nota sobre um mallophago (austrogoniodes

Transcrição

nota sobre um mallophago (austrogoniodes
DEP. DE PARASITOLOGIA DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIV. DE SÃO PAULO
(Dir.: Prof. S. B. PESSOA)
NOTA SOBRE UM MALLOPHAGO (AUSTROGONIODES
BIFASCIATUS (PIAGET) PARASITA DO PINGUIM (*)
L. R GUIMARÃES
(com 6 figs. no texto)
o
genero Austroqoniodes foi estabelecido por HARRISON (1915, p. 398) (1).
para nelle incluir as espécies de Mallophaga do genero Goniocotes encontradas
em Sphenisci. Nesse mesmo trabalho aquelle autor inclue em seu novo genero
as seguintes especies : A. tuaterstoni (CUMMINGS 1914) (genotypo) encontrada
em Eudyptula minor.. A. breuipes (GIEBEL 1876) em Aptcnod-ytes longirostris,
A. bifasciatus (Piaget 1885) em Spheniscus demcrsus (**) e descreve uma nova
.especie, A. strutheus, em Caiarrahactes sclateri (:.= Eudyptes sclateriy, Em
resposta a uma nossa carta, e confirmando nossas suspeitas, GORDON B .
. THOMPSON, do British Museum, diz: "I have not been able to see the type of
Harrison's strutheus but I have a specimen of this species determined as such
by Harrison and it seems to me that this is the sarne as Piaget's species", e
quanto ao hospedeiro da especie de Piaget": ln Harrison's 1916 list of the
genera and species of the Mallophaga the host of Piaget's biiasciatws is given
as S. demersus but this is not so-the true host of Piaget's species is S. maqellonicus", Assim, considerando A. strutheus HARRISON 1915, como synonymo
de A. biiasciatus (Piaget 1885) as especies deste genero ficarão reduzidas a tres,
que segundo o conceito de HARRISON poderiam ser divididas em dois grupos
segundo. haja ou não dimorphismo sexual das antenas.. A. waterstoni e A. brevipes pertenceriam ao primeiro grupo e A. bijasciaius ao segundo, O material
de que nos utilisamos para a redescripção que fazemos abaixo nos foi enviado
pelo Dr. Ricardo Orfila, de Buenos Aires, que o colleccionou em um Spheniscus
maqellanicus, proveniente de Puerto Deseado, Santa Cruz, Rep. Argentina, cm
21-11-936, e de outro hospedeiro da mesma espécie, colleccionado no Museu
Paulista. e proveniente de Santos.
. '
Considerando a distribuição geopraphica dos hospedeiros pensamos ser bas. tante interessante assignalar a presença de uma mesma especie de Mallophaga
em aves procedentes da visinhança da Nova Zelandia (C atarrhactes sclateri) ,
do sul da Africa (Spheniscus demersus'j (2) e da America do Sul (Spheniscus
•
Trabalho lido no Soco de Biologia de S. Paulo em secção de 6-5-38.
PIAGET descrevendo esta espeeie assignala como hospedeiro: Spheniscus magellanicus
.ent.relanlo. a sua preeedencle,
.
*lJ
l
(demersus)
Ilem
dar,
39
L. R.. GUIMARÃES:
SOBRE UM MALLOPHAGO
{AUSTROGONlODES
BIFASCIATU~)
magellanicus) . Aliás, um terço mais ou menos das especies norte americanas
dos MalIophaga é tambem encontrado na Europa, sendo sempre seus hospedeiros
especies' systematicamente bastante aparentadas (STRESEMANN 1934, p. 728)
(3). O nosso achado mais uma vez. vem evidenciar o valorphylogenetieo e
paleogeographico do estudo dos MalIophagos, pois parece que a mutabilidade dos
mesmos é bem menor que a das Aves. A estructura dos Mallophagos dos pinguins não se afasta, em absoluto, do typo rnorphologico geral de um Mallophago. Em outros Corrodentia parasitas de homeiothermos aquaticos ha ppr~m
grande especialisação morphologica.· Dá-se isso 'com os piolhos das phocas, os
Echinophthiriidae, apesar de serem os carnivoros pinnipides morphologicamente
menos' distantes dos carnivoros terrestes que os pinguins das aves restantes (4).'
