PROJETOS INTERCLASSES BILÍNGÜES Relatos e reflexões
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PROJETOS INTERCLASSES BILÍNGÜES Relatos e reflexões
PROJETOS INTERCLASSES BILÍNGÜES Relatos e reflexões Sérgio CUNHA DOS SANTOS Fatec-SP Automação de Escritórios e Secretariado Francês RESUMO Este texto traz reflexões sobre projetos de comunicação bilíngüe entre classes estrangeiras pela Internet, sobretudo entre brasileiros alunos de francês e franceses alunos de português. A proposta é que a oportunidade do contato com nativos deve ser aproveitada sempre que possível nas aulas de LE, como temos feito em AES. Palavras-chaves: bilíngüe; interclasses; Tandem INTRODUÇÃO Gostaríamos de apresentar aqui algumas modalidades de cursos baseados na comunicação bilíngüe entre classes e ilustrá-las com os exemplos de experiências que realizamos com alunos da Faculdade de Tecnologia de São Paulo (doravante Fatec-SP) e de outras instituições. A atividade da correspondência entre classes é praticada já há muitos anos, bem antes da chegada da Internet, e assumiu muitas modalidades diferentes. Julgamos porém que duas em particular merecem destaque aqui neste artigo. A primeira era justamente a denominada correspondência escolar e teve como representante mais emblemático o educador Célestin FREINET (1994). Em meados do século passado, a partir de uma pequena escola no sul da França, ele já usava a técnica para a educação infantil: através dela, uma escola transmitia por correio a outra uma seleção dos testemunhos e produções individuais (textos, desenhos) escolhidos democraticamente e, quando era o caso, modificados pelo grupo; eventualmente organizava-se também uma viagem até a cidade da outra escola. Havia ainda uma série de tarefas relacionadas a essas práticas, como comentários, relatórios, exposições dos resultados na escola para colegas e pais etc. Note-se que nesse caso a língua de comunicação era a mesma, o francês, os objetivos sendo apenas o da troca de conhecimentos e de experiências e o do estabelecimento de contato entre as crianças. A outra atividade de correspondência que merece ser citada é a dos Penpals (literalmente, amigos de caneta), também conhecida como intercâmbio postal internacional. O interessado enviava uma ficha à organização do programa internacional e recebia algum tempo depois o endereço de um correspondente que se adequava às características que indicara, inclusive a língua para a comunicação. A partir daí iniciava-se uma correspodência pelo correio que podia durar vários anos. A princípio esta forma de correspondência era praticada entre indivíduos, mas logo a idéia dos Penpals foi aproveitada por professores de língua estrangeira, que a aplicaram em suas aulas em parceria com as de colegas de outros países, da mesma forma que muitos princípios da correspondência escolar nos moldes de FREINET (1994) foram reaproveitados em projetos interclasses bilíngües. Hoje em dia, devido também à ajuda das Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (NTIC), há uma profusão de atividades educativas envolvendo cooperação e aprendizagem de línguas. As denominações variam na mesma proporção ainda que isso nem sempre represente diferenças na execução dos projetos. À guisa de exemplo, listamos algumas abaixo: - colaboração em rede ensino à distância aprendizagem cooperativa assistida por computador (Computer Supported Cooperative Learning - CSCL) projetos coletivos construção colaborativa do conhecimento intercâmbio virtual entre classes ensino colaborativo Penpals comunidades virtuais criação coletiva distribuída Tandem construção coletiva multimídia No nosso caso, julgamos mais adequado e simples adotar o nome projeto ou, dependendo do caso, comunicação interclasses bilíngüe. Quanto à dinâmica e aos princípios, o projeto consiste essencialmente em duas classes conversando em duas línguas diferentes sobre suas respectivas realidades e trocando informações culturais e lingüísticas, principalmente. Temas e formatos podem variar bastante em função dos objetivos, da idade dos alunos, dos meios de comunicação utilizados e dos recursos técnicos disponíveis. As variáveis são numerosas e estão relacionadas com as características