Materiais manipulativos no ensino de matemática a crianças de 7 a

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Materiais manipulativos no ensino de matemática a crianças de 7 a
PALESTRA PROFERIDA NO SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE RECURSOS AUDIOVISUAIS NO ENSINO DE
1° GRAU. DEPARTAMENTO DE ENSINO FUNDAMENTAL -MEC - BRASÍLIA, JUNHO DE 1977.
Prof. Léa da Cruz Fagundes
Laboratório de Metodologia e Currículo - Departamento de Ensino e Currículo
Faculdade de Educação - UFRGS.
Materiais manipulativos no ensino de matemática a crianças de 7 a 14 anos
- Período das operações concretas
É de consenso geral que o homem comum, numa sociedade relativamente simples, necessita bem
pouca matemática para solucionar os problemas da vida diária. Entretanto, as profundas mudanças
econômicas e sociológicas, paralelas à implosão do conhecimento científico, as transformações ora
benfazejas, ora catastróficas da técnica, as tendências gerais à democratização da sociedade, e os
conflitos que resultam de tudo isso, criam condições de vida cada vez mais complexas.
Administradores e especialistas em todos os núcleos da civilização atual ocupam-se da replanificação
do ensino, propondo e instituindo reformas sucessivas. Pode-se, porém, observar que o crescimento
do número de alunos na extraordinária expansão ocorrida no ensino não se deve somente ao
aumento da população, mas também às medidas de justiça social que visam facilitar e garantir o
acesso à escola e prolongar a escolaridade obrigatória para crianças e adolescentes. Essa
escolaridade pretende também a formação cientifica para o homem de uma sociedade complexa.
Analisando os aspectos positivos no desenvolvimento da educação, Jean Piaget (Psicologia e
Pedagogia, 1970) alerta para os problemas que substituem quanto à eficiência dos meios
empregados, pois "nem sempre fica demonstrado se esta expansão corresponde a um resultado feliz,
a uma vitória da educação". Ele exemplifica: “Para analisar os progressos da medicina, pouco
ajudaria uma estatística das doenças tratadas, pois seria necessário um estudo dos resultados dos
tratamentos em relação a sua extensão social. O que continua a faltar à pedagogia científica é este
gênero de controle, e daí porque o progresso apresentado deixa ainda em aberto uma série indefinida
de problemas".
Particularmente estamos investigando os problemas do ensino da matemática na Área de Ciências do
Currículo de 1° grau. Acreditamos que é imprescindível considerar tanto: a importância das noções a
serem ensinadas às crianças atendendo ao mesmo tempo necessidades de sobrevivência e
necessidade de desenvolvimento social, como também as dificuldades de assimilação dessas noções
mais importantes, pela maioria das crianças em todos os tipos de escola.
Considerando as noções que deveriam ser selecionadas é indispensável definir:
- O que se entende por Matemática? O que vem acontecendo com a Matemática nestes últimos
decênios? Porque a indagação Matemática mudou e continua mudando? Em que consistem
essas mudanças? Gustave Choquet (apud Castelnuovo. 1973), expressa em poucas frases a
diferença entre a matemática clássica e a matemática de hoje: “O ‘matemático tradicional’ estudava
argumentos particulares que agrupava conforme o grau de dificuldades (aritmética, álgebra,
geometria, trigonometria, etc.). A descoberta das grandes estruturas mudou o plano e a trama de
construção de nosso mundo. A matemática clássica tomava como elementos base os objetos
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matemáticos. Desde a Antigüidade até o século passado houve concordância sobre a qualidade
desses objetos. Eram, como dizia Platão, os números, o tamanho, a forma, e não estava ao nosso
alcance lhes atribuir propriedades arbitrárias porque se consideravam separados de suas próprias
estruturas. Dá-se hoje o nome de ‘matemática moderna’ àquela cuja essência não se deve à
qualidade do material utilizado para as bases, mas às leis operatórias que permitirem a sua
construção”, explica Castelnuovo (1973).A matemática, afirma Dienes (1970), não deve ser
considerada como um conjunto de técnicas, embora tais técnicas sejam claramente essenciais para a
sua utilização efetiva. Ela deve ser vista antes como uma estrutura de relações. Uma proposição
matemática é relativa a alguma conexão dentro da estrutura; para exprimir tal conexão temos que
usar um simbolismo que é uma espécie de linguagem inventada para comunicar partes da estrutura
de uma pessoa para a outra. Em nossas escolas, proposições formais sobre estruturas estão
continuamente sendo feitas sem que as estruturas propriamente ditas sejam compreendidas.Por
matemática pode-se, então, entender as conexões estruturais efetivas entre conceitos ligados às
idéias de número e de forma, e ao mesmo tempo suas aplicações a problemas tais como são postos
na realidade.
