a moralidade como condição implícita de elegibilidade

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a moralidade como condição implícita de elegibilidade
A MORALIDADE COMO CONDIÇÃO IMPLÍCITA DE ELEGIBILIDADE
João Luiz Valente Dias
A MORALIDADE COMO CONDIÇÃO IMPLÍCITA DE
ELEGIBILIDADE
João Luiz Valente Dias
Advogado sócio de CAVALCANTE&VALENTE consultoria e assessoria
jurídica;
Formado em Direito pela Faculdade de Alagoas, FAL (mantida pela
Estácio de Sá);
Presidente do Instituto Sal da Terra www.institutosalt.org Entidade
que, dentre outras ações, combate a corrupção eleitoral em Alagoas,
vide projeto SALT MAMBEMBE;
Estudou Som e Imagem na Espanha (Instituto Nestor de Almendros,
Tomares, Sevilla);
Realizou mais de quarenta documentários na Andaluzia (região sul da
Espanha);
Repórter cinematográfico na TVE (TV EDUCATICA) órgão do IZP
(Instituto Zumbi dos Palmares) em Maceió;
Coordenador Geral da ATRIZP (Associação dos Trabalhadores do
Instituto Zumbi dos Palmares);
Fala inglês e espanhol fluentes, conhecimentos de francês.
RESUMO
Um dos temas mais debatidos e controversos no âmbito da
Filosofia e da Teoria Geral do Direito é, sem dúvida, o relativo à Moral
e ao Direito. A comunicação entre Direito e Moral, do ponto de vista
material, apresenta três correntes: o Direito está contido na Moral, o
Direito se comunica só em determinado ponto com a Moral e Direito e
Moral
são
totalmente
independentes.
Historicamente,
o
Jusnaturalismo, o Positivismo e o Pós-Positivismo, correspondem a
esses critérios distintivos entre Direito e Moral. A juridicização da
moralidade com a sua positivação na Constituição de 1988 implica
numa reflexão de sua incidência como categoria normativa no
processo político, especificamente na exigência de moralidade para o
exercício dos direitos políticos de sujeição passiva. A interpretação
constitucional hodierna torna possível a existência de uma condição
implícita de elegibilidade ou de registrabilidade pautada em critérios
morais para o exercício do direito político de ser votado. Além disso,
o avanço da democracia tem sido, em grande parte, num plano
meramente formal. A manipulação eleitoral é a prática. A debilidade
jurídico-administrativa do processo eleitoral e a influência por parte
de políticos profissionais sobre eleitores, reduziram o conteúdo
democrático do voto, de modo que muitas vezes a população ignora
ou até mesmo contesta a legitimidade dos resultados eleitorais. As
estruturas de dominação mantiveram-se depois de vinte anos de
Constituição ainda que o povo seja chamado às urnas obrigatória e
regularmente.
A ação de pedido de registro de candidatura, bem como a ação
de impugnação de registro de candidatura são arquétipos processuais
idôneos para aferição do requisito da moralidade para ser candidato A
moralidade, por sua vez, é requisito sine qua nom para a democracia.
Palavras-chave: moralidade – registro de candidatura –
condições de elegibilidade
ABSTRACT
One
of
the
most
debated
and
controversial
within
the
philosophy and the General Theory of Law is, without doubt, on the
Moral and the Law. Communication between law and morals, the
material point of view, has three streams: the law is contained in the
Moral Law is communicated only at one point and the Moral Law and
Morals
are
completely
independent.
Historically,
natural
law,
positivism and post-positivism, meet these criteria distinguishing
between Law and Morality. The juridicização of morality with their
affirmation in the Constitution of 1988 implies a reflection of its scope
and category of rules in the political process, specifically the
requirement of morality for the exercise of political rights of passive
submission. The present-day constitutional interpretation makes
possible the existence of an implied condition of eligibility or to record
guided by moral criteria for the exercise of political right to be voted.
Moreover, the advance of democracy has been largely in the purely
formal. The electoral manipulation is the practice. The legal and
administrative weakness of the electoral process and influence by
political professionals on voters reduced the democratic content of
the vote, so that the public often ignores or even denies the
legitimacy of the election results. The structures of domination
remained after twenty years under the Constitution even if the people
be
called
to
the
polls
and
regularly
required.
The action of an application for registration application, and the suit
challenging the registration application archetypes are suitable
procedure for measuring the condition of morality to be a candidate
Morality, in turn, is a requirement sine qua nom for democracy.
Key words: morality - Registration of candidates - conditions
of eligibility
INTRODUÇÃO
“Ubi societas ibi jus” este é, via de regra, o primeiro brocado
latino apresentado aos alunos de direito. Partindo deste pressuposto
deve-se considerar que há diferentes formas de Direito já que há
diferentes formas de organizações sociais. Umas mais, outras menos
eqüitativas. Durante os cinco anos de academia vê-se que é possível
entender a Constituição como norteadora de uma trajetória política
democratizante, carregada de sentido principiológico e que induz a
uma sociedade cada vez mais justa como um todo (Hesse). Por outro
lado, a Constituição pode não passar de um amontoado de papel
(Lassalle), valores programáticos nunca aplicados e o que é pior,
apreende-se como é possível que num Estado democrático de Direito
como o Brasil depois de vinte anos de Carta Republicana haja normas
existentes, válidas, mas absolutamente ineficazes.
O art.37 deveria servir de ponto de partida para a construção
da moralidade como princípio constitucional já
que
é ela, a
moralidade administrativa, preconizada como um dos princípios
fundamentais de toda atividade estatal. Prova disso é a necessidade
de demonstração de idoneidade moral ou reputação ilibada para
ocupar os cargos de ministro do Tribunal de Contas, art. 73; do
Supremo Tribunal Federal, art. 101; do Superior Tribunal de Justiça,
art. 104; do Superior Tribunal Eleitoral, art. 109; do Tribunal
Regional Eleitoral, art. 120 e da exigência de idoneidade moral para
requerer a naturalidade brasileira art. 12 e por fim a proibição de
reeleição por violação à moralidade art. 14.
Neste trabalho faz-se uma breve incursão no interminável
debate
em
torno
da
Moral
e
do
Direito
(capítulo
primeiro),
percorrendo varias escolas do conhecimento jurídico ocidental,
maiormente nas obras de Jean-Jacques Rousseau, Max Weber,
Habermas, Hans Kelsen e Emanuel Kant, e percebe-se que é possível
comparar a superação do pensamento medieval escolástico, após as
barbaridades cometidas durante a santa inquisição, dando lugar ao
iluminismo e ao renascimento com a decadência do pensamento jus
positivista de Kelsen, panorama das atrocidades nazi-fascistas, dando
lugar ao pós-positivismo. Páginas negras da historia da humanidade
onde o Direito estivera acima da moral já que o poder centralizara-se
a tal ponto que prescindira da legitimidade que a moral lhe confere e
adotara características dogmáticas, bem pela imposição da vontade
divina como dissera o vaticano no medievo, bem por ser imposto por
um ordenamento desvinculado das ciências humanas como dissera
Kelsen durante o holocausto. Exemplo desse poder intransponível e
absoluto é a passagem no clássico “El ingenioso hidalgo Don Quijote
de la Mancha”, de Miguel de Cervantes quando, no capítulo IX da
segunda parte do livro e para total espanto de seu fiel escudeiro
Sancho Panza, retrocede ante um desafio e submisso o até então
intrépido Don Quixote constata: “con la iglesia hemos dado, Sancho”,
“topamos com a Igreja, Sancho”.
Vive-se, no Brasil, um momento de asseveração quanto a
imediata aplicabilidade dos princípios constitucionais por parte de
juristas comprometidos com a democracia em aguerrida luta pela
decência no maculado panorama político nacional. O mínimo ético
necessário para uma convivência pacífica no seio da sociedade decai.
A escalada da violência é assustadora, vivemos em estado de
guerrilha. Repetidos escândalos envolvendo parlamentares, fazem
que a população perca a esperança na justiça.
Nas eleições de 2008
o tema abordado no Capítulo II – A Moralidade Como Condição
Implícita de Elegibilidade percorreu os tribunais até as supremas
cortes sem que a sociedade restasse conformada.
Eis aqui mais um intento de trazer a moralidade à vida pública
brasileira sem a necessidade de que aconteça uma tão desejada
reforma
político-administrativa.
Desta
volta,
valendo-se
do
ordenamento jurídico pátrio existente e sua melhor interpretação
demonstramos no terceiro capítulo que se intitula: O PROCESSO
ELEITORAL E A INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO NO CONTROLE DA
MORALIDADE COMO CONDIÇÃO IMPLÍCITA DE ELEGIBILIDADE, como
existem hoje ferramentas jurídicas hábeis ao controle jurisdicional da
moral administrativa.
Por fim e a título de lição paradigmática salientamos que outros
países próximos a nós tanto em características históricas quanto
sócio-econômicas, convivem democraticamente, sem ameaças à
presunção da inocência, com ferramentas jurídicas que mesmo antes
de
haver
trânsito
em
julgado
de
sentença
condenatória
impossibilitam o registro de candidatura de certos cidadãos cujo perfil
é
considerado
lesivo
ao
interesse
público
(anexo
legislação
alienígena).
CAPÍTULO I – MORAL E DIREITO
Um dos temas mais debatidos e controversos no âmbito da
Filosofia e da Teoria Geral do Direito é, sem dúvida, o relativo à Moral
e ao Direito. Nesta seara, parece campear a subjetividade que acaba
por afastar o consenso. Entretanto há outros pontos de vista. Nas
justificativas da Crítica da Razão Pura (1781), Kant faz a defesa da
crítica enquanto faculdade da razão, e define o Iluminismo como uma
época de contestação dos valores e das instituições. Constata que
naqueles tempos "a religião, por sua santidade e a legislação, pela
sua majestade", queriam escapar de qualquer apreciação crítica
racional; e considera que exatamente por quererem essa isenção é
que levantavam contra elas "justificadas suspeitas". Finalmente,
termina esse seu raciocínio considerando que justamente por este
privilégio forçado é que a religião e a legislação não podiam, em seu
tempo, "aspirar ao sincero respeito", pois este "a razão só concede a
quem pode sustentar o seu livre e público exame”.
Porém, o presente Capítulo, longe de pretender esgotar o
assunto, tem o desiderato de expor, superficialmente, as principais
discussões que se travam e travaram sobre a matéria, no fito de
iluminar a reflexão aqui pretendida, se utilizando ainda das lentes da
nova interpretação constitucional, tão atual e pertinente para a
Ciência do Direito, que parece reaproximar as valorações éticas do
Direito, o que leva a crer que em tal debate o subjetivismo não ocupa
tanto espaço como se imagina.
Moral e Direito, por serem normas de comportamento, tem uma
comum base ética, por isso, a problemática da distinção entre uma e
outra é velha questão doutrinária, como assevera Maria Helena
Diniz1, chegando o jurista Jhering e Cabral de Moncada2, como
referenciou Cabral de Moncada3, a se referir à questão como o cabo
Horn ou cabo das tormentas da ciência jurídica, e para Croce o cabo
dos naufrágios.
Desta forma serão identificadas algumas correntes filosóficas
que arrojam luz ao assunto, dando-se maior ênfase ao pensamento
dos filósofos Jean-Jecques Rousseau, Max Weber e, finalmente,
Habermas,
no
intuito
de
conhecer
os
fundamentos
da
Moral
positivada na Constituição de 1988, enquanto suas aplicações na
seara do Direito Eleitoral, e do seu uso como referência nas hipóteses
de se auferir ou não condições de elegibilidade quando do registro de
candidatura.
1.
Jean-Jacques Rousseau
Um dos maiores filósofos do século XVIII foi sem dúvida JeanJacques Rousseau que parte de um conceito de Estado e de
Sociedade Civil a partir de um contrato social. Em estado de natureza
ou de condição natural, na verdade, uma condição pré-social, os
indivíduos vivem isolados pelas florestas, sobrevivendo com o que a
natureza lhes dá, desconhecendo lutas e comunicando-se pelo gesto,
o grito e o canto, numa língua generosa e benevolente. Esse estado
1
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 12. ed. São Paulo: Saraiva,
2000, 73
2
Confira-se sobre o tema: Cabral de Moncada. Filosofia do Direito e do Estado, 1995, pp. 134 ss. E
Gustav Radbruch Introducción a la Filosofía del Derecho, 1974, pp. 53 ss. No rigor dos conceitos, o
direito está para a ciência jurídica, assim como a moral está para a ética.
3
MONCADA, L. C. de. Filosofia do Direito e do Estado. Coimbra: Coimbra Editora, 1995, pp. 134ss.
de felicidade original, no qual os humanos existem na condição de
bom selvagem inocente, termina quando alguém cerca um terreno e
diz: “É meu”. A divisão entre o meu e o teu, isto é, o surgimento da
propriedade privada, dá origem ao estado de sociedade, no qual
prevalece a guerra de todos contra todos.
O estado de sociedade de Rousseau evidencia uma percepção
do social como luta ente fracos e fortes, vigorando o poder da força
ou a vontade do mais forte. Para fazer cessar esse estado de vida
ameaçador e ameaçado os humanos decidem passar à civitas ou à
sociedade civil, isto é, ao estado civil, criando o poder político e as
leis.
A passagem do estado de sociedade ao estado civil ou à
sociedade civil se dá por meio de um pacto social ou contrato social,
pelo qual os indivíduos concordam em renunciar à liberdade natural e
à posse natural de bens e armas e em transferir a um terceiro – o
soberano – o poder para criar e aplicar as leis, usar da força, declarar
a guerra e a paz. O contrato social funda a soberania e institui a
autoridade política. É instituído, portanto, o estado civil, que deve por
um fim às lutas mortais do estado de sociedade4.
Para Rousseau, o soberano é o povo, entendido como vontade
geral, pessoa moral coletiva livre e corpo político de cidadãos. Os
indivíduos, pelo contrato, criaram-se a si mesmos como povo e é a
este
que
transferem
os
direitos
naturais
para
que
sejam
transformados em direitos civis. Assim sendo, o governante não é o
soberano, mas o representante da soberania popular. Os indivíduos
aceitam perder a liberdade natural de bens. Assim sendo criam a
soberania e nela se fazem representar, são cidadãos. Enquanto se
submetem às leis e à autoridade do governante que os representa,
chamam-se súditos. São, pois, cidadãos do Estado e súditos das leis.
4
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2003, p. 373
Em suas próprias palavras5:
O que o homem perde através do contrato social é sua
liberdade natural e um direito ilimitado a tudo o que o
tente e possa conseguir; o que ele ganha é a liberdade
civil e a propriedade de tudo o que possui. Para não se
enganar nessas compensações, é preciso, na verdade,
distinguir a liberdade natural, que tem como únicos
limites as forças do indivíduo, da liberdade civil que é
limitada pela vontade geral, [...].
Da mesma forma, Rousseau não deixa olvidar que o
contrato social deve estar sendo constantemente renovado. Para que
sua validade transcorra ao longo do tempo determinadas situações
são necessárias, tais como: o sentimento de pertencimento, uma
determinada
homogeneidade
dos
indivíduos
para
que
estes
compartilhem objetivos. Na falta de tais pré-requisitos rompe-se o
pacto e só possível a manutenção do direito do mais forte
absolutamente desvencilhado de qualquer virtude “A força é um
poder físico, não vejo que moralidade deveria resultar de seus
efeitos. Ceder à força é uma manifestação de necessidade, não de
vontade: quando muito um ato de prudência. [...]. Convenhamos
portanto, que a força não fundamenta o direito e que só somos
obrigados a obedecer aos poderes legítimos.”6.
Sob a ótica do contratualismo de Rousseau a imposição da força
não só rompe o contrato, mas avilta a sociedade.
Sendo o cerne do trabalho a análise da moralidade como
condição implícita de elegibilidade, vê-se a priori, que a sociedade
brasileira não tem os efeitos esperados do contrato social. Máxime
desta afirmação é Alagoas onde os níveis de marginalidade e
corrupção desembocam no quadro de violência insustentável que
5
ROUSSEAU, Jean-Jecques. Textos filosóficos; seleção de textos Patrícia Piozzi; tradução de Lúcia
Pereira de Souza. São Paulo: Paz e Terra, 2002. (Coleção Leitura), p. 76.
6
IBDEM, pp. 62-63.
vivemos, onde a única proposta feita pelos políticos eleitos é a do uso
da força o aumento de efetivos policiais e aquisição de mais armas.
Nota-se, portanto, um completo abandono da moral.
Podemos tomar como exemplo a atualidade brasileira, mais
especificamente Alagoas, onde a marginalidade e a criminalidade são
a tônica, sinal de que a moral é necessária para a estruturação desta
sociedade que decide “contratar”, pois compartilha metas perdeu-se
por completo.
2.
Max Weber
Max Weber interpreta as ordens estatais das sociedades
ocidentais modernas como desdobramentos da “dominação legal”.
Porque a sua legitimidade depende da fé na legalidade do exercício
do poder. Segundo ele, a dominação legal adquire um caráter
racional, pois a fé na legalidade das ordens prescritas e na
competência dos que foram chamados a exercer o poder não se
confunde simplesmente com a fé na tradição ou no carisma, uma vez
que ela tem a ver com a racionalidade que habita na forma do direito
e que legitima o poder exercido nas formas legais. Max Weber
introduz um conceito positivista do direito, segundo o qual direito é
aquilo que o legislador, democraticamente eleito ou não, estabelece
como tal, seguindo um processo institucionalizado juridicamente sob
esta premissa, a força legitimadora da forma jurídica não deriva de
um possível parentesco com a moral.
Isso significa que o direito moderno tem que legitimar o poder
exercido
conforme
o
direito,
apoiando-se
exclusivamente
em
qualidades formais próprias, destarte, o direito dispõe de uma
racionalidade própria, que não depende da moral.
A confusão entre moral e direito pode supor um risco à
racionalidade da ciência jurídica e por extensão a legitimidade da
dominação legal. Ele não faz distinção entre valores que, no interior
de
determinadas
tradições
e
formas
culturais
de
vida,
se
recomendam como mais importantes que outros valores, e a validade
deontológica de normas que obrigam indistintamente todos os
destinatários. Ele não introduz uma fronteira entre os variados
conteúdos
valorativos
concorrentes
e
o
aspecto
formal
da
obrigatoriedade ou validade de normas, a qual não varia com o
conteúdo das normas. Resumindo, ele não levou a sério o formalismo
ético.