das classes e das instituições, cabendo ao bom senso dos professores parceiros optar pelas melhores soluções. Para a execução do bilingüismo, porém, seguimos os princípios do Tandem, que explicaremos a seguir. Tandem Um projeto de comunicação interclasses pode certamente ser realizado numa única língua, materna para as duas classes, como no caso de Freinet, ou materna para uma das classes e estrangeira para a outra; por exemplo, pode ser realizado entre uma classe brasileira e uma inglesa e ter como única língua de comunicação o inglês. Mas a experiência é muito mais enriquecedora quando os dois lados têm a dar e a receber, o que ocorreria se no caso acima os estudantes ingleses também aprendessem a língua portuguesa. Esta situação seria a base para um Tandem. O Tandem (REYMOND & TARDIEU, 2001), termo latino que em algumas línguas modernas designa um modelo de bicicleta onde duas pessoas pedalam, consiste num modo de aprendizagem em que duas pessoas de línguas maternas diferentes aprendem um a língua do outro e trabalham juntos para aprofundar seus conhecimentos da língua e da cultura do parceiro. Surgido no fim dos anos 50 com a intenção de aproximar, após a Segunda Guerra, classes de crianças francesas e alemãs em regiões fronteiriças desses dois países, consistia em excursões e acampamentos que reuniam as crianças e onde eram programadas atividades lúdicas em grupo, mas também atividades diversas para duplas binacionais. Nesses momentos, os alunos eram orientados a falar por um período (às vezes um dia inteiro) só em alemão e em outro período só em francês. A cada vez, um ajudava ou era ajudado. O Tandem pode ser realizado então tanto com comunicação presencial quanto à distância. Quando por meios eletrônicos (e-mail, chat), é mais conhecido como “eTandem”. O ponto central para o bom funcionamento da atividade, como sugerimos acima, é a reciprocidade: o tempo ou as atividades são divididos igualitariamente entre a língua materna e a língua estrangeira, de maneira que cada um dos participantes possa exercitar-se na língua do outro, usar as produções do outro como modelo, corrigir e aconselhar o parceiro, trocar experiências e visões relativas às culturas dos dois. Na prática, então, o aluno começa escrevendo uma mensagem na língua materna e termina na língua estrangeira. A proporção costuma ser de 50% e 50%, mas dependendo no nível de conhecimento da língua estrangeira, ela pode ser dosada em, por exemplo, 70% na língua materna e 30% na língua estrangeira. Outro aspecto central do Tandem é a autonomia: o aluno aprende a trabalhar com o parceiro, substituindo muitas vezes assim a função do professor. Para isso, deduz-se, é levado a refletir muito mais profundamente sobre a língua que aprende e sobre a sua própria. O ideal para uma prática bem sucedida do eTandem é fornecer aos alunos um pequeno roteiro com orientações e dicas sobre atividades, correções, exercícios e até sobre o respeito à ética. O objetivo, a longo prazo, é que os alunos atinjam autonomia plena, que com o tempo tornem-se capazes de programar eles mesmos as atividades e que, numa situação ideal, as parcerias se mantenham ao longo dos anos, mesmo findo o curso, mesmo fora do contexto escolar. Apesar de ser mais conhecido e praticado entre duplas, o Tandem também é utilizado entre grupos e classes. No nosso caso, fazemos as duas coisas, como explicaremos melhor abaixo: em grupo na comunicação pública, pelo fórum, e em dupla na comunicação privada, por e-mail. Temas e formatos Os temas mais variados podem ser desenvolvidos no projeto interclasses bilíngüe, o mais importante, como dissemos, é que ele corresponda aos objetivos e necessidades dos cursos implicados. Em geral, os projetos são elaborados de maneira a fazer com que os alunos dos dois lados trabalhem juntos para construir um projeto comum, muitas vezes de caráter investigativo e cujo resultado final pode ter a forma de seminários ou outras formas de apresentação oral, artigos ou reportagens escritas e outras modalidades. A título de exemplo, vamos relatar resumidamente a seguir dois projetos realizados com a técnica do SG em eTandem (Simulação Global + eTandem) (CUNHA DOS SANTOS, 2003). Mas antes é preciso