundo a dinâmica interna da aprendizagem que, em vários aspectos, ainda é uma caixa-preta. Meu argumento é o
de que o conceito de aprendizagem informal é muito vago e que para propósitos analíticos é conveniente fazer a distinção entre as formas de aprendizagem informal que são frequentemente combinadas. Através da aplicação
de duas categorias (intencionalidade e conscientização), é possível identificar
três formas de aprendizagem informal: aprendizagem autodirigida, aprendizagem acidental e socialização.
Tabela 1: Três formas de aprendizagem informal
Autodirecionada
Acidental
Socialização
Intencionalidade
sim
não
não
Consciência
sim
sim
não
A aprendizagem autodirigida se refere a “projetos de aprendizagem”
assumidos pelos indivíduos (sozinhos ou como parte de um grupo) sem a assistência de um professor, embora possa incluir a presença de uma pessoa que
não se considera profissional da educação, mas a quem se possa recorrer. Ela
é tanto intencional como consciente; intencional porque o indivíduo tem o
propósito de aprender algo mesmo antes que o processo de aprendizagem se
inicie, e consciente porque o indivíduo está ciente de que aprendeu algo.
Aprendizagem acidental refere-se a experiências de aprendizagem que
ocorrem quando o aprendiz não teve qualquer intenção prévia de tirar alguma
aprendizagem daquela experiência, mas depois toma ciência de que ocorreu
alguma aprendizagem. Sendo assim, não é intencional, mas consciente.
Socialização (ou aprendizagem tácita) refere-se à internalização quase
natural de valores, atitudes, comportamentos, habilidades e conhecimento
que ocorre durante a vida diária. Não só há uma ausência de uma intenção
prévia de adquiri-los, mas há uma falta de consciência de que ocorreu uma
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aprendizagem. Embora a aprendizagem através da socialização geralmente
seja um processo inconsciente, podemos, mais tarde, nos tornar cientes desta
aprendizagem através de um processo de reconhecimento retrospectivo. Por
exemplo, através da exposição a um ambiente social diferente, uma pessoa
pode ser levada a reconhecer que tem certos preconceitos e tendências que
foram o produto de uma primeira socialização. Da mesma forma, algumas
pessoas podem não estar cientes de que aprenderam algo durante uma experiência até que tenham contato com outra pessoa que faça perguntas voltadas a
eliciar um reconhecimento retrospectivo. Este é o assunto da próxima seção.
4. O desafio metodológico
O reconhecimento relativamente recente da aprendizagem informal
pelas instituições educacionais, organizações profissionais e locais de trabalho não foi da noite para o dia. Foi um processo que levou duas décadas e
foi parcialmente influenciado pelo trabalho de alguns pesquisadores da área
da educação que fizeram estudos sobre aprendizagem informal e chamaram
a atenção da sociedade para este tópico. No Canadá, um dos pioneiros foi
Allen Tough, da Universidade de Toronto. No final dos anos 60, ele realizou
um dos primeiros estudos empíricos objetivando documentar a extensão e
o conteúdo da aprendizagem informal, com foco exclusivo em aprendizagem autodirigida. A principal suposição de Tough era a de que adultos são
aprendizes autodirigidos e que podem desenvolver planos para mudarem a si
mesmos e seu meio ambiente. Assim, ele partiu para identificar os projetos de
aprendizagem em que adultos se engajam através de projetos autodirigidos e
conceitualizou projetos autodirigidos como esforços contínuos e altamente
intencionais para aprender que são constituídos de uma série de episódios de
aprendizagem. Um episódio de aprendizagem, por sua vez, ocorre quando
existe uma intenção clara por parte do aprendiz de adquirir e reter habilidades ou um conhecimento específico.
Neste estudo, cuja amostra inclui operários de fábrica, mulheres de
classe média alta com filhos em idade de pré-escola e professores universitários, Tough e seus colaboradores descobriram que uma pessoa típica conduzia por volta de oito projetos de aprendizagem de 90 horas cada por ano, o
que significou que cada pessoa, em média, dedicou aproximadamente de 700
a 800 horas anualmente à aprendizagem informal.
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Tough descobriu que a maior parte dos projetos de aprendizagem
autodirigida eram relacionados a trabalho, embora outras áreas como casa
e responsabilidades pessoais, interesse pessoal, autoaprimoramento e mera
curiosidade também eram aspectos motivacionais importantes. Em termos
de motivações para aprendizagem informal, o estudo descobriu que as pessoas buscavam benefícios intelectuais, emocionais e materiais.
O trabalho pioneiro de Tough inspirou uma segunda geração de pesquisadores canadenses que, no final da década de 90, juntaram-se na rede de
trabalho chamada New Approaches to Lifelong Learning – NAAL (Novas
Abordagens da Aprendizagem ao Longo da Vida).
