anticoagulação e endoscopia

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anticoagulação e endoscopia
CONDUTA NA TERAPIA DE ANTICOAGULAÇÃO E
ANTIPLAQUETÁRIA PARA O PROCEDIMENTO ENDOSCÓPICO
Os procedimentos endoscópicos tem se desenvolvido de
modo impressionante nas últimas décadas.
Através dos mesmos fazem-se intervenções não somente
diagnósticas, mas também terapêuticas.
Um dos óbices que podem dificultar os procedimentos
endoscópicos é a anticoagulação e a administração de
drogas que afetam a função plaquetária.
Quatro problemas básicos surgem neste contexto:
1. Condição
prévia do
paciente com
tendência a
hemorragia (portadores de hemofilia, doença de Von
Willebrand, doença de Bernard-Soulier, Trombastenia de
Glanzmann, dentre outros).
2. Risco de sangramento em pacientes anti-coagulados ou
sob uso de drogas que afetam a função das plaquetas.
3. Risco dos fenômenos tromboembólicos decorrentes de
longa manipulação desses pacientes, em doentes
portadores de trombofilia, quando são retirados os
anticoagulantes.
1
4. Quando re-introduzir os inibidores da hemostasia após o
procedimento endoscópico.
Como resumo prático do mecanismo de hemostasia e de
suas implicações, temos o seguinte esquema:
FATORES DO SISTEMA
INTRÍNSECO DA
COAGULAÇÃO
SANGÜÍNEA
FATORES DO SISTEMA
EXTRÍNSECO
PLAQUETAS
FATOR Xa
PROTROMBINA
FIBRINOGÊNIO
TROMBINA
FIBRINA
Temos na nossa prática diária, os seguintes inibidores clássicos
da coagulação sangüínea:
1. Warfarina Sódica (Marevan (5mg) ou Coumadin (1, 2,5 e
5mg)
2
2. Femprocumona (Marcoumar, 3mg)
3. Heparina Clássica (Liquemine, 28.000UI e Liquemine Subcutâneo, 8.000UI
4. Heparin (Cristália) 5.000UI
Inibidores
recentemente
descritos
como
inibidores
da
coagulação:
1. Inibidor do fator X ativado
Heparinas de baixo peso molecular.
a) Enoxaparina (Clexane): 20, 40, 60, 80, 100mg.
b) Nadroparina Cálcica (Fraxiparina): 2.850, 3.800,
5.700, 7.600, 9.500 UIA Xa.
c) Dalteparina (Fragmin): 2.500, 5.000, 100.000UI.
2. Inibidores da função plaquetária:
Inibidores da Cicloxigenase
a)
Ácido
acetil
salicílico
(AAS,
Aspirina,
Bufferin,
Somalgin, Salitil, Cibalena, Coristina D, Fontol,
Migrane, Prevencor, Sonrisal, Superhist, Alka Seltzer,
dentre outros.
3
b)
Inibidores de outros mecanismos que não a ciclooxigenase:
Clopidogrel (Plavix, 75mg, Iscover, 75mg) (inibe os
receptores de membrana IIb / IIIa
Ticlopidina (Ticlid, 250mg) (inibe o receptor de
ADP), Plaketar, Ticlobal, 250mg.
Pentoxifilina (Trental, 400 e 600mg VO), 100mg. EV.
Persantin (Dipiridamol) 75 e 100mg. VO e 10mg. EV.
c)
Anti-inflamatórios
em
geral
(inibem
a
ciclo-
oxigenase)
Atuação dos diversos agentes no mecanismo da Hemostasia:
FATORES DA
COAGULAÇÃO
PLAQUETAS
FATOR Xa
WARFARINA SÓDICA
E FEMPROCUMONA
(II, VII, IX, X e
PROTEÍNA C e S)
PROTROMBINA
VÁRIOS INIBIDORES DA
FUNÇÃO PLAQUETÁRIA
(COMO ASPIRINA,
CLOPIDOGREL, ETC.)
TROMBINA
HEPARINA
CLÁSSICA
HEPARINA DE
BAIXO PESO
MOLECULAR
FIBRINOGÊNIO
FIBRINA
4
Procedimentos de alto risco:
• Polipectomia
• Esfincterotomia biliar
• Dilatações em geral (uretra, reto, etc)
• Colocações de próteses
• Endosonografia para biópsia aspirativa
• Ablação a laser e coagulação
• Tratamento de varizes
A conduta nesses casos é a interrupção da anticoagulação à
base da Warfarina Sódica ou da femprocumona, por 3 a 5
dias.
Deve-se deixar o INR abaixo de 1.6 ou o tempo de
protrombina em torno dos 40% ou mais; se necessário corrigir
com transfusão de plasma.
No caso do uso da heparina clássica, torna-se necessário
suspendê-la.
Em se tratando de heparina de baixo peso
molecular, não utilizar dose elevada.
Nossa experiência é maior com a Enoxaparina (Clexane) e
aplicar dose de 20mg; (no máximo 40mg. ao dia).
Se o paciente estiver recebendo Aspirina, Clopidogrel ou
Ticlopidina, suspender a medicação por pelo menos cinco
dias. Se o tempo de sangramento estiver ainda prolongado e
houver
premente
intervencionista
necessidade
endoscópico,
do
administrar
procedimento
transfusão
de
plaquetas.
5
Procedimentos de baixo risco:
• Esofagogastroduodenoscopia
• Colonoscopia
• Colocação de “stent” sem esfincterostomia biliar ou
pancreático
• Endo-sonografia sem biópsia por agulha
• Enteroscopia
Nesses casos há relativa segurança em se realizar os
procedimentos
endoscópicos
com
o
paciente
anticoagulado.
