Compra de passagens aéreas sem licitação

Transcrição

Compra de passagens aéreas sem licitação
RECURSO ORDINÁRIO N. 862.155*1
RELATOR: CONSELHEIRO SEBASTIÃO HELVECIO
Compra de passagens aéreas sem licitação
DICOM TCEMG
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO — PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL —
INSURGÊNCIA CONTRA IMPUTAÇÃO DE MULTA — COMPRA DE PASSAGENS AÉREAS
SEM LICITAÇÃO — BOA-FÉ DO GESTOR — NÃO ISENÇÃO DE RESPONSABILIZAÇÃO
— AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA PUBLICIDADE MENSAL (ART. 16, CAPUT, LEI
N. 8.666/93) — RECURSO IMPROVIDO
A compra de passagens aéreas sem prévia licitação e a ausência de publicidade
mensal de compras realizadas pela Administração Pública violam a Lei n. 8.666/93
e sujeitam os infratores às cominações legais aplicáveis.
RELATÓRIO
A Primeira Câmara, na Sessão de 07/12/2010, deliberou pela irregularidade dos procedimentos relativos
à compra de passagens aéreas realizadas sem o devido processo licitatório e à ausência de publicidade
das aquisições realizadas pela Câmara Municipal de Belo Oriente (art. 16, caput, da Lei de Licitações), no
período de janeiro de 2005 a dezembro de 2006, nos termos consignados pela Conselheira Relatora Adriene
Andrade, nos autos do Processo Administrativo n. 751.141 (principal).
Assim ficou decidido em razão da ofensa ao disposto no art. 37, caput e inciso XXI, da Constituição da
República de 1988, e art. 2º da Lei de Licitações na compra de passagens aéreas sem licitação, bem como ao
disposto no art. 16, caput, da Lei de Licitações, pela ausência de publicidade mensal das compras realizadas
pela Câmara.
Na mesma oportunidade, diante dessas ocorrências foi determinada a aplicação de multa ao Sr. Rivaldo
Martins da Costa, Presidente da Câmara à época, no valor de R$1.500,00, sendo R$1.000,00 em razão da
contratação direta de aquisição de passagens aéreas, e R$500,00 pela falta de publicidade das compras.
Inconformado, o responsável interpôs razões de recurso ordinário (fls. 1-6), acompanhadas dos documentos
(fls. 7-40).
A Presidência à época, após o recebimento do recurso encaminhado pela Coordenadoria de Protocolo,
determinou a distribuição do feito nos moldes regimentais (fls. 41).
Assim, seguiram os autos à Secretaria do Pleno para elaboração da Certidão (fls. 43), em cumprimento ao
disposto no art. 328, regimental.
Vindo a matéria ao meu gabinete, após proceder ao juízo de admissibilidade da peça recursal, entre outros
aspectos e os dados contidos na certidão expedida pela Secretaria, determinei que sobre ela falassem a 7ª
CFM/DCEM e, em seguida, o Ministério Público junto ao Tribunal (fls. 43).
*Apensado ao Processo n. 691.706.
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A 7ª CFM/DCEM, sob o enfoque técnico a fls. 46-51, assim se manifesta:
[...]
DAS RAZÕES RECURSAIS
Iniciou seu arrazoado com argumentos destinados a demonstrar que não pode ser penalizado
pela falta de controle da Coordenadoria de Patrimônio, do Almoxarifado e do Diretor da
Câmara Municipal de Belo Oriente, que eram os responsáveis por controlar as despesas,
estimá-las e deflagrar o progresso licitatório, quando fosse necessário, e não observaram que
naquele exercício de 2005, a aquisição de passagens aéreas ultrapassaria o limite contido no art.
24, II, da Lei n. 8.666/93.
Ademais, alega que sempre se preocupou em agir de forma proba, legal e de boa-fé, pautandose em colocar servidores de carreira para compor a Comissão de Licitações e, em especial, para
gerenciar a Supervisão de Almoxarifado e Patrimônio.
