Cultura da infância: alguns mapeamentos sobre temas
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Cultura da infância: alguns mapeamentos sobre temas
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE METODOLOGIA DE ENSINO MARCELA BOCELLI “CULTURA DA INFÂNCIA: ALGUNS MAPEAMENTOS SOBRE TEMAS, ABORDAGENS E CONCEITOS” SÃO CARLOS 2008 MARCELA BOCELLI “CULTURA DA INFÂNCIA: ALGUNS MAPEAMENTOS SOBRE TEMAS, ABORDAGENS E CONCEITOS” Trabalho de Conclusão de Curso apresentado no curso de Pedagogia como exigência parcial para obtenção do grau de licenciatura, sob orientação da Profª Andréa Braga Moruzzi, do Departamento de Metodologia de Ensino, no Centro de Educação em Ciências Humanas, da Universidade Federal de São Carlos. SÃO CARLOS 2008 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE METODOLOGIA DE ENSINO MARCELA BOCELLI “CULTURA DA INFÂNCIA: ALGUNS MAPEAMENTOS SOBRE TEMAS, ABORDAGENS E CONCEITOS” Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção do título de Licenciado em Pedagogia da Universidade Federal de São Carlos, submetida à aprovação da banca examinadora composta pelos seguintes membros: ___________________________________ Profª Orientadora: Andréa Braga Moruzzi Universidade Federal de São Carlos ___________________________________ Profª Cristina Satiê de Oliveira Pátaro Universidade Federal de São Carlos ___________________________________ Profª Drª Fabiana de Oliveira Universidade Estadual do Pará São Carlos, 11 de Dezembro de 2008. AGRADECIMENTOS Às Professoras e aos Professores que conheci durante esses quatro anos de graduação, e que para sempre farão parte da minha vida através de tudo que me ensinaram; Á professora Andréa Braga Moruzzi especialmente, pela orientação e apoio; A minha família; As minhas amigas e amigos do curso que, em suas mais singelas disposições em me ajudar ou simplesmente me ouvir, acabaram colaborando muito para que esse trabalho fosse concluído; A Deus, em quem eu creio e confio, e sei que sempre esteve e estará comigo em toda e qualquer situação. RESUMO Através de um levantamento bibliográfico de pesquisas recentes publicadas no site da ANPED, objetivo com essa pesquisa verificar e compreender como a temática da cultura da infância tem sido abordada entre os anos de 2003 e 2007, trazendo elementos para compreender sua as linhas temáticas, seus conceitos operatórios, quem aborda e como aborda. Ao longo dessa pesquisa, alicerçada por bases teóricas da sociologia da infância, aceito a oportunidade de romper com as abordagens clássicas da socialização e olhar as crianças como atores sociais em cada um dos contextos em que estão inseridas; e nesse diálogo utilizo como referenciais teóricos principalmente os estudos de autores como SIROTA (2001) SARMENTO (2004;2005) e PINTO & SARMENTO (1997). Palavras-chave: Culturas da infância, Sociologia da criança e da infância. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.................................................................................................... 1 CAPÍTULO 1 – SOCIOLOGIA DA CRIANÇA E DA INFÂNCIA........................................................................................................... 4 1.1 Histórico.................................................................................................... 5 1.2 Alguns Conceitos....................................................................................... 7 CAPÍTULO 2 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS......................... 12 CAPÍTULO 3 – CULTURA DA INFÂNCIA.................................................... 14 3.1 Os trabalhos encontrados – Análise das produções acadêmicas publicadas no GT7 da ANPED entre os anos de 2003 e 2007 ............................. 16 3.2 Contribuições.............................................................................................. 30 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 32 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANEXO ANEXO 1 TABELA PARA ORGANIZAÇÃO DOS DADOS TEXTOS PUBLICADOS NO GT7 DA ANPED AUTOR DISCUSSÃO PROPOSTA QUE CONCEITOS TRABALHAM? MÜLLER, Fernanda. Infâncias nas vozes das crianças: culturas infantis, trabalho e resistência. 2003 - As manifestações infantis são compostas pelo trabalho, cultura e resistência; - São elas que distinguem a infância da idade adulta e evidenciam o que é especifico da infância. - Categoria de infância plural; - Cultura infantil: “constituída por elementos aceitos da cultura do adulto e por elementos elaborados pelos próprios imaturos”(FERNAN DES, p. 174) - Criança como ator social, sujeito de direitos; - infância como construção social; - crianças enquanto atores sociais de pleno direito; BARBOSA, Silvia Néli Falcão. “Corre, vai, vai mais uma vez! Um estudo exploratório sobre o espaço e o tempo da brincadeira de crianças em um shopping”. 2003 COSTA, Maria de Fátima Vasconcelos da. JOGO SIMBÓLICO, DISCURSO E ESCOLA: UMA LEITURA DIALÓGICA DO LÚDICO. 2003 MULLER, Fernanda. CULTURAS INFANTIS NA CIDADE: APROXIMAÇÕES E DESAFIOS - Temática do lúdico, concebendo-o como prática discursiva que explicita as significações culturais apropriadas dentro do contexto social no qual a criança se insere/integra; - Na sua pesquisa, observou-se crianças de 3 a 5 anos; - Compreensão do universo infantil através das brincadeiras. - A infância a partir da problematização do espaço e das culturas infantis; - De que forma a produção de culturas infantis aparece na cidade? - Como as crianças FAZEM REFERENCIA A QUE AUTORES? Quinteiro (2002) Florestan Fernandes (1961) Pinto e Sarmento (1997) Reis (2002) Sarmento e Pinto (1997: 20) - Criança como ator social, construtor de cultura, aquele que tem algo a dizer; Cita Larrosa (1998,p.59) para identificar “infância”. Bakhtin Winnicott Vygotsky - Cidade Educadora; - Infância como categoria social; - Criança como agente ativo que constrói sua cultura e contribui na Áries (1981) Corsaro (1997) Pinto e Sarmento (1997) Florestan Fernandes (1961) PARA A PESQUISA. 2004 CRUZ, Silvia Helena Vieira. OUVINDO CRIANÇAS: considerações sobre o desejo de captar a perspectiva da criança acerca da sua experiência educativa. 2004 VASCONCELOS, Fátima. Bonecas: objeto de conflito identitário na arena da dominação cultural. 2004. FILHO, Altino José Martins. A VEZ DAS CRIANÇAS: UM ESTUDO SOBRE AS CULTURAS DA INFÂNCIA NO COTIDIANO DA CRECHE. 2004 interpretam os espaços [educadores] da cidade? produção do mundo adulto; - metodologias que procuram captar o ponto de vista da criança; - Como as crianças percebem a realidade de uma escola e de uma creche? - Criança como protagonista de suas experiências; Zabalza (1998) Korczac (19862) Rocha (1999) Malagguzi (1999) Demartini (2002: 8) - sobre o processo de constituição da criança no cenário da cultura contemporânea; Benjamim (1984) ARENHART, Deise. A EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA NO MST: O OLHAR DAS CRIANÇAS SOBRE UMA PEDAGOGIA EM MOVIMENTO. 2005 FINCO, Daniela. EDUCAÇÃO INFANTIL,GÊNE RO E BRINCADEIRAS: - a relação que as crianças estabelecem com o processo educativo idealizado pelo MST. - o lúdico em seu aspecto cultural; - pedagogização do lúdico; - mercantilização do brincar; - concepção de infância segundo a qual, a criança é vista como sujeito de direitos numa dimensão histórica, educacional, social e cultural; - Criança como ator social; - pluralização dos modos de ser criança; - heterogeneidade da infância enquanto categoria social; - crianças como atores sociais; - “reprodução interpretativa” de Corsaro; - criança, conforme define Sirota – sujeitos produtores de cultura; Sirota (2001) Prado (1999) - Conhecer, descrever e analisar as dinâmicas das relações que as crianças estabelecem umas com as outras no espaço/tempo em que convivem no interior das instituições de educação infantil. - orientação etnográfica. - a brincadeira é uma das formas pela qual as crianças se manifestam culturalmente; Qvortrup (1995:5) Sarmento & Pinto (1997) Montandon (2001) Sarmento (1997, 2000) Sirota (2001) Ferreira (2002) SARMENTO e PINTO (1997) LANSTED (1991) Corsaro (2002) DAS NATURALIDADE S ÀS TRANSGRESSÕE S 2005 DELGADO, Ana Cristina Coll; MÜLLER, Fernanda. ABORDAGENS ETNOGRÁFICAS NAS PESQUISAS COM CRIANÇAS E SUAS CULTURAS. 2005 SANTOS, Núbia de Oliveira. O CONSUMO NAS PRÁTICAS CULTURAIS INFANTIS: CRIANÇAS E ADULTOS NO CONTEXTO DE UMA ESCOLA PÚBLICA 2005 SANTOS, Solange Estanislau dos. CULTURAS INFANTIS E SABERES: CAMINHOS RECOMPOSTOS. 2005 - tentativa de conectar os estudos das infâncias na sociologia e na antropologia com vistas a discutir a pesquisa etnográfica com crianças; - Cultura da infância “são sistemas simbólicos distintos dos demais, com um recorte geracional que mantém cruzamentos com recortes de classe, gênero, raça, entre outros”(p.5); - Diversidade de culturas; - Alteridade; - cultura infantil - cultura: rede de significados, conforme Velho; - infância enquanto categoria social; - Culturas infantis; - apropriações e usos dos conceitos de - Identidades “identidade(s)” e infantis; “cultura(s)” que estão sendo feitos nos estudos sobre a educação da criança ou da infância; - Quais seriam os significados e fundamentos teóricos implícitos nos conceitos de “cultura(s) infantil(is)” e “identidade(s) infantil(is)”? O que propõem para a prática pedagógica com crianças de 0 a 6 anos? - quantificar e identificar onde, quanto, como e de que forma os temas criança Geertz (1989) Fernandes (1961) Corsaro (1985, 1997, 2003a, 2003b) Prout (2004) Sarmento (2004, 2005) Velho (1981) SARMENTO (2002) Quinteiro (2002) Demartini & Prado (2002) FILHO, Martins. Crianças e Adultos na creche: marcas de uma relação. 2006 LOPES, Jader. Produção do território brasileiro e produção dos territórios de infância: por onde andam nossas crianças? 