4 Vol XVIII 2009 - Revista Nascer e Crescer
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4 Vol XVIII 2009 - Revista Nascer e Crescer
Vol. 18, nº 4, Dezembro 2009 18| 4 Revista do Hospital de Crianças Maria Pia | Departamento de Ensino, Formação e Investigação | Centro Hospitalar do Porto Ano | 2009 Volume | XVIII Número | 04 Directora | Editor | Sílvia Álvares; Directora Adjunta | Associated Editor | Margarida Guedes Presidente do CA do Centro Hospitalar do Porto, EPE | Director | Pedro Esteves Corpo Redactorial | Editorial Board Artur Alegria, MJDinis - CHP; Carmen Carvalho, MJDinis CHP; Conceição Mota, H Maria Pia - CHP; Laura Marques, H Maria Pia - CHP; Miguel Coutinho, H Maria Pia - CHP; Rui Chorão, H Maria Pia - CHP Editores especializados | Section Editors Artigo Recomendado – Helena Mansilha, H Maria Pia - CHP; Maria do Carmo Santos, H Maria Pia - CHP; Tojal Monteiro, ISCBAS Perspectivas Actuais em Bioética – Natália Teles, INSRJ-INSA Pediatria Baseada na Evidência – Luís Filipe Azevedo, FMUP; Altamiro da Costa Pereira, FMUP A Cardiologia Pediátrica na Prática Clínica – Abílio Reis, CHP; António Marinho, HUC; Fátima Pinto, HS Marta; Maria Ana Sampaio, H Cruz Vermelha; Maria João Baptista, HS João; Paula Martins, H Pediátrico de Coimbra; Rui Anjos, HS Cruz; Sílvia Álvares, H Maria Pia; Ciclo de Pediatria Inter-Hospitalar do Norte – Armando Pinto, IPO; Carla Carvalho, HSMMaior; Conceição Santos Silva, CHPVVC; Fátima Santos, CHVNG-Espinho; Fernanda Manuela Costa, HSAntónio-CHP; Helena Jardim, HS João; Isolina Aguiar, CHAA; Joaquim Cunha, CHVS; Miguel Costa, CHEDV; Rogério Mendes, MJDinis - CHP; Rosa Lima, H Maria Pia - CHP; Soa Aroso, HPHispano; Sónia Carvalho, CHMA; Susana Tavares, HS Sebastião - CHAA Caso Endoscópico – Fernando Pereira, H Maria Pia - CHP Caso Estomatológico – José Amorim, H Maria Pia - CHP Genes, Crianças e Pediatras – Esmeralda Martins, H Maria Pia - CHP; Margarida Reis Lima, INSRJ-INSA Caso Radiológico – Filipe Macedo, SMIC Pequenas Histórias – Margarida Guedes, HSAntónio - CHP Coordenação Técnica | Editorial Coordenation Margarida Lima, HSA - CHP Conselho Técnico | Consultant Gama de Sousa, H Maria Pia - CHP Conselho Cientíco Nacional | | National Scientic Board - Agustina Bessa Luís, H Maria Pia - CHP - Almerinda Pereira, HS Marcos - Álvaro Aguiar, FMUP, HS João - Ana Maria Leitão, HSM Maior - Ana Maria Ribeiro, CHEDV - Ana Ramos, H Maria Pia - CHP - António Lima, CHEDV - António Martins da Silva, ICBAS - António Vilarinho, CHVNG - Espinho - Arelo Manso, H Vila Real - CHTMAD - Arlindo Oliveira, HF Zagalo - Braga da Cunha, H Pe Américo - CHTS - Carlos Duarte, H Maria Pia - CHP - Cidade Rodrigues, H Maria Pia - CHP - Clara Barbot, H Maria Pia - CHP - Conceição Casanova, H Póvoa de Varzim - CHPV-VC - Eloi Pereira, H Maria Pia - CHP - Eurico Gaspar, HS Pedro - CHTMAD - Fátima Praça, CHVNG - Filomena Caldas, H Maria Pia - CHP - Gama Brandão, HS Oliveira - CHAA - Gonçalves Oliveira, H Famalicão - CHMA - Henedina Antunes, HS Marcos - Ines Lopes, CHVNG - Espinho - José Barbot, H Maria Pia - CHP - José Carlos Areias, FMUP, HS João - José Carlos Sarmento, CHVS - José Castanheira, HS Teotónio - José Cidrais Rodrigues, HPHispano - José Pombeiro, MJDinis – CHP - Lopes dos Santos, HPHispano - Lucília Norton, IPO - Luís Januário, H Pediátrico de Coimbra - Luís Lemos, H Pediátrico de Coimbra - Luís Vale, HS António - CHP - Manuel Salgado, H Pediátrico de Coimbra - Manuela Selores, HS António - CHP - Marcelo Fonseca, HPHispano - Margarida Lima, HS António - CHP | ICBAS - Margarida Medina, HS António - CHP - Maria Augusta Areias, MJDinis – CHP - Maria Salomé Gonçalves, H Maria Pia - CHP - Miguel Taveira, H Maria Pia - CHP - Nuno Grande, ICBAS - Octávio Cunha, HS António - CHP - Óscar Vaz, H Mirandela - CHN - Paula Cristina Ferreira, HS António - CHP - Pedro Freitas, HS Oliveira - CHAA - Raquel Alves, H Maria Pia - CHP - Rei Amorim, HS Luzia - CHAM - Ricardo Costa, H Pêro da Covilhã, CHCV - Rodrigues Gomes, F Calouste Gulbenkian - Rosa Amorim, H Maria Pia - CHP - Rui Carrapato, HS Sebastião Secretariado Administrativo | Secretary Conselho Cientíco Internacional | | International Scientic Board www.hmariapia.min-saude.pt - Allan de Broca (Amiens), Hôpital Nord - Anabelle Azancot (Paris), Hôpital Robert Debré - D. L. Callís (Barcelona), Hospitals Vall d’Hebron - F. Ruza Tarrio (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - Francisco Alvarado Ortega (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - George R. Sutherland (Edinburgh), University Hospital - Harold R. Gamsu (Londres), Kings College Hospital - J. Bois Oxoa (Barcelona), Hospitals Vall d’Hebron - Jean François Chateil (Bordeaux), Hôpital Pellegrin - José Quero (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - Juan Tovar Larrucea (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - Juan Utrilla (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - Peter M. Dunn (Bristol), University of Bristol Os trabalhos, a publicidade e a assinatura, devem ser Carolina Cortesão Paulo Silva Publicação trimestral resumida e indexada por EMBASE / Excerpta Médica; Catálogo LATINDEX Design gráco bmais comunicação Execução gráca e paginação Papelmunde, SMG, Lda Vila Nova de Famalicão ISSN 0872-0754 Depósito legal n° 4346/91, anotada no Ministério da Justiça em 92.04.24 Tiragem 2.500 exemplares Autorização CTT DE 0005/2005 DCN Propriedade, Edição e Administração Hospital de Crianças Maria Pia, DEFI Centro Hospitalar do Porto Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto tel: 226 089 900; fax: 226 000 841 dirigidos a Coordenação da Revista Nascer e Crescer Hospital de Crianças Maria Pia Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto tel: 226 089 900; telemóvel: 915 676 516 [email protected] Condições de assinatura Anual Nacional (4 números) – 40 euros Anual Estrangeiro (4 números) - 80 euros Número avulso - 12 euros Rua da Boavista, 713 – 4050-110 PORTO Tel. 222 081 050 [email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia índice ano 2009, vol XVIII, n.º 4 número4.vol.XVIII 245 Editorial 246 Artigos Originais Sílvia Álvares Benefícios do Rastreio Neonatal nas Doenças da -oxidação Mitocondrial dos Ácidos Gordos Esmeralda Martins, Anabela Bandeira, Hugo Rocha, Ana Marcão, Laura Vilarinho 252 Centro de Atendimento a Jovens no Centro de Saúde – Casuística de Nove Anos Joana Cardoso, Maria José Dinis, Maria José Leite, Celeste Rocha, Ivone Pereira, Maria Elvira Pinto, Helena Santos 257 Casos Clínicos De uma Convulsão com Rabdomiólise ao Diagnóstico Familiar de Doença de McArdle Susana Sousa, João Paulo Gabriel, Liliana Pereira, Altina Lopes, Márcia Quaresma, Hugo Rocha, Rui Chorão de Pediatria Inter-Hospitalar 261 Ciclo do Norte Hidropisia Fetal – Patologia do Passado, Presente e… Futuro? Estudo Retrospectivo Maria José Cálix, João Neves, Rui Pinto, Anabela João, Jacinto Torres, Manuela Mateus, Anabela Gomes 267 Artigo Recomendado 270 273 275 Perspectivas Actuais em Bioética Helena Ferreira Mansilha Tojal Monteiro Maria do Carmo Santos Bases de Dados Genéticos Antônio Carlos Gonçalves da Cruz NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 Cardiologia Pediátrica na Prática 283 AClínica Janela Aortopulmonar - Uma Causa Rara de Insuciência Cardíaca Congestiva em Lactente Mónica Marçal, Susana Duarte, Patrícia Mendes, Ana Teixeira Rui Rodrigues, Miguel Abecasis, Rui Anjos, Maymone Martins 288 Qual o seu Diagnóstico? Caso Endoscópico Fernando Pereira 290 Caso Estomatológico José M. S. Amorim 292 Caso Radiológico Filipe Macedo 294 Caso Dermatológico Tiago Torres, Manuela Selores 296 Genes, Crianças e Pediatras Filipe Mota, João Silva, Margarida Reis Lima, Gabriela Soares, Ana Maria Fortuna Reunião do Hospital de Crianças S298 XXI Maria Pia – Resumo das Intervenções Resumo de Poster 299 Pequenas Histórias Permissividades Margarida Guedes Jornadas de Actualização em 300 ICardiologia Pediatrica 301 Índice de Autores 303 Índice de Assuntos 306 Agradecimentos 307 Normas de Publicação Hipertensão Arterial Polmunar na Criança - Programa Preliminar NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia summary ano 2009, vol XVIII, n.º 4 number4.vol.XVIII 245 Editorial 246 Original Articles Sílvia Álvares Effectiveness of Newborn Screening for Mitochondrial Fatty Acid Oxidation Disorders Esmeralda Martins, Anabela Bandeira, Hugo Rocha, Ana Marcão, Laura Vilarinho 252 Youth Clinics in a Health Care Center – Nine Years Experience Joana Cardoso, Maria José Dinis, Maria José Leite, Celeste Rocha, Ivone Pereira, Maria Elvira Pinto, Helena Santos 257 Case Reports From a Seizure with Massive Rhabdmomyolisis to the Familiar Diagnosis of McArdle’s Disease Susana Sousa, João Paulo Gabriel, Liliana Pereira, Altina Lopes, Márcia Quaresma, Hugo Rocha, Rui Chorão 261 Paediatric Inter-Hospitalar Meeting Hydrops Fetalis – Pathology of Past, Present and… Future? A Retrospective Study Maria José Cálix, João Neves, Rui Pinto, Anabela João, Jacinto Torres, Manuela Mateus, Anabela Gomes 267 Recommended Article 270 273 275 Current Perspectives in Bioethics Helena Ferreira Mansilha Tojal Monteiro Maria do Carmo Santos Genetic Databases Antônio Carlos Gonçalves da Cruz NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 Cardiology in Clinical 283 Paediatric Practice Aortopulmonary Window – A Rare Cause of Congestive Heart Failure in the Infant Mónica Marçal, Susana Duarte, Patrícia Mendes, Ana Teixeira Rui Rodrigues, Miguel Abecasis, Rui Anjos, Maymone Martins 288 What is your diagnosis? Endoscopic Case Fernando Pereira 290 Radiological Case Filipe Macedo 292 Oral Pathology Case José M. S. Amorim 294 Dermatology Case Tiago Torres, Manuela Selores 296 Genes, Children and Paediatricians Filipe Mota, João Silva, Margarida Reis Lima, Gabriela Soares, Ana Maria Fortuna Meeting of Children’s Hospital S298 XXI Maria Pia – Abstracts 299 Short Stories Poster Presentation – abstract Permissive Education Margarida Guedes Paediatric Cardiology 300 IUpdate Meeting 2010 Pulmonary Arterial Hypertension in Children – Preliminary Program 301 Author Index 303 Subject Index 306 Acknowledgements 307 Instructions for Authors NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 editorial No nal de 2009 é oportuno reectir sobre a evolução da Nascer e Crescer neste período e apresentar os projectos para o próximo ano. Um dos objectivos a que nos propusemos foi introduzir a recepção electrónica dos trabalhos cientícos e a utilização da mesma via no processo de revisão por pares e na distribuição da revista a todos os colaboradores. Este procedimento agilizou a comunicação e permitiu diminuir o tempo entre a recepção do artigo e a sua publicação. Também procurámos diversicar os peritos para a revisão dos artigos cientícos, procurando sempre obter o contributo de colegas experientes e com elevado espírito cientíco, já que consideramos que o desenvolvimento deste processo de forma rigorosa é garantia da qualidade cientíca de uma revista. Contudo o sistema não funciona enquanto o editor, ou o revisor, ou o autor não forneçam a informação necessária; se o endereço está errado, se não há resposta ao e-mail, se o revisor não faz a revisão ou o autor não efectua as propostas de alterações dos pares, a via da publicação ca bloqueada. Daí o nosso apelo para que leiam os e-mails relativos ao processo de revisão dos trabalhos; especialmente aos revisores, a quem é solicitado o cumprimento de uma tarefa difícil que representa uma sobrecarga de trabalho adicionada a uma actividade clínica diária exigente, pedimos que ponham em prática a chamada Regra de Ouro ou a Ética da Reciprocidade: actuem como se o manuscrito fosse da vossa autoria. Acabamos o ano com a integração da Nascer e Crescer no Projecto SciELO Portugal1, o que seguramente se vai traduzir numa maior visibilidade, acesso e divulgação da revista e, consequentemente, no número de submissões de trabalhos cientícos. Este é também um desao que assumimos com entusiasmo, já que implica uma melhoria contínua de qualidade, e cremos que será um factor de promoção da produção cientíca. Fazem parte dos projectos para 2010 a integração de novos elementos no corpo redactorial e a consolidação desta publicação na comunidade cientíca, bem como a procura de parcerias com Instituições vocacionadas para a investigação nas ciências da saúde. A publicação da Nascer e Crescer só tem sido possível graças a um notável trabalho de equipa que envolve todos os nossos colaboradores e patrocinadores. A todos muito obrigada. Sílvia Álvares 1 A Rede SciELO (Scientic Electronic Library Online), um sistema de publicação electrónica de revistas cientícas ibero-americanas de acesso aberto, foi criada no Brasil em 1996, por iniciativa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo (FAPESP) e implantada em parceria com o Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme) e instituições nacionais e internacionais ligadas à comunicação cientíca. É considerada uma referência e uma ferramenta de pesquisa de informação, imprescindível à comunidade cientíca. Ampliou, ainda, a visibilidade da ciência e o número de citações de artigos de pesquisadores e contribuiu para melhorar a qualidade das revistas editorial 245 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 Benefícios do Rastreio Neonatal nas Doenças da -oxidação Mitocondrial dos Ácidos Gordos Esmeralda Martins1, Anabela Bandeira1, Hugo Rocha2, Ana Marcão2, Laura Vilarinho2 RESUMO Objectivos: Avaliar o contributo do diagnóstico precoce na redução da pesada morbilidade e mortalidade que se associa aos defeitos da -oxidação mitocondrial dos ácidos gordos. Método: Avaliação clínica e bioquímica retrospectiva dos doentes com defeitos da -oxidação mitocondrial dos ácidos gordos (déce em desidrogenases dos ácidos gordos de cadeia média - MCAD, déce em desidrogenases dos ácidos gordos de cadeia longa - LCHAD e déce múltiplo das desidrogenases dos ácidos gordos - MADD), diagnosticados de forma assintomática pelo rastreio metabólico neonatal alargado, ou diagnosticados préviamente em fase sintomática. Registou-se idade de diagnóstico e de início de tratamento, primeiros sintomas, clínica à data de diagnóstico, descompensações e evolução. Resultados: Foram identicados e incluídos 11 doentes com doenças hereditárias do metabolismo nomeadamente: cinco doentes com MCAD, três com LCHAD e três com MADD. Em seis doentes o diagnóstico foi sintomático. Nestes, as primeiras manifestações da doença ocorreram entre o primeiro dia e o ano de idade, havendo registo de vários episódios de descompensação antes do diagnóstico. Neste grupo de doentes a mortalidade foi de 66%. Nos restantes cinco doentes o rastreio neonatal efectuado entre o 3º e o 6º dia de vida possibilitou um diagnóstico precoce. A mortalidade nestes foi nula e estão clinicamente assintomáticos, não havendo internamentos por descompensação grave. __________ 1 2 Unidade Metabolismo, Unid. Maria Pia, CHP Centro de Genética Médica - INSA, Porto 246 artigo original Conclusões: O diagnóstico présintomático e o início de um tratamento capaz de prevenir ou minimizar o impacto das situações de descompensação aguda e as complicações a longo prazo reduzem de forma efectiva a mortalidade e a morbilidade. Palavras-chave: Doenças da -oxidação mitocondrial dos ácidos gordos; rastreio neonatal; diagnóstico pré-sintomático; diagnóstico sintomático; diagnóstico precoce Nascer e Crescer 2009; 18(4): 246-251 INTRODUÇÃO O rastreio neonatal constitui um dos maiores programas de medicina preventiva nos países ocidentais. Com início em meados da década de 70 tem como objectivo detectar, em estado pré-sintomático, doenças para as quais existe tratamento, reduzindo assim a sua morbilidade e mortalidade. Na última década a aplicação da espectrometria de massa em tandem (MS/MS) ao rastreio neonatal veio tornar possível o diagnóstico simultâneo de um grande número de doenças metabólicas hereditárias a partir da cha de diagnóstico precoce já utilizada, sem aumentar a quantidade de sangue colhido ao recém-nascido (RN)(1,2,3,4). Com o aumento signicativo do número de doenças passíveis de serem rastreadas e com a possibilidade de novos tratamentos, a tendência é para alargar o espectro e incluir novas patologias. É importante, no entanto, que esta expansão seja rigorosamente monitorizada avaliando os benefícios (melhoria da morbilidade, mortalidade e qualidade de vida) e inevitavelmente os custos(3,5,6,7). Para a fenilcetonúria, primeira doença metabólica a ser rastreada, é consensual e inquestionável neste momento a vantagem clínica e económica do rastreio(2). Para o novo grupo de DHM detectadas precocemente por MS/MS, os benefícios são claros para o déce em desidrogenases dos ácidos gordos de cadeia média (MCAD), sendo ainda alvo de discussão para as restantes doenças(5,7,8,9). A identicação e quanticação por MS/MS de metabolitos marcadores das doenças e as razões entre eles permitem identicar mais de 30 doenças que podem dividir-se em 3 grandes grupos: aminoacidopatias, acidurias orgânicas e defeitos da -oxidação mitocondrial dos ácidos gordos(10,11). Os defeitos da -oxidação mitocondrial dos ácidos gordos têm uma incidência individual que varia entre 1:8.000 e 1:100.000, constituindo o grupo mais frequentemente de patologias detectadas no rastreio(10,12). Os ácidos gordos são a maior reserva de energia do organismo e têm um papel crucial durante períodos de jejum ou de maior stress metabólico fornecendo 80% da energia utilizada pelo coração, fígado e músculo-esquelético. Sob o ponto de vista clínico estas doenças podem apresentar-se de forma aguda com hipoglicemia hipocetótica, acidose metabólica, hiperamoniémia, letargia, cardiomiopatia, insuciência hepática, morte súbita, rabdomiólise ou mais tardiamente com miopatia, neuropatia e retinopatia. A clínica aguda surge em períodos de gasto energético aumentado como jejum prolongado, febre ou outras situações de stress metabólico e é caracterizada por uma elevada mortalidade (superior a 50% nos diagnósticos sintomáticos)(10,13). No nosso país o Programa Nacional de Diagnóstico Precoce iniciou-se em NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 1979 com o rastreio da Fenilcetonúria, passando em 1981 a incluir o rastreio do hipotiroidismo congénito. Em 2005, após um estudo piloto, foi iniciado o rastreio neonatal alargado que actualmente incluiu 25 doenças(11,14). O objectivo deste trabalho é avaliar o contributo do diagnóstico precoce na redução da pesada morbilidade e mortalidade que se associa aos defeitos da -oxidação mitocondrial dos ácidos gordos, referindo a nossa experiência e fazendo simultaneamente uma revisão dos estudos que estão a ser publicados sobre evolução destes doentes. Inclui doentes com déce em MCAD, com déce nas desidrogenases dos ácidos gordos de cadeia longa (LCHAD) e ainda com déce múltiplo das desidrogenases dos ácidos gordos (MADD; aciduria glutárica tipo II), todas com um modo de transmissão autossómica recessiva. POPULAÇÃO E MÉTODOS Local: Hospital Pediátrico de nível III. Critérios de inclusão: doentes com defeitos da -oxidação mitocondrial dos ácidos gordos (MCAD, LCHAD E MADD) diagnosticados sintomaticamente ou com diagnóstico pré sintomático pelo rastreio metabólico neonatal. Todos os casos em seguimento que cumpriam os critérios estabelecidos foram incluídos no estudo. Métodos: Estudo retrospectivo com recolha de dados a partir do processo clínico. Foi avaliada a história familiar, idade e forma de apresentação nos sintomáticos, idade de diagnóstico e de início de tratamento, adesão à terapêutica, número de episódios e gravidade das descompensações e evolução que incluiu o crescimento e desenvolvimento, morbilidade e mortalidade. RESULTADOS Foram incluídos 11 doentes, seis com diagnóstico sintomático (2 MCAD, 2 LCHAD e 2 MADD) e cinco doentes do rastreio (3 MCAD, 1 LCHAD e 2 MADD), referenciados nos Quadros I, II e III. Na história familiar destes casos foi documentada consanguinidade em duas das onze famílias, havendo o registo de quatro irmãos previamente falecidos com a mesma patologia do caso índex. Uma família era de etnia cigana e as restantes de origem caucasiana. Há ainda a referir em dois casos uma gestação complicada com partos prematuros: um quadro de HELLP (hemólise, elevação das transaminases e trombocitopenia) num doente com LCHAD e uma pré-eclampsia num caso de MADD. Os cinco pacientes diagnosticados no rastreio neonatal estavam assintomáticos à data do diagnóstico e iniciaram tratamento entre o sexto e o décimo séti- mo dia de vida. Actualmente, têm