Assevera, ainda, neste tópico, que é cediço dessa Corte de Contas, embora a gestão financeira,
contábil, operacional, financeira e patrimonial seja de responsabilidade do agente político
representante do Poder Legislativo, que a administração operacional e patrimonial fica a cargo
dos servidores responsáveis por tais funções, assim é que a Lei de Licitações, já atenta a essa
praxe, responsabilizou solidariamente a comissão de licitações com o ordenador de despesas
em caso de falhas.
Com essas razões explicitadas, o recorrente pede a revisão da penalidade, a fim de que sejam
julgados seus contratos regulares com ressalvas, haja vista, a sua boa-fé.
Subsidiando seus argumentos, reproduz, a fls. 4, entendimento da lavra de Jorge Ulisses
Jacoby Fernandes, bem como o disposto no § 1º do art. 254 da Resolução n. 12/2008, sobre a
possibilidade de sanar o julgamento pela regularidade quando o agente consegue demonstrar
a boa-fé.
Corroborando seu posicionamento, registra a grande dificuldade de licitar o objeto em questão,
diante da falta de interesse das agências de viagens em participar dos certames, alegando que,
após orientações dos técnicos inspetores do TCEMG, passaram a realizar o certame conforme
Carta Convite 003/2007, considerada deserta, nos termos da Ata acostada a fls. 36.
Ademais, continua o recorrente, em suas alegações, que as aquisições das passagens aéreas no
período inspecionado eram feitas pela pesquisa de preços realizada no computador da agência
de viagem que procurava os melhores preços das companhias aéreas que realizavam a rota de
viagem para os dias requisitados pela vereança e/ou servidores, diante de cursos, congressos
ou reuniões agendadas em outras localidades, esclarecendo que na época existiam apenas
empresas como a TAM, VARIG, e a GOL.
Concorda o recorrente que a falta de realização de processo licitatório para aquisição de
passagens aéreas no exercício de 2005 é um vício de formalidade; contudo, ele entende, com
base no princípio da razoabilidade administrativa, que, no presente caso, não se pode aplicar
sanções, pois em nenhum momento ficou comprovado dano ao erário.
ANÁLISE
Observa-se que não assiste razão ao recorrente, quando insurge contra a decisão prolatada
pela colenda Corte, que lhe aplicou multa em decorrência da falta de licitação para compra de
passagens aéreas.
A alegação de que as falhas apontadas não acarretaram prejuízo para o erário municipal não
sanam nenhuma irregularidade, ainda que fosse erro formal como afirma o recorrente.
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II — DO ESMERO, DA PROBIDADE E DA BOA-FÉ DOS SERVIDORES PÚBLICOS
E DO EX-PRESIDENTE DA CÂMARA E DO DESINTERESSE DAS EMPRESAS EM
PARTICIPAR DO PROCESSO DE AQUISIÇÃO DE PASSAGENS AÉREAS (LICITAÇÃO
DESERTA)
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Neste norte, o art. 6º do Código Civil (CC) estabelece:
‘A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do cumprimento nem isenta as
pessoas nela estabelecidas’.
Tem-se, ainda, que a administração em qualquer âmbito, ao praticar qualquer ato, não pode
prescindir do atendimento e rigor estrito aos princípios basilares do direito aos quais se acha
jungida, princípios estes plasmados no art. 37, caput, da Constituição Federal e reiterados na
Constituição Estadual.
Merece destaque a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello acerca do Princípio da
Razoabilidade, invocado pelo recorrente, registrado em sua obra “Curso de Direito
Administrativo”, in verbis:
‘Fácil é ver-se, pois, que o princípio da razoabilidade fundamenta-se nos mesmos preceitos
que arrimam constitucionalmente os princípios da legalidade (arts. 5º, II, 37 e 84) e da
finalidade (os mesmos e mais o art. 5º, LXIX, nos termos já apontados). Não se imagine que
a correção judicial baseada na violação do princípio da razoabilidade invade o “mérito” do
ato administrativo, isto é, o campo de “liberdade” conferido pela lei à Administração para
decidir-se segundo uma estimativa da situação e critérios de conveniência e oportunidade.
Tal não ocorre porque a sobredita “liberdade” é liberdade dentro da lei, vale dizer, segundo as
possibilidades nela comportadas. Uma providência desarrazoada, consoante dito, não pode
ser havida como comportada pela lei. Logo, é ilegal: é desbordante dos limites nela admitidos
(BANDEIRA DE MELLO, C. A. Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros,
2002, p. 92).’