2006 BORBA, Angela Meyer. AS CULTURAS DA INFÂNCIA NOS ESPAÇOSTEMPOS DO BRINCAR: ESTRATÉGIAS DE PARTICIPAÇÃO E CONSTRUÇÃO DA ORDEM SOCIAL EM UM GRUPO DE CRIANÇAS DE 4-6 ANOS. 2006 KIEHN, Moema. A CONCEPÇÃO DE CRIANÇA E DE INFÂNCIA NOS CURRÍCULOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL. 2007 e infância aparecem no âmbito dos trabalhos apresentados nos Congressos da ANPED, como um todo, e, particularmente, no GT7. - pesquisa etnográfica; - crianças como atores sociais e produtoras de culturas entre si; -produções/ reproduções das culturas de pares de Corsaro; - como se efetiva a - para o autor, é na configuração dos territórios formação das da infância na atual culturas infantis que organização do capital. ocorre a configuração das territorialidades infantis; Corsaro (1997) Sarmento (2002) - compreender como as crianças, nas relações que estabelecem entre si e nas formas de ação social que constroem nos espaçostempos do brincar, constituem suas culturas da infância e são também por elas constituídas; - compreensão do brincar como um dos pilares das culturas da infância; - pesquisa de caráter etnográfico; - infância como uma construção social; - sociologia da infância; - culturas infantis; - crianças vistas como grupo social e atores sociais; Qvortrup (1994) James, Jenks e Prout (1998) Corsaro (1997, 2003) Sarmento (2002) Delalande (2001) Ferreira (2004) - investigação sobre a imagem de criança e infância e sua educação imersa nos currículos dos cursos de pedagogia; - criança como um sujeito concreto, cultural, social e historicamente constituído; Sarmento(1997;2 004) Ferreira (2000; 2002) Pinto (1997) Lopes & Vasconcellos (2006) Santos (2002) Haesbaert (2004) Lefevbre (1978) Sarmento (2004) BUJES, Maria Isabel Edelweiss. ARTES DE GOVERNAR A INFÂNCIA: NO CRUZAMENTO ENTRE A ÉTICA E A POLÍTICA. 2007 - proposta de Educacao Infantil gestada e desenvolvida na regiao italiana denominada de Reggio Emilia; - mapear como se organizam e se expressam os discursos sobre a infância nos materiais associados a formação docente em “manuais de formação de professoras para a educação infantil”; - os efeitos produtivos do poder; - governamento da infância; - criança como um sujeito ativo, pensante, autoconfiante; Zabalza (1999) Foucault Ó (2003) Malaguzzi (1999) INTRODUÇÃO A criança é feita de cem... A criança tem cem linguagens (e depois cem cem cem) mas roubam-lhe noventa e nove. A escola e a cultura lhe separam a cabeça do corpo... Dizem-lhe enfim: Que o cem não existe. A criança diz: Ao contrário o cem existe. (Loris Malaguzzi) Desde a primeira vez que li o poema de Loris Malaguzzi, denominado “Ao Contrário, as cem existem” passei a olhar um pouco mais para dentro de mim, meus pensamentos, concepções e “verdades” que até então eu acreditava acerca das crianças e seus universos. Com isso minhas práticas também foram submetidas a um novo olhar, principalmente aquelas que tinha ao lado das crianças que convivem comigo diariamente no CEMEI (Centro Municipal de Educação Infantil) onde eu trabalho, com crianças de dois anos. Depois de confrontar-me, percebi que a verdadeira necessidade era que eu olhasse as crianças de outra forma, pois só assim passaria a conhecer e perceber essas suas cem linguagens. Era necessário olhar as crianças a partir da perspectiva delas, e não com os meus olhos de adulto, com as expectativas que eu tinha sobre elas. Com esse trecho do poema, faço um convite a todos aqueles que, professores ou não, convivem com as crianças, para que reflitamos sobre isso, pois elas podem nos encantar e ensinar (por que não?) com os seus cem modos de agir, pensar, de ser e conceber o mundo em que vivem. Penso que esta pesquisa traz contribuições significativas para pensarmos e refletirmos sobre essa questão – a infância e a criança. E por outro lado, ela vem também para embasar alguns conceitos e responder a determinadas questões que surgiram ao longo de minha graduação em Pedagogia, principalmente quando entrei em contato com a disciplina “Educação Infantil – a criança, a infância e as instituições”. 1 Com o objetivo de investigar as pesquisas que tratam da Infância e da Criança, tendo em vista a analise de uma categoria particular na área da Sociologia da Criança e da Infância – As culturas infantis, é primordial compreendermos a infância como uma construção histórica e social, sendo, portanto impróprio ou inadequado supor a existência de uma população infantil homogênea, pois o processo histórico nos faz perceber diferentes populações infantis com diferentes modos de socialização e com isto serão muitas as definições e manifestações que poderemos encontrar para infância; bem como, serão muitos os modos de vivenciar e experienciar a infância, para cada criança, dependendo da história, da geografia e da cultura em que vivem. Esta percepção é dada pela perspectiva recente da Sociologia da Criança e da Infância à medida que considera a criança como uma categoria social, responsável por uma movimentação na cultura. Em outras palavras, nesta perspectiva, as crianças são atores sociais. Deste modo, parece importante trazer a sociologia da criança e da infância como uma perspectiva que valoriza a criança pelo que ela é, e não pelo que ela será, que valoriza as crianças, contextualizando suas diferenças, e não apenas compreendendo-a como um corpo físico em desenvolvimento ou mesmo como uma fase da vida humana em desenvolvimento. É nesse sentido que ao longo de toda essa pesquisa, alicerçada por bases teóricas da sociologia da infância, aceito a oportunidade de romper com as abordagens clássicas da socialização e olhar as crianças como atores sociais em cada um dos contextos em que estão inseridas. É neste intuito que esta pesquisa está localizada de tal forma a contribuir, mesmo que de modo singelo, para a emergência e visibilidade desse novo campo de estudos no Brasil que é a sociologia da infância, que considera a infância como uma construção social específica, com uma cultura própria e que merece ser considerada nos seus traços peculiares. Como objetivo geral dessa pesquisa está a possibilidade de verificar e compreender como a temática da cultura da infância tem sido abordada nos últimos cinco anos, tendo como recorte o GT 7- educação infantil, da ANPED – Associação Nacional de Pesquisas 2 em Educação, trazendo elementos para compreender sua as linhas temáticas, seus conceitos operatórios, quem aborda e como aborda. Tendo como pressuposto as idéias apresentadas acima, farei um levantamento bibliográfico para embasar minhas questões e reflexões, que será desenvolvido em quatro capítulos teóricos estruturados da seguinte maneira: No primeiro capitulo tratarei da sociologia da criança e da infância, trazendo um histórico sobre esse campo de estudo e também alguns dos principais conceitos relacionados ao mesmo. No segundo capitulo farei uma discussão mais especifica acerca do meu foco de estudo – a cultura da criança e da infância, e quais procedimentos metodológicos foram utilizados nessa pesquisa. A Cultura da criança e da infância será abordada novamente na primeira parte do terceiro capitulo, sendo nesse momento localizada dentro do campo da educação. Ainda nesse terceiro capitulo farei o mapeamento dos trabalhos encontrados no Grupo de Trabalho nº 7 – educação infantil, da ANPED, entre os anos de 2003 e 2007, seguido por uma reflexão sobre as contribuições que todos esses trabalhos trazem ao campo da educação infantil. Para finalizar meu trabalho organizarei as considerações finais apresentando as conquistas, analises e conclusões que tive no decorrer deste levantamento bibliográfico que serviu de base para que este trabalho fosse desenvolvido. 3 CAPÍTULO 1 – SOCIOLOGIA DA CRIANÇA E DA INFÂNCIA Esse capítulo tem como proposta discutir um dos novos campos de estudos da sociologia – a criança e a infância. É nessa vertente que encontramos discussões acerca da evolução do conceito de criança e infância a partir de uma perspectiva sociológica, na qual tais conceitos são abordados de forma diferente daquela que estamos habituados a reconhecer em algumas abordagens mais tradicionais ou não da psicologia, pedagogia, história, da biologia e até mesmo da própria sociologia. As várias concepções em torno da criança que são propostas pelas áreas acima citadas a vêem geralmente como um vir a ser, ou ainda, como apenas um corpo físico em desenvolvimento, cujo amadurecimento depende de fases distintas e pré-determinadas. Normalmente nos deparamos com tais concepções que desconsideram que os significados atribuídos à criança dependem de aspectos históricos, culturais, políticos, geográficos, entre outros, e ainda não tornam relevante o fato de que essa mesma criança contribui para a formação desses aspectos e novos significados. Sirota (2001) escreve que os primeiros elementos de uma sociologia da infância surgem justamente por oposição a essa concepção da infância, a qual é considerada como um simples objeto passivo de uma socialização pré-determinada. Nessa busca por novas interpretações e respostas, a autora diz que “Não se trata aqui de simplesmente opor uma ideologia subjacente da proteção a uma ideologia da autodeterminação, mas trata-se de compreender aquilo que a criança faz de si e aquilo que se faz dela, e não simplesmente aquilo que as instituições inventam para ela.”(SIROTA, 2001, p. 28). Percebe-se que a autora traduz uma compreensão na qual a criança pode e deve ser ouvida e percebida, pois dessa maneira tornar-se-ia possível uma compreensão verdadeira e plausível acerca de suas construções e interações. É nesse sentido que a sociologia da criança e da infância procura tomar as crianças como o seu centro de interesse, a partir delas próprias e não simplesmente da sua dedução através dos quadros instituídos de que estão dependentes. Essa preocupação tem-se traduzido em modos diferentes de construir sociologicamente a infância, tanto do ponto de vista teórico como metodológico. 