falarmos um pouco sobre a Simulação Global (doravante, SG). Simulação global As Simulações Globais são bastante adequadas para um projeto de comunicação bilíngüe por poderem (a) se estender por um período um pouco mais longo (um a dois semestres), (b) promover o trabalho em equipe e (c) por incluírem atividades diversificadas, de forma a compor um conjunto amplo e coerente. Criada no final dos anos 60 e início dos 70 (YAICHE, 94), a Simulação Global como técnica de aprendizagem de línguas estrangeiras consiste numa atividade em que um grupo de alunos imagina um lugartema (uma ilha, um hotel, uma empresa) que reúne todas as atividades de comunicação escrita e oral de maneira coordenada, “l’objectif étant de leur donner un sens, une dynamique combinatoire et cumulative, et de construire collectivement un univers dans lequel chacun sera partie prenante" 1(YAICHE, 94). É como se toda a classe estivesse agindo (ou existindo) o tempo todo num jeu de rôle, uma dramatização, um roll play que durasse, em vez de alguns minutos, alguns dias, algumas semanas ou, no nosso caso, alguns meses. Mais ou menos como uma novela, com personagens definidos, tramas, dramas, situações, cruzamento de histórias e em que cada capítulo se desenrolasse no espaço da sala de aula, que na verdade se transforma numa empresa ou num prédio ou num navio etc., e durasse o tempo da aula. A outra característica fundamental da Simulação Global é a de propor ao aluno a criação de uma identidade fictícia a fim de que ele atue no universo imaginário montado pelo grupo. Nas palavras de YAICHE (1996 :132): "une simulation globale est une manière de faire entrer le réel dans l'univers de la classe, ce réel qui en est le plus souvent laissé à la porte et qui n'apparaït que d'une façon fantomatique, au mieux épisodique et donc désarticulée, au gré d'exercices ou de débats faits autour de questions existentielles." 2 SG em Tandem 1 “O objetivo é dar um sentido, uma dinâmica combinatória e cumulativa, e construir coletivamente um universo do qual cada um participará ativamente.” Tradução nossa. 2 “... uma simulação global é um modo de fazer entrar o real no universo da classe, esse real que na maioria das vezes é deixado na porta e que só aparece de maneira fantasmal ou, na melhor das hipóteses, de forma episódica e desarticulada, a partir de exercícios ou debates travados sobre questões existenciais.” Tradução nossa. A SG em Tandem é uma das atividades possíveis de comunicação bilíngüe interclasses. É como denominamos a reunião destas duas técnicas, a Simulação Global e o Tandem. A vantagem da ficção proposta pela SG, nesse caso, é amenizar certas dificuldades existentes no contato inicial entre estrangeiros, como a timidez, a falta de assunto, o medo de se expor. Com a SG em Tandem, os participantes se sentem mais livres para interagir com os estrangeiros porque estão atuando, desempenhando um papel, um pouco como o que ocorre com os pseudônimos durante os diálogos do chat. De certa maneira, então, estão protegidos e sentem-se à vontade, como num jogo de máscaras onde as identidades se ocultam e se fundem. Mas na verdade, durante a atividade as principais fontes de motivação são a curiosidade de conhecer o estrangeiro, a vontade de se comunicar com ele e o cumprimento de tarefas que apelam para a criatividade e que estimulam a interação. A proposta da SG em Tandem tem assim a vantagem de reunir ao mesmo tempo a comunicação com o nativo, o componente lúdico (simulações globais ou atividades similares) e a dinâmica do trabalho em grupo (grupo-classe e subgrupos) e do trabalho individual. Ao envolver os alunos dos dois grupos numa atividade comum visando a elaboração de um produto coletivo que depende da participação e da colaboração de cada um e de cada subgrupo a quem são atribuídas tarefas, a integração e a interação ocorrem de maneira intensa. O objetivo é que para atingir as metas propostas eles sejam levados a trabalhar juntos, a se comunicar, a reconhecer e vencer diferenças; que por esse contato enfim crie-se neles o interesse, surja neles espontaneamente, de preferência, a curiosidade de conhecer, reconhecer e entender o outro. Nesse sentido, a presença do professor-mediador