A formalização adequada, conforme previsão legal, de todos os atos administrativos, é
a única e irrefutável maneira de se comprovar a correta aplicação dos recursos públicos.
Mesmo porque todo e qualquer ato que se traduza em movimentação financeira deve ser
respaldado por documentação hábil, que identifique claramente as características e detalhes
da operação, os órgãos e agentes responsáveis, bem como sua aplicabilidade ao interesse
público.
Para melhor esclarecimento, destacamos, também, ensinamento de Celso Antônio Bandeira
de Mello, sobre a discricionariedade conferida à administração pública que deve ser pautada
em conformidade à legislação vigente, ou seja, “a sobredita “liberdade” é liberdade dentro da
lei, vale dizer, segundo as possibilidades nela comportadas. Uma providência desarrazoada,
consoante dito, não pode ser havida como comportada pela lei. Logo, é ilegal: é desbordante
dos limites nela admitidos.
Em relação à ausência de culpa ou dolo alegada, tem-se a esclarecer que o Presidente da
Câmara, como autoridade responsável pela gestão da Administração Pública Municipal,
responde pelas falhas verificadas durante o seu mandato. As exigências constitucionais e demais
mandamentos legais de observância obrigatória devem ser cumpridos pela municipalidade, e
cabe à autoridade máxima, que presta contas perante este eg. Tribunal, zelar pela observância
dos ditames legais impostos ao referido ente federado, mesmo porque a lei não ampara aqueles
que dizem que a ignora ou que não a conhece.
Tampouco aproveita ao recorrente sua alegação relativa ao fato de a responsabilidade do
agente político representante do Poder Legislativo pelas irregularidades apresentadas, pois as
mesmas eram de responsabilidade dos servidores responsáveis por tais funções e estavam a
cargo da supervisora do patrimônio e do diretor legislativo, visto que, não havendo delegação
administrativa formal a subordinados hierárquicos, a responsabilidade final pelos atos de
gestão, que causem ou não repercussão financeira ao erário, é do dirigente máximo do ente
público.
Concernente à falta de licitação no exercício de 2005, quanto à aquisição de passagens aéreas,
mister se faz consignar que , nos termos do art. 38 da Lei n. 8.666/93, o procedimento da
licitação será iniciado com abertura do processo administrativo, devidamente autuado,
protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta do objeto
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e o recurso próprio para a despesa, ao qual serão juntados oportunamente todos os atos da
administração e dos licitantes, como edital, proposta, atas, pareceres, recursos, etc.
Ressaltando que a autorização, a indicação do objeto e dos recursos próprios para a despesa
são atos prévios internos, preparatórios do procedimento da licitação que, tecnicamente
falando, somente se inicia pela convocação dos interessados por meio do instrumento
adequado.
É necessário aduzir que não se trata de questão puramente formal. É a lei que cria e determina
a conduta do administrador público.
Com essas razões alinhadas, conclui-se, assim, improcedente os fundamentos do defendente,
pelas razões explicitadas, visto que todo ato administrativo deve ser pautado em lei, ficando
mantida a decisão recorrida.
III — DO EQUÍVOCO DA APLICAÇÃO DA MULTA PARA A FALTA DE PUBLICIDADE
DAS COMPRAS MENSAIS
Inconformado com a decisão, o recorrente reproduz, em apertada síntese, o estudo realizado
pela Diretoria de Auditoria Externa e pela Coordenadoria de Área de Reexame de Processo
Administrativo de Licitação Municipal, constante a fls. 454-460 e 466-467 do Processo
Administrativo n. 751.141/2005, com alegação de que não foi indicada como falha a falta de
publicidade das compras.
No entender do recorrente, depreende-se que houve um equívoco na redação do voto da
Relatora, porquanto a matéria não foi objeto de análise. Requereu, portanto, a revisão do
acórdão com a retirada da multa no valor de R$500,00 pela falta de publicidade mensal das
compras realizadas pela Câmara, contrariando o disposto no art. 16, caput, da Lei de Licitações.
