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A MARgem
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Revista Eletrônica de Ciências Humanas, Letras e Artes · ISSN 2175-2516
O PESSIMISMO EM “THE HOLLOW MEN”, DE T. S. ELIOT
Miriane Pereira Dayrell Souto (IC-CNPq/UFU)[1]
E
Há esperanças que é loucura ter. Pois eu digo-te que se não fossem
essas já eu teria desistido da vida. (José Saramago, Ensaio sobre a
cegueira)
speranças. Talvez sejam essas que nos levam a viver em busca de
algo melhor com a intuição de que a humanidade não seja
apenas uma legião de pessoas que lutam apenas por
interesses próprios. A esperança de que o
pessimismo não seja o maior dos aliados na
“caminhada vital”. Em seu poema The hollow men, T. S.
Eliot expressa a forma como os homens perderam sua
capacidade de produzir pensamentos racionais e caracteriza
a humanidade de modo extremamente pessimista. O
objetivo primordial deste ensaio é enfatizar esse pessimismo
presente no poema, através da expressividade de seus versos.
A citação retirada do livro Ensaio sobre a cegueira é
extremamente pertinente. Neste livro, Saramago faz uma crítica
Seção Estudos, Uberlândia/MG, ano 2, n. 4, p. 166-170, jul./dez. 2009
ferrenha à sociedade, à falta de eficácia das ações humanas, pois a
humanidade é vítima de uma “cegueira” que a impede de perceber que
está em decadência profunda, em um desmoronar contínuo e ninguém faz nada para
mudar tal realidade. Em The hollow men, essas mesmas características podem ser
apreendidas, com muita intensidade e extrema crítica ao fracasso humano.
O poema The hollow men é dividido em cinco partes. Aborda de forma
filosófica características da mente humana. É uma mistura de apelo moral, religioso e
principalmente questionador em relação à inércia dos homens e de seus medos.
O pessimismo aparece logo nos primeiros versos do poema em que o eu - lírico
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afirma que “somos homens ocos que vivem amparados uns nos outros”. Essa imagem é
extremamente forte e deixa o pessimismo transparecer. Os homens ocos vivem se
sustentando uns nos outros, compartilhando da passividade e da falta de perspectiva
existente em suas ações. Homens que obtiveram como fruto de suas atitudes, o fracasso
da razão e a extrema alienação que os tornam vítimas da “desumanização”.
São homens considerados portadores de uma voz classificada como seca, uma
adjetivação incomum que revela um mundo em silêncio completo, distante de boas
sensações e sem ação diante da vida. Inertes ao perceber a destruição contínua de sua
própria força.
Reforçando a idéia pessimista estas “vozes secas” são comparadas, inicialmente,
ao barulho do vento na vegetação seca e depois a ratos em uma adega seca, abandonada.
Sonoridades que são muito expressivas que envoltas em uma forte comparação,
enfatizam o caráter do homem irracional que é agente da destruição de seu
próprio ambiente:
Our dried voices, when
We whisper together
Are quiet and meaningless
As wind in dry grass
Or rats’ feet over broken glass
In our dry cellar
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Essas imagens criadas por Eliot na primeira parte
esclarecem a forma como a voz dos homens está “incapaz”,
sem forças diante da extrema incapacidade, comparando as
vozes dessecadas dos homens vazios a uma adega abandonada,
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cheia de ratos que tentam se movimentar entre os cacos das
garrafas de vinho. Tal ação leva o leitor a uma “viagem” a um lugar
desamparado que tomado pela escuridão, é capaz de fazer com que o mesmo
perceba que a obscuridade é agora a mente da humanidade alienada e incompetente em
sua consciência.
Um paradoxo é encontrado em dois versos, ainda da primeira parte, que
denotam inquietude e ainda mais pessimismo:
Shape without form, shade without colour,
Paralysed force, gesture without motion;
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Com estes versos Eliot demonstra ideias paradoxais que indicam a incapacidade
de agir do ser humano. O cérebro do homem não consegue ser agente de suas próprias
ações. Um paradoxo inexplicável. Uma força que logicamente deveria provocar
movimentação paralisa e não deixa que ocorram mudanças ou novos meios de enxergar
a própria situação.
