Paraná Oriental

Transcrição

Paraná Oriental
especial
Adriano e Cecília Kanashiro
Mioko Arai e Kimi Mayama
O PARANÁ ORIENTAL
Nesta segunda reportagem
de nossa série sobre a
imigração japonesa, veja o que
a cultura oriental emprestou
à culinária paranaense
O
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prazeres
da mesa
INVASÃO ORIENTAL
A rota dos japoneses pelo Paraná privilegiou
as regiões de Maringá e Londrina, cidades ao norte do Estado e que até hoje reúnem o maior número de imigrantes orientais. Já na capital, Curitiba, a chegada foi menos intensa, mas suficiente
para agregar a comunidade em alguns bairros, como Uberaba, Campo Comprido, Santa Felicidade e Araucária. Há alguns municípios que se originaram com base nas colônias japonesas, como
é o caso de Uraí e de Assaí, no norte paranaense.
Em busca de um ganha-pão, parte concentrou-se
na piscicultura e parte na lavoura, mas como desconheciam as técnicas agrícolas das culturas tropicais, investiram na hortifruticultura que não era
popular por aqui, como o caqui doce, a mexerica
a poncã, a maçã Fuji e até a uva Itália, que, apesar do nome que denuncia a origem, chegou ao nosso país pelas mãos dos japoneses. Longe do trabalho, surgiu outra tarefa difícil, a de preservar os costumes culinários ao longo do tempo. São famílias
comuns, que comprovam que a milenar cozinha
do Japão vai muito além do que é explorado aqui
– sushis, sashimis e tempurás. A história de vida
de Kimi Mayama Arai é um bom exemplo. Ao se
▼
O Estado do Paraná guarda fortes traços da imigração japonesa. Historicamente, a principal porta de entrada no país era mesmo São Paulo, mas
acontecimentos marcantes, como a queda da bolsa de Nova York, a crise cafeeira e a criação da estrada de ferro São Paulo-Paraná, a partir da década de 30, levaram os japoneses para outras paragens. Em terras paranaenses, esses fatos alavancaram ainda mais a imigração, que guarda em seus
registros uma presença japonesa bem mais antiga:
em 1913, em Cambará, já trabalhavam como colonos na produção de café da Fazenda dos Barbosa Ferraz; em 1917, formou-se na região um agrupamento de sitiantes chamado de Vila Japonesa,
que, em 1923, abriu as portas de um misto de armazém e empório de produtos orientais. Para
completar, em 1932, proibiu-se no país por três
anos o plantio de café, e o Paraná, que não adotou essa lei, foi considerado a terra da grande fertilidade. Tantos acontecimentos políticos, econômicos e sociais culminaram em um Estado de múltiplas etnias – com destaque para japoneses, alemães, poloneses, ucranianos e italianos, povos que
trouxeram na bagagem cultura, costumes e tradições e ajudaram a construir o Paraná de hoje.
POR CARLOS RIBEIRO
FOTOS ANDRÉ PENICHE
UDON GELADO
Jessica Katsuki Mizubuti
Rosa Satiko Noda
prazeres
da mesa
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especial
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prazeres
da mesa
* O paraibano Carlos Ribeiro é professor na Universidade
Paulista (Unip) e chef de cozinha do restaurante Bucatini,
de São Paulo (SP).
ACHI BITISHI
PECADOS À MESA
Como se comportar perante à mesa japonesa
POR LUMI TOYODA**
Os japoneses costumam dizer “coma tranqüilo sem se
preocupar com regras, o importante é você se sentir bem”. Mas
para quem foi criado longe dos costumes orientais, é
praticamente impossível não ficar cercado de dúvidas quando
se está em uma mesa típica japonesa. Nessa hora, a melhor
saída, é interpretar a frase no sentido de “coma tranqüilo sem
se preocupar com muitas regras, siga-as naturalmente”.
Conhecer todos os rituais que cercam as refeições não é uma
tarefa fácil, mas com algumas dicas básicas e alguns pecados
mortais, dá para apreciar as iguarias orientais de maneira
elegante e sem constrangimentos.
• A toalhinha quente (shibori) é para limpar os dedos e as mãos
antes de iniciar uma refeição. Jamais utilize em outras partes do
braço ou o rosto.
• Os dois palitinhos (hashi) devem sempre permanecer juntos e
paralelos ao outro e ao fio da mesa. Não segure-os um em cada
mão como garfo e faca.
• Apontar pessoas com o dedo indicador é pecado no Japão. E
apontar com o hashi, é pecado mortal.