Examinando os presentes autos quanto ao item, relativo à falta de publicidade mensal das
compras realizadas pela Câmara, contrariando o disposto no art. 16, caput, da Lei de Licitações,
verifica-se que tal falha foi anotada pela equipe inspetora no processo original n. 751.141, a
fls. 455, no item I — Falhas do Controle Interno, letra “b”, “As compras realizadas não foram
divulgadas mensalmente, contrariando o art. 16 da Lei Federal n. 8.666/93”, e que, no voto
proferido pela relatora, aprovado por unanimidade, tal irregularidade se encontra registrada
no item 3 (fls. 470-472).
De acordo com o art. 16 da Lei n. 8.666/93, ‘será dada publicidade, mensalmente, em órgão
de divulgação oficial ou em quadro de avisos de amplo acesso público, à relação de todas as
compras feitas pela Administração Direta ou Indireta, de maneira a clarificar a identificação
do bem comprado, seu preço unitário, a quantidade adquirida, o nome do vendedor e o
valor total da operação, podendo ser aglutinadas por itens as compras feitas com dispensa e
inexigibilidade de licitação’.
O recorrente, tal como no processo administrativo que deu origem ao presente recurso, não
se manifestou sobre o mérito da questão nem apresentou documentação comprovando o
cumprimento do disposto no citado artigo de lei.
A diferença de referenciação da irregularidade entre a análise apresentada pelo órgão técnico
e a consignada no voto proferido pela relatora do processo ora recorrido não prejudicou a
análise da matéria pelos demais membros da 1ª Câmara, como também não impediu que o
recorrente pudesse apresentar justificativas hábeis ou documentos necessários à regularização
da falha verificada.
Delineado este raciocínio, fica mantida a decisão do Acórdão recorrido.
Assim concluiu o órgão técnico.
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O entendimento esposado em benefício do recorrente não se ajusta aos critérios estabelecidos
pela Lei n. 8.666/93, pois a atividade administrativa tem seu perfil de atuação traçado pelo
regramento legal, aplicado ao caso.
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O Ministério Público junto ao Tribunal, em parecer a fls. 53-62, da lavra do Procurador Marcílio Barenco
Corrêa de Mello, posicionou da seguinte forma quanto ao mérito:
[...]
No mérito, o Recorrente — ad argumentandum — alegou e não conseguiu refutar — implícita
e explicitamente - a violação às normas licitatórias conforme manifestação do órgão técnico
antepostas, que fazemos parte integrativa — no todo — às razões de aduzir da presente
manifestação ministerial.
Frise-se, que o recorrente não trouxe aos autos qualquer fundamento fático-jurídico plausível,
a fim de desincumbi-lo das ilegalidades vergastadas, devendo, sobretudo, esta Corte de Contas
buscar a concretude do caráter pedagógico-preventivo inerente às penas, a fim de desestimular
a reiteração de práticas ilícitas de tal natureza. Por derradeiro, verificada a observância plena
das liberdades públicas negativas do jurisdicionado por esta Egrégia Corte, resta indene
de reforma o v. Acórdão proferido pela Primeira Câmara dessa Egrégia Corte de Contas,
inexistindo vícios formais ou materiais que possam eivá-lo de ilegalidade quando do julgado,
frise-se unânime, não trazendo o recorrente em sede recursal, fato capaz de modificá-lo
quanto ao meritum causae, impondo assim, a manutenção do julgamento de irregularidade
das contas do exercício de 2005 da Câmara Municipal de Belo Oriente - MG, e da cominação
sancionatória proporcional e razoável imposta.
Em conclusão, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas opina que o presente recurso ordinário
seja conhecido e improvido, “mantendo-se irretocável o v. Acórdão proferido pela Primeira Câmara deste
Egrégio Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, pelas próprias razões e fundamentos esposados”.
É o relatório.
PRELIMINAR
O recurso está em condição de ser conhecido, considerando que veio tempestivamente — o comprovante de
recebimento do “AR” foi juntado aos autos em 02/08/2011 (fls. 481 verso) e as razões de recurso protocolizadas
em 26/08/2011 — e que foi subscrito por parte legítima, além de presentes os demais requisitos processuais
de admissibilidade.