4 1.1 HISTÓRICO As primeiras discussões acerca dos vários aspectos que envolvem o processo de socialização da criança aconteceram no ano de 1990, quando os sociólogos da infância reuniram-se pela primeira vez no Congresso Mundial de Sociologia. A partir daí emergiram estudos que buscavam fundamentalmente identificar a presença da infância no desenvolvimento do pensamento sociológico. Se fizermos um levantamento de tais estudos, encontraremos as principais contribuições vindas de estudos da língua inglesa1 e francesa2, fazendo a discussão sobre o surgimento da sociologia da infância, numa perspectiva que recupera a discussão atual sobre a infância e vê a necessidade da construção dessa nova sociologia. Tais estudos e pesquisas nacionais e internacionais têm ainda como tema principal a criança e a infância, a partir desse novo ponto de vista proposto pela sociologia da criança e da infância já citados anteriormente. São estudos extremamente atuais e novos, pois até há pouco tempo (cerca de uma década) pouco se dizia acerca da infância e da criança como objetos de investigação próprios. Outros estudiosos do campo da sociologia da criança e da infância, como, por exemplo, Manuel Jacinto Sarmento (2004; 2005), Manuel Pinto (1997) e Jucirema Quinteiro (2002), trazem como tese principal o fato de que as crianças são sujeitos ativos e não meramente passivos ao participarem coletivamente na sociedade. Com isso, inicia-se uma proposta de estudar a criança e a infância reconhecendo a importância social e histórica pertencente a ambas. A criança é assim um ser capaz de ir além de uma socialização construída para ela através de outros ou de instituições. Ao passo que nos dispomos a conhecer realmente as crianças como atores sociais, vamos descobrindo essa sociologia da qual falamos: a sociologia da criança e da infância. Sirota (2001), uma referência nos estudos de língua francesa, inicia em seu trabalho o debate sobre a emergência de uma sociologia da infância e busca contemplar a evolução do objeto e das perspectivas de análise registradas nos anos 90. 1 2 Esses estudos são identificados principalmente por Cléopâtre Montadon (2001). Os estudos de língua francesa são abordados principalmente por Régine Sirota (2001). 5 Uma das primeiras rupturas que Sirota encontra ao analisar os estudos atuais sobre infância, é que os mesmos expressam claramente um afastamento da concepção de infância durkheimiana, pois “Trata-se de romper a cegueira das ciências sociais para acabar com o paradoxo da ausência das crianças na análise científica da dinâmica social com relação a seu ressurgimento nas práticas consumidoras e no imaginário social.” (p. 11) A emergência de uma sociologia da infância viria então a partir do desafio de tomar como referência a própria criança e suas especificidades, tendo como pressuposto uma nova perspectiva em relação a esse objeto de estudo. Para Montadon (2001), outra referência nos estudos sobre a sociologia da infância, mas agora em língua inglesa, perpassando todos os teóricos que se baseiam na sociologia da infância e partindo de uma perspectiva da infância como uma construção social especifica, com uma cultura própria e que por isso merece ser considerada em seus traços específicos. Em seu estudo, a autora diz que o interesse em se estudar as crianças não é atual, mas é somente a partir de 1980 que os pesquisadores da área vêm notando a oportunidade e a necessidade de efetuarem pesquisas com crianças a partir delas próprias, considerando o ponto de vista das mesmas. Ao traçarmos esse breve histórico acerca da sociologia da criança e da infância podemos ressaltar ainda o que diz os pesquisadores portugueses Pinto e Sarmento (1997) acerca desses estudos atuais que discutem a infância e as crianças. Para tais autores, esses estudos, principalmente a partir da década de 90, vão ultrapassar os campos tradicionais da medicina e da psicologia do desenvolvimento para considerar então o fenômeno social da infância. Vemos assim que a sociologia da criança e da infância vem sendo construída há pouco tempo, mas tais discussões já ganharam terreno nas publicações acadêmicas recentes através de pesquisas, artigos, livros etc. 6 1.2 ALGUNS CONCEITOS Diversos são os temas de estudo da Sociologia da criança e da infância, os quais abrangem, por exemplo: a Cultura da Criança e da Infância, a Educação Infantil, Diversidade, Espaços e Tempos da infância, Identidade Infantil, Imagem da criança e da infância, entre outros. Em relação a outros campos que estudam a criança e a infância, podemos dizer que essa sociologia vem nos trazer novas abordagens e estudos acerca das concepções que permeiam o universo infantil. Penso que para entendermos alguns dos principais conceitos que permeiam a criança como sujeito social, inevitavelmente temos que evidenciar aspectos acerca da infância, que no contexto desse trabalho é concebida e aceita como uma construção social histórica e dinâmica, que se altera ao longo da história da sociedade. Atualmente, a produção sobre a Educação Infantil vem considerando a infância como uma categoria social, graças inicialmente aos estudos do pesquisador francês Phillippe Áries (1981) que contribuiu para esta concepção. Para Ariès, a idéia da infância como um período característico de nossas vidas, não se trata de um sentimento natural ou inerente à condição humana, mas essa concepção e esse olhar diferenciado sobre a criança teria começado a se formar somente no fim da Idade Média, sendo inexistente até então. Em outras palavras, o autor aponta que o conceito ou a idéia que se tem da infância foi sendo historicamente construído e que a criança, por muito tempo, não foi vista como um ser em desenvolvimento, com características e necessidades próprias, e sim como um adulto em miniatura. A infância, enquanto categoria social, só teria emergido a partir de dois sentimentos constituídos no século XVII: a paparicação e a moralização. A paparicação é explicada como: “a criança, por sua ingenuidade, gentileza e graça, se tornava uma fonte de distração e de relaxamento para o adulto”(ARIÈS, 1981, p.100). Já o sentimento de moralização foi constituído pelos educadores e moralistas, sendo o controle parte essencial na educação das crianças. Para Áries, somente a partir daí encontram-se evidências que os adultos 7 “compreenderam a particularidade da infância e a importância tanto moral como social e metódica das crianças em instituições especiais, adaptadas a essas finalidades...” (ARIÈS, 1981, p. 193). Nesse sentido, a história da infância, que tem como um de seus principais pesquisadores, Phillippe Áries, traz a possibilidade de refletirmos sobre a forma como entendemos e nos relacionamos atualmente com as crianças. Com um olhar diferente de Áries, mas também dentro de uma abordagem histórica, o pesquisador brasileiro Moysés Kuhlmann Jr. (1998) procura pela infância em períodos anteriores aos citados por Áries e se contrapõe a indicação de que ela só teria aparecido na Idade Moderna: “O sentimento de infância não seria inexistente em tempos antigos ou na Idade Média, como estudos posteriores mostraram. Em livros escritos pelos historiadores Pierre Riché e Daniele Alexandre-Bidon (...), fartamente ilustrados com pinturas e objetos, arrolam-se os mais variados testemunhos da existência de um sentimento da especificidade da infância naquela época.” (KUHLMANN, 1998, p. 22) Esse cruzamento de olhares entre autores nos leva a pensar em outras perspectivas sobre a concepção de infância, e a buscar informações e conhecimentos acerca da criança e da infância que ao longo do tempo deixamos passar despercebidos. Especialmente nos estudos vinculados à Sociologia da Infância, como, por exemplo, o já citado estudo de Sirota (2001), podemos encontrar posicionamentos que superam a perspectiva de Áries, já que trazem a tona outros elementos, como os da sociologia, que corroboram esse debate sobre a infância. Em relação à concepção de infância, Sirota (2001) afirma que na sociologia geral e na sociologia da educação permaneceu por muito tempo a concepção de infância durkheimiana, na qual a criança é um vir a ser, sendo então considerada um ser futuro, uma pessoa em vias de formação, frágil e delicada. Já na perspectiva de Sarmento (2004), a infância e seus símbolos são construídos historicamente, sendo então concebida ao longo do tempo de maneiras diversas, mas promovendo sempre um conjunto de exclusões das crianças da vida em sociedade. Neste sentido, o autor aponta que, historicamente, a infância veio sempre promovendo um 8 conjunto de exclusões das crianças da vida em sociedade. Defendendo uma ação contrária a essa, diz que as crianças são também seres sociais, distribuídas em classes sociais, etnias, raça, gênero etc e por isso devemos atentar para a existência da diversidade dentro desse grupo. Considero importante compreender a infância como uma construção histórica e social, sendo, portanto inadequado afirmar a existência de uma população infantil homogênea, já que o processo histórico nos faz perceber diferentes populações infantis com processos diferentes de socialização e com isto serão muitas as definições que poderemos encontrar para infância, que por conseqüência modifica nossa própria percepção e nosso olhar em torno da criança e da infância. Sendo assim cada época profere seus discursos que revelam seus ideais e expectativas acerca das crianças. Sarmento (2005) analisa a infância à luz de construtos teóricos como Geração e Alteridade, pois a partir deles há possibilidade de desvendarmos tanto o que as crianças realmente têm a nos dizer, enquanto adultos, como também fazer com que entendamos como tais conceitos corroboram a condição de existência da criança e da infância ao longo dos tempos. A Geração é encarada como uma categoria estrutural relevante quando nos propomos a analisar os processos de estratificação social e construção das relações sociais. Sarmento diz que é fundamental o resgate desse conceito quando objetivamos olhar e entender as infâncias, pois “o conceito de geração não só nos permite distinguir o que separa e o que une, nos planos estrutural e simbólico, as crianças dos adultos, como as variações dinâmicas que nas relações entre crianças e entre crianças e adultos vai sendo historicamente produzido e elaborado.” (SARMENTO, 2005, p. 366) Sobre o conceito de Alteridade é uma mudança de perspectiva dos estudos da criança, mais especificamente no campo da sociologia, na qual as infâncias e as crianças podem e devem ser estudadas pelo valor que têm em si mesmas, e não indiretamente ou passivamente através de outras categorias da sociedade, como a família ou a escola. 