Isso se depreende do modo como Weber interpreta o moderno
direito racional, que ele contrapõe ao “direito formal” positivado. Ele
pensa “que não pode haver um direito natural puramente formal”,
pois “A natureza e a razão são a medida material para aquilo que é
legítimo”7.
Uma das características mais importantes de uma forma de
dominação fundada na crença da legitimidade da ordem jurídica e
política é o seu caráter impessoal, uma vez que a obediência não está
ligada àquele que detém o poder, mas é condicionada unicamente
pelo conteúdo obrigatório do direito. Outro aspecto importante é o
caráter objetivo das competências juridicamente delimitadas. A
dominação legal tem ainda duas características particulares: a
burocratização da direção administrativa e a preeminência da ordem
jurídica estatal.
O fundamento da legitimidade de uma ordem estatal não
poderia escapar à decisão, momento especificamente político. A
concepção weberiana de dominação racional decorre da relação de
força com os interesses complexos e com as ações destinadas a dar
7
WEBER, M. Economía y sociedad. 2. ed. em espanhol. México: Fondo de Cultura Económica (1.ª
edição em alemão), 1922, pp. 200-201; APUD HABERMAS, Jurgen. Direito e democracia: entre
facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. 2
v.
forma a tais interesses e a lhes promover. Em razão desse ponto de
partida, o que importa, antes de tudo, é mostrar que a dominação é
diferente dos princípios de legitimação que a lei reivindica, mas não
se trata de uma discussão sobre a justiça ou injustiça de uma
determinada construção política. Para Weber cabe a visualização do
problema
da
legitimidade,
como
meio
de
estabilização
e
racionalização da disputa do poder, e também como fim a ser
perseguido por qualquer tipo de dominação. Desta forma explicar-seia o fato de grupos políticos de tão variado cariz revezarem-se no
poder sem que para isso haja necessidade de alterações substanciais
no ordenamento jurídico.
3.
Habermas
As análises de temas éticos e morais ocupam um lugar central
no pensamento de Jürgen Habermas, que vem exercendo significativa
influência entre teóricos e profissionais das Ciências Humanas.
Habermas sobressai como um dos grandes defensores do projeto
moderno. Para ele, os grandes trunfos da modernidade são; a idéia
de racionalidade, de controle do homem sobre seu futuro e de
possibilidade de construção de um projeto universal de liberdade,
idéias-força que o homem ainda não deve abandonar. Ele pretende,
em diálogo permanente com a problemática pós-moderna, sustentar
a atualidade de um projeto moderno renovado, atento a seu tempo e
aos desafios que o mundo apresenta.
Dentre sua obra destacam-se, como de grande importância
para o presente estudo, as aulas conferidas em Salt Lake City, EUA,
em 1986 intituladas “The Tanner Lectures on Human Values”. Ele
começa questionando sobre a possibilidade de que o Direito se
legitime pela legalidade, ou seja, pela positivação das normas. Temos
em análise a primeira fase de Habermas fazendo críticas a pontos de
vista de Max Weber no que toca o direito e a moral, a racionalidade
jurídica e fatos que envolvem legitimidade e legalidade da norma
jurídica8.
Assim conclui que Weber estaria equivocado. A legitimidade da
legalidade não pode ser explicada a partir de uma racionalidade
autônoma inserida na forma jurídica isenta de moral. Acredita que o
direito materializado possui qualidades formais das quais se deduz,
pelo caminho da analogia, argumentos legitimadores. Ao contrário, a
mudança da forma do direito exige uma radicalização da questão
weberiana acerca da racionalidade que habita o médium do direito.
Pois, o direito formal e o não formal constituem variantes diferentes
nas quais se manifesta o mesmo direito positivo.
O “formalismo” do direito, que é comum a esses dois tipos
especiais de direito, tem que estar situado num nível mais abstrato e
se as qualidades formais do direito são encontráveis na dimensão dos
processos referendados juridicamente, e se esses processos regulam
discursos jurídicos que são suscetíveis a argumentações morais podese concluir que a legitimidade pode ser obtida através da legalidade
sempre que os processos para produção de normas jurídicas sejam
racionais no sentido de uma lógica prático-moral formal. A questão
da qualidade formal das leis, sua forma clássica de lei abstrata e
geral não legitima um poder exercido em tais formas pelo simples
fato de esse poder preencher certas exigências funcionais para a
busca autônoma, privada e racional, de interesses próprios9.
Desta maneira se institucionalizam discursos jurídicos que
operam nos limites exteriores do processo jurídico e sob as limitações
da
produção
argumentativa
de
bons
argumentos.
O
direito
constitucional revela que muitos desses princípios possuem uma
dupla natureza, a moral e a jurídica. Os princípios morais de direito
8
HABERMAS, Jurgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. 2 v, p. 193.
9
IBDEM, p. 201.
natural transformaram-se em direito positivo nos modernos Estados
Constitucionais. É assim como a lógica da argumentação permite ver
que os caminhos de fundamentação, institucionalizados através de
processos jurídicos, continuam abertos aos discursos morais10.
Neste ponto, a referência às teorias procedimentais da moral e
do direito visa apenas esclarecer por que os limites entre o direito e a
moral não podem ser estabelecidos unicamente com o auxílio dos
conceitos “formal” e “material”. As considerações que tecemos levam,
ao invés disso, à conclusão de que a legitimidade da legalidade não
pode ser explicada a partir de uma racionalidade autônoma inserida
na forma jurídica isenta de moral; ela resulta, ao invés disso, de uma
relação interna entre o direito e a moral.
4.
Comunicação e Critérios Distintivos
Classicamente, do ponto de vista material, identificam-se três
teorias que fazem a devida distinção ou comunicação entre Direito e
Moral e que são didaticamente representadas por círculos, ora
concêntricos – Teoria do Mínimo Ético –, ora secantes – Teoria dos
Círculos Secantes –, e ainda independentes, onde Direito e Moral
estão desvinculados – Teoria dos Círculos Independentes.
Exposta pelo filósofo inglês Jeremias Bentham e posteriormente
desenvolvida pelo jurista alemão Georg Jellinek, a teoria postula que
o Direito representa apenas o mínimo de Moral declarado obrigatório
para que a sociedade possa sobreviver.
O jusfilósofo Miguel Reale11 comenta que a teoria do mínimo
ético versa em dizer que o direito representa apenas o mínimo de
Moral declarado obrigatório para que a sociedade possa sobreviver.
“Como nem todos podem ou querem realizar de maneira espontânea
10
11
IBDEM, p. 203.
REALE. Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 42.
as obrigações morais, é indispensável armar de força certos preceitos
éticos, para que a sociedade não soçobre”. Nesta concepção, o Direito
não se distingue da Moral, pois é uma parte desta, munido de
garantias específicas (IBDEM). Tal teoria pode ser vislumbrada pela
imagem de dois círculos concêntricos, sendo o círculo maior o da
Moral, e o círculo menor o do Direito. Haveria, portanto, um campo
de ação comum a ambos, sendo o Direito envolvido pela Moral.
Segundo o doutrinador, de acordo com essa imagem, “tudo o que é
jurídico é moral, mas nem tudo o que é moral é jurídico”12.
MORAL
DIREITO
Porém, a crítica que se faz a tal teoria parte do princípio de que
o Direito, protege muita coisa que é imoral, e muito embora, os
homens se esforcem para que seja tutelado pelo Direito somente o
“lícito moral”, um resquício de imoralidade é por ele sempre
protegido13.
A
segunda
concepção
é
representada
por
círculos
independentes um do outro tendo em vista que a validade das
normas jurídicas não tem a ver com as regras morais. O maior
expoente desta concepção é Hans Kelsen, que na esteira de
inspiração da filosofia positivista de Augusto Comte, pretendeu
elaborar uma teoria jurídica que descrevia tão somente as prescrições
do direito positivo. Para o autor, o Direito é o direito positivo, não
sofrendo influencia das normas morais, da filosofia, da sociologia.
Bem assim Max Weber considera que a lei se legitima por ela mesma.
12
13
IBDEM
IBDEM, p. 43.
MORAL
DIREITO
5.
A Visão de Hans Kelsen e Emanuel Kant
Antes de prosseguir nesta exposição surge a necessidade de
abrir um pequeno parêntese para melhor elucidar a concepção
Kelseniana
da
diferenciação
entre
Moral
e
Direito,
e
conseqüentemente trazer a baila, na oportunidade, o contraste da
filosofia de Emanuel Kant acerca do tema.
Hans Kelsen, ao tratar do Direito e da Moral os concebe em
planos totalmente distintos e separados alertando para a necessária
distinção
entre
ambos
para
não
gerar
qualquer
prejuízo
na
compreensão da ciência jurídica. Parte do pressuposto da existência
de normas jurídicas que regulam a vida social, e de normas morais
que também são normas sociais14.
Contudo,
Kelsen,
iconoclasta
do
positivismo,
cogita
a
possibilidade do Direito ser moral, mas não necessariamente. Para
distingui-lo da moral, afirma que não existe uma “moral absoluta”,
mas vários sistemas “fechados” de moralidade, os quais variam
conforme o tempo e o espaço, de forma que a moral existe no
Direito, podendo ou não com ele se confundir. O autor ainda procura
separar radicalmente os planos, fundamentando no fato de que
embora ambos possuam a mesma fonte de criação (costume), o
Direito se destaca pela coercibilidade, característica praticamente
invisível no âmbito da moralidade. Pelo exposto, percebe-se que
14
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 67.
Kelsen não leva em conta a moralidade da lei e nem considera, como
tal, qualquer norma desprovida de sanção.
Salienta-se que Kelsen, sustenta a distinção entre Direito e
Moral a partir do pensamento de Emanuel Kant, que concebe o
Direito e a Moral estariam em dimensões categoricamente apartadas.
Adepto da filosofia Racionalista, Kant assinala que é inimaginável,
pensar nada no mundo, e em geral também nada fora dele que possa
ser considerado como absolutamente bom sem restrições, a não ser
talvez uma boa vontade, conforme Norberto Bobbio15.
Também de acordo com Bobbio, Kant concebe “boa vontade”
como aquela vontade direcionada ao cumprimento e respeito ao
dever. Desta feita, uma ação moral, para Kant, seria uma ação que
estivesse coerente com o dever e que fosse cumprida pelo dever.
Assim, tem-se por moralidade, quando a ação é cumprida pelo dever,
e por legalidade, quando a ação é cumprida em conformidade com o
dever.
Kant, apud Bobbio16 enfatiza que:
A lei que assenta uma ação como dever, e o dever
simultaneamente como impulso, é moral. Aquela, em
sentido oposto, que não compreende esta última
qualidade na lei, e que, portanto, acolhe também um
impulso díspar da opinião do próprio dever, é jurídica.
[...] O imaculado acordo ou desacordo de uma ação
com relação à lei, sem veneração alguma ao impulso da
mesma, chama-se legalidade (em consonância com a
lei) quando, ao invés, a opinião do dever procedente da
lei é simultaneamente impulso para a ação, temos a
moralidade.
O critério distintivo entre Direito e Moral na visão Kantiana é
meramente formal por considerar somente a maneira de obrigar-se a
15
BOBBIO, Norberto. Direito e estado no pensamento de Emanuel Kant; Tradução de Alfredo Fait. 3.
ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995, p. 258.
16
IBDEM, p. 394.
uma ação, outro é o critério para diferençar moralidade da legalidade,
aludindo que a mesma é derivação da diferença entre os imperativos
categóricos e imperativos hipotéticos (comandos categóricos ou
morais e comandos hipotéticos ou legais).
Para Kant, uma lei moral universal vale para todas as pessoas,
em todas as sociedades, em qualquer época. Essa lei preceituaria a
conduta
para
todas
as
ocasiões,
o
que
identifica
como
um
imperativo categórico. Imperativo, porque é uma ordem inevitável,
e categórico, porque valeria para todas as circunstâncias. Reza uma
das fórmulas do imperativo categórico de Kant: “devemos sempre
agir de modo a podermos desejar que a regra a partir da qual agimos
transforme-se
em
lei
geral”.
Este
imperativo
categórico
corresponderia a um dever, pois o dever contém em si uma boa
vontade.
Hans Kelsen avalia o imperativo categórico de Kant como uma
expressão vazia de Justiça, finalizando que uma ordem jurídica só
pode
ser
Entretanto,
legítima
a
quando
construção
não
considerar
da
moral
princípios
vigente
não
morais.
nasce
espontaneamente em uma sociedade. Na verdade, ela é produto da
vontade humana dirigida para tal fim. Nesse sentido, regras morais
diferem das regras jurídicas. Para o autor, neste diapasão, se cada
pessoa pudesse agir apenas de acordo com os seus pressupostos
morais, teríamos o caos. Nesse interregno, entraria a função do
Direito: normatizar a moral dominante, para a estabilidade social.
6.
Direito e Moral: Categorias Distintas, mas implexos
entre si
Num terceiro momento, visualizou-se a distinção entre Direito e
Moral sem, no entanto separa-los totalmente, pois há um ponto em
comum entre ambos, isto é, um ponto em que há competência para
atuação tanto de um quanto de outro, mas deverá haver uma área
independente e reservada a cada um, pois existem momentos que
um não pode interferir na esfera de atribuições do outro. É a Teoria
dos Círculos Secantes em que dois círculos se cruzam apenas em
determinado
ponto.
Habermas17
considera
que:
“somente
se
levarmos em conta a racionalidade que habita o próprio direito,
poderemos assegurar a independência do sistema jurídico. No
entanto, como o direito também se relaciona internamente com a
política e com a moral, a racionalidade do direito não pode ser
questão exclusiva do direito”.
Miguel Reale18 contrastando as duas teorias descritas acima,
comenta:
Há, pois, que distinguir um campo de Direito que, se
não é imoral, é pelo menos amoral, o que induz a
representar o Direito e a Moral como dois círculos
secantes.
Podemos
dizer
que
dessas
duas
representações – de dois círculos concêntricos e de dois
círculos secantes, – a primeira corresponde à
concepção ideal, e a segunda , à concepção real, das
relações entre o Direito e a Moral.
No aspecto formal, os critérios classicamente utilizados
para distinguir-se Moral e Direito são: a) o caráter bilateral do Direito
e unilateral da Moral; b) o caráter interno das normas morais e
caráter externo das normas jurídicas; c) a autonomia caracterizante
da Moral e a heteronomia caracterizante do Direito; e d) a
coercibilidade do Direito e a incoercibilidade da Moral.
17
18
Op. cit. p. 230.
Op. cit. p. 43.
A unilateralidade da moral e a bilateralidade do Direito são
concebidas por Giorgio Del Vecchio19. A primeira se baseia no seu
efeito regulador, que só diz respeito ao próprio agente. Na segunda,
a conduta do sujeito é sempre tomada em relação aos outros. Em
outros termos, o Direito, ao mesmo tempo em que concede direitos,
impõe obrigações (bilateralidade); a moral, por sua vez, espera tão
somente a obediência as suas regras, impondo somente deveres
(unilateralidade).
Miguel
Reale20,
no
tocante
a
bilateralidade
do
Direito,
acrescenta que ela é atributiva:
Pelos estudos que temos desenvolvido sobre a matéria
pensamos que há bilateralidade atributiva quando duas
ou mais pessoas se relacionam segundo uma proporção
objetiva que as autoriza a pretender ou a fazer
garantidamente algo. Quando um fato social apresenta
esse tipo de relacionamento dizemos que ele é jurídico.
Onde não existe proporção no pretender, no exigir ou
no fazer não há Direito, como inexiste este se não
houver garantia específica para tais atos. [...]
Bilateralidade atributiva é, pois, uma proporção
intersubjetiva, em função da qual os sujeitos de uma
relação ficam autorizados a pretender, exigir, ou a
fazer, garantidamente, algo.
O caráter externo do Direito é visto quando se percebe que são
nas atitudes externas dos indivíduos que se concentra sua atuação. O
Direito não pode punir o pensamento, porém a consciência é levada
em consideração quando se examina a conduta. Com a moral ocorre
diametralmente o oposto, pois o seu raio de atuação é justamente a
consciência individual, no fito de não permitir que condutas não
aceitáveis cheguem a serem externalizadas, e quando forem, deverá
ser objeto de análise somente para se aferir a intenção do indivíduo.
Vale dizer que esse critério não atingiria a moral social. Assim,
imperioso reconhecer que tanto a conduta exterior é suscetível de ser
19
DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de filosofia do direito. v. II. 3. ed. corrigida e atualizada. Coimbra:
Arménio Amado Editor, 1979, p. 93
20
Op. cit. p. 51.
objeto de valoração moral, como a interior pode ser objeto de
valoração jurídica. Não existe, pois, um único domínio da conduta
humana, quer interior, quer exterior, que não seja suscetível de ser
ao mesmo tempo objeto de apreciações morais e jurídicas. Anota
Radbruch21 que
[...] aquilo que em princípio parece ser uma distinção
de objeto entre a moral e o direito pode manter-se
ainda, mais simplesmente como uma distinção entre
duas direções opostas dos seus respectivos interesses.
Isto é: a conduta exterior só interessa à moral na
medida em que exprime uma conduta interior; a
conduta interior só interessa ao direito na medida em
que anuncia ou deixa esperar uma conduta exterior.
Há no Direito um caráter de ‘alheiedade’ do indivíduo, com
relação à regra. Miguel Reale22 diz, então, que o Direito é
heterônomo, visto ser posto por terceiros, aquilo que juridicamente
somos obrigados a cumprir. Na Moral o acatamento às regras se dá
de forma autônoma e espontânea, cabendo ao indivíduo optar por
aceitá-las ou não.
Da autonomia da Moral e da heteronomia do Direito, se extrai
outra característica distintiva – a coerção –, considerada uma
diferença básica, que pode ser mais bem indicada com esta
expressão: a Moral é incoercível e o Direito é coercível. O que
distingue
o
Direito
da
Moral,
portanto,
é
a
coercibilidade.
