Título: ANISTIA NO DIREITO PENAL Vanderson Roberto Vieira1

Transcrição

Título: ANISTIA NO DIREITO PENAL Vanderson Roberto Vieira1
Título: ANISTIA NO DIREITO PENAL
Vanderson Roberto Vieira1
SUMÁRIO: 1- CONCEITO; 2- CONCESSÃO; 3- MOMENTO DE OCORRÊNCIA E EFEITOS; 4ESPÉCIES; 5- BIBLIOGRAFIA
1- CONCEITO
Das espécies de indulgência soberana, a anistia é a que apresenta os efeitos mais
amplos e benéficos.
Em uma caracterização tradicional, pode-se dizer que a anistia é um ato de
soberania estatal que se traduz no esquecimento total da infração penal2. Caracterizada
como esquecimento, afirma-se que a anistia faz desaparecer a infração penal, como se nunca
tivesse sido cometida.
Paradigmático é o ensinamento de Aurelino Leal, que diz que na anistia
“juridicamente os fatos deixam de existir; o Parlamento passa uma esponja sobre eles. Só a
História os recolhe”3.
A anistia se refere a fatos cometidos por determinadas pessoas, e não é
concedida pura e simplesmente para certas pessoas, embora possa exigir condições
subjetivas para ser aplicada ao indiciado, réu ou condenado. Como a anistia deve ligar-se a
fatos, não podendo ser destinada a pessoas individualmente, diz-se que ela possui caráter
impessoal.
As condições subjetivas eventualmente exigidas pela anistia têm sempre que
estar “orientadas pelo sentido geral, e não com referência a uma pessoa determinada”4.
A anistia apaga, faz desaparecer o fato cometido, mas subsiste o tipo penal
incriminador.
1
Graduado em Direito pela Unesp - FHDSS - campus de Franca. Mestre em Direito Penal pela mesma
Instituição. Bolsista de Mestrado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), em
2003-2005. Professor de Direito nos Cursos de Secretariado Jurídico e Gestão Financeira do Instituto Processus.
2
Cf., por exemplo: Bitencourt (BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal - parte geral. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1999. p. 742); Magalhães Noronha (NORONHA, Edgar Magalhães. Direito penal. São
Paulo: Saraiva, 1972. V. 1. p. 379). A etimologia da palavra anistia alude a esquecimento.
3
LEAL, Aurelino. Teoria e prática da Constituição Federal Brasileira. Rio de Janeiro: F. Briguet, 1925. V. 1. p.
754.
4
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro - parte geral. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 235.
2- CONCESSÃO
A concessão de anistia é feita mediante lei de competência do Congresso
Nacional (Poder Legislativo Federal), com a deliberação executiva concordante (sanção) do
Presidente da República (art. 21, XVII c/c art. 48, VIII, da CF)5.
A lei que estabelece a anistia é uma lei penal e tem efeito retroativo. Não pode
ser revogada - é irrevogável -, e, se o for, não elimina a anistia concedida, pois a nova lei
seria irretroativa por trazer dispositivo desfavorável ao réu (art. 5.º, XL, da CF). Como toda lei
penal, a que concede anistia é interpretada e aplicada pelo Poder Judiciário, podendo o
interessado recorrer a ele quando é mal executada pelos órgãos da administração6.
Ainda em relação ao tema da interpretação da lei, aponta Magalhães Noronha
que à lei da anistia “deve dar-se interpretação mais ampla possível de acordo com sua
índole”7.
Concedida a anistia, o juiz declarará extinta a punibilidade de ofício, a
requerimento do interessado ou do Ministério Público, por proposta da autoridade
administrativa ou do Conselho Penitenciário (art. 187 da LEP).
3- MOMENTO DE OCORRÊNCIA E EFEITOS
A anistia pode ocorrer antes ou depois da decisão irrecorrível, extinguindo,
conforme o momento, a pretensão punitiva ou a pretensão executória. Tudo dependerá do
momento em que a lei que estabelece a anistia entrar em vigor.
Se ocorrer no momento da pretensão punitiva, a anistia provocará arquivamento
da investigação ou uma sentença absolutória. Se no momento da pretensão executória, a
anistia extingue todos os efeitos penais da condenação. Se na entrada em vigor da lei
anistiadora a sanção criminal havia sido cumprida, cessam seus efeitos secundários.
A anistia rescinde a própria condenação irrecorrível, e, por conseqüência,
alcança também qualquer pena dada, inclusive a pena pecuniária. Frise-se, porém, como
advertem Zaffaroni e Pierangeli, que “a parte da pena cumprida até a descriminalização é
considerada ao abrigo do direito vigente à época de sua execução, de modo que não se pode
pedir a restituição da multa paga”8.
A anistia, quando já existe condenação, possui efeitos ex tunc, i. e., para o
passado, apagando o crime e demais efeitos penais da decisão condenatória irrecorrível9.
Como ensina Carlos Maximiliano, a anistia “é um ato do poder soberano que
cobre com o véu do olvido certas infrações criminais, e, em conseqüência, impede ou
extingue os processos respectivos e torna de nenhum efeito penal as condenações”10.
5
Recentemente a lei 10.790, de 28.11.2003, concedeu anistia a dirigentes ou representantes sindicais e
trabalhadores punidos por participação em movimento reivindicatório.
6
Nesse sentido, cf.: Delmanto (DELMANTO, Celso. ____; et al. Código penal comentado. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002. p. 204). Sustenta ainda o autor quanto à aplicação da anistia que “cabe à justiça declarar
