Untitled - Nedelykov Moreira
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Untitled - Nedelykov Moreira
Martius-Staden-Jahrbuch 2005 Nr. 52 Herausgeber: Joachim Tiemann Eckhard E. Kupfer Renata S. G. Kutschat Martina Merklinger IMS05_miolo_1-348.p65 1 27/10/05, 16:54 Instituto de Educação da Bahia, Salvador. Alexander S. Buddeus 1935-1939. Fonte: Segawa, Hugo: Arquiteturas no Brasil 1900-1990 / São Paulo: Edusp, 1997 IMS05_miolo_1-348.p65 36 27/10/05, 16:54 A Cultura Arquitetônica dos países de língua alemã e seus reflexos no desenvolvimento da Arquitetura Moderna no Brasil 1880-1945 Pedro Moreira Berlim Resümee: Bei der Erforschung der Modernen Architektur in Brasilien konzentrierte sich die Literatur lange auf einige wenige Vorläufer und polarisierte dabei nicht selten LeCorbusier, der erstmals 1929 Brasilien besuchte. Schon seit dem 19. Jahrhundert jedoch sind europäische Einflüsse auf die Architektur in Brasilien festzustellen, die ebenfalls Eingang fanden ins Moderne Bauen des Landes und die in jüngeren Untersuchungen verstärkt berücksichtigt worden sind. Pedro Moreira gibt einen Überblick über die Bautätigkeit von Ingenieuren und Architekten aus dem deutschen Sprachraum, die in unterschiedlicher Weise die Moderne in Brasilien mitgeprägt haben. Abstract: Research about Modern Architeture in Brazil concentrated for a long time on a few precursors, often polarizing on Le Corbusier, who, as early as 1929, visited Brazil. European influence on Brazils arquitecture is present since the th 19 century, and made itself felt also in Modern Architeture as recent research shows. The autor, Pedro Moreira, gives an allround view on the building activities made by engineers and arquitects of German extraction wich marked in different ways Brazilian modern architeture. 37 IMS05_miolo_1-348.p65 37 27/10/05, 16:54 Preâmbulo Até o presente momento, os reflexos da Cultura Arquitetônica dos países de língua alemã no período formativo da Modernidade Arquitetônica no Brasil foi tido como um fenômeno periférico. Embora o nome de alguns arquitetos seja bastante conhecido, e sua presença em certas regiões do Brasil tenha sido mais marcante, a real importância desta contribuição ainda permanece por ser investigada. De início, parece-me necessário salientar que, quando tratamos da cultura arquitetônica dos países de língua ou influência cultural alemã, referimo-nos a um vasto território cuja divisão geopolítica passou por constantes mudanças ao longo dos dois últimos séculos. Consideramos portanto os diversos Estados Alemães, tanto das regiões primordialmente católicas quanto das protestantes, mas também domínios do Império Austro-Húngaro, partes da atual Suíça ou até mesmo da França, e territórios como Ostpreussen, Pommern, Schlesien, Böhmen e Mähren, hoje pertencentes a países da Europa Oriental. A priori, as atividades de arquitetos e engenheiros, construtores e mestres de obras provindos destas regiões iniciam-se no Brasil durante o período colonial, de forma esparsa e até incidental, mas vem a intensificar-se com o início do processo migratório no 1° Império a partir de 1824. Mais tarde, com o advento da Guerra Franco-Prussiana e a formação do Deutsches Kaiserreich em 1871 ocorre a rápida modernização da Alemanha, possibilitada pelos pagamentos de reparação franceses. Nesse novo contexto há uma temporária redução do fluxo migratório, que volta a intensificar-se após 1888, data da abolição da escravatura no Brasil, e período em que se verifica nas cidades alemãs uma explosão urbana acompanhada por dramática derrocada das condições de vida do proletariado industrial. Este processo extende-se durante os anos da 1ª Guerra Mundial e nos anos 20, dadas as duas fases de recessão da República de Weimar, e arrefece com a crise da cultura cafeeira brasileira desencadeada com a crise mundial de 1929 e a ascenção de Getúlio Vargas ao poder em 1930, quando praticamente termina o período da imigração organizada. Com a ascenção do nazismo ocorre um fluxo migratório diferenciado, de expressão numérica bem menor, caracterizado pela chegada de alemães de origem judaica e de refugiados políticos. Após 1945 os alemães que se estabelecem no Brasil são em geral trabalhadores qualificados que contribuem para a consolidação da indústria nacional, e alguns arquitetos, que buscam novas condições de trabalho em uma economia florescente. 38 IMS05_miolo_1-348.p65 38 27/10/05, 16:54 Fins do Século XIX e início do Século XX 1 A pesquisa precursora do Professor Günter Weimer sobre a presença de arquitetos e engenheiros de língua alemã foi pioneira e concentrada na região do Rio Grande do Sul. Meu próprio trabalho procura extender este resgate a outras regiões do país, particularmente a São Paulo e Rio de Janeiro2, no período de 1880 a 1945. Serão aqui abordadas biografias e obras significativas da imigração, assim como ressonâncias da Cultura Arquitetônica desses países, com o intuito de demonstrar sua densidade e relevância, até agora pouco consideradas na historiografia do Modernismo Brasileiro. Alguns nomes serão abordados com maior intensidade por bem representarem fenomenologicamente os processos de diálogo intercultural na Arquitetura3. O Brasil do século XIX caracteriza-se pelo domínio de uma sociedade oligárquica vinculada à monocultura cafeeira, cuja referência cultural é a Europa. Na Arquitetura e nas Artes Plásticas as elites adotam os valores propagados pela École de Beaux Arts. Uma classe média é praticamente inexistente, vindo a constituir-se somente a partir da Proclamação da República em 1889. Enquanto, em cidades como São Paulo, o italiano é a língua estrangeira mais disseminada entre a população trabalhadora, o alemão é, depois do francês, o idioma preferido das elites. O domínio do Academicismo perdura até a década de 1920, quando as primeiras manifestações inspiradas pelo Modernismo europeu começam a ter ressonância em círculos ainda restritos das camadas intelectuais. A eles deve-se uma revalorização de fatores estéticos da cultura nacional, já iniciado na virada do século. Afora a arquitetura popular de imigração, que mais tarde chega a ser caracterizada como uma arquitetura vernacular do Sul do Brasil e que não será tratada neste ensaio, a influência dos imigrantes alemães no período de 1850 a 1920 dá-se 1. Textos selecionados do Prof. Günter Weimer: A Arquitetura da Imigração Alemã: um estudo sobre a adaptação da arquitetura centro-européia ao meio rural no Rio Grande do Sul (dissertação de mestrado), Editora da Universidade UFRGS, Porto Alegre; Editora Nobel, São Paulo, 1983 (1a Edição) Arquitetura Modernista em Porto Alegre, Editora da UERS, Porto Alegre, 1998 Arquitetos e Construtores no Rio Grande do Sul 1892-1945, Editora da Universidade de Santa Maria, Santa Maria, 2004. Arquitetura erudita de imigração alemã no Rio Grande do Sul, Tese de Doutorado, FAUUSP, São Paulo, 1990 2. Por razões editoriais é impossível apresentar nesta publicação provas científicas dos muitos dados e fatos apresentados. Eles poderão ser em breve consultados na tese de doutorado do autor, desenvolvida em Berlim. 3. De acordo com o atual estado de conhecimento das biografias individuais, os nomes serão apresentados em negrito, com nome original de nascimento (Geburtsname), contendo entre parênteses o nome adotado pelo arquiteto no Brasil ou como este é mais freqüentemente citado na literatura. É importante notar que alguns dos sobrenomes são freqüentemente encontrados com ortografias distintas (por exemplo: Häussler, Hausler, Heussler, Heusler etc). 