Coercibilidade é uma expressão técnica que serve para mostrar a
plena compatibilidade que existe entre o Direito e a força. Bem
observa Giorgio Del Vecchio23, ao ressaltar que onde a coercibilidade
faltar, faltará o Direito. O Direito é sempre a determinação de uma
relação entre várias pessoas, correspondendo a uma delas a
21
RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. 6. ed. Tradução L. Cabral de Moncada. Coimbra:
Armênio Amado, 1997, pp. 99-100.
22
Op. cit. p. 49.
23
Op. cit. pp. 279 e 283.
exigibilidade
realmente,
e,
são
portanto,
também
inseparáveis
os
a
coercibilidade.
conceitos
de
Lógica
direito
e
e
de
coercibilidade.
Destas ilações, Miguel Reale24 apresenta sua conclusão:
Direito é a realização ordenada e garantida do bem
comum numa estrutura tridimensional bilateral
atributiva, ou, de forma analítica: Direito é a ordenação
heterônoma, coercível e bilateral atributiva das relações
de convivência, segundo uma integração normativa de
fatos segundo valores. [E], ultimamente, pondo em
realce a idéia de justiça, temos apresentado, em
complemento às duas noções supra da natureza lógicodescritiva, esta outra de caráter mais ético: Direito é a
concretização da idéia de justiça na pluridiversidade de
seu dever ser histórico, tendo a pessoa como fonte de
todos os valores.
É oportuno remeter ao que asseverou o renomado jurista Tércio
Sampaio Ferraz Júnior25 acerca desta discussão,
[...] independentemente do consentimento subjetivo
individual, ambas são elementos inextirpáveis da
convivência, pois se não há sociedade sem direito (ubi
societas ibi jus) também não há sociedade sem mora.
Não obstante, as mesmas (normas jurídicas e morais)
não se confundem, e marcar a diferença entre elas é
uma das grandes dificuldades da filosofia do direito,
como o foi para os supracitados filósofos.
A exposição teórica acerca da comunicação entre Direito e
Moral, é considerada por muitos como simples palavrório irrelevante
por não chegar a lugar algum, porém, quando aplicada numa análise
que remeta a sua relação com as principais correntes filosóficas que
orientaram o Direito na história, sua pertinência é devidamente
identificada, como se verá no tópico a seguir.
7.
Direito
e
Moral
na
História:
Jusnaturalismo,
Positivismo e Pós-Positivismo
24
Op. cit. p. 67.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estado do Direito. São Paulo: Atlas, 1994, p.
355.
25
A maior parte da tradição
do pensamento jurídico
ocidental é marcada pela distinção entre o direito natural e o direito
positivo e a superposição de um sobre o outro no transcurso da
história, ora predominando corrente filosófica do Jusnaturalismo que
aglutina
os
pensadores
clássicos,
escolásticos,
iluministas
e
contratualistas, ora predominando a do Positivismo.
No pensamento clássico esta diferenciação foi estabelecida por
Aristóteles, como se observa no início do capítulo VII do livro V da
sua Ética à Nicômaco:
Da justiça civil uma parte é de origem natural, outra se
funda na lei. Natural é aquela justiça que mantém em
toda a parte o mesmo efeito e não existe em razão de
pensarem os homens deste ou daquele modo, legal é
aquela que não importa se suas origens são estas ou
aquelas, mas sim como é, uma vez sancionada26.
Para o filósofo grego o direito natural é aquele em toda parte
tem a mesma eficácia, enquanto que o direito positivo tem eficácia
apenas nas comunidades políticas singulares em que é posto. O
direito natural, na lição de Bobbio27, também prescreve ações cujo
valor não depende do juízo que sobre elas tenha o sujeito, mas existe
independentemente do fato de parecerem boas ou más, uma vez
reguladas pela lei, devem ser desempenhadas nos conformes de sua
prescrição.
A distinção mais famosa entre direito natural e direito positivo
no pensamento moderno é a de Hugo Grócio, segundo este autor28,
que liberta o Jusnaturalismo da visão teológica da escolástica para
centrá-lo na razão conceituando-lo como um ditame da justa razão
destinado a mostrar que um ato é moralmente torpe ou moralmente
necessário segundo seja ou não conforme a própria natureza racional
26
ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2004, p.
145
27
BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direit; Tradução e notas Márcio
Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1999, p. 17.
28
IBDEM, pp. 20-21.
do homem, e a mostrar que tal ato é, em consequência disto, vetado
ou comandado por Deus, enquanto autor da natureza.
Em resumo, a Escola do Direito natural fundamenta-se na
concepção
de
que
existe
uma
categoria
de
normas
sólidas,
inquestionáveis, presumíveis, inerentes à natureza do homem e das
coisas, uma idéia superior de Justiça, anterior ao surgimento da
ordem jurídico-positiva estatal, proveniente seja da vontade divina,
seja da razão, podendo (e devendo) servir de inspiração para a
criação das leis do Estado, sob pena de surgirem eivadas de ausência
de legitimidade ou ferindo disposições inatas.
O professor Luis Roberto Barroso29 assim conceitua:
O termo jusnaturalismo identifica uma das principais
correntes filosóficas que tem acompanhado o Direito ao
longo dos séculos, fundada na existência de um direito
natural. Sua idéia básica consiste no reconhecimento
de que há, na sociedade, um conjunto de valores e de
pretensões humanas legítimas que não decorrem de
uma norma jurídica emanada do Estado, isto é,
independem do direito positivo. Esse direito natural tem
validade em si, legitimado por uma ética superior, e
estabelece limites à própria norma estatal.
Desta forma, sob as lentes do Jusnaturalismo, a moral é um
dos valores que se sobrepõe e fundamenta o direito posto, devendo
inspirá-lo, em outras palavras, o Direito está contido na Moral.
A mudança do paradigma jusnaturalista para o positivista
confunde-se historicamente com a formação do Estado moderno a
partir da dissolução da sociedade medieval. A monopolização da
produção jurídica por parte do Estado faz com que o direito positivo e
o direito natural ganhem outro sentido. O positivismo jurídico exclui o
direito natural da categoria de direito e reduz todo o direito ao direito
positivo com as codificações no final do século XVIII e início do século
29
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6. ed. São Paulo: Saraiva,
2008, p. 318.
XIX, através das quais o direito natural foi totalmente absorvido pelo
direito estatal, como destacou Norberto Bobbio30. É a proclamação
histórica do início do divórcio entre Direito e Moral causado pela
distância que se operou entre filosofia e ciências jurídicas. Ana Paula
Barcellos31 assim comenta:
Em fins do século XVIII e início do século XIX, com a
instalação do Estado Liberal e todo o seu aparato
jurídico (constituição escrita, igualdade formal, princípio
da legalidade etc.), o direito natural conheceria seu
momento áureo na história moderna do direito. As
idéias desenvolvidas no âmbito da filosofia ocidental
haviam se incorporado de uma forma sem precedentes
à realidade jurídica. Talvez por isso mesmo, tendo
absorvido os elementos propostos pela reflexão
filosófica, o direito haja presumido demais de si
mesmo, considerando que podia agora prescindir dela.
De fato, curiosamente, a seqüência histórica reservaria
para o pensamento jusfilosófico não apenas um novo
nome – filosofia do direito – como também mais de um
século de ostracismo.
A partir da superação histórica do jusnaturalismo, com o
advento
da
generalizada
promulgação
o
direito
dos códigos, incorporando
natural
aos
ordenamentos
de forma
positivos,
o
positivismo tornou-se a filosofia dos juristas. O direito positivado
passou a ser acreditado como única forma legítima de se fazer
justiça.
No início do século XX, a corrente juspositivista chega ao ápice
de sua formulação teórica, especialmente com a publicação da Teoria
Pura do Direito de Hans Kelsen em 1934, considerada o divisor de
águas no estudo do direito, ao buscar a afirmação do caráter
científico do Direito a partir de uma análise interna do fenômeno
jurídico. A purificação da ciência do direito implica em separar o
30
IBDEM, p. 1999, p. 32.
BARCELLOS, Ana Paula de, As relações da filosofia do direito com a experiência jurídica. Uma visão
dos séculos XVIII, XIX e XX: algumas questões atuais. Revista Forense. v. 351. 2000, p. 10.
31
conhecimento jurídico do direito natural, da metafísica, da moral, da
ideologia e da política, assim comenta o autor:
A necessidade de distinguir o Direito da Moral e a
ciência jurídica da Ética significa que, do ponto de vista
de um conhecimento científico do Direito positivo, a
legitimação deste por uma ordem moral distinta da
ordem jurídica é irrelevante, pois a ciência jurídica não
tem de aprovar ou desaprovar o seu objeto, mas
apenas tem de o conhecer e descrever. [...] a tarefa da
ciência jurídica não é de forma alguma uma valoração
ou apreciação do seu objeto, mas uma descrição do
mesmo alheia a valores (wertfreie)32.
No modelo kelseniano, “a ciência jurídica, porém, apenas pode
descrever o direito; ela não pode, como o Direito produzido pela
autoridade jurídica (através de normas gerais ou individuais),
prescrever seja o que for”33.
Dizer que “se a ordem moral não prescreve a obediência à
ordem jurídica em todas as circunstâncias e, portanto, existe a
possibilidade de uma contradição entre a Moral e a ordem jurídica
[...]”34, o que não retira a validade da norma jurídica, mesmo
contrariando a ordem moral, pois uma ordem social imoral, porém
legal, é aceita pela Teoria Pura35: “[...] uma ordem jurídica ou certas
das suas normas que, ao tempo em que entraram em vigor,
poderiam ter correspondido às exigências morais de então, hoje
podem ser condenadas como profundamente imorais”36.
Por fim, Kelsen37 diz: “Com efeito, a ciência jurídica não tem de
legitimar o Direito, não tem por forma alguma de justificar – quer
através de uma Moral absoluta, quer através de uma Moral relativa –
32
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 77.
IBDEM, p. 82.
34
IBDEM, p. 77.
35
HALIS, Denis de Castro, A necessidade de uma teoria da justiça substantiva como complemento à
teoria do direito positivo. Revista Imes. n. 5. pp. 21-33, jul/dez. 2002, p. 26.
36
KELSEN, Op. cit. 1998, p. 78.
37
IBDEM.
33
a ordem normativa que lhe compete – tão-somente – conhecer e
descrever”.
Após a ascendência do Positivismo jurídico de matriz kelseniana
sua decadência é constatada, conforme a análise de Luís Roberto
Barroso38:
O positivismo pretendeu ser uma teoria do Direito, na
qual o estudioso assumisse uma atitude cognoscitiva
(de conhecimento), fundada em juízos de fato. Mas
resultou sendo uma ideologia, movida por juízos de
valor, por ter se tornado não apenas um modo de
entender o Direito, como também de querer o Direito.
O fetiche da lei e o legalismo acrítico, subprodutos do
positivismo jurídico, serviram de disfarce para
autoritarismos de matizes variados. A idéia de que o
debate acerca da justiça se encerrava quando da
positivação da norma tinha um caráter legitimador da
ordem estabelecida. Qualquer ordem. [...] a decadência
do positivismo é emblematicamente associada à
derrota do fascismo na Itália e do nazismo na
Alemanha. [...] Ao fim da Segunda Guerra Mundial, a
idéia de um ordenamento jurídico indiferente a valores
éticos e da lei como um estrutura meramente formal,
uma embalagem para qualquer produto, já não tinha
mais aceitação no pensamento esclarecido.
Mas com o tempo, este movimento sujeitou-se a várias e
profundas críticas, provenientes de um fracasso político que chegou a
uma reação intelectual. A decadência deste estava associada à
indignação
diante
das
barbáries
promovidas
pelos
episódios
históricos, que em nome da lei39, se valeram para disfarçar os
arbítrios praticados pelos regimes totalitários, arbítrios estes que
promoveram
um
desrespeito
ao
ser
humano
que
ultrajou
a
consciência da humanidade.
38
Op. cit. pp. 324-325.
A decadência do positivismo é emblemática associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na
Alemanha. Esses movimentos políticos e militares ascenderam ao poder dentro do quadro da legalidade
vigente e promoveram a barbárie em nome da lei. Os principais acusados de Nuremberg invocaram o
cumprimento da lei e da obediência a ordens emanadas da autoridade competente. ( BARROSO, Luís
Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 325).
39
Os
acontecimentos
da
época,
diante
das
desastrosas
conseqüências geradas pelo desrespeito aos direitos do homem,
serviram para mostrar que a estrutura meramente formal do
positivismo desassociado dos valores éticos já não era passível de
aceitação. As iniqüidades respaldadas pela concepção juspositivista
cunharam a necessidade de uma reaproximação do Direito com a
Justiça conforme o pensamento de J. Flóscolo Nóbrega40, partindo de
uma reflexão acerca da interpretação41 firmada nos fins sociais da
norma e nos direitos fundamentais42. Desenha-se agora uma nova
hermenêutica
jurídica,
dando-se
centralidade
ao
Direito
Constitucional, que lança as bases de um novo paradgma de
concepção do Direito. O inconformismo deu margens a um conjunto
amplo de reflexões à cerca do Direito, promovendo um novo
movimento denominado póspositivismo43.
Este movimento retomou a discussão do direito sob um novo
prisma, que sem retornar à razão subjetiva do jusnaturalismo,
ultrapassou o legalismo do positivismo e introduziu idéias de justiça e
40
J. Flóscolo Nóbrega, Introdução ao direito, p. 30, assim define: “A justiça é o elemento moral do
direito, moral no sentido espiritual, de teleológico; e é seu princípio e fim, pois sem ela não conceberia o
direito, que existe tão só como meio, ou técnica de realizá-la”. E também John Rawls, Uma teoria da
justiça, p. 7, “Para nós o objeto primário da justiça é a estrutura básica da sociedade, ou mais exatamente,
a maneira pela qual as instituições sociais mais importantes distribuem direitos e deveres fundamentais e
determinam a divisão de vantagens provenientes da cooperação social. Por instituições mais importantes
quero dizer a constituição política e os principais acordos econômicos e sociais”.
41
Carlos Maximiliano (2001, p. 83) assevera com vigor que “a interpretação, que outrora parecia água
plácida, estagnada, é hoje um mar assaz agitado”.
42
Dirley da Cunha Júnior (2004, p. 153) sublinha: “À vista desse critério [dignidade humana], podemos
conceituar os direitos fundamentais como aquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano
como tal, isto é, prerrogativas, faculdades e instituições que a Constituição reconhece como
imprescindíveis a uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. De um lado mais amplo,
podemos concebê-lo como princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia
política de cada ordenamento jurídico.
43
O pós-positivismo identifica um conjunto de idéias difusas que ultrapassam o legalismo estrito do
positivismo normativista, sem recorrer às categorias da razão subjetiva do jusnaturlismo. Sua marca é
ascensão dos valores, o reconhecimento da normatividade dos princípios e a essencialidade dos direitos
fundamentais. Com ele, a discussão ética volta ao Direito. O pluralismo político e jurídico, a nova
hermenêutica e a ponderação de interesses são componentes dessa reelaboração teórica, filosófica e
prática que fez a travessia de um milênio para o outro. (BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos
e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. In Revista Diálogo jurídico. Salvador : CAJ –
Centro
de
Atualização
Jurídica.
V.1
nº6.
setembro,
2001.
Disponível
em
http://www.direitopublico.com.br. Acesso em 21 de dezembro de 2004.)
legitimidade, consagrando o respeito aos direitos fundamentais da
pessoa humana como forma de orientação da atuação estatal.
Para Luís Roberto Barroso:
[...] o Pós-positivismo não surge com o ímpeto da
desconstrução, mas como uma superação do
conhecimento convencional. Ele inicia sua trajetória
guardando deferência relativa ao ordenamento positivo,
mas nele reintroduzindo as idéias de justiça e
legitimidade. O constitucionalismo moderno promove,
assim, uma volta aos valores, uma reaproximação
entre Ética e Direito. Para poderem beneficiar-se do
amplo instrumental do Direito, migrando da filosofia
para o mundo jurídico, esses valores compartilhados
por toda a comunidade, em dado momento e lugar,
materializam-se em princípios, que passam a estar
abrigados
na
Constituição,
explícita
ou
44
implicitamente .
Assim, a partir da segunda metade do século XX, os desejos
humanitários promoveram uma reaproximação entre a ética e o
direito, ao reintroduzir no ordenamento jurídico as idéias de justiça e
eqüidade.
Com a virada kantiana, a partir da releitura do imperativo
categórico de Kant – “[...] age como se a máxima de tua conduta
pudesse se transformar em lei universal”, a liberdade estava
relacionada com a legalidade, uma vez que era entendida como
princípio de direito; agora, passa a ser vista sob um novo enfoque.
Ao lado da idéia de liberdade, foi incluída a regra de justiça, passando
a norma ética a exercer influência sobre a ordem jurídica positivada.
Assim, faz surgir todo um campo de estudos que salienta a utilização
da argumentação para uma melhor compreensão do Direito, uma
aproximação da teoria dos direitos fundamentais e da teoria da
justiça, como também um reconhecimento dos princípios na ordem
jurídica.
44
BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., 2003, p. 326.
Com o armistício entre o direito e a ética, bem como do
reconhecimento dos valores na órbita jurídica, houve uma promoção
e
uma
referência
aos
princípios
constitucionais,
expressos
ou
implícitos.
Pós-positivismo identifica um conjunto difuso de idéias que
ultrapassam o legalismo estrito do positivismo normativista, sem
recorrer às categorias da razão subjetiva do jusnaturalismo. Sua
marca é a ascensão dos valores, o reconhecimento da normatividade
dos princípios e a essencialiadade dos direitos fundamentais, como
ensina Divid Wilson de Abreu Pardo45. Seu surgimento não tem uma
finalidade
desconstrutiva,
apresenta-se
como
alternativa
de
superação do conhecimento convencional. Não pretende abandonar a
lei, antes disso,
é
a
reintrodução
de
idéias como
justiça
e
legitimidade, ou seja, o retorno da discussão ética e moral46 ao
Direito.
