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I ENCUENTRO INTERNACIONAL DE EDUCACIÓN Espacios de investigación y divulgación. 29, 30 y 31 de octubre de 2014 NEES - Facultad de Ciencias Humanas – UNCPBA Tandil – Argentina II.2. Sociedades plurales, igualdad y educación Pesquisa sociocultural: foco na ação mediada por ferramentas culturais e uma abordagem da educação moral como construção Vargas, Claudeonor Antônio de (UPF-Brasil) [email protected] Introdução Superar o olhar dicotômico, contundente desafio contemporâneo - em especial no tocante à educação formal-, exige situar sua conformação na estruturação sociocultural. Esta, plural, complexa e diversificada em todas as dimensões do viver humano, exige reordenamento reflexivo. Temas importantes como igualdade e liberdade humana, enraizados na existência sociointerativa, apresentam-se atualíssimos. Como ser igual no compartilhar a diferença? Ou diferente no viver igualitário? Como conciliar mutuamente a liberdade? Igualdade/diferença, liberdade/limite: exemplos dicotômicos exigindo alterar a lente com que olhamos o mundo. O presente trabalho objetiva colocar em pauta, aporeticamente, uma alternativa investigativa no âmbito educacional e uma proposta de educação moral alicerçada no exercício de práticas levadas a termo no âmbito escolar. O seu desenvolvimento principiará por trazer à tona a vertente sociocultural, personificada por Wertsch, a partir do texto La mente em acción. Após, numa breve incursão com caráter de livre reconstrução do texto Práticas Morais, explorará a concepção puiguiana de educação moral como construção a partir de práticas pedagógicas escolares. Finalizará delineando entendimentos acerca da elaboração dos autores no contexto da educação formal. 1. A pesquisa sociocultural1 e a dicotomia indivíduo-sociedade O objetivo da pesquisa sociocultural é entender a relação entre o funcionamento mental humano, por um lado, e o contexto cultural, histórico e institucional, por outro (WERTSCH, 1998, p.56). No âmbito psicológico, as abordagens iniciam do pressuposto de que o ponto de partida para entender fenômenos socioculturais são os processos psicológicos ou outros que sejam conduzidos pelo indivíduo. No contexto cultural, histórico e institucional, as abordagens ancoram-se na premissa de que é apropriado principiar pelo relato do fenômeno cultural, para após criar análises do funcionamento mental. Wertsch cita Luria2: Devem-se procurar as origens da atividade consciente e do comportamento “categórico” não nos esconderijos do cérebro humano [...] mas nas condições externas da vida. [...] isso quer dizer que 1 2 A tradução dos textos em Espanhol é de responsabilidade do autor do trabalho. Alexander Romanovich Luria (1902-1977), neuropsicólogo soviético. 2 devem-se procurar as origens nos processos externos da vida social, nas formas históricas e sociais da existência humana (LURIA apud WERTSCH, 1998, p. 57). Wertsch considera que, apesar das razões de um ou de outro para dar validação à proposição defendida, o maior problema é o de falta de base teórica que possibilite a tomada de posição à margem de preferências pessoais ou de disciplina específica. Alerta para a relevância de a pesquisa sociocultural posicionar-se frente à citada dicotomia, com o risco de, não o fazendo, expor-se a interpretações e categorizações nocivas, desacreditando-se. Ensina ainda que uma maneira de lidar com dicotomias é o reconhecimento de que formular questões em ambas ou em uma delas é contraproducente. Para ele, a dificuldade principal situa-se em que os termos em oposição adquirem status de essências ou objetos com certo tipo de existência independente. Neste sentido, dotar “sociedade” ou “indivíduo” deste caráter ontológico pode levar a pesquisa sociocultural a ser confundida em termos de proposta e métodos. 