39 IMS05_miolo_1-348.p65 39 27/10/05, 16:54 através da contribuição de arquitetos, engenheiros, mestres de obras e operários no processo de modernização das cidades. Enquanto no Rio de Janeiro o Ecletismo é fortemente marcado pela tradição francesa, em São Paulo e Porto Alegre o panorama é mais variado. Diversos arquitetos e Mestres de Obras de origem alemã deixaram suas marcas nas cidades brasileiras nesse período, porém são poucos os casos nos quais se pode falar de contribuições decisivas por seu valor estético inovador. A atuação desses profissionais impulsiona melhorias na qualidade técnica dos edifícios, seja no campo artesanal ou na introdução de técnicas construtivas atípicas naquele momento no Brasil. Eles atuam em trabalho conjunto com mestres e operários de diferentes origens européias, em particular com italianos. Já naquele período comenta-se a diferenciação das qualidades específicas desses grupos: os italianos dedicam-se a tarefas de ordem artesanal e artística, os alemães tem a reputação de excelentes técnicos. Um dos nomes importantes no séc. XIX no Rio de Janeiro é o de Ludwig 4 (Luiz) Schreiner (1838 1892), engenheiro/arquiteto formado em Berlim pela Königlich Preussische Kunstakademie. Emigrado à então Capital do Império do Brasil, teve destacado papel na formação de profissionais na Escola Politécnica. Em 1878 a tradição colonial paulista é rompida pelo alemão Hermann von Puttkammer (1842 1917) com a construção do Grande Hotel. Em 1886 chega Matheus Häussler, que projeta a partir de 1890 o palácio do cafeicultor Elias Chaves no bairro dos Campos Elíseos, em estilo neo-barroco francês, terminado por von Puttkammer somente em 1899. Nas redondezas também se encontram as residências de diversos alemães enriquecidos no Brasil, como as famílias Glette e Nothmann. Atuam para esta clientela arquitetos como Julius Ploy, Oscar Kleinschmidt, Johann Blank ou Behmer. A partir de 1880 também verifica-se a presença das chamadas empresas construtoras alemãs no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Porto Alegre e em Curitiba. A maioria delas foi na verdade fundada no Brasil por imigrantes dos diferentes países de língua alemã e seus descendentes. Verifica-se também o aparecimento de diversas empresas de importação que se especializam na oferta de materiais de 4. A definição dos termos Engenheiro-Arquiteto, assim como Baumeister, Engenheiro e Arquiteto, Arquiteto-Construtor etc é bastante complexa e dá-se de forma distinta nos diversos países. No Brasil, esta diferenciação acontece de forma irregular, de acordo com desenvolvimentos locais. No Rio de Janeiro, onde a Academia Imperial seguiu desde seu início os postulados da École des Beaux Arts, a distinção ocorre já no séc. XIX. Em São Paulo, o Ethos profissional é mais próximo da tradição da Engenharia, e somente a partir de 1915 percebe-se certo esforço na clarificação de categorias, inicialmente na Escola Mackenzie, e mais tarde, nos anos 40, com a criação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e sua independência da Escola Politécnica. Este fator é central para a apreciação das diferentes Arquiteturas produzidas nas duas cidades. 40 IMS05_miolo_1-348.p65 40 27/10/05, 16:54 construção importados desses países. A denominação alemã, comum nesses anos, reflete a complexidade dos processos de integração dos emigrados na sociedade brasileira do período. Os contatos sociais dentro das comunidades tinham papel fundamental para o mercado de trabalho. Assim, é fundado já em 1821 o primeiro Club Germania no Rio de Janeiro, que reúne investidores, comerciantes, cientistas e intelectuais, seguido por clubes semelhantes em Porto Alegre, Santos, São Paulo, Salvador, Florianópolis e Blumenau. Diversos imigrantes enriquecidos trouxeram ao Brasil arquitetos e engenheiros de seus países de origem para a construção de suas residências, sendo que vários deles permaneceram no país. Curiosamente é na realização de obras em estilo neogótico que os germânicos se destacam, especialmente nos projetos religiosos. Em Porto Alegre encontra-se Johann Grünewald (Königswinter 1832 1910 Porto Alegre ?), que foi aprendiz de Vincenz Staats, Dombaumeister de Colônia, e que, após chegar ao Brasil em 1861, consolidou uma reputação como construtor de igrejas neogóticas e neoclássicas. Pouco mais tarde, atua em São Paulo Maximilian Emilian Hehl (1860 1916), que nasceu em Kassel, onde seu pai foi diretor da Escola Politécnica. Formou-se pela Politécnica de Hannover e trabalhou nos escritórios Hartel, Neckelmann e Rincklage & Becker antes de imigrar para o Brasil em 1888, como engenheiro para a Estrada de Ferro Bahia-Minas. Transfere-se para São Paulo, onde trabalha para o Escritório Técnico Ramos de Azevedo, o mais importante da época, o qual chegou a chefiar. Logo após a fundação da Escola Politécnica de São Paulo é nomeado Professor da cadeira de Composição, que 50 anos mais tarde daria origem à Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo. Realiza projetos próprios desde 1890, e foi o grande propagador do estilo neogótico. Sua obra mais conhecida é a monumental Catedral de São Paulo (1913 1973), tendo também sido autor de obras como a Igreja da Consolação e colégios religiosos. Hehl utiliza o vocabulário neomedieval no frontispício dos templos, em combinação com plantas-tipo da tradição da arquitetura religiosa portuguesa, e cúpulas inspiradas no renascimento italiano. Realiza também grandes residências, como sua própria, no bairro de Higienópolis em São Paulo, nas quais emprega citações volumétricas do neogótico germânico em combinação com elementos decorativos do Jugendstil. Nesse período são também construídos no Brasil projetos importados da Europa, e com freqüência seus autores nem mesmo vieram ao país para acompanhar sua construção. Algumas dessas obras causaram grande impacto e acabaram por influenciar desenvolvimentos locais. É o caso do complexo do Mosteiro de São Bento em São Paulo, em estilo neogótico com forte influência do Jugendstil. Enco41 IMS05_miolo_1-348.p65 41 27/10/05, 16:54 mendado pelo Abade alemão Dom Michael (Miguel) Kruse, foi projetado na Alemanha a partir de 1910 pelo arquiteto Richard Berndl (1875 1955) de Munique, autor de projetos de prestígio como o Mausoléu da Família Andrássi, na Hungria (1904) e o Mozarteum em Salzburg (1910 1914). August Fried Durny (1857 ?), arquiteto formado em Stuttgart, trabalhou alguns anos em Buenos Aires antes de imigrar a São Paulo. Fried constrói uma série de grandes residências burguesas como a Villa Adam von Bülow e a Villa Hermann Burchard, e foi responsável pelo representativo edifício da Deutsche Schule em São Paulo (19111913), no qual demonstra perfeito conhecimento dos desenvolvimentos da Arquitetura Escolar na Alemanha. Ao chegar a São Paulo ele se associa por alguns anos ao sueco Karl (Carlos) Ekman (1866 1940), um profissional que bem exemplifica o caso de arquitetos imigrados de origem não diretamente germânica, mas cujas obras refletem os desenvolvimentos estilísticos e técnicos naqueles países. Formado em Stockholm, Ekman teve passagens pelos Estados Unidos e Argentina antes de chegar ao Brasil por volta de 1896. Após o término da sociedade com Fried, ele realiza diversas obras importantes, dentre as quais a mais significativa é a grande residência urbana construída em 1902 para o Conde Álvares Penteado, rico