Por aprendizado de matemática deve-se, portanto, entender a apreensão de tais conexões, bem como
suas simbolizações, e a aquisição da capacidade de aplicar os conceitos formados a situações reais
que ocorrem no mundo.
A matemática tem um valor operatório. Ela possibilita a construção de modelos qualitativoquantitativos que a ajudarão a elaborar sistemas explicativos para os eventos do meio em que
vivemos.
Que objetivos perseguimos em nossas civilizações modernas ensinando matemática às crianças?
Certamente, responde Jean Diedonné (1955), não é fazê-las conhecer a seqüência dos números
primos ou uma coleção de teoremas sobre bissetrizes do triângulo, sem utilização alguma. É antes
ensiná-las a ordenar e encadear seus pensamentos segundo o método de que servem os
matemáticos.
É a essência do método que deve ser objeto deste ensino, os tópicos ensinados devem se constituir
em ilustrações bem escolhidas, se o que se deseja formar são cidadãos autônomos, envolvidos num
processo de educação permanente.
Mas de que maneira poderão os alunos chegar de forma independente a propor indagações e a
resolver problemas?
Que meios de trabalho, que tópicos, que situações é preciso organizar para impulsioná-los?
Que procedimentos permitirão, de modo elementar, que a estrutura de um conteúdo surta este efeito
formativo?
A psicologia estende a mão à lógica e mostra, finalmente, que a inteligência da criança é orientada
espontaneamente para a organização de certas estruturas operatórias que são isomorfas às que os
matemáticos colocam como início de sua construção, ou que os lógicos encontram nos sistemas que
elaboram.
Em seu trabalho, Piaget (1955) não afirma que as regras lógicas sejam leis do pensamento. O que ele
faz é adaptar a lógica ao mecanismo real do pensamento, conseguindo descrever as diferentes fases
do desenvolvimento intelectual pelas estruturas elaboradas pela lógica: “Do ponto de vista prático, a
questão para o educador seria escolher entre métodos formalistas fundados sobre a lógica e métodos
ativos, baseados na psicologia: a finalidade do ensino matemático será alcançar tanto o rigor lógico
do raciocínio quanto a compreensão, mas só a psicologia poderá fornecer ao pedagogo a maneira pela
qual esse fim será alcançado. Se o edifício matemático repousa sobre ‘estruturas’ que por sua vez
correspondem às estruturas da inteligência, é na organização progressiva dessas estruturas
operatórias que é preciso basear a didática". Entretanto, a situação atual do ensino da matemática é,
pode-se dizer, paradoxal. Os programas são reformulados buscando essa "organização progressiva"
das estruturas algébricas, topológicas e de ordem, utilizam nova simbologia e incluem noções de
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lógica matemática. Mas a preferência dos alunos pelo estudo da matemática não tem aumentado,
enquanto que as dificuldades de assimilação de noções importantes aumentam com o crescimento
do alunado, tanto em 1° quanto em 2° grau.
QUE FATORES ESTÃO INTERVINDO NA ASSIMILAÇÃO DAS NOÇÕES MAIS IMPORTANTES
PELA MAIORIA DAS CRIANÇAS?
Em primeiro lugar, será necessário analisar se a organização das estruturas matemáticas, na
seqüência curricular, corresponde ao nível de desenvolvimento das estruturas operatórias da
inteligência em cada grupo de alunos. O ponto essencial é fazer com que os alunos desenvolvam
capacidades operatórias de modo correspondente à tomada de consciência suscita pela organização
de ensino.
Em segundo lugar, a ação pedagógica, constituindo-se de um sistema de interação entre pessoas,
envolve atitudes, valores, sentimentos, que muito pouco são considerados no ensino matemático. Por
exemplo, o professor em geral se preocupa mais com o êxito do aluno na realização do cálculo, com a
sua habilidade de dar respostas "certas" do que com os danos que pode causar ao auto-conceito de
uma criança ou de um adolescente reprimindo as experiências de insucesso na resolução de
problemas.