2. A ação humana A alternativa sugerida então é a de considerar que tais termos são construtos hipotéticos ou ferramentas conceituais dentro de um processo investigativo. Segue a esta sugestão uma compreensão de que o funcionamento mental e o contexto sociocultural sejam momentos de interação dialética ou meros aspectos de uma unidade de análise mais inclusiva, a saber, a ação humana. Esta, como entendida pelo autor, não é conduzida nem pela sociedade, nem pelo indivíduo: a ação humana oferta um contexto dentro do qual tais esferas são conformadas como momentos inter-relacionados. Aspecto de fundamental importância deste processo investigativo é a definição estrutural da unidade de análise. Dentre as várias formulações presentes na bibliografia relacionada à temática sociocultural destacamos a caracterização de Puig: [...] primeiro [...] trata-se de conseguir que a unidade escolhida abranja a complexidade do mental [...] também que relacione a mente com o ambiente sociocultural. [...] segundo [...] deve ser observável e manipulável, mas não divisível nos diferentes dinamismos psicológicos que compreende. Finalmente [...] deve ser um microcosmo que reflita simultaneamente todos os aspectos da consciência: a unidade deve se entrelaçar e mostrar a complexidade interfuncional da consciência (grifo nosso) (2004, p.41). 3 Emerge como fundamento básico, em termos de pesquisa psicológica complexa, a necessidade de trabalhar com unidades - e não mais com elementos -, que possibilitem a compreensão fenomenológica em sua totalidade. Define Vygotsky: [...] unidade [...] um produto da análise que, diferente dos elementos, possui todas as propriedades que são inerentes ao todo e, concomitantemente, são partes vivas e indecomponíveis dessa unidade (2000, p.8). Assim, a psicologia precisa substituir o processo investigativo centrado na decomposição em elementos, pelo método de análise que desmembra a totalidade complexa em unidades. Retomando as concepções de Wertsch, a adoção da ação humana como unidade de análise leva a compreensão de que ela é adequada como objeto fundamental a ser descrito e interpretado. Isto por que, segundo suas palavras: Quando se dá à ação prioridade analítica, os seres humanos são concebidos em contato com seu ambiente, criando seu ambiente e a si mesmos por meio das ações em que se envolvem. Portanto, é a ação, mais do que os seres humanos ou o ambiente considerados independentemente, o que proporciona o ponto de entrada da análise (Grifo nosso) (1993, p. 25). Referindo-se à questão da dificuldade em manter a centralidade na ação, Wertsch afirma que isso se deve a esforços realizados por diversos autores 3 para formar fundações teóricas. Estes, no seu entender, apresentam contribuições acerca da noção de ação na pesquisa sociocultural e que convergem nos seus enfoques na ação humana concreta e dinâmica -, ocorrendo em contextos reais, espaço-temporais e sociais. O objetivo de Wertsch ao considerar as alternativas teóricas citadas se situa em dois âmbitos. No primeiro, a ideia é reconhecer que tais autores têm relevantes contribuições a fornecer acerca da noção de ação na pesquisa sociocultural, ao mesmo tempo em que concretizam, com seus estudos, a estrutura potencial intrínseca à questão. No segundo, intenta - até como forma de reforçar seus próprios argumentos -, demonstrar os traços convergentes implícitos em tais estudos. Estes dizem respeito ao cerne da proposição sociocultural: enfocam a ação humana pelo seu viés concreto, dinâmico, efetivada em contextos reais, em espaços marcados pela temporalidade e pela interação social. 3 Bakhtin, Voloshinov (Enunciado como forma de ação), Vygotsky (Discurso, pensamento e “ação mediada”), Wertsch, Zinchenko e Leontiev (Teoria da atividade), Bordieu (Hábitus), Burke (Relato da ação, inclusive ação simbólica), De Certeau (Prática e resistência), Dewey (“Investigação” como forma de “conduta humana”), Habermas (“Ação comunicativa”), MacIntyre (“Ação inteligível”) e Mead (Filosofia do ato). 4 Deriva desta concepção de enfoque na análise da ação, a questão de como vários momentos de sua organização definem-se e entendem-se entrelaçados em uma complexidade dialética. Emerge daqui a orientação do autor de conceber a ação em termos de organização e definição como provenientes de uma multiplicidade de influências analiticamente distintas, porém em interatividade. O papel de tais influências que concorrem interativamente para a ação humana sofre variações por conta dos diferentes contextos em que ocorrem e também em função dos vários estágios de desenvolvimento, não impedindo a moldagem da ação humana de alguma maneira. 