Esta rede, liderada por David Livingstone do Instituto de Ontário
para Estudos de Educação da Universidade de Toronto, executou diversos
projetos de pesquisa sobre aprendizagem informal, principalmente em relação a trabalho remunerado e não remunerado. Uma das descobertas mais
interessantes da primeira enquete realizada por esta rede de trabalho foi a
de que entre trabalho voluntário na comunidade e aprendizagem informal
inserida na comunidade existe uma relação mais forte do que entre emprego
e aprendizagem informal relacionada ao trabalho (LIVINGSTONE, 2000).
Embora este estudo tenha focado a aprendizagem autodirigida entre adultos, cabe ressaltar que a aprendizagem informal acontece durante toda a vida
(portanto, mais pesquisa se faz necessária sobre a aprendizagem informal de
crianças e jovens) e que há outras formas de aprendizagem informal que não
só a aprendizagem autodirigida (também sobre aprendizagem acidental e socialização mais pesquisa se faz necessária).
4.1. A difícil tarefa de eliciar aprendizagem informal
– “O que você aprendeu no Orçamento Participativo?” – perguntei.
– “Mmmmh... Nada” – respondeu ela.
– “Verdade? Nada mesmo?” – perguntei novamente, surpreso.
– “Bem, talvez muitas coisas, mas nada que eu consiga lembrar agora”.
No ano de 1999, eu estava na cidade de Porto Alegre, Brasil, explorando
as possibilidades de iniciar um estudo sobre a dimensão pedagógica da democracia participativa. Eu estava tendo uma conversa informal com Maria, uma
representante local do Orçamento Participativo: um processo de deliberação e
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de decisão que envolve cidadãos comuns nas alocações do orçamento municipal. Ela já vinha participando do Orçamento Participativo há três anos, primeiro como membro da comunidade, e depois como delegada, e mais tarde como
vereadora. Ela seria capaz de falar durante horas sobre a sua história pessoal de
ativismo na comunidade, suas atividades atuais da participação cívica e os pontos fracos e fortes daquela experiência de democracia local. No entanto, quando a questionei sobre o que tinha aprendido com essa experiência, ela ficou me
olhando sem entender, como quem pede explicações. Após algumas situações
semelhantes com outros participantes, percebi que uma pergunta aberta sobre
conhecimento tácito e informal, por si só, não seria suficiente para manter qualquer conversa significativa sobre esse assunto. Na maioria das vezes, o aspecto de
aprendizagem desta experiência, que fez com que as pessoas viessem da periferia
até o centro da comunidade de prática (LAVE e WENGER, 1991), foi imperceptível e inconsciente para os participantes. Pensando bem, isso não deveria ser
surpreendente, absolutamente. Mesmo eu, que levantei a questão em primeiro
lugar, poderia me atrapalhar para responder. Por exemplo, o que eu teria respondido se Maria tivesse me perguntado: “Daniel, o que você aprendeu no ano
passado tendo utilizado o metrô diariamente, ou tendo assistido a comerciais
de televisão, ou tendo participado de reuniões comunitárias em seu bairro, ou
tendo jogado futebol nos fins de semana?”. Provavelmente eu teria ficado olhando para ela sem expressão, feito um esforço inútil para dizer algo sensato e teria
respondido: “Talvez muitas coisas, mas nada que eu consiga lembrar agora”.
Na verdade, a falta de autoconsciência da nossa própria aprendizagem
informal não deve nos causar espanto, pois temos o famoso Polanyi (1967,
p. 4), que observa, na abertura de páginas de The tacit dimension: “We know
more than we can tell” (“sabemos mais do que podemos comunicar”). Muitas vezes, a aprendizagem informal resulta em conhecimento tácito, pois a
aprendizagem informal não se dá no contexto de certos elementos (presentes
na educação formal e não formal) que possam auxiliar os alunos na organização de conhecimentos adquiridos em relação a determinadas áreas de conteúdo, tais como currículo planejado, livro e material didático, a presença
de um instrutor, objetivos educacionais claros, procedimentos de avaliação e
afins. A aprendizagem informal, sobretudo quando não é autodirigida, muitas vezes ocorre de maneira mais difusa e desorganizada. Além disso, quando
é autodirigida, cerca de 80 por cento da aprendizagem ainda é imperceptível
e inconsciente para o aluno (TOUGH, 1999).
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De qualquer forma, apenas uma pequena parcela da aprendizagem
informal é adquirida de forma autodirigida. Pelo contrário, a maior parte da
aprendizagem informal tende a ser ocasional ou a partir de processos de socialização cotidianos, com baixo grau de intencionalidade e de consciência e,
portanto, com uma alta probabilidade de acabar como conhecimento tácito
ou implícito. As pessoas tendem a subestimar grandemente a quantidade de
sua aprendizagem informal, principalmente pelo fato de essa aprendizagem
vir disfarçada e do consequente conhecimento tácito ser um dado adquirido
sem que se perceba. Um bom exemplo disso é o caso de atividades do dia-adia que são realizadas com sucesso (ARGYRIS e SCHÖN, 1978; SCHÖN,
1988; ERAUT, 2000, 1999; LIVINGSTONE, 2001).