cafeicultor e pioneiro da industrialização no Brasil. Ekman foi bastante influenciado por Otto Wagner e pela Wiener Sezession, e tinha conhecimento da obra de Henry Van der Velde e Victor Horta. Na Vila Penteado, Ekman magistralmente incorpora uma iconografia tropical brasileira ao edifício. A madeira adquire nos interiores importância equivalente à do ferro na obra de Horta. Dignos de nota são a presença do ramo de café e de frutas tropicais como a goiaba nos elementos decorativos. Ekman é também autor do segundo Theatro São José, no novo centro de São Paulo, da Escola de Comércio Álvares Penteado (1912), ambos de inspiração secessionista, e de diversas residências menos majestosas mas com apuro estilístico, seguindo a tipologia Chalet. São muitos os engenheiros e engenheiros-arquitetos que vieram ao Brasil temporária- ou permanentemente para participar na construção das Ferrovias, especialmente aquelas ligadas à exportação do café. Este é o caso de Carl Hermann Cörner (Dresden 1853 1909 São Paulo), que trabalhou para a Estrada de Ferro Sorocabana. Na Engenharia e Construção, destaca-se o Escriptório de Engenharia Rudolph Ahrons (Porto Alegre 1869 1947) em Porto Alegre. Ahrons era filho do também engenheiro Wilhelm Ahrons (Lüneburg 1836 1915 Porto Alegre), que ao chegar ao Brasil já havia estabelecido uma empresa construtora. Rudolph, que estudou em Berlim, foi responsável por muitas das grandes obras públicas da cidade, e contrata arquitetos alemães como Otto Hermann Menchen (Landau/ 42 IMS05_miolo_1-348.p65 42 27/10/05, 16:54 Pfalz 1876 ca. 1940 Porto Alegre), que em 1908 torna-se autônomo e é substituído por Theodor Wiederspahn (Wiesbaden 1878 1952 Porto Alegre), gerente do escritório até 19155. Wiedersphan viria a ser um dos mais importantes arquitetos atuantes no Sul do Brasil. Também relevante é o Escriptório Técnico Riedlinger. Sabe-se pouco sobre seu fundador, Lambert Riedlinger, que iniciou atividades em Florianópolis e mais tarde transferiu-se para São Paulo. Foi um dos pioneiros do concreto armado no Brasil, e formou uma geração de engenheiros, entre eles W. Tietz e Emílio Baumgart, que ao lado de Joaquim Cardozo, fornecerá a base técnica para a realização Arquitetura Moderna no país. Ponte sobre o Rio do Peixe, Santa Catarina, Emílio Baumgart, 1929. Fonte: Bardi, Pietro Maria, Profile of the New Brazilian Art, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre: Livraria Kosmos Editora, 1970. A formação do Movimento Moderno no Brasil Recepção às realizações das Vanguardas Alemãs Ao contrário do que se verifica em alguns países da América Latina, a presença de arquitetos de origem germânica de renome entre dos anos 20 e 50 é relativamente reduzida, e restringe-se a visitas, projetos ocasionais, ou à influência indireta por via de literatura e viagens. Será aqui tratado em especial o período heróico do Modernismo Brasileiro, que vai de 1925 a 1936. O interesse na análise do 5. Theodor Wiederspahn produziu uma obra de grande austeridade formal, coerência estrutural e ausência de ornamento, cujo momento de modernidade é expresso no precursor edifício do Moinho Chaves, de 1921/22. 43 IMS05_miolo_1-348.p65 43 27/10/05, 16:54 mesmo sob o ponto de vista da influência da Arquitetura dos países de língua germânica está na absorção das realizações das Avant Garde por parte dos arquitetos atuantes no país, independentemente de sua origem. Os primeiros ecos dos movimentos europeus de Avant Garde ocorrem nas Artes Plásticas a partir de 1913, data das exposições de Lasar Segall em São Paulo e Campinas, tidas como as primeiras mostras de pintura moderna no Brasil, mas que não chegam a causar impacto. É importante ressaltar que, tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro, foi grande a interação entre artistas das diversas áreas e arquitetos, sendo que esses artistas freqüentemente serviram como transmissores dos debates e das realizações européias. Serão aqui mencionados dois casos prototípicos de Pintores Modernistas, um estrangeiro e uma brasileira. Lasar Segall (1890 1957) nasceu em Vilna, Lituânia, emigrou para Berlim em 1906, onde estudou na Kunstakademie entre 1907 e 1909. A partir de 1910 viveu em Dresden, foi co-fundador da Neue Dresdner Sezession, e é considerado 6 um dos mais eloqüentes nomes da segunda geração do expressionismo alemão . Imigra a São Paulo em 1923, casando-se com a brasileira Jenny Klabin, de ascendência russo-judaica. Segall realiza em 1923 o primeiro ambiente modernista no Brasil, o chamado Pavilhão Moderno da mecenas Olívia Guedes Penteado. Dadas as relações familiares que em seguida apreciaremos, manteve estreito contato com os arquitetos da primeira fase do Modernismo em São Paulo. Segall não perde de vista os colegas alemães nos anos 20 e 30, mantendo correspondência com Kandinsky, Marcel Breuer, Max Pechstein e outros. Viaja à Alemanha em 1926, e vive de 1928 a 1931 em Paris, ano que retorna definitivamente a São Paulo. Em 1914 ocorre a primeira mostra de Anita Malfatti (1896 1964). Nascida em São Paulo em 1889, Anita viaja a Berlim em 1910 acompanhando amigos da família. Ela freqüenta a escola privada do retratista Fritz Bürger e faz cursos de desenho com modelo vivo no Königliches Kunstgewerbemuseum (Museu Real de Artes Aplicadas)7. Nesse período ela é fortemente influenciada por alguns de seus mestres, em especial por Lovis Corinth, o mais expressivo dos pintores da Berliner Secession. 6. A obra de Lasar Segall é marcada pelos horrores da 1ª Guerra Mundial, como a de seus contemporâneos Max Beckmann e Otto Dix, pela herança judaica e pelas memórias da imigração. Seu trabalho é exibido pelos nazistas na mostra Entartete Kunst (Arte Degenerada) em 1937. 7. Em diversas fontes encontramos a menção de que Anita Malfatti teria estudado na Königlichen Akademie, Berliner Kunstakademie ou mesmo Preussische Akademie der Künste (em todos estes casos, trata-se da Academia de Artes de Berlim, a mais prestigiada instituição da época na Alemanha). Segundo Stephanie Dahn Batista, que dedicou seu trabalho de graduação junto à Universidade de Münster à vida e obra da pintora, Anita Malfatti teria na verdade se matriculado no Königliches Kunstgewerbemuseum, já que mulheres não foram aceitas na Academia até 1919. Informação extraída do artigo Nichts in der Welt ist ohne Farbe, Bonn: Revista Tópicos 01/2001, S. 28-29. 