3. A ação humana mediada Resulta do percurso até aqui explanado a afirmação fundamental da análise sociocultural com foco de atenção na ação humana que pode ser levada a termo tanto em nível exterior quanto interior aos sujeitos e, no tocante a sua realização, pode se dar na atividade grupal ou individual. Resta também claro que, diante do fato assumido de que a noção de ação não está somente ligada a processos sociais ou individuais, a análise assim estruturada não está limitada aos pólos dicotômicos. Adverte o autor: “Isto não significa que a ação não possua uma dimensão psicológica individual. Evidentemente a tem; porém devemos pensar nela como um momento da ação mais do que como um processo ou uma entidade, independentes, que existem de maneira separada. (WERTSCH, 1999, p. 47)”. Isto significa que, uma vez localizada a dimensão psicológica implícita ou explicita à ação praticada - grupal ou individual, interna ou externamente ao agente -, sua afirmação dar-se-á visando vinculá-la ao contexto sociocultural em que é efetivada. A partir deste entendimento, a definição inicial de análise sociocultural como desafio de compreensão da relação entre o funcionamento psíquico com o contexto cultural, institucional e histórico sofre marcante e pontual alteração. A relação que recebe prioridade passa a ser entre a ação humana, por um lado, e a dimensão contextual cultural, institucional e histórica, por outro. Wertsch esclarece: “A noção específica de ação com que me ocupo é a ação mediada. Nos termos quíntuplos expostos por Burke4, isto implica centrar-se nos agentes e suas ferramentas culturais mediadoras da ação. [...] Considero que é válido dar a relação entre agente e instrumento uma 4 Kenneth Burke; utiliza cinco termos como princípios geradores de investigação: ato, cenário, agente, meios e propósitos. Para maiores detalhes ver WERTSCH, La mente em acción, p.31-40. 5 posição privilegiada, ao menos inicialmente, na investigação sociocultural... (Grifo nosso) (1999, p.48)”. As razões do autor para conceder este privilégio inicial na pesquisa sociocultural encontram-se fundadas em três características principais. Primeiro, o centramento na dialética agente-instrumento oferece a possibilidade de superação da limitação oriunda da análise fundada somente no individualismo metodológico. Isto se dá pela exigência implícita de ir-se além do agente individual para entender as forças configurativas da ação humana. Segundo, a análise da ação mediada, do agente atuando por meio de instrumentos mediacionais, amplia a compreensão das demais dimensões elencadas por Burke (ato, cenário e propósito). Tal afirmação origina-se no entendimento de que ato, cenário e propósito são configurados e até mesmo criados pela ação mediada. Terceiro, partir da dobradinha agente-instrumento vincula naturalmente a ação (inclusive psíquica) e os contextos culturais, institucionais e históricos em que a ação ocorre. 4. Propriedades da ação mediada e das ferramentas culturais Diante das várias formas de ação e meios mediacionais, Wertsch esboça um conjunto de dez afirmações caracterizando a ação mediada e as ferramentas culturais. A primeira refere-se à tensão irredutível entre o agente e os meios de mediação. Seguindo o pensamento desenvolvido por Wertsch, resta acatar a orientação de estudar o agente e as ferramentas culturais presentes na ação mediada pela análise de sua interação. Isto exige dois cuidados essenciais: de um lado, mesmo em situações em que a separação aponta para a produtividade da análise, é preciso ter em mente que agente e ferramenta cultural são elementos que inexistem de forma independente à ação. De outro lado, é importante não perder de vista os elementos do sistema, por que: [...] primeiro [...] muitas das estratégias analíticas para examinar a ação mediada são possíveis porque se podem separar seus elementos. [...] A segunda razão para