Uma vez que, na maioria dos casos, atividades regulares ocorrem normalmente sem maiores problemas, é difícil para os pesquisadores eliciarem
das pessoas que tipo de conhecimento adquirem com suas práticas diárias.
Esta situação cria um duplo desafio para os investigadores. Por um lado, apresenta dificuldades para descobrir o difuso processo que é a aprendizagem. Por
outro, coloca obstáculos para revelar os resultados desse processo, expresso
em novas competências e talentos que muitas vezes desconhecemos. Como
Illeris (2003) observa, a aprendizagem informal abrange dimensões cognitivas, emocionais e sociais, e, consequentemente, as estratégias para eliciá-las
não devem focar apenas na aquisição de conhecimento.
5. Enfrentando o desafio metodológico
Conforme Dewey (1916) e outros autores observam, a forma mais
eficaz de aprender a democracia é exercendo-a e, portanto, é plausível imaginar que Maria e outros membros do Orçamento Participativo tivessem
aprendido bastante a esse respeito. No entanto, depois dessa primeira conversa com Maria e do meu fracasso em eliciar conhecimento tácito através
de perguntas abertas, percebi que, para ter uma conversa significativa sobre
aprendizagem informal com membros do Orçamento Participativo, teria que
superar o desafio metodológico e perguntar a mim mesmo que tipo de orientação ou indução poderia ajudar a eliciar conhecimento tácito. Esta pergunta me remeteu ao plano inicial e me pressionou a encontrar uma estratégia
alternativa para solucionar a questão. Minha próxima tentativa consistiu no
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desenvolvimento de um roteiro de uma entrevista semiestruturada. O novo
guia começava com perguntas abertas sobre experiências de vida e em democracia participativa e, em seguida, ia para uma seção mais estruturada com
uma lista de resultados de aprendizagem em potencial que poderiam ser advindos do fato de as pessoas terem feito parte de um processo de governo
local. Nessa seção, coloquei uma pequena lista de resultados de aprendizagem
organizados em três categorias: (1) conhecimento, (2) competências, e (3)
valores e atitudes. Para cada item, pedi aos participantes que representassem
seu nível numa escala Lickert de 5 pontos, considerando dois momentos no
tempo: antes de serem envolvidos no processo do Orçamento Participativo e
no momento da entrevista. Quando os entrevistados relatavam uma mudança, eu pedia que explicassem como sabiam que aquela mudança havia ocorrido, e os incentivava a contar histórias e dar exemplos concretos.
Felizmente, esta estratégia foi extremamente bem-sucedida para incentivar a autorreflexão sobre a aprendizagem informal e para eliciar conhecimento tácito. Os participantes se envolveram com tanto interesse no exercício que acabaram me relatando mais histórias do que o previsto em relação
ao tempo que eu tinha alocado para escutá-las. Em alguns casos, reclamaram
que a escala de 1 a 5 era insuficiente, e explicaram em pormenores por que
achavam que sua curva de aprendizagem tinha ido de 0 a 7! Outro aspecto
interessante de se utilizar uma escala de 5 pontos em dois momentos no tempo é que ela nos permite depreender não só a quantidade de aprendizagem e
a mudança que ocorreram como resultado de uma experiência, mas também
o ponto de partida. Por exemplo, se alguém relata uma mudança no falar em
público de 1 a 3, e outro participante relata uma mudança de 3 a 5, o montante de progresso em relação a essa habilidade específica é aproximadamente o
mesmo. No entanto, é evidente que um deles já tinha mais prática no processo do que o outro. No final do primeiro estudo de caso, percebi que aprender
coisas novas não significava necessariamente colocá-las em prática em benefício da comunidade. Então, acrescentei uma quarta área que investigou as
mudanças nas práticas e comportamentos (por exemplo, cívicos, políticos,
sociais, ecológicos) que as pessoas tiveram como resultado da sua participação na democracia local. Para nos certificarmos de que a lista é relevante para
o contexto, antes de entrevistarmos os participantes, o que fazemos é montar
grupos de reflexão juntamente com as organizações envolvidas e as principais
partes interessadas para testar o protocolo e fazer alterações de acordo com
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o que for sugerido. Através desse processo, torna-se possível revisar conjuntamente diferentes aspectos do instrumento (por exemplo, comprimento,
formato, objetivo, sequência) e criar, em conjunto, um guia de entrevista revisado adequado à situação.
Depois dos grupos de reflexão, conduzem-se algumas entrevistas-piloto para afinar as perguntas, e só então se iniciam as entrevistas com o resto
dos participantes. Em alguns casos, complementamos as entrevistas individuais com grupos de reflexão para lançar luz sobre as áreas que tiverem necessitado esclarecimento ou elaboração. Provavelmente, um dos momentos mais
gratificantes do trabalho de campo ocorre ao final das entrevistas, quando a
maioria dos participantes nos agradece por ajudá-los a descobrir sua aprendizagem tácita. Apesar de no início das entrevistas a maioria das pessoas,
neste caso, não relatar ter experienciado qualquer aprendizado, até ao final
da entrevista elas perceberam que tinham aprendido muito, e expressaram
alegria em perceber o quanto aprenderam e quantas estratégias diferentes de
aprendizagem utilizaram. Além disso, embora na maioria dos casos a aprendizagem tenha sido cumulativa (por exemplo, melhorar uma determinada
habilidade), os participantes ficaram muito animados ao relatarem casos de
aprendizagem transformadora (MEZIROW, 2000), na qual refletiram criticamente a respeito de seus pressupostos e valores sobre o mundo social e
enganjaram-se em mais práticas democráticas.