para conduzir o projeto e administrar convenientemente eventuais situações desagradáveis e inesperadas é imprescindível. Recursos materiais para projetos de comunicação bilíngüe interclasses Para o professor, o ideal é trabalhar num ambiente virtual, uma plataforma de comunicação como o Moodle, que possa reunir o maior número de recursos a serem utilizados, como fórum, chat, wiki, banco de dados). Para tanto, é necessário poder dispor de um servidor. Caso não seja possível utilizar uma plataforma, pode-se recorrer a um fórum ou uma lista de discussão (e-group) através do correio eletrônico (e-mail). O grupo de discussão é um endereço de e-mail e de website que permite compartilhar fotos e arquivos, coordenar eventos e enviar mensagens que podem ser lidas por todos os inscritos no grupo. De acordo com as possibilidades, pode-se prever também a comunicação por outros meios tais como telefone, fax, correio postal, vídeo-conferência. De qualquer maneira, é necessário verificar com a devida antecedência o acesso aos recursos existentes na instituição e/ou a existência de alunos que possuam computador com acesso à Internet. A sala de computação é desejável, mas não essencial, os alunos podem acessar a plataforma ou o e-group a partir de computadores exteriores à faculdade. A organização do curso e da atividade de comunicação É necessário, em primeiro lugar, que os professores parceiros estudem as possibilidades de execução do projeto em função dos recursos materiais e humanos disponíveis e dos objetivos institucionais do curso, e que a partir daí encontrem a melhor forma de integrá-lo ao programa da disciplina, estabelecendo o tempo que deve ocupar na carga horária (em geral, de um terço a metade do tempo). Se as duas classes forem reciprocamente de língua materna e língua estrangeira, que é a situação ideal, deve-se também dividir o tempo dedicado a cada língua durante as atividades de comunicação entre as classes, atividades que se podem utilizar numa plataforma de comunicação, como o fórum, o chat por exemplo. O tema da simulação global ou da pesquisa em grupo deve ao mesmo tempo despertar o interesse dos alunos e corresponder aos objetivos do curso. Constituem-se grupos com elementos da própria classe ou misturando alunos das duas classes para o cumprimento das tarefas propostas (pesquisas para a criação do lugar-tema, por exemplo). A realização de uma atividade como esta já é motivante por si só - contato com o estrangeiro falante da língua-alvo, trabalho em grupo, trocas interculturais, mas sua inclusão na avaliação do aproveitamento é positiva. Enfim, em todas as etapas do projeto a negociação e a via democrática são a base do bom funcionamento da atividade como um todo. Interdisciplinaridade As chances para o êxito do projeto proposto aumentam se ele for integrado ao programa de outras disciplinas. No caso do curso de Letras, as disciplinas mais afins são as de cultura, civilização, literatura e, caso exista, como é o caso da Universidade de Lyon, o curso de Informática. No curso de Automação de Escritórios e Secretariado (doravante AES), quando a atividade é voltada para a linguagem comercial – uma SG em Tandem tendo como tema a empresa, por exemplo, pode-se trabalhar com os professores de Administração, Marketing, Técnicas de Secretariado etc. A articulação de diferentes matérias em torno de um mesmo projeto confere-lhe consistência, enriquece e estende a estrutura e o conteúdo das pesquisas, alarga os objetivos e fortalece a atividade frente aos alunos. Algumas experiências realizadas A fim de ilustrarmos nosso artigo, apresentamos dois projetos desenvolvidos ao longo dos últimos anos: 1 – 2001 (agosto a dezembro) Fatec-SP (AES, 6º semestre) & Lycée Technique Hérentals, Bélgica. Técnica: SG em Tandem. Tema: A Empresa. 2 – outubro de 2003 a julho de 2004 Université Lumière Lyon 2, França & Universidade Federal de Sergipe Técnica: SG em Tandem. Tema: O Prédio. 