• Se a raiz forte (wasabi) incomodou, coma
uma fatia de gengibre para aliviar.
• O banquete oriental, é antes de tudo, uma
verdadeira obra de arte. Os pratos são
dispostos harmoniosamente e por isso,
primeiro escolha visualmente o que quer
provar para só depois levar o hashi até a
comida. Jamais toque a comida com o hashi se não for comê-la.
• Os famosos bolinhos de arroz com fatias de sashimi e demais
ingredientes, podem ser pegos com as mãos ou com o hashi. Vireo e molhe apenas o peixe, nunca o arroz.
• Entre uma fatia e outra de sashimi coma um pouco de nabo, que
ajuda a limpar o paladar para o sashimi seguinte.
• Comece com o sashimi de carne branca, quase sempre de sabor
mais suave e só depois passe para as fatias vermelhas.
• Ao término da refeição, deixe tudo organizado. Os pratinhos, as
tigelas e o hashi devem ficar sobre o descanso de mesa. Se
sobrou comida no prato, organize também. Como é tradição servir
pratos impecáveis, pede-se no final deixar tudo em ordem.
** Lumi Toyoda é professora e pesquisadora da cultura e de
etiqueta japonesa; etiquetajaponesa.com.br
FOTO JORNAL NIPPO BRASIL
mudar para Londrina para estudar, levou entre os
livros, o caderno de receitas de sua mãe, que veio
do Japão. Casou-se, teve três filhos e até hoje um
prato daqueles velhos tempos, o carré de porco,
é o mais pedido de sua cozinha. “São cubos de
lombo marinados com shoyu, molho de curry e
maçã verde ralada.” Da matriarca também vêm
os ensinamentos de Rosa Satiko Noda, que é filha de imigrantes. “Quando ela chegou, foi trabalhar em uma casa de fazenda de uma família italiana. Suas iguarias orientais ganharam o tempero desse caldeirão de influências.” O sabor de que
tem mais saudade e, por isso mesmo, o que mais
gosta de fazer, é o oniguiri, um tipo de bolinho de
arroz em versão japonesa, que leva pasta de missô, que é levado à frigideira ou assado na brasa. Para Jessica Katsuki Mizubuti, que nasceu em Londrina, a mesa segue as tradições das avós maternas, vindas de diferentes regiões do Japão. Faz parte da quarta geração Yonsei, que carrega a mesma
receita de udon gelado, um tipo de macarrão com
lascas de carne de porco, tiras de omelete e cebolinha. “É tão popular por lá que quase todas as ca-
SOBA OKINAWANO
▼
KIMPIRÁ GOBÔ
sas tinham uma mesa de pedra para preparar a massa fresca.”
Já Mioko Arai é legítima representante
dos que vieram da terra do Sol nascente. Ao
lado dos pais, que vieram para trabalhar nos
cafezais do Estado, em 1935, deixou aos 6
anos a cidade de Chiba, conhecida pela
abundante oferta de pescados. “Lembro até
hoje de minha mãe falando que tivemos de
trocar a fartura de peixes por legumes.
Aprendi tudo com ela.” E, hoje, pode dizer
que fez sua leitura da cozinha oriental, que
se amoldou ao paladar dos descendentes brasileiros. “Quando reúno os filhos, netos e noras, gosto de preparar o kimpirá gobô, um refogado da raiz de bardana, petisco tradicional servido com saquê, para abrir refeições.”
História parecida viveu o casal Antonio
e Cecília Kanashiro. Filhos de japoneses de
Okinawa – arquipélago ao sul do Japão –,
deixaram a ilha em 1922. Em solo paranaense se conheceram, casaram-se e encontraram mais força para manter vivos os sabores da pátria-mãe. “Insistência que começou
em casa, alçou tanta fama que, nos anos 70,
a comida virou trabalho.” E o negócio dos Kanashiro dá certo até hoje. Desde então, a família comandou restaurantes e bares, propostas que
evoluíram ao longo do tempo e hoje se tornaram
Antonio e Cecília Espaço Gourmet. Estrelam os
cardápios, pratos como o achi bitishi – pé de porco com kombu, um tipo de alga marinha; nigauri,
que é um melão refogado com tofu e ovos; e soba
okinawano, macarrão artesanal com carne de porco bem frita, cebolinha, omelete em tiras, gengibre ralado e um caldo especial de peixe, que obriga servi-lo em cumbucas.
E quem está em São Paulo também pode sentir um pouco de toda essa experiência culinária.
