Ao longo do tempo em que corri na equipe Willys

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Ao longo do tempo em que corri na equipe Willys
PARTE DO CAPITULO
WILSINHO E EU
Ao longo do tempo em que corri na equipe Willys, sempre estive muito próximo
de Wilsinho. Apesar de ele ter aquele gênio voluntarioso, muito parecido com o
de seu pai, ele sempre foi uma pessoa muito boa e amiga. Eu lhe dizia que ele
parecia o leão da Metro: dava dois urros e o resto era fita...
Por ter aquele jeito brincalhão e ao mesmo tempo temperamental, ele tinha de
ser aceito da forma como era, mas o fato é que ninguém queria se aproximar
muito dele. Seu único amigo inseparável era Moco, um gostava muito do outro.
Nas corridas em que viajávamos muito, nós três dividíamos o mesmo
apartamento nos hotéis. Como Moco sofria na mão de Wilsinho!
Certa vez, estávamos no Hotel Regente, no Rio, na véspera de uma corrida, e
eu havia conseguido dormir, o que não é muito fácil quando se tem de correr
no dia seguinte, devido à ansiedade. Lá pelas tantas, de madrugada, Wilsinho
começou a chamar:
— Moco! Moco!
— Que aconteceu, o que você quer? Que horas são?
— Moco, por favor, pede alguma coisa pra beber, estou morrendo de sede —
disse.
—Como assim, Wilson, você quer que eu peça água? Se mexe cara! — falou
com impaciência.
Acordei com aquilo, mas fingi que dormia, um olho aberto e outro fechado.
— Como assim, Wilson, você quer que eu peça água? — indaguei, tentando
entender.
— Por favor, eu não posso! — Wilsinho gaguejou, escondido atrás de sua
própria timidez.
Moco acabou se levantando e pedindo a água que Wilsinho queria, que não
pedia só porque tinha vergonha de falar com a telefonista.
Quando viajamos de avião carregávamos aquelas sacolas próprias para os
capacetes. No momento da decolagem, antes de o comandante colocar
potência nos motores, Wilsinho colocava o capacete, enquanto nós outros
morríamos de rir e de vergonha. Ele era assim, aprontava mesmo...
Assim era a nossa vida. Vivemos intensamente, até mesmo Luizinho, que
sempre teve um temperamento sério, apesar de ser um sujeito muito
engraçado, mas do tipo que não dá risada – aprontava e ficava sério, o que
tornava tudo ainda mais engraçado. Ele não queria saber de ficar muito
conosco, dizia que éramos mal-educados, uns grossos, e com isso acabava se
isolando.
A grande lembrança que tenho de Wilsinho, ocasião em que me diverti muito,
foi quando viajamos à Europa para assistir ao GP da França, em Rouen, e
depois a 24 Horas de Le Mans. Antes de nos dirigirmos por estrada a Le Mans,
passamos por Dieppe, onde ficava a fábrica Alpine, pois queríamos visitá-la.
Chegando lá nos deparamos com aqueles carros maravilhosos produzidos pela
conhecida firma presidida por Jean Rédélé. Um deles era exatamente igual ao
que Bino dirigia quando houve o acidente fatal. Parece que o nome do modelo
era M63 ou coisa parecida, um carro muito aerodinâmico e bonito, com os
arcos de roda fechados, como no Carcará. Vimos alguns Alpine iguais aos
nossos, com motor de cinco mancais, pois já estávamos começando a produzilos no Brasil.
Por acaso chegaram os pilotos que trabalhavam para Rédélé, todos franceses,
e Wilsinho disse para mim, meio baixo: "Olha só a cara deles", "Olha o
sapatinho da boneca, como pode ser um corredor de automóvel com um
sapato desses?", "Esses caras não devem guiar nada", e assim por diante. Ele
era terrível. E eu dizia para ele parar com aquilo, ficar quieto, com medo de que
alguém escutasse, e ele só dando risada, não estava nem aí para o que eu
falava.