1 - Fatec-SP (AES, 6º semestre) & Lycée Technique Hérentals, Bélgica O projeto consistia em duas grandes etapas: a criação das empresas e o desenvolvimento de uma correspondência comercial. A partir das características naturais e comerciais dos dois países, ficou estabelecido que a empresa brasileira a ser criada pelos alunos seria o fornecedor de cacau beneficiado e na Bélgica seria criada uma fábrica de chocolates, cliente da primeira. Antes de lançar o projeto, reunimos o maior número possível de informações e negociamos as soluções mais plausíveis. Por exemplo, tivemos de levar em conta a diferença de fusos horários para eventuais sessões de chat, os objetivos um tanto divergentes de nossos cursos, o fato eu eu ter mais que o dobro de horas de aula que minha colega, as diferenças de calendário escolar. Estabelecemos também um pequeno perfil de nossas classes: número de alunos, idade, freqüência de acesso à Internet etc. Em seguida passou-se à criação das empresas: receberam nomes, Maison du cacao no Brasil e Chocochouette na Bélgica, um logotipo e um slogan cada uma. Os alunos inventaram uma história, escolheram um lugar para serem implantadas (a brasileira foi situada no Sul da Bahia). Em seguida, foram feitos uma pesquisa e decididos os produtos fabricados, depois também a organização administrativa e a disposição dos departamentos no sítio. As figuras 1 e 2 abaixo mostram a localização da fábrica brasileira em Ilhéus: Figura 1 – Localização da fábrica – Ilhéus Figura 2 – Planta da fábrica Maison du Cacao A localização da fábrica em Ilhéus (Figura 1) veio na seqüência de breves pesquisas feitas pelos alunos e concluídas por uma discussão em sala de aula: mesmo tendo averiguado que a cultura do cacau havia sido quase dizimada pela praga da vassoura-de-bruxa, o que vigorou foi que, na memória da maioria dos brasileiros, seja devido à história recente ou à tradição das ficções literárias e televisivas, o Sul da Bahia continua sendo a região por excelência do cultivo do cacau. Assim, resolveu-se manter ali a planta da empresa. O episódio abriu espaço para (a) a reflexão sobre um aspecto da realidade brasileira mas também para, sempre que possível, (b) o debate em língua estrangeira em sala de aula e (c) para que a ficção da atividade SG começasse e ser revestida de realidade e sustentasse mais solidamente as etapas seguintes. Já a Figura 2 ilustra o desenho eleito pela classe como a melhor representação da planta da fábrica. O fato de se ter apresentado um desenho à mão mostra-nos que, em primeiro lugar, o acesso a computadores e a ferramentas informáticas era mais difícil há alguns poucos anos; em segundo lugar, sua escolha frente aos desenhos de concorrentes que haviam usado o computador demonstra que o que mais contou foram, primeiramente, uma sugestão adequada da arquitetura industrial e, depois, o bom emprego do vocabulário específico em francês, ainda que o documento tenha passado por algumas correções no final. A etapa seguinte consistia, a partir ora de sorteios, ora das escolhas dos próprios alunos, na constituição de suas identidades fictícias e no estabelecimento de seus cargos, que culminaram na elaboração do organograma da empresa. Abaixo, nas Figuras 3 e 4, dois resultados desta etapa, dois exemplos de cartões de visita e o organograma da empresa: Figura 3 – Cartões de visita Figura 3 – Organograma Depois de estabelecidos o lugar e as identidades, podem ter início as interações entre os personagens: no caso da SG A Empresa, assembléias gerais, reuniões de diretoria conversas diante da máquina de café etc. Para o presente artigo, selecionamos uma carta comercial (Figura 4) composta por alguns alunos: Figura 4 – Carta comercial Evidentemente é impossível relatar no espaço deste artigo todas as atividades realizadas pelos alunos e os resultados obtidos. Mas gostaríamos de destacar a resposta altamente positiva por parte deles. Ficaram motivados, expressaram-se muito mais que durante as atividades didáticas convencionais, estavam sobretudo animados de poderem comunicar-se diretamente em francês com pessoas do outro lado do Atlântico. Esta motivação pôde ser observada na presença da criatividade e do humor que de hábito não se viam. As aulas eram dinâmicas e as discussões bastante animadas, ainda que às vezes houvesse conflitos de opinião. Como os professores mantivemo-nos à parte no espaço de comunicação eletrônica (à época, a lista de discussão bilíngüe do e-group), sem