O único cuidado a ser tomado é a
avaliação de se fazer ou não biópsia com pinça.
Risco do paciente com doença hemorrágica
Nos casos de hemofílicos (A e B) e Doença de Von
Willebrand,
é
necessária
a
reposição
dos
fatores
de
coagulação em falta (Fator VIII para hemofílicos A e Doença
de Von Willebrand) e Fator IX para a hemofilia B.
Nos casos da doença de Von Willebrand pode-se utilizar
também o DDAVP por via venosa.
Nos pacientes com doenças plaquetárias e vasculares
graves, deve-se administrar plaquetas.
É o caso da
Trombastenia de Glanzmann, púrpura trombocitopênica
6
idiopática grave (menos de 20 mil plaquetas), Doença de
Bernard-Soulier,
Síndrome
Púrpura
hemolítica
plaquetopatias
como
trombocitopênica
urêmica
trombótica
graves.
deficiência
Em
congênita
de
e
outras
ciclo-
oxigenase e tromboxane sintetase não são necessárias
medidas profiláticas especiais.
Mesmo na PTI com mais de 30 mil plaquetas por mm3, podese realizar os procedimentos endoscópicos, tomando-se o
cuidado em avaliar bem a necessidade premente de
realização de biópsias.
Risco em pacientes com trombofilia.
Pacientes portadores de trombofilia.
Doentes trombofílicos congênitos ou aqueles que fazem uso
de
substâncias
Talidomida,
trombogênicas
geralmente
como
fazem
uso
por
exemplo
contínuo
a
de
anticoagulantes. O problema que surge é a necessidade de
suspender temporariamente o uso do anticoagulante para
submeter-se a procedimento endoscópico muitas vezes de
risco.
Nesses casos recomendamos o uso da heparina de
baixo peso molecular (enoxaparina, 20 mg. de 12 em 12
horas), re-introduzindo-se novamente o anticoagulante oral
24 horas após o procedimento.
7
Conduta
nas
procedimento
complicações
endoscopia
a
hemorrágicas
despeito
de
após
medidas
cautelatórias.
Tanto a heparina clássica, chamada de heparina não
fracionada como a heparina de baixo peso molecular,
exercem suas atividades ativando a anti-trombina e inibindo
o fator X ativado. A heparina de baixo peso molecular tem
sobretudo forte atividade anti Fator Xa.
Devido a isto a heparina de baixo peso molecular não altera
o tempo de tromboplastina parcial, o que dificulta ao clínico
avaliar de modo prático quão anticoagulado está o
paciente. Além disto este tipo de heparina tem uma meia
vida (pelo menos 12 horas) longa o que dificulta sua
neutralização. No entanto, ao contrário da heparina clássica,
não fracionada, a heparina de baixo peso molecular não
causa plaquetopenia.
De todo modo, usamos, como na heparina clássica, o sulfato
de protamina com o intuito de neutralizar os efeitos
anticoagulantes da heparina clássica.
Os fenômenos hemorrágicos decorrentes do uso da heparina
de baixo peso molecular podem chegar a 5%. No entanto, é
muito raro o sangramento gastro-intestinal.
8
RESUMO DAS RECOMENDAÇÕES
Hemorragia aguda em pacientes tomando Warfarina sódica
ou femprocumona.
O procedimento correto é aumentar os fatores dependentes
da vitamina K de maneira rápida.
Isto se faz através de
transfusão de concentrado de fatores dependentes da
vitamina K, como o fator II, VII, IX e X, presentes em produtos
como Proplex ou Prothromplex.
Imediatamente após o procedimento, dependendo da
causa que originou a anticoagulação, iniciar novamente o
controle hemostático. Isto se faz à base de heparina clássica
ou heparina de baixo peso molecular, dependendo do
resultado da endoscopia.
Hemorragia aguda em pacientes tomando heparina de baixo
peso molecular
Deve-se utilizar protamina para neutralizar o efeito da
heparina, realizar o exame e adotar as medidas clássicas
endoscópicas para fazer cessar a hemorragia: cauterização,
administração de cola de fibrina, ácido tranexânico ou
Trasylol (local).
9
Considerar
o
risco-benefício
de
re-introduzir
a
anti-
coagulação.
No caso de endoscopia eletiva, isto é, na ausência de
fenômeno agudo que causou a indicação do procedimento
endoscópico, pode-se aguardar pelo menos 24 horas após o
uso da última dose de heparina de baixo peso molecular.
Reintroduzindo de acordo com a relevância da indicação
prévia da anticoagulação. Toda a conduta dependerá do
risco do fenômeno trombo-embólico.
Agentes antiplaquetários
Na ausência de sangramento pré-existente podem-se fazer os
procedimentos endoscópicos na presença de agentes antiplaquetários
não
Especialmente
aspirínicos
no
que
diz
ou
mesmo
respeito
ao
com
aspirina.
Clopidogrel
e
Ticlopidina, os efeitos anti-plaquetários podem persistir de 3 a
7 dias.
O dipiridamol age sobretudo como inibidor da fosfadiesterase
tendo um efeito anti-plaquetário menor.
Deve-se no entanto enfatizar que as drogas que inibem a
função
plaquetária
têm
como
via
comum
final
a
glicoproteína IIb/IIIa.
10
O interessante é que o Clopidogrel ao contrário da aspirina
não agride a mucosa gastrointestinal.
Claro que durante hemorragia tanto o Clopidogrel, como a
Ticlopidina e a aspirina devem ser interrompidos. Após o
procedimento
endoscópico
estas
drogas
podem
ser
reintegrados no dia seguinte. Eventualmente pode-se lançar
mão de transfusão de plaquetas ou do DDAVP para
assegurar boa hemostasia.
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