44 IMS05_miolo_1-348.p65 44 27/10/05, 16:54 Em Berlim Anita entra em contato com a obra de jovens pintores expressionistas, e em 1912 visita a Sonderbundausstellung em Colônia, na qual se impressiona com o forte colorismo dos pintores Fauve. Ela chega a viver alguns meses em Dresden, cidade em que se concentram boa parte dos expressionistas ligados ao Movimento Die Brücke (A Ponte) assim como artistas mais individualistas, entre eles o próprio Segall, que ela só viria a conhecer no Brasil anos mais tarde. Os quase 5 anos vivenciados na Alemanha foram fundamentais para a formação da visualidade e identidade artística de Anita Malfatti. Em 1915 ela viaja aos Estados Unidos, permanece por algum tempo em Nova Iorque e finalmente retorna ao Brasil no ano seguinte. Em 1917, realiza em São Paulo uma exposição individual que é ferozmente atacada por grupos conservadores e assim inaugura o debate em torno da Arte Moderna. Malfatti e Segall são figuras fundamentais para a formação de uma consciência moderna nos círculos culturais brasileiros e ao longo dos anos 20 convivem com diversos dos protagonistas da Nova Arquitetura. O evento decisivo para a consolidação do grupo de intelectuais Modernistas foi a chamada Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo, da qual participaram artistas das mais diversas áreas. No entanto, a Arquitetura não esteve representada de forma significativa. Até aquele momento o cenário arquitetônico continuava impregnado por um ecletismo tardio, e pelo estilo neo-colonial, de origem acadêmica, e propagador de valores pseudo-nacionais. Apesar do contato permanente das elites brasileiras com a Europa, não havia nesse momento uma abertura para novas visões estéticas. Dois arquitetos estrangeiros participam da mostra, dentre eles o polonês Georg Przyrembel, que chegou ao Brasil em 1912 1913 e apresentou na mostra projetos acadêmicos em estilo neocolonial. Um evento peculiar passou desapercebido no Brasil: em 1922, o alemão Hugo Häring (Biberach an der Riss 1882 1958) havia preparado dois projetos para o Rio de Janeiro. Häring, que pertenceu à primeira geração do Modernismo alemão, foi membro-fundador e Secretário do Grupo Zehnerring (1923 24), chamado Der Ring de 1926 até sua dissolução em 1933. Foi também representante da Alemanha no CIAM de 1928 em La Sarraz, mas sua carreira não teve a mesma desenvoltura da de seus contemporâneos Mies van der Rohe e Gropius. Häring propagava um singular ideal organicista na Arquitetura, cuja definição permanece uma incógnita, entre outros dada sua reduzida obra construída. Dois irmãos de Hugo Häring haviam emigrado para o Rio no início da Guerra em 1914. Através deste contato Hugo Häring projeta em 1921/22 uma nova sede para o Club Germania em Botafogo, que permaneceu no papel. Curioso é o fato de que Häring, que naqueles anos dividia o espaço de trabalho com Ludwig Mies van der Rohe em Berlim e encontrava-se intimamente envolvido com as discussões das van45 IMS05_miolo_1-348.p65 45 27/10/05, 16:54 1a versão 2a versão Projeto para o Club Germania, Rio de Janeiro. Hugo Häring, 1922 Fonte: Archiv Akademie der Künste Berlin, Nachlass Hügo Häring in: Schirren, Mathias (Hrsg.), Hugo Häring, Architekt des Neuen Bauens, Ostfildern-Ruit: Hatje Cantz, 2001 guardas alemãs, desenvolve um projeto em estilo supostamente neocolonial, por acreditar ser esta a Arquitetura conveniente para um país periférico como o Brasil. No entanto, logo em seguida ele produz uma versão moderna do mesmo projeto, que apresenta na 1ª Bauhausausstellung em Weimar. Häring oportunisticamente instrumentaliza o Brasil para os fins de Walter Gropius, organizador da mostra, no sentido de demonstrar que o Movimento Moderno já havia se internacionalizado. No mesmo período Häring participa de um grande concurso no Rio de Janeiro para a construção do Hospital Gaffré-Guinle e recebe o primeiro prêmio com um projeto em estilo neocolonial8. Ele jamais veio ao país e o projeto foi executado por colegas brasileiros. Outro caso pouco comentado é o do arquiteto Ernest Karl Ludwig Seubert (Velden 1876 1941 São Leopoldo), alemão imigrado para o Brasil em 1913. Em 1915 as comunidades de São Leopoldo e Novo Hamburgo iniciam a preparação de Comemoração do Primeiro Centenário da Imigração Alemã, decidem pela construção de um Monumento do Imigrante, em Novo Hamburgo. Criam o Denkmalverein, que organiza um Concurso em 1923, vencido por Seubert. O monumento seria inaugurado em 1927. Com planta octogonal, o edifício de 23 metros de altura segue a forma de Zigurat com quatro níveis. Esta obra 8. Este edifício veio a ser construído de acordo com seu projeto, sendo concluído em 1927. Novamente ele recorre ao clichê do estilo neocolonial, embora o projeto demonstre alguns aspectos de seu propagado organicismo, como por exemplo a configuração afunilada dos longos corredores, de acordo com os volumes de fluxo. Não há no entanto indícios de que Häring o tenha detalhado ou mesmo visitado o Brasil e visto a obra construída. 46 IMS05_miolo_1-348.p65 46 27/10/05, 16:54 singular é conceitualmente próxima a realizações de Bruno Taut e a projetos de outros membros da Gläserne Kette nesse período, e testemunha o conhecimento do Expressionismo no Brasil naquele momento. Em obras subsequentes, Seubert mantém-se porém fiel ao academicismo. Na historiografia da Arquitetura considera-se 1925 como o ano inaugural da Arquitetura Moderna no Brasil. Nesta data aparecem dois artigos em jornais pau9 listanos. Um deles, assinado por Gregori Warchavchik (Odessa 1896 1972 São Paulo), leva o título Acerca da Arquitetura Moderna e tem o caráter de manifesto pela modernização: Warchavchik programaticamente apropria-se da definição da Máquina de Morar de Le Corbusier, anunciada em L´esprit Nouveau e com a qual teve contato ainda em Roma. Em Odessa o arquiteto iniciou seus estudos, interrompidos com a Guerra. Formou-se na Escola Politécnica de Roma em 1920, onde foi colaborador de Piacentini, e chegou ao Brasil em 1923. Casou-se com a abastada filha de imigrantes russos Mina Klabin, que como sua irmã Jenny, casada com Lasar Segall, falava fluentemente alemão e com freqüência visitava a Alemanha. Ambos os casais recebiam periodicamente publicações estrangeiras de Arte e Arquitetura e mantinham contato com colegas alemães. Em 1927 ocorre o concurso para o novo Palácio do Governo de São Paulo, e o engenheiro Flávio de Carvalho (1899 1973) escandaliza o júri e o público com um projeto modernista. Flávio de Carvalho havia concluído em New Castle seu curso de EngeConcurso para o Palácio do Governo de São Paulo. Flávio de Carvalho, 1927 nharia e antes de voltar ao Brasil realiFonte: Biblioteca FAU-USP, em: Daher, Luiz zara viagem pela Europa, tomando con- Carlos, Flávio de Carvalho, Arquitetura e tato com as diversas tendências artísti- Expressionismo, São Paulo 9. O texto de Warchavchik foi inicialmente publicado em língua italiana no jornal paulista de imigrantes Il Piccolo em 14 de junho com o título Futurismo?, e em português sob o título Acerca da Arquitetura Moderna no Correio da Manhã carioca em 1º de novembro. Em 15 de outubro, o jornal O Estado de São Paulo publica o artigo A Arquitetura e a Estética das Cidades, de Rino Levi, brasileiro de origem italiana que nesse momento ainda estudava na Escola Politécnica de Roma. 47 IMS05_miolo_1-348.p65 47 27/10/05, 16:54 cas e arquitetônicas. O projeto para São Paulo tem caráter iconográfico: simetrias de tradição acadêmica aliadas a volumetrias análogas à de projetos do Grupo De Stijl, referências às obras do Construtivismo Russo, de Hans Poelzig e Erich Mendelsohn, e sobretudo busca a monumentalidade cênica dos filmes do expressionismo alemão. Até mesmo os recursos gráficos utilizados nas perspectivas são uma menção direta a Metropolis de Fritz Lang e aos cartazes de Symphonie einer 10 Großstadt, de Walther Ruthmann . Duas obras do ano de 1927 em São Paulo são genericamente aceitas como os primeiros edifícios modernistas realizados no Brasil: o Edifício de Apartamentos da Rua Angélica, de autoria de Júlio de Abreu Júnior (1895 ?) 