Greco havia comentado comigo que Rédélé havia manifestado interesse em
me convidar para fazer uma corrida lá. De fato, cheguei a ver um “Alpinão” com
bola branca na porta, sem número, e o francês me disse para dar uma volta no
carro. Sentei ao volante e, quando olhei, Fofô já estava ao meu lado, sem ser
convidado. Fui para a estrada, andei um pouco, mas ela só tinha reta, não
estava dando para avaliar muita coisa. Então, resolvi provocar um pêndulo1 em
alta velocidade, quando Rodolpho se abriu dentro do carro como um “macacoaranha”, procurando se firmar. E começou a gritar:
— Não faz isso, você vai nos matar, ficou louco?
— Eu preciso testar este carro... Quem mandou você vir comigo?
— Quando este carro parar, eu te mato! — respondeu, todo apavorado.
De volta à fábrica, notei que como os carros haviam ficado menores,
principalmente os monopostos, não sobrava muito espaço no cockpit2 e, por
isso, eles acabaram reduzindo bastante o diâmetro do volante. Eram volantes
de armação feitos de alumínio e acolchoados. Gostei e pedi um a Rédélé, a fim
de trazer para o Brasil e colocar no meu carro. Pensei que se tivesse que vir
guiar aqui seria bom eu me acostumar com o tamanho do volante, pois os dos
carros nacionais eram enormes. Prontamente ele cedeu um.
Foi muito engraçado quando cheguei ao Brasil com aquele volante na mão e
Emerson o viu: ficou louco por ele. Pediu-me muito que o desse para ele e eu
disse que não tinha como. No fim entramos em um acordo e o emprestei para
ele por uma semana. Pois foi com aquele volante que ele e Wilsinho fizeram o
projeto do volante Fórmula 1, o que deu início à era dos volantes menores no
Brasil. Luizinho também trouxe um. Pouco depois um grande amigo meu,
Germano Franzoni, dono da Panther, empresa que teve muito sucesso, estava
produzindo volantes esportivos. Também passou pela minha mão a chamada
roda de tala larga, resultado de meu pedido a um engenheiro de uma fábrica de
rodas, por ocasião de uma visita com Jorge e Marinho, para que soldasse um
aro mais largo em um centro de roda de DKW. Quando as rodas ficaram
prontas, forem entregues, por minha ordem, na firma de um amigo meu, Carlos
Alberto Trivellato, dono da Roda Técnica, em São Paulo. Quando ele viu as
rodas viu nelas uma oportunidade de negócio e mandou produzir mais. Depois
disso o mercado de rodas largas floresceu e a Roda Técnica faturou muito.
Ainda na viagem, de Dieppe fomos para Le Mans. Chegamos à noite e fomos
logo dar uma volta no circuito. Depois jantamos em um restaurante, um
1
2
Tipo de manobra.
Espaço reservado ao piloto no carro de corrida.
pequeno bistrô, no meio da reta de Mulsanne – aquela enorme, de quase seis
quilômetros, uma coisa impressionante. Quando estávamos jantando passou
um carro de corrida cujo ruído parecia o de um avião a jato, de tão alto. Era um
esporte-protótipo Matra-Maserati, prateado, devia estar fazendo algum teste ou
ajuste final. Estávamos mesmo no clima de Le Mans.
Na seqüência fomos para o hotel, uma construção antiga, de apenas três
pavimentos, formando um retângulo com enorme pátio no meio, com uma
entrada bem alta que dava nesse pátio. Ali se hospedavam vários pilotos e, no
pátio, ficavam estacionados alguns carros de corrida que iam participar das 24
Horas no dia seguinte. Ficamos no mesmo quarto eu, Wilsinho e Fofô. Luiz
Pereira Bueno e Greco evitavam ficar com Wilsinho.
No quarto havia uma pia, como era comum antigamente, e no fundo do
corredor ficava o banheiro coletivo, que era bem razoável e tinha vários vasos
sanitários esquisitos e antigos, separados por divisórias e com portas baixas,
como se vê atualmente nos shoppings.