Outro aspecto gratificante do trabalho de campo foi ouvir os participantes relatarem muitos casos de aprendizagem informal que tinham vivenciado através da democracia local e que não estavam inicialmente previstos no
instrumento. Como os participantes foram estimulados a adicionar tantos episódios de aprendizagem e de mudança quantos desejassem, depois de vários
estudos de casos em outras cidades (por exemplo, Montevidéu, Rosário, Guelph), a lista inicial de 10 indicadores de aprendizagem cresceu para mais de 60
indicadores de aprendizagem e mudança. Hoje, essa abordagem metodológica
está sendo adaptada e utilizada por outros grupos de investigação.
5.1. Algumas precauções sobre a metodologia da investigação
A estratégia descrita acima para eliciar a aprendizagem informal,
assim como qualquer outra abordagem metodológica, não é perfeita. Pela
minha experiência, consigo identificar pelo menos duas limitações que
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dizem respeito a questões de autorrelato e exteriorização. A primeira limitação é o fato de que a aprendizagem autorrelatada pode significar,
ou não, aprendizagem efetiva. Os problemas com autorrelato podem ser
agravados pela tendência em potencial que têm os entrevistados de darem
respostas “politicamente corretas”. Isso aparece especificamente em situações de aprendizagem e mudança relacionadas a atitudes, valores e questões como tolerância, abertura, solidariedade, respeito e carinho. Também a questões relacionadas a práticas democráticas e ecológicas como
votar, escutar ou reciclar.
Como uma segunda limitação, temos o fato de que os participantes
podem atribuir uma determinada aprendizagem a uma certa experiência; no
entanto, não é fácil distinguir os diferentes episódios de aprendizagem que se
tem em diferentes situações. Por exemplo, os entrevistados podem expressar
que a participação em um processo democrático os tornou melhores em resoluções de conflitos, aumentou a consciência dos seus próprios direitos de
cidadãos, os ajudou a adquirir autoconfiança ou melhorou sua compreensão
da política municipal. No entanto, é plausível supor que tenham adquirido
conhecimentos, habilidades e atitudes a partir de uma variedade de experiências anteriores e simultâneas, e não apenas a partir do processo específico que
está sendo analisado na entrevista. Os problemas com o “efeito de atribuição”
são óbvios nos casos em que as pessoas ficaram envolvidas em um processo por um tempo longo. Por exemplo, alguns participantes na nossa investigação estiveram por duas décadas ativamente envolvidos com estruturas de
controle de cooperativas de moradia. Nesses casos, torna-se difícil fazer com
que se lembrem das competências, valores, atitudes e práticas que tinham antes de começarem o voluntariado em comitês e conselhos. Além disso, eles
vivenciaram tantas coisas e em tantos contextos nessas duas décadas que não
é fácil distinguir o aprendizado que se deu a partir de uma situação de aprendizagem que ocorreu em outra.
Uma estratégia metodológica para reduzir essas dificuldades é a de
pedir aos participantes que ilustrem o que consideram aprendizado com histórias e exemplos, e que façam conexões com experiências de aprendizados
semelhantes em outros contextos. Por exemplo, no caso do desenvolvimento
de habilidades de resolução dos conflitos, muitos dos participantes, que também eram mães e/ou professores foram capazes de fazer distinções e conexões
entre as suas experiências de aprendizagem em casa, na escola e em processos
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de democracia local. Além disso, recontando suas histórias, eles foram capazes de identificar casos em que um determinado conhecimento, habilidade
ou talento adquirido em um contexto – por exemplo, o voluntariado – foram
transferidos para outro: família, igreja, escola, etc.
6. O desafio do reconhecimento
Em 1971, Tough previu que a quantidade de conhecimentos relevantes e competências adquiridas pelas pessoas através da aprendizagem informal seria muito maior no futuro. Hoje, três décadas e meia e uma revolução
de informações mais tarde, parece que ele estava certo. Ao mesmo tempo, a
aprendizagem informal ainda hoje permanece à margem da nossa consciência coletiva:
Embora a aprendizagem informal pareça tão normal e natural
na atividade humana, ela é tão imperceptível que as pessoas não
parecem estar conscientes de sua própria aprendizagem, nem da
aprendizagem de outras pessoas. Educadores não a levam em conta
e assim por diante. As pessoas gastam 15 horas por semana com
aprendizagem informal, em média, e ainda assim não se fala sobre
ela, não é reconhecida, parece que é ignorada ou invisível (TOUGH, 1999, p. 2).