entre 7 meses e 3 anos de idade e permanecem assintomáticos com um crescimento, exame neurológico e desenvolvimento normais. Há o registo de seis internamentos para uidoterapia endovenosa durante intercorrências infecciosas com vómitos ou recusa alimentar evitando descompensações graves da doença. Nos seis doentes com diagnóstico sintomático a apresentação na altura do diagnóstico foi variável em gravidade e idade de início. Nos casos com MCAD a clínica manifestou-se aos 7 e 15 meses de idade com sonolência, letargia, alterações hepáticas e hipoglicemia. Um dos doentes faleceu no primeiro episódio. O outro foi diagnosticado aos dois anos, no segundo episódio de descompensação. Este tem actualmente 17 anos de idade, um crescimento e desenvolvimento cognitivo normal não tendo voltado a fazer episódios de descompensação após o diagnóstico (Quadro I). Nos LCHAD os dois doentes sintomáticos, diagnosticados aos 9 e 18 meses apresentavam miocardiopatias graves com insuciência cardíaca, hepatomegalia, alterações da função hepática e hipotonia. Faleceram durante infecções respiratórias, uma e três semanas após o diagnóstico, respectivamente. Um deles esteve parcialmente assintomático até à data do diagnóstico, o outro manifestou- Quadro I – Doentes com déce em MCAD Diagnóstico sintomático 1 Diagnóstico sintomático 2 Rastreio neonatal 1 Rastreio neonatal 2 Rastreio neonatal 3 Sexo Masculino Feminino Masculino Masculino Feminino Idade diagnóstico 2 anos 7 meses 9 dias 6 dias 5 dias Sintomas Episódios recorrentes de coma Episódio Reye-like ausência de sintomas ausência de sintomas ausência de sintomas Diagnóstico molecular A985G/ A985G A985G/A985G A985G/A985G A985G/A985G C653G/A985G Internamentos/ descompensação 2 1 2 1 0 Idade actual 18 anos Faleceu 7 meses 3 anos 2 anos 2 anos Crescimento Normal - Normal Normal Normal Desenvolvimento Normal - Normal Normal Normal Hx familiar - - - - Irmão falecido Consanguinidade artigo original 247 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 se no período neonatal com hipoglicemia (Quadro II). Dos dois doentes com diagnóstico sintomático na MADD um teve apresentação neonatal com dismora facial, convulsões e hepatomegalia associados a acidose metabólica e hipoglicemia graves, e o outro mais tardiamente como um quadro de vómitos cíclicos, letargia, acidose metabólica e alterações da função hepática que motivaram múltiplos internamentos entre o primeiro ano de vida e o início de tratamento aos 10 anos de idade (Quadro III). Em todos os doentes o diagnóstico bioquímico foi conrmado por estudo enzimático e/ou molecular. Nos MCAD foi efectuado o diagnóstico bioquímico através do perl de acilcarnitinas (com elevação de octanoilcarnitina (C8), decanoilcarnitina (C10) e relação C8/C10 nos casos rastreados), e em todos os casos a cromatograa de ácidos orgânicos urinários demonstrou um aumento da hexanoilglicina e dos ácidos dicarboxílicos. Todos os doentes apresentaram a mutação clássica em homozigotia (A985G) e o quinto doente uma heterozigotia composta com uma mutação nova (A985G/C653G). Na LCHAD o diagnóstico foi efectuado pelas alterações nas acilcarnitinas no doente rastreado (elevação de 3-hidroxihexadecanoilcarnitina C16OH e 3-hidroxioctadecanoil-carnitina C18OH) e nos restantes casos pela elevação dos 3-hidroxidicarboxílicos no perl cromatográco de ácidos orgânicos urinários. A mutação mais comum, G1528C foi detectada em homozigotia, em todos os doentes. Para a MADD, dois doentes apresentaram o perl bioquímico típico, com Quadro II – Doentes com déces em LCHAD Diagnóstico sintomático 1 Diagnóstico sintomático 2 Rastreio neonatal 1 Sexo Masculino Masculino Masculino Idade diagnóstico 18 meses 9 meses 5 dias Sintomas Miocardiopatia Hepatopatia Má evolução estatuo-ponderal Miocardiopatia hipertróca Prematuridade por HELLP Diagnóstico molecular G1528C/ G1528C G1528C/G1528C G1528C/ G1528C Internamentos/ descompensação 4 1 0 Idade actual Faleceu 18 meses Faleceu 9 meses 6 meses Crescimento - - Normal Desenvolvimento - - Normal Hx familiar Consanguinidade Irmão falecido - - Quadro III – Doentes com déce em MADD Diagnóstico sintomático 1 Diagnóstico sintomático 2 Rastreio neonatal 1 Sexo Masculino Feminino Masculino Idade diagnóstico 4 dias 10 anos 7 dias Sintomas Dismora facial Hipotonia, hepatomegalia, convulsões, coma vómitos recorrentes, letargia Alterações bioquímicas Hipoglicemia, Acidose metabólica, Hiperamoniemia transaminases, Acidose metabólica, Cetose intermitente CK Diagnóstico molecular p.X618QextX14/ X618QextX14 p.R191C/R191C p.R155G/P534L Internamentos/ descompensação 1 10 0 18 anos 248 ausência de sintomas Idade actual Faleceu em 5 dias Crescimento - Desenvolvimento - Diculdades aprendizagem Normal Hx familiar 2 irmãos Falecidos - - artigo original Normal 3 anos Normal NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 presença de glutárico e metabolitos da oxidação dos ácidos gordos, e numa doente as alterações foram evidentes apenas durante as descompensações. Este diagnóstico foi conrmado pelo estudo molecular com heterogeneidade genotípica que está registada no Quadro III. Globalmente os sete doentes em seguimento, 2 com diagnóstico sintomático e 5 com diagnóstico assintomático, cumprem tratamento. Todos têm indicação de evitar períodos de jejum longo fazendo reforço de ingestão de hidratos de carbono durante períodos de maior stress metabólico como por exemplo nas intercorrências infecciosas. Na LCHAD fazem tratamento dietético com restrição no aporte em triglicerídeos de cadeia longa que são substituídos pelo aporte em triglicerídeos de cadeia média. Na MADD a terapêutica consiste numa dieta restrita em proteínas e gorduras e suplementos de carnitina. DISCUSSÃO O painel das doenças rastreadas com a utilização de tandem mass não é consensual nos vários países. Na União Europeia actualmente existe uma heterogeneidade considerável nos programas de rastreio neonatal. Em 2007, 13 dos países europeus ainda não tinham iniciado o rastreio neonatal alargado (nestes inclui-se por exemplo a França). Nos 9 países que utilizam o tandem mass o número de doenças rastreadas varia entre 2 e 23(15). É consensual no entanto, em todos estes países, que o sucesso do screening passa por um follow-up clínico a longo prazo e que apenas este pode fornecer evidência suciente acerca das doenças que tem ganho efectivo ao serem rastreadas(16,17,18). Em Portugal, a frequência das doenças da -oxidação mitocondrial dos ácidos gordos, após início do rastreio alargado é de 1/7.000, sendo a MCAD, 1/9.977 mais frequente que a fenilcetonúria, 1/10.082 (Relatório Diagnóstico Precoce 2008). A MCAD é efectivamente a doença mais frequentemente incluída nos novos programas de rastreio e cuja incidência se veio a tornar duas a três vezes superior à do diagnóstico sintomático(9,19). Este facto permitiu fazer estudos comparativos com um número signicativo de doentes, onde estão registadas as vantagens económicas e os ganhos em morbilidade e mortalidade(20,21). A mortalidade que era de cerca de 20% a 30% no primeiro episódio do diagnóstico sintomático reduziu signicativamente, estando calculado que a mortalidade e a morbilidade grave reduzem cerca de 90% nos casos tratados precocemente(22, 23). Na nossa casuística, enquanto nos doentes sintomáticos a mortalidade foi de 50%, nos rastreados não houve episódios de descompensação graves e a mortalidade é nula. Por outro lado para a LCHAD e MADD os trabalhos de avaliação da evolução e estudos comparativos com doentes sintomáticos são exíguos em parte pela raridade destas patologias(11). Um trabalho multicêntrico efectuado com 75 doentes com defeitos da -oxidação mitocondrial dos ácidos gordos de cadeia longa(24), nomeadamente LCHAD, o início de um tratamento adequado nos doentes assintomáticos, previne as descompensações agudas que se associam a elevada mortalidade e morbilidade bem como as complicações da doença a longo prazo como a miocardiopatia. Em relação a outras complicações irreversíveis mais tardias como a retinopatia e a neuropatia periférica, que podem surgir mais tardiamente, em 43% e 21% dos doentes respectivamente, o trabalho não é conclusivo uma vez que estes doentes assintomáticos têm uma idade inferior a 6 anos. Este efeito benéco de um tratamento precoce na miocardiopatia mas duvidoso a longo prazo para a retinopatia e neuropatia periférica é também referido noutros trabalhos(13). Nos nossos doentes sintomáticos a miocardiopatia com insuciência cardíaca severa foi o factor determinante na morte durante intercorrência infecciosa pouco tempo após o diagnóstico e que poderia provavelmente ter sido evitada com um início precoce de tratamento. A aciduria glutárica tipo II (MADD), é caracterizada por uma grande heterogeneidade clínica que é evidente nos nossos doentes sintomáticos, um com apresentação severa e morte precoce ao terceiro dia de vida e outro de apresentação mais tardia e menos grave com má evolução ponderal, vómitos cíclicos e hepatopatia. O doente do rastreio está clinicamente assintomático, mas apresenta uma ligeira elevação utuante da CK. Nesta doença o tratamento das formas menos graves com carnitina e terapêutica dietética é efectivo, ca a dúvida em relação ao tratamento pré-sintomático nas formas mais graves onde a mortalidade é elevada, mesmo nos doentes rastreados(25,26). A avaliação da qualidade de vida nos doentes rastreados, passa também pelo impacto da doença na família, devendo os cálculos incluir os ganhos da informação genética e de um diagnóstico pré-natal. Em todas estas famílias foi feito o respectivo aconselhamento genético e posteriormente foi efectuado o diagnóstico pré-natal em três gravidezes. A implementação recente do rastreio alargado faz com que várias questões estejam ainda por responder, nomeadamente evolução a longo prazo e o tratamento nos casos identicados bioquimicamente e cujas consequências siológicas não estão bem esclarecidas. Assim, neste momento, todos os esforços no sentido de denição do espectro de doença, a história natural e a resposta ao tratamento a longo termo deve idealmente ser feita no maior número possível de doentes(27), sendo de relevo todas as casuísticas relativas a estas doenças. Comentário: O rastreio neonatal é fundamental nas doenças da -oxidação mitocondrial dos ácidos gordos. Embora o grupo avaliado neste trabalho seja pequeno, nos doentes sintomáticos a mortalidade é signicativamente maior (4/6) comparativamente aos casos rastreados onde a mortalidade é nula. A morbilidade é também maior com múltiplos internamentos por episódios de descompensação, antes do diagnóstico etiológico nos casos sintomáticos. A possibilidade de um aconselhamento genético e de um rastreio familiar é também fundamental. Nestas 11 famílias há a referir, previamente ao diagnóstico dos sintomáticos, a morte de quatro irmãos no período neonatal ou durante episódios febris que tinham provavelmente a mesma doença. artigo original 249 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 EFFECTIVENESS OF NEWBORN SCREENING FOR MITOCHONDRIAL FATTY ACID OXIDATION DISORDERS ABSTRACT Aims: To evaluate the contribution of neonatal screening in morbidity and mortality of beta mitochondrial fatty-acid oxidation. Methods: Retrospective clinical and biochemical evaluation of patients with mitochondrial fatty acid oxidation disorders (medium-chain acyl-CoA dehydrogenase deciency - MCAD, long-chain 3-hydroxyacyl-CoA dehydrogenase deciency - LCHAD and multiple acyl-CoA dehydrogenase deciencies - MADD. Analysis of age at diagnosis, clinical presentation and evolution, therapy effectiveness, number of acute episodes and physical and cognitive development. Results: We identied 11 patients with mitochondrial fatty acid oxidation disorders: 5 with MCAD; 3 with LCHAD and 3 with MADD. In six cases, the diagnosis was made by clinical symptoms and the median age at diagnosis was 2.7 years. Before the diagnosis, two of them had multiple hospitalizations for acute episodes and the mortality was 66%. In ve patients, neonatal screening, between the 3rd and 6th day of life, made the diagnosis. In this group, all patients are clinically well, without episodes of decompensation. Conclusions: In this evaluation we veried that neonatal screening allowed a decrease of mortality and morbidity in mitochondrial fatty acid disorders. Key-words: Mitochondrial fatty acid oxidation disorders; neonatal screening; assymptomatic diagnosis; symptomatic diagnosis Nascer e Crescer 2009; 18(4): 246-251 BIBLIOGRAFIA 1. Wilcken B, Wiley V. Hammond J. Carpenter K. Screening newborns for inborn errors of metabolism by tandem mass spectrometry. N Engl J Med 2003: 348;23: 2304-12. 250 artigo original 2. Leonard J, Dezateux C, Screening for inherited metabolic disease in newborn infants using tandem mass spectrometry. BMJ. 2002: 354: 4-5. 3. Wilcken B. Mini-symposium: Newborn screening for inborn errors of metabolism – clinical effectiveness. J. Inherit. Metab. 2006: 366-9. 4. Announcement. The Society for Inherited Metabolic Disorders – statement on newborn screening and treatment of individuals with inborn errors of metabolism detected by newborn screening. 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Agradecem ainda à Comissão de Fomento pela bolsa “Avaliação dos benefícios clínicos e sócio-económicos do rastreio neonatal nas doenças metabólicas hereditárias”, que apoiou e nanciou este estudo. artigo original 251 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 Centro de Atendimento a Jovens no Centro de Saúde – Casuística de Nove Anos Joana Cardoso1, Maria José Dinis1, Maria José Leite2, Celeste Rocha2, Ivone Pereira2, Maria Elvira Pinto2, Helena Santos1 RESUMO Introdução e objectivos: Os Centros de Atendimento a Jovens (CAJ) foram criados com o objectivo de suprir uma lacuna na relação, em termos de saúde, com os jovens portugueses. O objectivo deste estudo foi analisar as características dos utentes do CAJ e o tipo de utilização dos serviços de saúde. Material e métodos: Foi realizado um estudo retrospectivo descritivo dos registos do CAJ num Centro de Saúde do Norte de Portugal nos anos de 2000 a 2008, avaliando variáveis epidemiológicas e de utilização do centro. Resultados: Entre 2000-2008 realizaram-se 2024 primeiras e 10889 segundas consultas; as consultas a jovens do sexo feminino quintuplicaram de 2000 para 2004, tendo-se mantido estáveis para o sexo feminino de 2005 a 2008 e para o sexo masculino de 2000 a 2008. Os principais motivos de recurso ao CAJ foram o início e manutenção da contracepção (47 a 63%), informação geral e sobre sexualidade (19 a 48%). A contracepção de emergência, disponível desde 2002, foi dispensada nesta consulta a 168 utentes até ao ano de 2008. Nos anos analisados, vericou-se que 68% das utentes que recorreram à contracepção de emergência tinham acompanhamento habitual pelo seu médico de família ou no CAJ; a sua necessidade deveu-se, em cerca de 51% dos casos, a relação sexual não protegida e nos restantes 49% a falência do método contraceptivo. Conclusão: A utilização do CAJ tem aumentado ao longo dos anos. A ver__________ 1 2 Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho C.S. Barão do Corvo, CH VNGaia/Espinho 252 artigo original tente de planeamento familiar foi a mais procurada. O início da vida sexual já tinha ocorrido na maioria dos casos antes do recurso à consulta, e de uma forma desprotegida numa proporção preocupante. O escasso número de rapazes foi sugestivo de uma atitude de desresponsabilização masculina relativamente à contracepção. Palavras Chave: jovens, contracepção, sexualidade, pílula, preservativo, emergência Nascer e Crescer 2009; 18(4): 252-256 INTRODUÇÃO O conceito de atendimento médico à população adolescente e jovem tem evoluído signicativamente. Em Portugal, a discussão sobre este assunto e suas especicidades iniciou-se nos anos 70, e na década de 80 surgiram as primeiras experiências, enquadradas por legislação especíca na prestação de cuidados a adolescentes e jovens(1,2). Esta população foi considerada “um dos grupos sujeitos a maiores riscos” pelo que deveriam ser “tomadas medidas especiais”. Passaram também a ser pensados como promotores de saúde e agentes de mudança, considerando-se esta fase da vida como uma altura ideal para apoiar e intervir em contextos delicados, de forma a optimizar os ganhos em saúde. A população juvenil masculina foi alvo de um projecto de abordagem especíco após constatação da “resistência” apresentada aos cuidados de saúde(3-5). O reconhecimento da especicidade dos adolescentes e jovens resultou na publicação de directivas e criação de condições de atendimento próprios quer em contexto de medicina de ambulatório (Centros de Atendimento a Jovens - CAJ) quer em contexto hospitalar (Consultas de Adolescentes). Apesar de servirem a mesma população, têm normas de conduta muito diferentes(1,2,6). No Centro de Saúde onde foi realizado o presente estudo, localizado numa área urbana do Norte de Portugal, o CAJ foi criado em 1997 tendo como princípios orientadores a condencialidade e o acesso livre e gratuito. A gratuituidade desta consulta está enquadrada no artigo 6º da Lei nº 3/84 de 24 de Março – Educação Sexual e Planeamento Familiar. Pretendeu desde sempre funcionar como uma porta aberta para qualquer problema que afecte o grupo etário que abrange (11 aos 25 anos), com especial enfoque na saúde sexual e reprodutiva. Fornece de forma gratuita em todas as consultas, preservativos, independentemente do uso de outros métodos anticoncepcionais. Desde 2002 esta consulta passou a poder dispensar também contraceptivos de emergência. É constituída por um grupo de duas médicas e duas enfermeiras com formação especíca em atendimento a jovens. Decorre duas vezes por semana, durante duas horas e meia. O contacto entre o utente e o serviço é feito através de um número atribuído no primeiro contacto, para garantia de condencialidade. Este estudo tem como objectivo analisar o CAJ deste Centro de Saúde num período de nove anos, caracterizando-o em termos populacionais, tipo de utilização da consulta e hábitos da vida sexual da sua população. Pretendeu-se fazer uma análise crítica da sua actuação e avaliam-se as áreas de intervenção com necessidade de reforço. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 MATERIAL E MÉTODOS Estudo retrospectivo descritivo dos registos mensais do Centro de Atendimento a Jovens no período de 2000 a 2008 (registos sistematizados desde 2000). O grupo etário estudado tem uma variação entre os 11 e os 25 anos. Foram colhidos os dados disponíveis nos registos: número de primeiras e segundas consultas por ano; distribuição das consultas por sexo; idade; motivo de consulta; fornecimento de métodos contraceptivos e de barreira na consulta. Foi também realizada a revisão de uma amostra das primeiras consultas (anos de 2003 a 2008), com a colheita dos dados relativos a: idade e sexo dos utentes, vida sexual e atitudes de planeamento sexual prévio, e fonte de divulgação da consulta (amigas, médico assistente, mãe, professora, outros CAJ). Foi ainda analisada a utilização da contracepção de emergência desde que foi iniciada a sua disponibilização no CAJ (2002) até ao ano de 2008, avaliando-se a evolução da sua utilização, acompanhamento médico prévio, uso habitual de métodos anticoncepcionais na altura da relação de risco e número de utilizações prévias da contracepção de emergência. RESULTADOS Foram analisados os registos disponíveis no período de 2000 a 2008. Vericou-se mudança de formato de registo entre os anos de 2002 e 2003 relativo à distribuição por grupo etário, passando de três para quatro grupos etários. No período estudado, foram realizadas um total de 12913 consultas no CAJ, das quais 16% corresponderam a primeiras consultas, e 3% realizadas a jovens do sexo masculino. O número de utentes femininas mostrou uma tendência crescente (duplicaram as primeiras consultas e aumentaram nove vezes as consultas subsequentes), atingindo um pico no ano de 2006, tendo-se posteriormente registado um pequeno declínio. Os utentes masculinos mantiveram-se estáveis com uma média de 43 utentes por ano (gura 1). Relativamente ao grupo etário, apenas estavam disponíveis dados para as primeiras consultas. Nos anos de 2000 a 2002 predominou a procura destas consultas no grupo dos 15-20 anos (73% do sexo feminino e 54% do sexo masculino), enquanto no período de 2003 a 2008 predominou no grupo dos 14-17 anos nas raparigas (56%) e nos rapazes (46%). O principal motivo de recurso ao CAJ foi a contracepção (dispensa de anticoncepcionais orais e preservativos), responsável por 77-97% das consultas. Outros motivos mencionados, associados ou não à procura de métodos de contracepção, foram a informação sobre saúde reprodutiva em geral (23 a 99%) e a realização do teste de rastreio do carcinoma do colo do útero (1-7%). De destacar o aumento progressivo da procura de informação de 2000 a 2008, em contraste com a diminuição da realização do rastreio do carcinoma do colo do útero. As suspeitas de gravidez motivaram a consulta em 1-3% dos casos. Nos 9 anos analisados, apenas 114 em 12913 consultas tiveram como causa problemas comportamentais (ansiedade, depressão), problemas familiares, orientação sexual e comportamentos aditivos. Atendendo às primeiras consultas realizadas nos anos de 2003 a 2008, analisadas em conjunto, observou-se que 10% dos utentes não tinham iniciado a sua vida sexual antes de recorrer a esta consulta; no entanto, em 44% dos processos não se encontrava especicado este facto. Dos utentes que já tinham utilizado métodos contraceptivos antes da primeira consulta (51% do total), a pílula (52%), o preservati- Distribuição de consultas de 2000 a 2008 por sexo Figura 1 – Distribuição de consultas de 2000 a 2008 por sexo artigo original 253 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 vo (39%) e a contracepção de emergência (9%) foram as principais opções. A pessoa ou instituição que informou o utente sobre a existência desta consulta estava mencionada em 25% dos processos consultados; as “amigas” foram o principal agente difusor de informação (69%), seguidas por “outras fontes” (14%), por “outros familiares” que não os pais (7%) e em 6% pelo “médico assistente” (gura 2). No que concerne à contracepção de emergência, esta foi dispensada pelo CAJ a 8 utentes em 2002, 21 em 2003 e 2004, 25 em 2005, 30 em 2006 e 2007 e a 33 utentes em 2008 (gura 3). Os grupos etários que mais utilizaram este método foram os dos 14-17 anos e 18-20 anos. A grande maioria destas utentes tinham acompanhamento médico habitual quer no seu médico de família (17%) ou no CAJ (51%). No entanto, 51% das mulheres não usou nenhum tipo de método anticoncepcional considerado ecaz na altura da relação de risco para gravidez, enquanto as restantes fariam uso (incorrecto ou falhado) da pílula ou preservativo (ou ambos). Não foi o primeiro recurso à contracepção de emergência em 18% dos casos, e em sete jovens foi a terceira vez que recorreram a este método. DISCUSSÃO O CAJ foi criado para servir a população juvenil, segundo a denição da OMS: “conjunto de indivíduos com idades compreendidas entre os 10 e os 24 anos”(1). Esta população agrupa idades com características muito diversas, e com diferentes necessidades em termos de saúde. O aumento marcado do número de consultas deveu-se sobretudo ao crescente número de segundas consultas realizadas com um pico em 2006; no entanto o número de primeiras consultas também aumentou de forma signicativa, facto atribuível a uma maior informação da população alvo. A consulta é mais utilizada pelos utentes com idades compreendidas entre os 14 e os 20 anos, não se tendo vericado uma clara tendência crescente nas faixas etárias mais jovens. A forma de condução da consulta, com fácil acesso e condencialidade, é um factor predictor de sucesso, e é o principal incentivo facilitador da auência dos jovens às consultas(6-9). Conhecimento da consulta Figura 2 – Conhecimento da consulta nos anos de 2004 a 2008 254 artigo original De destacar o muito baixo número de utentes do sexo masculino, indicando uma atitude de desresponsabilização perante a temática da contracepção. Serão necessários sérios esforços no sentido de evocar uma mudança de atitude de grupo. A necessidade de programas especícos que visem o sexo masculino é uma referência constante na literatura(3-5). A possibilidade de obtenção de métodos de contracepção de uma forma gratuita e o aconselhamento destes utentes sobre a saúde sexual e reprodutiva continuam a ser o motivo principal que leva os jovens ao CAJ, embora esta consulta não se esgote nesse âmbito. Não foi possível realizar uma análise sobre o tipo de métodos anticoncepcionais utilizados por limitações inerentes ao tipo de registo. No entanto, existe a sensação subjectiva por parte das pessoas que realizam a consulta, de uma subvalorização por parte dos utentes, acerca do papel dos métodos barreira na protecção contra as doenças sexualmente transmissíveis (DST) quando comparados com pílula contraceptiva na prevenção de uma gravidez indesejada. Em cada consulta é fornecida infor- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 mação oral sobre as DST e explicada a necessidade de protecção, sendo oferecida sempre aos utentes a possibilidade de terem acesso a preservativos independentemente do facto de usarem outros métodos. No entanto, o equilíbrio ténue entre a informação e orientação e a não realização de juízos de valor é fundamental para manter os utentes ligados à consulta, de forma a tentar prevenir as consequências nefastas da vida sexual sem protecção(1,8,10,11). A utilização do CAJ noutras vertentes de saúde como os problemas comportamentais, orientação sexual e comportamentos aditivos foi, neste período de tempo, feita de uma forma muito residual (114 em 12913 consultas). Estes números não representam, seguramente, a frequência destes problemas na população que recorre a esta consulta, tornando-se assim clara a necessidade de encontrar uma metodologia de trabalho que facilite a criação de laços de conança ainda maiores, de forma a poderem ser naturalmente abordados os assuntos que possam ser vistos como melindrosos pelos utentes, sem os afastar da consulta. A análise das primeiras consultas de 2003 a 2008 revela que a grande maioria dos utentes já tinha iniciado a sua vida sexual, e já fazia uso habitual de métodos contraceptivos. O facto da principal fonte de informação para o acesso à consulta serem as amigas demonstra uma falha da disponibilização de informação por fontes mais dedignas (instituições de saúde, escolas, prossionais de saúde não associados ao CAJ). Será necessário desenvolver uma estratégia de informação mais abrangente através de formação de professores e prossionais de saúde, folhetos, cartazes e internet para distribuição de informação adequada à população alvo, a exemplo de estratégias já descritas noutros estudos (promoção em eventos desportivos ou outros dedicados a público jovem)(4). Relativamente à contracepção de emergência, vericou-se o aumento do seu uso. De destacar o elevado número de utentes que referia não estar a usar um método contraceptivo na altura da relação de risco, bem como os que estavam a usar um método contraceptivo mas de forma incorrecta ou inecaz. Três das utentes a quem foi disponibilizado este método tinham menos de 14 anos; em sete utentes, a contracepção de emergência realizou-se por três vezes, até à data. É um facto assinalável e gerador de controvérsias, uma vez que demonstra insuciência das políticas educativas de carácter preventivo do nosso sistema de educação e de saúde e a falta de consciencialização por parte das jovens que a contracepção de emergência não é um fármaco inócuo. Os números obtidos relativamente à contracepção de emergência são similares a outros estudos europeus(12-14). Levanta-se mais uma vez a questão da educação sexual, e relativamente ao CAJ, da ecácia da correcta transmissão da informação. Considerando por m a metodologia de registo da consulta, seria vantajoso o registo uniformizado da informação na consulta e a elaboração de um protocolo a seguir, de forma a incluir elementos importantes actualmente em falta. Seria uma mais valia em termos clínicos e melhoraria a qualidade de estudos posteriores. Contracepção de emergência segundo a idade nos anos de 2002 a 2008 Figura 3 – Utilização da contracepção de emergência segundo a idade nos anos de 2002 a 2008 artigo original 255 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 CONCLUSÃO No CAJ, apesar de aberta a outras utilizações, a vertente de planeamento familiar é a mais procurada. Os resultados deste estudo mostram a necessidade de investir de uma forma estruturada na informação e educação sexual dos jovens e na formação dos prossionais de forma a promover estilos de vida saudáveis e uma vivência sexual adequada com minimização dos riscos na idade juvenil. Serão necessários estudos a nível nacional para se conhecer a fundo a realidade dos jovens portugueses, de modo a poder criar estratégias de actuação mais dirigidas e ecazes em termos de saúde, não esquecendo a sua vertente da sexualidade. because of previous unprotected sexual intercourse (51%) or failure of the contraceptive method used during the intercourse (49%). Conclusions: YC utilization has been growing up steadily. Contraception search was the main appointment reason. Sex life had already started before the rst appointment in most cases, and with no kind of protection in considerable number of users. The small number of males attending YC might be regarded as a non-responsible attitude towards contraception. Key Words: youth, contraception, sexuality, contraceptive pill, condoms, emergency Nascer e Crescer 2009; 18(4): 252-256 YOUTH CLINICS IN A HEALTH CARE CENTER – NINE YEARS EXPERIENCE ABSTRACT Introduction and aim: The youth clinics (YC) were created to promote an age oriented health care services. The objective of this study was to characterize the population attending an YC and the type of utilization of the health care services. Methods: Retrospective descriptive study of a Health Care Center YC in Northern Portugal, between the years 2000 and 2008, with analysis of epidemiologic and utilization characteristics of its population. Results: Between 2000 and 2008 we had 2024 rst and 10889 subsequent appointments; consultations for females increased ve times between 2000-2004, becoming stable thereafter; the number of consultations for males was similar each year. The main reasons to attend an YC were the start and maintenance of contraception (47-63%) and to get general health and sexuality-related information (19-48%). Emergency contraception, available since 2002, was given to 168 women until 2008; 68% of them had regular medical follow-up at her family doctor or at YC; this method was searched 256 artigo original BIBLIOGRAFIA 1. Prazeres V. Programa Nacional de Saúde dos Jovens – Bases. Lisboa: Direcção-Geral da Saúde, Divisão de Saúde Materna, Infantil e dos Adolescentes, 2005 2. (Sem Autor). Saúde Reprodutiva: Planeamento familiar (Orientações Técnicas; 9). Lisboa: Direcção-Geral da Saúde, Divisão de Saúde Materna, Infantil e dos Adolescentes, 2001 3. Lindberg C, Lewis-Spruill C, Crownover R. Barriers to sexual and reproductive health care: urban male adolescents speak out. Issues Compr Pediatr Nurs 2006;29(2):73-88 4. (Sem Autor). Reaching young men: two successful approaches. Contracept Technol Update 1998;19(8):101-2. 5. Prazeres, V. 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Lopes3, M. Quaresma1, H. Rocha3, R. Chorão4 RESUMO As miopatias metabólicas são doenças provocadas por defeitos na utilização das reservas energéticas dos tecidos musculares. Apresentam-se por intolerância ao exercício, com fadiga ou mialgias e, por vezes, com mioglobinúria. A Doença de McArdle (doença de armazenamento do glicogénio tipo V) é uma doença deste grupo, com um modo de transmissão autossómico recessivo, causada por mutações no gene PYGM, localizado no cromosoma 11 (11q13), que resultam numa deciência da fosforilase muscular. Apresentamos o caso clínico de um adolescente de quinze anos, em que foi feito o diagnóstico de Doença de McArdle após internamento por rabdomiólise maciça no contexto de crise convulsiva generalizada tónico-clónica. Estudos moleculares permitiram a identicação da mutação p.R50X em homozigotia, no probando, no pai e numa irmã. Palavras-Chave: Doença de McArdle, Glicogenose tipo V, intolerância ao exercício, rabdomiólise Nascer e Crescer 2009; 18(4): 257-260 INTRODUÇÃO As miopatias metabólicas são um grupo heterogéneo de doenças resultantes da incapacidade do músculo esquelético produzir ou manter níveis adequados de energia. Classicam-se de acordo __________ 1 2 3 4 Serviço de Pediatria, Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real Serviço de Neurologia, Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real Departamento de Genética, Instituto Nacional Dr. Ricardo Jorge, Porto Serviço de Neurologia Pediátrica, Hospital Maria Pia, CHP com as vias metabólicas que se encontram alteradas, podendo dividir-se em glicogenoses musculares, doenças do metabolismo lipídico e miopatias mitocondriais(1,2). A Doença de McArdle ou doença de armazenamento do glicogénio tipo V (MIM# 232600) é a glicogenose muscular mais comum. Foi descrita por Brian McArdle em 1951(3), mas a identicação da alteração enzimática subjacente ocorreu apenas em 1959(4). É devida a um déce de miofosforilase, a isoforma muscular (M) da enzima fosforilase do glicogénio, responsável pela sua degradação e essencial para a produção de energia. Nos humanos há duas outras isoformas da fosforilase, a hepática (L) e a cerebral/ miocárdica (B), mas o músculo maduro normal contém apenas a isoforma M(5,6). É uma doença de transmissão autossómica recessiva, cujo gene (PYGM) está localizado no cromossoma 11 (11q13), estando descritas várias mutações(7). O quadro clínico típico da doença é a intolerância ao exercício, manifestada por mialgias, fadiga precoce e rigidez ou fraqueza musculares, aliviadas pelo repouso. Muitos doentes exibem um fenómeno característico, denominado “second wind”, que consiste na capacidade de continuarem o exercício se repousarem brevemente logo após o início dos sintomas(5,6). Quando isto não acontece e o exercício é prolongado, pode ocorrer rabdomiólise, com caimbras dolorosas, mioglobinúria e por vezes insuciência renal(8). Têm sido descritas outras formas de apresentação, menos frequentes: forma rapidamente progressiva do lactente, causando fraqueza generalizada, insuciência respiratória e morte; formas que cursam com fraqueza proximal precoce e atraso do desenvolvimento psicomotor; e formas de início tardio(9-11). Apesar de ser uma doença não progressiva, com o avançar da idade a fraqueza persistente torna-se mais comum(5). CASO CLÍNICO Apresentamos o caso de um adolescente de 15 anos internado no Serviço de Pediatria por ter sido detectado valor anormalmente elevado de CK (109 773 UI/L), após convulsão tónico-clónica generalizada. Trata-se do 3º lho de pais consanguíneos (primos em 2º grau), fruto de uma gestação vigiada e sem intercorrências, nascido de parto eutócico, de termo, com Índice de Apgar de 9/10/10 (ao 1º, 5º e 10º minutos, respectivamente) e somatometria adequada à idade gestacional. Não havia referência a intercorrências no período neonatal e o desenvolvimento psicomotor foi sempre adequado à idade. Desde há um ano tinha tido três crises convulsivas generalizadas tónico-clónicas, motivo pelo qual tinha sido referenciado à Consulta de Neurologia; nesta, realizou TAC cerebral (sem alterações) e EEG (actividade paroxística generalizada: surtos de ponta-onda irregular), sendo medicado com valproato de sódio que suspendeu por iniciativa própria, abandonando a consulta. Havia também a referência a mialgias para esforços moderados, ocasionalmente seguidas de mioglobinúria. Nos antecedentes familiares, salienta-se a história de epilepsia com crises tonicoclónicas generalizadas e mialgias com o esforço físico no pai e uma irmã com queixas de mialgias. O exame físico não mostrou alterações. Os exames complementares de diagnóstico revelaram, além do aumento do valor de CK, níveis elevados de DHL (10 343 UI/L), TGO (408 U/L) e TGP (190 U/L). A análise de urina revelou hemoglobinúria sem eritrocitúria. casos clínicos 257 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 Figura 1 Figura 2 Figura 3 Figura 4 Figuras 1 a 3: Biópsia muscular do probando. Figura 4: Biópsia muscular do controlo. Figura 1: HE 10X. Variação no diâmetro das bras. Figura 2: Presença de vacúolos predominantemente com localização subsarcolémica, que coram pelo PAS. Figura 3: Ausência de actividade da miofosforilase. Figura 4: Actividade da miofosforilase normal O hemograma, função renal, ionograma e bioquímica urinária não mostraram alterações. Realizou ainda estudo metabólico sumário e ecocardiograma (normais) e EEG, com resultado idêntico ao exame prévio. Fez terapêutica de hiper-hidratação endovenosa e alcalinização da urina, tendo retomado valproato de sódio. Analiticamente, assistiu-se a um agravamento inicial, com valor máximo de CK em D1 (203.620 UI/L) e, posteriormente, redução progressiva, com evolução sobreponível das transaminases e desidrogenase láctica. A função renal mantevese conservada, com boa diurese, não se registando novos episódios convulsivos ou queixas álgicas, tendo tido alta ao m de uma semana. O estudo subsequente 258 casos clínicos incluiu: EMG, que mostrou discretas alterações miopáticas (traçados voluntários polifásicos e de pequena amplitude nos músculos dos membros superiores); biópsia muscular, que revelou presença de vacúolos PAS positivos e ausência de actividade da miofosforilase (Figuras 1 a 4) e estudo genético, com homozigotia para a mutação p.R50X no gene PYGM, permitindo fazer o diagnóstico de Doença de McArdle. O estudo genético familiar revelou a mesma mutação em homozigotia no pai e numa das irmãs, sendo a mãe heterozigota. Actualmente o doente mantém intolerância ao exercício físico, sem novos episódios de rabdomiólise ou mioglobinúria; teve crise convulsiva após suspensão do antiepiléptico anos mais tarde. Mantém níveis elevados de CK em repouso (entre 762 e 13 604 UI/L). DISCUSSÃO No caso clínico apresentado, tendo como ponto de partida o quadro de rabdomiólise maciça que ocorreu por descompensação da epilepsia, foi possível chegar ao diagnóstico de Doença de McArdle no probando e, posteriormente, em mais dois elementos da família, cuja sintomatologia não foi durante anos valorizada. A actividade muscular excessiva decorrente de uma crise convulsiva é uma causa bem denida de rabdomiólise. No entanto, a presença de um valor anormalmente elevado de CK, juntamente com as queixas de intolerância ao exercício, NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 levou-nos a considerar a hipótese de uma miopatia metabólica subjacente. Perante uma suspeita de miopatia metabólica, e uma vez que se trata de um grupo muito heterogéneo de doenças, é fundamental perceber qual o tipo de exercício que desencadeia as queixas musculares, pois este sugere o nível do defeito no metabolismo energético muscular. Os ácidos gordos livres e o glicogénio são os principais substratos energéticos musculares: os primeiros durante o repouso, nos exercícios de baixa intensidade e nos exercícios prolongados; o glicogénio nos exercícios de moderada a grande intensidade, sobretudo se de curta duração(1,2). Na Doença de McArdle, dois tipos de exercícios são mais susceptíveis de originar sintomas: o exercício isométrico breve e intenso, como levantar pesos, e o exercício dinâmico menos intenso mas sustentado, como caminhar em planos inclinados(5,6). Neste caso, além das queixas musculares para esforços moderados, ocorreu um episódio de rabdomiólise e mioglobinúria desencadeado por uma crise convulsiva, em que a actividade muscular é intensa o suciente para requerer o glicogénio como fonte de energia. O diagnóstico da Doença de McArdle habitualmente só é feito na 2ª ou 3ª décadas de vida, pois apesar de a intolerância ao exercício físico poder estar presente desde a infância, as manifestações clínicas episódicas (caimbras dolorosas e mioglobinúria) só se iniciam na adolescência(2,5). Há, no entanto, indivíduos que permanecem assintomáticos a maior parte da sua vida, porque evitam situações que desencadeiam sintomas ou porque a lesão muscular permaneceu subclínica, já que muitos doentes só desenvolvem sintomas quando o seu nível de actividade muscular ou estado de nutrição requerem aos músculos que utilizem a via metabólica anómala(5). Em mais de 90% dos doentes os níveis séricos de CK permanecem elevados em repouso, o que é um dado que ajuda a diferenciar esta patologia do déce de carnitina palmitiltransferase (alteração do metabolismo lipidico), no qual a CK normaliza nos períodos intercríticos(6). Esta elevação persistente da CK traduz uma lesão muscular continuada, cujo efeito cumulativo pode resultar na fraqueza persistente observada em alguns doentes mais velhos(5). A prova