Eu estava dormindo, já de madrugada, e lá pelas tantas fui acordado com o
acender e apagar da luz. Fingi que estava dormindo. Wilsinho saía e entrava
no quarto, vai pra lá, vai pra cá, e me perguntei o que estaria acontecendo com
ele. Quando Wilsinho agia de forma estranha, lá vinha “chumbo grosso”!
Então, ele sentou-se na minha cama e por algum tempo ficou me olhando
encabulado sem saber o que fazer, e eu continuei fingindo dormir, mas,
olhando o “jeitão” dele por uma frestinha de minhas pálpebras, percebi quando
ele se decidiu e me cutucou: "Bird, Bird". Fingi que estava acordando:
— O que foi Wilson?... Aconteceu alguma coisa?... Que horas são?
— Cara, me ajuda. Estou com muita vontade de ir ao banheiro, com uma
tremenda dor de barriga e não consigo.
Sentei-me na cama, olhei para ele e, incrédulo, disse:
— Puxa Wilson, como assim, você não consegue? Por que isso?
— Não consigo Bird, vou lá, sento naquela privada esquisita que nem sei como
funciona, olho para aquela portinha baixa, me dá uma desconfiança que
alguém vai ficar olhando por cima, e não sai nada.
— Pare com isso, Wilson, você deve estar brincando. Vamos dormir que é
melhor...
— Pelo amor de Deus, estou pedindo, por favor! Vem até lá comigo!
— Não me enche o saco, tá pensando que eu sou o Moco? Vai lá e tenta mais
uma vez, se você não conseguir, vou com você...
Eu sabia que ele era assim. Estava falando a verdade. Não tinha o que fazer, a
não ser tentar entender o drama dele... Que mico... Deitei e lá foi Wilsinho de
novo. Logo depois ele voltou arrasado e reclamando:
— Não consigo mesmo cara... Vem comigo... Fica lá esperando, porque tenho
medo de que alguém vá lá me espiar por cima daquela droga de porta baixa,
fico inibido e não sai...
Então, Fofô acordou furioso, perguntou o que estava acontecendo, e quando
se deu conta da conversa queria subir pelas paredes, ameaçou tomar uma
atitude dizendo ser um absurdo aquele assunto maluco em plena madrugada...
Pedi que se acalmasse, expliquei o motivo daquilo e ele ficou mais bravo ainda,
começando a investir, alterado, contra Wilsinho, dizendo-lhe que fosse ao
banheiro e resolvesse sua necessidade e não ficasse enchendo os outros. Fofô
se acalmou, felizmente. Dando-me conta de que a situação estava complicada,
virei-me para Wilsinho e perguntei o que ele queria que eu fizesse.
— Quero que você fique me esperando na frente daquela portinha maledetta. E
se vier alguém você não deixa entrar...
— E se alguém me vir em pé, de madrugada, na porta do banheiro? Vai
pensar que eu sou maluco? — retruquei.
O máximo que me dispus a fazer foi ficar em pé na porta do quarto tomando
conta e, caso alguém entrasse no banheiro eu iria lá para protegê-lo. E
finalmente ele concordou...
— Você faria mesmo isso?
— Faço, porque senão ninguém dorme aqui hoje.
Ele foi ao banheiro enquanto eu fiquei de pé no corredor, em frente à porta de
nosso quarto. Wilsinho demorou e, voltando desanimado, me disse,
constrangido:
— Ah, Bird, se você não ficar lá, não consigo!
— Tenha dó, Wilson, você acha que vou ficar na porta de uma privada a essa
hora da madrugada esperando você se aliviar? Você tá louco!
— Estou pedindo por favor, cara, você sabe que eu sou assim!
Pensei como era possível que ele me aprontasse aquela enrascada e ainda por
cima de madrugada!
Então, Fofô levantou de novo e, aos berros, disse:
— Vocês não têm vergonha, e você — virando-se para mim — é outro semvergonha! Esse cara faz tudo isso e você ainda fica acobertando ele, que saco!