Tough ficava muito intrigado com educadores de adultos que expressavam frustração dizendo que não conseguiam motivar seus alunos a aprender, já que 90% dos adultos engajam-se em algum tipo de aprendizagem intencional a cada ano:
Talvez você não possa motivá-los a aprender o que você deseja que
eles aprendam, mas eles estão motivados a aprender. Muitos educadores de adultos têm a impressão de que seus alunos normalmente
não estão aprendendo e acreditam que devam, de alguma forma,
motivá-los, forçá-los ou persuadi-los a aprender. Bem, os alunos já
estão fazendo isso, apenas eles podem não estar fazendo da forma
como o educador espera que façam (TOUGH, 1999, p. 4).
Devido ao fato de a maior parte da aprendizagem informal ser difícil
de ser identificada, Tough (1999) criou a metáfora do iceberg da aprendizagem informal, dizendo que sua maior parte fica submersa, é explicada natu-
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ralmente e fica escondida tanto da sociedade quanto do aluno. Isso ajuda a
explicar o porquê de, historicamente, a aprendizagem informal não ser reconhecida pelas instituições sociais, sejam elas escolas, universidades, locais de
trabalho, órgãos reguladores ou associações profissionais. Esta situação começou a mudar lentamente desde o aparecimento dos sistemas de avaliação e
validação de conhecimentos anteriores, cerca de duas décadas atrás (EVANS,
2000). Um desses sistemas, atualmente em uso em vários países, é conhecido
como PLAR – Prior Learning Assessment and Recognition (Avaliação e Reconhecimento de Conhecimentos Anteriores).
6.1. Enfrentando o desafio metodológico
O PLAR é um processo sistemático que usa uma variedade de ferramentas para ajudar o aluno a identificar, articular e demonstrar o aprendizado adquirido fora do sistema de ensino formal para efeitos de obtenção de
reconhecimento por instituições educativas e outras agências. Como mencionado anteriormente, tal conhecimento pode ter sido adquirido através de
uma variedade de experiências de vida em diferentes ambientes. Esta aprendizagem informal pode ser expressa em termos de conhecimentos, habilidades,
atitudes e valores, tais como autossuficiência, colaboração ou preocupação
com qualidade e justiça. Pelo fato de o PLAR se propor a ajudar as pessoas a
demonstrarem e obterem o reconhecimento da aprendizagem que adquiriram fora do sistema de ensino formal, o foco é no que elas sabem e são capazes
de fazer.
Os princípios orientadores mais importantes do PLAR são que a
aprendizagem significativa pode acontecer e acontece fora da sala de aula, e
que essa aprendizagem pode e deve ser avaliada e considerada por instituições
de ensino, assim como no momento de contratação e promoção no trabalho.
Outro princípio é que, no momento de avaliação dos conhecimentos anteriores, o que foi aprendido é mais importante do que o quando, o onde ou o
como foi aprendido.
Um dos benefícios do PLAR é que os alunos (principalmente
adultos) conseguem evitar uma duplicação desnecessária de aprendizagem, poupando-lhes tempo e dinheiro e permitindo-lhes concentrar-se
no que eles desejam ou precisam aprender. Também reforça a sua autoestima e orgulho em relação às conquistas do passado e os habilita a des_ 107
cobrir e identificar pontos fortes e competências existentes. Além disso,
o PLAR promove a filosofia da aprendizagem como um processo ao longo da vida e auxilia alunos a atingirem objetivos e aspirações pessoais.
Da perspectiva institucional, o PLAR auxilia instituições educacionais
e locais de trabalho a fazerem uma alocação mais eficiente de recursos
(AARTS et al., 1999; DIAS et al., 2000).
No Canadá, conhecimentos anteriores são reconhecidos pela maioria das faculdades e também por algumas universidades. Algumas províncias
oferecem o PLAR também em nível de ensino secundário – ensino médio
– através dos seus conselhos escolares. Além disso, certos órgãos de licenciamento e certificação, como a Faculdade de Técnicos em Odontologia de
British Columbia e a Faculdade de Optometria de Ontário, utilizam o PLAR
para avaliar os conhecimentos e as habilidades de candidatos formados em
outros países que pretendam ingressar em suas profissões. Algumas organizações oferecem o PLAR para candidatos provenientes de outras províncias ou
territórios canadenses.
As instituições que utilizam o PLAR aplicam uma variedade de métodos para avaliar o nível de conhecimentos e habilidades das pessoas em um
determinado campo ou área. Entre esses métodos estão demonstrações, entrevistas estruturadas e apresentações de portfólio com amostras de trabalhos
anteriores. Para dar suporte aos alunos, algumas organizações oferecem cursos de como montar um portfólio. Muitas faculdades, universidades e órgãos
profissionais de certificação e licenciamento também utilizam testes orais ou
escritos para avaliar os conhecimentos anteriores de um candidato. Escolas
do ensino secundário tendem a aplicar dois métodos principais para avaliar
os conhecimentos e as competências que os alunos tenham adquirido fora
do ensino secundário. O primeiro, conhecido como “equivalência”, é o processo de avaliação das credenciais de outras jurisdições. O segundo, conhecido como “desafio”, é o processo pelo qual os conhecimentos anteriores dos
alunos são avaliados para efeito de concessão de crédito para um curso. Em
ambos os casos, os conhecimentos dos alunos e as competências são avaliados
comparando-os com o que está estabelecido em documentos que definem os
currículos na província a fim de ganhar créditos para um diploma de ensino
secundário. Embora o PLAR tenha trazido uma grande contribuição para o
reconhecimento da aprendizagem informal, sua aplicação nem sempre é fácil.