funcional de exercício isquémico do antebraço, introduzida por McArdle, foi durante muito tempo usada para orientação diagnóstica das miopatias metabólicas, revelando na Doença de McArdle ausência de elevação do lactato venoso. Contudo, a sua utilização tem caído em desuso, por ser um método doloroso, poder causar lesão muscular local com mioglobinúria e síndroma do compartimento, bem como pelas baixas especicidade e capacidade de diagnosticar casos de déce parcial de miofosforilase(12-14). A EMG pode ser normal ou revelar características miopáticas inespecícas, podendo ter utilidade para determinar o local da biópsia muscular(1). A biópsia muscular é uma das melhores ferramentas de diagnóstico em doentes com miopatias metabólicas. As amostras devem ser obtidas de um músculo afectado, pelo menos seis meses após a resolução de um episódio de rabdomiólise, pois as bras musculares em regeneração expressam transitoriamente diferentes isoenzimas da fosforilase (2). Nos doentes com McArdle a biópsia muscular revela depósitos de glicogénio subsarcolémicos e, menos frequentemente, intermiobrilares, pela coloração PAS positiva. A análise histoquímica revela ausência de actividade da fosforilase(5). Actualmente o diagnóstico pode ser feito por estudos moleculares. Apesar de ser uma doença geneticamente heterogénea, com mais de 65 mutações identicadas, o conhecimento existente da estrutura do gene PYGM e a elevada frequência de algumas das mutações, torna possível e prática a análise genética nas células sanguíneas(5-7,15). Nas populações de origem caucasóide, a mutação mais frequente é a p.R50X (c.148C>T, com consequente substituição de uma arginina por um codão stop), que é responsável pela doença em 81% dos alelos britânicos, 63% dos americanos, 56% dos alemães e 55% dos espanhóis(5,7). A correlação genótipo-fenótipo permanece pouco clara, mas a variabilidade clínica inter e intrafamiliar não parece estar relacionada com o tipo de mutação, podendo ser explicada, pelo menos em parte, pela variabilidade individual na eciência de vias metabólicas alternativas. Entre estes moduladores fenotípicos, os polimorsmos da enzima de conversão da angiotensina (ECA) mostraram relação com a gravidade da doença(16). A Doença de McArdle é de transmissão autossómica recessiva, mas têm sido relatados casos de transmissão pseudo-dominante(7). No presente caso, o cruzamento de um homozigoto com um heterozigoto (assintomático) explica a transmissão aparentemente dominante, com indivíduos afectados em duas gerações sucessivas. Noutros casos, é devido à existência de heterozigotos que apresentam manifestações clínicas (por actividade residual da miofosforilase)(5). Uma outra particularidade do caso apresentado é a co-existência de outra doença genética (epilepsia idiopática generalizada) em dois elementos da família. O tratamento consiste num regime dietético rico em proteínas e pobre em hidratos de carbono, de modo a forncecer ao músculo substratos energéticos alternativos, associado à prática diária de exercício aeróbico submáximo(6,12). A prática regular de exercício, além de aumentar a capacidade circulatória e a entrega de combustíveis energéticos de origem não muscular, ajuda o doente a ajustar a actividade às suas limitações, permitindo-lhe a realização de uma vida normal(6). Outras terapêuticas que parecem ter algum efeito benéco são a vitamina B6 (que é um co-factor da fosforilase, havendo uma deplecção substancial da sua reserva corporal nestes doentes), a creatina (por aumento da excitabilidade da membrana muscular) e os inibidores da ECA (que permitem optimizar a resposta ao treino aeróbico)(5,12,16). A grande promessa terapêutica continua a ser a terapia génica. CONCLUSÕES Dores musculares, caimbras e fraqueza muscular são sintomas frequentes, que muitas vezes passam despercebidos casos clínicos 259 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 ou não são devidamente valorizados. Podem ser causados por uma ampla variedade de situações clínicas, incluindo as doenças hereditárias do metabolismo. Os avanços da biologia molecular e o conhecimento dos defeitos genéticos especícos associados a estas doenças tornaram possível o seu diagnóstico em amostras de sangue, evitando em muitos doentes a realização de um exame mais invasivo, como a biópsia muscular. FROM A SEIZURE WITH MASSIVE RHABDMOMYOLISIS TO THE FAMILAR DIAGNOSIS OF MCARDLE’S DISEASE ABSTRACT Metabolic myopathies are disorders caused by defects of the muscle energy system. They present as exercise intolerance, with fatigue or myalgia, and sometimes with myoglobinuria. McArdle’s Disease (Glycogen Sorage Disease type V) is an autossomal recessive disease due to mutations at the PYGM gene, located on chromossome 11 (11q13), resulting in the lack of muscle glycogen phosphorylase. We present the case of a fteen year-old boy, with McArdle’s disease, diagnosed after a massive rhabdomyolysis in the set of a generalized seizure. Molecular studies allowed the identication of p.R50X mutation, in homozygous condition, in the proband, his father and one sister. Key-Words: McArdle’s disease, Type V Glycogenosis, exercise intolerance, rhabdomyolysis Nascer e Crescer 2009; 18(4): 257-260 260 casos clínicos BIBLIOGRAFIA 1. Pourmand R. Metabolic myopathies. A diagnostic evaluation. Neurol Clin 2000; 18: 1-13. 2. Wortmann RL, DiMauro S. Differentiating idiopathic inammatory myopathies from metabolic myopathies. Rheum Dis Clin North Am 2002; 28: 759-78. 3. McArdle B. Myopathy due to a defect in muscle glycogen breakdown. Clin Sci 1951; 10: 13-33. 4. Schmid R, Mahler R. Chronic progressive myopathy with myoglobinuria: demonstration of a glycogenolytic defect in the muscle. J Clin Invest 1959; 38: 2044-58. 5. DiMauro S, Andreu AL, Bruno C, Hadjigeorgiou GM. Myophosphorylase deciency (Glycogenosis type V; McArdle disease). Curr Mol Med 2002; 2: 189-196. 6. Arenas J, Martins MA. Intolerancias metabólicas al ejercicio. 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Estudo Retrospectivo Maria José Cálix1, João Neves1, Rui Pinto1, Anabela João1, Jacinto Torres1, Manuela Mateus1, Anabela Gomes1 RESUMO Introdução: A hidropisia fetal dene--se por uma acumulação anormal de uído intersticial no feto. Descrita inicialmente como uma entidade patológica única, Ballantyne em 1892 levantou a hipótese de representar um estado nal comum a uma variedade de processos patológicos diferentes. Potter distingue 2 tipos: imune (mais frequente na era prévia à utilização da RhoGAM) e não imune (implicada actualmente em cerca de 90% dos casos). Apesar de todos os avanços de diagnóstico, a hidropisia fetal continua a ser uma entidade desaante na medicina perinatal. O objectivo deste estudo foi analisar os casos de hidropisia fetal numa Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN), para avaliação de etiologia, morbilidade e mortalidade. Pacientes e métodos: Os autores apresentam cinco casos de hidropisia fetal tratados numa Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais entre Setembro de 2005 a Janeiro de 2009, ilustrativos de diferentes etiologias. O estudo baseou-se na análise retrospectiva dos processos das mães e recém-nascidos, com avaliação dos dados obstétricos e neonatais. Resultados: De Setembro de 2005 a Janeiro de 2009 foram internados na Unidade 1923 recém-nascidos dos quais cinco com diagnóstico de hidropisia fetal. Destes, três casos foram de causa não imune (bromatose generalizada congénita; diabetes materna e cardiomiopatia dilatada; quilotórax congénito), um caso por iso-imunização Rh e o outro de causa idiopática. __________ 1 Unidade de Neonatologia – CH Vila Nova de Gaia e Espinho, EPE Só um dos casos tinha diagnóstico pré-natal. A mortalidade na nossa série foi de 40%. Conclusão: Apesar da melhoria no diagnóstico e abordagem terapêutica, a elevada taxa de morbilidade e mortalidade permanece, sendo de extrema importância o diagnóstico pré-natal precoce. Este permite determinar a etiologia, antecipar problemas, tomar decisões clínicas de acordo com o prognóstico esperado e também o aconselhamento genético/ DPN. Uma boa coordenação multidisciplinar, envolvendo neonatologistas, obstetras e patologistas é essencial. Palavras-chave: hidropisia fetal, hidropisia imune, hidropisia não imune, isoimunização, quilotórax, bromatose generalizada congénita Nascer e Crescer 2009; 18(4): 261-266 INTRODUÇÃO Descrita inicialmente como uma entidade patológica única, Ballantyne em 1892 levantou a hipótese de representar um estado nal comum a uma variedade de processos patológicos diferentes(1). Contudo, apesar de todos os avanços de diagnóstico, a hidropisia fetal (HF) continua a ser uma entidade desaante na medicina perinatal(2), caracterizada por edema subcutâneo e acumulação de uído em dois ou mais compartimentos corporais, incluindo ascite, derrame pleural e pericárdico(1-7). O primeiro sinal ecográco de HF na gravidez (entre as 11 e 15 semanas de idade gestacional) é frequentemente a presença de edema cutâneo generalizado, nomeadamente ao nível da região cefálica e nuca(3,4,8). O derrame pleural é raramente diagnosticado antes das 15 semanas de idade gestacional (IG). A presença de polihidrâmnios e espessamento da placenta são outros sinais ecográcos que se associam a esta entidade (1,3-5). Até à introdução da prolaxia com imunoglobulina (Ig) Rhesus nas mães de risco, a causa mais comum de HF era a isoimunização(4), frequentemente envolvendo os antigénios do grupo Rhesus. O sucesso do diagnóstico prénatal e dos programas de prevenção de isoimunização(5,6), zeram com que, actualmente, a principal causa de HF seja a não imune (correspondendo a cerca de 90% dos casos de hidropisia)(4-7,9-11) ou relacionada com antigénios dos grupos sanguíneos secundários, sendo a doença por isoimunização Rh uma causa rara de HF. A hidropisia fetal não imune (HFNI) pode estar associada a diversas etiologias como cardiovasculares, respiratórias, cromossomopatias, síndrome de transfusão feto-fetal, anemia, doenças infecciosas e causas metabólicas(1-5,7,10). Contudo, mesmo com investigações exaustivas pré e pós-natais, incluindo exame anatomo-patológico pós-mortem do feto, cerca de 26% dos casos permanecem sem etiologia denida(5,6). Apesar dos avanços no plano diagnóstico e ao nível da abordagem terapêutica, a HF contínua associada a elevadas taxas de morbilidade e mortalidade, correlacionadas com a etiologia e a idade gestacional no momento do diagnóstico(1,2,4-7,9). O objectivo deste estudo foi analisar os casos de hidropisia fetal numa Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais, entre Setembro de 2005 e Janeiro de 2009, ilustrativos de diferentes etiologias. ciclo de pediatria inter hospitalar do norte 261 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 Figura 1 Figura 2 Figura 3 Figura 4 PACIENTES E MÉTODOS A Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN) insere-se num hospital de Apoio Perinatal Diferenciado, com um centro de diagnóstico pré-natal e de seguimento de gravidez de alto risco. Os autores apresentam cinco casos de hidropisia fetal admitidos na UCIN, no período de Setembro de 2005 a Janeiro de 2009, ilustrativos de diferentes etiologias. O estudo baseou-se na análise retrospectiva dos dados constantes nos processos das mães e RN. Caso clínico 1 Mãe de 23 anos, saudável, grupo O Rh positivo com Coombs Indirecta negativa, IVG IIP (1ª gestação sem intercorrências, e 2 abortamentos espon- 262 tâneos no 1ºtrimestre). Gestação actual mal vigiada, com recurso esporádico à urgência de Obstetrícia. Numa ecograa realizada às 33 semanas, constatado “aumento do volume do líquido amniótico (LA)”. As serologias maternas então realizadas não mostraram alterações. Por falta de assiduidade às consultas agendadas, não se procedeu a investigação adicional. Parto de cesariana (traçado cardiotocográco com baixa variabilidade / estado fetal não tranquilizador) às 36 semanas de idade gestacional (IG). RN do sexo feminino, com Índice de Apgar 4/5/6 e peso de 2720gr. Apresentava palidez cutânea acentuada e edema generalizado, constatando-se ainda a presença de múltiplos ciclo de pediatria inter hospitalar do norte nódulos violáceos dispersos pelo corpo (diâmetro inferior a 0,5cm) (gura 1), tumefacção cervical à direita (gura 2) e uma lesão polipóide, eritematosa no bordo direito da língua (gura 3). Admitida na UCIN e, apesar de ventilada com parâmetros altos, manteve baixas saturações transcutâneas de O2, bradicardia sustentada e tensão arterial não mensurável. A radiograa toracoabdominal revelou hipotransparência pulmonar particularmente à direita, conglomeração central de ansas e hipotransparência abdominal à periferia (gura 4). Realizadas toracocentese, paracentese e pericardiocentese com drenagem de líquido serohemático (50ml+50ml) das duas primeiras cavidades. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 Apresentava acidose mista grave, anemia (Hgb 7,8g/dl, Hct 24,3%) e hipoglicemia (19mg/dl). Paragem cárdio-respiratória sem resposta às manobras reanimação, tendose vericado o óbito cerca de 1h de vida. Colhidas amostras de sangue, liquido ascítico, pleural e fragmentos de pele do RN. O grupo sanguíneo era A Rh negativo, com teste de Coombs directo negativo. Os estudos bacteriológicos revelaram-se estéreis e o rastreio do grupo TORCH foi negativo. O cariótipo foi 46 XX e o estudo metabólico alargado não revelou alterações. O exame anátomo-patológico da placenta revelou um peso superior ao esperado para a IG, com superfície fetal edemaciada e sinais de imaturidade e isquemia aguda. No RN vericada a presença de múltiplos nódulos brancoamarelados de distribuição difusa com envolvimento pulmonar maciço, cardíaco, hepático, gastrointestinal, genito-urinário e dos tecidos moles. Apresentava ainda derrame pleural e ascite sero-hemática de 13 e 20ml, respectivamente. Histologicamente, as lesões nódulares descritas correspondiam a neoplasias de padrão epitelióide ou fusiforme, de origem multifocal, que ao exame ultraestrutural e imunohistoquímico com a vimentina e actina sugeriam miobroblastos, concluindo tratar-se de uma Fibromatose congénita generalizada. Caso clínico 2 O segundo caso reporta-se a um RN do sexo masculino, lho de mãe A Rh positivo, obesa, com hábitos tabágicos pronunciados, com um quadro de insuciência mitral severa (congénita). Tratava-se de uma 4ª gestação (3 lhos saudáveis), apresentando serologias sem alterações. As ecograas realizadas (1º e 3º trimestre) não descreviam alterações. A grávida foi transferida às 37 semanas e 5 dias de um Centro de Cuidados de Saúde Primários (2 dias antes do parto), por diabetes gestacional mal controlada e insuciência cardíaca de agravamento progressivo. Na admissão hospitalar, a ecograa mostrou macrossomia fetal e hidrâmnios, motivo pelo qual foi realizada cesariana. Nasceu com Índice de Apgar de 2/7/10 e peso de 4950g; Transferido para a UCIN em ventilação mecânica e hemodinamicamente estável. Mostrava palidez cutânea, sufusões dispersas e edema generalizado. Apresentava ainda sopro cardíaco e distensão abdominal marcada. Do estudo analítico inicial realizado, a salientar trombocitopenia (plaquetas 89.000/uL), glicemia de 55mg/dl e PCR de 5,18mg/dl. A radiograa toracoabdominal mostrou cardiomegalia, hipotransparência abdominal difusa e escassas ansas em posição central e as ecograas abdominal e torácica revelou a presença de ascite, ligeira hepatoesplenomegalia e derrame pleural de pequeno volume na base direita. Ecocardiograma com hipertensão pulmonar, insuciência aórtica e mitral ligeiras com boa função ventricular, sem derrame pericárdico. Necessidade de ventilação mecânica durante 30h e de O2 suplementar até D3. Períodos de polipneia e esforço respiratório até D7. Hipoglicemias com necessidade de aportes de glicose endovenosa elevados (até 11,5 mg/Kg/min) até D8. A reavaliação ecocardiográca realizada em D7 evidenciava hipertroa concêntrica do VE não obstrutiva, com HTP ligeira (miocardiopatia hipertróca). Agravamento progressivo da trombocitopenia (valor mínimo de plaquetas 39.000/uL em D6) tendo feito transfusão de concentrado de plaquetas. Melhoria clínica progressiva, tendo tido alta em D26 orientado para a consulta de Neonatologia, onde mantém vigilância. Caso clínico 3 RN do sexo feminino, transferida de um Hospital Distrital via INEM-RN com cerca de 3h de vida, para a UCIN por hidropisia fetal de etiologia desconhecida. Mãe de 31 anos, saudável, A Rh negativo, IIIG IIIP (2ª gestação - nadomorto, às 39 semanas, de causa desconhecida). Gestação vigiada num Centro de Cuidados de Saúde Primários, sem intercorrências. Serologias maternas sem alterações. Realizou 4 ecograas descri- tas como normais e 2 testes de Coombs Indirecta que foram negativos, não tendo efectuado Ig anti-D. Cesariana às 40 semanas, por estado fetal não tranquilizador. Índice de Apgar de 3/8/8 e peso de 2650g. No Hospital de origem iniciou ventilação mecânica, suporte aminérgico, antibioterapia e transfusão de glóbulos rubros por anemia (Hgb 5,3g/dl). Excluída cardiopatia congénita estrutural. À entrada apresentava palidez cutâneo-mucosa acentuada, petéquias dispersas na face, tronco e raiz dos membros, escleroedema e edema generalizado. Abdómen distendido, tenso e de difícil palpação. A radiograa toracoabdominal mostrou cardiomegalia; inltrado heterogéneo no pulmão direito, pneumotórax à esquerda e hipotransparência abdominal periansas (gura 5). Figura 5 A ecograa torácica e abdominal revelou uma lâmina de líquido pleural à direita e de ascite peri-hepática e na goteira parieto-cólica esquerda. O fígado e o baço tinham dimensões no limite superior da normalidade e textura homogénea. No estudo analítico realizado à entrada observou-se trombocitopenia (40000/ uL), anemia (6,5g/dl), acidose metabólica e PCR de 7,32mg/dl. Fez transfusão de plaquetas, glóbulos rubros e correcção do equilíbrio ácido-base. ciclo de pediatria inter hospitalar do norte 263 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 Manteve instabilidade hemodinâmica com necessidade de suporte aminérgico nos 1ºs dias de vida e ventilação mecânica até D16. Insuciência renal oligúrica (creatinina máxima de 1,8mg/dl e ureia de 72mg/dl em D5), que normalizou em D11. Manteve trombocitopenia recorrente com normalização da contagem de plaquetas em D12. Hiperbilirrubinemia de agravamento progressivo com necessidade de exsanguíneo-transfusão em D1 e em D3 mantendo fototerapia até D6. Informação do hospital de origem do grupo sanguíneo do RN, A Rh positivo, com teste de Coombs directo positivo (4/4). Pedido à mãe o teste de Coombs indirecto que se revelou positivo com títulos elevados. Melhoria clínica progressiva com alta em D25 de vida com o diagnóstico de hidropisia fetal imune por iso-imunização Rh. Caso clínico 4 RN do sexo masculino, transferido de um Hospital Distrital via INEM-RN com cerca de 7h de vida, para a UCIN por hidropisia fetal de etiologia desconhecida. Mãe de 29 anos, A Rh positivo, IG IP, com hipertiroidismo, sem medicação desde há um ano. Gestação vigiada num Centro de Cuidados Primários de Saúde; referência a aumento do volume do LA na ecograa realizada às 20 semanas, não observado posteriormente; ecocardiograma fetal sem alterações. Serologias maternas normais. Parto por cesariana (traçado cardiotocográco pouco reactivo) às 35 semanas. Índice de Apgar 0/4/4, tendo sido entubada de imediato, procedendo-se a massagem cardíaca e administração de adrenalina. Peso de 3000g. Admitido na UCIN ventilado mecanicamente, com baixas saturações transcutâneas de O2 e hipotenso apesar de suporte aminérgico. Transfusão de glóbulos rubros iniciada no Hospital de origem por anemia grave (Hgb 4,3g/dl). Apresentava-se em anasarca, palidez cutâneo-mucosa com petéquias dispersas, fácies grosseira com membros superiores curtos, abdomén distendido com fígado palpável na fossa ilíaca direita e baço 3cm abaixo do rebordo costal. 