Para quem achou o sobrenome conhecido, não é
coincidência não... Adriano Kanashiro, renomado chef que pilota a cozinha do Kinu, restaurante do hotel Grand Hyatt São Paulo, é filho de Antonio e Cecília.
prazeres
da mesa
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especial
CARÊ DE PORCO
COM MAÇÃ VERDE
6
p o r ç õ e s
1 kg de lombo suíno em cubos
1/2 xícara (chá) de shoyu
1 1/2 colher (sopa) de óleo
2 colheres (sopa) de manteiga
500 g de maçã verde ralada na hora
1 cebola média em cubos
2 cenouras em cubinhos
4 batatas inglesas
Arroz branco para acompanhar
M O N TA G E M
1 Prepare o macarrão conforme as instruções
da embalagem, escorra e reserve. 2 Ferva 1
litro de água com um pacote de hondashi e
deixe esfriar; reserve na geladeira. 3 Já gelado, adicione o shoyu ao molho. 4 Coloque
em uma tigela o macarrão, que deve estar
bem gelado, enfeite com fatias de kamaboko
e cubra com o molho bem quente. 5 Decore
com o omelete, nori em tirinhas, cebolinha picada, pepino em palitos e kamaboku.
750 ml de água; 3 colheres (sopa) de curry
3 1/2 colheres (sopa) de amido de milho
ONIGUIRI (BOLINHO
2 0
LO M B O
ONIGUIRI
prazeres
da mesa
KOMBU)
5
p o r ç õ e s
DE PORCO COM
p o r ç õ e s
5 pés de porco
1 folha de kombu (alga marinha japonesa)
2 talos de nabo sem cascas
6 colheres (sopa) de shoyu
6 colheres (sopa) de saquê mirim
10 g de gengibre ralado
1 litro de água quente
200 g de shiitake fresco
1 Em uma tigela, coloque os cubos de lombo,
tempere com shoyu e deixe marinar na geladeira por, no mínimo, 45 minutos. 2 Aqueça
em uma panela, em fogo médio, o óleo e a
manteiga, acrescente o lombo e a cebola e
frite por 15 minutos, mexa sempre até dourar. 3 Adicione a cenoura e a batata, refogue
por 10 minutos. 4 Junte o molho e deixe de
20 a 30 minutos ou até que fiquem “al dente”. 5 Junte a maçã, que deve ser ralada na
hora para não escurecer e desligue o fogo.
6 Sirva acompanhado de arroz branco.
1 Lave o arroz delicadamente em cinco águas,
escorra e cozinhe em fogo alto até ferver, deixe em fogo baixo até secar a água; desligue
e deixe esfriar. 2 Amasse bem o arroz com as
mãos molhadas, faça os bolinhos em forma
de triângulos. 3 Em uma vasilha, misture bem
o missô e o saquê mirim; passe essa pasta por
todo o bolinho. 4 Leve para assar na brasa ou
na frigideira e sirva bem quente. 5 Decore com
tiras de kamaboku.
1 Em uma panela grande, coloque os pés de
porco e os demais ingredientes. 2 Acrescente água quente, tampe a panela e deixe cozinhar por mais de 1 hora ou até ficar macio; se precisar, coloque mais água, mas que
esteja quente; sirva bem quente.
Receita da sra. Kimi Mayama Arai
Receita de Rosa Satiko Noda
1 0
UDON GELADO
KIMPIRÁ GOBÔ (REFOGADO
2
BARDANA)
p o r ç õ e s
250 g de macarrão para udon
1 envelope de hondashi (caldo de peixe,
que pode ser substituído por caldo de
carne ou de frango); 4 colheres (sopa) de
shoyu (molho de soja); 20 g de kamaboku
(massa de peixe, que se pode substituir por
uma fatia de lombo)
30 g de fatia de lombo frito ou cozido; 2
ovos
1 pitada de açúcar
Pepino em palitos, kamaboku (massa de
peixe colorida), cebolinha picada e nori
(alga desidratada) a gosto
OMELETE
1 Bata os ovos e tempere com uma pitada de
açúcar. 2 Corte em tirinhas; reserve.
50
DE ARROZ)
4 xícaras (chá) de arroz japonês
8 xícaras (chá) de água
2 colheres (sopa) de pasta de missô (pasta
de soja); 4 colheres (sopa) de saquê mirim
kamaboku a gosto (massa de peixe
colorida)
Em uma jarra, misture a água, o curry e o amido de milho; reserve.
4
turvar e o aroma não se perder). 4 Coe o caldo cuidadosamente sobre uma peneira com
papel ou pano.