Entre os problemas mais frequentes estão a resistência das universidades em
108_
aceitá-lo, a dificuldade em transferi-lo a outros países ou jurisdições, a preocupação com a garantia de qualidade, o desconhecimento de sua existência,
inclusive pelos alunos, a falta de incentivos para que instituições e professores
se engajem no PLAR e a incoerência em relação a outros programas e políticas de aprendizagem de adultos mais amplos. Infelizmente, dois dos grupos
que mais poderiam se beneficiar do PLAR no Canadá, imigrantes e indígenas, estão entre os menos propensos a utilizá-lo. Ao mesmo tempo, pesquisas
com alunos que utilizaram o PLAR em faculdades revelam benefícios em
termos de redução de tempo e custo, assim como melhora na autopercepção
e autoestima (WIHAK, 2005).
7. O desafio pedagógico
Voltando à situação de minha pesquisa sobre a aprendizagem informal na democracia local, no final de cada entrevista perguntei aos participantes sobre seus momentos de aprendizagem mais memoráveis e pedi que explicassem por que eram particularmente importantes. Esta estratégia funcionou
bem e mais tarde fiquei contente quando descobri que outros pesquisadores
(por exemplo, STERNBERG, 2000) também concluíram que o fato de fazer
as pessoas lembrarem dos episódios que produziram os seus conhecimentos
tácitos é uma boa estratégia para eliciar conhecimento tácito.
Interessante foi descobrir que, entre muitos delegados do Orçamento
Participativo de Porto Alegre, o episódio de aprendizagem mais mencionado
foi o passeio de ônibus que fazem pela cidade antes de iniciar seus mandatos.
Comentaram que foi esse momento que abriu suas mentes. Disseram que a visita permitiu-lhes passar de uma visão limitada para uma perspectiva mais ampla,
ter uma melhor compreensão dos problemas enfrentados por outras comunidades, desenvolver um maior grau de solidariedade e defender o bem comum
nas discussões do orçamento. Em seu estudo sobre o Orçamento Participativo,
Harnecker (1999) também constatou que o passeio de ônibus ajudou os participantes não só a ganhar mais conhecimento sobre questões em nível municipal, mas também a desenvolver uma atitude mais compassiva em relação aos
grupos que estavam enfrentando problemas maiores do que o deles. Menciono
a história do passeio de ônibus porque se caracteriza em um bom exemplo para
fazermos a distinção entre aprendizagem informal e educação informal.
_ 109
7.1. Aprendizagem informal e educação informal
Aprendizagem informal, tal como mencionado anteriormente, refere-se ao processo de aquisição de conhecimentos, competências e atitudes
fora do currículo de instituições de educação formal e não formal. Educação
informal, por outro lado, refere-se à busca deliberada de situações que promovam certas experiências de aprendizagem informal. Educação informal
não tem professor, facilitador, currículo ou material didático, mas tem uma
concepção e uma intenção pedagógica desenvolvida a priori por alguém que
não é o aprendiz. No caso do passeio de ônibus do Orçamento Participativo, por exemplo, o projeto inclui um calendário (antes da primeira sessão do
Conselho), um espaço (um ônibus escolar) e um itinerário específico, e entre
as intenções pedagógicas está a de que os participantes ficam conhecendo
melhor as questões que afetam outras comunidades, se solidarizam com as
más condições dessas comunidades, expandem a sua compreensão das questões da cidade e consequentemente se tornam mais solidários durante o processo de alocação de recursos.
Outro exemplo de educação informal é o de um programa de estudo
de línguas de uma universidade para estudantes internacionais. A residência do
campus tem apartamentos para quatro pessoas. Os organizadores do programa poderiam dar aos alunos a liberdade de escolher seus corresidentes, o que
provavelmente resultaria em quatro pessoas que partilham a mesma língua e
mesmo país de origem no mesmo espaço. No entanto, estabeleceram uma regra
básica: não pode existir mais de um residente por país em cada apartamento.
Isso proporciona uma intensificação da aprendizagem da nova língua – que se
tornou a língua franca entre os quatro moradores – para que se desenvolva uma
compreensão intercultural e uma consciência internacional.
Um terceiro exemplo de educação informal foi um fórum sobre política urbana e deficiência organizada por cegos. Eles convidaram o prefeito
da cidade e outros ligados a tomadas de decisão para participar e pediramlhes que permanecessem de olhos vendados durante o período do fórum.