264 A radiograa torácica revelou hipotransparência pulmonar generalizada e cardiomegalia. O ecocardiograma mostrou razoável função ventricular e dilatação das câmaras direitas com insuciência tricúspide. A ecograa abdominal conrmou hepatomegalia com textura heterogénia com áreas hipoecogénicas mal delimitadas; rins hiperecogénicos sugerindo nefropatia não obstructiva; pequena quantidade de líquido interperitoneal, inter-ansas e peri-hepático; pequena lâmina de líquido pericárdico, sem derrame pleural. Analiticamente mantinha anemia (Hgb 6,9g/dl, Hct 20,6%) e eritroblastose (208.926/uL), acidose metabólica grave (apesar da correcção com bicarbonato), hiperlactacidemia (6,8mmol/L) e elevação da ferritina (>100.000ng/ml). Esfregaço sanguíneo com displasia acentuada de todas as linhas celulares e fragmentos de plaquetas (plaquetas gigantes). Alterações da função hepática (TGO 7.268 UL; TGP 673 U/L; DHL 51.264 U/L; BT 7,71 mg/dl; BD 1,89 mg/dl). Rastreio séptico negativo. Clinicamente manteve-se hipotenso e oligo-anúrico, sem resposta ao tratamento. Convulsões clónicas controladas com fenobarbital, mostrando a ecograa transfontanelar edema cerebral generalizado. Iniciou exsanguíneo-transfusão, vericando-se diminuição acentuada das saturações e bradicardia com paragem cardio-respiratória sem resposta às manobras reanimação, tendo-se vericado o óbito cerca das 26h de vida. Colhidas amostras de sangue e fragmentos de pele pós-morten. Os estudos bacteriológicos realizados revelaram-se estéreis. Serologias do grupo TORCH e Listeria monocytogenes que foram negativos. Efectuado cariótipo em fragmento de pele (46 XY) e estudo metabólico alargado no sangue, biópsia de pele e em broblastos cultivados excluiu patologias dos lisossomas e perossissomas. Doseamento de insulina normal e pesquisa de 7-dehidrocolesterol negativa. O exame anatomopatológico revelou alterações sugestivas de macrossomia e hidropisia associada a depósitos hepáticos de ferro e aumento da hematopoiese. ciclo de pediatria inter hospitalar do norte Caso clínico 5 Mãe de 35 anos, saudável, O Rh positivo, IG IP, gestação vigiada sem intercorrências até às 21 semanas, altura em que foi detectado ecogracamente derrame pleural e pericárdico. Realizou estudo cromossómico e serologias TORCH que não revelaram alterações. Apesar da resolução espontânea às 23 semanas, o derrame pleural foi reobservado às 31 tendo sido realizada toracocentese e colocada derivação pleuroamniótica, com remoção de 160 ml de líquido cuja análise citoquímica revelou tratar-se de um quilotorax. Cesariana às 32 semanas e 3 dias por exteriorização do dreno. Índice de Apgar de 1/4/7; necessidade de entubação e toracocentese bilateral com drenagem de 120 ml de líquido amarelo citrino. Internamento na UCIN, mantendo ventilação mecânica e necessidade de suporte aminérgico. Apresentava edema cutâneo generalizado e tórax proeminente. A radiograa torácica mostrou derrame pleural bilateral (gura 6). Colocado dreno torácico à direita que manteve até ao D17. Ventilação espontânea a partir de D18 de vida. Figura 6 Nutrição parentérica total durante os primeiros 16 dias de vida com necessidade de suplementação com albumina nos primeiros 5 dias. Início de alimentação entérica com Pregestimil® (50% de triglicerídeos de cadeia média) com aportes crescentes que suspendeu 10 dias após (D26) por recorrência do quilotorax. Manteve a NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 pausa alimentar até ao D32, altura em que iniciou Monogen® (90% de triglicerídeos de cadeia média). Iniciou terapêutica com octreótido em infusão contínua de D37 a D53. Sem recorrência de derrame pleural. Manteve alimentação com Monogen® e perfusão semanal de lipídeos e vitaminas lipossoluveis durante 6 semanas, após o que iniciou leite adaptado a lactentes mantendo-se clinicamente bem. Actualmente com 7 meses, apresenta DPM e evolução estato-ponderal adequada. DISCUSSÃO Na população geral a prevalência de hidropisia fetal varia de 1 em 1500 a 3800 recém-nascidos(5,10), conforme as séries. Dada a gravidade clínica, o tratamento destes casos deverá ocorrer em centros de referência. De Setembro de 2005 a Janeiro de 2009 foram internados, na Unidade de Cuidados Intensivos do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, 1923 recém-nascidos dos quais 5 com diagnóstico de hidropisia fetal, dois dos quais transferidos de outros hospitais. Destes, um dos casos foi por isoimunização, um permaneceu sem diagnóstico etiológico e nos restantes 3 a causa foi uma bromatose congénita generalizada, uma diabetes materna e insuciência cardíaca com cardiomiopatia dilatada e um quilotórax congénito. Assim, a nossa proporção foi de 1:4 entre a hidropisia imune e a não imune. A Fibromatose congénita generalizada constitui uma entidade rara(12,13), ocorrendo na maioria das vezes de forma esporádica, com raras descrições de ocorrência familiar. Pode manifestar-se sob várias formas nomeadamente um nódulo solitário, nódulos múltiplos ou miobromatose generalizada se ocorre envolvimento visceral. O padrão histológico é similar mas as implicações clínicopatológicas e prognósticas diferem conforme o grau de envolvimento visceral, sendo que, quando presente, está associado a mau prognóstico, como no caso descrito(12,14). Apesar da hidropisia ser uma condição fetal, em muitos casos surge associada a complicações maternas(5). No segundo caso, a presença de uma insuciência cardíaca materna com cardiomiopatia dilatada associada ao mau controlo glicémico persistente da diabetes gestacional, por certo contribuíram para a hidropisia fetal. O terceiro caso reporta um caso de hidropisia fetal imune por iso-imunização Rh. Apesar de outrora ser a principal causa de hidropisia fetal(15), nos nossos dias, com a vigilância gestacional e a introdução da prolaxia com a imunoglobulina anti-D trata-se de uma causa rara. Neste caso é de realçar dois testes de Coombs Indirecta negativos em que se questiona o resultado dos mesmos. Há condições que justicaram a iso-imunização como o facto de se tratar de uma IIIG, existir uma morte fetal prévia que, segundo informação materna, seria por incompatibilidade sanguínea. Associado a este facto temos um teste de Coombs indirecto materno pós-parto positivo com títulos muito elevados. Por outro lado, a não prescrição de imunoglobulina anti-D nesta gravidez conforme está protocolado, condicionou também este desfecho. No quarto caso destaca-se o facto de, apesar de uma vigilância regular da gravidez e do empenho de uma equipa multidisciplinar na abordagem e procura de diagnóstico, nem sempre é possível alcançá-lo. O quinto caso reporta um quilotorax que, quando associado a hidropisia fetal, tem uma mortalidade de 98%. Neste caso não se vericaram as complicações inerentes como infecções, trombose ou linfopenia, atribuindo-se este desfecho favorável a uma adequada vigilância gestacional e diagnóstico pré-natal precoce associada a uma intervenção multidisciplinar coordenada. Tal como na literatura(1,4,5), o método usado para diagnóstico pré-natal (DPN) de HF foi a ecograa obstétrica realizada ao longo da gestação. Este método, realizado em todos os casos, não permitiu detectar atempadamente alterações em 4 deles, sendo que no 1º caso as ecograas foram sempre reali- zadas em consulta de urgência (falta de comparecência materna às consultas de rotina). Só num dos casos foi possível o DPN, apontando para a necessidade de procura sistemática de marcadores ecográcos sugestivos de HF. De realçar a importância do exame anátomo-patológico que permitiu o diagnóstico etiológico no 1º caso. Tal como descrito na literatura, apesar dos avanços diagnósticos e terapêuticos, a taxa de letalidade perinatal permanece elevada. Contudo, na nossa série a mortalidade foi de 40%. Esta percentagem poderá ser devida ao facto de os casos mais graves com DPN poderem ter feito interrupção da gestação e não constarem da nossa amostra. Por outro lado, a abordagem destes casos num Centro de Apoio Perinatal Diferenciado melhora o prognóstico global. CONCLUSÃO A HF é caracterizada por acumulação anormal de uído generalizada envolvendo duas ou mais cavidades corporais. Não é uma doença especíca mas sim o resultado nal de uma série de condições fetais ou maternas. Apesar da melhoria no diagnóstico e abordagem terapêutica, a elevada taxa de morbilidade e mortalidade permanece. Assim, dado a potencial gravidade da situação, o diagnóstico pré-natal precoce é de extrema importância, permitindo não só determinar a etiologia, antecipar problemas e tomar decisões clínicas de acordo com o prognóstico esperado mas, também, numa fase posterior, aconselhar relativamente a futuras gestações, ponderando o risco de recorrência. As etiologias são variadas, sendo, por vezes, difícil de a determinar dado que, após exclusão das causas mais frequentes, existe um leque de patologias raras que devem ser ponderadas e investigadas. Apesar de uma boa coordenação multidisciplinar, envolvendo obstetras, neonatologistas e patologistas, nas investigações pré e pós natais respectivamente, e com o recurso a novas tecnologias, o diagnóstico nem sempre é possível. ciclo de pediatria inter hospitalar do norte 265 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 HYDROPS FETALIS – PATHOLOGY OF PAST, PRESENT AND… FUTURE? A RETROSPECTIVE STUDY ABSTRACT Introduction: Hydrops fetalis is dened by an abnormal accumulation of interstitial uid in fetuses. Initially described as a unique pathologic entity, in 1892 Ballantyne suggested it might represent a nal state common to a variety of different pathologic processes. Potter distinguishes 2 types: immune (more frequent till the discovering of RhoGAM) and non immune (90% of the cases nowadays, with an estimated incidence of 1 in 1500 to 3800 births). Besides all advances in diagnosis, hydrops fetalis still remains a defying entity in perinatal medicine. The aim of this review was to analyze the cases of hydrops fetalis in a Neonatal Intensive Care Unit (NICU) to assess etiology, morbidity and mortality. Patients and methods: The authors present ve cases of hydrops fetalis treated in a NICU, from September 2005 to January 2009, illustrating different aetiologies. The study was based on the retrospective analysis of mothers and newborns’ medical les evaluating obstetric and perinatal parameters, diagnosis, treatment and evolution. Results: From September 2005 to January 2009, 1923 newborns were admitted in NICU. Five had the diagnosis of hydrops fetalis. Three of these were of non immune cause (congenital generalized bromatosis, maternal diabetes and dilated cardiomyopathy and congenital chylothorax), one of Rh iso-immunization and the last of unknown aetiology. Only one of the cases had prenatal diagnosis. The group mortality was of 2/5 cases (40%). Conclusion: Besides the improvement in diagnosis and therapeutic approach, the high mortality and morbidity rates still remain, being extremely important an early prenatal diagnosis. This allows the determination of the aetiology, 266 anticipating problems, making clinical decision based on the expected prognosis and also the genetic counselling. An excellent multidisciplinary coordination, involving neonatologists, obstetricians and pathologists is essential. Key-words: hydrops fetalis, hydrops immune; hydrops non immune, iso-immunization, chylothorax, congenital generalized bromatosis Nascer e Crescer 2009; 18(4): 261-266 BIBLIOGRAFIA 1. Coulter DM. Hydrops Fetalis. In: Spitzer AR. Intensive Care of the Fetus & Neonate. 2nd Ed. Philadelphia: Elsevier Mosby; 2005. 12: 149-157 2. Huang HR, Tsay PK, Chiang MC, Lien R, Chou YH. Prognostic factors and clinical features in liveborn neonates with hydrops fetalis. Am J Perinatol 2007. 24: 33-38 3. 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Adolescents may have a greater risk of weight regain, and greater risk of noncompliance to treatment after surgery. However, long-term COMENTÁRIOS A obesidade tem vindo a atingir proporções epidémicas em todo o mundo, constituindo assim um dos mais importantes problemas de saúde não só nos adultos mas especialmente em idade pediátrica. Digo, especialmente porque, de facto, o tracking desta patologia para a idade adulta é muito elevado. Quase todos os adolescentes com obesidade grave manter-se-ão obesos, e 88% terão um IMC (índice de massa corporal) superior a 35 kg/ m2 na vida adulta1 e portanto, o tempo de prevalência da doença na vida do indivíduo é necessariamente muito maior, bem como de toda a sobrecarga de comorbilidades associadas. Também, a obesidade na adolescência aumenta a morbilidade e mortalidade durante a vida adulta, independentemente da obesidade persistir nessa idade, e o IMC elevado em idade pediátrica aumenta o risco de eventos cardiovasculares graves na vida adulta2. A prevalência da obesidade de gravidade extrema tem tido um crescimento ainda maior, desproporcionado relativamente ao crescimento da prevalência da obesidade em geral. Isto é, há cada vez mais obesos e destes, uma fracção cada vez maior de obesidade extrema 3. outcomes are not yet available, and the underlying metabolic benets appear to be substantial and similar to those of adults. Summary: Morbid obesity in adolescents has severe acute and chronic complications. Bariatric surgery in adolescents seems as well tolerated as in adults when performed in centers with appropriate experience and adequate surgical volume. A obesidade é uma doença crónica multissistémica (afecta virtualmente todos os sistemas de órgãos) com comorbilidades insidiosas mas graves, como o sindroma metabólico que inclui a hipertensão, a resistência à insulina, e a dislipidemia, a doença hepática esteatósica não alcoólica, a apneia obstructiva do sono, a distroa ovárica poliquítica, doença de Blount, pseudotumor cerebri, distúrbios psicossociais e impacto na qualidade de vida, entre muitas outras. Na obesidade, tanto a massa gorda subcutânea como a massa gorda visceral estão marcadamente aumentadas, sendo a adiposidade intraabdominal fortemente associada ao sindroma metabólico e a marcadores de risco cardiovascular 4. De facto, cada vez mais trabalhos têm vindo a demonstrar a responsabilidade da obesidade no desenvolvimento de fenómenos inamatórios precoces, críticos no desenvolvimento acelerado e prematuro da aterosclerose, documentados quer pela espessura imtíma-média carotídea (IMT) determinada por métodos ecográcos 5, quer por doseamentos séricos de proteína C reactiva de elevada sensibilidade (hsCRP), interleuquinas, adiponectina, entre outros 5,6. The pathophysiologic implications of bariatric surgery are profound. A better understanding of the mechanisms leading to postsurgical improvement in insulin resistance and weight loss could lead to the development of other therapies to achieve the same effects with lesser morbidities. Key-words: adolescent obesity, bariatric surgery, endocrine effects, ouctomes, weight loss Para distinguir graus de obesidade associados a consequências adversas para a saúde ou implicações na mortalidade, têm sido usados uma variedade de termos desde obesidade mórbida, obesidade extrema, obesidade muito grave, ou obesidade classe 3, se IMC 40 kg/m2, bem como super obesos e super, super obesos, para descrever indivíduos com IMC 50 e 60 kg/m2, respectivamente, terminologia essa importada dos adultos. Estes termos parecem desajustados e pouco informativos quando aplicados a populações pediátricas, uma vez que o IMC varia com a idade e sexo (curvas percentiladas) e portanto valores absolutos de cut-off terão signicados muito diferentes em indivíduos de idade e sexo diferentes, pois o desvio desse valor em relação à média é muito variável. Seria muito útil sincronizar a terminologia, pois só assim seria possível compar resultados. Freedman et al 7 propõe que a denição de obesidade extrema em idade pediátrica não seja só baseada em dados antropométricos mas também levar em linha de conta a identicação de crianças com uma elevada probabilidade de serem obesas, com riscos elevados de saúde relacionados com a obesidade e artigo recomendado 267 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 aqueles em que será altamente provável manterem-se obesos extremos na idade adulta. Actualmente nos US (Estados Unidos), e usando um critério antropométrico para denir obesidade extrema (IMC > percentil 99 para a idade) 4% das crianças padecem de obesidade extrema, ultrapassando em número as crianças com cancro, brose quística, SIDA, e diabetes juvenil, consideradas em conjunto 7. A taxa de sucesso de perda de peso signicativa e mantida do tratamento da obesidade baseado na modulação da dieta e exercício físico é considerada muito baixa, especialmente nos casos mais graves. Assim, a abordagem terapêutica da obesidade extrema em idade pediátrica tem vindo a ser motivo de grande preocupação e discussão. A intervenção precoce nos adolescentes com obesidade extrema pode melhorar a sua qualidade de vida, minimizar as comorbilidades associadas, prevenir as doenças relacionadas com o sobrepeso na vida adulta e evitar a mortalidade prematura. De facto, algumas dessas comorbilidades são sucientemente graves para ponderar a indicação da cirurgia bariátrica. A cirurgia bariátrica em adolescentes deve ser realizada apenas em Centros que ofereçam Equipas Multidisciplinares capazes de lidar com os desaos únicos colocados por este grupo etário. Assim, deve incluir especialistas com skills na abordagem clínica da obesidade pediátrica, nas diversas vertentes necessárias como a pedopsiquiatria, a nutrição clínica, a gastroenterologia, a siologia do exercício físico e a cirurgia bariátrica 8,9 . A decisão da indicação da cirurgia bariátrica deve ser feita numa base individual, de acordo com as comorbilidades documentadas, maturações siológica e psicológica e estrutura familiar de suporte. De notar, que é um tratamento para toda a vida, pelo menos muito prolongado, tendo que ser aceite previamente pelo adolescente e família a necessidade de seguimento e vigilância clínica aperta__________ 1 pode ser descurado o aspecto da função reprodutiva. De facto, e especialmente após a LAGB, não há malabsorção e a perda de excesso de peso é sucientemente gradual para dar lugar à malnutrição, podendo sempre haver ajuste. A gravidez é geralmente bem tolerada para o feto e para a mãe. Trabalhos tem vindo a demonstrar menos complicações em gravidezes pós-cirurgia bariátrica que em gravidezes em mães obesas 14. A obesidade parece ser a mais signicativa ameaça à saúde das gerações mais jovens. Por tudo o que foi exposto acima, parece razoável propor que a cirurgia bariátrica efectuada na adolescência possa ser o tratamento mais ecaz para a obesidade extrema de início em idade pediátrica ao invés de protelar a sua indicação para a idade adulta, desde que cumpridos os pressupostos/ critérios exigidos ao adolescente e à Equipa Multidisciplinar para a sua realização. Embora a cirurgia bariátrica permita uma perda do excesso de peso signicativa e sustentada mas que raramente traz o adolescente para um IMC ideal, a grande maioria destes conseguem a resolução ou melhoria das suas comorbilidade como a diabetes, dislipidemia, hipertensão, cardiomiopatia e apneia do sono. É portanto concebível que, a cirurgia bariátrica realizada no adulto para a obesidade extrema com início na infância possa não ser tão ecaz para a regressão/tratamento das comorbilidades como a cirurgia realizada mais precocemente, durante a adolescência. Assim, a LABG parece ser a modalidade de cirurgia bariátrica de primeira linha no tratamento do adolescente com obesidade extrema, sendo um potentíssimo adjunto de um programa terapêutico bem estruturado, organizado e apoiado baseado na melhoria do comportamento alimentar, correcção dietética e programa regular de exercício físico, para a perda do excesso de peso e do seu controlo de um modo duradouro. Helena Ferreira Mansilha1 Nascer e Crescer 2009; 18(4): 267-269 Serviço de Pediatria, H Maria Pia / CHP 268 dos e sustentados, para sempre reforçar e sedimentar a adesão ao novo comportamento alimentar que terá que ser adquirido. É também muito importante que a equipa acredite que o adolescente e a família, depois de todos os esclarecimentos dados, quem com uma perspectiva realista das expectactivas relativamente ao resultado do acto cirúrgico. Se é verdade que a adolescência se caracteriza pela irreverência e baixa compliance no tratamento de patologias crónicas, também o é que a adolescência é um grupo etário que se rege por grandes motivações e em que a aposta na mudança de comportamentos será certamente mais fácil que nos adultos em que as rotinas estão completamente enraizadas e muito cristalizadas para dar espaço à mudança. Os dois procedimentos de cirurgia bariátrica mais prevalentes são a gastrobandoplastia laparoscópica ajustável (LAGB) e o bypass gástrico em Y de Roux (GB). Destes, o GB embora sendo uma modalidade ecaz de perda de peso, o seu uso em adolescentes é controverso por estar associado a 0.5-2% de risco de mortalidade, a elevada incidência e gravidade das complicações relacionadas com o GB, a sua irreversibilidade relativa , bem como o desconhecimento das sequelas a longo prazo da malabsorção no adolescente em maturação física. A LAGB no adolescente com obesidade extrema, por seu lado, parece ser ecaz, ter uma excepcional baixa taxa de mortalidade, baixo risco de complicações adversas e a inerente ajustabilidade e reversibilidade deste procedimento que, por isso, exige revisão e maior supervisão9-12. Assim, a LABG é uma cirurgia pouco invasiva, segura a longo prazo e que preserva a anatomia e siologia gastrointestinal, parecendo ser uma boa alternativa, para o tratamanto de adolescentes com obesidade mórbida e suas comorbilidades associadas, cujo tratamento médico conservador falhou 13. E porque estamos a falar de cirurgia bariátrica em adolescentes e certamente em indivíduos do sexo feminino, não artigo recomendado NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 BIBLIOGRAFIA 1. Freedman DS, Kahn HS, Mei Z, et al. Relation of body mass index and waist-to-height ratio to cardiovascular disease risk factors in children and adolescents: the Bogalusa Heart Study. 