DICA: ESSE É O CALDO-BASE DE VÁRIOS PREPAROS JAPONESES. É MELHOR UTILIZÁ-LO NO DIA, MAS PODE SER
GUARDADO EM GELADEIRA POR ATÉ 3 DIAS OU CONGE LADO POR ATÉ 1 MÊS .
CARNE
1 Tempere as costelinhas com shoyu e açúcar. 2 Frite bem; reserve.
OMELETE
ACHI BITISHI (PÉ
MOLHO
CARÊ DE PORCO
COM MAÇÃ VERDE
Receita de Mioko Arai
Receita de Jessica Katsuki Mizubuti
MOLHO
NIGAURI REFOGADO
COM TOFU E OVOS
tos; escorra. 2 Em uma panela média, aqueça em fogo alto o óleo, junte o gobô, a cenoura e refogue por cerca de 2 minutos. 3 Acrescente o dashi, o sal e o açúcar e cozinhe em
fogo médio por 5 minutos. 4 Adicione a pimenta, o saquê mirim, o shoyu e cozinhe por mais
5 minutos. 5 Retire do fogo, junte o gergelim,
o óleo de gergelim e misture bem. 6 Disponha em uma travessa e sirva em seguida, com
fatias de pepino em conserva.
DE
p o r ç õ e s
4 xícaras (chá) de gobô (raiz de bardana)
cortado em tiras finas
1 colher (chá) de óleo
1 cenoura média cortada em palitos finos
1 xícara (chá) de dashi (caldo clássico
japonês); 1/2 colher (chá) de sal
1/2 colher (chá) de açúcar
1 pimenta-vermelha pequena picada
1 colher (sopa) de saquê mirim
1 colher (sopa) de shoyu
1 colher (sopa) de gergelim branco
1 colher (chá) de óleo de gergelim torrado
Pepino em conserva a gosto
1 Em uma tigela grande, coloque o gobô, cubra com água e deixe de molho por 5 minu-
SOBA OKINAWANO
p o r ç õ e s
1 kg de costelinha de porco
1 kg de sobá cozido
1 colher (chá) de gengibre ralado
12 ovos; 1 colher (sopa) de açúcar
1 folha de kombu
2 colheres (sopa) de katsuo bushi (lascas
de bonito seco)
1 copo (americano) de shoyu
2 litros de água
Cebolinha picada a gosto
CALDO
1 Limpe levemente a alga kombu com um
pano seco, coloque numa panela e cubra
com 2 litros de água fria. 2 Leve ao fogo médio e, antes que ferva, desligue o fogo (não
deixando ferver, pois o caldo fica amargo e
gosmento). 3 Junte o katsuo bushi e leve ao
fogo; ao ferver, abaixe o fogo e deixe mais
5 minutos, sem que ferva (para o caldo não
1 Bata os 12 ovos e tempere com o açúcar
e o gengibre ralado. 2 Frite e corte em tirinhas; reserve.
FINALIZAÇÃO
1 Em uma tigela grande, coloque o macarrão já cozido e o caldo frio ou quente, de
acordo com a estação do ano. 2 Junte a cebolinha, o gengibre ralado, a omelete, as
costelinhas; misture bem.
NIGAURI REFOGADO
COM TOFU E OVOS
2
p o r ç õ e s
1 nigauri médio (melão São Caetano, dê
preferência aos de cor verde-claro)
1/2 colher (sopa) de hondashi (caldo de
peixe)
1 peça de tofu em cubos fritos
1 lata de atum
6 ovos mexidos
3 colheres (sopa) de saquê mirim
1 colher (sopa) de açúcar
3 colheres (sopa) de óleo vegetal
Sal a gosto
1 Corte o nigauri em sentido longitudinal,
retire as sementes e o miolo esponjoso, corte em tiras pequenas de 0,5 centímetro de
espessura; reserve. 2 Em uma frigideira,
aqueça o óleo e refogue as tirinhas de nigauri. 3 Junte os demais ingredientes e deixe
para colocar por último o tofu. 4 Misture
bem e acerte o sal, se necessário. 5 Sirva
quente, acompanhado de caldo de peixe e
de arroz branco japonês.
Receitas de Adriano e Cecília Kanashiro, do Antonio e Cecília Espaço Gourmet, Rua Pandia Calógeras,
275, Centro, tel. (48) 3342-7272 , Londrina, PR.
Agradecimento:
Cerâmia Hideko Honma; hidekohonma.com.br
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