45
David Wilson de Abreu Pardo (2003, p. 62), comentando a teoria do garantismo jurídico de Ferrajoli,
dá suporte para compreensão de um dos aspectos do pós-positivismo, a positivação e importância dos
direitos fundamentais na ordem constitucional, nestes termos: “O fato de a ordem jurídico-normativa
conter elementos materiais, como são os direitos fundamentais , considerados vinculantes para os poderes
públicos, fornece as condições para a formulação da teoria do garantismo jurídico, elaborada por Luigi
Ferrajoli. O jurista italiano parte da constatação de que nos modernos estados constitucionais ocorreu uma
incorporação dos direitos fundamentais ao ordenamento jurídico positivo, via Constituição, que são
conteúdos ou valores de justiça elaborados pelo jusnaturalismo racionalista ilustrado. Em conseqüência,
também ocorreu uma aproximação entre legitimação interna ou dever ser jurídico e legitimação externa
ou dever ser extrajurídico, o que torna relativo o sentido do velho conflito entre direito positivo e direito
natural. Todo estado de direito, especialmente se está dotado de uma Constituição rígida, é sucetível de
valoração não só externa, referida a princípios naturais de justiça, senão também interna, quer dizer,
referida a seus próprios princípios tal e como estão garantidos por essas tábuas positivas do direito natural
que são os textos constitucionais.”
46
Existe uma forte tendência entre os filósofos de separar a Ética da Moral, estando aquela acima desta,
apesar de historicamente serem tomados como sinônimos. É de Schelling, segundo Lalande (1993, pp.
125-126), a distinção: “A Moral em geral indica um comando que só se endereça ao indivíduo e não exige
senão a personalidade absoluta do indivíduo; a Ética indica um comando que supõe uma sociedade de
seres morais e que assegura a personalidade de todos os indivíduos, pelo que ela o exige de cada um
deles”. H. Spencer entende a Ética distinguindo-a em três conceitos: “1) A Moral, isto é, o conjunto das
prescrições admitidas numa época e numa sociedade determinadas, o esforço para se conformar a essas
prescrições, a exortação a segui-las; 2) A ciência de fato tendo por objeto a conduta dos homens (ou
mesmo, segundo a opinião de Spencer, dos seres vivos, em geral), abstração feita dos julgamentos de
apreciação que os homens fazem sobre essa conduta [...]; 3) A ciência que toma como objeto imediato os
julgamentos de apreciação sobre os atos qualificados como bons ou maus. É o que nos propomos chamar
Ética.” (LALANDE, 1993, p. 126).
O pós-postivismo trouxe consigo a ascenção científica e política
do Direito Constuticional no Brasil. Neste sentido Luís Roberto
Barroso47 destaca:
O
novo
direito
constitucional
brasileiro,
cujo
desenvolvimento coincide com o processo de
redemocratização e reconstitucionalização do país, foi
fruto de duas mudanças de paradigma: a) a busca da
efetividade das normas constitucionais, fundada na
premissa da força normativa da Constituição; b) o
desenvolvimento de uma dogmática da interpretação
constitucional,
baseada
em
novos
métodos
hermenêuticos e na sistematização de princípios
específicos de interpretação constitucional. A ascensão
política e científica do direito constitucional brasileiro
conduziram-no ao centro do sistema jurídico, onde
desempenha uma função de filtragem constitucional de
todo o direito infraconstitucional, significando a
interpretação e leitura de seus institutos à luz da
Constituição.
Este movimento contemporâneo promoveu a ascensão dos
valores, o resgate da teoria dos direitos fundamentais e fez surgir
uma dogmática principialista. Inaugurou uma nova concepção sobre a
eficácia e a importância dos princípios, por reconhecer a sua
normatividade e a sua relevância no sistema jurídico, passando a ser
a
síntese
dos
valores
fundamentais
consagrados
no
novo
ordenamento jurídico.
Com o pós-positivismo, os princípios obtiveram uma posição de
relevo e denunciaram a insuficiência da subsunção como método de
aplicação das normas. Foi concebido um sistema jurídico composto
por regras e princípios, e assim, fez nascer a teoria contemporânea
dos princípios jurídicos, onde merece destaque, dentre outros
autores, o trabalho de Ronald Dworkin e Robert Alexy.
A teoria dos princípios tem como principal autor Ronald
Dworkin, que numa crítica ao positivismo propõe um modelo
diferente; procura mostrar que os métodos clássicos de produção de
47
Op. cit., 2008, p. 343.
direito não são únicos e que o direito pode ser redescoberto por seus
operadores. Em sua tese, constrói uma teoria monista onde direito e
moral se confundem, ou seja, não mais são entendidos em termos de
separação estrita, pois ele reconhece a condição jurídica dos
princípios-morais. O modelo de Dworkin constrói um ordenamento
jurídico aberto e propõe um sistema formado por regras e princípios.
Estes últimos têm a sua importância ressaltada, sendo proclamados
como normas jurídicas, passando a ter validade jurídica, podendo,
assim como as regras, imporem obrigação legal, uma vez que a eles
é atribuída eficácia plena.
Robert Alexy posicionou-se muito próximo às idéias de Ronald
Dworkin48, principalmente com a inserção dos princípios em seu
modelo de sistema jurídico, embora não adotando o conceito
restritivo do jus filósofo americano. Mas de forma diferente, o seu
modelo compõe-se de regras, princípios e procedimentos.
Em sua Teoria dos Direitos Fundamentais, Alexy49 coloca que a
distinção entre regras e princípios pode ser considerada como o
marco de uma teoria normativo material dos direitos fundamentais,
sendo o ponto inicial para responder às dúvidas sobre a possibilidade
e os limites de racionalidade no âmbito dos direitos fundamentais. E,
para a aplicação dos princípios, Alexy propõe procedimentos racionais
de ponderação, através de um processo argumentativo.
48
DWORKIN, Ronald. O império do direito; Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins
Fontes, 1999; Dworkin, dividiu os princípios entre princípios em sentido estrito e diretrizes políticas,
Robert Alexy não faz esta distinção, para ele tudo são princípios, tanto as normas de direitos
fundamentais do indivíduo como as que ordenam a persecução de interesses da comunidade, e em relação
aos direitos fundamentais concede apenas uma prioridade prima facie, indicando um ponto de partida.
49
Alexy coloca que embora os princípios sejam espécies de normas, estes podem distinguir-se daquelas
pela generalidade e também pela forma qualitativa, demonstrando que essa diferença desponta com maior
intensidade quando se tem uma colisão de princípios ou um conflito de regras. Mas, o ponto decisivo para
distinção entre regras e princípios, é a idéia de que os princípios são normas que ordenam que algo seja
realizado na sua maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes, onde as
regras são mandatos definitivos e os princípios são mandatos de otimização, que se caracterizam por
poder serem cumpridos em diversos graus. Por isso a forma de aplicação dos princípios é a ponderação
(ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales,
1997, p. 83 e ss).
Diante desta nova fase, os princípios jurídicos passaram a
ocupar um novo espaço dentro do constitucionalismo contemporâneo,
projetaram-se como normas basilares de todo o ordenamento
jurídico,
dando
coesão
ao
sistema,
assumindo
uma
posição
hierárquica. Converteram-se em fonte primária de normatividade e as
novas Constituições promulgadas acentuaram a hegemonia axiológica
dos mesmos, convertendo-se, nas palavras de Paulo Bonavides50, no
coração das Constituições.
Por conseguinte, a positivação dos princípios nos textos
constitucionais traduz uma eficácia que vincula, de forma obrigatória,
a sua observância, pois estes sintetizam a idéia de direito e justiça
vigentes ao refletirem os valores eleitos constitucionalmente pela
sociedade. A Carta Republicana Pátria de 1988 não deixa lugar a
duvidas: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência [...]”.
Assim, os princípios assumiram uma posição de fonte primária
de
normatividade
no
constitucionalismo
contemporâneo,
sendo
incorporados aos valores sociais, políticos e éticos, de forma explícita
ou implicitamente, na tentativa de construção de uma sociedade
justa e democrática.
Paulo Bonavides ao sintetizar a evolução da teoria dos
princípios, assim se pronunciou:
[...] passagem dos princípios da especulação metafísica
e abstrata para o campo concreto e positivo do Direito,
com baixíssimo teor de densidade normativa; a
transposição crucial da ordem jusprivatista (sua antiga
inserção nos Códigos) para a órbita juspublicista (seu
ingresso nas Constituições); a suspensão da distinção
clássica entre princípios e normas; o deslocamento dos
50
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 281.
princípios da esfera da jusfilosofia para o domínio da
Ciência Jurídica; a proclamação de sua normatividade;
a perda de seu caráter de normas programáticas; o
reconhecimento definitivo de sua positividade e
concretude por obra sobretudo das Constituições; a
distinção entre regras e princípios, como espécies
diversificadas do gênero norma, e finalmente, por
expressão máxima de todo esse desdobramento
doutrinário, o mais significativo de seus efeitos: a total
hegemonia e preeminência dos princípios.
E finalmente estabelece de forma inequívoca:
Fazem eles a congruência, o equilíbrio e a
essencialidade de um sistema jurídico legítimo. Postos
no ápice da pirâmide normativa, elevam-se, portanto,
ao grau de norma das normas, de fonte das fontes.51.
Pode-se dizer que, esta nova dimensão do constitucionalismo,
tem-se mostrado como uma resposta viável52 para impor respeito aos
direitos individuais e como limitação do poder estatal.
Neste contexto a moralidade foi duplamente prestigiada. Num
primeiro momento é elevada àquele conjunto de princípios gerais do
direito53
que
fundamentam
o
direito
posto
(direito
estatal),
produzidos pela sociedade que o pressupõe (direito pressuposto),
comprometendo o Direito com a Justiça, nos dizeres de Eros Roberto
Grau (2000, p. 35). Num segundo
51
momento, por
opção do
Idem, ibidem, p. 294.
O constitucionalismo chega vitorioso ao inicio do milênio, consagrado pelas revoluções liberais e após
haver disputado com inúmeras outras propostas alternativas de construção de uma sociedade justa e de
um Estado democrático. A razão de seu sucesso está em ter conseguido oferecer ou, ao menos, incluir no
imaginário das pessoas: (i) legitimidade – soberania popular na formação da vontade nacional, por meio
do poder constituinte; (ii)limitação do poder – repartição de competências, processos adequados de
tomada de decisão, respeito aos direitos individuais, inclusive das minorias; (iii) valores- incorporação à
Constituição material das conquistas sociais, políticas e éticas acumuladas no patrimônio da humanidade.
( BARROSO, Luís Roberto. Op. cit. p. 310)
53
Para Carlos Maximiliano (2001, p. 50) os princípios gerais do direito são “Todo conjunto harmônico de
regras positivas é apenas o resumo, a síntese, o substratum de um complexo de altos ditames, o índice
materializado de um sistema orgânico, a concretização de uma doutrina, série de postulados que enfeixam
princípios superiores. Constituem estes as diretivas idéias do hermeneuta, os pressupostos científicos da
ordem jurídica”. E Geraldo Ataliba (1998, p. 51) assevera: "Os princípios são as linhas mestras, os
grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a
sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos). Eles
expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da
legislação, da administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; têm que ser
prestigiados até as últimas conseqüências."
52
constitucionalismo de 1988, o princípio da moralidade foi positivado54
constitucionalmente, adquirindo maior imperatividade. Sendo a moral
um conceito proveniente da Ética, que se juridicizou, mediante a sua
inserção no texto constitucional, não somente como princípio da
Administração Pública, no art. 37 da Constituição Federal, mas
também, no teor do art. 5º, LXXIII da Constituição da República;
“qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise
a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o
Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada
má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”; foi
ampliado para alcançar a possibilidade de anulação dos atos lesivos à
moralidade administrativa e são igualmente formas de expressão do
princípio da moralidade os preceitos constitucionais que prevêem
como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a
construção de uma sociedade livre, justa e solidária (Art. 3º, I, da
CR/88) e que resguardam o decoro parlamentar (Art. 55, II e § 1º,
da CR/88) e o dever de probidade do Presidente da República (Art.
85, V, da CR/88), dentre outros textos infra-constitucionais tais como
o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder
Executivo Federal que trata com muita clareza o assunto:
II - O servidor público não poderá jamais desprezar o
elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que
decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o
injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e
o inoportuno, mas principalmente entre o honesto e o
desonesto, consoante as regras contidas no art. 37,
caput, e § 4°, da Constituição Federal.
III - A moralidade da Administração Pública não se
limita à distinção entre o bem e o mal, devendo ser
54
Segundo Ana Paula Barcellos (2000, p. 26); “Sob a forma de princípios, os valores passaram a ser as
idéias centrais das Cartas constitucionais (não apenas filosoficamente – como se esperava sempre
tivessem sido – mas também juridicamente) e, a fortiori, dos Estados por elas organizados,
independentemente do governo escolhido a cada momento. Como se vê, parte do crescimento dos temas
materialmente constitucionais pode ser debatido à conta da migração de antigos pressupostos axiológicos
para o texto positivo, com a releitura que os novos tempos impõe, e isso por razões históricas das quais
definitivamente não há nada de que se orgulhar, mas que, por isso mesmo, não devem ser desprezadas.”
acrescida da idéia de que o fim é sempre o bem
comum. O equilíbrio entre a legalidade e a finalidade,
na conduta do servidor público, é que poderá consolidar
a moralidade do ato administrativo.
Adquire assim a moralidade, por extensão, força vinculante
normativa, na medida em que os princípios constitucionais possuem
esta característica, como bem assenta Rubens Beçak55.
Isto posto, a juridicização da moralidade dá azos à reflexão de
sua incidência como categoria normativa no processo político,
especificamente na exigência de moralidade para o exercício dos
direitos políticos de sujeição passiva, o que será melhor abordado no
próximo capítulo.
Há mudanças marcantes que demonstram a necessidade de
adequação, a ciência do direito, ao longo da historia, evolui conforme
a humanidade demanda respostas. A antiguidade e o jusnaturalismo,
os escolásticos, a sacralização do direito e a santa inquisição. O
positivismo, a total autonomia do direito frente à filosofia, as grandes
guerras
e
o
holocausto.
Atualmente
o
pós-positivismo,
o
constitucionalismo e a problemática sócio-ambiental que sob a ótica
de muitos pensadores da atualidade faz do homem sua principal
ameaça. Uma vez constatada essa dinâmica e, certos de que a
história é feita pelo homem (Karl Marx) e por tanto se constrói a cada
momento sempre com a possibilidade da realização do inesperado,
queda como reflexão o pensamento de Bobbio: “[...] O problema
fundamental em relação aos direitos do homem, hoje não é tanto de
justificá-los mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não
filosófico, mas político”56; “Essa universalidade (ou indistinção, ou
não-discriminação) na atribuição e no eventual gozo dos direitos de
liberdade não vale para os direitos sociais, e nem para os direitos
55
BEÇAK, Rubens. A dimensão ético-moral e o direito. Revista Brasileira de Direito Constitucional –
RBDC. n. 09 – jan./jun. 2007, p. 318.
56
BOBBIO, Noberto (1909), A Era dos Direitos, 4º Reimpressão, Tradução de Carlos Nelson Coutinho,
Editora Campus, Rio de Janeiro, 1992, p. 24.
políticos, diante dos quais os homens são iguais só genericamente”57;
“[...] é que a proteção destes últimos [direitos sociais] requer uma
intervenção ativa do Estado, que não é requerida pela proteção dos
direitos
de
liberdade.”58;
“hoje
o
conceito
inseparável do conceito dos direitos do homem”59.
57
IBDEM, p. 71.
IBDEM, p. 72.
59
IBDEM, p. 101.
58
de
democracia
é
CAPÍTULO
II
–
A
MORALIDADE
COMO
CONDIÇÃO
IMPLÍCITA DE ELEGIBILIDADE
1.
Condições de Elegibilidade (sufrágio passivo)
A elegibilidade relaciona-se à capacidade eleitoral passiva, à
capacidade de ser eleito. Poder-se-ia definir o direito de sufrágio
passivo
como
o
direito
individual
de ser elegível para um cargo público. No entanto, para ser eleito
primeiro deve-se ser declarado candidato.
Destarte a definição
anterior torna-se incompleta e, por isso, falaciosa, uma vez que, em
princípio, não poderia acontecer, e no Brasil acontece o fato de ser
perfeitamente elegível (pelo fato do candidato a candidato reunir
todos os requisitos de elegibilidade e não incorrer em inelegibilidade)
e
ainda
assim
não
poder
utilizar o direito por que não foi concedido ao indivíduo, mas sim aos
partidos, o poder de nomear os candidatos. Da mesma forma
demonstraremos neste trabalho que pode o candidato a candidato
preencher os requisitos formais e extrínsecos e não ser candidato por
carecer da condição implícita e essencial a moralidade. Nasce então
uma definição mais completa, entendendo que o direito de sufrágio
passivo é o direito individual a ser elegível e de apresentar-se como
candidato em eleições a cargos públicos.
A titularidade do direito em si e as condições para seu exercício
não coincidem com as condições do direito de sufrágio ativo, mas
desde logo ser eleitor é condição para ser votado, estabelece o art.
14 § 3º, III da Constituição. Acontece que os rigores para aqueles
que se apresentam como eleitores devem ser menores dos que
incidem naqueles que pretendem representarem toda uma sociedade.
A elegibilidade é regida por normas que dizem respeito aos
direitos políticos positivos, uma modalidade dos direitos políticos.
Para aclarar, mister expor algumas conceituações.
José Afonso da Silva60 conceitua direitos políticos nestes
termos:
Assim, o direito democrático de participação do povo no
governo, por seus representantes, acabara exigindo a
formação de um conjunto de normas legais
permanentes, que recebera a denominação de direitos
políticos. A Constituição traz um capítulo sobre esses
direitos, no sentido indicado acima, como conjunto de
normas que regula a atuação da soberania popular
(arts. 14 a 16). Tais normas constituem o
desdobramento do princípio democrático inscrito no art.
1º, parágrafo único, quando diz que o poder emana do
povo, que o exerce por meio de representantes eleitos
ou diretamente.
No conceito de Djalma Pinto61 direitos políticos “são aqueles
que credenciam o cidadão para exercer o poder da escolha dos
responsáveis pelo comando do grupo social”.
O direito de votar e ser votado é o núcleo fundamental dos
direitos políticos o que leva o citado autor a desmembrá-los em duas
modalidades quanto ao seu exercício:
Essa característica fundamental dos direitos políticos
possibilita falar em direitos políticos ativos e direitos
políticos passivos, sem que isto constitua divisão deles.