aplicável ao caso concreto a anistia, concedendo ou negando a extinção, em decisão de que cabe recurso (STF,
RTJ 107/553)” (Idem, ibidem, p. 213).
7
NORONHA, Edgar Magalhães. Direito..., cit., 1972. V. 1. p. 380.
8
ZAFFARONI; PIERANGELI. Manual..., cit., p. 235.
9
- STF: RT 537/414; - TJSP: RJTJSP 72/316.
Os efeitos civis não desaparecem, tendo o ofendido (ou “suposto ofendido” no
caso de inexistência de condenação transitada em julgado) direito à indenização. A anistia
não impede a execução da decisão condenatória para efeito da reparação do dano causado
(art. 63 do CPP) e o perdimento de instrumentos ou produto do crime.
4- ESPÉCIES
A anistia pode ser classificada de várias maneiras.
Quanto ao momento em que é concedida, a anistia pode ser: 1) própria - quando
concedida antes do trânsito em julgado; ou 2) imprópria - quando concedida após o trânsito
em julgado da condenação11.
A anistia, quanto à abrangência pessoal, pode ser: 1) geral ou plena - quando,
mencionando fatos, não exclui pessoas; ou 2) parcial ou restrita - quando, mencionando
fatos, exclui pessoas pelo motivo de exigir uma característica pessoal para ser concedida,
como, v.g., não ser reincidente12.
Quanto à exigência de condições, a anistia pode ser: 1) condicional ou
condicionada - quando a lei exige o preenchimento de certa condição para a sua concessão;
ou 2) incondicional ou incondicionada - quando não impõe condições.
A anistia é, em regra, incondicionada. Sendo incondicionada, não pode ser
recusada. A anistia condicionada pode ser recusada, pois a lei pode impôr certas condições
que os favorecidos não queiram cumprir. Cite-se, como exemplo, o caso de anistia que
favorece grupo guerilheiro sob a condição de que deponham as armas. Comenta Mirabete
que “sendo condicionada, a mercê pode ser recusada por aquele que não concordar em se
submeter às restrições impostas pela lei que a concedeu. Sendo aceita, a anistia não pode
ser revogada (art. 5º, XXXVI, da CF) mesmo que o anistiado não cumpra as condições
impostas, podendo responder, eventualmente, pelo ilícito previsto no art. 359 do CP”13.
Quando a anistia é condicionada no tempo, como, v.g., “ficam anistiados os
crimes antes da data 22/09/1979”, é o tempo do crime - com a aplicação da teoria da
atividade - que delimitará os crimes anteriores e os posteriores da data referida.
5- BIBLIOGRAFIA
AMERICANO, Odin Indiano do Brasil. Manual de direito penal - parte geral. São Paulo:
Saraiva, 1985. V. 1.
ANTOLISEI, Francesco. Manuale di diritto penale - parte generale. Milano: Giuffrè, 1994.
10
MAXIMILIANO, Carlos. Comentários à Constituição Brasileira de 1946. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos,
1954. V. 1. p. 155.
11
Nesse sentido, v.g.: Magalhães Noronha (NORONHA, Edgar Magalhães. Direito..., cit., 1972. V. 1. p. 379).
12
Nesse sentido, v.g.: Fragoso (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal - a nova parte geral. Rio de
Janeiro: Forense, 1992. V. 1. p. 401).
13
MIRABETE, Júlio Fabrinni. Manual de direito penal. São Paulo: Atlas, 2000. V. 1.
p. 386. O art. 359 tem a rubrica “Desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito” e
estabelece: “Exercer função, atividade, direito, autoridade ou múnus, de que foi suspenso ou privado por
decisão judicial: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, ou multa”.
ASÚA, Luis Jiménez de. Tratado de derecho penal. Buenos Aires: Editorial Losada S. A., 1950.
T 1 e 2; 1951. T. 3.
BECCARIA, Cesare Bonesana Marchesi di. Dos delitos e das penas. Tradução de Flório de
Angelis. Bauru: Edipro, 1997.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal - parte geral. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999.
____. Código penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2002.
COSTA E SILVA, Antônio José da. Código penal brasileiro comentado. 1938. V. 2; 1959. V. 5.
DELMANTO, Celso. ____; et al. Código penal comentado. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal - a nova parte geral. Rio de Janeiro:
Forense, 1992. V. 1.
GOMES, Luiz Flávio. Direito penal - parte geral - introdução. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003.
MAXIMILIANO, Carlos. Comentários à Constituição brasileira de 1946. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1954. V. 1.
____. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
MIRABETE, Júlio Fabrinni. Manual de direito penal. São Paulo: Atlas, 2000. V. 1.
NORONHA, Edgar Magalhães. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1972. V. 1; 1978. V. 1; 1977.
V. 2.
____. Curso de direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 1966; 1998.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Una experiencia notable - el nuevo derecho penal austriaco:
Código Penal de la República de Austria - vigente desde el 1 de enero de 1975. Revista
Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 10, abr./jun. 1995, p. 27 e ss.
____; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro - parte geral. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
ZIPF, Heinz. Introdución a la política criminal. Tradução de Miguel Izquierdo Macías-Picavea.
Madrid: Edersa, 1979.

Documentos relacionados