E' porém mister para considerações paleogeographicas escolher os parasitas caracteristicos, pois não são raros os casos de transmissão casual, sendo p. e. aves
de rapina infectadas pelos parasitas da presa (pomba, etc.). Tambem não se'
Cabeça 'do macho (lado dorsal)
prestam Mallophagos colIeccionados em Jardins Zoologicos, como aconteceu na
tentativa da elucidação de um problema tão complexo como é.a origem das'
"Ra,titae", não mais mantidas na ornithologia moderna (STRESEMANN, 1. c. p.o
738) como unidade do systema natural. No jardim zoologico de Rotterdam,
onde foi ,colIecionado material de rnallophaga das "Retitae", mais tarde tomado como base de discussões p h y 1 o g e n e t i c a s estes parasitas eram
tão numerosos que atacaram intensamente as aves das gaiolas visinhas, e entre eIlas uma aguia. A origem monophyletica dos pinguins é fóra de qualquer
duvida e o encontro de uma mesma espécie de Mallophaga em pinguins que
incidem em tres zonas zoogeographicasdifferentes poderia ser considerado como
mais uma affirmação d'esse facto. A, distribuição actual dos pinguins e a oc40
REVISTA DE BIOLOGIA E HYGIENE 9(1) :39-46, novo 1938
correncia do mesmo Mallophago em pinguins de tres zonas differentes seriam
explicaveis pela adopção da theoria de Wegener da translação dos continentes
( 5). Entretanto essa explicação não seria obrigatoria, pois graças a M URRAY
LEVICK, medico da 'heróica expedição de Robert F. Scott, sabe-se que um pinguim do continente antartico (Pygoscelis adeliae) realisa, após o periodo de
choca, extensas migrações graças ao gelo fluctuante que proporciona repouso aos
mesmos. A região habitada pelo SphenÍJr.us demersus (da bahia da Algoa até
o sul da Angola, Lat. 16°30'S.) está situada fóra do limite septentrional do
fi~2..
Coxa. do 1.0, 2.0 e 3.0 par de palas e proeeesos eseamüorme. da
libia posterior.
-
gelo fluctuante, mas a distancia é r~lativamente pequena. Quanto aos dois outros pinguins a possibilidade de uma viagem transoceanica, sem duvida, não
regular, mas excepcional, em um bloco de gelo fluctuante é ainda muito maior.
Tanto as ilhas das MaIvinas, cujo litoral se acha ha,bitado pelo Spheniscus magellanicus como as ilhas de Bounty e das Anti podas, no suleste da Nova Zelandia,
41
·L. R. GUIMARÃES:
SOBRE UM MALLOPHAGO (AUSTROGONIODES BIFASCIATUS)
nas quaes occorre o Catarrhactes sclateri (MARCUS 1933, p. 91, fig. 75) (6)
pertencem á zona regularmente attingida pelo gelo marinho fluctuante. Os pinguins recentes e, pelo que se sabe hoje, tambem os fosseis, formam uma ordem
do hemispherio meridional, e teem desempenhado assim importante papel nas
discussões sobre connexões anteriores dos continentes sulinos (WITTMANN 1934,
p. 254) (7). Em comparação, por exemplo, com os Gymnophiona (SAWAYA
1937, p. 248) (8) e os Onychophora (MARCUS 1937, p. 261) (9), ambos sem
segura documentação paleontologica, os pinguins conhecidos desde o mioceno e
talvez desde o eoceno parecem provar; mais seguramente que os Amphibios e
arthropodos alludidos, tal ligação dos continentes. Entretanto não devemos ne-
Aparelho copulador do macho.
gligencíar a possibilidade de distribuição passiva de aves marinhas, já verificada
em gelo fluctuante na zona da corrente do vento oeste. Assim pensamos ser
conveniente não exagerar no sentido paleogeographico a identidade do Mallophago encontrado nos tres pinguins dif ferentes. .