Pellerey (1976) comentando sobre o fato de que as atitudes dos adultos com a matemática estão
freqüentemente enraizadas na infância, refere que, em torno da 3ª serie, uma criança já pode ter
atitudes definidas e persistentes do tipo negativo. As experiências ansiosas e os traumas do tipo
progressivo podem ser encontrados nas primeiras séries da escola primaria. Moojen Kiguel (1976)
constatou que, entre 19 sintomas de dificuldades de aprendizagem listados, a freqüência de
dificuldades de aprendizagem da matemática foi único sintoma que apresentou um aumento
gradativo à medida que a criança avança da 1ª para a 3ª série do primeiro grau.
Em terceiro lugar, é preciso considerar as experiências de aprendizagem que são proporcionadas
pelo currículo escolar. Piaget (1972) afirma que a experiência de objetos do ambiente físico é
obviamente um fator básico no desenvolvimento das estruturas cognitivas. Mas há dois tipos de
experiências que são psicologicamente muito diferentes e esta diferença é muito importante do ponto
de vista pedagógico. Primeiro o que ele chama de experiência física e segundo, o que ele chama de
experiência lógico-matemática.
O conhecimento, segundo Piaget, não é uma cópia da realidade. Não resulta de olhar e fazer
simplesmente uma cópia mental, uma imagem de um objeto. Para conhecer um objeto, um fato, é
preciso agir sobre ele, modificá-lo, transformá-lo, compreender o processo dessa transformação e,
como conseqüência entender a maneira como o objeto é construído.
A experiência física consiste em agir sobre o objeto e conseguir algum conhecimento por abstração.
Por exemplo, descobrir que um cachimbo é mais pesado do que um relógio. A criança só pesará
ambos e encontrará a diferença nos próprios objetos. Na experiência lógico-matemática, o
conhecimento não é extraído dos objetos, mas das ações realizadas sobre os objetos pelo sujeito. E
Piaget exemplifica: “Para contar bolinhas de gude no pátio, a criança as põe em fila e conta de um
até dez. Quando termina de contar numa determinada direção, começa de outro lado e conta de
novo. Descobre então a maravilha que são 10 da direita para a esquerda, ou da esquerda para a
direita. Põe as bolinhas em um círculo e conta de novo: 10. Muda o arranjo e de novo conta 10. O
que ela descobriu? Ela não descobriu uma propriedade das bolinhas, mas uma propriedade de ação
de ordenar. As bolinhas não tinham ordem alguma. Foi sua ação que introduziu uma ordem linear,
uma ordem cíclica, ou de qualquer outro tipo. Ela também descobre que a soma é independente da
ordem, isto é, a ação de "colocar junto" é independente da ação de "ordenar", quando ela realiza a
operação de juntar, contar, separar e contar novamente. Não é a propriedade física das bolinhas que
a experiência mostra, mas as propriedades das ações”.
Este é o ponto de partida da educação matemática. A educação subseqüente consistiria em
interiorizar estas ações, afirma Piaget, e combiná-las sem precisar das bolinhas. O matemático não
precisa de suas bolinhas de gude. Ele combina suas operações simplesmente com símbolos.
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O ponto de partida da educação lógico-matemática não é uma experiência no sentido usado pelos
empiristas. É o começo da coordenação de ações. Mas esta coordenação de ações antes do estágio
operatório formal precisa do amparo do material concreto. Montessori (OREM, 1975) fala do "espírito
matemático" da criança - aquela parte da inteligência que reflete uma tendência natural à
classificação, à mensuração. A criança se inclina a organizar e ordenar seu quadro de vida, edifica
nele, a partir de suas experiências, "modelos" ou "mapas" deste meio - eles lhe servirão de base, no
futuro, para tomar decisões. Na criança essa necessidade de qualificar, de abstrair e de interiorizar o
que para ela apresenta uma necessidade lógica, só pode ser satisfeita se seu quadro de vida não é
incoerente e pobre.