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Roberts,PhD; Kennar Briand, MBBS; Mary Jane Gancio, MD Arch Pediatr Adolesc Med. 2009; 163(7):601-607 Objectives: To evaluate the effectiveness of a xylitol pediatric topical oral syrup to reduce the incidence of dental caries among very young children and to evaluate the effect of xylitol in reducing acute otitis media in a subsequent study. Design: Double-blind randomized controlled trial. Setting: Communities in the Republic of the Marshall Islands. Participants: One hundred eight children aged 9 to 15 months were screened and 100 were enrolled. Intervention: Children were randomized to receive xylitol topical oral syrup (administered by their parents) twice a day (2 xylitol [4.00-g] doses and 1 sorbitol dose) (Xyl-2 x group) or thrice per day (3 xylitol [2.67-g] doses) (Xyl3x group) vs a control syrup (1 xylitol COMENTÁRIOS A cárie dentária é uma das doenças mais prevalentes da humanidade. As pessoas são susceptíveis à doença durante toda a sua vida. Na criança é cinco vezes mais frequente que a asma, uma doença com elevada prevalência e que, pela sua morbilidade e mortalidade, tem merecido a permanente atenção dos pediatras. Mas a cárie dentária, muito mais prevalente e também com notória morbilidade e mesmo mortalidade (pode estar na origem de endocardites e sépsis fatais), tem merecido uma reduzida atenção da comunidade médica, do Serviço Nacional de Saúde e do cidadão doente ou do cuidador dele. Ainda que a cárie precoce da infância não apresente nos dias de hoje a dimensão de outrora, tanto em prevalên- 270 artigo recomendado [2.67-g] dose and 2 sorbitol doses) (control group). Main Outcome Measures: The primary outcome end point of the study was the number of decayed primary teeth. A secondary outcome end point was the incidence of acute otitis media for reporting in a subsequent report. Results: Ninety-four children (mean [SD] age, 15.0 [2.7] months at randomization) with at least 1 followup examination were included in the intent-to-treat analysis. The mean (SD) follow-up period was 10.5 (2.2) months. Fifteen of 29 of the children in the control group (51.7%) had tooth decay compared with 13 of 32 children in the Xyl-3x group (40.6%) and eight of 33 children in the Xyl-2x group (24.2%). The mean (SD) numbers of decayed teeth were 1.9 (2.4) in the control group, 1.0 (1.4) in the cia como em quantidade de massa dentária perdida, continua a ser um problema de saúde pública pelas seguintes razões: reduzida literacia dos pais sobre o tema; sob – valorização por parte dos prestadores de cuidados primários, médicos de família e pediatras (O dente de “leite” está cariado? Dói? Não? Então aguardemos, ele é para cair! – opinião frequente dos médicos); pior: incapacidade destes prestadores de cuidados primários em compreender e promover a prevenção e em diagnosticar lesões precoces (uma formação de apenas duas horas aumenta signicativamente a capacidade de diagnóstico(1)); ausência de referência ao médico dentista em tempo devido (primeiros 6 meses após a erupção do 1º dente, mas nunca depois dos 12 Xyl-3x group, and 0.6 (1.1) in the Xyl-2x group. Compared with the control group, there were signicantly fewer decayed teeth in the Xyl-2x group (relative risk, 0.30; 95% condence interval, 0.130.66; P = .003) and in the Xyl-3x group (0.50; 0.26-0.96; P = .04). No statistical difference was noted between the 2 xylitol treatment groups (P = .22). Conclusion: Xylitol oral syrup administered topically 2 or 3 times daily at a total daily dose of 8 g was effective in preventing early childhood caries. Key-words: Stomatology; Dental disease; Human; Treatment efciency; Controlled therapeutic trial; Double blind study; Randomization; Clinical trial; Prevention; Syrup; Oral administration; Local administration; Pediatrics; Child; Xylitol; Dental carie. meses(1)); falta de apoio e interesse do Sistema Nacional de Saúde. As consequências da cárie dentária são variadas: da morte, raríssima, felizmente, devido a endocardites e sépsis, até aos problemas estéticos, passando por diculdades de articulação das palavras, alimentares e a futura má oclusão, para já não falar na dor. Para o paciente, a cárie é muito onerosa. Com efeito, a recuperação da perda parcial ou total de um dente é cara e exige uma manutenção durante toda a vida do paciente(2). Para enfrentar este agelo social, o Serviço Nacional de Saúde nada ou pouco contribui: timidamente passa uns cheques de reduzidíssimo valor para acudir a tamanho problema. Se há necessidade de prevenção, a da cárie é a prova real. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 Para sabermos como prevenir, é necessário compreendermos a etiopatogenia. A cárie dentária é uma doença multifactorial, ainda que essencialmente seja uma doença infecto-contagiosa pois não pode haver cárie se não existirem bactérias capazes de fermentarem açucares simples, produzindo-se ácidos que desmineralizam o esmalte, ocasionando perda irreversível de parte ou de todo o dente. A elevação do pH devida ao poder tampão da saliva leva à remineralização, particularmente quando a saliva tem concentrações elevadas em certos componentes como cálcio e fosfatos e moderadas em úor. Estas reacções químicas dão-se no biolme, uma película que recobre toda a superfície dentária, conhecido como placa dentária. Este biolme desempenha outra função, de lubricação, para permitir ecientes movimentos de mastigação(3). Identicaram-se já mais de quinhentas bactérias com poder acidogénico, sendo as estirpes mutans e sobrinus do Streptococcus as que têm particular relevo e reconhecida importância. A colonização deve-se essencialmente á transmissão vertical, a partir do contacto com mãe ou outro cuidador habitual, mas também horizontalmente, por outros contactantes, relaciona-se com a frequência e quantidade do inoculado, ocorrendo em 60% das crianças cujas mães têm concentrações salivares de Streptococcus mutans à volta de 105 unidades formadoras de colónias e apenas em 6% quando o número é de 103 colónias, inicia-se logo a seguir à erupção do primeiro dente e regista-se pelos 12 a 16 meses em 20% das crianças. A colonização precoce eleva o risco de desenvolvimento precoce e continuação da cárie, estimando-se que cerca de 90% das crianças que sofreram a colonização pelos dois anos tenham cáries, contra 25% quando colonizadas depois desta idade(3). À dupla bactéria acidogénica/substrato de açúcar, juntase um terceiro parceiro, não menos importante, a susceptibilidade genética que pode explicar mais de 50 % da variância da doença entre os portadores(4). O pro- __________ 1 Professor de Pediatria do ICBAS/HGSA cesso cariogénico é assim infeccioso, transmissível, dieto-dependente e úormediado. Passada em revista a etiopatogenia da cárie, estamos em condições de esquematizar a medidas especícas de prevenção que podem dividir-se, como habitualmente, em primárias e secundárias. Pelas primeiras, pretende-se que não se dê a colonização pelas bactérias acidogénicas, sendo possível identicar três vias. Primeira, reduzir a carga oral materna em bactérias acidogénicas para se impedir ou pelo menos reduzir a transmissão vertical. Para tal é necessário por um lado que a mãe cuide da sua saúde oral e por outro que não tenha atitudes facilitadoras da transmissão como beijar o lho na boca, provar a comida com a mesma colher com que o alimenta ou “desinfectar” a chupeta que caiu ao chão, passando-a pela boca(1). Uma segunda medida será vacinar a criança contra a cárie. A vacina está na forja, têm carimbo português - Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar - e em modelos animais, revelou-se muito prometedora(5). Uma terceira medida, extremamente curiosa, conhecida por terapêutica de substituição, consiste em substituir o Streptococcus mutans por bactérias não acidogénicas, de modo permanente(6,7,8). A prevenção secundária consiste na redução da carga bacteriana ou na promoção da remineralização. A redução da carga pode conseguir-se com probióticos que desloquem temporariamente, na placa dentária, as bactérias acidogénicas (a chamada terapêutica de deslocação(9)) e com agentes com poder antibiótico como é o caso do xilitol. A promoção da remineralização tem sido conseguida com o úor veiculado em pastas dentífricas, gel ou verniz(10,11,12) e ultimamente, com um derivado da caseína do leite, conhecido por CPP-ACP, acrónimo de Casein phosphopeptides- Amorphous calcium phosfate, conhecido comercialmente como Recaldent™, mas que ainda enfrenta algumas diculdades para ver o seu uso recomendado(13,14). O presente artigo refere-se ao xilitol, um adoçante natural, que ao impedir o transporte de glicose e a glicólise intracelular, tem um efeito antibiótico sobre o Streptococcus mutans. O xilitol reduz também a adesividade do Streptococcus mutans à placa dentária. Os autores dizem-nos que as investigações sobre o uso de xilitol têm incidido, quase exclusivamente, em crianças na idade escolar, avaliando a perda dentária em dentes denitivos e veiculado em pastilhas elásticas. O seu trabalho teve como objectivo avaliar a ecácia do xilitol, administrado na forma de xarope, na prevenção da cárie precoce da infância, forma de cárie que triplica a possibilidade de perda dentária na dentição permanente, sendo tanto quanto é do seu conhecimento, o primeiro estudo com este desenho. Os resultados obtidos permitiramlhes concluir que uma dose de 8 g/dia de xilitol, veiculado na forma de xarope, dividida em 2 ou 3 tomas, administrado a crianças com idades compreendidas entre os 15 e 25 meses, reduz a perda dentária e que esta redução signica pode prevenir 70% das perdas. Mas enquanto não dispomos da vacina, das terapêuticas de substituição e de deslocação, do xilitol em xarope e do CPP-ACP, socorramo-nos, desenvolvamos e implantemos no terreno as medidas clássicas de prevenção, a saber: promoção da saúde oral da mãe, educação das famílias sobre cuidados alimentares e higiene dentária com dentífricos uorados, aquisição de perícia para diagnosticarmos precocemente lesões iniciais de cárie, ainda reversíveis, e defender o envio ao médico dentista no momento adequado: primeiros 6 meses após a erupção do primeiro dente, mas nunca depois dos 12 meses. Tojal Monteiro1 Nascer e Crescer 2009; 18(4): 270-272 BIBLIOGRAFIA 1. American Academy of Pediatrics. Section on Pediatric Dentistry and Oral Health. Preventive oral health intervention for pediatricians. Pediatrics 2008; 122:1387-1394. artigo recomendado 271 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 2. Selwitz R H, Ismail A I, Pitts N B. Dental caries. 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Participants were 8 to 15 years of age (N = 2588). Prenatal tobacco exposure was measured by report of maternal cigarette use during pregnancy. Lead exposure was assessed by using current blood lead lev- COMENTÁRIOS A Perturbação de Hiperactividade e Déce de Atenção (PHDA) representa um dos quadros de perturbação do comportamento mais prevalentes na infância e adolescência, com repercussões importantes no funcionamento social, escolar e familiar da criança/jovem. Deste modo, são importantes os trabalhos de pesquisa que identiquem os factores do ambiente que podem ter uma responsabilidade no seu aparecimento, e para mais quando são factores sobre os quais possa haver algum controlo. Este trabalho é interessante ao identicar a associação da PHDA com factores ambientais, sendo um quadro em que se sabe que existe uma forte inuência dos factores genéticos. Estes dados vêm corroborar aquilo que é relativamente comum nas perturbações mentais: a causalidade multifactorial e a interacção genes-ambiente. els. The Diagnostic Interview Schedule for Children was used to ascertain the presence of ADHD in the past year, on the basis of Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fourth Edition, criteria. Results: A total of 8.7% (95% condence interval [CI]: 7.3%–10.1%) of children met criteria for ADHD. Prenatal tobacco exposure (adjusted odds ratio [aOR]: 2.4 [95% CI: 1.5–3.7]) and higher current blood lead concentrations (aOR for third versus rst tertile: 2.3 [95% CI: 1.5–3.8]) were independently associated with ADHD. Compared with children with neither exposure, children with both exposures (prena- Mas se este trabalho põe em destaque factores do meio ambiente de natureza química, não podem ser esquecidos os importantes factores de ordem emocional e sócio-familiar que mimetizam quadros de PHDA e que leva a que crianças sejam indevidamente medicadas com metilfenidato – as situações de privação de sono, a pobreza e outros factores de stress familiar, as famílias desorganizadas, como também outros factores de ordem emocional que podem causar instabilidade psíquica e problemas comportamentais. Tendo em mente estes aspectos, são da maior importância os trabalhos que identicam factores do meio ambiente, que a serem minimizados, podem reduzir a prevalência da PHDA. Havendo já trabalhos que apontavam para uma associação da exposição pré-natal ao tabaco e ao chumbo durante a infância, não se conhecia o seu papel tal tobacco exposure and third-tertile lead levels) had an even greater risk of ADHD (aOR: 8.1 [95% CI: 3.5–18.7]) than would be expected if the independent risks were multiplied (tobacco-lead exposure interaction term, P < .001). Conclusions: Prenatal tobacco and childhood lead exposures are associated with ADHD in US children, especially among those with both exposures. Reduction of these common toxicant exposures may be an important avenue for ADHD prevention. Key Words: attention-decit/hyperactivity disorder • lead exposure • tobacco exposure • toxicant interactions • joint effects independente e combinado no aparecimento de sintomas de hiperactividade e de déce de atenção. O artigo descreve então os efeitos encontrados numa amostra representativa da população infantil norte-americana. Foram avaliadas 25880 crianças e jovens entre os 8-15 anos do National Health and Nutrition Survey. A exposição ao tabaco foi avaliada por um questionário em que as mães referiam se tinham fumado durante a gravidez, e foram medidos os valores de chumbo no sangue das crianças. Foram reconhecidos critérios para PHDA em 8,7%. As taxas de PHDA eram maiores em crianças que tinham sido sujeitas à exposição prénatal de tabaco e ao chumbo, sendo que o risco de ter a perturbação era superior a 2. Quando as crianças tinham sido expostas aos dois tóxicos em simultâneo, então o risco de desenvolvimento de PHDA era superior a 8. artigo recomendado 273 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 Estes dados permitiram fazer a estimativa para a população, calculando-se que cerca de 21,7% dos casos poderiam ser atribuídos à exposição pré-natal do tabaco e 25,4% à exposição ao chumbo. Se os dois tóxicos ocorrerem conjuntamente então esse valor sobe para 38,2%. Embora sendo um estudo transversal que não permite conrmar a causalidade dos fenómenos em análise, os resultados estão de acordo com os estudos anteriores que haviam detectado um impacto do tabaco e do chumbo nos sistemas dopaminérgicos cerebrais. Deste modo estes resultados são relevantes ao destacar a exposição prénatal ao tabaco e aos efeitos da exposição ao chumbo, como factores de risco signicativo para a PHDA, especialmente quando as crianças estão expostas a ambos. Os autores também reectem __________ 1 Departamento de Pedopsiquiatria do Hospital Maria Pia / CHPorto 274 artigo recomendado que apesar das medidas tomadas para a sua redução, 15% das mães referiram ter fumado durante a gravidez e 1,6% das crianças possuíam níveis elevados de chumbo no sangue. A PHDA é fonte de prejuízo académico e social. Um estudo1 a nível europeu pôs em destaque a sobrecarga e os problemas que as famílias enfrentam: os comportamentos ruidosos, disruptivos, desorganizados e impulsivos, com transtorno ao nível das rotinas familiares, relações com os pais e entre irmãos. Há estudos que apontam para uma maior taxa de divórcios nestas famílias. Os pais salientam a necessidade de um maior controlo dos sintomas para o m da tarde e à noite, altura em que cessam os benefícios da medicação. Tendo em conta as repercussões signicativas deste quadro, poderemos valorizar os resultados encontrados nes- te trabalho para a prevenção da PHDA através da redução à exposição destes tóxicos. Maria do Carmo Santos1 Nascer e Crescer 2009; 18(4): 273-274 BIBLIOGRAFIA 1. Coghill D, Soutullo C, Carlos d’Aubuisson C et al. Impact of attention-decit/hyperactivity disorder on the patient and family: results from a European survey. Child and Adolescent Psychiatry and Mental Health 2008, 2:31 doi:10.1186/1753-20002-31 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 Bases de Dados Genéticos Antônio Carlos Gonçalves da Cruz* RESUMO Dados genéticos são informações especiais que caracterizam pessoas, famílias e até etnias. O interesse em pesquisá-los levou à estruturação de bases de dados que conguram os biobancos e as bases de dados de pers de DNA. Os primeiros se relacionam com a pesquisa médica e os últimos, de utilidade forense, se destinam à investigação criminal e identicação civil. A manipulação da informação genética representa um signicativo poder cientíco que se desdobra em atraentes interesses econômicos e políticos, descortinando inquirições quanto ao uso do patrimônio gênico com intenções discriminatórias e eugênicas. O objetivo deste artigo é analisar as principais questões éticas decorrentes da vulnerabilidade da dignidade humana que podem suscitar o registro e manejo de dados genéticos em investigação cientíca, criminal e civil. Através de pesquisa teórica foram discutidas várias inquietudes a respeito do manejo indesejável, privado ou público, do poder informativo do DNA. Concluiu-se que as principais questões éticas ligadas com as bases de dados genéticos reetem o risco de “genetização da vida” como uma forma nova de medicalização e reforço do poder privado ou público sobre a vida democrática, com a compressão de direitos fundamentais de cidadania baseados na valorização da dignidade da pessoa humana. Palavras-chave: Base de dados; bioética; biobancos; pers de ADN. __________ * Docente do Instituto Mineiro de Homeopatia, Belo Horizonte, Brasil; Doutorando do Programa Doutoral em Bioética da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e do Conselho Federal de Medicina. Nascer e Crescer 2009; 18(4): 275-282 INTRODUÇÃO Conseqüências do mapeamento do genoma humano se implicam com complexas questões éticas vinculadas ao manejo de informações genômicas pela investigação cientíca, criminal e civil. Peculiarmente, os dados genéticos1 codicam informações singulares que caracterizam pessoas, famílias e até mesmo etnias. A obtenção de seqüências genômicas, suscitando interesses em pesquisas sobre codicação de proteína, levou ao desenvolvimento de bases de dados genéticos. Albarellos explica que, na década de 1970, surgiu a bioinformática, “com o aparecimento dos primeiros genomas virais”, através da conjugação de “disciplinas computacionais e teorias de sistemas com as informações biológicas”, necessitadas de novo tipo de processamento. Integrando-se com outras disciplinas, a bioinformática compôs a Biologia Molecular Computacional para gerar novos conhecimentos a partir das informações codicadas. Essa dinâmica reetiu a voracidade comunicacional incidente sobre as biociências que, pela computação, passou a capturar e disseminar muito rapidamente grande quantidade de inovações. A necessidade de identicação de seqüências genômicas em bases de dados, com o conseqüen1 Compreende-se dados genéticos como ‘Todos os dados, de qualquer tipo, referentes às características hereditárias de uma pessoa ou referentes às características que constituem o patrimônio de um grupo de pessoas da mesma família’ (Recomendação n.