intervir no conteúdo nem com correções ou observações lingüísticas. O objetivo era não constranger os estudantes brasileiros diante dos belgas e vice-versa. Reservávamos esses comentários para a sala de aula. 2 - Université Lumière Lyon 2, França & Universidade Federal de Sergipe (outubro de 2003 a junho de 2004) O projeto Lyon-Aracaju foi uma experiência de comunicação eletrônica entre duas classes de língua estrangeira: uma, francesa, da Universidade Lumière Lyon 2 - meus alunos de português (3o semestre), francófonos e quase todos de nacionalidade francesa; e a outra, brasileira, de meu colega de Aracaju, da Universidade Federal de Sergipe (UFS, 7o semestre). Diversas coincidências favoráveis concorreram para contribuir para o bom andamento do projeto: o número reduzido de alunos em nossas turmas, o nível de língua estrangeira semelhante, a proximidade dos horários das aulas, que mesmo com a diferença de quatro horas do fuso horário permitiunos algumas sessões de chat, que merecem alguns comentários. Na comunicação por chat, o tema era em geral livre e a comunicação bilíngüe, ou seja, recomendamos que fizessem ali como faziam na lista de discussão, metade do tempo em cada língua. Mas na verdade o que se observou é que a escolha da língua variava sobretudo em função da eficácia da comunicação. O tema das conversas variava segundo o dia. Em geral, como enfrentamos sucessivos problemas com a diferença de horário e a presença dos alunos, os alunos ficavam livres para falar sobre o que quisessem e participávamos (os professores) com relativa discrição. No entanto, por sugestão dos professores, os alunos aproveitaram para obter informações para as tarefas que deviam realizar para a SG, tais como os dados sobre a cidade e o estado ou região, sobre o bairro em que planejavam “instalar” o prédio etc. Quanto à língua usada, a recomendação dos professores era que os alunos fizessem como na lista de discussão. Deveriam portanto alternar a língua materna (doravante “LM”) e a língua estrangeira (doravante “LE”), tentando manter o equilíbrio entre as duas, e deveriam também ajudar os colegas estrangeiros quando estes últimos enfrentassem dificuldades de expressão ou de compreensão. Um dia, o prof. Renilson de Oliveira sugeriu durante o próprio chat que os alunos falassem só em francês. A orientação foi imediatamente acatada, e em seguida faríamos o mesmo com o português, não fosse a escassez de tempo. Por outro lado, tanto em Aracaju como em Lyon, pudemos dispor de salas de informática para a pesquisa de dados na Internet, a preparação do material e a comunicação entre os alunos. Dispúnhamos também de máquinas fotográficas digitais, mas só em Lyon 2 tínhamos filmadora digital e vídeoconferência, o que nos fez descartar o uso desse último. Desta vez, a Simulação Global em Tandem tinha como tema “O Prédio”, mas com algumas particularidades. Primeiro, pedimos aos participantes que invertessem sua nacionalidade e o país onde moravam: os brasileiros tinham que construir personagens predominantemente franceses e que moravam em Lyon, e os personagens dos alunos de Lyon 2 seriam quase todos de nacionalidade brasileira e morariam todos num prédio em Aracaju. As produções finais seriam realizadas apenas na LE de cada turma. Como havia novidade no tipo de atividade e nos meios de comunicação, alguns alunos levaram certo tempo para incorporar a(s) idéia(s). No entanto, como houve coerência, continuidade e como a experiência desenvolveu-se por um período bem razoável (cerca de nove meses), os participantes puderam integrar-se totalmente, sobretudo depois que o espaço e as identidades foram elaborados e publicados na página Web. A partir da visualização do conjunto das produções, o projeto tomou corpo: eles não apenas entenderam mas também passaram a acreditar no que estavam fazendo. Pode-se ter uma idéia mais detalhada do projeto visitando-se a página http://geocities.yahoo.com.br/lyon_aracaju/index.htm, onde foram reunidos a maior parte dos resultados do projeto Lyon-Aracaju. Continuidade das experiências e novos projetos em vista Desde 2006, estamos desenvolvendo projetos de comunicação bilíngüe interclasses semestrais com o Prof. de português Jean-Pierre