A teoria neurofisiológica do Dr. O. Hebb (apud Orem, 1975) oferece uma perspectiva que embasa o
pensamento de Montessori. Ele acentua que a experiência, a sensação, a percepção, as interações
humanas desenvolvem o sentido do real, a atenção ao meio físico, a descoberta progressiva de
significações. Em L´Organization du Comportment, Dr. Hebb apresenta sua teoria segundo a qual
toda primeira experiência desempenha um papel central, pois uma excitação repetida dos órgãos
receptores conduz à organização de unidades funcionais que ele chama de "assembléias de células".
Num estágio mais avançado as assembléias de células se combinariam para formar "seqüências de
fases". Na medida em que uma ambiência que estimula é determinante para favorecer o
desenvolvimento intelectual, as experiências da criança terão grande influência sobre o modo pelo
qual, tornado adulto, saberá resolverá seus problemas.
Num meio inerte, o sistema nervoso pode não chegar a adquirir as estruturas necessárias a cada
indivíduo para aprender este mundo de complexidade sempre crescente. Será preciso oferecer às
crianças apelo a diversas dimensões sensoriais ao mesmo tempo em que à atividade experimental
para que percepções e operações se interconectam. Se deixarmos a criança entregue a seus próprios
recursos num meio carente não é de se admirar que ela se torne um problema escolar.
A UTILIZAÇÃO DE MATERIAIS MANIPULATIVOS NO ENSINO
Como membros do Grupo de Estudos Cognitivos e do Grupo de Estudos sobre o Ensino de
Matemática de Porto Alegre temos participado de encontros com grupos internacionais em que se
expressa sempre a mesma preocupação com o ensino: as mudanças que ocorrem no seio da
sociedade, o desenvolvimento interno da ciência e as descobertas da psicologia experimental não
chegaram ainda a produzir mudanças efetivas no trabalho do professor em sala de aula.
Ainda que utilizando manuais que se intitulem "modernos", enchendo cadernos com novos símbolos,
o aluno é tratado como indivíduo de um grupo uniforme que deve permanecer receptivo. As
informações abstratas são transmitidas verbalmente, e "logicamente" pelo professor, com o auxílio do
giz e quadro-verde. Folhas de papel mimeografado, com definições e exercícios, quando são
utilizadas, são consideradas como grande conquista.
Os maus resultados do ensino, o rendimento precário do aluno, são atribuídos ou à "modernização"
da matemática, ou à incapacidade de aprender. Essa incapacidade chega até a ser muito bem aceita
por grande número de professores em todos os graus que, por insuficiente formação psicológica,
acreditam ser o pensamento matemático de tal qualidade que só uma minoria de seres bem dotados
poderia desenvolvê-lo.
Por que a revolução que se iniciou na didática desde o século XVII, com Comênius, não alterou
ainda este quadro? Os métodos "intuitivos" foram ainda preconizados por Rousseau (17121778), Herbart (1776-1841), incorporando-se ao ensino o material concreto.
A utilização de material concreto abriu novas perspectivas, mas sofreu as limitações da
fundamentação psicológica que a preconizava. Esses métodos "intuitivos", afirma Piaget (1970),
agora já clássicos, renascem sem cessar das próprias cinzas. Eles constituem, na verdade, um
progresso em relação aos processos puramente verbais, ou formais. Mas de modo algum são
suficientes para desenvolver a necessária atividade operatória da inteligência para a aquisição do
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conhecimento.
A insuficiência da concepção de ensino que considera o aluno um receptor em lugar de um criador,
continuou em nosso século a provocar numerosos movimentos renovadores: Dewey (1859-1932),
Claparède (1873-1940), Kerschensteiner (1854-1932) preconizam a chamada "escola ativa". O
recurso fundamental dessa nova escola é "a atividade construtiva do espírito dominado pela dúvida"
(Dewey, 1946). A proposição dos métodos "ativos" (investigação experimental – verificação) tendo
como centro do processo o aluno, tem como objetivo a atividade mental do aluno para aquisição do
conhecimento.
No ensino da matemática, entretanto, esse objetivo não tem sido perseguido. Devido à formação
psicológica insuficiente da maioria dos educadores, há duas confusões distintas:
o
o
Pensar que toda "atividade" do sujeito, ou da criança se reduz a ações concretas. Isso é
verdadeiro para os graus elementares, não o sendo para níveis superiores, onde o
aluno pode ser inteiramente ativo no sentido de uma redescoberta pessoal pela reflexão
interior e abstrata;
Acreditar que uma atividade que incida sobre objetos concretos se reduza a processos
figurativos, isto é, que forneça uma espécie de cópia fiel, em percepções ou em imagens
mentais.