11, e a residência de Gregori e Mina Klabin Warchavchik, conhecida como Casa da Rua Santa Cruz. Embora se reconheça o esforço de Warchavchik na aplicação de princípios modernos, a obra foi limitada pela falta de recursos técnicos compatíveis com seus anseios, e pelas dificuldades que teve com a aprovação do projeto por uma comissão de censura estética da municipalidade. Esta CasaManifesto é uma perfeita ilustração do processo de interpretação do Modernismo Europeu para o Brasil. A intimidade de Warchavchik com os conceitos das vanguardas alemãs reflete-se por exemplo no fato de que ele rejeita os adjetivos Moderno ou Modernista, preferindo denominar sua obra Arquitetura Nova, numa tradução literal do Neues Bauen alemão. O despojamento desta obra pode ser associado à Villa Steiner de Adolph Loos (1910). A varanda posterior e os elementos de proteção solar denotam a clara preocupação do arquiteto em interpretar os princípios modernos de acordo com as condições locais. O revolucionário jardim tropical de Mina, com suas palmeiras e cactus, era a materialização da estética do Grupo Modernista. A Casa da Rua Santa Cruz atrai grande atenção pública e causa enorme polêmica. Não por acaso, a Arquitetura de Warchavchik foi prontamente adotada pelo Grupo Modernista, atarefado com a reformulação e propagação de valores da cultura nacional. 10. A este projeto seguem-se até 1930 diversas outras propostas em concursos, que se não tem sucesso continuam a chamar a atenção de público e crítica para uma nova estética. Posteriormente, sua obra arquitetônica foi bastante reduzida e permanece permeada de um ecletismo modernista. Como pintor, escultor e cenógrafo mantém coerência fiel à tradição expressionista e dadaísta. 11. Nascido em São Paulo em 1895 e formado pela Escola Politécnica desta cidade em 1914, teve estudos posteriores em Paris e provavelmente viajou pela Europa. Esta obra introduz uma tipologia habitacional inusitada na cidade, e conta com grande clareza funcional e construtiva. Utilizando como recurso um jogo geométrico de aberturas, o arquiteto cria grande plasticidade ao expressar nas fachadas a função de cada espaço. A biografia de Júlio de Abreu permanece pouco estudada, sendo impossível aqui analizar a questão de fontes e influências do mesmo, ou seu contato com as realizações das vanguardas alemãs. 48 IMS05_miolo_1-348.p65 48 27/10/05, 16:54 Casa do Arquiteto na Rua Santa Cruz, São Paulo. Gregori Warchavchic, Jardins de Mina Klabin Warchavchic, 1927/28 Casas econômicas para a classe média. Rua Berta, São Paulo. Gregori Warchavchik, 1930 Fonte das imagens: o.A., Kat. Warchavchik e as Origens da Arquitetura Moderna no Brasil, Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, Agosto de 1971 49 IMS05_miolo_1-348.p65 49 27/10/05, 16:54 A partir deste projeto, Warchavchik cria para si um mercado de trabalho junto à média burguesia e constrói entre 1928 e 1933 uma série de residências modernistas de grande vigor plástico, mais eloqüentes que a primeira obra. Parte de seus clientes nesses anos tem nomes de origem germânica. (Graf, Schwarz, Nordschild). Warchavchik persegue a idéia programática do Gesamtkunstwerk (Obra de Arte Total) propagada, entre outros, pela Bauhaus. Concebe esquemas policromáticos e fabrica mobiliário para suas casas, além de dotá-las de obras de arte de modernistas brasileiros e de peças vindas da Europa, como cadeiras de Marcel Breuer (pertencentes a Lasar Segall), tapeçarias da Bauhaus, esculturas de Jacques Lipchitz, etc. O mais claro exemplo é a Casa da Rua Itápolis, inaugurada com uma exposição pública em março de 1930. Até meados dos anos 30 a obra de Warchavchik permanece francamente relacionada ao Modernismo Alemão. Quando de sua primeira visita ao Brasil em 1929, Le Corbusier visita obras de Warchavchik em São Paulo, e em seguida recomenda ao Secretário Geral dos CIAM Siegfried Gideon que o nomeie como representante do movimento para a América Latina. Assim, Warchavchik vai ao Congresso de Bruxelas e tem contato direto com os colegas europeus, entre eles Gropius, Mies van der Rohe e Häring, e ao retornar divulga entre alguns colegas brasileiros seu relatório da viagem. Este contato dura até 1933, quando se interrompe boa parte da correspondência dos CIAM. A atuação acadêmica de Professores de origem germânica também deve ser destacada, especialmente na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro (ENBA). A Revolução de 1930 ocasionou radical mudança no panorama político Brasileiro, e o jovem governo revolucionário, propagando um novo ideal nacional, inicia a renovação institucional que leva Lúcio Costa, então com 28 anos, à Direção da ENBA em 1930. Costa, ainda imaturo em relação aos princípios da Arquitetura Moderna, mas já convencido de sua relevância, convoca quatro colegas para uma radical reformulação curricular: Gregori Warchavchik e Alexander S. Buddeus (? ?) na área de Arquitetura, Celso Antonio (1896 1984) e Leo Putz (Meran 1869 1940), renomado pós-impressionista ligado à Münchner Neue Sezession, para a Pintura. Buddeus, supostamente alemão e recém-chegado ao Rio de Janeiro, havia trabalhado no projeto para um campo de aviação de Munique e realizado o Pavilhão Hanseático em Antuérpia. Lucio Costa afirma tê-lo conhecido após ter sua atenção atraída por um projeto de loja de linhas modernas feito por Buddeus em fins dos anos 20 na Rua do Ouvidor, no Centro do Rio de Janeiro. De acordo com relatos como o de Alcides Rocha Miranda, aluno da ENBA nesse período, Buddeus particularmente se engajou na propagação dos ideais da Bauhaus entre os estudantes e colegas, e foi o 50 IMS05_miolo_1-348.p65 50 27/10/05, 16:54 introdutor de periódicos como Bauwelt, Form e Moderne Bauformen, que logo passaram a ser vendidas em livrarias importadoras no Rio de Janeiro. Após nove meses de atividades, Lucio Costa e seu grupo são exonerados da ENBA por influência do grupo de Professores conservadores. Os estudantes iniciam longa greve de apoio aos mestres modernistas. Buddeus trabalha no Rio nos anos 30, independentemente e em associação com o austríaco Anton Floderer. Em seguida, para a Construtora dinamarquesa Cristiani & Nielsen e constrói em Salvador o Instituto do Cacau, edifício com linguagem plástica streamline e interiores mais filiados ao chamado Estilo Marajoara, e o Instituto de Educação da Bahia (1936-1939), obra rigorosamente próxima aos preceitos de Walter Gropius. Aparentemente, alguns estudantes já haviam tomado conhecimento do Movimento Moderno e de realizações nos países de língua alemã anteriormente à reforma da ENBA. Este é o caso de Marcelo Roberto (1903 1964)12, que em 1929, já formado, executa um edifício multifamiliar no Morro de Santo Antonio no Rio de Janeiro. Trata-se de uma obra econômica e racional, na qual a fachada plana com janelas horizontais é enriquecida por 12 pequenos balcões formalmente semelhantes aos do edifício de ateliers da Bauhaus (Prellerhaus) em Dessau. Dentre os estudantes e assistentes no período do grupo de Costa, os nomes de Luís Nunes, Affonso Eduardo Reidy e Roberto Burle-Marx são exemplares. Luís Nunes (1909 1937), foi citado por muitos colegas como o mais talentoso dos estudantes da ENBA, e relatos de seus contemporâneos indicam que Nunes foi um entusiasta da Arquitetura Funcional e mantinha-se bem informado sobre as realizações na Alemanha por via de literatura, divulgando-as entre os colegas. Nunes tinha tuberculose e com certa dificuldade conseguiu formar-se só em 1933. Em 1934, transferiu-se para Pernambuco, assumindo a Diretoria de Arquitetura e Construção de Recife, e em seguida do Estado. Com postura política de ordem socialista, conduz seu grupo de trabalho DAU de forma excepcionalmente metódica, buscando a sistematização dos processos produtivos, a optimização dos materiais e a normatização de procedimentos, em trabalho análogo àquele iniciado por Ernst Neufert na Bauhaus ou por Ernst May com seu grupo de trabalho em Frankfurt. Entre 1934 e 37 realiza uma série de obras notáveis, como o Hospital da Brigada Militar, nas quais demonstra profundo conhecimento tanto das obras de Walter Gropius e Mendelsohn, como de Le Corbusier. 