º R (97) do Conselho da Europa, de 13 de Fevereiro de 1997) ou como ‘Informações não óbvias relativas às características hereditárias das pessoas, obtidas por análise de ácidos nucléicos ou por outras análises cientícas’ (Declaração Internacional sobre Dados Genéticos Humanos, UNESCO, de 16 de Outubro de 2003) (MACHADO et al, 2008: 134-5). te interesse por esses arquivos, fez com que, em 1979, fosse proposta uma base de dados única para guardar as seqüências de DNA descobertas. Em seguida, constituiu-se o European Molecular Biology Laboratory e, logo depois, em Los Alamos (EE.UU.), em 1982, o GenBank. Em 19982, surgiu uma grave preocupação bioética relativa à iniciativa islandesa de “estabelecer o primeiro banco de dados genéticos para registrar toda sua população”, através de amostras colhidas ao nascimento. Até então, os registros internacionais diziam respeito, sobretudo, a seqüências adeníticas de animais, vírus e bactérias. Entretanto, “no caso de seres humanos, o perigo da nominação das características gênicas individuais e o potencial vazamento de informação” tornou-se preocupante “no sentido da defesa do direito à intimidade3,4 e da não 2 Em 1990, com a pretensão de estudar os efeitos da radiação intensa sobre os genes humanos, surgiu o projeto Genoma Humano, concluído em 2000 (FONSECA, 2004). 3 Na perspectiva de Hammerschmidt & Oliveira, a intimidade é um direito inerente á pessoa, que não é preciso ser conquistado para ser possuído. Nem se perde por desconhece-lo. Esse direito tem suas raízes no direito ao respeito à liberdade da pessoa. A intimidade passou de privilégio de poucos a direito universal disposto no art 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Nessa ordem de idéias, o conceito de intimidade genética se dene como o direito de determinar as condições de acesso à informação genética. Já o princípio da autonomia determina que o consentimento abarque também o controle sobre os dados genéticos obtidos. O direito à intimidade genética está fundamentado em diversos textos internacionais como a Declaração Universal do Genoma Humano e os Direitos Humanos da UNESCO (artigo 7º), o Convênio relativo aos Direitos Humanos e Biomedicina do Conselho da Europa (artigo 10) de 1997 e a Declaração Internacional sobre os dados Genéticos Humanos da Unesco (artigo 14 a), de 2003. (HAMMERSCHMIDT & OLIVEIRA, 2006: 434-4). 4 Conforme Iglesias, recentemente passou a haver mais rigor para a utilização de informação de registros pré-existentes para investigação. Isso se deveu basicamente a três fatores: à crescente proteção que se tem dado à intimidade, à privacidade e perspectivas actuais em bioética 275 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 discriminação5,6”. Na experiência islandesa, o Estado concedeu o manejo do banco de dados genéticos ao setor privado. Alimentaram-se, destarte, suspeitas sobre o “manejo dos dados pessoais”, na falta de uma política bem denida de anonimato sobre os registros genômicos. Informações genéticas7 poderiam cair em mãos de potenciais empregadores ou seguradoras ou, ainda, poderiam ser utilizadas para outros ns, danosos ao titular da informação. De vez que as informações contidas em tais registros tem altíssimo valor cientíco, úteis em programas de saúde preditivos e preventivos e para à condencialidade dos dados pessoais; à facilidade de acesso à informação clínica que a informatização tem conferido com conseqüente aumento do risco de intrusão na nossa intimidade e à possibilidade de se utilizar dados genéticos das pessoas (IGLESIAS et al, 2008: 22) 5 O princípio da condencialidade dos dados pessoais encontra-se consagrado no art.º 6.º da Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos da Unesco, de 1997. Em Outubro de 2005, a Unesco, alertou “para a necessidade de respeitar a vida privada e a condencialidade, consagrada no art.º 9.º do texto da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos: A vida privada das pessoas em causa e a condencialidade das informações que lhes dizem pessoalmente respeito devem ser respeitadas. Tanto quanto possível, tais informações não devem ser utilizadas ou difundidas para outros ns que não aqueles para que foram coligidos ou consentidos, e devem estar em conformidade com o direito internacional, e nomeadamente com o direito internacional relativo aos direitos humanos” (MACHADO et al, 2008: 136). 6 Vários documentos dispõem sobre o princípio ético e jurídico da não discriminação com base em informação genética, tais como: a Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, 2000: ‘é proibida a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deciência, idade ou orientação sexual’ (art.º 21, n.º 1); Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina do Conselho da Europa, 1999: ‘é proibida toda a forma de discriminação contra uma pessoa em virtude do seu património genético’(art.º 11); Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos, da Unesco, 2003: ‘deverão ser feitos todos os esforços no sentido de impedir que os dados genéticos e os dados proteômicos humanos sejam utilizados de um modo discriminatório que tenha por nalidade ou por efeito infringir os direitos humanos, as liberdades fundamentais ou a dignidade humana de um indivíduo, ou para ns que conduzam à estigmatização de um indivíduo, de uma família, de um grupo ou de comunidades’ (art.º 7.º) (MACHADO et al, 2008:137-8). 7 A informação genética pode ser primária, relativa à espécie humana e de domínio público, não permitindo uma identicação do indivíduo. E pode ser secundária, que identica plenamente a pessoa e as patologias que a afetam ou podem afetá-la. Com certeza, é esse segundo nível de informação o que requer maior proteção jurídica. (HAMMERSCHMIDT & OLIVEIRA, 2006: 430-1). 276 planejamentos de engenharia genética, cabem indagações concernentes às políticas de manejo desse acervo. É preciso considerar a atividade de pensamentos cientícos eugênicos entusiasmados a partir da decodicação do Genoma Humano, que aspiram aperfeiçoar a humanidade a partir de alterações genéticas, com evidente desconsideração da liberdade e da individualidade das pessoas (ALBARELLOS, 2004). São abundantes e complexas as indagações, muitas vezes sem respostas, acerca da questão do direito à privacidade diante dos avanços da biotecnologia que, ao proporcionarem acesso a informações genéticas, descortinam preocupações quanto ao uso do patrimônio gênico com intenções discriminatórias e eugênicas8. Vivendo-se em uma época em que as questões relativas à comunicação se aninham na essência do transformismo cultural, devassando e consumindo reservas, barreiras e isolamentos em dimensão global, certamente é relevante o tratamento que se possa dar ao direito à privacidade dos dados genéticos, levando-se em conta o principio da dignidade da pessoa humana9,10,11. 8 Para Bullé-Goyri, a igualdade é um dos direitos fundamentais para o ser humano. “Há riscos de se ferir a igualdade com discriminações (...) na tendência à recriação da servidão natural” (BULLÉGOYRI, 1998). 9 Conforme Hammeerschmidt & Oliveira, é “forçoso reconhecer que os direitos fundamentais da pessoa humana são componentes de um direito geral de personalidade, o que faz com que (...) estejam contidos em uma cláusula geral, aberta e sem conteúdo” (HAMMERSCHMIDT & OLIVEIRA, 2006: 443-4). 10 O direito à intimidade genética se reveste de uma dimensão axiológica. Ele encontra na dignidade da pessoa humana seu fundamento objetivo, ante o fato de que o genoma é o que diferencia todos os seres humanos entre si, e também é o que diferencia a espécie humana de todas as outras. “Os direitos da personalidade tem como suporte o principio fundamental da dignidade da pessoa humana. A dimensão axiológica do direito à intimidade, embasada objetivamente na dignidade da pessoa humana, constitui o ponto de conexão e fundamento maior para erigi-lo à alçada de um dos direitos da personalidade da pessoa humana” (HAMMERSCHMIDT & OLIVEIRA, 2006: 449). 11 Miralles esclarece que todos os documentos que até o momento abordam as questões relativas ao genoma humano e ao Direito destacam que é a partir da “dignidade inerente a cada membro da espécie humana que será possível afrontar os problemas de caráter ético e jurídico colocados pela nova genética” (MIRALLES, 2002: 98-9). perspectivas actuais em bioética DESENVOLVIMENTO Bases de Dados Genéticos Matte & Goldim ensinam que, tanto para a análise quanto para a pesquisa de material genético, é necessário que se armazenem e se disponibilizem amostras de DNA. “O armazenamento das amostras de DNA origina os bancos de material genético ou bancos de DNA”, que podem ser de quatro tipos: “de pesquisa, de diagnóstico, de dados e potenciais”. Os de pesquisa, públicos ou privados, trabalham com DNA de indivíduos, de famílias e de populações “portadoras ou afetadas por uma determinada doença genética”. Os de diagnóstico manuseam “DNA de pessoas com suspeita de determinada doença e de seus familiares, em geral para ns diagnósticos ou de aconselhamento”. Os bancos de dados de DNA são aqueles em que as “informações genéticas são armazenadas para um determinado m, usualmente a identicação de um indivíduo por comparação com o padrão armazenado”. O quarto tipo é qualquer coleção de tecido que, por isso, é fonte de DNA ou um banco de material genético em potencial12 (MATTE & GOLDIM: 1999). Bases de dados genéticos para investigação podem ter nalidades forenses ou médicas. Estas constituem os biobancos13. As forenses são bases de dados de pers de DNA, utilizadas na identicação civil ou criminal (HENRIQUES & SEQUEIROS, 2007: 23). No âmbito da investigação criminal e da identicação, no contexto das preocupações com o controlo do crime e com a segurança nacional e internacional14, destaca-se a tecnologia da ‘impressão digital genética’. Estima-se que uma dada combinação genômica é singular e que, naturalmente, nunca ocorreu e nem se reproduzirá exatamente na existência da 12 Tais bases geram preocupações éticas quanto a seu uso (MATTE & GOLDIM: 1999). 13 Para Ashton-Prolla, “uma coleção organizada de material biológico humano e suas informações associadas, armazenados para ns de pesquisa conforme recomendações e/ou normas técnicas, éticas e operacionais pré-denidas” é um biobanco (ASHTON-PROLLA P, 2009: 74). 14 Com trocas internacionais de informações é possível que o confronto de diversas legislações aumente “a vulnerabilidade de dados pessoais e genéticos”(HENRIQUES & SEQUEIROS, 2007:11). NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 humanidade, excluindo-se a condição monozigótica de gêmeos, bastando um número restrito de loci marcadores para se fazer um perl de DNA – impressão digital moderna. Esta genotipagem é aplicada no âmbito forense na identicação de paternidade, de vítimas e restos humanos, no reconhecimento de desaparecidos e na resolução de crimes, seja para estabelecer culpabilidade, seja para inocentar15 (HENRIQUES & SEQUEIROS, 2007: 9). Preocupações éticas concernentes às Bases de Dados Genéticos Biobancos Para Matte & Goldim, embora mais completa, a informação adenítica é semelhante à informação médica e seus resultados devem se sujeitar aos mesmos princípios do sigilo médico. Sua preservação é mais importante do que a habitualmente proporcionada a outros dados médicos. É oportuno considerar a necessidade de regulamentação do manejo das informações genéticas e da existência de um manual de procedimentos do banco para proteção dos sujeitos de pesquisa e de pesquisadores quanto a questões éticas que esse manejo suscita, considerando-se que o material genético é de propriedade do depositante e que o banco é seu el depositário16. Sobre a amostra, cujo depósito não deve ser informal, requer-se um consentimento escrito do depositante que deve conter informações sobre as condições de sigilo e de preservação da amostra. O depositante deve contar com esclarecimentos quanto a armazenamento do material, análise e interpretação dos resultados. Sobre a liberação de amostras e de resultados, para o depositante, para a família e para terceiros, cujos detalhes devem ser acertados previamente com o depositante, a liberação de dados e de resultados deve ser condicionada a consentimento escrito e subordinada a interesse médico, garan15 Outras utilizações não forenses, são, ainda, “a pesquisa de doadores potenciais de órgãos, o estudo de migrações humanas ao longo da história, o conhecimento de populações de animais selvagens ou a análise de alimentos” (HENRIQUES & SEQUEIROS, 2007: 9). 16 Há a necessidade de atenção à identicação das amostras, revelação dos resultados e esclarecimento dos depositantes quanto ao que pode advir do armazenamento da amostra (MATTE & GOLDIM, 1999). tindo-se sigilo quanto a empregadores e seguradoras. O banco deve decidir sobre liberação de amostras para ns legais ou de identicação de paternidade, sendo que o depositante deve ser avisado previamente pela base sobre essa decisão. Se a situação for de diagnóstico, a amostra “deve ser aceita apenas por solicitação médica” e os resultados deverão ser proporcionados aos prossionais de saúde requisitantes. A quebra de sigilo para familiares deve contar com a concordância do depositante e a disposição de revelação de resultado para familiares deve ser discutida antes da realização do teste. A revelação para familiar saudável e em risco deve ser acompanhada de aconselhamento genético. O portador assintomático pode desejar ou não ser informado sobre o resultado e a decisão deve ser individual, mesmo em casos de armazenamento familiar. É preciso alertar para a situação de não-paternidade e a posição a ser adotada, como a de não informar à família sobre o resultado ou de informar o casal. O depositante deve ser esclarecido e consentir quanto ao armazenamento de amostras e seus usos potenciais que podem levar “a novas respostas para questões não levantadas quando da sua obtenção” e a novos interesses para ele e familiares. Para novos testes sugere-se novo consentimento. A decisão para armazenamento ou não da amostra deve levar em conta sua eventual relevância social ou cientíca. O depositante que não desejar o anonimato deve manter controlo de todos os seus usos e a amostra deve ser destruída se o depositante retirar o seu consentimento. O uso de DNA para pesquisa não requer a autorização do depositante em caso de preservação de anonimato. “A pesquisa não anônima só é justicável se relacionada aos objetivos originais de aquisição da amostra”17. Pode-se manter a identicação do DNA colhido para pesquisa, apesar de utilização anônima. No caso de uso por terceiros de material guardado num banco, para pesquisa ou não, o interesse do 17 “Neste caso, além do termo de consentimento informado da pesquisa há necessidade de um termo para depósito da amostra. Além disso é preciso que seja previamente estabelecido o que fazer caso seja encontrada alguma alteração signicativa para o indivíduo” (MATTE & GOLDIM, 1999). depositante deve prevalecer18. No caso de menores, sugere-se que os mesmos tenham acesso à amostra após 18 anos, podendo-se reavaliar o consentimento fornecido pelos seus responsáveis (MATTE & GOLDIM: 1999). Bases Forenses de Pers de DNA Embora semelhantes, biobancos e bases forenses de pers de DNA são pares antitéticos relativamente ao tratamento dado ao consentimento informado e ao sigilo. Os biobancos se orientam eticamente por cuidadosa atenção ao consentimento informado, no contexto fortemente aberto e dinâmico da investigação médica, e pelo escrupuloso sigilo quanto à informação, com recurso ao anonimato. No caso das bases forenses19,20 a nalidade é identicar alguém que, provavelmente, não consente com a recolha do material a ser tratado até à condição de impressão digital genética - através de intromissão na privacidade individual. É necessário ter claro que aquilo que hoje é considerado marcador não-codicante pode deixar de sê-lo para alimentar o risco de discriminação e que sérios dilemas podem ser delineados na esteira do mito da infalibilidade da informação genética. Pesa a favor das bases de impressões genômicas a expectativa de uma sociedade mais ecazmente organizada e que controle a vida de seus cidadãos21. Mas há nesta inexão, que ad18 “É preferível que as amostras sejam enviadas de forma anônima e com consentimento escrito dos depositantes” (MATTE & GOLDIM, 1999). 19 Geralmente são alvo de críticas tecnológicas e éticas, sobretudo no que tange “à privacidade e autonomia dos indivíduos analisados” (MATTE & GOLDIM: 1999). 20 As principais questões éticas ligadas às bases de dados de pers de DNA para uso forense relacionam-se com a seleção dos pers, com o recolhimento de amostras, conservação, utilização e circulação dos dados (MACHADO et al, 2008: 151). 21 Bases de dados podem ser um “instrumento poderoso para a prevenção e detecção de crimes e para exoneração de inocentes”. Elas podem conter dados de condenados apenas, ou incluir até simples suspeitos. Em algumas ocasiões, dene-se na legislação o tipo de crime para inclusão na base, sendo que, em outras, só a repetição de certos crimes é critério elegível. Os dados de inocentes podem ser destruídos ou conservados. “Em alguns países europeus, os dados de condenados são também destruídos após o cumprimento da sentença”. Uma vez obtidos os pers de DNA as bases podem descartar as amostras. Podem, ainda, armazená-las, se estiverem associadas a biobancos. “O tempo de conservação das amostras e dos pers é também (...) muito variável”. (HENRIQUES & SEQUEIROS, 2007:13). perspectivas actuais em bioética 277 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 mite a segurança como bem supremo, um risco à vida democrática. Além do mais, é criticável eventuais excessos do poder policial de recolha de amostras e de arbítrio na conservação das informações, sobretudo se desproporcionados em relação a seus benefícios. Vários direitos individuais são violados por tais bases, a saber: “o direito à privacidade, à dignidade da pessoa, o direito à integridade física e moral, o direito a não declarar, à presunção de inocência, o direito à saúde e o direito à liberdade” (HENRIQUES & SEQUEIROS, 2007: 23-6). As questões éticas que pairam sobre bases de dados de pers de DNA com ns de investigação criminal e de identicação civil são diferentes. As principais questões éticas ligadas às primeiras relacionam-se com “a obtenção de consentimento, a colheita da amostra, a análise genética, a conservação dos dados, a circulação de informações e a prevenção de abusos22. No caso das questões éticas ligadas às bases de pers de DNA para identicação civil a “colheita e conservação de pers genéticos de toda ou parte substancial da população coloca problemas muito mais sérios, em adição aos anteriores”. O reforço do poder policial do Estado, para o controlo e a inspeção sobre a vida coletiva, é um deles. Ele transforma “todos os cidadãos em suspeitos potenciais”. Outro sério problema é a desproporção entre os vultosos gastos que tais bases requerem e os resultados que delas se espera, em acidentes, catástrofes ou atentados, gerando conitos de justiça distributiva (HENRIQUES & SEQUEIROS, 2007: 29). Acesso a informações gênicas e compressão de direitos fundamentais. Segundo Echterhoff, o revolucionário avanço técnico-cientíco, envolvendo o manuseamento do patrimônio genético humano, “traz diversas indagações jurídico-morais visando a estabelecer os limites da compatibilização entre os valores ético-jurídicos e o progresso da Biotecno22 É na “existência de um biobanco associado à base de dados que reside um dos perigos principais para potenciais abusos”(HENRIQUES & SEQUEIROS, 2007: 30). 