Exemplifica Piaget que a utilização de materiais concretos pode-se dar em sentidos até opostos. As
barrinhas de Cuisenaire podem dar lugar a utilizações operatórias, se a criança descobre por si
mesma as diversas operações através de manipulações espontâneas; utilizações essencialmente
intuitivas ou figurativas se o professor se limita a demonstrações exteriores onde a criança só tem a
oportunidade de ler figurações acabadas.
Bergson comparava a atividade operatória da inteligência aos processos cinematográficos.
Infelizmente falhou nos problemas das operações, afirma Piaget, e não percebeu que a transformação
operatória constitui um ato verdadeiro, contínuo e criador. "O construtivismo operatório da
inteligência não se reduz às imagens de um filme, antes se pode compará-lo ao motor que garante o
desenrolar das imagens, e sobretudo dos mecanismos cibernéticos que assegurariam um tal
desenrolar graças a uma lógica e aos processos auto-reguladores e auto-corretores. Assim, o recurso
à experiência e à ação sobre materiais concretos, de um modo geral, uma pedagogia chamada ‘ativa’
enquanto procedimento de iniciação matemática, em nada compromete o rigor dedutivo ulterior. Ao
contrário, prepara-o, proporcionando-lhe bases reais e não simplesmente verbais".
A utilização de materiais concretos no ensino de 1º Grau deve ser organizada de modo a propiciar a
cada aluno situações de experiências físicas bem como situações de experiências lógico-matemáticas,
onde ele possa realizar tanto abstrações empíricas quanto abstrações reflexivas.
Gaba (1975) propõe o seguinte esquema para utilização de material concreto nas aulas de matemática:
Manipulação de objetos concretos
Ações realizadas com objetos
Obtenção de relações
Interiorização dessas relações
Aquisição e formulação do conceito
Integração do conceito a conceitos anteriores (estruturação)
Aplicação ou reconhecimento da estrutura em novas situações
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Dienes (1974) propõe um modelo de seis etapas para a construção do modelo matemático:
1ª - Jogo livre enriquecido num ambiente enriquecido por materiais
2ª - Jogos estruturados, obedecendo a regras.
3ª - Comparação dos jogos que tenham estruturas isomorfas
4ª - Representação da abstração lógico-matemática
5ª - Análise das propriedades dessa representação
6ª - Demonstração dedutiva das propriedades estruturais do conceito, em linguagem
matemática.
Reconhecemos que utilizar materiais numa metodologia ativa é muito mais trabalhoso para o
professor, alem de exigir-lhe uma formação bem mais específica, que as próprias universidades
tardam em incluir nos currículos de suas licenciaturas.
Tivemos ocasião de avaliar alguns de seus resultados no Projeto Reformulação Metodológica no
Ensino de Matemática no 1º Grau (INEP/GEEMPA, 1974) e no Projeto Ensino Integrado de Ciências
e Matemática no 1º Grau (PREMEN/UFRGS, 1976). Em ambos, a mudança de atitude revelou-se
fundamental. Mesmo um professor com poucos recursos materiais, trabalhando com crianças
socialmente carentes, pode utilizar o método ativo com materiais do próprio ambiente, até mesmo
sucata doméstica. Mas é preciso que ele apresente certa sensibilidade para descobrir como seus
alunos "pensam", para respeitar e estimular sua iniciativa e sua atividade; uma crença firme de que
eles têm possibilidade de se desenvolverem e uma aquisição razoável dos conceitos que ele vai ajudar
os alunos a construírem.
Em artigo publicado na revista Archimedes, nº. 5, 1962, Emma Castelnuovo relata um de seus
trabalhos experimentais que ilustra a utilização de materiais, com simplicidade, em sala de aula,
atendendo aos princípios de uma pedagogia ativa:
Propõe-se a um grupo de crianças o problema de desenhar um retângulo tendo a base três vezes
maior do que a altura. Como as crianças efetuam a construção da figura?