Na última estrofe dessa primeira parte há uma alusão à obra A divina comédia,
de Dante Alighieri. O temeroso encontro com os olhos do “reino da morte” remetem o
leitor aos famosos olhos de Beatriz, personagem da obra de Alighieri. O “reino” é uma
fronteira que o medo impede a ultrapassagem. Medo dos olhos que sabem distinguir e
identificar quem são os homens ocos, cheios de nada.
Na segunda parte, os “olhos” ainda tomam a cena. O pessimismo nesses olhos é
expresso justamente pelo medo que os homens têm deles. O encontro com esses olhos é
temido, pois os homens ocos não têm a alma purificada, outra característica
pessimista.
O terror toma conta do poema. Nessa segunda parte é enfatizado o
medo e a vontade da alma humana de alcançar o paraíso, mas por
ter tantos disfarces, por não querer reconhecimento ou mostrar a
verdadeira identidade, fica sem forças. Mais uma vez Eliot,
descreve o seu pessimismo diante do homem, em sua vida
fugaz e permeada por máscaras. Homens que passam pela
vida e se sentem impossibilitados de usarem a própria
consciência, passam pela terra e morrem como se nunca
tivessem existido, pois não deixaram nenhuma ação de
heroísmo a ser lembrada.
O pessimismo continua presente na terceira parte.
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Dessa vez T. S. Eliot descreve a terra dos homens ocos. Uma terra
morta, sem vida, um reino da morte. Existem dois reinos da morte e
a própria terra, devastada pelas ações humanas. A terra está morta por causa
da ineficácia da razão humana como é possível perceber nos versos:
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This is the dead land
This is cactus land
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Na quarta parte o pessimismo ainda é marcante. Os versos demonstram trevas e
destruição. Os olhos parecem simbolizar uma esperança perdida. No mundo dos
homens ocos as estrelas não brilham, há estrelas morrendo num vale vazio, resultado
das atitudes humanas.
Ainda nessa parte, o poeta apresenta um símbolo muito importante. Uma estrela
perpétua, uma rosa multifoliada que parece ser a perpetuação da vontade dos homens
ocos de chegar ao paraíso. A rosa multifoliada é o próprio paraíso, a única esperança de
homens vazios, a única fé, quase inexistente já que a ineficácia de sua razão impede que
esse desejo seja concretizado.
Na quinta parte a própria ação destrutiva do homem é apontada a partir da
descrição de sua terra. Um mundo desertificado por ações humanas. Eliot dá ênfase
maior a este fato, faz questão de expressar que o fracasso da razão humana é um
produto de contínuas ações vindas da própria humanidade. Mais uma vez, deixa
perceptível seu descontentamento diante dessa humanidade irracional bem como sua
falta de fé e credibilidade em relação aos homens.
Na seqüência da quinta parte, Eliot constrói três estrofes que tentam
exprimir onde está a consciência humana. É feito um contraste entre idéia e
realidade. É clara a referência a Platão e Aristóteles, ao mundo das idéias.
Entre vários fatores a predominância é a sombra que paralisa o que
há de ser, um futuro que é incerto, sem esperanças. A sombra
está entre o mundo ideal e real e simboliza a incapacidade de
tornar os fatos reais, de unir o que é idealizado a sua
concretização.
No final, Elliot parece construir um coro. “O coro
do Apocalipse.” A expressão dos fins dos tempos que não
será como a explosão do surgimento do mundo, mas com
um gemido, resultado da impossibilidade de mudança.
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This is the way the world ends
This is the way the world ends
This is the way the world ends
Not with a bang but a whimper.
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Eliot descreve e enfatiza nesse poema todo o seu pessimismo e
descontentamento diante do homem moderno e de suas ações. Lendo o poema The
hollow men é possível perceber que toda forma de heroísmo parece ter sido erradicada.
A passividade completa diante da realidade é a principal característica humana aliada à
ineficácia resultante do contínuo comodismo. Portanto, por meio desses versos
pessimistas no texto poético de Eliot, o homem se revela um “auto- destruidor”, agente
de seu próprio fracasso.
REFERÊNCIA:
ELIOT, Thomas Stearns. Selected poems. London: Faber and Faber Limited, 1961.
[1] E-mail: [email protected]
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