considerar os diversos elementos na ação mediada é que isto estimula o investigador a examinar as diversas “combinações” possíveis destes elementos (WETRSCH, 1999, p. 54). Isto nos leva a considerar que, no primeiro caso, a separação permite a análise a partir de várias perspectivas especializadas e geralmente também oferece a chave para entender como se dá a mudança na ação mediada. No segundo, sair da circunscrição da 6 ação mediada irredutível em si mesma impede uma análise que recaia no equívoco da consideração de um sistema estático, sem o tensionamento dialético. Outro aspecto relevante nesta concepção é a da possível dificuldade de entrever as fronteiras entre um e outro elemento, isto é, onde se situa um e outro dentro da ação levada a termo. Conforme Wertsch: Por exemplo, se faz necessário redefinir a própria noção de agente. Em vez de dar por certo que um agente, considerado de maneira separada, é responsável pela ação, a definição adequada de agente pode ser algo como “o indivíduo que opera com modos de mediação” (1999, p. 52). Como maneira de visualizar melhor a tensão irredutível entre agente e instrumento Wertsch utiliza o exemplo do salto com vara, que aparentemente surgiu de uma prática antiga dos ingleses de saltar através de arroios com o auxílio de varas de nogueira ou de outro tipo de planta. Saltar distâncias converteu-se assim em um esporte comum e a seguir surgiu o salto em altura. O desenvolvimento desta atividade desportiva praticada em Olimpíadas atravessa o tempo e chega à contemporaneidade trazendo evolução e transformações profundas, tanto no agente-saltador quanto na ferramenta-vara e, na esteira destas, a conquista de índices cada vez mais elevados no resultado final do salto. Basta, para isto, confrontar o dado fornecido por Wertsch (1999, p.53) de que em 1896 o recorde olímpico ficou em 3,30 metros com as façanhas de Sergey Bubka (1994: 6,14 metros) e Yelena Isinbayeva (2009: 5,06 metros). As alterações colocadas em curso passam pela capacitação e adequação técnica do agente à atividade (treinamento especializado, porte físico, fortalecimento muscular, força de impulso, etc.), pela evolução do material com que a vara é fabricada (da vara de nogueira dos ingleses à vara de alumínio e a atual, feita de fibra de carbono e fibra de vidro) e pela interação agente-vara no ato de saltar (velocidade, impulso, giro técnico, firmeza e flexibilidade, etc.). A segunda diz respeito à materialidade dos meios de mediação. Na perspectiva desenvolvida em torno da ação mediada por Wertsch, o manuseio de objetos materiais como ferramentas culturais resultam na produção de mudanças no agente. As propriedades materiais, externas, carregam importantes implicações para a compreensão da forma em que os processos internos chegam a existir e a operar. Tais processos: [...] podem considerar-se habilidades no uso de modos de mediação peculiares. O desenvolvimento destas habilidades requer atuar com – e reagir frente a – as propriedades materiais das ferramentas culturais. Sem essa materialidade, não haveria nada para agir ou reagir e não poderiam surgir habilidades socioculturalmente situadas (WERTSCH, 1999, p. 60). 7 O que está explícito aqui diz respeito ao desenvolvimento de habilidades operacionais concretas no manuseio de alguma ferramenta cultural materialmente constituída (por exemplo, andar de bicicleta), mais do que os habitualmente âmbitos psíquicos abstratos e imateriais imaginados pela psicologia. Como prova desta concepção operacional particular podemos considerar a habilidade de andar de bicicleta por dois ângulos. Primeiro, a habilidade de conduzir uma não é restrita a mesma, podendo ser estendida a outras, mesmo variando em tamanho e forma. Segundo, tal habilidade relacionada à condução da bicicleta não necessariamente fomenta habilidades para desempenho em outras formas de ação com outros objetos materiais (por exemplo, andar de skate). A terceira imbrica-se a questão dos múltiplos objetivos da ação. No cerne da avaliação dos propósitos em Wertsch está a consideração da existência de multiplicidade e conflito de interesses na ação