9 Sarmento e Pinto (1997) têm publicações conjuntas sobre o tema da sociologia da criança e da infância, evidentemente por concordarem em muitos aspectos, dentre os quais podemos citar o da diversidade de infâncias e culturas infantis. Ambos os autores, ao coordenarem o livro “As crianças: contextos e identidades” buscavam, sobretudo, discutir alguns dos principais conceitos que permeiam a sociologia da criança e da infância. Dentre esses conceitos trabalhados pelos autores, estão: as “idades da infância”, a questão dos direitos, as culturas da infância, os fatores de homogeneidade e de heterogeneidade, e a possibilidade de conhecermos as crianças a partir delas mesmas. Os autores afirmam que a interpretação das culturas infantis “não pode ser realizada no vazio social, e necessita de se sustentar na análise das condições sociais em que as crianças vivem, interagem e dão sentido ao que fazem” (PINTO e SARMENTO, 1997, p.22). Para Pinto (1997), essa nova preocupação com a infância exige uma análise crítica das imagens criadas sobre as crianças nos discursos e nas práticas sociais, para que se possa desconstruir o conceito de infância universal, natural e homogêneo. Segundo o autor, devemos considerar as inúmeras variáveis que interferem em sua configuração, como por exemplo, fatores econômicos, sociais, culturais, lúdicos etc. Nesse mesmo sentido, Sarmento (2004) vem afirmar que a infância enquanto categoria social é uma idéia moderna; e em seus textos o autor tem buscado evidenciar a presença de uma diversidade de infâncias, recusando uma concepção uniformizadora: “as crianças são também seres sociais e, como tais, distribuem-se pelos diversos modos de estratificação social: a classe social, a etnia a que pertencem, a raça, o gênero, a região do globo onde vivem. Os diferentes espaços estruturais diferenciam profundamente as crianças” (SARMENTO, 2004, p.10). Quando pensamos em olhar a criança e a infância sob esse viés da diversidade, temos que considerar dois pontos fundamentais: o primeiro ponto é que as crianças de hoje vivem em contextos sociais diferentes daqueles vividos no passado; isso não quer dizer que as crianças do passado não viviam em um contexto heterogêneo e não apresentavam seus modos particulares de serem, mas o fato é que somente nos dias atuais é que avançamos em considerá-lo como tal e conceber as crianças como sujeitos da diversidade. Devido a isso 10 inevitavelmente existe diversidade entre infâncias; um segundo ponto é que nas concepções contemporâneas, a criança e a infância são concebidas também de maneira diferente e inovadora, agora como sujeitos culturais, históricos e de conhecimentos. Reconhece-se, portanto a criança como protagonista de sua própria vida, agente e produto da vida social. Ao longo dessa pesquisa que me disponho a realizar, vejo então a oportunidade de compreender que crianças são essas, o que elas têm em comum, o que partilham entre si em várias regiões e em outros países e o que as distingue umas das outras. Vejo que é preciso romper com as representações hegemônicas existentes até então, pois as crianças se diferenciam umas das outras nos tempos, nos espaços, nas diversas formas de socialização, no tempo de escolarização, nos trabalhos, nos tipos de brincadeiras, nos gostos, enfim, nos modos de ser e estar no mundo. Por isso podemos concordar que existem inúmeras culturas e infâncias e não uma única. Penso que a cultura da infância, enquanto categoria estudada pela sociologia da criança e da infância, é um tema que contribui significativamente para discutirmos tais conceitos acima citados e refletirmos acerca de novas abordagens e concepções, já que traz idéias para pensarmos as crianças, a educação e as infâncias dessa forma “diferenciada”3, como proposta por alguns autores já citados, como Sarmento, Pinto e Sirota. Cabe ressaltar aqui que tomarei essa categoria, a cultura da criança e da infância, como foco nos trabalhos que irei analisar. 3 A forma diferenciada pela qual as culturas da criança e da infância podem ser interpretadas se dá através da questão da diversidade – um eixo central para essa discussão. 11 CAPÍTULO 2 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A questão inicial que originou este trabalho foi a preocupação em torno de quais conceitos de “criança” e “infância” estavam sendo veiculados nas pesquisas educacionais, e a partir dessa questão surgiram outras a ela relacionadas: O que se fala? Quem fala? Para quem, como e por quê? Com essa pesquisa há a possibilidade de adentrar no campo das disputas teóricas atuais, identificando quais são os principais interlocutores de cada autor, com quem se concorda e de quem se discorda, o que se quer afirmar e o que se quer negar quando se pensa em infância, criança e culturas infantis. No que diz respeito a referências teóricas, busco apresentar nessa pesquisa o campo de estudos da Sociologia da Infância, que toma a criança como uma construção social específica, que tem cultura própria e merece ser considerada nos seus traços peculiares. Do ponto de vista metodológico, a presente investigação tem como proposta uma pesquisa bibliográfica, constituída pela leitura e análise de trabalhos publicados no Grupo de Trabalho nº 7 – Educação da criança de zero a seis anos – da ANPED (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação) entre os anos de 2003 e 2007. Diante disso, a utilização do conceito de cultura da infância enquanto um conceito analítico para se analisar os dados da pesquisa se faz necessário, pois a questão inicial que originou este trabalho foi a preocupação em torno de quais conceitos de “criança” e “infância” estavam sendo veiculados nas pesquisas educacionais, e a partir dessa questão surgiram outras a ela relacionadas: O que se fala? Quem fala? Para quem, como e por quê? Para atender aos objetivos da pesquisa, foram formulados os procedimentos metodológicos que discutirei logo abaixo. Desde o início da pesquisa, ainda quando buscava entender e localizar a temática por mim escolhida, a cultura da criança e da infância, fiz leituras iniciais que me acompanharam durante a pesquisa. Foram autores como Manuel Jacinto Sarmento (2004; 2005) e Régine Sirota (2001) que me deram suporte teórico para entender outros conceitos e abordagens que eu encontraria posteriormente com a leitura dos trabalhos. Em uma das primeiras visitas ao site, encontrei um trabalho de Andréa Alzira de Moraes que em alguns pontos assemelhava-se à pesquisa que eu me propusera a realizar. 12 MORAES utilizou direcionamentos metodológicos semelhantes aos planejados para essa minha pesquisa. A autora, em sua pesquisa, investigava as concepções de criança e infância divulgadas nas produções acadêmicas recentes, também dentro de um recorte temporal (1997-2002). Assim como Moraes, eu busquei desvelar ao longo da pesquisa, as discussões que abordam temas como a sociologia da criança e da infância; a cultura da infância; e os significados atribuídos, sempre tomando como eixo condutor a criança e seu universo próprio: as culturas infantis. Para facilitar a busca por trabalhos que eram condizentes à temática por mim pesquisada, me orientei por algumas palavras-chaves: sociologia da criança e da infância, e cultura da infância. Porém, fui percebendo que selecionar trabalhos somente a partir de suas palavras-chave não era suficiente para contemplar todos aqueles que de alguma forma abordavam a questão da cultura da criança e da infância, já que alguns autores tratavam do tema de forma paralela em seus trabalhos, mas a discussão não deixava de existir. Num momento posterior, passei a ler os trabalhos na íntegra, para detectar a presença da temática Cultura da infância nas discussões propostas pelos autores e autoras. Ao passo que os textos eram encontrados, fez-se necessária a formulação de algumas perguntas norteadoras, as quais acompanharam-me durante o percurso dessa pesquisa e das leituras. São elas: O que se diz em pesquisas atuais sobre a/as cultura/s da infância? Quais são as concepções existentes? Quais os autores que abordam esse tema? Como abordam? Qual a concepção de criança e de infância apresentadas pelos (as) autores (as)? Para facilitar o processo de organização metodológica, utilizei-me de uma tabela4 estruturada com os elementos principais que deveriam ser identificados a partir da leitura dos textos. Esses elementos compreendiam: nome do autor (a), discussão proposta, principais conceitos trabalhados, bases teóricas (autores citados). Todos os textos lidos, num total de dezessete, foram submetidos a essa análise e organização. Esse processo facilitou consideravelmente o procedimento posterior da pesquisa, o qual consistia numa reflexão sobre os dados obtidos e no encontro das respostas que eu buscava no inicio dessa pesquisa. 4 A tabela utilizada nessa organização metodológica encontra-se no Anexo 1. 