Ele e outros já tinham aprendido que quando Moco estava por perto, ele
protegia Wilsinho, que era cheio de manias, mas como seu protetor não estava
lá, sobrara para mim “pajear” a figurinha. No fim disse para Wilsinho que não
tinha jeito, eu precisava dormir e ele que ficasse tentando resolver o problema
por sua conta.
E Wilsinho ia, voltava, ia, voltava, até que eu vi algo no quarto que não
acreditei. Ele pegou meu gibi, arrancou algumas páginas, fez um ninho em um
canto do quarto e lá despejou sua “necessidade”. Nossa senhora, eu não sabia
se eu chorava ou ria, e rezava para Fofô não acordar, senão eles eram
capazes de sair na porrada ali mesmo.
Wilsinho fez um pacotinho daquele negócio – eu estava vendo tudo, mas fingia
que não — e vi que ele não sabia o que fazer com aquele embrulho. Eis então
que abriu a janela e jogou "aquilo" para fora. “Meu Deus, como pode?”, pensei.
Estava quase amanhecendo, olhei pela janela e, adivinha o que estava debaixo
de nossa janela? Aquele Matra-Maserati prateado!
— Wilson, vem cá. Olha o que você fez! O meu gibi, todo escrito em português,
e você apronta uma dessa? Adivinhe o que vai acontecer! Pelo amor de Deus,
pensa! — disse-lhe.
Sem saída, acordei Greco, contei-lhe o que havia ocorrido e fomos embora dali
o mais rápido que pudemos. Era evidente que nós tínhamos feito aquilo, o gibi
denunciava. Deixamos o hotel bem cedinho. Só mesmo Wilsinho para criar
uma confusão daquelas...
À tarde, fomos para o circuito. Aquele ano, 1964, era o da estréia do Ford
GT40. No começo, ao procurar chegar ao box, tivemos dificuldade para entrar,
pois éramos brasileiros, e naquele tempo ainda não tínhamos credibilidade lá
fora. Só depois, com muita conversa e devido às nossas relações com a
Renault, a Alpine e a Willys, o panorama mudou, afinal nosso anfitrião era
ninguém menos do que Jean Rédélé.
O ambiente nos instantes que antecediam a largada era de impressionar
qualquer um, quanto mais nós. Era um cenário majestoso, todos aqueles
carros sofisticados, estávamos no coração do automobilismo europeu,
presentes à mais tradicional e importante corrida do mundo. Eu e Wilsinho
decidimos dar uma volta na parte onde ficava o público e vimos que havia lá
um Mustang, carro que fora lançado apenas dois meses antes, exposto em um
estande. O carro chamava muito a atenção, para alguns até mais do que a
própria corrida. Já apresentava o conceito do Mustang Shelby, em carroceria
fastback3. Aquele mesmo carro seria a estrela do filme "Um homem, uma
mulher" dois anos depois, juntamente com o GT40.
Em meio a toda aquela multidão, todos distraídos, Wilsinho deu uma pisada
feia no pé de um cara, que olhou bravo para ele. Wilsinho, com um sorriso —
qualquer coisa que acontecia, ele ria — olhou para o homem e disse "Merci".
Evidentemente, nem sabia o que estava falando. Hoje é poliglota, mas naquela
época ainda não dominava outras línguas. Não sabia nem fazer mímica para
pedir comida...
Então, descemos para o box da Renault. A largada foi estrondosa em todos os
sentidos, fantástica, um verdadeiro show, mas depois dos GT 40 e do batalhão
de Ferrari e Porsche, passaram os carros pequenos, exemplares de Dyna
Panhard, Renault, muito lentos. O que aqui era carro rápido, lá era para
disputar o índice energético, como era tradição em Le Mans, juntamente com o
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Tipo
de carroceria em que o teto é bastante rebaixado na parte traseira.
índice de performance. Era uma maneira de conceder alguma possibilidade de
destaque para os carros de baixa cilindrada. O francês Jean Guichet e o
italiano Nino Vacarella, em um Ferrari 275P, levaram a taça. O reinado do Ford
GT 40 só começaria na corrida de 1966 e duraria até 1969, com quatro vitórias
consecutivas.