Damos a seguir a redeseripçâo do A. bifasciatus, acompanhada de alguns
desenhos, com o fito de esclarecer alguns pontos das descripções de Piaget e
Harríson.
.
42
REVISTA DE BIOLOGIA E HYGIENE !t(1) :39-46, novo 1938
Austrogoniodes bffasciatus
(PIAGET)
Goniocoies biiasciatus Piaget, Les Pediculines, SuppI. p. 47, PI. 5, f. 6 (1885).
Goniocotes bifasciatus Piaget, in Mjõberg, Arkiv. fiir ZooI. Band 6, n.? 13,
p. 108 (1910).
Goniocotcs bifasciatus Piaget, in Waterston, Ann. of S. África Mus, V. lO,
p. 289 (1914).
Austrogoniodes sirutheus Harrison, Parasitology, V. 7, p. 399, Fig. 2, PI.
XXVII, fig. 15 (1915).
Austroqoniodes bifasciatus (Piaget), in Harrison, Parasitology, V. 9, n.? 1,
p. 85 (1916).
Austrogóniode.9 strutheus Harrison, Parasitology, V. 9, n.? 1, p. 85 (1916).
Austroçoniodes bifasciatus (Piaget ), in Bedford, 18th Report of Dir. ofVet.
Servo and Animal Ind., U. South África, p. 332 (1932).
Cabeça mais larga que longa, obtusamente arredondada anteriormente e
apresentando em sua borda cerca de 8 pequenos pêlos. Trabeculas pequenas
e acuminadas. Sinus antennaes estreitos e pouco profundos. Olhos fracamente salientes e apresentando uma mancha de pigmentos. Posteriormente aos olhos
as temporas se alargam gradativamente. attingindo ahi a maior largura da caheça após o que se estreitam novamente, formando com a concavidade occipital
-duas pontas agudas terminadas por duas cerdas curtas e fortes que attingem o
Ultímee segmentos abdominaes do
macho
(lado
dorsal) .
pterothorax. Faixas antennaes globosas e escuras, unidas pela faixa frontal
que é mais estreita e mais clara. Faixas occipitaes bastante escuras e triangulares. Antenas curtas; o 1.0 articulo é o maior, 2.° maior que os 3.° e 4.° que
são sub-iguaes. Bordas das temporas apresentando 3 pequenas cerdas; logo
43
L. R. GUIMARÃES:
SOBRE UM MALLOPHAGO
(AUSTROGONIODES
BIFASCIATUS)
atraz da maior largura da cebeça insere-se uma cerda maior. A regrao dorsal
da cabeça tanto '110 adulto, como na larva, apresenta cerca de 20 pequenos Pêlos
com localisações mais ou menos constantes nos especimens examinados.
Extremidade posterior da femes (lado ventral).
Prothorax mais ou menos rectangular e atravessado por uma faixa mais
escura que, entretanto, não attinge suas bordas anterior e posterior. Pterothorax
Individno jovem (lado dorsal).
com os angulos Iatero-anteriores salientes; bordas Iatero-posteriores levemente
arredondadas e convergindo para a linha mediana. Bordas lateraes e poste44
REVISTA DE BIOLOGIA E HYGIENE 9(1) :89-46, novo 1938
,riores limitadas por uma faixa clara. .As bordas lateraes apresentam 4-5
cerdas longas intercaladas por pequenos espinhos ea borda posterior cerca
de 6 cerdas longas. Patas curtas e fortes ; coxa do par anterior apresentando, no angulo 'latero posterior, um appendice espiniforme, que já se apresenta tambem na larva. .A extremidade distal da tibia do par mediano apresenta
dois processos escamiformes e a do par posterior tres desses processos, além de
dois fortes espinhos.