13 CAPITULO 3 – CULTURA DA INFÂNCIA A idéia de culturas infantis, como já dito anteriormente, está relacionada a um conceito trazido pela sociologia da infância e que nos possibilita reconhecer nas crianças a possibilidade que cada uma tem, inseridas em determinados contextos, de produzir uma cultura própria que é permeada por modos específicos que a criança tem de manifestar-se ou não, atribuindo significados diversos, pensamentos, desejos, e por isso, ser um sujeito ativo nas relações sociais e históricas. Ao longo da pesquisa pude perceber de que forma cada autor define as culturas infantis ou a cultura infantil, se as têm como ponto central em seus trabalhos e/ou as relacionam com outros conceitos e contextos que permeiam o universo infantil. Como dito anteriormente, concordo que as culturas infantis são e devem ser plurais, pois estando a elas atreladas contextos sócio-culturais mais amplos que estritamente o da infância (Pinto e Sarmento, 1997), não podemos concluir que basta ser criança para produzir "uma cultura infantil". Diferentes culturas apresentam diferenças particulares, relacionadas a gênero, classe, etnia e história, que nos permitem reconhecer que a infância não é uma categoria universal. Contudo, podemos destacar que diferentes culturas determinam diferentes formas de ser e pensar a infância, permitindo concluir que há culturas infantis e que estas devem ser escritas também no plural. Nesse sentido Sarmento escreve que, “As crianças, finalmente, possuem modos diferenciados de interpretação do mundo e de simbolização do real, que são constitutivos das ‘culturas da infância’, as quais se caracterizam pela articulação complexa de modos e formas de racionalidade e de ação” (Sarmento, 2005, p. 371). Segundo Sarmento (1997) pouco se sabe da cultura infantil porque pouco se ouve e pouco se pergunta às crianças. Por isso, de acordo com o sociólogo, encontramos na pesquisa etnográfica uma possível saída para tais questões. O conceito de cultura se torna complexo quando entendemos que “a linguagem não é toda a cultura, senão uma das formas pelas quais ela se expressa.” (GUSMÃO, 1999, p. 44 apud QUINTEIRO, 2002). Em outras palavras, Quinteiro (2002) diz que podemos 14 entender a cultura como estruturante do cotidiano de todo grupo social, que se expressa em modos de agir, pensar, relacionar, interpretar e atribuir sentido ao mundo e às coisas. Ao concebermos o conceito de cultura dentro dessa abordagem proposta, inevitavelmente assumimos que as crianças, com seus modos diferenciados de se expressarem, se relacionarem, e até mesmo de reagirem diante do mundo e no mundo revelam que cada uma delas são dotadas de cultura, e uma cultura própria, que engloba tais modos tão diversos do mundo adulto. Antes de tratar dos dados obtidos com essa pesquisa, penso ser relevante fazer um breve histórico da ANPED, uma associação de muita importância para o meio acadêmico e que veio trazer contribuições fundamentais para essa pesquisa que me dispus a realizar. Um breve histórico A ANPED foi fundada em 1976 com a finalidade de buscar o desenvolvimento e a consolidação do ensino de pós-graduação e da pesquisa na área da Educação no Brasil. Ao longo dos anos, essa Associação tem se projetado nacional e internacionalmente, como um importante fórum de debates das questões científicas e políticas da área, tendo se tornado uma referência para acompanhamento da produção brasileira no campo educacional. Os Grupos de Trabalho (G.T.) que fazem parte dessa Associação congregam pesquisadores interessados em determinadas áreas de conhecimento da educação, como por exemplo, Filosofia da Educação, História da Educação, Didática, Formação de professores, Educação especial, entre outros. O Grupo de Trabalho escolhido para alicerçar essa pesquisa tem como temática de estudo a “Educação da criança de zero a seis anos”, no qual encontramos trabalhos que abordam conceitos como a criança, a infância, a educação infantil e outras temáticas relacionadas. Traçando um breve histórico a respeito desse grupo de trabalho, é relevante dizer que a inclusão da educação infantil como um G.T. da ANPED aconteceu somente em 1981, expressando o intenso movimento de discussões sobre as políticas sociais e educacionais que marcaram aquela década. Inicialmente ele foi fundado como G.T. de Educação Pré- 15 escolar, e mais tarde, em 1988, decidiu-se pela atual denominação do grupo: Educação da criança de zero a seis anos, considerada mais abrangente e mais adequada aos direitos constitucionais que acabavam de serem conquistados. 3.1 OS TRABALHOS ENCONTRADOS – ANÁLISE DAS PRODUÇÕES ACADÊMICAS PUBLICADAS NO GT7 DA ANPED ENTRE OS ANOS DE 2003 E 2007 Ao longo desses cinco anos de produções acadêmicas que se relacionam ao tema do GT nº 7 – Educação da criança de zero a seis anos, pude constatar que são diversas as áreas concernentes a essa temática e dentre elas estavam vários trabalhos que abordavam e discutiam o conceito de Cultura(s) da criança e da infância. A quantidade de trabalhos5 publicados em cada um dos anos pesquisados se modificou consideravelmente, principalmente se tomarmos como referência os anos de 2003 e 2005, já que o numero de trabalhos publicados nesse primeiro ano dobrou em 2005, passando de dez trabalhos para vinte. No ano de 2003, como já dito, foram publicados dez trabalhos; em 2004 foram onze; em 2005 totalizaram-se vinte trabalhos; em 2006 vinte e duas publicações; e no ultimo ano pesquisado, 2007, encontramos dezoito trabalhos. Como já dito anteriormente, no capitulo sobre os procedimentos metodológicos, foi necessária então uma leitura de tais trabalhos para que pudéssemos então identificar quais deles tratavam do conceito Cultura(s) da criança e da infância. Com essa leitura, vimos que ao longo dos cinco anos surgem discussões sobre temas como: Legislação educacional brasileira para a educação infantil, identidade e cotidiano da educação infantil, professores(as) de educação infantil, políticas públicas para a educação infantil, os aspectos do cuidar e do educar, gestão da educação infantil, e as culturas infantis/da infância. Se tomarmos então como referência somente os trabalhos que dialogam com a temática da cultura da criança e da infância, que é o foco dessa pesquisa, a quantidade de 5 Os trabalhos que aqui faço referencia são todos aqueles que se encontram publicados no GT nº 7, independentemente da temática que abordam. 16 trabalhos diminui consideravelmente, passando a ser de três em 2003, quatro em 2004, cinco trabalhos em 2005, três em 2006 e dois trabalhos em 2007. Totalizando assim dezessete trabalhos que foram submetidos a uma análise mais detalhada, buscando temas, abordagens e conceitos relacionados ao tema dessa pesquisa: as culturas da infância. Logo abaixo faço uma síntese dos trabalhos encontrados, evidenciando as discussões propostas por cada autor, bem como os conceitos e abordagens encontrados em cada um dos trabalhos que se relacionam à temática dessa pesquisa. 2003 Fernanda Muller (2003) em seu trabalho intitulado “Infâncias nas vozes das crianças: culturas infantis, trabalho e resistência”, propõe uma discussão acerca das manifestações infantis, as quais, segunda ela, são compostas pelo trabalho, cultura e resistência. Tendo a visão de que cada uma distingue a infância da idade adulta e evidencia o que é especifico da infância. A autora identificou, na fala das próprias crianças, que se tornou comum chamar de trabalho a toda e qualquer forma de expressão gráfica ou plástica realizada pelas crianças, especialmente na escola. Mas ela critica essa idéia de que a atividade escolar da criança possa ser considerada trabalho em nome de esse status ser reconhecido. Sobre os processos de resistência das crianças, Muller diz que acontecem com relação às propostas e imposições da professora em vários momentos observados, são eles: “A resistência em ficar calado/a, sentado/a e eternamente obediente mostra que algumas crianças romperam com o pacto inicial: a aceitação ao que lhes era imposto de forma arbitrária. Mesmo sendo a desobediência e o rompimento das regras entendidos pelas próprias crianças como incorretos, nos momentos tão opressores como a roda, essa situação se reverte quando todas se permitem viver sua infância: conversando, rindo, desejando pegar o animal impossível colocar vinte e cinco crianças a cheirar a parede.” (p. 14) Discutindo quase que simultaneamente os conceitos acima, a autora também trabalha em torno de conceitos como a Categoria de infância plural e Cultura infantil, sendo 17 esta “constituída por elementos aceitos da cultura do adulto e por elementos elaborados pelos próprios imaturos” (FERNANDES, 1961, p. 174, apud MULLER, 2003). Por vários momentos em seu texto faz referencias a autores como Pinto e Sarmento (1997), principalmente em discussões sobre o enfoque dado a criança, que é então concebida como ator social, sujeito de direitos, e não são meras receptoras de cultura. Barbosa (2003) apresentou nesse mesmo ano um trabalho intitulado “Corre, vai, vai mais uma vez! Um estudo exploratório sobre o espaço e o tempo da brincadeira de crianças em um shopping”. Nele a autora teve a idéia de observar as crianças em espaços que fossem planejados para elas, e buscando um local de fácil acesso e público para a pesquisa, finalmente escolheu um shopping. A visão da infância apresentada por essa autora é como uma construção social, entendendo as crianças enquanto atores sociais de pleno direito. Nesse sentido a autora concorda com Sarmento e Pinto (1997) quando dizem que isso “implica o reconhecimento da capacidade de produção simbólica por parte das crianças e a constituição das suas representações e crenças em sistemas organizados, isto é, em culturas” (Sarmento e Pinto, 1997, p. 20 apud Barbosa, 2003). Em outras palavras, a autora afirma que não podemos ver a criança sozinha, isolada desse contexto, pois é nele e a partir das interações que a criança faz, dos sentidos que produz, que poderemos interpretar as suas produções culturais. Costa (2003) escreve “Jogo simbólico, discurso e escola: uma leitura dialógica do lúdico”, no qual a temática do lúdico comparece nesse estudo concebendo-o como uma prática discursiva, cuja análise explicita o processo de apropriação das significações culturais circulantes no contexto social no qual a criança está integrada. A concepção da autora sobre a criança é de um sujeito que tem algo a nos dizer, e como tal impõe uma inversão no olhar que lançamos sobre ela. Para corroborar seu ponto de vista acerca da criança e da infância, a autora utiliza os estudos de Larrosa, que diz: ...a infância é o outro: o que, sempre muito além do que qualquer tentativa de captura, inquieta a segurança de nossos saberes, que questiona o poder de nossas práticas e abre um vazio no qual se abisma o edifício bem construído de nossas instituições de acolhida. (...) À medida que