12. Marcelo Roberto e seu irmão Milton Roberto produzirão nos anos 30 obras como a memorável Sede da Associação Brasileira de Imprensa (1936) e o Aeroporto Santos Dumont (1937) e que, se de inspiração corbusiana, já representam uma atitude projetual tipicamente brasileira. A eles se juntaria mais tarde o terceiro irmão, Márcio. 51 IMS05_miolo_1-348.p65 51 27/10/05, 16:54 Hospital da Brigada Militar, Recife. Luis Nunes (DAU), 1935-36 Fonte: Revista PDF, Rio de Janeiro, Anno III, N° 14, Janeiro de 1935 (Biblioteca FAUUSP) Este desenvolvimento foi radicalmente interrompido por uma transformação política em Pernambuco em 1936 37 e pela morte precoce de Nunes. Roberto Burle Marx (1909 1994) nasceu em São Paulo, e seu pai, alemão, era descendente direto de Karl Marx. Devido a um problema de saúde do filho, a família muda-se temporariamente para Berlim, onde Roberto estuda pintura na Hochschule der Künste entre 1928 e 1930, e toma contato com a Arte Moderna. Ele mesmo reporta que, vivendo no bairro de Steglitz, tinha o Botanischer Garten nas proximidades, onde costumava desenhar, e nas estufas do jardim botânico aprendeu a admirar a natureza tropical. Ao voltar ao Rio de Janeiro freqüenta o curso de Artes da ENBA, como aluno de Leo Putz, do qual, mesmo pela própria questão da língua, se aproxima. Lucio Costa, que já o conhecia por relação de vizinhança, o convida a projetar os jardins da Residência Schwarz, de Warchavchik e Costa, em 1932 33, projeto que contou com um dos primeiros terraços-jardim do Modernismo Brasileiro13. O calculista de estruturas Emílio Baumgart (1889 1943), descendente de 13. Assim, Burle Marx inicia suas atividades como paisagista, sendo a seguir convidado por Luís Nunes para integrar o grupo do DAU Recife, de 1934 a 36. De volta ao Rio em 1936, executa os terraços da ABI e os jardins do Aeroporto Santos Dumont no Rio de Janeiro, para os irmãos M.M. Roberto. 52 IMS05_miolo_1-348.p65 52 27/10/05, 16:54 alemães do Sul do Brasil, trabalha inicialmente com Riedlinger em Santa Catarina. Ele desloca-se para o Rio de Janeiro nos anos 20, onde inicia suas atividades independentes projetando algumas pontes com inovativas estruturas de concreto armado, como a Ponte sobre o Rio do Peixe em Santa Catarina (1929). Atua como calculista para o escritório Costa & Warchavchik no início da década de 30, e vem a ser encarregado dos trabalhos de cálculo estrutural para o Ministério da Educação e Saúde Pública (1936 1942). Sua obra é marcada pela preocupação com a integridade da forma estrutural e pelo diálogo com os arquitetos na formulação de linguagens compatíveis à técnica. Já nos momentos iniciais da Nova Arquitetura brasileira notam-se reflexos, tanto formais quanto de teor sócio-político, imanentes da discussão em torno da habitação popular desses anos na Alemanha e Áustria, e em particular o conhecimento das realizações do Weissenhofsiedlung em Stuttgart, das obras de Ernst May, Martin Wagner e Bruno Taut. Os primeiros projetos foram feitos para investidores particulares, com interesses de mercado, mas já assinalam certo interesse por parte dos arquitetos. Em São Paulo, Jayme da Silva Telles já havia concebido um conjunto para habitação de trabalhadores fabris em 1925/26. Warchavchik realizara dois projetos para habitação econômica, os conjuntos da Moóca (1929) e Rua Berta (1930). Em 1931-32 Warchavchik e Costa constróem juntos a Vila Ope- Casa Schwarz, Rio de Janeiro. Terraço-Jardim de Roberto Burle-Marx, 1932/34 Fonte: Costa, Lucio, Lucio Costa, Registro de uma Vivência, São Paulo: Empresa das Artes, 1995 53 IMS05_miolo_1-348.p65 53 27/10/05, 16:54 rária da Gamboa. Os modernistas brasileiros iniciam, ainda que timidamente, a materialização do lar para existência mínima, que já vinha sendo tematizado na ENBA a partir dos textos do 2° CIAM14. O arquiteto Monteiro de Carvalho viaja no início dos anos 30 à Alemanha e publica o extenso relatório com o título Siedlung na Revista do Instituto de Arquitetos. Somente no período do Estado Novo apareceriam as iniciativas patrocinadas pelo Estado para a construção de Habitação Social. No início dos anos 30 aparecem as primeiras traduções de textos em alemão para o português: citações de Werner Hegemann, em 1931, ou extensos artigos de Paul Westheim sobre o Neues Bauen, extraídos de revistas importadas. Dois casos interessantes de alemães atuantes no Brasil no início dos anos 30, e que não retornam a seu país de origem, são os de Fritz Kirchgässner e Alexander Altberg. Fritz (Frederico) Kirchgässner (1899 ?). Natural de Überlingen am Bodensee, recebe ali aprendizado como carpinteiro e sua família imigra para Santa Catarina antes da 1ª Guerra Mundial. Ao longo dos anos 20, Fritz estudou por correspondência, viajando a Berlim em 1928 para prestar seus exames na Kunsthochschule. Trava então contato com as realizações do Neues Bauen, e antes de regressar ao Brasil casa-se com uma alemã. Em 1930 constrói para si em Curitiba uma casa modernista, feita em concreto armado, utilizando-se de elementos da iconografia moderna como o terraço-jardim e mobiliário semi-industrializado, aliados a citações de ordem acadêmica, cuja ironia contém um gesto pioneiro que viria a ser marca do Pós-Modernismo várias décadas mais tarde. Em seguida constrói mais uma casa moderna para seu cunhado. Ambas as obras foram recebidas com hostilidade pela população, e permaneceram casos isolados. Pouco depois, Kirchgässner tornou-se funcionário da Prefeitura de Curitiba e mantevese relativamente anônimo. Alexander (Alexandre) Altberg (Berlin 1908) ingressou na Bauhaus em Weimar em 1925. Uma vez que a Escola não fornecia título acadêmico, ele se transfere no ano seguinte para a Ingenieur-Akademie em Oldenburg, onde se diploma em 1929. Em 1929/31, ele trabalha no renomado escritório berlinense Korn & Weitzmann, cujo chefe, Arthur Korn, foi o primeiro colaborador de Mendelsohn no projeto da Torre Einstein em Potsdam em 1919, e membro do Grupo Der Ring. Altberg participa de importantes projetos de Korn e é co-organizador da Exposição de Arquitetura Proletária, em Berlim em 1931. Ao longo dos anos 20, Altberg já sente na pele o latente antisemitismo no país, e diante dos desenvolvimentos 14. Somente no início dos anos 40, a ditadura do Estado Novo possibilitaria as primeiras grandes realizações de Habitação Social através dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), cujos projetos revelam enorme influência dos Zeilenbauten alemães dos anos 20. 