Chavagne, nosso ex-colega na Universidade Lyon 2. Trata-se de um dos desdobramentos do projeto europeu Galanet (www.galanet.be) (DEGACHE & TEA, 2003) e que pode ser visitado na plataforma Lingalog (www.lingalog.net). Neste segundo semestre de 2008, encerrar-se-á o quarto projeto com classes do sexto semestre de AES, o projeto “Quarta Aventura”, e já estamos planejando os próximos. Além disso, neste segundo semestre de 2008, mais uma turma de AES está participando de um projeto semelhante. Trata-se do “Projeto Lyons-SP 2008b”, entre os alunos de Francês II diurno do curso de AES da Fatec e os alunos de 1º semestre de português do Prof. Bernard Corneloup, da Universidade Lyon 2, que por sinal visitou São Paulo e proferiu uma conferência no mês de setembro deste ano aos alunos da Fatec-SP. Este novo projeto conta com o acordo da Chefia do Departamento de Automação de Escritórios e Secretariado e tem o apoio do Centro de Pesquisas (CEPE), o setor de informática instalou um servidor e a plataforma Moodle a nosso pedido. As atividades têm se desenvolvido muito bem e esperamos poder relatálas em breve. Os dados de nenhum dos citados projetos ainda não foram devidamente analisados e fazem parte de nossa pesquisa de doutorado, mas dentre os pontos positivos observados, podemos destacar : (a) um incremento inédito no input da (ou exposição à) língua francesa escrita, tanto a coloquial, nas conversas binacionais entre os alunos, quanto a linguagem mais formal, através dos textos pesquisados e da leitura dos trabalhos dos colegas ; (b) o aumento do trabalho extra-classe. Lembramos que a principal atividade da disciplina concerne ao francês de negócios, que é o assunto central das aulas presenciais. O pedido de trabalho suplementar, porém, quando se refere às atividades do projeto, costuma ser bem recebido e bem atendido; (c) o convite à reflexão intercultural, nos seus mais diversos aspectos – basta visitar os tópicos lançados na plataforma Lingalog - e com a participação dos próprios estrangeiros ; (d) o trabalho lingüístico e cultural em colaboração com os colegas estrangeiros; (e) os trabalhos de correção lingüística entre os alunos, ao estilo tandem (individualmente), por e-mail, ou nos fóruns, publicamente; (f) o aumento da responsabilidade e da autonomia durante a realização de um projeto internacional com parceiros estrangeiros, o que já prepara os alunos para o mercado globalizado em que serão empregados; e, finalmente, o que consideramos como provavelmente o principal ganho da atividade e que estimula todos os outros itens: (g) o aumento incontestável da motivação dos alunos, que durante o projeto têm objetivos a cumprir, devem trabalhar em grupos binacionais e, principalmente, passam a estudar uma língua viva (neste caso o francês) como uma língua viva, comunicando-se diretamente com seus falantes, universitários como eles e estudantes de uma língua estrangeira que é, para os brasileiros, a língua materna. BIBLIOGRAFIA ABDALLAH-PRETCEILLE, Martine & PORCHER Louis (2001) Éducation et communication interculturelle, 2ème édition, PUF, Paris. BOMBARDIERI Corinne, BROCHARD Philippe, HENRY Jean-Baptiste (1996) L'Entreprise, Hachette, Paris. ALFRED, G., BYRAM, M. y FLEMING, M. (2003) Intercultural Experience and Education. Languages for Intercultural Communication and Education:2. Multilingual Matters Ltd., Londres. DEGACHE Christian & TEA Elena “Intercompréhension : quelles interactions pour quelles acquisitions ?" revista LIDIL n. 28, 37-47, Paris (2003). CUNHA DOS SANTOS, Sérgio “Chocochouette commande une tonne de poudre à la Maison du Cacao - Rapport sur l'expérience de deux classes-entreprises (Simulation Globale & correspondance internationale)", revista Synergies n. 5, 91-98, São Paulo (2003). FREINET Célestin (1994) Œuvres pédagogiques, Tomos I e II, Seuil, Paris. REYMOND, Christine & TARDIEU, Claire (2001) Guide Tandem, CRDP de Haute-Normandie, Paris. YAICHE, Francis (1996) Les simulations globales, mode d’emploi, Hachette, Paris. SITES RELACIONADOS http://www.educared.org.ar/aua/2007/proyectos/formatoa.asp?id=21&pag=1&tra=23&sub=0 http://www.interpals.net/ http://ww.galanet.be http://www.slf.ruhr-uni-bochum.de/bochum-esp.html