mediada. Diz Wertsch: Isto significa que, na maioria dos casos, não se poderá interpretar adequadamente a ação mediada se se dá por certo que esta se organiza em torno de um objeto único e facilmente identificável. Pelo contrário, os objetivos podem ser múltiplos, com frequência estão em interação e, às vezes, inclusive entram em conflito (1999, p. 61). Partindo do exemplo do salto com vara como modalidade olímpica -, pode suceder que uma série de fatores influencie na ação efetivamente levada a termo pelo atleta. Desde a motivação interna do sujeito (metas e questões pessoais) até a confluência dos fatos externos (público, adversário), há a concorrência de fatores múltiplos que poderão levar à ação em uma ou em outra direção, colocando em questão inclusive a relação dos objetivos com o horizonte moral. A interpretação adequada da ação mediada precisa, necessariamente, expressar consideração em relação à multiplicidade e complexidade dos objetivos imbricados à ação. A quarta envolve a perspectiva da incidência de caminhos evolutivos. A consideração de que a ação mediada é perpassada por uma trilha evolutiva imbrica-se à ideia geral de que a mesma é historicamente situada. A quinta fala da existência de restrições e recursos. Ponto vital às elaborações de Wertsch relacionadas à ação mediada é o fato defendido por ele de que, se por um lado o desenvolvimento de uma nova ferramenta cultural proporciona a liberação de algum tipo de limitação, por outro introduz restrições inusitadas até então e que emergem justamente como propriedade inerente à inovação implantada. A constatação 8 da existência simultânea de restrições e de recursos inerentes ao novo instrumental cultural produzido somente pode ser reconhecida em retrospectiva, por meio de um processo comparativo desde a perspectiva do presente. A sexta exige que se observem as transformações da ação mediada. O aporte inovador e desafiador referente à introdução de uma nova ferramenta cultural introduz alteração na ação efetivamente realizada. Afirma Wertsch: Isto não significa que a única forma de introduzir mudanças seja através de novas ferramentas. Com frequência, as alterações se produzem por uma variação nos níveis de habilidade e outros fatos relacionados com o agente, porém a dinâmica de mudanças que provoca a introdução de novas ferramentas culturais na ação mediada pode ser muito poderosa e passar inadvertida (1999, p. 77). Diante desta observação pontual faz-se necessário considerar o surgimento de mudanças como advindas dos variados aspectos presentes na ação humana, imbricados a questões que não necessariamente estejam ligadas a alguma ferramenta cultural nova. Porém, a ideia geral é a de que a inserção de um novo meio mediador cria uma espécie de desproporção na organização sistêmica da ação mediada. E que isto coloca em marcha mudanças em outros elementos - tais como o agente - e na ação mediada, que pode ser, inclusive, completamente nova. Um exemplo desta situação encontra-se no já comentado salto com vara. O advento da vara de fibra de carbono e vidro colocou em xeque a forma como se pensava o salto. Até a vara de alumínio o movimento principal situava-se unicamente no impulso dado pelo atleta; a produção inovadora do instrumento em composição de carbono e vidro gerou um adicional. Este surge em função da elasticidade da nova ferramenta que, flexionada sobre si mesma, reativamente provoca uma mudança tão significativa que o atleta sai de seu papel de propulsor para passar a uma espécie de projétil humano. O caráter transformador que reside nesta alteração do meio de mediação utilizado provoca o questionamento acerca da validade e da consequente aceitação do mesmo, dentro da ótica até então convencionada para a disputa do esporte olímpico. E traz à tona algo já mencionado; a inferência importante relativa ao estudo da ação mediada de que as ferramentas culturais proporcionam o contexto e a norma para avaliar as habilidades de um agente. A análise, devidamente contextualizada, exige a consideração de que, em certos aspectos, a ação mediada pode ser a mesma, porém, a organização sistêmica do agente com a ferramenta cultural termina sendo distinta. 