encarna a aparição da alteridade, a infância não é nunca o que sabemos (é o outro de nossos saberes), mas igualmente é portadora de uma verdade diante da qual 18 devemos colocar-nos em posição de escuta; não é nunca a presa de nosso poder (é o outro que não pode ser submetido), mas, ao mesmo tempo, requer nossa iniciativa; não está nunca no lugar que lhe damos (é o outro que não pode ser abarcado), mas devemos abrir um lugar que a receba (Larrosa, J. 1998, P. 59 apud Costa, 2003). Já na análise dos dados, Costa utiliza o aporte da lingüística da enunciação na vertente bakhtiniana, a abordagem socioantropológica do jogo e da psicologia do desenvolvimento na vertente sócio-histórica e Winnicottiana. Diz a autora que “O interesse por essas questões se justifica porque a brincadeira circunscreve um âmbito de atividade definido por um contexto social ao mesmo tempo em que se relaciona, de um modo muito particular, com o mundo interno infantil. Neste sentido, enquanto prática cultural, o seu estudo pode fornecer pistas para a compreensão do universo infantil e sua educação.” (p. 5) 2004 Muller, autora já citada acima, traz no ano de 2004 um outro trabalho6 que abrange também a temática das culturas infantis, tentando responder agora perguntas como: De que forma a produção de culturas infantis aparece na cidade? e, Como as crianças interpretam os espaços [educadores] da cidade? Nessa discussão, Muller trabalha em torno de conceitos como Cidade Educadora, Infância como categoria social, e concebe a criança como agente ativo que constrói sua cultura e contribui na produção do mundo adulto. Novamente a autora faz algumas referencias a Florestan Fernandes (1961) em seu trabalho, assim como a Áries (1981), Corsaro (1997), Pinto e Sarmento (1997). É na cidade de Porto Alegre que a autora desenvolve essa sua pesquisa. Essa cidade traz uma proposta educativa inspirada no Projeto Educativo de Barcelona, fundamentandose assim na idéia de “cidade educadora”. A cidade é considerada “educadora” a partir do pensamento de Vintró (2003) que faz essa definição por considerar a cidade como um dos vários agentes educativos que fazem parte da educação humana, e dessa forma desconsidera-se que esse papel seja exclusivamente da escola. Nesse sentido, a autora busca 6 “Culturas infantis na cidade: aproximações e desafios para a pesquisa” 19 desvelar como as crianças interpretam essa relação educativa existente na cidade em si, e de que forma essas crianças interagem com essa cidade, tomando como referencia suas produções culturais próprias. Para o desenvolvimento de sua pesquisa, a autora busca procedimentos metodológicos que considerem a criança como atores sociais plenos, como define Sarmento e Pinto (1997), e que se manifestam dentro desse emaranhado de relações que se constituem em vários segmentos da cidade. Quando Muller discute as culturas infantis, ela traz principalmente os estudos de Corsaro (1997) para alicerçar seus posicionamentos, o qual define culturas infantis "como um conjunto estável de atividades ou rotinas, artefatos, valores ou preocupações que crianças produzem e compartilham em interação com pares".(CORSARO, 1997, p. 95 apud MULLER, 2004) Martins Filho7 busca, através de uma orientação etnográfica, conhecer, descrever e analisar as dinâmicas das relações que as crianças estabelecem umas com as outras no espaço-tempo em que convivem no interior das instituições de educação infantil. Esse autor tem também uma concepção de infância segundo a qual, a criança é vista como sujeito de direitos numa dimensão histórica, educacional, social e cultural, e nesse sentido ele busca em sua pesquisa adotar o ponto de vista das crianças ou estudá-las por seu próprio mérito. Quando o autor se propõe a investigar as crianças por meio de suas produções culturais, ele busca na Sociologia da Infância um aporte teórico. E dessa forma, diz ele que busca trilhar caminhos em sua pesquisa como aqueles que tem sido apontados por autores como Montandon (2001); Sarmento (1997, 2000); Sirota (2001); Ferreira (2002), como sendo a busca por um novo paradigma para o estudo da infância. Sobre esse novo paradigma, Martins Filho diz que: “...tem como base a mudança de uma perspectiva que enfatizava a lógica da reprodução social8 que colocava as crianças no papel de destinatários das políticas educativas e das práticas pedagógicas centradas nos adultos, para uma outra perspectiva, que considera a categoria social infância como susceptível de ser analisada em si 7 FILHO, Altino José Martins. A vez das crianças: um estudo sobre as culturas da infância no cotidiano da creche. 8 Essa perspectiva da reprodução social é identificada nos Estudos de Émile Durkheim. 20 mesma, que interpreta as crianças nas suas múltiplas relações simbólicas estabelecidas entre si e com os adultos.” (p. 3) Quando Martins Filho inicia sua discussão sobre as culturas da infância, diz ele primeiramente que é fundamental que tenhamos uma concepção de criança para além da perspectiva desenvolvimentista. Isso porque, segundo os estudos de Pinto e Sarmento (1997), o conceito de infância, retratado pela psicologia desenvolvimentista, está longe de corresponder a uma categoria universal, natural e homogênea. Para o autor as culturas da infância possuem dimensões relacionais diversas: “...face às ações das crianças, e permitem pensar que elas, dependem dos atributos partilhados com o meio social e cultural que estão convivendo, eles é que vão fornecer, os elementos que irão estruturar suas vidas sociais, capacitando as crianças à construírem significados próprios e, contudo, habilitando-as à tornarem-se atores sociais e culturais.” (p. 3) Cruz em seu texto “Ouvindo Crianças: considerações sobre o desejo de captar a perspectiva da criança acerca da sua experiência educativa” propõe uma discussão acerca de possíveis metodologias que procuram captar o ponto de vista das crianças, tentando sobretudo compreender como as crianças percebem a realidade em que estão inseridas, no caso uma escola e uma creche. Fátima Vasconcelos9, a partir das práticas lúdicas, busca em seu trabalho refletir sobre o processo de constituição da criança no cenário da cultura contemporânea. Para a autora, “...a experiência social da criança, à medida que o capital se complexifica, passa de uma cultura de transmissão espontânea e oral entre adultos e crianças, mas também entre crianças, para uma cultura cada vez mais mediada por agenciamentos mercadológicos.” (p. 2) Vendo o lúdico em seu aspecto cultural, Vasconcelos se referencia em Benjamim (1984) para dizer que o brinquedo e o brincar estão associados e documentam como o adulto se coloca em relação ao mundo da criança. 9 “Bonecas: objeto de conflito identitário na arena da dominação cultural”. 21 A autora diz que certamente a lógica do capital vem impondo um processo de expropriação da cultura lúdica infantil, caracterizada pela pedagogização do lúdico e pela mercantilização do brincar. Para a autora essa mudança nada mais é do que a imposição de uma outra cultura (adulta) sobre a criança, tentando reformular suas criações e significações. Em suas palavras, Vasconcelos diz: “Enquanto os [brinquedos] que são produzidos pela imaginação da criança refletem a sua leitura do mundo (a cultura lúdica infantil), aqueles industrializados refletem as projeções dos valores da cultura adulta (cultura lúdica adulta) endereçados ao mundo infantil.” (p. 3) 2005 No trabalho intitulado “Abordagens etnográficas nas pesquisas com crianças e suas culturas”, Delgado e Muller discutem a tentativa de conectar os estudos das infâncias na sociologia e na antropologia com vistas a discutir a pesquisa etnográfica com crianças. Nessa discussão, as autoras trazem um conceito de cultura proposto por Geertz (1989) como sendo de fundamental importância para que compreendamos principalmente a Etnografia. Esse autor no qual Muller e Delgado embasam sua pesquisa, não trata especificamente acerca da cultura da infância, mas defende uma concepção na qual a cultura não é simplesmente costumes, usos, tradições, hábitos, mas sim um conjunto de mecanismos de controle (planos, receitas, regras, instruções para governar o comportamento) e ainda enfatiza que o homem depende de tais mecanismos de controle, de tais programas culturais para ordenar seu comportamento. Fazendo referência a Sarmento (2005) principalmente, as autoras discutem alguns conceitos como os de Diversidade, Alteridade, e finalmente o de Cultura, tratando mais especificamente das culturas da infância, os quais são para elas muito importantes quando nos propomos a discutir a infância. No que diz respeito à diversidade, Muller e Delgado dizem que não podemos tratar a infância como um grupo homogêneo, já que ela é marcada pela heterogeneidade e diversidade de condições de existência. A alteridade é definida como “um fosso entre o que 22 se é e aquilo que os outros são, principalmente quando o outro tem uma diferença radical” (p. 5), por isso temos que considerar a possibilidade de construção de um conhecimento que não reduza o outro nem seus significados, por mais diferentes que sejam dos nossos. Dentro de um conceito mais amplo, as autoras concebem a cultura como sendo sistemas simbólicos organizados, ou seja, conjuntos articulados relativamente estáveis de idéias, normas de comportamento. Quando abordam a categoria Cultura da infância, dizem que: “...são sistemas simbólicos distintos dos demais, com um recorte geracional que mantém cruzamentos com recortes de classe, gênero, raça, entre outros”(p.5). E nessa discussão acerca das culturas da infância que é o foco dessa minha pesquisa, Muller e Delgado expõem os quatro pilares das culturas da infância propostos por Sarmento (2004;2005): a Interação; a Reiteração; a Ludicidade e a Fantasia. A Interação é nas culturas da infância se dá através do fato das mesmas serem, assim como as culturas populares, de autoria coletiva, ou seja, todos participam de sua formação; a Reiteração diz respeito ao princípio da repetição e da réplica, os quais estão presentes constantemente no universo infantil e relaciona-se intimamente com o controle do tempo; a Ludicidade e a Fantasia talvez possam estar mais diretamente ligadas entre si, pois através delas há a possibilidade de experimentar outras vivências e fazer articulação entre as culturas da infância e as dos adultos. Santos10 em seu trabalho faz uma discussão acerca das apropriações e usos dos conceitos de “identidade(s)” e “cultura(s)” que estão sendo feitos nos estudos sobre a educação da criança ou da infância, dentre aqueles publicados na ANPED dentro do Grupo de Trabalho nº 7 – Educação da criança de 0 a 6 anos, se perguntando quais seriam os significados e fundamentos teóricos implícitos nos conceitos de “cultura(s) infantil(is)” e “identidade(s) infantil(is)”. A autora usa de uma metodologia muito parecida a esta que eu me propus a fazer com minha pesquisa, mas sua questão de pesquisa abrange mais especificamente os 10 SANTOS, Solange Estanislau dos. Culturas infantis e Saberes: Caminhos recompostos. 