No domingo Greco encarregou Luizinho de organizar e despachar todo o
material comprado na Alpine para nossos carros de corrida, e ele voltou para
Dieppe. Greco tomou um vôo para o Brasil, à noite.
Na segunda-feira Wilsinho queria porque queria comprar uma camisa vermelha
com jacaré, igual àquela que Christian Heins usava. Passamos por uma loja
que tinha a tal camisa na vitrine. Uma vendedora nos viu olhando a camisa e
veio gentilmente nos atender. Como não sabíamos uma palavra em francês,
exceto "Merci", Wilsinho apontou para a camisa, mas ela estava afastada do
vidro e a moça não conseguia identificá-la. Ela perguntava qual, e Wilsinho,
para identificar a camisa, fez com a mão um formato de boca de jacaré com os
quatro dedos e o polegar, encostando e separando os dedos como se fosse a
boca do réptil abrindo e fechando. E ele fez aquilo perto do peito dele, levandoa pensar que se tratava de algo insinuante. Ela ficou horrorizada e ofendida,
entrou na loja e foi chamar o gerente. Era um sujeito grandalhão, já veio bravo,
querendo tirar satisfação. Quando Wilsinho repetiu a mímica, o gerente,
aliviado, disse: "Mais oui, un crocodile, un crocodile!". Explicou à vendedora
apontando a camisa e desfazendo o mal-entendido. Mas, por pouco, não deu
outra encrenca. E, claro, acabei comprando uma camisa vermelha com aquele
jacarezinho para mim também. Christian Heins ditava moda.
Eu e Wilsinho ficamos sós e alugamos um Peugeot, pois ele precisava ir a
Zurique encontrar-se com a namorada Suzy, com quem se casaria. Foi muito
agradável passear por aquelas estradas européias. Passamos por Milão, onde
assistimos ao filme "A Guerra dos Mundos", de 1953, um dos primeiros sobre o
tema de marcianos invasores da Terra, com aquelas naves que tinham uma
espécie de pescoço de cisne e as asas meio voltadas para a frente. Acho que
todo mundo viu esse filme.
Depois, no restaurante do hotel, veio o garçom, um sujeito bem alto, que tinha
os ombros curvados para a frente, e nos perguntou o que desejávamos comer.
Wilsinho começou a rir sem controle. Fiquei encabulado, não sabíamos falar
italiano e Wilson, para complicar, ria sem parar, e o garçom até perguntou que
língua era aquela que falávamos.
Depois que ele se afastou, perguntei ao Wilson por que aquele riso todo.
— O garçom é a cara daquele disco voador dos marcianos do filme! Olha o
pescoço comprido e o ombro dele para a frente!
— Pára Wilson, ou vamos arranjar encrenca aqui.
Mas ele tinha razão, o garçom era mesmo muito engraçado...
Wilsinho não sabia se expressar em outro idioma que não o português, assim
como eu. Mas ele sempre dizia para mim: "Pode deixar que eu falo". E aí, já
viu...
De Milão fomos para a Suíça. Chegando à fronteira, vieram aqueles guardas
muito bem vestidos, de uniforme preto impecável, mas com “cara de poucos
amigos”, e Wilsinho, para variar, me disse: "Deixa que eu falo, deixa que eu
falo". Os policiais aproximaram-se da janela do nosso Peugeot, mandaram que
baixássemos o vidro e disseram algo que não entendemos. Wilsinho começou
a dar risada, provocando irritação nos policiais. Pedi que ele parasse de rir,
pois poderia gerar confusão. Os policiais acharam que éramos italianos e
estávamos fingindo não saber falar a língua. Mas eu consegui me fazer
entender e convenci-os de que éramos brasileiros. Então, eles nos liberaram e
nos autorizaram a seguir viagem. Estávamos na Suíça.