9 A sétima relaciona-se com o entendimento de internalização como domínio. Diante da difundida e múltipla utilização do termo internalização, Wertsch busca fazer um clareamento do mesmo referente a seu uso no âmbito da ação mediada. Em suas palavras: Em vez de pensar a internalização como um conceito que se pode definir de maneira abstrata e logo pode aplicar-se a exemplos concretos, diria que é mais adequado ver como um termo cuja definição está estreitamente vinculada a fenômenos e exemplos particulares e que é, portanto, uma palavra que pode adotar interpretações variadas (WERTSCH, 1999, p. 85). Em uma destas interpretações, sem querer com isto esgotar e/ou definir a questão, Wertsch adota a expressão domínio, entendendo-a como passível de aplicação a praticamente todos os casos de ação mediada. E, ao falar de domínio, refere-se ao saber como usar um meio de mediação com facilidade, tendo por base o pensamento de Ryle5, definindo que estas duas expressões possuem certas vantagens sobre a ideia de internalização em vários sentidos. Uma, importante, é a de evitar a ideia de que algo praticado externamente possa, sempre, receber processamento interno como consequência natural. Conforme seu raciocínio, muitas, e quiçá a maioria das formas de ação mediada, nunca progridem em direção à realização no plano interno. Em face disto, opta pela utilização dos termos domínio e saber como, em substituição á internalização, na tarefa de analisar a ação mediada por ferramentas culturais. A oitava busca clarificar a compreensão da internalização como apropriação. A outra face da internalização, em sua amplitude complexa e, por isto mesmo, evitada por Wertsch em suas formulações teóricas, diz respeito à apropriação. Ressalta, porém, que apesar do entrelaçamento entre domínio e apropriação fazer-se notar na maioria dos casos, isto não necessariamente é assim; ao contrário, afirma que ambos os processos podem apresentar-se distintamente em termos analíticos e empíricos. Ainda no que diz respeito à relação entre domínio e apropriação, Wertsch alerta para o fato de esta manifestar-se em muitos casos de maneira positiva, porém não necessariamente ser sempre assim. Colocando a questão em seus termos: [...] formas muito interessantes de ação mediada se caracterizam pelo domínio no uso de uma ferramenta cultural [...] não por sua apropriação. [...] o agente pode usar uma ferramenta cultural, porém o faz com uma sensação de conflito ou resistência (WERTSCH, 1999, p. 97). 5 RYLE, Gilbert. O conceito de mente. Buenos Aires, Paidós, 1967. 10 O quadro aqui desenhado pelo autor refere-se a situações de utilização de ferramenta cultural estranha ao agente em termos de identificação e pertencimento, podendo ocorrer uma recusa do uso da mesma. A imposição de tal meio mediacional, não assimilado pelo agente, ou seja, não tendo significação identitária e com a sensação de algo estrando a si, pode encaminhar para a utilização dissimulada, ocasionando desempenho dotado de resistência. Para exemplificar tal tipo de caso, Wertsch cita a celebração de Natal nas escolas públicas dos Estados Unidos, em que os alunos participam compulsoriamente do ato de praticar o canto religioso. O problema, diz ele, não é o de domínio do texto musical e sim se o referido texto representa algo com que o agente se identifica e se, frente a isto, se sujeita ou não. A nona alerta para o fenômeno das consequências laterais. Wertsch expressa o entendimento de que a análise separada da produção e do consumo da cultura tem a sua importância e especificidade, ressalvando que mesmo os melhores estudos assim realizados são incompletos, apontando: Um dos maiores problemas que surgem da análise separada da ação mediada desde a perspectiva do consumo é que as ferramentas culturais tendem a ser vistas como algo que aparece em resposta às necessidades dos agentes que as consomem (WERTSCH, 1999, p. 100). Nesta linha de consideração dá-se como certo, de maneira reducionista, que os meios mediacionais são elaborados para facilitar as formas de ação desejadas. Retornando ao