MÉRITO
De início, pontuo que não se aplicam nas questões analisadas nos autos principais (Processo n. 751.141),
as regras do instituto da prescrição previstas na LC n. 102/08 (LOTCEMG) com redação dada pela LC n.
120/11.
Alegações
No mérito, pretendeu o ex-Presidente da Câmara Municipal de Belo Oriente, Sr. Rivaldo Martins Costa, em
suas razões de recurso ordinário, a fls. 1-6, em síntese, fazer prevalecer o entendimento perante o Tribunal
de que não pode ser penalizado por irregularidade dos procedimentos relativos à compra de passagens
aéreas e à ausência de publicidade das aquisições realizadas pela câmara municipal, no período de janeiro
de 2005 a dezembro de 2006, pois sempre se preocupou em agir de forma proba, legal e de boa-fé, pautandose em colocar servidores de carreira para compor a Comissão de Licitações e, em especial, para gerenciar a
Supervisão de Almoxarifado e Patrimônio.
Assegura que, embora a gestão financeira, contábil, operacional e patrimonial seja de responsabilidade do
agente político, representante do Poder Legislativo, a administração operacional e patrimonial fica a cargo
dos servidores responsáveis por tais funções. Segundo ele, assim é que a Lei de Licitações, já atenta a essa
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praxe, responsabilizou solidariamente a comissão de licitações com o ordenador de despesas em caso de
falhas, razão por que entende que deva ser revista a penalidade aplicada, a fim de que seus contratos sejam
julgados regulares com ressalvas, haja vista a sua boa-fé.
Em reforço à sua linha argumentativa, reproduz, a fls. 4, entendimento da lavra de Jorge Ulisses Jacoby
Fernandes, bem como o disposto no § 1º do art. 254 da Res. TC n. 12/2008, sobre a possibilidade de sanar o
julgamento pela regularidade quando o agente consegue demonstrar a boa-fé.
Aduz o recorrente que a falta de realização de processo licitatório para aquisição de passagens aéreas é um
vício de formalidade; contudo, a seu entender, no presente caso, com base no princípio da razoabilidade
administrativa, não se pode aplicar sanções, pois em nenhum momento ficou comprovado dano ao erário.
Em outro tópico de defesa, ressalta que houve um equívoco na redação do voto da relatora na aplicação
da multa de R$500,00, em razão da falta de publicidade mensal das compras realizadas pela Câmara,
contrariando o disposto no art. 16, caput, da Lei de Licitações, pois tal matéria não foi objeto de apontamento
no Processo Administrativo n. 751.141/2005 (decisão recorrida). Requereu, portanto, a revisão do acórdão
com retirada da referida multa.
Análise
Razão não assiste ao recorrente. A aquisição direta de passagens aéreas, nos moldes efetuados pela
Câmara Municipal de Belo Oriente, no montante de R$49.066,53, ocorridos nos exercícios de 2005 e 2006,
obrigatoriamente deveria ter sido precedida do competente processo licitatório, nos termos do art. 2º da Lei
n. 8.666/93.
Assim, não podem prosperar a ausência de culpa ou dolo alegada pelo recorrente como forma de justificar
a contratação direta. Nesse sentido, acolho o exame elaborado pela 7ª CFM/DCEM, transcrito no relatório
precedente, quando afirma que
[...] o Presidente da Câmara, como autoridade responsável pela gestão da Administração
Pública Municipal, responde pelas falhas verificadas durante o seu mandato. As exigências
constitucionais e demais mandamentos legais de observância obrigatória devem ser cumpridos
pela municipalidade, e cabe à autoridade máxima, que presta contas perante este eg. Tribunal,
zelar pela observância dos ditames legais impostos ao referido ente federado, mesmo porque a
lei não ampara aqueles que dizem que a ignora ou que não a conhece.
Tampouco aproveita ao recorrente sua alegação relativa a responsabilidade do agente político
representante do Poder Legislativo pelas irregularidades apresentadas, pois as mesmas eram de
responsabilidade dos servidores responsáveis por tais funções e estavam a cargo da supervisora
do patrimônio e do diretor legislativo visto que, não havendo delegação administrativa formal
a subordinados hierárquicos, a responsabilidade final pelos atos de gestão, que causem ou não
repercussão financeira ao erário, é do dirigente máximo do ente público.