Abdomem ovalar, com 8 segmentos apparentes e tendo sua maior largura
entre o 2.° e 3.° segmentos. Placas pleuraes escuras e caracteristicas, apresentando as dos 7.° e 8.0 segmentos uma, ridicula semelhança com a cabeça de um
passaro, donde lhe vem o nome especifico dado por Harrison. Placas tergaes
interrompidas no meio por urn largo espaço claro, excepto a do 8.0 segmento
que o cobre inteiramente. No 'macho este segmento é arredondado em sua
borda externa que é acompanhada por uma forte faixa chitinica apresentando
cerca de 12 longas cerdas. Placa genital da femea levemente concava e franjada por pequenas cerdas que augmentam de tamanho nos lados, culminando
por 11/12 cerdas longas. Apparelho copulador do macho conforme a figura
n." 3..
As medidas de nossos exemplares coincidem com a dos especimens de Harrison, exceptuando-se na maior largura do abdomem dos machos, que em nossos exemplares é de 0,590 emquanto que no espécimen typo de Harrison é
de 0,470.
.
Desejamos consignar aqui 08 nossos agradecimentos aos 5nrs. RICARDO ORFILA,
B. THOMP~ON e especialmente ao Proí, E. MARCUS, do Departamento de
Zoologia da Universidade de São Paulo, a quem devemos 8S suggestóes e a orien ..
tação sohre as considerações aeogecgrapbdcas emittidas nesta nota.
GORDON
SUMMARY
The A. redescniebes Austroçoniodes bifasciatus (Piagei 1835) foundon ·Speniscus magellanicus from Puerto Deseado, Sta, Cruz, Rep Argentina, and puts in the synonyrny of the
above-spccies, A. sirutheus Harrison 1915, collected on Catarrhactes scateri (=EudYi'tes selateri) frorn the neig'hbourood of New Zeland. He states thatthis species had already been
recordej by Waterston 00 Spheniscus demersus from South África. 50, once more, the
phylogenetic and paleogeographie valus of the study of Mallophaga, is evidenced because
it seems that the mutability of these ectoparasêtes is lower than that of b.rds, He finds
that the present distrjbution of «p:nguin1l» and the occurrence of a sarne species of
Mallophaga on «pinguins» inciding in three differeIJt zoogeographical zones could be explain 'by Wegener's theory notwithtandíng, therefore, tihe possíbility of passive d.stribution,
already recorded with martine birds, on floating ice in the zone of western wind ourrents.
LITERATURA
1.
HARRISON, L.: On a new Family and five new genera of Mallophaga,
V. 7, p. 383-406, 1915.
2.
WATERSTON,
J.: On Some Ectoparasites in the
A/rica Mus., V. X, p. 271-321, 1914.
Porasitoloçy,
South Afrícan Museum.
Ann. S.
45
L. R. GUIMARÃES:
SOBRE UM MALLOPHAGO
3.
STR~SEMANN,
4.
CLAUSS, C. GROBBEN, K. UND KÜHN A.:
(Verlag von JiUliusSpringer) 1932.
(AUSTROGONlODES
BIFASCIATUS)
E. AVES, KÜKENTHAI, & KRUMI!ACH: Handb, der Zoólogie, V. 7, pars,
2, Berlim &I Leipzig (W. de Gru)"ter Verlag) 1927-1934.
Lehrbuch der Zoologie, Ber1in& Wien
.
5.
V\'EGl';NER, A.: Die Entsiehunq der Kontlnente und Oseane, 4Aufl. 2~1 p. Braunsehweig
(Ver1ag F. Vieweg) 1929.-
6.
MARCUS, E.: Tlerçeoqratihie, Handb, geograph, Wissensch., V. 2, p. 81-166, Potsdarn
(Athenaion Verlag) 1933.
7.
WITTMANN, O.: Die bioqeoçraphischen. Besiehllngen der SüdkOlttinente. Zoogeographíca, V. 2, fase. 2, p. 246-304. Jena (Verlag Gustav Fisoher) 1934.
8.
SAWAYA, P.:
9.
MARCUS, E.:
1937.
46
Sobre o género Siphonops Wagler (1828) etc.
Letr, S. Paulo, Zoologia, n.O 1, p, 225-263, 1937.
BoI. Fac. Philos, Sei.
SObre os Onychophoros, Arch. Inst. Biol., V. 8, p. 255-266.
São Paulo,