exemplo da evolução do material de fabricação da vara para saltar, o princípio evolutivo nada tinha a ver com a mesma. Tratava-se originariamente de um esforço da indústria e das forças armadas para desenvolver materiais mais leves e resistentes para a aviação. A décima leva as dimensões de poder e autoridade. Em certo sentido, falar de poder e autoridade conduzem inevitavelmente ao centramento no agente, implica situar-se em um indivíduo. Neste caso, entram em cena considerações acerca de características tais como inteligência, personalidade e demais atributos que dotam o indivíduo do caráter acima enunciado. Em outra vertente, poder e autoridade podem apresentar-se em instituições vistas como agentes e que nos levam ao cumprimento de determinadas exigências pela via da coerção legal estabelecida. Entretanto, adverte Wertsch, se não levarmos em conta o papel dos meios de mediação, tais perspectivas mostram-se deficientes. Primeiro, porque ficam negligenciadas as formas em que o surgimento de novas ferramentas culturais transforma o poder e a autoridade. Segundo, 11 o centramento no indivíduo pode reproduzir a antinomia indivíduo-sociedade, detalhada no princípio deste texto. 5. Puig e a educação moral como construção A proposição puiguiana de educação moral centra-se na dupla perspectiva de romper com a dicotomia sujeito-sociedade e na subsequente construção social da moralidade dos educandos. Nestes termos, Puig concebe o sujeito como profundamente imerso em um contexto sócio-histórico-cultural - transformando e sendo transformado por ele -, e trabalha com a concepção de atividade escolar pelo viés da prática moral, sendo esta, em sua visão, dotada de potencial pedagógico-moral. Em seu esforço de definição conceitual, prática moral está imbricada a superação do isolamento do agente e de sua vinculação com a dimensão sociocultural, possuindo ainda um caráter de visibilidade, sendo passível de observação e relato. As práticas morais envolvem também a estruturação de roteiros nos quais valores podem ser convertidos em comportamentos, ofertando ainda a distinção entre objetivos funcionais da prática (por exemplo, a coleta seletiva de lixo) e a realização de sua finalidade (por exemplo, a conscientização ecológica). Presença marcante nas práticas é a sua rotinização, isto é, o caráter previsível e repetitivo de sua estruturação, sendo estes importantes definidores dos acontecimentos e essenciais ao processo educacional. Isto porque regula a ação e a reação diante de dadas situações, implicando em economia de tempo e energia, produzindo segurança e certeza, incrementando assim a eficácia comportamental humana. A natureza intrínseca das práticas colocadas em curso difere no tocante a sua maneira de atuar no desenvolvimento dos sujeitos relacionados a elas. Sejam delineadas com o intento de atender as demandas da educação informal ou estruturadas para suprir finalidades da educação formal, as práticas apresentam características peculiares, o que leva Puig a elaboração de dois conjuntos de práticas. Estas se apresentam distintas entre si quanto aos seus pressupostos e finalidades: as procedimentais (situadas no âmbito da orientação flexível) e as substantivas (alocadas na dimensão da orientação específica). No que diz respeito às práticas procedimentais, observamos que estas são representativas da dimensão criativa, pois ofertam cursos de acontecimentos que estabelecem um modo de conduzir-se, permitindo a busca ou a elaboração de um objeto moral constituído de valor e correção. Nestas práticas ocorre uma fixação do curso das 12 ações - estas expressam valores, exigem virtudes e direcionam para finalidades -, e, simultaneamente, há espaço para a criatividade moral reconstrutora e ressignificadora. Este duplo e instantâneo movimento resulta também duplamente valioso: na habilidade utilizada que envolve virtudes e valores e na autonomia relacionada à criação moral. Uma das formas internas das práticas procedimentais imbrica-se à reflexividade, efetivando meios para o autoconhecimento, a autoavaliação e a autoconstrução pessoal. Dentre as formas mais representativas