São apenas modalidades do seu exercício ligados à
capacidade eleitoral ativa, consubstanciada nas
condições do direito de votar, e à capacidade eleitoral
passiva, que assenta na elegibilidade, atributo de quem
preenche as condições do direito de ser votado. Os
direitos políticos ativos (ou direito eleitoral ativo)
cuidam do eleitor e sua atividade; os direitos políticos
passivos (ou direito eleitoral passivo) referem-se aos
elegíveis e aos eleitos. A distinção tem alguma
60
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2005, pp.
344-345.
61
PINTO, Djalma. Direito eleitoral: improbidade administrativa e responsabilidade fiscal. São Paulo,
2003, p. 68.
importância prática, porque gera direitos fundados em
pressupostos peculiares62.
Os direitos políticos ativos e passivos são desdobramentos de
outra classificação, qual seja: direitos políticos positivos e negativos.
Para o referido constitucionalista os direitos políticos positivos
se referem ao conjunto de normas que garantem o direito público e
subjetivo63 de partição no processo político, seja na modalidade ativa
(votar), ou passiva (ser votado) não sendo confundidos com os
direitos políticos negativos que têm seu núcleo nas inelegibilidades,
assim conceituados:
Denominamos direitos políticos negativos àquelas
determinações constitucionais que, de uma forma ou de
outra, importem em privar o cidadão do direito de
participação no processo político e nos órgãos
governamentais. São negativos precisamente porque
consistem no conjunto de regras que negam, ao
cidadão, o direito de eleger, ou de ser eleito, ou de
exercer atividade político-partidária ou de exercer
função pública64.
Superada as questões terminológicas, ficou assentado que a
elegibilidade diz respeito ao direito de postulação por um mandato
eletivo. O texto constitucional prevê as condições de elegibilidade,
que a doutrina, cujo expoente é Adriano Soares da Costa65, costuma
distingui-las em próprias e impróprias. Segundo o art. 14, § 3º da
Constituição são condições próprias: a nacionalidade brasileira, o
pleno exercício dos direitos políticos, o alistamento eleitoral, o
domicílio eleitoral na circunscrição do pleito, a filiação partidária e a
idade mínima exigível. São condições impróprias: a alfabetização
62
SILVA, Op. cit. p. 346.
No escólio de |Luís Roberto Barroso (2008, p. 256): “Por direito subjetivo entende-se o poder de ação,
assente no direito objetivo, e destinado à satisfação de determinado interesse. Singularizam o direito
subjetivo distinguindo-o de outras posições, a presença, cumulada, das seguintes características: a) a ele
corresponde sempre um dever jurídico; b) ele é violável, ou seja, existe a possibilidade de que a parte
contrária deixe de cumprir o seu dever; c) a ordem jurídica coloca à disposição de seu titular um meio
jurídico - que é a ação judicial – para exigir-lhe o cumprimento, deflagrando os mecanismos coercitivos e
sancionatórios do Estado.”
64
SILVA, Op. cit. p. 381.
65
COSTA, Adriano Soares. Instituições de Direito Eleitoral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008,
p. 62.
63
(art. 14, § 4º, da Constituição), as especiais para os militares (art.
14, § 8º), a indicação pelo partido ou convenção (art. 94, § 1º, inciso
I, do Código Eleitoral), e a desincompatibilização (art. 14, §§ 6º e 7º,
da Constituição de 1988). Nesta quadra, é de se concluir que as
condições de elegibilidade presentes no texto constitucional não são
taxativas, pois é possível, além daquelas denominadas próprias do
art. 14, § 3º, outras espalhadas em dispositivos constitucionais
diferentes, além de poderem ser impostas infraconstitucionalmente, é
o que se constata com a afirmação do citado autor (Costa)66 que
“[...] do ponto de vista substancial, são condições de elegibilidade os
pressupostos fixados pelo ordenamento para a obtenção do direito de
ser votado”.
Para tanto, e a guisa de reflexão, a jurisprudência inovou com o
caso que se deu por conhecer como o Caso de Viseu. A decisão do
TSE reconheceu a inelegibilidade oriunda de uma relação homoafetiva
entre a candidata ao cargo de prefeito com a prefeita reeleita daquele
município do Pará, para tanto se fundamentou no art. 14, § 7 que
tem a seguinte letra:
§ 7º - São inelegíveis, no território de jurisdição do
titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins,
até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da
República, de Governador de Estado ou Território, do
Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja
substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito,
salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à
reeleição.
Eis a ementa do acórdão nº 24.564/TSE:
Registro de candidato. Candidata ao cargo de prefeito.
Relação estável homossexual com a prefeita reeleita do
município. Inelegibilidade. Art. 14, § 7º, da
Constituição Federal.
Os sujeitos de uma relação estável homossexual, à
semelhança do que ocorre com os de relação estável,
66
COSTA, Op. cit. p.63
de concubinato e de casamento, submetem-se à regra
de inelegibilidade prevista no art.14, § 7º, da
Constituição Federal.
Recurso a que se dá provimento. (BRASIL. TRIBUNAL
SUPERIOR ELEITORAL. Respe.24.564. Rel. Min. Gilmar
Mendes. DJU. 01/04/2004)
Aqui vemos um avanço na defesa dos direitos das minorias já
que a Superior Corte Eleitoral considera que as uniões homossexuais
devem ser albergadas no conceito de família fundada sobre o afeto,
mas parece haver passado despercebido ao Ministro Gilmar Mendes
que reconhece também que existem sim condições implícitas de
inelegibilidade advindas de interpretação constitucional.
Diferentemente
das
inelegibilidades,
e
isso
é
importante
destacar, as condições de elegibilidade, não são uma restrição do
direito de participação no processo eleitoral, como bem ressalta
Adriano Soares67.
Ora, para que haja limitação ou restrição de direito, é
necessário que haja o direito limitado ou restringido. Assim, se
admitimos, por necessidade lógica de explicação do ordenamento,
que a elegibilidade é o direito de ser votado, não poderemos deixar
de acatar a afirmação de que as condições de elegibilidade são
pressupostos da validade do ato jurídico do qual a elegibilidade
dimana: o registro de candidato. De conseguinte, não são, as
condições de elegibilidade, limitações ou restrições ao direito de ser
votado, mas suportes fáticos de sua existência e validade.
Desta feita, se as normas que versam sobre as condições de
elegibilidade não são restritivas de direitos, não há necessidade de
disposição expressa de lei que as imponha, abrindo assim a
possibilidade
67
de
COSTA, Op. cit. p.63.
serem
verificadas
condições
implícitas
de
elegibilidade na Constituição Federal de 1988, ou mesmo no próprio
ordenamento
jurídico,
como
a
moralidade
constitucionalmente
juridicizada, que se passará a analisar adiante:
Concurso público - Inscrição - Vida pregressa Contraditório e ampla defesa. O que se contém no
inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal, a
pressupor litígio ou acusação, não tem pertinência à
hipótese em que analisado o atendimento de requisitos
referentes à inscrição de candidato a concurso público.
O levantamento ético-social dispensa o contraditório,
não se podendo cogitar quer da existência de litígio,
quer de acusação que vise a determinada sanção. (RE
156.400, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 5-695, DJ de 15-9-95). No mesmo sentido: RE 233.303,
Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 27-5-08, DJE
de 1º-08-08. (NOGUEIRA JÚNIOR, disponível na
internet
via:
<http://jusvi.com/artigos/29386>.
Consulta em 20/11/2009)
O que se vê é que, mesmo que tenha aprovado outras fases do
certame, para posse em cargo não eletivo é exigido ao candidato que
comprove sua idoneidade enquanto que para ocupar cargos eletivos
basta a não existência de condenação com trânsito em julgado de
sentença penal condenatória. Permitindo assim que o direito do
indivíduo que busca com sua candidatura eleger-se como única forma
de assegurar o foro diferenciado por prerrogativa de função que em
suma significa imunidade parlamentar, sobreponha-se ao interesse da
coletividade
em
ter
dentre
os
políticos
pessoas
de
moral
administrativa comprovada e compatível com cargos de maior poder
de discricionariedade.
Situação díspar é a das inelegibilidades que, sendo normas
restritivas de direito, necessitam ser veiculadas por lei, e com maior
rigidez, via lei complementar, por expressa disposição do § 9º, do
art. 14, da Constituição “Lei Complementar estabelecerá outros casos
de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a
probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato,
considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e a
legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o
abuso do exercício da função, cargo ou emprego na administração
direta ou indireta”.
2.
A Eficácia da Moralidade Constitucional no Âmbito
dos Direitos Políticos Positivos de Sujeição Passiva
O Brasil, nas palavras de Oscar Dias Corrêa68, perdeu a noção
de dignidade da vida pública, da atividade política, perdeu-se a noção
de interesse público, de bem comum, confundindo alguns, muitos, o
erário e o próprio cofre, para retirar daquele para este o que
pudessem, como pudessem, no menor prazo possível, nem mesmo
guardando regras que ‘a arte de furtar’ aconselha aos que a
praticam;
apropriando-se,
deslavadamente,
da
coisa
pública,
valendo-se dos cargos para o proveito próprio e o enriquecimento
rápido.
Neste sentido, já asseverava Rui Barbosa69
Mas a política brasileira é radicalmente amoral, é,
convencida e professamente, imoral. Renegou a moral,
fez voto de imoralidade, e vive encharcada na
desmoralização, como no seu elemento. Renegou a
moral, estabelecendo como coisas distintas duas leis de
moralidade: uma para os indivíduos, outra para o
Estado. Renegou a moral, separando o homem público
do homem privado. Como se pudesse haver numa só
criatura duas consciências, duas naturezas, duas
pessoas. Como se, ainda admitida essa dualidade,
estando as duas em contato, as metades juntas de um
só todo, pudessem as mazelas de uma, as suas chagas,
as suas lepras deixar de contagiar a outra.
A Carta Política de 1988 constitucionalizou a moralidade como
princípio basilar da Administração Pública, estando intimamente
ligada ao conceito de bom administrador, uma verdadeira norma de
68
CORRÊA, Oscar Dias. O Sistema Político-Econômico do Futuro: O Societarismo. Editora: Forense
Universitária, RJ. 1994. ISBN: 85-218-127-0, p.96.
69
BARBOSA, Rui. Obras completas. v. XLVI. t. II. São Paulo: 1919, p.56.
comportamento leal, um modelo de conduta social, arquétipo ou
modelo jurídico, a qual cada pessoa deve ajustar a própria conduta
aos padrões de honestidade, lealdade e probidade. Como bem
assentou Hely Lopes Meirelles70, a moralidade passou a integrar o
Direito como elemento indissociável na sua aplicação e sua finalidade,
erigindo-se em fator de legalidade. Em outros termos, recorrendo-se
a Tércio Sampaio Ferraz Júnior71, tem-se que “O direito, em suma,
privado de moralidade, perde seu sentido [...]”.
Desde então, ressurgiu a indagação da moralidade na política, e
sobre se é aceitável política sem moral, ou amoral, ou imoral, e a
discussão ganhou mais extensão e profundidade quando da nova
hermenêutica
constitucional
de
conferir
eficácia
às
normas
constitucionais, cuja expressividade foi alcançada na Consulta 1.621
do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba ao Tribunal Superior
Eleitoral quanto a exigência de moralidade para ser candidato,
oportunidade em que o então Ministro Presidente do TSE, Carlos
Ayres Britto, proferiu voto digno de um jurista que ocupa cadeira na
mais alta Corte Judicial do Brasil.
O
eminente
ministro
deixou
consignada
uma
brilhante
exposição sobre o assunto, iniciando o seu voto com argumentos que
diferenciam os direitos políticos dos demais direitos fundamentais,
concluindo pela necessidade de moralidade para ocupação dos cargos
eletivos, abre um novo paradigma de entendimento acerca da
temática dos direitos políticos, fazendo nítida distinção entre “direitos
políticos” (caráter coletivo) de “direito individual” (caráter individual),
conforme documento anexo.
70
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, pp.
90-91.
71
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estado do Direito. São Paulo: Atlas, 1994, p.
358.
Para
o
ministro,
conceber
de
outra
forma
traria
como
conseqüência tornar a Constituição ineficaz, entendimento que se
aproxima com o que inspirou Konrad Hesse72.
Porém, apesar do brilhantismo e profundidade jurídica do voto
de Carlos Ayres Britto acompanhado pelos Ministros Joaquim Barbosa
e Felix Fischer, sem contar com toda a sociedade, acabou vencido
pelo voto do relator Ari Pargendler e do voto de vista do ministro Eros
Grau que dentre outros argumentos sustentou a necessidade do
trânsito em julgado da sentença condenatória, por força do que
dispõe o art. 5º, LVII, “Ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, por ser direito
fundamental do indivíduo aplícável também àqueles que concorem a
cargos eletivos, mesmo após o fio condutor do voto de Ayres Britto
ter demonstrado a particularidade dos direitos políticos, até mesmo
porque o
dispositivo do art. 5º, LVII, refere-se textualmente a
sentença na esfera penal. Aqui a grande lacuna interpretativa. O
registro de candidatura insere-se na esfera administrativa, não civil
ou penal.
No direito penal averigua-se o dolo, a premeditação, o animus
delinquendi. No direito civil a boa-fé, a culpa, o dolo como elementos
subjetivos.
Valhe-se o ordenamento jurídico pátrio do princípio do
livre convencimento motivado do magistrado como via à realização
da justiça, como forma de revelar o fim especial perquirido pelo
agente.
Aqui se discute eleições e o munus público, discorre-se a
respeito da coisa de todos, da res pública. Se o cidadão é submisso à
justiça quando esta tem como escopo averiguar a intenção do agente
e se do seu ato cabe sanção, conforme a decisão fundamentada que
determinou a intenção do agente, como não esperar que essa mesma
72
HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição, tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Porto
Alegre; Sérgio Fabris, 1991, pp. 13-15.
justiça possa aferir a moralidade do candidato quando este intenta
representar
toda
a
sociedade.
Especialmente
num
sistema
represerntativo como o nosso onde o político pode ser eleito de forma
proporcional ou seja, representa também aqueles que não lhe
passaram poderes através do voto.
Não olvidemos que direito
político passivo, materia administrativa, depende que determinadas
condições
sejam
implementadas
pelo
“candidato
a
candidato”,
condições explícitas como o domicilio eleitoral, a maior idade, ser
alfabetizado, a filiação partidária e implícitas como a moralidade
administrativa condizente com o desmpenho do cargo ou função, tal
como
ateriormente
mencionado.
RESTA
INCONTESTE
QUE
A
NEGATIVA DO REGISTRO DE CANDIDATURA NÃO FERE O PRINCÍPIO
DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA. Não são poucas as referências
encontradas na legislação alienígena, conforme anexo, no afã de
coibir imoralidade no processo eleitoral, bem como indivíduos que
carecem de moralidade para assimir cargo público eletivo.
Destaca-se que a Consulta 1.621 se direcionou no sentido da
possibilidade de indeferimento de registro àqueles que tinham contra
si processos criminais, ações de improbidade administrativa etc em
curso – vida pregressa ou anteacta do candidato –, suscitando-se
inclusive a possibilidade do TSE baixar uma resolução – que tem
força de lei ordinária –, para disciplinar a matéira, haja vista o
entendimento jurisprudencial, no âmbito dos tribunais eleitorais de
segunda instância que o princípio da moralidade e da probidade
administrativa constantes no § 9º do art. 14 da Constituição de 1988,
são valores éticos autônomos, revestidos de aplicabilidade por serem
normas e não de qualquer categoria, são de jaez contitucional
e
quando inobservados pelo agente público, este incorre numa falta de
condição de elegibilidade constante da intepretação sistemática dos
dispositos do referido artigo combinado ainda com o que dispõe o art.
37, caput e § 1º da CF.
Em outros termos a moralidade por esta interpretação é uma
condição implícita de elegibilidade que, diferente das inelegibilidades
só pode ser regulada por lei complementar, conforme comenta Thales
Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira e Camila Medeiros de
Albuquerque Pontes Luz de Pádua Cerqueira73:
Assim, na ausência de lei específica para a
regulamentação da vida anteacta no artigo 14,
parágrafo nono, pergunta-se: poderia a Justiça Eleitoral
ser corretiva, leia-se, na ausência de norma legal
interpretar o que seria vida anteacta/pregressa ou
estaria ela sendo legislador positivo?[...]
Continua seu argumento afirmando que:
[...] Se a Justiça Eleitoral, pelo TSE, entender
moralidade eleitoral como condição de elegibilidade
implícita é possível; se entender como inelegibilidade –
regulamentação (espécie sui generis de mandado de
injunção)
do
artigo
14,
parágrafo
nono
é
inconstitucional tal entendimento[...]
Diz ainda:
[...] Não se pode confundir inelegibilidade com
condições de elegibilidade e nesta última a Justiça pode
incidir. Trata-se do famoso caso “Eurico Miranda”.
Apesar do TSE, por 4 a 3, ter votado por sua
candidatura (lembrando que perdeu nas urnas),
extraímos uma grande lição do Ministro Carlos Ayres
Britto, na qual a “moralidade pública” seria uma
CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE IMPLÍCITA, leia-se, um
princípio-político constitucional tácito do sistema.
Além da aparente derrota da tese no âmbito do TSE, o Supremo
Tribunal Federal foi provocado a manifestar-se sobre a autoaplicabilidade da norma do § 9º do art. 14 da Constituição em
contraposição ao entendimento sumulado do TSE no verbete de nº 13
que dispõe “Não é auto-aplicável o § 9º do art. 14 da Constituição,
73
CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua; CERQUEIRA, Camila Medeiros de Albuquerque
Pontes Luz de Pádua. Tratado de Direito Eleitoral, Tomo IV. São Paulo: Premier Editora, SP, 2008, p.
46.
com redação da EC/94, a qual não afastou a criação de jurisprudência
pioneira do TSE, na relatoria do ministro José Augusto Delgado:
RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REGISTRO DE
CANDIDATO A DEPUTADO ESTADUAL. IMPUGNAÇÃO. 1.