23 conceitos de “identidade(s)” e “cultura(s)” que se relacionam aos conceitos de “criança” e “infância”. Santos identificou com sua pesquisa que recentemente emergem vários estudos relacionados à temática da “cultura infantil” e entre esses estudos ela destaca alguns autores principais: Faria et al. (2002); Kramer, Leite (1998); Sarmento (2002, 2003); Cerisara (2002); Rocha (1999); Quinteiro (2002). De maneira particular a autora cita Sarmento (2003), já que esse autor traz uma discussão importante sobre a temática das culturas infantis, ao afirmar que para se estudar as culturas da infância, é preciso interpretar a sua autonomia em relação aos adultos. “...seria desajustado compreender as culturas da infância desligadas das interacções com o mundo dos adultos, essas culturas transportam as marcas dos tempos, exprimem a sociedade e suas contradições, nos seus estratos e na sua complexidade [...] realizamse freqüentemente por oposição e numa atitude de contraponto crítico ao projecto educacional.” (SARMENTO, 2003 apud SANTOS, 2005). Santos pôde constatar com sua pesquisa que a incidência do uso dos conceitos “culturas infantis” e “identidades infantis”, nos estudos apresentados na ANPED, fazem parte de um debate e de um movimento teórico mais amplo que perpassa os vários campos do saber no mundo contemporâneo. Daniela Finco em seu trabalho intitulado “Educação Infantil, Gênero e Brincadeiras: das naturalidades as transgressões”, teve como principal objetivo observar as brincadeiras de meninos e meninas, analisando o modo como se relacionam e se manifestam culturalmente frente às questões de gênero. Quando a autora discute o conceito de criança, ela faz referência a Sirota (2001), dizendo que as crianças, meninos e meninas, vêm participando das transformações em nossa sociedade, como portadores de história, como atores dos processos sociais, reproduzindo e produzindo a cultura. Nesse sentido, nota-se que a concepção de infância que permeia seu estudo se opõe à concepção da criança considerada como um simples objeto passivo de uma socialização regida por instituições. São justamente esses princípios que dão base aos elementos da Sociologia da Infância. 24 Para captar verdadeiramente as produções culturais das crianças e em quais condições se dão, a autora usou de procedimentos metodológicos adequados, dentro dos quais primeiramente há a necessidade de considerar como a criança pensa e concebe o mundo, como representa o seu próprio universo. Para isso, Finco considera diversos elementos expressivos da criança: “Baseando-me numa concepção que procura não reduzir a capacidade de expressão das crianças somente à fala, mas de se estar atento aos gestos, movimentos, emoções, sorrisos, choros, silêncio, olhares, linguagens sonoras e outras linguagens - assim como mostram as experiências italianas no campo da educação infantil” (Prado, 1999, p.111 apud FINCO, 2005, p. 3). Foi na brincadeira das crianças que a autora encontrou uma de suas formas de expressão, sendo essa a forma como elas se manifestam culturalmente. Ainda nesse ano Deise Arenhart publicou um trabalho intitulado “A educação da infância no MST: O olhar das crianças sobre uma pedagogia em movimento”. Em seu estudo, a autora busca destacar a relação que as crianças estabelecem com o processo educativo idealizado pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), se justificando pela necessidade de dar coerência a uma concepção que reconhece as crianças como atores sociais e, portanto, as mais capazes de nos fornecer informações no que concerne a elas próprias (SARMENTO e PINTO, 1997; LANSTED, 1991). Considerações básicas para a autora: a primeira consideração refere-se à concepção de que as crianças são agentes ativos na construção da cultura; a segunda consideração é que as crianças, levadas pelo fato de se reconhecerem como um grupo subordinado aos saberes e domínios dos adultos, geralmente não dizem aquilo que realmente pensam ou sentem, mas aquilo que elas pressupõem que nós adultos queremos ouvir. Por isso a autora determinou duas maneiras de aproximação com as crianças da pesquisa: uma denominada significações e outra denominada produções. Para a autora, as significações são aquilo que as crianças dizem, ou seja, os significados que as crianças atribuem por meio de sua fala aos elementos em torno dos quais são questionadas. Produções é tudo aquilo que as crianças expressam em suas ações, são os modos com que realizam determinadas atividades. 25 Para a autora essas formas de aproximação das crianças possibilitaria um encontro mais real e verdadeiro com o que as crianças realmente pensam a respeito de algo, já que não se consideraria somente suas falas, mas também diversas outras manifestações infantis. Ao falar sobre a socialização infantil, Arenhart alicerça-se nos estudos de Corsaro (2002), nos quais se encontra a tese da “reprodução interpretativa” que considera as crianças como: “sujeitos e agentes ativos na construção da cultura, no lugar de assimilar passivamente conteúdos, crenças, valores, costumes, etc., as crianças os resignificam e os transformam, contribuindo assim para as mudanças das formas sociais. Assim, ao mesmo tempo em que as crianças se apropriam da cultura estabelecida em seu meio, elaboram também uma interpretação da mesma.” (p. 8) Justamente nesse sentido é que a autora pôde constatar com sua pesquisa que as crianças ao mesmo tempo em que são frutos de um contexto social mais amplo, e também de um contexto específico no qual se inserem, que no caso era o do MST, as crianças também subvertem certas estruturas sociais e expressam nelas seu modo infantil de ser, pensar, sentir e produzir a vida. Núbia de Oliveira Santos em seu trabalho “O consumo nas práticas culturais infantis: crianças e adultos no contexto de uma escola pública” traz um estudo sobre as diferentes formas de inserção da criança na cultura do consumo, partindo da observação das suas práticas culturais entre si e com os adultos. A autora, logo no inicio de seu trabalho, já faz discussões acerca da cultura infantil, formulando questões como: Existe uma cultura infantil ou uma cultura da infância? Quais aportes culturais e sociais servirão para delimitar tais fronteiras? Santos traz então uma concepção de cultura, formulada por Velho (1981), que é entendida como uma rede de significados, e por isso a infância, enquanto categoria social, precisa ser percebida não como unidade autônoma ou independente mas como parte de algo mais vasto e articulado. 26 2006 Ângela Borba11 teve como objetivo compreender como as crianças, nas relações que estabelecem entre si e nas formas de ação social que constroem nos espaços-tempos do brincar, constituem suas culturas da infância e são por elas constituídas. Discute também a noção de culturas da infância, revelando as crianças como participantes ativos nos processos de construção de regras e valores que regulam suas relações sociais e contribuem para a constituição da cultura. A autora aceita a abordagem interpretativa de Corsaro (1997, 2003), na qual as culturas infantis emergem na medida em que as crianças, interagindo com os adultos e com seus pares, tentam atribuir sentido ao mundo em que vivem. Esse mesmo autor ainda afirma que as culturas da infância são integradas tanto pelos jogos infantis, compreendidos como formas culturais produzidas e fruídas pelas crianças, como também pelos modos específicos de significação e de comunicação que se desenvolvem nas relações entre pares. Em suas palavras, Borba diz que “As culturas da infância podem ser vistas assim como construção coletiva que se faz através da ação social das crianças frente às estruturas sociais e institucionais em que estão inseridas. É engajando-se ativamente nessas estruturas e no esforço de compreendê-las que as crianças criam formas específicas de ação, reproduzindo, contornando ou até transformando as estruturas existentes.” (BORBA, 2006, p. 5) Jader Lopes, com seu trabalho “Produção do território brasileiro e produção dos territórios de infância: por onde andam nossas crianças?” busca compreender como os territórios de infância estão se configurando em tempos de uma nova organização do capital. Segundo o autor, os territórios de infância são: “...aqueles espaços de conflitos e embates de diferentes forças sociais que buscam coabitar as crianças para suas áreas de atuação, essas interações sofrem rupturas, modificações e novas aproximações na medida em que ocorrem novos re-arranjos no espaço-tempo das sociedades.” (LOPES, 2006, p.7) 11 “As culturas da infância nos espaços-tempos do brincar: estratégias de participação e construção da ordem social em um grupo de crianças de 4-6 anos”. 