54 IMS05_miolo_1-348.p65 54 27/10/05, 16:54 políticos na Alemanha, sua família decide imigrar para o Brasil, chegando ao Rio de Janeiro em fins de 1931. Ele trabalha por um mês no bem-sucedido escritório de Arnaldo Gladosch e decide iniciar carreira própria. Devido à barreira da língua, Altberg busca inserção social no Rio dentre imigrantes alemães, e liga-se à Vereinigung Deutschsprachiger Künstler und Kunstfreunde (Associação dos Artistas de Língua Alemã e Amigos da Arte), da qual iria originar-se a Pró-Arte. Por via deste grupo, ele conhece Lasar Segall, que acabara de retornar de Paris, e Gregori Warchavchik, que inaugura em 1931 a Exposição do Apartamento Moderno. Este espontaneamente engaja Altberg para cuidar do imóvel durante os dias de visitação do público. Do contato desenvolve-se um relacionamento próximo entre os dois, o jovem alemão freqüenta o escritório de Warchavchik, e também entra em contato com vários ex-estudantes da ENBA que ali trabalhavam. O pai de Altberg compra terrenos nos bairros de Ipanema e Leblon, onde o filho constrói diversas casas em 1932/33. A casa da própria família faz parte de um grupo de três casas modernistas na Rua Paul Redfern. Na mesma rua ele constrói uma residência para o imigrante húngaro Adalbert Vertecz, que também deixa a seu cargo a realização dos interiores. Especialmente na Casa Vertecz o arquiteto demonstra o domínio da técnica e virtuosidade formal. O volume cúbico do edifício é dinamizado por elementos como a escadaria arredondada, com blocos de Residência Adalberto Vertecz, Ipanema, Rio de Janeiro, Alexander Altberg 1932-33 Fonte: Revista da Diredtoria de Engenharia, Ano III, Número 13, Novembro 1934, S. 139, 140, 141 (Biblioteca FAUUSP) Grupo de Casas à Rua Paul Redfern, Ipanema, Rio de Janeiro, Alexander Altberg 1932-33 Fonte: Alexander Altberg, Arquivo Pedro Moreira, Berlim 55 IMS05_miolo_1-348.p65 55 27/10/05, 16:54 vidro e marquises de concreto e perfurado, com aberturas da fachada para o terraço-jardim. Altberg é procurado pelos jovens arquitetos cariocas, e permitelhes a visitação das casas. Em seguida, Altberg vence com o escultor italiano Lélio Landucci um concurso para edifício escolar em Ilhéus, Bahia e projeta em Vassouras a Colônia de Férias dos Funcionários do Livro e do Jornal (não construídos). Ele é chamado por Carmen Portinho para executar o edifício do Montepio dos Empregados Municipais em 1935, uma das primeiras grandes obras públicas do Modernismo Brasileiro. Por iniciativa de alguns ex-estudantes da ENBA realiza-se em abril de 1933 o 1° Salão de Arquitetura Tropical no Palace Hotel, no Rio. Dentre os expositores encontram-se Alexander Altberg, Alexander Buddeus e o austríaco Anton Floderer. O catálogo, produzido por Altberg, contém transcrições dos CIAM e um texto de Gropius. Altberg insere uma foto do edifício da Bauhaus, com a legenda fechada pela situação política, e assim informa os colegas brasileiros sobre o início da perseguição à Avant Garde na Europa. Frente à carência de publicações de Arte e Arquitetura Moderna no Brasil nesse período, Altberg cria em fins de 1933, por iniciativa individual, a Revista Base. Altberg é ao mesmo tempo seu financiador, editor, redator, diagramador e autor de artigos. Alguns dos jovens colegas cariocas o auxiliam com a língua portuguesa. Ele publica artigos sobre os CIAM, sobre a preparação da Trienal de Milão ou mesmo sobre a exposição de Käthe Kollwitz no Rio naquele ano, e consegue publicar três edições de Base, sendo obrigado a extingüi-la por falta de patrocinadores. Altberg aproxima-se de Carmen Portinho e de Affonso Eduardo Reidy, e publica na Revista da Directoria de Engenharia, dirigida por Carmen, artigo sobre os CIAM e alguns de seus próprios projetos. Em 1932, sem ter conhecimento da viagem de Warchavchik a Bruxelas em 1930, Altberg contactou Siegfried Gideon, Secretário-Geral dos CIAM na Suíça, com a intenção de montar uma representação dos Congressos no Brasil. Sucedem-se algumas cartas, até que a comunicação se interrompe, após a ascenção de Hitler. Recentemente foi localizada nos EUA por este autor uma carta de Walter Gropius a Alexander Altberg, datada de 1935. Após o término da parceria Costa & Warchavchik no Rio em 1934, Altberg é convidado pelo colega russo a associar-se a ele em São Paulo. Uma vez que suas casas no Rio haviam sido um sucesso comercial, Altberg recusa a oferta e prossegue construindo pequenos imóveis para renda financiados pelo pai15. 15. Nos anos 40 e 50 Altberg dedica-se progressivamente à Arquitetura de Interiores, à organização de exposições e ao comércio de Arte. Aos 96 anos, Alexander Altberg vive hoje no interior do Estado de São Paulo. 56 IMS05_miolo_1-348.p65 56 27/10/05, 16:54 Pouco ainda se sabe sobre uma série de arquitetos de língua alemã que trabalharam nos anos 20 e 30 no Brasil, dentre eles Richard Wriedt, Arnold Brune, e Fritz Urlass. O mesmo se refere a, por exemplo, húngaros como Adalbert Szilard e Geza Heller, e a descendentes de imigrantes como Alfredo Baumann, Angelo Bruhns, Alexandre Gundlach, Christian de la Paix Gelbert ou Edmundo Krug. Uma das razões foi certamente a classificação de vários deles, por historiadores, como representantes do Art Déco , e sua conseqüente exclusão dos estudos sobre o Modernismo. Ao contrário do Expressionismo, o Art Déco foi uma tendência com pouca ressonância nos países de língua alemã, e acaba sendo adotado por vários desses arquitetos no Brasil por conveniência de mercado. Também no meio arquitetônico brasileiro o Nazismo encontra ressonância. Em 1935, é montada na Feira Farroupilha em Porto Alegre, em meio aos pavilhões dos estados brasileiros, uma Representação Nazista, aparentemente coordenada pela filial da NSDAP no país, existente desde 1931. No mesmo ano fica pronto no Rio de Janeiro o único hangar do Zeppelin na América do Sul. As realizações da Alemanha Nazista anteriores a 1939 são rapidamente reportadas em publicações no Brasil, especialmente após a inauguração do Olympiastadion em 1936. O Exposição Centenária da Revolução Farroupilha, Grande Eixo com Pavilhão do Nazismo, 1935. Fonte: Arquivo Prof. Günter Weimer, Porto Alegre 57 IMS05_miolo_1-348.p65 57 27/10/05, 16:55 paulista Alfredo Ernesto Becker é um dos autores de textos inicialmente entusiásticos, mas silencia ao final dos anos 30. Dados os desenvolvimentos políticos na Europa, alguns Arquitetos vieram para o Brasil, e encontraram dificuldades no exercício da profissão. Este é o caso de Kurt Bärbig (Dresden 18891968 Lubmin), formado pela Staatsbauschule em Dresden , onde fundou escritório próprio em 1913. Nos anos 20, afilia-se a grupos de esquerda e vence, em 1927, o concurso para a construção da Konsumgenossenschaft Vorwärts - Central de Distribuição de Alimentos ligada ao movimento sindicalista - superando os projetos de Walter Gropius e Hans Richter. Este grande edifício com estrutura de concreto recoberta de tijolos e janelas horizontais foi marcante na discussão arquitetônica na Saxônia anterior a 1933. Perseguido pelo Nazismo, Bärbig emigra para o Brasil em 1934, permanecendo no país até 1945, e dedica-se somente à pintura. Não há nenhum sinal de que tenha projetado ou construído no Brasil. Em 1946 retorna à Alemanha, onde participa ativamente do Plano de Reconstrução da Dresden arruinada. Muitos Arquitetos de origem germânica dirigem-se nesses anos aos Estados Unidos, atraídos pelos potenciais econômicos e pelos avanços técnicos , ou mesmo devido a contatos pré-existentes. Para alguns, como Bernard Rudofsky (Zauchtl/ Mähren 1905 1988), o Brasil foi uma etapa intermediária. Forma-se em 1928 na Wiener Technischen Hochschule. Em 1923, visita a 1° Bauhausausstellung em Weimar. Trabalha entre 1928 e 1930 no escritório berlinense de Otto Rudolf Salvisberg, e em 1931 dirige a representação austríaca na Berliner Bauausstellung. Sua forte conexão com a Itália o leva a atuar em 1937/ 38 como redator-assistente de Gio Ponti na produção de Domus. Chega ao Rio em meados de 1938, instalando-se em São Paulo. Realiza interiores de lojas e constrói as Residências Hollenstein em Itapecerica da Serra em 1939, e as casas Frontini e Arnstein em São Paulo em 1940-41. Divulgadas internacionalmente por Phillip Goodwin, estas casas com qualidades mediterrâneas são aclamadas como obras-primas de um Modernismo responsável, mediador entre a visão do Arquiteto e o bem-estar do cliente. Ainda em 1940 Rudofsky é o ganhador latinoamericano do Prêmio Organic Design do MoMA. Logo em seguida, em 1941/42, Rudofsky emigra definitivamente para os Estados Unidos. Nesse período ocorre seu contato com Goodwin, que preparava a edição do livro Brazil Builds e da exposição análoga, mostrada em 1943 no MoMA. Aparentemente, foi Rudofsky quem forneceu a ele uma lista, recomendando arquitetos e obras do Modernismo Brasileiro. Em 1964, Rudofsky realiza no MoMA a importante mostra Architecture without Architects, talvez sua principal contribuição para o debate internacional da Arquitetura. 