As autoridades disseram que naquelas horas aprenderam muito sobre os
desafios enfrentados pelas pessoas cegas na cidade. Provavelmente, um dos
mais conhecidos exemplos de educação informal é a aprendizagem experiencial utilizada em programas educacionais ao ar livre, como o movimento de escoteiros, no qual um grupo de jovens precisa aprender, por exemplo,
a desenvolver habilidades de orientação e o uso adequado de uma bússola
110_
a fim de encontrar a rota de volta ao acampamento. Exemplos de educação
informal na área da educação de cidadania democrática seriam as escolas
autorreguladas (que têm longa tradição, desde a Summerhill) e a aprendizagem cooperativa (exemplo disso são algumas das atividades incluídas na
abordagem pedagógica de Freinet). Através da educação informal, portanto, as pessoas podem adquirir determinados conhecimentos, habilidades,
valores ou talentos sem a presença de um instrutor ou um livro. É diferente
de aprendizagem informal, pois possui uma concepção pedagógica intencional e um resultado pretendido. Na educação informal, a questão é o currículo. Uma característica importante da educação informal é a qualidade e
a orientação da experiência.
Conforme Dewey (1938) observou, experiência e educação não podem ser equiparadas diretamente, pois as experiências podem educar ou maleducar e, portanto, o desafio central de uma educação baseada na experiência
é selecionar o tipo de experiência que poderá ser ampliada e aprofundada de
forma vantajosa e criativa em experiências futuras.
8. Síntese e considerações finais
Este artigo abordou quatro desafios que estão presentes no campo da
aprendizagem informal. Os principais pontos abordados no artigo podem
ser resumidos nos dez itens descritos abaixo. Alguns deles podem parecer
óbvios, mas, como dizia o educador brasileiro Paulo Freire, “por vezes é útil
tornar o óbvio explícito”.
1. A aprendizagem informal se refere a toda aprendizagem que ocorre
fora do currículo de programas e instituições de educação formal e não formal. No entanto, a aprendizagem informal pode ocorrer também dentro dos
muros de instituições de educação formal e não formal (sob a forma de currículo oculto, por exemplo), daí a necessidade de fazer a distinção: a aprendizagem informal como espaço e como processo.
2. A aprendizagem informal tem uma dimensão ao longo da vida. Em
outras palavras, ela pode ocorrer em qualquer lugar (por exemplo, no trabalho, na família, numa instituição religiosa, num museu, na rua, numa organização comunitária, numa festa, num teatro, numa escola, na Internet) e a
qualquer momento entre o nascimento e a morte.
_ 111
3. Embora a maioria dos conhecimentos, competências e valores importantes e relevantes que adquirimos ao longo da vida sejam através da aprendizagem informal e, embora “aprender fazendo” seja muitas vezes a forma mais
eficaz de aprender, a aprendizagem informal é raramente reconhecida por instituições de educação formal e locais de trabalho. Muitas vezes ela também é
imperceptível para os próprios alunos. Em razão disso, historicamente, pesquisadores da educação não deram uma atenção especial a essa questão.
4. No entanto, a concepção e a implementação de sistemas como o
PLAR, Prior Learning Assessment and Recognition (Avaliação e Reconhecimento de Conhecimentos Anteriores) e a criação e o crescimento de novas
redes de investigação dedicadas ao estudo da aprendizagem informal, durante as duas últimas décadas, vêm aos poucos trazendo o tópico das margens
para o centro de debates públicos e acadêmicos.
5. Usando intencionalidade e consciência como principais critérios, é
possível distinguir três formas de aprendizagem informal. Nesta tipologia, a
aprendizagem autodirigida está num extremo do espectro, socialização está no
outro extremo, e aprendizagem acidental está em algum lugar entre as duas.
6. A consciência de experiências de aprendizagem inconsciente e não
intencional (socialização) pode ocorrer após a experiência, e o processo de
reconhecimento retrospectivo pode ser gerado internamente ou conduzido
externamente, ou o aprendizado pode acabar permanecendo inconsciente
para sempre.
7. A aprendizagem informal pode ser cumulativa ou transformadora.
A aprendizagem acumulada refere-se à soma de conhecimentos, ao aperfeiçoamento das habilidades e ao desenvolvimento de valores que expandam
e fortaleçam os conhecimentos, habilidades e valores existentes. Em outras
palavras, continuamos operando dentro do mesmo paradigma. A aprendizagem transformadora refere-se a experiências de aprendizagem que nos levem
a desafiar nossos pressupostos e possam alterar radicalmente nosso conhecimento prévio, valores e abordagens.
8. A aprendizagem informal pode complementar e reforçar o aprendizado adquirido através do currículo formal e da educação não formal, mas
também pode contestá-lo. Por exemplo, podemos aprender na escola que o
sistema capitalista consiste numa grande contribuição para a humanidade, e
aprender através de maneira informal que esse sistema é prejudicial à humanidade. Da mesma maneira, um indivíduo pode ser socializado pela comu112_
nidade que o cerca de modo a torná-lo preconceituoso, mas aprender a ser
tolerante na escola. Além disso, ele pode frequentar uma escola e saber que
através do currículo formal está aprendendo um determinado conteúdo, mas
não ter consciência de que através do currículo oculto de aprendizagem também pode estar aprendendo o contrário (machismo, submissão e homofobia,
por exemplo).