A interpretação contemporânea do § 9º do art. 14 da
Constituição Federal, receptáculo do postulado da
moralidade pública, sinaliza para a necessidade de o
candidato a qualquer cargo público eletivo ser
concebido como possuidor de conduta "proba, íntegra,
honesta e justa - atributos esses exigíveis a qualquer
servidor" (Uadi Lammêgo Bullos, in "Constituição
Federal Anotada", p. 496, 5a. edição), sob pena de se
ter como violados princípios mestres sustentadores da
Democracia preconizada pelo constituinte de 1988. 2.
Tenho como certo que o § 9º do art. 14 da CF de 1988,
auto-executável, encerra preceito voltado a conferir
normalidade e legitimidade absolutas ao processo
eleitoral, pelo que a sua interpretação deve ser voltada
para garantir essas destinações axiológicas, aplicandose os seus efeitos de modo que sejam afastados do
ambiente das eleições qualquer fato que afete a sua
lisura e que provoque falta de confiança nos
estamentos sociais convocados para escolher os seus
governantes. 3. Contudo, a parte que impugna registro
de candidatura a cargo eletivo, tendo como base
ausência de conduta proba, íntegra, honesta e justa do
pretendente, deverá demonstrar, de modo evidente, a
ausência dessas condições pelo candidato. (RESPE RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 26406, TSE, Rel.
JOSÉ AUGUSTO DELGADO, PSESS - Publicado em
Sessão, Data 20/09/2006. Disponível na internet via:
<www.tse.gov.br>. Consulta em 05/07/2008);
Questionou-se também a necessidade de trânsito em
julgado das decisões mencionadas nas alíneas “d”, “e”,
“g” e “h” do inciso I, do art. 1º e art. 15, da Lei
Complementar 64/90 (Lei das Inelegibilidades), que
regulamenta o § 9º, do art. 14, da Constituição
Federal, na Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental nº 144 – ADPF –, proposta pela
Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB.
Na relatoria do ministro Celso Melo, a ADPF nº144 foi julgada
improcedente para frustração da sociedade e da justiça, tendo o voto
as seguintes conclusões:
(1)
a
regra
inscrita
no
§
9º
do
art.
14
da
Constituição, na redação dada pela Emenda Constitucional de
Revisão nº 4/94, não é auto-aplicável, pois a definição de novos
casos de inelegibilidade e a estipulação dos prazos de sua cessação,
a fim de proteger a probidade administrativa e a moralidade para o
exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato,
dependem, exclusivamente, da edição de lei complementar, cuja
ausência não pode ser suprida mediante interpretação judicial;
(2)
a mera existência de inquéritos policiais em
curso ou de processos judiciais em andamento ou de sentença penal
condenatória ainda não transitada em julgado, além de não
configurar, só por si, hipótese de inelegibilidade, também não
impede o registro de candidatura de qualquer cidadão;
(3)
a exigência de coisa julgada a que se referem
as alíneas “d”, “e” e “h” do inciso I do art. 1º e o art. 15, todos
da Lei Complementar nº 64/90, não transgride nem descumpre os
preceitos fundamentais concernentes à probidade administrativa e à
moralidade para o exercício de mandato eletivo;
(4)
a ressalva a que alude a alínea “g” do inciso I
do art. 1º da Lei Complementar nº 64/90, mostra-se compatível
com o § 9º do art. 14 da Constituição, na redação dada pela
Emenda Constitucional de Revisão nº 4/94.
Aparentemente, com o desfecho da Consulta 1.621 do TRE/PB
ao TSE e da ADPF nº 144, a tese da moralidade como condição
implícita de elegibilidade não prospera. Porém, o objetivo do presente
trabalho é justamente apresentar argumentos jurídicos suficientes
que fundamentem a exigência da moralidade constitucional para o
exercício do cargo eletivo.
Enfatiza-se que, muito embora a sentença proferida na ADPF nº
144 tem efeitos vinculantes a todos os órgãos do Poder Judiciário, ou
seja, não cabe discussão sobre o que ficou cristalizado no comando
sentencial, é facilmente perceptível que em nenhum momento se
discutiu ou decidiu se a moralidade é ou não uma condição implícita
de elegibilidade.
De forma clara, foi confirmada Súmula nº 13 do TSE, onde se
defende a não-autoaplicabilidade do § 9º, do art. 14, trazendo como
conseqüência a necessidade de lei dispor sobre novos casos de
inelegibilidade, vedada a sua construção por interpretação judicial.
Repita-se: a moralidade como condição implícita de elegibilidade no
momento do registro de candidatura não foi mencionada. Ademais,
restou
evidenciado
haver
nítida
distinção
entre
condições
de
elegibilidade e inelegibilidade, como acima exposto. A Justiça Eleitoral
brasileira sempre diferenciou as Condições de Elegibilidade das de
Inelegibilidade. A principal diferença é que as primeiras não exigem
lei complementar, basta lei ordinária, resoluções do TSE, ou como se
defende aqui, construção a partir de interpretação judicial, a
moralidade como condição implícita de elegibilidade deve ser crivada
pelo judiciário no momento do registro da candidatura, vedada
somente quanto às inelegibilidades, por força da ADPF nº 144, já as
condições de inelegibilidade necessitam de lei complementar como
estabelece o parágrafo 9º do artigo 14 da Constituição.
Por sua vez, o desenlace da Consulta 1.621 do TRE/PB no
sentido de que, sem o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória, nenhum pré-candidato pode ter seu registro de
candidatura recusado pela Justiça Eleitoral, também não afasta a
possibilidade de se aventar a moralidade constitucional como um
requisito
de
elegibilidade
implícita.
Pois
não
foi
levado
em
consideração o critério distintivo entre inelegibilidade e condições de
elegibilidade.
O TSE pode legislar, de forma atípica, quanto às condições de
elegibilidade guardado, da matriz constitucional, o respeito máximo.
De conseqüência, não poderá a Justiça Eleitoral deixar alguém
inelegível, pois a única sanção possível é cassação de registro ou
diploma, por meio de uma Ação de Impugnação de Registro de
Candidatura – AIRC – ou Ação de Impugnação de Mandato Eletivo –
AIME – e Recurso contra Diplomação – RCD –, uma vez que a
moralidade é matéria constitucional que não preclui na AIRC.
Portanto não há que se falar em inelegibilidade, ou seja, restrição de
direitos políticos, que o ordenamento sanciona de cinco maneiras
diferentes74, matéria em que o TSE não pode regulamentar, porque
somente lei complementar pode.
Outra situação, também de cunho diferenciador entre as
condições de elegibilidade e inelegibilidades, é a indagação de onde
provém o direito de ser votado e qual o fato jurídico que o origina. A
doutrina, especialmente Adriano Soares, utilizando a teoria do fato
jurídico demonstra que o direito de ser votado nasce do registro de
candidatura, não do seu pedido, pois só passa a ser candidato, para
todos
os
efeitos
jurídicos,
após
a
obtenção
do
registro
de
candidatura. Para o mesmo autor – Soares75, a elegibilidade é uma
conseqüência do ato jurídico “registro de candidatura”, logo as
condições
de
elegibilidade
são
verdadeiras
condições
de
registrabilidadade.
Os pressupostos de registrabilidade (denominados condições de
elegibilidade) são elementos do suporte fático complexo que fazem
74
Adriano Soares (2008, p. 149) assim às elenca: “(a) prescrevendo cominação de inelegibilidade apenas
para uma eleição específica, na qual o nacional concorrendo; (b) prescrevendo a cominação de
inelegibilidade por um trato de tempo determinado, abrangendo as eleições que ocorram dentro do
período fixado; (c) cominando inelegibilidade por um tempo indeterminado, dependendo de evento futuro
para sua extinção; (d) coalescendo as duas primeiras técnicas, com a prescrição da inelegibilidade para a
eleição na qual o ato ilícito visava influir, acrescida da inelegibilidade para eleições futuras que se
realizem dentro de um determinado período prefixado; e (e) aplicando sucessivamente duas espécies de
inelegibilidades prolongadas no tempo.”
75
COSTA, Op. cit. p. 61.
surgir o direito subjetivo do nacional ao registro de sua candidatura.
O direito subjetivo ao registro será exercido judicialmente através do
pedido de registro de candidatura. Constatado, pela Justiça Eleitoral,
o preenchimento de todas as condições de elegibilidade, será deferido
o registro, com o nascimento do direito subjetivo de ser votado,
exercitado através dos atos de campanha política. Assim, não se
devem confundir as duas faculdades distintas: uma coisa é o direito
subjetivo ao registro de candidatura; outra, o direito de ser votado.
Entre eles, há o fato jurídico intercalar do registro (2008, p. 148).
Constatando-se que existem diferenças substanciais entre as
condições de elegibilidade e a própria elegibilidade, a falta de uma
condição de elegibilidade ou registrabilidade, no caso do presente
estudo especificamente a moralidade constitucional, não afeta o
direito de ser votado, simplesmente pelo fato que ele não existe
ainda, pois o pressuposto para tanto é o registro da candidatura.
Outro aspecto não considerado comumente pela doutrina
clássica e pela jurisprudência é o fato de que “o estado de
inelegibilidade é a regra; a elegibilidade, a exceção”76, pois sempre se
conceituou
positivos
as
para
condições
a
de
obtenção
elegibilidade
do
direito
de
como
ser
pré-requisitos
votado,
e
as
inelegibilidades como formas negativas, impeditivas de exercer este
direito. Consequentemente, concebeu-se a inelegibilidade posterior à
elegibilidade. Conforme Adriano Soares77:
No Direito Eleitoral as coisas passam assim: todos os
nacionais participam da vida política do país com a
aquisição da cidadania (direito de votar), quando
começam a integrar o corpo dos eleitores e, dessa
maneira, também passam a contribuir para a vivência
da democracia representativa. O cidadão (eleitor) é
chamado a atuar na vida pública da nação através do
exercício do voto, nas eleições, [...]. Mas não tem ele o
direito de concorrer a cargos públicos de livre escolha
76
77
COSTA, Op. cit. p. 29.
COSTA, Op. cit. p.147.
dos eleitores, uma vez que o ordenamento jurídico não
franqueia a todos a participação no processo eleitoral.
Do exposto, pode-se ainda acrescentar uma outra distinção não
menos importante, recorrendo-se a Adriano Soares78 para diferenciar
as inelegibilidades das condições de elegibilidade:
As condições de elegibilidade não são inelegibilidades,
nem constitucionais, nem legais; inelegibilidades (pelo
menos para concorrer a uma eleição) é a conseqüência
do não atendimento dessas condições. Na prática,
porém, o resultado é o mesmo. Tanto faz um juiz ou
um Tribunal declarar existente na vida de um
candidato, impedindo-o de concorrer, como indeferir
seu pedido de registro de candidatura por falta de
cumprimento de uma condição de elegibilidade
qualquer: para aquele pleito, esse candidato está
inelegível em qualquer dos dois casos.
Assim, nesta vertente de idéias, pugnar pela necessidade do
trânsito em julgado de uma sentença para se aferir a moralidade
constitucional do pré-candidato para deferir ou indeferir o seu
registro de candidatura, subverte a natureza das condições de
elegibilidade ou registrabilidade, tendo em vista que o direito de ser
votado nasce somente em momento posterior ao registro, no seu
pedido o direito ainda não existe. Reiterando, não é cabido o
entendimento de ter, a negativa do registro de candidatura, caráter
de sanção já que não se pode falar em restringir direito que ainda
não pertence a seu titular.
De outro giro, o desenvolvimento argumentativo dos votos dos
ministros Ari Pargendler e Eros Grau na Consulta 1.621 do TRE/PB de
2008 é perceptível a utilização da técnica de ponderação de valores,
por
ser
situação
típica
de
conflito
de
direitos
constitucionais
fundamentais, ou colisão como acentua a melhor doutrina: de um
lado o direito individual da não culpabilidade, e de outro o direito da
nação de ter representantes políticos dotados da moralidade exigida
constitucionalmente.
78
COSTA, Op. cit. p. 30.
Porém, o entendimento atual subverteu a ordem lógica da
interpretação
detrimento
constitucional,
do
direito
sobrepondo
geral
da
direito
nação,
individual
achincalhando
em
a
proporcionalidade e a razoabilidade, como técnicas sine qua non para
atingir a equidade.
CAPÍTULO
III
–
INTERVENÇÃO
DO
MORALIDADE
COMO
O
PROCESSO
JUDICIÁRIO
NO
CONDIÇÃO
ELEITORAL
CONTROLE
IMPLÍCITA
E
A
DA
DE
ELEGIBILIDADE
O esquema das funções do poder soberano foi primeiramente
traçado por Aristóteles, destacando as três principais: editar normas
gerais a serem observadas por todos, a de aplicar as referidas
normas no caso concreto e a função de julgamento, dirimindo os
conflitos oriundos da execução
das normas gerais nos casos
concretos.
Montesquieu, por sua vez, partindo do pressuposto aristotélico,
ao identificar o exercício de três funções estatais, inovou, dizendo que
tais funções estariam intimamente conectadas a três órgãos distintos
autônomos e independentes entre si. Cada função corresponderia a
um órgão, não mais se concentrando nas mãos únicas do soberano.
Tal teoria surge em contraposição ao absolutismo, servindo de base
estrutural para o desenvolvimento de diversos movimentos como a
Revolução Americana e a Francesa de 1791, consagrando-se na
Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Através de tal teoria, cada poder exerce uma função típica,
inerente à sua natureza, atuando independente e autonomamente.
Assim cada órgão exercia somente a função que fosse típica, não
mais sendo permitido a um único órgão legislar, aplicar a lei e julgar,
de modo unilateral, como se percebia no absolutismo. Tais atividades
passam a ser realizadas, independentemente, por cada órgão,
surgindo, assim, o que se denominou teoria dos freios e contrapesos.
Dalmo de Abreu Dallari79 oferece uma ilustração deste sistema nos
seguintes termos:
O sistema de separação de poderes, consagrado nas
Constituições de quase todo o mundo, foi associado à
idéia de Estado Democrático e deu origem a uma
engenhosa construção doutrinária, conhecida como
sistema de freios e contrapesos. Segundo essa teoria
os atos que o Estado pratica podem ser de duas
espécies: ou são atos gerais ou são especiais. Os atos
gerais, que só podem ser praticados pelo Poder
Legislativo, constituem-se na emissão de regras gerais
e abstratas, não se sabendo, no momento de serem
emitidas, a quem elas irão atingir. Dessa forma, o
Poder Legislativo, que só pratica atos gerais, não atua
concretamente na vida social, não tendo meios para
cometer abusos de poder nem para beneficiar ou
prejudicar a uma pessoa ou a um grupo em particular.
Só depois de emitida a norma geral é que se abre a
possibilidade de atuação do Poder Executivo, por meio
de atos especiais. O executivo dispõe de meios
concretos
para
agir,
mas
está
igualmente
impossibilitado de atuar discricionariamente, porque
todos os seus atos estão limitados pelos atos gerais
praticados pelo legislativo.
Verifica-se um rigor excessivo na teoria da separação dos
poderes que se apresenta como pura e absoluta. Diante das
transformações sociais e históricas, se passou a permitir uma maior
interpenetração entre os poderes, passando-se a se conceber funções
de maior predominância.
Mas o que interessa aqui destacar é o fato da possibilidade do
Judiciário controlar o processo das eleições a cargos públicos,
tomando como parâmetro a aferição da vida anteacta do candidato
79
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado. 16. ed. Saraiva: 1991, pp.184-185.
para verificar se condiz ou não com a moralidade constitucionalmente
exigida, por ser uma condição implícita de elegibilidade.
É o próprio ordenamento constitucional e jurídico brasileiro que
segue o sistema de controle da harmonia e legitimidade do processo
eleitoral, o que significa dizer que essas atribuições não são
desempenhadas por órgãos do Legislativo ou Executivo, mas sim pelo
Poder Judiciário, o que teoricamente leva a uma maior segurança
quanto à lisura dos pleitos, visto que a cargo de pessoas alheias e
não participantes do processo eleitoral, como é caso aqui travado
quanto à declaração das condições de elegibilidade, em especial a
moralidade. O Ministro Celso de Mello posiciona-se no sentido de
dirimir tal controvérsia:
Não foi outro motivo que o Plenário do Supremo
Tribunal Federal, ao analisar a extensão do princípio da
moralidade - que domina e abrange todas as
instâncias do poder - proclamou que esse postulado,
enquanto valor constitucional revestido de caráter
ético-jurídico, condiciona a legalidade e a
validade de quaisquer atos estatais: 'A atividade
estatal, qualquer que seja o domínio institucional de
sua incidência, está necessariamente subordinada à
observância de parâmetros ético-jurídicos que se
refletem na consagração constitucional do princípio da
moralidade
administrativa.
Esse
postulado
fundamental, que rege a atuação do Poder Público,
confere substância e dá expressão a uma pauta de
valores éticos sobre os quais se funda a ordem positiva
do Estado. O princípio constitucional da moralidade
administrativa, ao impor limitações ao exercício do
poder estatal, legitima o controle jurisdicional de todos
os atos do Poder Público que transgridam os valores
éticos que devem pautar o comportamento dos agentes
e órgãos governamentais (grifo nosso).
Por este prisma, ao Judiciário compete fiscalizar o processo
eleitoral, expurgando toda a anomalia que comprometa o interesse
público em jogo, pois se trata do próprio destino do Estado
Democrático de Direito. Não se pode cogitar invasão ou usurpação de
competência perante os outros poderes, pois neste caso, o Judiciário
está imbuído em sua atribuição precípua.
O Judiciário é o guardião da Constituição, seu cometido é trazer
à vida social os efeitos da linguajem plasmada nos textos legais pela
sua interpretação, que só pode ser criativa, pois da letra da lei
abrolha a norma no momento da sua interpretação, no entanto não
pressupõe criação legislativa. É que se denota das célebres palavras
do então Ministro do STF, Gilmar Ferreira Mendes80:
A criatividade judicial, ao invés de ser um defeito, do
qual há de se livrar o aplicador do direito, constitui uma
qualidade essencial, que o intérprete deve desenvolver
racionalmente. A interpretação criadora é uma
atividade
legítima,
que
o
juiz
desempenha
naturalmente no curso do processo de aplicação do
direito, e não um procedimento espúrio, que deva ser
coibido porque supostamente situado à margem da lei.