Alguns se valendo da regra fixam certa medida para a altura, triplicam essa medida e desenham a
base; outros se valem de uma folha quadriculada para desenhar a altura do mesmo tamanho do lado
do quadrinho, e a base de três desses quadrinhos; outros ainda desenham um retângulo sem tomar
as medidas, mas põe em evidência que a base é o triplo da altura dividindo-a em três partes que
deveriam ser cada uma igual à altura, mas isso nem sempre acontece.
Depois de terem feito o desenho, faz-se a seguinte pergunta: Se fosse dado o comprimento do
perímetro do retângulo, seria possível determinar o comprimento da base e o da altura?
As respostas dadas foram as mais inesperadas:
Divide-se o perímetro por 2!... por 4!... por 3!
Ficamos perplexos porque observamos que os alunos não observam, em absoluto, o retângulo que
desenharam em seus cadernos, e que, mesmo estimulados a examinar a desenho que traçaram, eles
próprios "não o vêem".
Reflitamos. Observar esse retângulo significa decompor seu contorno nos elementos que o formam,
significa pensar que a base está composta por três elementos iguais entre si, e iguais à altura; tratase de conceber uma equação de primeiro grau. A observação que se pode fazer é que a criança,
mesmo que o tenha desenhado, só vê o retângulo como um todo inseparável, não consegue analisálo.
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Para um outro grupo de crianças apresenta-se o mesmo problema, porém utilizando-se palitos. Eles
usam 1 palito para a altura e 3 para a base1 ou 2 para a altura e 6 para a base, etc. Depois dessa
construção, todos os alunos sabem dizer imediatamente que procedimento utilizar para encontrar o
comprimento das duas dimensões.
Que diferença há entre esta construção e o desenho?
Aqui, ao efetuar a construção, o aluno se dá conta das relações das partes com o todo. E o palito,
esse material insignificante, assume para ele um valor enorme - é o meio para resolver problemas
construindo e contando; operações que significam não verbalizar. Além disso, a vantagem que um
material oferece em relação ao desenho, é a mobilidade de seus elementos. Pode-se construir com o
mesmo número de palitos outras figuras, por exemplo, um quadrado. Teria a mesma área do
retângulo? Os conceitos de perímetro e de área, postos em confrontação, se aclaram reciprocamente.
Ainda a simples confrontação dos retângulos construídos com diferentes números de palitos, com a
mesma relação, abre as portas para a teoria da semelhança.
É possível continuar considerando problemas análogos sobre muitas figuras geométricas, ou sobre
questões de aritmética que considerem o conceito de relação, e chegar a uma sistematização. Nasce
espontânea a "entrada nas equações". Ao momento heurístico segue um êxtase! A seguir se deduz
procedimentos em casos do mesmo gênero.
Certamente reconhecemos que a educação científica deve ter como finalidade fazer passar de uma
visão mágica das coisas que nos rodeiam, a um conhecimento objetivo e a um sereno julgamento dos
fenômenos naturais; deve ser uma contínua ascensão na arte de observar, de medir, hipotetizar e
deduzir, de controlar e verificar. Esta atividade científica expressa a própria operatividade do
pensamento matemático na construção de abstrações a partir do real.
REFERÊNCIAS:
CASTELNUOVO, Emma. Didáctica de la Matemática Moderna. México, Ed. Trillas, 1973.
DIENES, Z. P. Aprendizado Moderno da Matemática. Rio, Zahar, 1970.
GABBA, Pablo J. Matemática para Maestros. Buenos Aires, Ed. Marymar, 1975.
LAVATELLI, Celia and STENDLER, Faith. Readings in Child Behaviour and Development.
Harcourt Inc. New York, 1972.
MOOJEN Kiguel, Sonia. Avaliação de Sintomas de Dificuldades de Aprendizagem em Crianças
de 1ª, 2ª, e 3ª séries do 1º Grau. Porto Alegre, Redacta, 1976 (Dissertação de Mestrado).
OREM, R. C. Le Manuel Montessori. Éd. Denoël/Gonthier, Paris, 1975.
PIAGET, Jean. Psicologia e Pedagogia. Ed. Forense, Rio, 1970.
Association des Professeurs de Mathématiques de L'Enseignement Public. La Mathématique a l'
École ÊLÉMENTAIRE. Paris, 1972.
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