9. Na mesma linha, a aprendizagem adquirida através de qualquer um
dos três tipos de aprendizagem informal (por exemplo, autodirigida) pode
reforçar ou contradizer as aprendizagens adquiridas através dos outros dois
(por exemplo: aprendizagem acidental). Digamos que numa festa alguém me
diga que o aquecimento global não é totalmente causado pela ação humana.
Mais tarde, no entanto, posso aprender o contrário lendo a literatura da área.
Além disso, experiências conflitantes de aprendizagem podem ocorrer mesmo dentro de uma das três formas de aprendizagem informal. Uma pessoa
pode se tornar religiosa através de uma primeira socialização, por exemplo,
mas, através de uma segunda socialização, tornar-se agnóstico e vice-versa.
10. É possível fazer uma distinção entre aprendizagem informal e
educação informal. A aprendizagem informal refere-se à aquisição de conhecimentos, competências e atitudes fora do currículo de instituições educativas formais e não formais. A educação informal consiste numa organização
deliberada de situações que promovam certas experiências de aprendizagem
informal. Ainda que na educação informal não existam professores, facilitadores ou livros didáticos, a experiência é projetada para ser uma experiência
educativa e é concebida por um agente pedagógico com objetivos educacionais em mente. Na educação informal, a experiência é o currículo.
Concluindo, há muitas questões que merecem discussão no campo
da educação informal. Este trabalho procura contribuir para esse debate,
abordando quatro dessas questões, entendidas como desafios. Em relação ao
desafio conceitual, o presente trabalho situa a aprendizagem informal num
contexto educacional mais amplo e propõe uma subdivisão interna das atividades de aprendizagem informal. Cabe reconhecer que a tipologia proposta
neste trabalho não explica tudo o que se passa na aprendizagem informal.
Limita-se a questionar se existe uma intenção de aprender alguma coisa e se o
aluno está ciente de que alguma aprendizagem ocorre. Não questiona o tipo
de intenção, no sentido de interesses de conhecimento como propõe Habermas (técnico, hermenêutico, emancipatório); não questiona se o propósito
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da aprendizagem é de aperfeiçoamento individual ou de bem-estar coletivo,
tampouco questiona as implicações dessas aprendizagens para controle e
mudança social. No entanto, proponho que esta taxonomia não exclua esses
tipos de análise, e pode muito bem ser complementada por eles. Em termos
de conscientização do processo de aprendizagem, esta taxonomia não trata
de questões como aprendizagem subliminar, hipnose e afins, mas reconhece
estas áreas como dignas de serem investigadas.
No que diz respeito ao desafio do reconhecimento, embora os diversos
sistemas de avaliação e reconhecimento de conhecimentos anteriores estabelecidos estejam trazendo uma grande contribuição no sentido de trazer à consciência a parte escondida desse iceberg, ainda existem algumas áreas problemáticas
em termos de concepção e execução. Entre elas, a possibilidade de transferência
do PLAR de uma província ou país para outro, a baixa participação dos alunos
(em parte devido à sua visão limitada dentro do universo da educação), a falta
de padrões de qualidade e a relutância das universidades a adotá-lo.
Em termos de desafio metodológico, a motivação para o desenvolvimento das estratégias para eliciar conhecimento tácito descrita neste trabalho surgiu a
partir da falha inicial descoberta quando foi feita uma tentativa com perguntas de
respostas abertas. Ao longo do tempo, a lista inicial de dez indicadores de aprendizagem informal cresceu para mais de 60, e uma quarta dimensão (mudanças
nas práticas) foi adicionada. Esta quarta dimensão permitiu que os participantes
não só falassem sobre as aplicações práticas dos seus novos conhecimentos, habilidades e valores, mas também elaborassem alguns dos ciclos de reflexão e de
ação (práxis) aos quais se submeteram durante seu processo de aprendizagem. A
abordagem metodológica pré e pós aqui descrita não é a única que pode ajudar
a eliciar a aprendizagem informal e conhecimento tácito, e ela certamente tem
limitações. Ao mesmo tempo, tem a vantagem de ser simples, direta e eficaz para
trazer à tona a aprendizagem informal e para estimular os participantes a contarem suas histórias pessoais de aprendizado e mudança, refletindo sobre elas.
Finalizando, quanto ao desafio pedagógico, pontuo que a área da educação informal tem um grande potencial para o desenvolvimento de iniciativas pedagógicas criativas que promovam experiências de aprendizagens positivas numa grande variedade de contextos e faixas etárias. É uma área para a
qual nós, educadores, ainda não dedicamos discussões e ação suficientes, mas
que oferece grandes possibilidades, principalmente no campo da educação
para a cidadania democrática.
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