58 IMS05_miolo_1-348.p65 58 27/10/05, 16:55 Conclusão Os primórdios da Arquitetura Moderna Brasileira são um tema a priori vastamente estudado, mas que no entanto vem sendo reavaliado por novas gerações de historiadores, especialmente em razão dos muitos dogmas consolidados ao longo dos anos. O consenso de que a produção modernista brasileira tenha basicamente origem na obra de Le Corbusier é recorrente na literatura nacional e internacional. Não há dúvida de que a influência deste arquiteto desde sua visita em 1929 e sua co-atuação no projeto para o Ministério da Educação e Saúde em 1936 deixou profundas marcas na produção subseqüente dos arquitetos do Rio de Janeiro, porém a propagada hegemonia do arquiteto franco-suíço tem sido interpretada de forma excessivamente linear, e as ressonâncias da Arquitetura dos países de língua alemã na etapa histórica anterior tem sido claramente ignoradas. Ao contrário de Le Corbusier, nenhum dos grandes arquitetos alemães esteve no país no período formativo da Arquitetura Brasileira, no qual o contato pessoal com um Mestre parece ter sido fator decisivo. Considere-se também o caráter didático dos Cinco Pontos de Le Corbusier, que por seu pragmatismo e flexibilidade mostraram-se facilmente adaptáveis às condições geoclimáticas e sócioculturais do Brasil. É certo que a intensidade do fluxo transnacional de informações nos anos 20 e 30 não pode ser subestimado. Ao menos em seu período inicial, os protagonistas da Arquitetura Moderna Brasileira estiveram euforicamente abertos à absorção de idéias das diversas vanguardas européias, com destaque àquelas da Alemanha pré-Hitler, cuja brusca interrupção em 1933 é certamente um dos fatores que determinam o encerramento de um período de influência da cultura arquitetônica dos países de língua alemã. Após seu período heróico de ruptura com a tradição acadêmica, e considerando-se os processos de modernização do Brasil durante os anos 30 e 40, é natural que os arquitetos brasileiros tenham se reorientado e trabalhado no sentido da elaboração de sua própria versão da Arquitetura Moderna e tenham atingido um novo posicionamento no debate internacional. Pedro Moreira (São Paulo, 1965) é arquiteto, formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e Mestre (Dipl. Ingenieur) pela Technische Universität Berlin, cidade onde vive desde 1991. Ele é sócio do escritório Nedelykov Moreira Architekten, Berlim. Pesquisador independente da Arquitetura com foco de concentração no Modernismo no Brasil. Diversos ensaios e artigos publicados no Brasil, Alemanha e Argentina. Colaborador de Vitruvius/Arquitextos, autor do livro Zurück am Wannsee Max Liebermanns Sommerhaus Berlim, 2003 e de Alexandre Altberg e a Arquitetura Nova no Rio de Janeiro, Berlim, 2005. Professor convidado pela Alemanha, Brasil, Espanha e Emirados Árabes. 59 IMS05_miolo_1-348.p65 59 27/10/05, 16:55 Sumário Vorwort ................................................................................................................................ 05 Prefácio ................................................................................................................................ 07 Flor do Brasil - Qualmbolzen, Muse oder Trostspender? Anmerkungen zur Brasilzigarre und ihrer Kulturgeschichte Dirk Bruns .............................................................................................................................. 09 A Cultura Arquitetônica dos países de língua alemã e seus reflexos no desenvolvimento da Arquitetura Moderna no Brasil 1880-1945 Pedro Moreira .......................................................................................................................... 37 Práticas de leitura no Paraná: os almanaques em língua alemã (1895-1934) Imgart Grützmann .................................................................................................................. 61 Escolas étnicas dos imigrantes alemães no Brasil Lúcio Kreutz ............................................................................................................................. 91 Zeitgenössische Dokumente zu Hans Stadens Aufenthalt in Südbrasilien und im brasilianischen São Vicente Franz Obermeier .................................................................................................................... 107 Das ewige Land der Zukunft? Reformen und Reformblockaden in Brasilien Andreas Boeckh .................................................................................................................... 135 Zwischen Fragmentierung und Erneuerung. Das Beispiel der Megastadt São Paulo Martin Coy ............................................................................................................................ 161 Blütenökologie in Brasilien. Deutsche Anfänge und neue Beobachtungen Christian Westerkamp ........................................................................................................... 193 Ernesto de Fiori: síntese biográfica do pintor e escultor Mayra Laudanna .................................................................................................................. 213 Mesmerismus in Brasilien Hannes Stubbe ...................................................................................................................... 225 Das Martius-Staden-Institut. Geschichte und Gegenwart Joachim Tiemann ................................................................................................................. 233 Literatura e Cultura no contexto dos Estudos Brasileiros na Alemanha Ligia Chiappini ..................................................................................................................... 251 IMS05_miolo_1-348.p65 3 27/10/05, 16:54 Die Erfindung des Barock. Visualisierte Paradoxien einer Corporate Identity Joachim Bernauer ................................................................................................................. 265 Blickwechsel - Bericht über den XI. Lateinamerikanischen Germanisten-Kongress Willi Bolle .............................................................................................................................. 271 Manchmal Elisabeth Maschler ................................................................................................................ 284 Die Barbarei als Gegenteil und als Kehrseite der Zivilisation: Von D. F. Sarmiento: Facundo (1845) zu E. da Cunha: Os Sertões (1902) Berthold Zilly ........................................................................................................................ 285 IMS05_miolo_1-348.p65 4 27/10/05, 16:54
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