Ao chegarmos a Zurique, paramos em um acostamento, um ponto meio
recuado para não atrapalhar os outros motoristas. Consultamos um mapa para
verificar a localização da casa do tio de sua namorada, onde ela estava
hospedada. Então, um sujeito muito antipático, desses suíços que querem tudo
certinho, o que é muito comum lá, parou o Mercedes dele a meio metro de
nosso pára-choque e, mesmo vendo que nós consultávamos o mapa para nos
orientarmos, buzinou e fez sinal para sairmos dali. Wilsinho fez menção de
descer do carro e enfrentar o suíço.
— Calma, Wilson, já vai querer arrumar encrenca aqui também, caramba?
Felizmente o suíço sentiu que a coisa era séria e se mandou.
Chegamos à casa do tio de Suzy e, como não havia ninguém, decidimos
almoçar. Fomos até um restaurante, pedimos um prato qualquer, comemos e
Wilsinho resolveu pedir sobremesa à garçonete que nos servia, vestida com
aquele avental branco de bolso grande na frente, onde normalmente havia
dinheiro para o troco. Ele queria um sorvete de morango. A garçonete tomou
nota e trouxe apenas uma tradicional bolinha de sorvete de morango que era
do tamanho de uma bola de pingue-pongue, enquanto no Brasil normalmente
aproximava-se da circunferência de uma bola de bilhar. Ele começou a
vociferar, reclamando que aquilo não era comida para um homem. Então,
pegou a bolinha com a colher e a engoliu de uma só vez na frente da
garçonete. E disse: “Autre!”. Ela trouxe outra. Ele fez o mesmo e... “Autre”. A
mulher se recusou dizendo que não era correto o que ele estava fazendo com
ela. Constrangido, pedi a Wilsinho para irmos embora. Na verdade, eu não
sabia o que fazer para segura-lo, pois ele era incontrolável, embora fosse um
companheiro maravilhoso. Tenho recordações fantásticas dele. E assim foi,
acabamos encontrando Suzy, ela nos recebeu muito bem e terminaram os
conflitos de comunicação por não sabermos falar direito o idioma daqueles
países.
Em corrida, a grande recordação que tenho de Wilsinho é uma corrida em
Curitiba da qual participamos, uma prova longa em circuito de rua. Chovia e o
calçamento era de paralelepípedo. Tínhamos de passar em uma avenida
grande onde ainda havia trilhos de bonde. Nós corremos com um Gordini com
motor de R-8 – um carretera moderno – que andava muito. Foi muito difícil,
apesar de termos vencido. O carro não tinha estabilidade direcional, andava
mais de lado que de frente, escorregava muito, mas conseguimos domar a fera
e chegar em primeiro lugar. Era como patinar na neve, inesquecível.
Outra face incrível do Wilsinho era ele me usar para não ter o trabalho de
acertar contas de despesas de viagem com a Willys, para obter o reembolso.
Ao sairmos de viagem ele virava os dois bolsos da calça e puxava-os para fora
para mostrar que não tinha dinheiro e me dizia “você tem que me pagar tudo
porque não tenho um tostão”. Mas o Greco me avisava que era conversa dele,
pois ele guardava o dinheiro nos sapatos. Era mesmo um tremendo mão-devaca...
Enfim,
minha
convivência
com
Wilsinho
foi
muito
envolvente,
um
relacionamento sadio, bom. Para mim, como piloto, ele foi a maior “bota” que
conheci em minha vida. Ele era muito, muito rápido.
Quando fico contando essas histórias, o que mais me pedem é para fazer
comentários sobre Emerson, Piquet e Senna, e quando eu falo de Wilson, a
pergunta mais comum é: “Por que ele não conseguiu nada, se estava na
Brabham?”. Tenho certeza de que não foi por falta de capacidade,
competência, disposição e garra, mas sim por dois motivos. Um, o destino, a
sorte, as coisas não acontecem quando não têm que acontecer; outro, a sua
instabilidade emocional. Apesar de achar maravilhoso o seu “jeitão”, um dos
melhores amigos que tenho, ele nunca soube lidar bem com o “Wilson pessoa
física”. Suponho que não teve a frieza necessária para tolerar toda aquela
pressão, e acredito que isso atrapalhe a carreira de um corredor de automóvel.

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