do ideal ético reflexivo atual podemos citar, além do autoconhecimento, a postura de sinceridade para consigo mesmo, a autoestima, a autoavaliação e a autoregulação. Por conta desta característica presente na ética moderna, as práticas escolares, diz Puig, normalmente apresentam conteúdos relacionados a aspirações de reflexividade e autenticidade. A outra face refere-se à deliberação, com ações voltadas ao diálogo, a compreensão e ao intercâmbio racional. Na atual conformação social - complexa, plural e democrática -, torna-se uma necessidade pontual a inserção escolar em práticas que convidem a deliberação. No tocante as práticas substantivas, a organização das atividades tem a forma de cursos de acontecimentos que norteiam o modo de condução, no sentido de um manual comportamental a ser observado tendo em vista um fim correto previamente fixado. Coincide com as práticas procedimentais quanto a valores, virtudes e finalidades, mas não deixa espaço para a criação: o norte é fornecido pela adesão a modelos já existentes. Em uma das suas faces internas temos a prática das virtudes, sendo que a estruturação desta envolve os cursos de acontecimentos que intentam cristalizar valores inerentes a uma forma social já existente, estabelecendo modos de condução, rotinas e rituais presentes nos comportamentos aspirados por determinada tradição cultural. Em sua outra face temos a prática normativa que se refere à multiplicidade de ações levadas a termo no ambiente escolar com o objetivo de transmitir as normas básicas vigentes. Neste sentido, há o evidente atrelamento do que se espera em termos de comportamento humano às regras instituídas, ou seja, cumprir a norma equivale à correção moral. 6. Considerações gerais Como forma de conclusão ao que foi aqui exposto, entendemos como primordial a superação da dicotomia sujeito-sociedade. Em termos de educação formalmente instituída, a consideração de que ambas as dimensões coexistem, influenciando-se mutua e permanentemente, é imprescindível. O sujeito que adentra o mundo encontra todo um aparato sociocultural estabelecido e, tão logo passe a interagir com o mesmo 13 sofre múltiplas e transformadoras influências. Da mesma forma, o mundo já conformado em suas várias dimensões sociais, culturais e etc., ao receber sobre si a ação do sujeito finda por transformar-se e por desenvolver novas formas. Pensamos que a pretensão formativa implícita a esfera da instituição escolar encontra maiores e mais amplas possibilidades de efetivação considerando a umbilical e indissolúvel relação sujeito-sociedade. Neste sentido, a proposta puiguiana de educação moral através de práticas morais levadas a termo no cotidiano escolar apresenta-se, em nosso entendimento, como uma fecunda alternativa. De maneira a manter um nível adequado de fidelidade a consideração da dimensão sociocultural, todavia, observamos que a caracterização e a estruturação da proposta de Puig precisam ser contextualizadas. Cada escola, em cada local em que atue, possui particularidades e singularidades relacionadas a seu entorno específico. Ocorre que, em face disto, a aplicação das práticas nos termos teóricos exemplificados - mesmo que tenham sido geradas em estudo prático -, pode exigir ajustes e correções pontuais. Estes, por sua vez, devem ficar a cargo dos profissionais da educação envolvidos diretamente com determinado ambiente e públicoalvo, ofertando assim espaço adequado para que os mesmos assumam a responsabilidade inerente a sua intervenção pedagógica livre e autônoma. Bibliografia Básica Puig, Joseph Maria (2004). Práticas morais: uma abordagem sociocultural de educação moral. São Paulo: Livraria Moderna. Wertsch, James (1999). La mente em acción. Buenos Aires: Aique Grupo Editor S.A. Bibliografia Secundária Wertsch, James. (1998). A necessidade da ação na pesquisa sociocultural. In: Estudos socioculturais da mente. Porto Alegre: ARTMED, 1998 (Páginas 56-71). Wertsch, James (1993). Voces de la Mente: un enfoque sociocultural para el estudio de la Acción Mediada. Madrid: Visor Distribuciones, S.A. 14
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