27 Usando de instrumentos fornecidos pela cartografia tradicional, o autor buscou localizar as crianças nas diferentes paisagens urbanas, para com isso mapear onde elas mais vivenciavam suas atividades próprias, dentro dos espaços produzidos pelo mundo adulto. Essas atividades próprias das crianças as quais o autor se refere, são aquelas em que, “...as vimos correndo; brincando de pique; pulando corda; conversando com outras; fazendo alguns jogos de mãos; pulando “elástico”; brincando de personagens da televisão; subindo e descendo dos escorregadores, das cabanas; nadando em praias e piscinas; brincando na areia; estudando; escondendo-se entre árvores; pulando em camas elásticas e em muitas outras atividades.” (p. 12) Para o autor é na formação das culturas infantis que ocorre a configuração das territorialidades infantis, pois nela está presente as interações entre os lugares destinados às crianças pelo mundo adulto e suas instituições e das territorialidades de criança. Martins Filho12 tem como objetivo principal em sua pesquisa descrever, analisar e interpretar as dinâmicas das relações que adultos e crianças estabelecem entre si nos espaços-tempos em que convivem no interior de uma creche. Tratou-se de uma pesquisa etnográfica que buscou apoio teórico na sociologia da infância e por isso teve em vista as crianças como atores sociais ativos nesses processos de socialização com os adultos. Para que se fosse atingido esse objetivo principal, o autor traçou também duas expectativas principais em sua pesquisa: a primeira era conhecer as relações sociais que as crianças estabelecem umas com as outras, tomando como referência a lógica das produções/reproduções das culturas de pares elaborada por Corsaro (1997); já a segunda expectativa do autor era desvelar os papéis, as interferências e as relações dos adultos nos processos de socialização com o grupo de crianças. Por vários momentos de sua inserção a campo, Marins Filho diz que vivenciava tensões no processo de socialização das crianças, já que os posicionamentos dos adultos frente aos das crianças eram por muitas vezes contraditórios. Em suas palavras, o autor escreve que, 12 MARTINS FILHO, Altino José. Crianças e Adultos na creche: marcas de uma relação. 28 “Vimos que os adultos A, B e D tratavam as crianças de forma excessivamente padronizada, buscando enquadrá-las em rituais cristalizados por um jeito de ser no qual prevalecia a rigidez, a uniformidade e a homogeneização.” (p. 4, grifos meus) Ou ainda, “Fica evidente também a capacidade de alguns profissionais (adulto C) em compreender e considerar as manifestações das crianças como solicitações que revelam autonomia em relação às decisões tomadas por outros profissionais que não consideram o ponto de vista dos pequenos, preferindo conduzir as relações com as crianças por uma lógica disciplinar e hierarquizada.” (p. 4, grifos meus) O autor pôde concordar com o que diz Sarmento (2002) e identificar com sua pesquisa que as crianças, assim como os adultos, são também produtoras de culturas entre si. Pois foi na vivência com essas crianças, no interior de uma creche, que o autor pode identificar que as crianças apresentam seus modos particulares13 de manifestarem seus desejos, vontades, sentimentos e pensamentos. O autor defende um processo social e cultural nos quais tanto os adultos como as crianças sejam atores ativos, e considerados como tais. Essa defesa corrobora a concepção que o autor tem de que as produções culturais e sociais só ocorrem a partir das relações com os pares e na interação com um dado contexto. 2007 Moema Kiehn, em seu texto “A concepção de criança e de infância nos currículos de formação de professores da educação infantil”, diz que com sua pesquisa ela objetiva identificar as orientações e pressupostos teóricos que permeiam as concepções de criança e infância e sua educação enunciadas nos currículos das universidades federais do país que ofereceram cursos de Pedagogia com formação de Professores de Educação Infantil nos anos de 2005 e 2006. 13 Podemos considerar que esses “modos particulares” das crianças caracterizam as manifestações culturais infantis. 29 Essa autora reconhece na criança um sujeito concreto, cultural, social e historicamente constituído que, por sua vez, apresenta formas de processar e de se relacionar com o mundo diferentemente do adulto. Esse reconhecimento se dá devido ao fato da autora buscar referenciais teóricos em autores como Sarmento (1997;2004), Ferreira (2000; 2002) e Pinto (1997). Com sua pesquisa a autora busca então identificar se a concepção acima é considerada nos currículos dos cursos de pedagogia, ou então, quais mudanças conceituais a respeito da criança e da infância tem ocorrido ao longo dos anos. Ainda entre as publicações do ano de 2007, encontrei um texto de Maria Isabel Edelweiss Bujes14, que discutia proposta de Educação Infantil gestada e desenvolvida na região italiana denominada de Reggio Emilia, na qual se tem a visão da criança como portadora de uma cultura específica e singular. 3.2 CONTRIBUIÇÕES Refletindo acerca dos dados encontrados com a analise dos trabalhos, podemos logo perceber que os autores, ao tratarem das culturas da criança e da infância, defendem sempre uma concepção de criança na qual ela é e deve ser considerada como um sujeito ativo, transformador, participante e produtor de cultura. Nesse sentido, encontramos por diversas vezes nos trabalhos referências aos estudos de SARMENTO (1997; 2004; 2005; 2007). Encontramos nos trabalhos publicados a temática da Cultura da criança e da infância sendo abordada algumas vezes de diferentes maneiras, através do diálogo que cada autor tem com determinados referenciais teóricos. Uma primeira abordagem encontrada acerca das culturas infantis foi àquela alicerçada nos estudos de Florestan Fernandes (1961) que vem afirmar que as crianças são sujeitos ativos produtores de uma “cultura infantil”. Em outro trabalho pude encontrar referencias aos estudos de Corsaro (1997; 2003; 2002) que aborda as culturas infantis como sendo as “culturas de pares”. Outro conceito de cultura evidenciado em um dos trabalhos foi aquele que se refere a ela como sendo uma “rede de significados” como propõe Velho (1981). Nesses estudos que buscam captar a criança e a produção de uma cultura específica, Geertz (1989) aponta para uma concepção 14 “Artes de Governar a Infância: no cruzamento entre a ética e a política”. 30 de cultura que deve estar atrelada aos conceitos existentes na pesquisa etnográfica com crianças. Em relação ao total de trabalhos publicados entre os anos de 2003 e 2007, a quantidade de trabalhos que abordaram a temática das culturas infantis mais detalhadamente é relativamente pequena. Porém, se considerarmos que se trata de uma temática nova e atual, o resultado observado é muito positivo, já que as produções acadêmicas estão começando a dar uma visibilidade maior a esse campo de estudo tão importante que é a sociologia da criança e da infância, através da abordagem de suas diversas temáticas, dentre as quais está as culturas da criança e da infância. Como professora, penso ser importante que se repense uma educação voltada realmente para e com as crianças, possibilitando a constituição de um espaço de escuta, de respeito, de valorização da cultura de cada criança, em suas diferentes realidades, ouvindoas, compreendendo-as para garantir-lhes o direito de ser criança. Neste momento atual em que os estudos sobre educação infantil ganham ainda mais visibilidade no Brasil, eles são oportunos para pais, professores e educadores em geral. Penso que as culturas da criança precisam, com urgência, serem resgatadas pela educação. O começo deste processo seria que o educador se dispusesse a escutar as crianças, como já se disse; mas a partir daí o caminho é longo em direção a uma mudança ampla de perspectiva. Sarmento (2005) enfatiza que os conceitos de culturas da infância geram conseqüências pedagógicas como, por exemplo, pensar o trabalho pedagógico a partir das crianças realmente, como atores sociais e não simplesmente como alunos. Em termos educacionais, penso que adotar as Culturas da Criança como perspectiva significa, em primeiro lugar, aceitar a idéia de que a escola não é o lugar por excelência da aprendizagem. Muitas aprendizagens significativas se dão fora da escola, e muitas crianças aprendem apesar da escola. Em segundo lugar, e tão importante quanto a primeira idéia, é adotar uma postura de observação constante, não só da criança, mas de tudo e de todos. Observando de maneira ativa, participante e interessada. As crianças, mesmo que não queiramos acreditar, possuem os cem modos de agir pensar, sentir, se relacionar e conceber o mundo em que vivem que constituem uma 31 multiplicidade e uma simultaneidade irrefutáveis e que a evidenciam com uma produção cultural a qual nem os educadores e nem a Pedagogia tem tomado como referência. CONSIDERAÇÕES FINAIS Tendo como base o levantamento bibliográfico realizado nessa pesquisa considero que paralelamente à construção de uma nova perspectiva proposta pela sociologia da criança e da infância, emergem princípios orientadores para todas as áreas que direta ou indiretamente se relacionam às crianças. Alguns desses princípios foram localizados no primeiro capitulo. Portanto, de acordo com os estudos dos autores analisados ao longo dessa pesquisa ressalto que é preciso ter como pressuposto na constituição de um novo olhar e novas práticas, pensar na criança com seu contexto, crítica do tempo histórico em que está inserida, participante ativa da realidade social, investigadora, elaboradora de hipóteses, e transformadora do mundo que a cerca. Compreendo que a formação docente não está acabada ou completa ao final de uma graduação, mas se faz também a partir do conjunto de experiências sociais e culturais, individuais e coletivas, que vamos acumulando e modificando ao longo de nossa vida pessoal e profissional. Por isso, esse processo é inacabado e constituído por constantes indagações, incertezas e ambigüidades. 32 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS - ARENHART, Deise. A educação da infância no MST: O olhar das crianças sobre uma pedagogia em movimento. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 28. Programa e resumos. 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