A moralidade como condição implícita de elegibilidade pode e
deve ser analisada pelo Judiciário, mediante interpretação criativa da
norma principiológica insculpida no art. 14, § 9º, da Constituição
(moralidade constitucional), tendo aplicabilidade, frise-se que não se
cogita a eficácia do texto completo do § 9º, do art. 14, mas do
princípio constitucional que ali reside, provido de plena eficácia. A
Corte quando faz este exercício, está representando o povo, mas de
forma
diversa
como
acontece
com
o
Parlamento,
pois
a
representação ocorre por ser a função do Poder que se utiliza de
instrumento argumentativo, como forma de racionalidade a ser
alcançada em vista do interesse de toda a sociedade
81
.
O eleitor se vê totalmente impossibilitado de aferir se o
candidato na disputa do pleito tem o requisito da moralidade em sua
vida anteacta, diante da situação de pobreza, miséria, analfabetismo,
e todos os flagelos sociais, largamente consabidos que impossibilitam
80
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.
Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, pp. 96-97.
81
DWORKIN, Op. cit. p.178.
a liberdade plena no exercício do voto. Até mesmo os meios de
comunicação em massa, que deveriam ter como meta educar, formar
e
informar
não
passam
de
veículos
de
propaganda
política.
Encontram-se em mãos de políticos profissionais. Representam e
defendem os interesses de lobbies. Servem de plataforma política
para grupos de religiosos. A representação partidária hodiernamente
perde cada vez mais sua finalidade como bem acentua Habermas82:
Os partidos, que antes eram catalisadores capazes de
transformar a influência política e jornalística em poder
comunicativo, monopolizaram o núcleo do sistema
político, sem submeter-se à separação funcional dos
poderes. Eles exercem funções paraestatais: a) através
de sua competência em recrutar pessoal nos setores da
administração, da justiça, dos meios de comunicação
de massa e noutros setores da sociedade; b) através
do deslocamento de decisões políticas, as quais passam
dos grêmios formalmente competentes para as
antecâmaras das combinações informais e dos arranjos
partidários; c) através de uma instrumentalização da
esfera pública com a finalidade de intervir no poder
administrativo.
Resta somente ao Estado-Juiz intervir e deve ser o judiciário
que desempenhe plenamente esse papel. Desta feita, como se
visualizou nos capítulos anteriores, partindo da concepção de que
ordenamento
jurídico
brasileiro,
especialmente
na
esfera
constitucional, exige a moralidade como condição implícita de
elegibilidade, importante qual ou quais os instrumentos processuais
hábeis
a
averiguar
a
existência
deste
requisito
e
posterior
deferimento ou não de registro de candidatura.
Ficou demonstrado que antes do pedido de registro não existe
elegibilidade, surgindo o direito de ser votado somente após o
deferimento do registro. E ainda, que as condições de elegibilidade,
que podem também ser denominadas de registrabilidade, são
aferidas no pedido de registro. Assim, para aclarar a análise é
82
HABERMAS, Op. cit., p. 178.
imprescindível entender como se opera o pedido de registro de
candidatura.
1.
Pedido de Registro de Candidatura
A
candidatura
de
qualquer
cidadão,
segundo
já
demonstrado, requer a satisfação de pré-condições específicas, bem
como a aprovação, pelos filiados da agremiação partidária pela qual
se pretende concorrer, em Convenção Partidária a ser realizada no
período de 10 a 30 de junho do ano em que ocorrerá o pleito
eleitoral, conforme salienta Henrique Mero83.
Segundo Joel J.
84
, o registro dos candidatos: “Constitui
em etapa jurisdicional dentro da fase preparatória do processo
eleitoral. Registrados, os candidatos assumem essa condição em
caráter oficial, terminando aqui o que politicamente se convencionou
chamar de ‘Candidato a Candidato’”.
Com assevera Rui Stoco e Leandro de Oliveira Stoco85,
decorrido in albis referido prazo, ao Ministério Público será aberta
vista do pedido, na qualidade de custus legis. Antes de deferir ou não
o pedido, havendo dúvidas, poderá ainda o juiz determinar a
realização de diligências. Sanadas todas as dúvidas a decisão do juízo
eleitoral será proferida, no sentido de acolher ou não o pedido de
registro. Na primeira hipótese, Adriano Soares86 esclarece que a
sentença
“[...]
terá
efeito
constitutivo
do
estado
jurídico
de
candidato, além da mandamentalidade da realização do registro”. Na
segunda hipótese, “[...] tal decisão seria declaratória negativa do
83
MÉRO, Carlos Henrique Tavares. Direito eleitoral para partidos políticos e candidatos. Maceió:
Catavento, 2008, p. 55.
84
CÂNDIDO, Joel J. Direito eleitoral brasileiro. 11. ed. Bauru: Edipro, 2005, p. 98.
85
STOCO, Rui e STOCO, Leandro de Oliveira. Legislação eleitoral interpretada: doutrina e
jurisprudência. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 270.
86
COSTA, Op. cit. p. 270.
direito do pré-candidato ao registro de sua candidatura, com a
declaratividade incidental” da ausência de uma das condições de
elegibilidade ou mesmo de inelegibilidade.
Essa é a primeira situação processual em que se
vislumbra a possibilidade de aferir-se a moralidade como condição de
elegibilidade, ou seja, quando do pedido de registro de candidatura,
típica ação de jurisdição voluntária, como se observa na lição de
Sérgio Sérvulo da Cunha87, onde a decisão que atesta a falta de
moralidade tem natureza genuinamente declaratória “[...] pois já
existem como fato jurídico no mundo do direito, bastando apenas o
reconhecimento judicial de sua existência”
88
e a que verifique a sua
existência é constitutiva:
O pedido de registro de candidatura é verdadeira ação
(movimento no sentido da satisfação de um direito) constitutiva;
quando requer um título à autoridade, exercita-se direito formativo,
em ação constitutiva de espécie que pode ser designada como ação
de outorga. A decisão que nega o título (no caso, o registro do
candidato) é sentença de rejeição cuja declaratividade Pontes de
Miranda já apontou.
Neste caso o juiz, tendo a possibilidade de ex officio requisitar
diligências, dados os limites da fase de conhecimento judicial que se
manifestam no teor do art. 128 do CPC: “O juiz decidirá a lide nos
limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões,
não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte”; pode
atestar a sua convicção da certeza da presença ou não das condições
de elegibilidade. É o que comumente ocorre com a verificação da
alfabetização
87
do
candidato,
condição
de
elegibilidade
CUNHA, Sergio Servulo. Fundamentos de Direito Constitucional. ISBN: 8502046772, Editora:
Saraiva, 2004, pp. 185-186.
88
COSTA, Op. cit. p. 270.
reconhecidamente aceita, por ser pressuposto para se adquirir o
direito de ser votado, onde o magistrado pode aplicar o famoso teste
de alfabetização.
Por que não aferir também a moralidade do candidato neste
momento? Não estariam os corregedores eleitorais e o ministério
público eximindo-se de agir ao não argüir a falta de condições de
registrabilidade
daqueles
políticos
carentes
da
devida
moral
administrativa? Logicamente, ao existirem situações fáticas que
inegavelmente apontem para tanto, como o conhecimento público e
notório
de
impessoalidade
no
trato
da
Administração
Pública,
processos em andamento sob acusações de crimes ligados à
malversação da coisa pública, prática de nepotismo, infidelidade
partidária, contas rejeitadas, infringência “flagrante” da lei etc, uma
vez investido no múnus público. Como dito antes a inelegibilidade é
regra, para ser elegível é necessário o preenchimento de uma série
de condições, dentre as quais a devida moralidade constitucional.
Note-se que no pedido de registro de candidatura não se
estabelece a triangulação da relação jurídica processual (autor, juiz e
réu), ao contrário, a relação processual é linear (requerente e juiz), o
que nada obsta a legitimidade de interveniência mediante recurso de
terceiro interessado no feito, é que na processualística hodierna, sob
a inspiração de Carnellutti, cunhou-se o dogma da necessidade de
haver conflite (lide) para se instaurar a atividade jurisdicional, apesar
de
revisto
tal
entendimento
em
escritos
mais
maduros
do
doutrinador, mas como tal discussão foge ao objeto do presente
estudo, recordemos a lição de Pontes de Miranda89:
A relação jurídica processual perfaz-se com a citação do
réu [angularidade necessária], ou desde o despacho na
petição, ou depois de passar em julgado, formalmente,
este despacho. Mostraremos neste livro, como em
89
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao código de processo civil. Tomo I,
São Paulo: Forense, 1979, p. 26.
outros, que não há solução a priori. A relação pode
surgir desde o despacho ou do seu trânsito em julgado
[o que depende do chamado efeito do recurso
admitido], porque a relação pode ser só entre autor e
Estado [angularidade não necessária]. Note-se que (1)
isso obedece o grau de cultura política do povo e [2] os
sistemas jurídicos ainda possuem [e hão de possuir
sempre, é de esperar-se] relações de uma só linha,
devido à desnecessidade de angularidade.
A linearidade processual não é privilégio do Direito Eleitoral,
oportuno trazer a baila os ensinamentos do ministro presidente do
STF, Gilmar Ferreira Mendes90, quando da discussão travada acerca
da
ausência
de
pólo
passivo
na
ação
declaratória
de
constitucionalidade:
[...] sabe-se com von Gneist, desde 1879, que a idéia,
segundo a qual, como pressuposto de qualquer
pronunciamento jurisdicional, devem existir dois
sujeitos que discutam sobre direitos subjetivos,
assenta-se em uma petição de princípio civilista
(civilistische petitio principi). [...] Em tempos mais
recentes, passou-se a reconhecer, expressamente, a
natureza objetiva dos processos do controle abstrato de
normas (objektive Verfahrem), que não conhece partes
(Verfahren ohne Beteiligte) e podem ser instaurados
independentemente da demonstração de um interesse
jurídico
específico.
A
ação
declaratória
de
constitucionalidade configura típico processo objetivo,
destinado a elidir a insegurança jurídica ou o estado de
incerteza sobre a legitimidade da lei ou ato normativo
federal. Os eventuais requerentes atuam no interesse
de preservação da segurança jurídica e não da defesa
de um interesse próprio.
Da ação de pedido de registro, pode ocorrer impugnação no
teor do art. 3º da LC 64/90, que se qualifica como Ação de
Impugnação de Registro de Candidatura – AIRC – incidental e
autônoma à primeira que suscita a inexistência de direito subjetivo do
aspirante ao registro, seja por inelegibilidade ou ausência de alguma
condição de elegibilidade.
90
MENDES, Gilmar Ferreira. A ação declaratória de constitucionalidade: inovação da emenda
constitucional 3/93. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo: RT. n 4. jul/set
1993, pp. 99-100.
2.
Ação de Impugnação de Registro de Candidatura
Segundo Joel José Cândido91,
[...] o objetivo dessa impugnação, que tem a natureza
jurídica de uma verdadeira ação judicial, é impedir o
deferimento do registro da candidatura do impugnado.
Se já obteve o registro, a procedência definitiva desta
impugnação cancelará esse registro, e, ainda, se o
impugnado já estiver diplomado quando vier o trânsito
em julgado da ação procedente, se declarará nula a
diplomação, a eleição e o registro, impossibilitando o
início ou a continuidade do exercício do mandato (LC nº
64/90, art. 15).
Quanto à natureza jurídica desta ação leciona Pedro Henrique
Távora Niess92 que:
“[...] a impugnação ao registro de candidatura a
mandato eletivo configura o exercício de direito de
ação, inaugurando um processo de conhecimento com
todas as fases que lhe são peculiares. [...] É, pois, uma
ação civil de conhecimento, de conteúdo declaratório.”
Partido político, coligação, candidato e o Ministério Público,
estão autorizados a propor esta ação, que pode ter como uma de
suas causas de pedir a ausência de moralidade como condição
implícita de elegibilidade. Frisando que as mesmas considerações
feitas para a ação de pedido de registro se aplicam à AIRC, e com
muito mais razão, pois nela, como verdadeira ação no molde
carnelluttiano por existir lide, há o contraditório. Sendo de natureza
declaratória, como ficou esboçado, constatada situações fáticas, até
mesmo abrindo-se instrução probatória, que demonstrem a ausência
de moralidade constitucional por ser requisito de elegibilidade, o juiz
eleitoral,
obviamente
candidatura.
É
irá
indeferir
o
pedido
imperioso
destacar
que
a
de
registro
imoralidade
ou
de
a
amoralidade verificada nesta quadra, deve além de irradiar seus
efeitos no processo eleitoral, como também afetar potencialmente o
91
92
CÂNDIDO, Op. Cit., p. 133.
NIESS, Pedro Henrique Távora. Direitos Políticos. 2. ed. Bauru: Edipro, 2000, p. 194.
interesse público, tendo em vista que a Constituição ao estabelecer
princípios no trato da coisa pública almeja a proteção deste para
salvaguardar a sociedade e as instituições democráticas.
Não sendo impostas limitações legislativas às matérias se
serem suscitadas na AIRC levou Adriano Soares93 a afiançar:
Quanto a ação de impugnação de registro de
candidatura (AIRC), o legislador não impôs qualquer
limitação das matérias a serem atacadas (corte
vertical), nem tampouco acerca da profundidade das
questões a serem debatidas (corte horizontal). Assim,
qualquer fato capaz de infirmar a pretensão do précandidato, gerando o indeferimento do pedido de
registro, pode ser suscitado pela AIRC, em debate
pleno e exauriente das questões trazidas aos autos.
Como também94,
A AIRC vem sendo admitida e utilizada como remédio
de limitadas possibilidades, como se sua finalidade
fosse apenas atacar as inelegibilidades originárias ou
aquelas cominadas, já constituídas por outra decisão
(administrativa ou judicial). Razão, entretanto, parece
estar com Adriano Soares Costa quando ensina que
“afora a celeridade do rito pela adoção de prazos
exíguos, nenhum limite impôs o legislador ao
aprofundamento da notio do Juiz Eleitoral, de modo que
todos os fatos deduzidos ficaram franqueados ao seu
conhecimento, bem como disponíveis ficaram todos os
meios de prova de que as partes fizeram uso”. E
continua, “o legislador não impôs qualquer limitação
das matérias a serem atacadas na AIRC, tampouco
acerca da profundidade das questões a serem
debatidas. Assim, qualquer fato capaz de infirmar e
pretensão do pré - candidato, gerando o indeferimento
do pedido de registro pode ser suscitado pela a AIRC,
em debate pleno e exauriente das questões trazidas
aos autos”.
Assiste razão em assim conceber o doutrinador alagoano, muito
embora
93
o
Tribunal
Superior
Eleitoral
não
comungue
deste
COSTA, Op. Cit., p. 287.
COSTA, Adriano Soares. Teoria da Inelegibilidade e o Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey,
1998, p. 257.
94
entendimento95, o que nada o desnatura, por ser construção
doutrinária e que, inclusive já chegou a prevalecer naquele tribunal96.
Valendo-se de métodos teleológicos de interpretação é fácil
afirmar que a moralidade constitucional sendo uma condição implícita
de elegibilidade tem como meio processual cabível para ser discutida,
justamente a Ação de Impugnação de Registro de Candidatura, por
ser momento próprio para se verificar a existência dos requisitos
necessários para ser candidato, e por possuir natureza declaratória e
possibilidade de instaurar-se uma fase probatória. O juízo eleitoral
pode declarar a ausência de moralidade sem necessidade de outros
processos instaurados neste sentido, pois é ação idônea para tanto, e
conseqüentemente negar o registro à candidatura.
95
Nessa particularidade: "Registro de candidato. Inelegibilidade. Abuso de poder econômico. LC nº
64/90, art. 1º, I, alínea 'd'. A impugnação ao pedido de registro de candidatura, fundada em abuso de
poder econômico, deve vir instruída com decisão da Justiça Eleitoral, com trânsito em julgado, sendo
inadmissível a apuração dos fatos no processo de registro. Recurso ordinário desprovido" (Acórdão nº
11.346, de 31.08.90, rel. Min. Célio Borja, in: RJTSE 2(3)/111). Outrossim: "Registro de candidatura.
Impugnação. Abuso de poder econômico. Inelegibilidades previstas no art. 1º, inc.I, letras 'h' e 'i' da Lei
Complementar nº 64, de 1990. I - No caso, o Juiz-Relator do feito decidiu que a competência para apurar
o alegado abuso do poder econômico é do Corregedor, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64,
de 1990, tendo permanecido irrecorrida a sua decisão. II - Ademais, segundo se depreende do art. 1º, I, 'd',
da Lei Complementar n. 64, de 1990, o processo de registro é inadequado para apuração da causa de
inelegibilidade consubstanciada no abuso de poder econômico. III - Finalmente, inocorrem as causas de
inelegibilidade, previstas no art. 1º, inciso I, 'h' e 'i', da citada Lei Complementar, porquanto o acórdão
recorrido faz convincente demonstração de que o recorrido, após 30 de abril do corrente ano, não exerceu
cargo de direção nas empresas indicadas pelo recorrente, bem como da inexistência de condenação
criminal capaz de provocar inelegibilidade. IV - Recurso não conhecido quanto ao abuso de poder
econômico e desprovido quanto ao mais" (Acórdão nº 12085, de 05.08.94, rel. Min. Antônio de Pádua
Ribeiro, publicado em sessão no dia 05/08/94). Entendimento que hoje voltou a predominar no TSE.
96
“Não obstante a LC no 64/90 não haja sido expressa a respeito, é fora de dúvida que a impugnação ao
registro, além da argüição de inelegibilidade, pode ser feita mediante alegação de abuso do poder
econômico ou político, praticado em detrimento da liberdade de voto, antes da convenção partidária ou do
registro. Veja-se que, de acordo com os parágrafos do referido art.3o e, ainda, com os arts.4o e 8o da
referida LC no 64/90, o candidato será notificado para contestar, querendo, a impugnação, que será
julgada após a mais ampla fase instrutória, com a produção de prova oral, documental e, até mesmo,
busca e apreensão de documentos em poder de terceiros. Além disso, a decisão proferida pelo Juiz ou
Tribunal poderá ser atacada por meio de recursos ordinário e especial.”(Acórdão no 12.676, de 18.6.96,
rel. Min. Ilmar Galvão, DJU de 16.8.96, in: JTSE 8/2, abr./jun. de 1997, p.119)
CONCLUSÃO
Apresenta-se a Carta Republicana com muito orgulho. Juristas
pátrios garbosamente discorrem sobre o fato de que princípio é
norma e a norma é lei. Somos a oitava economia mundial.