Quanto à justificativa do recorrente de que “o objeto não foi licitado ante a falta de interesse das agências
de viagens para participar dos certames”, tal argumento não legitima o procedimento adotado totalmente
à revelia da legislação em vigor, visto que situou sua defesa no plano das argumentações, sem carrear aos
autos elementos para corroborar a assertiva. Dessa forma, a falta de interessados em participar do certame
não pode ser aceita como permissivo para não licitar.
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Corroborando seu posicionamento, registra a grande dificuldade de licitar o objeto em questão, diante
da falta de interesse das agências de viagens em participar dos certames, alegando que, “após orientações
dos técnicos inspetores do TCEMG, passaram a realizar o certame, conforme Carta Convite 003/2007,
considerada deserta, nos termos da ata acostada a fls. 36”.
RECURSO ORDINÁRIO N. 862.155
A afirmativa de que as falhas apontadas não acarretaram prejuízo ao erário municipal também não deve
prosperar, pois, como se sabe, a licitação objetiva alcançar o caráter mais amplo possível, de modo a viabilizar
a participação de interessados, assegurar a ampla competitividade, atender plenamente ao princípio da
igualdade e selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração (o objetivo maior da licitação),
conforme estabelece o art. 3º da Lei n. 8.666/93, que exige certame licitatório para a realização de despesas
com aquisição de passagens aéreas.
Por derradeiro, no entender do recorrente, depreende-se que houve um equívoco na redação do voto da
relatora, pois a matéria não foi objeto de análise. Requereu, portanto, a revisão do acórdão com retirada
da multa no valor de R$500,00 pela falta de publicidade mensal das compras realizadas pela câmara,
contrariando o disposto no art. 16, caput, da Lei de Licitações.
Também, quanto a este item, considero improcedentes as alegações de que houve equívoco na redação do
voto da relatora. Nesse sentido, transcrevo a minudente análise efetuada pelo órgão técnico em relatório
precedente, com a qual antecipo minha concordância: “verifica-se que tal falha foi anotada pela equipe
inspetora no processo original n. 751.141, a fls. 455, no item I — Falhas do Controle Interno, letra b”, “As
compras realizadas não foram divulgadas mensalmente, contrariando o art. 16 da Lei Federal n. 8.666/93”,
e que, no voto proferido pela relatora, aprovado por unanimidade, tal irregularidade se encontra registrada
no item 3 (fls. 470-472).
De acordo com o art. 16 da Lei n. 8.666/93,
será dada publicidade, mensalmente, em órgão de divulgação oficial ou em quadro de avisos
de amplo acesso público, à relação de todas as compras feitas pela Administração Direta
ou Indireta, de maneira a clarificar a identificação do bem comprado, seu preço unitário, a
quantidade adquirida, o nome do vendedor e o valor total da operação, podendo ser aglutinadas
por itens as compras feitas com dispensa e inexigibilidade de licitação.
O recorrente, tal como no processo administrativo que deu origem ao presente recurso, não se manifestou
sobre o mérito da questão nem apresentou documentação comprovando o cumprimento do disposto no
citado artigo de lei.
VOTO
Ante todo o exposto, em consonância com a manifestação dos órgãos da Casa, nego provimento ao presente
recurso ordinário, interposto pelo Sr. Rivaldo Martins Costa, Presidente da Câmara Municipal de Belo
Oriente no biênio 2005-2006, mantendo incólume a decisão originária proferida pela Primeira Câmara
deste Tribunal nos autos do Processo Administrativo n. 751.141.
Dê ciência da presente decisão ao recorrente.
Cumpridas as determinações do art. 176, IV, regimental, arquive-se o presente processo.
O recurso ordinário em epígrafe foi apreciado pelo Tribunal Pleno na Sessão do dia 10/10/2012, presidida pelo Conselheiro
Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheiro substituto Gilberto Diniz, Conselheiro
Sebastião Helvecio, Conselheiro Cláudio Terrão, Conselheiro Mauri Torres e Conselheiro José Alves Viana. Foi aprovado, por
unanimidade, o voto exarado pelo relator, Conselheiro Sebastião Helvecio. Impedido o Conselheiro Cláudio Terrão.
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