Encontram-se novos e mais prolíficos poços de petróleo. Reivindicase uma cadeira dentre os países que decidem o futuro do planeta.
Acredita-se que o país goza hoje do prestígio internacional que jamais
tivera. Grande alarde se faz quanto a produção de combustíveis de
origem vegetal. Delineia-se um panorama aparentemente promissor.
Outros têm uma visão distinta.
O direito sem a moral nada mais é do que tirania, e não
pode haver paz sem Justiça. Essas afirmações e não as anteriores
vestem como luvas para descrever a realidade do Brasil. O povo
brasileiro acostuma-se à injustiça, cárceres superlotados, trabalho
escravo nos canaviais e no congresso a corrupção é a nota
preponderante. Uma classe acobertada de espúrios privilégios se
reproduz no poder valendo-se dos mais infames artifícios. Enquanto
os meios de comunicação ocupam-se de lançar areia aos olhos dos
espectadores que confundidos e genuflexos rogam por algum
caudilho que opere um milagre que lhes resgate do quadro de
extrema miséria e indignidade.
O judiciário surpreende com resoluções e súmulas que parecem
afastar cada vez mais a Justiça do Direito. Banqueiros e políticos
gozam da mais absoluta impunidade comprovando o caráter político
das decisões das cortes superiores que insistem em fazer das penas
privativas de liberdade exclusividade dos pobres. Este Trabalho de
Conclusão de Curso é um exercício de hermenêutica, uma posta em
prática dos conhecimentos jurídicos adquiridos e mais do que nada
um grão de areia no deserto das boas intenções ou um seixo, talvez,
lançado por Davi contra o Golias que assola a justiça no Brasil.
Depreende-se dos estudos plasmados anteriormente que as
ciências jurídicas evoluíram em sua relação com a práxis de tal forma
que, dentro do atual estágio de amadurecimento do Direito, o póspositivismo, as leis só abrolham seu mais amplo sentido quando
interpretadas sob o influxo dos princípios constitucionais tais como o
da dignidade da pessoa humana, a função social da propriedade e
como não o princípio da moralidade constitucionalmente pautada.
Também resta evidenciado que o legislador originário disponibilizou
suficientes
meios
para
aferir
condições
morais
implícitas
de
elegibilidade e que o momento idôneo para tal aferição é quando do
registro de candidatura.
Finalmente comprova-se que a celeuma levantada quanto ao
possível choque de princípios, tais sejam o da presunção de inocência
defendido
pelo
ministro
Eros
Grau
e
o
do
interesse
público
brilhantemente defendido pelo ministro Carlos Ayres Britto não serviu
mais do que para desviar a atenção do foco. A elegibilidade não é
uma condição inata. O analfabeto não é elegível. Aquele que ainda
não completou os trinta e cinco anos não pode registrar sua
candidatura para presidente e se assim o fizer o juiz deverá negar-lhe
de ofício e no caso de passar-se-lhe essa condição de elegibilidade
despercebida será a AIRC o instrumento processual mais eficaz para
dirimir tal embate.
A inelegibilidade é a regra e não há sanção alguma em negar o
pedido de registro de candidatura para aqueles que não dispõe das
condições para tal, assim como não há sanção em negar a carteira
nacional de habilitação ao menor de idade. Tanto como dever-se-ia
negar ao alcoólatra a CNH diante da nova lei seca, deve-se negar o
registro de candidatura àquele que não preenche a condição implícita
de moralidade diante a nova era pós-positivista das ciências jurídicas
e o panorama aviltante da política nacional e seus reflexos na
sociedade, institucionalizando a “malandragem” e o “jeitinho” e
acabando por fazer do Brasil um campo de batalha ainda mais
sangrento e sem tréguas que grande parte dos países que vivem em
guerra declarada.
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Paulo: Saraiva, 2004;
ROUSSEAU, Jean-Jecques. Textos filosóficos; seleção de
textos Patrícia Piozzi; tradução de Lúcia Pereira de Souza. São Paulo:
Paz e Terra, 2002. (Coleção Leitura);
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional
positivo. São Paulo: Malheiros, 2005;
STOCO,
Rui
e
STOCO,
Leandro
de
Oliveira.
Legislação
eleitoral interpretada: doutrina e jurisprudência. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006;
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADPF nº 144-7. Distrito Federal.
Relator
ministro
Disponível
na
Celso
Mello.
internet
via:
Data
de
julgamento
<www.stf.jus.br>.
06/08/08.
Consulta
em
09/11/2008;
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Acórdão nº 11.346, de
31.08.90, rel. Min. Célio Borja. RJTSE 2(3) 111;
TRIBUNAL
SUPERIOR
ELEITORAL.
Acórdão
nº
12085,
de
05.08.94, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, publicado em sessão no
dia 05/08/94;
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Acórdão no 12.676, de
18.6.96, rel. Min. Ilmar Galvão, DJU de 16.8.96. JTSE. 8/2, abr./jun.
de 1997;
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL RESPE - RECURSO ESPECIAL
ELEITORAL nº 26406, TSE, Rel. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, PSESS Publicado em Sessão, Data 20/09/2006. Disponível na internet via:
<www.tse.gov.br>. Consulta em 05/07/2008;
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. RESOLUÇÃO N° 22.842
CONSULTA N° 1.621. origem:
TRE/PB. Relator:
Pargend.
Disponível
Sessão
10/06/2008.
na
Ministro
internet
Ari
via:
<www.tse.gov.br>. Consulta em 05/07/2008;
URUGUAI.
CONSTITUIÇÃO.
Disponível
via:<
www.uruguay.gub.uy/> Consulta realizada em 20/11/2009;
WEBER, M. Economía y sociedad. 2. ed. em espanhol.
México: Fondo de Cultura Económica (1.ª edição em alemão, 1922).
ANEXO (Legislação Alienígena)
Este tópico resulta da busca por referências sobre a legislação
em outros países quanto a condições de elegibilidade que possam
auferir de uma maneira ou de outra a moral administrativa ou
constitucional do candidato sem transito em julgado de sentença
condenatória. O objeto deste anexo recaiu principalmente naqueles
países com uma realidade sócio-cultural semelhante à do Brasil e por
razões lógicas se optou pela América Latina.
Também pela sua indiscutível influência, servindo muitas vezes
como paradigma para a construção da democracia no Brasil e no
mundo, os Estados Unidos, levando sempre em consideração que o
sistema jurídico é consuetudinário destacamos o texto a seguir:
Constituição da Califórnia na seção que trata sobre o Poder
legislativo, art. 4 SEC. 1.5:
O povo confia e declara que os Pais da Pátria
estabeleceram um sistema de governo representativo
baseado em eleições livres, justas e competitivas. O
aumento da concentração de poder político nas mãos
de representantes eleitos fez nosso sistema eleitoral
menos
livre,
menos
competitivo
e
menos
representativo.
A possibilidade dos legisladores de servir um número
ilimitado de interesses próprios, de estabelecer o seu
próprio sistema de aposentadoria e de pagar pessoal e
serviços de apoio à custa do Estado contribui
fortemente para o crescente número de agentes
políticos que são reeleitos. Estas vantagens dos
políticos tornam a concorrência desleal e desencorajam
outros candidatos qualificados e faz surgir uma classe
de políticos de carreira, em vez de representantes dos
cidadãos como imaginado pelos Pais da Pátria. Estes
políticos de carreira tornaram-se representantes da
burocracia, em vez de representantes do povo por
quem eles são eleitos para representar.
Para restaurar um sistema livre e democrático de
eleições livres e justas, e incentivar os candidatos
qualificados a procurar um cargo público, o povo confia
e declara que os poderes do político devem ser
limitados.
Benefícios de aposentadoria devem ser restritos, o
pessoal e os serviços de suporte utilizados pelos
políticos e financiados pelo Estado devem ser limitados,
e limitações deve haver ao número de leis que possam
ser aprovadas.
(Tradução livre)
Quanto aos países latino-americanos pesquisados todos têm
como condição de elegibilidade ser eleitor, ao igual que o Brasil,
razão pela qual, elencadas aqui, primeiramente, as condições de
eleitor
quanto
a
moralidade
sem
a
exigência
de
sentença
condenatória transitada em julgado no que se refere ao sufrágio
ativo:
- Argentina, (Código Eleitoral Nacional):
Artículo 3. - Quiénes están excluidos. Están excluidos
del padrón electoral:
a) Los dementes declarados tales en juicio y aquellos
que, aun cuando no lo hubieran sido, se encuentren
recluidos en establecimientos públicos;
b) Los sordomudos que no sepan hacerse entender por
escrito,
c) Derogado
(Modificación introducida por la ley 24.904)
d) Los detenidos por orden de juez competente
mientras no recuperen su libertad;
e) Los condenados por delitos dolosos a pena privativa
de la libertad, y, por sentencia ejecutoriada, por el
término de la condena;
f) Los condenados por faltas previstas en las leyes
nacionales y provinciales de juegos prohibidos, por el
término de tres años; en el caso de reincidencia, por
seis;
g) Los sancionados por la infracción de deserción
calificada, por el doble término de la duración de la
sanción;
h) Los infractores a las leyes del servicio militar, hasta
que hayan cumplido con el recargo que las
disposiciones vigentes establecen;
i) Los declarados rebeldes en causa penal, hasta que
cese la rebeldía o se opere la prescripción:
j) Los que registren tres sobreseimientos provisionales
por delitos que merezcan pena privativa de libertad
superior a tres años, por igual plazo a computar desde
el último sobreseimiento;
k) Los que registren tres sobreseimientos provisionales
por el delito previsto en el artículo 17 de la Ley N.
12.331, por cinco años a contar del último
sobreseimiento.
Las inhabilitaciones de los incisos f) y k) no se harán
efectivas si entre el primero y el tercer sobreseimiento
hubiesen
transcurrido
tres
y
cinco
años,
respectivamente;
l) Los inhabilitados según disposiciones de la Ley
Orgánica de los Partidos Políticos;
m) Los que en virtud de otras prescripciones legales y
reglamentarias quedaren inhabilitados para el ejercicio
de los derechos políticos.
- Chile, (Constituição);
ARTÍCULO 16.- El derecho de sufragio se suspende:
1º.- Por interdicción en caso de demencia;
2º.- Por hallarse la persona acusada por delito que
merezca pena aflictiva o por delito que la ley califique
como conducta terrorista, y
3º.- Por haber sido sancionado por el Tribunal
Constitucional en conformidad al inciso séptimo del
número 15º del artículo 19 de esta Constitución. Los
que por esta causa se hallaren privados del ejercicio del
derecho de sufragio lo recuperarán al término de cinco
años, contado desde la declaración del Tribunal.
Esta suspensión no producirá otro efecto legal, sin
perjuicio de lo dispuesto en el inciso séptimo del
número 15º del artículo 19.
- El Salvador: (Constituição datada em 15/12/1983):
Art. 73.- Los deberes políticos del ciudadano son:
1º.- Ejercer el sufragio;
2º.- Cumplir y velar porque se cumpla la Constitución
de la República;
3º.- Servir al Estado de conformidad con la ley.
El ejercicio del sufragio comprende, además, el derecho
de votar en la consulta popular directa, contemplada en
esta Constitución.
Art. 74.- Los derechos de ciudadanía se suspenden por
las causas siguientes:
1º.- Auto de prisión formal;
2º.- Enajenación mental;
3º.- Interdicción judicial;
4º.- Negarse a desempeñar, sin justa causa, un cargo
de elección popular; en este caso, la suspensión durará
todo el tiempo que debiera desempeñarse el cargo
rehusado.
Art. 75.- Pierden los derechos de ciudadano:
1º.- Los de conducta notoriamente viciada;
2º.- Los condenados por delito;
3º.- Los que compren o vendan votos en las elecciones;
4º.- Los que suscriban actas, proclamas o adhesiones
para promover o apoyar la reelección o la continuación
del Presidente de la República, o empleen medios
directos encaminados a ese fin;
5º.- Los funcionarios, las autoridades y los agentes de
éstas que coarten la libertad del sufragio.
En estos casos, los derechos de ciudadanía se recuperarán por
rehabilitación
expresa
declarada
por
autoridad
“conducta
notoriamente viciada”;
- Mais adiante: “notória moralidad”
arts. 126, 151 y 153 da
Constituição;
Art. 126.- Para ser elegido Diputado se requiere
ser mayor de veinticinco años, salvadoreño por
nacimiento, hijo de padre o madre salvadoreño, de
notoria honradez e instrucción y no haber perdido
los derechos de ciudadano en los cinco años
anteriores a la elección.
[...]
Art. 151.- Para ser elegido Presidente de la
República se requiere: ser salvadoreño por
nacimiento, hijo de padre o madre salvadoreño;
del estado seglar, mayor de treinta años de edad,
de moralidad e instrucción notorias; estar en el
ejercicio de los derechos de ciudadano, haberlo
estado en los seis años anteriores a la elección y
estar afiliado a uno de los partidos políticos
reconocidos legalmente.
[...]
Art. 153.- Lo dispuesto en los dos artículos
anteriores se aplicará al Vicepresidente de la
República y a los Designados a la Presidencia.
- México “un modo honesto de vivir”, art. 34 da Constituição.
- Honduras, (Constituição):
ARTICULO 41.- La calidad del ciudadano se suspende:
1. Por auto de prisión decretado por delito que merezca
pena mayor;
2. Por sentencia condenatoria firme, dictada por causa
de delito; y,
3. Por interdicción judicial.
ARTICULO 42.- La calidad de ciudadano se pierde:
1. Por prestar servicios en tiempo de guerra a
enemigos de Honduras o de sus aliados;
2. Por prestar ayuda en contra del Estado de Honduras,
a un extranjero o a un gobierno extranjero en cualquier
reclamación
diplomática
o
ante
un
tribunal
internacional;
3. Por desempeñar en el país, sin licencia del Congreso
Nacional, empleo de nación extranjera, del ramo militar
o de carácter político;
4. Por coartar la libertad de sufragio, adulterar
documentos electorales o emplear medios fraudulentos
para burlar la voluntad popular;
5. Por incitar, promover o apoyar el continuismo o la
reelección del Presidente de la República; y,
6. Por residir los hondureños naturalizados, por más de
dos años consecutivos, en el extranjero sin previa
autorización del Poder Ejecutivo.
En los casos a que se refieren los numerales 1) y 2), la
declaración de la pérdida de la ciudadanía la hará el
Congreso
Nacional
mediante
expediente
circunstanciado que se forme al efecto. Para los casos
de los numerales 3) y 6), dicha declaración la hará el
Poder Ejecutivo mediante acuerdo gubernativo; y para
los casos de los incisos 4) y 5) también por acuerdo
gubernativo, previa sentencia condenatoria dictada por
los tribunales competentes.
[...]
ARTICULO 45.- Se declara punible todo acto por el cual
se prohíba o limite la participación del ciudadano en la
vida política del país.
- México, (Constituição de 1917):
Artículo 34 - Son ciudadanos de la República los
varones y mujeres que, teniendo la calidad de
mexicanos, reúnan, además, los siguientes requisitos:
I.- Haber cumplido 18 años, y
II.- Tener un modo honesto de vivir.
Artículo 38.- Los derechos o prerrogativas de los
ciudadanos se suspenden:
I.- Por falta de cumplimiento, sin causa justificada, de
cualquiera de las obligaciones que impone el artículo
36. Esta suspensión durará un año y se impondrá
además de las otras penas que por el mismo hecho
señalare la ley;
II.- Por estar sujeto a un proceso criminal por delito
que merezca pena corporal, a contar desde la fecha del
auto de formal prisión;
III.- Durante la extinción de una pena corporal;
IV.- Por vagancia o ebriedad consuetudinaria,
declarada en los términos que prevengan las leyes;
V.- Por estar prófugo de la justicia, desde que se dicte
la orden de aprehensión hasta que prescriba la acción
penal; y
VI.- Por sentencia ejecutoria que imponga como pena
esa suspensión.
La ley fijará los casos en que se pierden, y los demás en que se
suspenden los derechos de ciudadano, y la manera de hacer la
rehabilitación.
Panamá, (Constituição):
Artículo 133.- El ejercicio de los derechos ciudadanos se
suspende:
1.
Por causa expresada en el artículo 13 de esta
Constitución.
2.
Por pena conforme a la Ley.
Artículo 136.- Las autoridades están obligadas a
garantizar la libertad y honradez del sufragio. Se
prohiben:
•
El apoyo oficial directo o indirecto a candidatos a
puestos de elección popular, aun cuando fueren velados
los medios empleados a tal fin.
•
Las actividades de propaganda
partidista en las oficinas públicas.
y
afiliación
•
La exacción de cuotas o contribuciones a los
empleados públicos para fines políticos, aun a pretexto
de que son voluntarias.
•
Cualquier acto que impida o dificulte a un
ciudadano obtener, guardar o presentar personalmente
su cédula de identidad.
La Ley tipificará los delitos electorales y señalará las
sanciones respectivas.
Uruguai, (Constituição)
Artículo 80.- La ciudadanía se suspende:
1º) Por ineptitud física o mental que impida obrar libre
y reflexivamente.
2º) Por la condición de legalmente procesado en causa
criminal de que pueda resultar pena de penitenciaría.
3º) Por no haber cumplido dieciocho años de edad.
4º) Por sentencia que imponga pena de destierro,
prisión, penitenciaría o inhabilitación para el ejercicio
de derechos políticos durante el tiempo de la condena.
5º) Por el ejercicio habitual de actividades moralmente
deshonrosas, que determinará la ley sancionada de
acuerdo con el numeral 7º del artículo 77.
6º) Por formar parte de organizaciones sociales o
políticas que, por medio de la violencia, o de
propaganda que incitase a la violencia, tiendan a
destruir las bases fundamentales de la nacionalidad. Se
consideran tales, a los efectos de esta disposición, las
contenidas en las Secciones I y II de la presente
Constitución.
7º) Por la falta superviniente de buena conducta
exigida en el artículo 75. Estas dos últimas causales
sólo regirán respecto de los ciudadanos legales. El
ejercicio del derecho que otorga el artículo 78 se
suspende
por
las
causales
enumeradas
precedentemente.