278 logia”. Essas inquirições23 mais se tornam relevantes “quando se analisa a questão do direito à privacidade em face desses avanços tecnológicos, da possibilidade de acesso a informações genéticas, bem como das diversas e perversas possibilidades de utilização dessas informações com o intuito discriminatório e eugênico” (ECHTERHOFF, 2007:1). Stepke leciona que o progresso da biotecnologia genética associado a outros progressos técnico-cientícos produzem expectativas nem sempre otimistas. “Há aqueles que vaticinam (...) que se perderá o respeito pelos valores e pela dignidade do ser humano”. Nesse sentido “a ‘genetização’ da vida e da medicina [pode vir a ser] uma forma nova de medicalização e consolidação do poder de alguns especialistas que parecem controlar o mais essencial do ser humano”. A informação genética a respeito de uma pessoa possibilita saber muito sobre seus antepassados, parentes e descendentes. “Os efeitos dessas informações ultrapassam o âmbito do individual e formulam problemas de (...) condencialidade e privacidade”. Nessa linha de raciocínio, “com o conhecimento do destino genético (que não é necessariamente o destino da pessoa, pois este sofre a inuência do ambiente de desenvolvimento)”, será mais freqüente uma nova categoria de doentes: os ‘sadios-doentes’. Serão es23 De acordo com Clotet, com o progresso da “biologia molecular e da genética médica, a humanidade deparou-se com novos questionamentos de caráter ético” que, embora apresentem “situações antes desconhecidas para a ética, não mudam os conceitos fundamentais, nem os princípios basílares da mesma”. Embora o genoma conra a cada homem “uma identidade genética própria”, como “propriedade inalienável da pessoa”, ele é ainda “um componente fundamental do patrimônio comum da humanidade”, admitindo ser “impensável concebêlo de forma isolada ou independente”. Daí que o genoma pertence coletivamente à espécie humana. Conseqüentemente, se o valor do genoma “comporta a dignidade do ser humano como indivíduo singular e a dignidade da espécie humana como um todo”, então, “o genoma humano, considerado de forma ora individual ora coletiva deve ser respeitado e protegido”. No terreno em que se confrontam “interesses, direitos e deveres entre a autonomia individual e a autonomia na sua dimensão plural ou comunitária, bem como a benecência coletiva” surgem inevitáveis conitos a serem resolvidos segundo “princípios e normas da justiça”. É o que faz com que o princípio da autonomia não tenha “caráter absoluto, universal e de primazia no momento da solução dos conitos da ética biomédica, nem da ética em relação à genética”. (CLOTET, 2006:103-23). perspectivas actuais em bioética tes24 alvo de tratamentos, mesmo assintomáticos e livres de danos, por apresentarem uma disposição genética a certos transtornos em função de “um juízo técnico, imparcial e objetivo, impessoal e estatístico” Com a conseqüente ampliação do ‘si mesmo’ para o patrimônio genético, “um segmento de vida que o próprio sujeito não vê e nem controla, pelo qual o indivíduo humano não é responsável e do qual não é sequer criador, mas tãosomente um intérprete, e nem sempre o mais autorizado”, poder-se-á até imaginar decisões que cada um tomará em sua vida, em uma espécie de “despersonalização” ou redução das pessoas a máquinas25 (STEPKE, 2002: 132-3). Quando o conhecimento é utilizado como instrumento de poder26, considerando-se o progresso biotecnológico e a “crise da pessoa”27, “os riscos de que atrocidades 24 Não se pode medir um homem segundo que enfermidade ele pode sofrer nem quando [poderá sofre-la]. Os homens valem por suas obras, por suas contribuições e pelo fato de sua unicidade e irrepetibilidade” (CAMPOLI, 2002). 25 “Muitos tendem a reduzir o ser humano à dimensão exclusivamente biológica, ou, até mesmo à sua expressão gênica, o que, todavia, nem de longe, esclarece a verdadeira complexidade e sutilezas do comportamento humano” (SIQUEIRA & DINIZ, 2002: 226 ). 26 Anjos adverte que a autonomia não deve ser enfocada sem que se leve em conta que a vulnerabilidade é sua parceira indissociável. Levando em conta que “a vulnerabilidade tem se apresentado (...) como um desao para a ação ética do sujeito autônomo”, ele conclui que “a consciência de vulnerabilidade é muito importante para alimentar a razão crítica que fundamenta a autonomia”. Não convém que haja forte separação entre autonomia e vulnerabilidade. Esse distanciamento implica em se considerar que a vulnerabilidade recai apenas sobre os outros. Ele pode ser o fundamento ético de proteção da vulnerabilidade dos outros, enquanto obscurece a vulnerabilidade do sujeito de ação. O domínio do pensamento tecnocientico projeta o saber como a forma hegemônica de poder contemporâneo dos sujeitos humanos. Com isto, o ser humano, “sujeito da produção cientíca”, torna-se “um objeto desta produção, enquanto as tecnologias são aplicadas em sua própria construção”. Nesse ambiente, domina um “sentimento de poder e de autonomia” em detrimento da percepção da vulnerabilidade (ANJOS, 2006: 173-7). 27 A criação humana exprime a racionalidade técnica enquanto liberdade de manejo e de controle da natureza em sua propriedade de se manifestar através de leis dinâmicas. Silva considera que “quando fazemos operar em máquinas construídas [as leis que operam naturalmente na realidade], isto se dá pela capacidade que temos de abstrair tais leis de seu cenário natural e aplicá-las a construtos humanos nos quais elas operarão (...) de acordo com propósitos humanos e não a partir de princípios naturais”. Entretanto, quanto maior a submissão à racionalidade técnica, menor a possibilidade de “vi- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 como as ocorridas no regime nazi em nome de uma ideologia eugênica (...) é incomensurável” (ECHTERHOFF, 2007: 56). Miralles compreende que a origem da noção de dignidade28 tem suas raízes na visão grega de humanitas, uma visão universalista do ser humano segundo a qual há uma exigência ética de respeito universal “ao outro, a qualquer outro, ao que se considera outro eu”. Essa idéia foi desenvolvida pela cultura judaico-cristã, entendendo-se que cada homem participa da dignidade absoluta de Deus. A noção de dignidade veio a se estabelecer na superação da equivalência através do pensamento kantiano que entendeu que a dignidade signica que os seres humanos não se reduzem a meios substituíveis como se tivessem preço. A dignidade radica ontologicamente naquilo que universalmente todos os seres humanos temos em comum, “a natureza humana e se encontra em conexão com o mais intrínseco a ela, seus ns. Dessa perspectiva ontológica da dignidade resulta que o valor de um ser humano não pode se estabelecer na qualidade de seu genoma, mas no facto de pertencer à espécie humana, de acordo com os Pregorar a aspiração humanista da técnica como meio de liberação. Chega-se à “mecanização do homem” pela desnaturalização da natureza pela inteligência técnica, cujo triunfo é a mecânica. “No plano das conseqüências éticas, a mecanização do homem é a crise da pessoa”, cujo reconhecimento se associa “à armação técnica do indivíduo e da coletividade”. O autor entende que “a ciência sempre foi essencialmente técnica” e que “o mundo moderno começou reetindo sobre as nalidades da técnica para terminar instituindo a técnica como a única nalidade”, com a obstaculização do discernimento dos ns humanos na especicidade prática. Esse “humanismo servo da tecnociência”, se realiza na dominaçâo técnica do terreno da ética. “[A tecnização – fucionalização do indivíduo e da coletividade – leva à] dissolução da ética, com o desaparecimento da autonomia individual e dos laços orgânicos entre indivíduo e comunidade”(SILVA, 2003: 177-81). 28 Os artigos 1 e 2 da Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos aprovada pela XXIX Conferência da Unesco, e raticada pela Assembléia Geral das Nações Unidas fazem explícita referência à dignidade intrínseca de todos os membros da família humana. Também o Convênio sobre os Direitos Humanos e a Biomedicina do Conselho da Europa, em seu artigo 1 destaca que as partes conveniadas protegerão a dignidade e identidade de todo ser humano. A Declaração IberoLatinoamericana sobre Ética e Genética, de 1998, determina que “reexões sobre as diversas implicações do desenvolvimento cientíco e tecnológico no campo da genética humana deverão respeitar a dignidade, a identidade e a integridade humanas e aos direitos humanos” (MIRALLES, 2002: 98). âmbulos da Convenção sobre os Direitos Humanos e a Biomedicina do Conselho de Europa. Resulta ainda dessa concepção o direito fundamental à vida já que sua lesão implica a negação da dignidade inerente ao ser. Neste sentido, no artigo 2 da Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos se impõe “que não se reduzam os indivíduos a suas características genéticas e que se respeite seu caráter único e sua diversidade”, o que é negado pela “nova eugenesia”, reducionismo genético segundo o qual a organização e comportamento do ser humano é determinado pelo patrimônio genético. A dignidade do ser humano leva à exigência ética de não instrumentalização do humano e de não comercialização de suas partes, como o disposto na Convenção sobre os Direitos Humanos e a Biomedicina, segundo a qual “o interesse e bem-estar do ser humano prevalecerão frente ao exclusivo interesse da sociedade e da ciência” e “ o genoma humano, em seu estado natural, não pode dar lugar a benefícios pecuniários” (MiIRALLES, 2002: 98-100). Para Ortega, ainda que por razões metodológicas, “a medicina compartilha com o biopoder totalitário o pressuposto da redução [da complexidade sócio-cultural da vida] à vida orgânica, e do corpo ao cadáver”, a uma coisa inanimada ou a uma passividade cadavérica. Segundo ele, de acordo com Hanna Arendt, o fabrico de ‘cadáveres vivos’ nos campos de concentração se devia à aniquilação da dimensão de pessoa29. (ORTEGA, 2005). Essa fabricação assemelha-se à redução das pessoas à “passividade cadavérica” destinada ao manuseamento biomédico e biopolítico. A supressão da dignidade humana caracteriza, assim, o “summum malum”30,31. (ECHTERHOFF, 2007: 56). 29 Representado pelos campos de concentração, o totalitarismo reduz a pluralidade dos seres humanos “a um único indivíduo com uma identidade previsível e cienticamente controlada de reações”. Pelo totalitarismo, populações humanas tendem a ser tratadas como massas de ‘homens-inanimados’ ou como homens que nunca nasceram ou existiram. (NETO, 2007: 37). 30 A dominação do homem requer o aniquilamento “dos espaços de liberdade que a capacidade para a ação - enquanto decorrente da pluralidade humana mesma – solicita” (PEREIRA H, 2000: 112-3). 31 O próximo passo decisivo de preparo de “cadáveres vivos” é matar a pessoa moral do homem. “A própria privacidade das pessoas parece ameaçada pelo biopoder da genética molecular, capaz de (...) esquadrinhar nossa constituição” (FROTA-PESSOA, 2009). É muito arriscado que o saber se concentre nos domínios dos Estrados desenvolvidos e de empresas multinacionais, como se passa com o saber - o biopoder - das ciências biotecnológicas (ECHTERHOFF, 2007: 57). A humanidade vive em um momento em que todo o poder32 se funda no poder da informação33. Informação genética em mãos de terceiros representa um signicativo poder. Para Azevedo “a possibilidade de revelação do código genético de pessoa, povos e nações é o centro das preocupações éticas na pesquisas em genética humana” (AZEVEDO, 2003: 327). Signica a possibilidade de se conhecerem vulnerabilidades e comportamentos de seres humanos, o que resulta em “real poder cientíco, político, estratégico e bélico”. O papel da informação na sociedade contemporânea é indiscutível. Alguns armam que esta é uma Era da Informação. Isso se obtém através do anonimato imposto pelo silêncio (...) Após a morte da pessoa moral a única coisa que ainda impede que os homens se transformem em cadáveres é a sua singularidade, sendo esta a parte da pessoa humana mais difícil de ser destruída (ECHTERHOFF, 2007: 52). 32 Para Placenza, os meios de comunicação têm ocupado um lugar de relevãncia em cada uma das sociedades do mundo e em seus sistemas políticos, mais concretamente no séc XX com a globalização. A denominação e o conceito de quarto poder surgem com a formação dos Estados democráticos e liberais que começaram a se constituir com as revoluções burguesas dos sécs XVII e XVIII e com a independência americana de 1776. Esses novos ordenamentos governamentais que introduziram a divisão de poderes pretendiam alcançar um equilíbrio pelo sistema de contrabalançar a manifestação do poder. Paralelamente a este processo, ampliou-se a necessidade de informação. Antes, a invenção da imprensa conferira maior solidez e amplitude ao Renascimento e à Reforma e foi um dos fatores fundamentais que tornaram possível a Revolução Francesa. Com as revoluções burguesas e com o incipiente aparecimento da cidadania, através do sufrágio censitário primeiro e do universal a seguir, criou-se uma considerável quantidade de publicações políticas. A informação continuada através da imprensa escrita (diários) se converteu em uma instituição que foi se generalizando sob diversas formas. A institucionalização da imprensa, que se desenvolveu em forma quase simultânea com as novas formas de governo que introduziram a divisão de poderes deu origem ao conceito e a denominação de quarto poder (PLACENZA, 2007). 33 Campoli entende que, desde tempos imemoriais, o homem descobriu o valor da informação. O manejo “para seu próprio proveito [da] informação disponível resulta uma arma de controle de massas de um valor incalculável” (CAMPOLI, 2002). perspectivas actuais em bioética 279 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 Como conseqüência, o confronto entre as exigências de uma era da informação, que também é uma era do genoma, com os direitos humanos consagrados internacionalmente, evidencia a importância polêmica que envolve o direito à privacidade dos dados genéticos, “pois estas informações terão papel de destaque na sociedade contemporânea, seja no âmbito social, político ou, e principalmente, econômico” (ECHTERHOFF, 2007: 1-2). Albarellos, baseando-se no interesse sobre as informações gênicas dos bancos de dados genéticos, ensina que as situações conituosas dele decorrentes podem ser de seis tipos quando: a) o próprio sujeito toma a decisão de não conhecer os dados sob proteção; b) há interesse direto na informação de pessoa sadia e aparentada de um portador de anomalia, mas que ela própria desconhece sua condição heterozigótica para a característica; c) se focaliza o direito à informação das pessoas que podem gerar descendência susceptível de herdar a anomalia; d) no contexto contratual trabalhista ou de seguros com o sujeito, pessoas dessa relação se interessam pela informação; e) é a sociedade, tanto no âmbito sanitário como no legal, que requer a informação e f) é a investigação médica que depende do conhecimento dos dados relativos a sujeitos cujas famílias são portadoras de anomalias genéticas (ALBARELLOS, 2004). A partir de 1985, graças aos trabalhos do geneticista Alec Jeffreys, o uso de pers de DNA para identicação de indivíduos34 difundiu-se na investigação 34 De acordo com Henriques & Sequeiros, os anos 90 viram surgir e crescer discussões internacionais sobre vantagens de “um país possuir um sistema informatizado com dados genéticos meramente identicativos”. Nesse período “[a opinião pública passou a ser] confrontada com a defesa do interesse desses recursos forenses para a resolução [e prevenção] de crimes”, como apropriação do conhecimento no âmbito da segurança na organização social. A identicação dos cidadãos baseada em um sistema de “bases de dados de ADN forenses” foi pioneira na Inglaterra. Alem de necessária no contexto da prevenção e solução de crimes, a identicação mais rápida e ecaz de pessoas também é necessária nas situações que envolvem massas populacionais, como na “ocorrência de catástrofes naturais, acidentes em larga escala, atos de guerra ou do terrorismo internacional”. Essa necessidade ajuda na inquirição da “utilidade da existência de uma base de dados extensiva a toda a população”. Para se reconhecer com rapidez um grande número de indivíduos, “a obtenção de pers de ADN com elevado valor identicativo” requer armaze- 280 criminal e na identicação civil (MACHADO et al, 2008: 26). A utilização cada vez mais freqüente de sosticados conhecimentos genéticos em domínios forenses com conseqüente criação de bases de dados de pers de DNA, mediante políticas governamentais de detecção, prevenção e controle do crime, impactando a conguração da cidadania e o controle social, tem fomentado um debate cientíco e social carregado de incertezas a respeito de seus benefícios. Crescem inquietudes sobre o uso do poder informativo do DNA, quanto a seu uso “de modo indesejável tanto por agentes estatais como privados”. A incorporação da genética na vigilância e monitorização dos cidadãos cria formas de biovigilância através do uso de impressão digital genética “à qual se confere elevada credibilidade e ecácia como método de identicação35” (MACHADO & SILVA, 2008: 151-5). De acordo com Machado & Silva, as bases de dados de pers de DNA “representam o reforço dos poderes do Estado, em nome do bem coletivo – a segurança e a tranqüilidade –, mas essa necessidade pode signicar a compressão ou limitação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos” (MACHADO & SILVA, 2008: 157-8). Machado adverte que o crescente armazenamento de material com grande poder informativo gera desconanças quanto a seu uso privado ou público36, embora a tecnologia da ‘impressão digital genética’ seja credora de elevada conabilidade em sua ecácia para identicar as características genéticas da pessoa a partir de amostras biológicas de qualquer material corporal ou cadavérico (MACHADO et al, 2008: 124 -5). Se é possível colaborar namento de dados genéticos das pessoas. Pode-se, ainda, recorrer à comparação de ADN de amostras biológicas residuais com amostras obtidas de familiares, para se estabelecer “verossimilhança de parentescos”( (HENRIQUES& SEQUEIROS, 2007: 4-5). 35 Bases de dados de pers de DNA podem congurar novas e ecazes modalidades de controle social” (MACHADO & SILVA, 2008: 153). 36 O êxito para se conseguir uma identicação depende do número de pers que alimenta a base de dados. Mas, o aumento do número de pers armazenados “aumenta a probabilidade de ocorrer um falso emparelhamento. Além disso, a criação de uma base de dados genéticos forense que contenha toda ou parte signicativa de uma população tem o poder de transformar cada um dos seus membros num suspeito potencial” (HENRIQUES & SEQUEIROS, 2007:13). perspectivas actuais em bioética para que a justiça se torne mais célere e ecaz, há limites para a identicação por impressões digitais genéticas, cuja padronização não está estabelecida37. E o “mito da infalibilidade da identicação” por essa técnica pode inuenciar em decisões judiciais38. Outro problema é a possibilidade de contaminação39 com material estranho, que “é freqüente em cenas de crime, em amostras antigas e degradadas, em cadáveres e restos humanos”. Falsas identicações são prováveis se são usados pers parciais e entre sujeitos de mesma família. Por outro lado informações de DNA podem extrapolar a identicação individual para disponibilizar laços familiares e étnicos, predispondo a discriminações40. Não se desconsidera que, no futuro, até mesmo do DNA não-codicante41, com os avanços tecnológicos, poder-se-á extrair informação sensível42,43. O uso des37 “A utilização de pers de ADN não está ainda estabelecida como padrão para identicação individual”, lembrando que a genética falha na distinção entre gêmeos monozigóticos (HENRIQUES & SEQUEIROS, 2007: 10). 38 A crença na infalibilidade desta tecnologia pode dicultar a percepção de erros laboratoriais e a desconsideração da utilidade de outras provas e cuidados (MACHADO et al, 2008: 151). 39 Outro problema sério é o da facilidade de contaminação com ADN estranho, quer na colheita, quer na análise no laboratório. “Além disso, a PCR pode amplicar preferencialmente o ADN contaminante, por muito vestigial que seja” (HENRIQUES & SEQUEIROS, 2007:10). 40 Considera-se, ainda, que na busca de identicação de familiares de pessoas que deixaram amostras biológicas em cenas de crimes, mas que não estão chadas em bases de dados, “há um risco manifesto de intrusão pública” na privacidade e preocupação de revelação de parentesco desconhecido” (HENRIQUES & SEQUEIROS, 2007: 11). 41 A identicação hoje limitada ao ADN nãocodicante pode, futuramente, vir a ser associada a informação sensível e ser utilizada para ns distintos dos inicialmente previstos. “Saliente-se, ainda, que nos dias de hoje o próprio ADN não-codicante permite obter dados de natureza sensível, nomeadamente determinar se há uma relação biológica de parentesco de fornecedores de amostras comparadas.” (MACHADO et al, 2008: 134-5). 42 Hammerschmidt & Oliveria esclarecem que o principio da sensibilidade refere-se aos dados pessoais concernentes à saúde que se consideram qualicados por informações ‘sensíveis’, ou seja, as que devem ser objeto de uma tutela jurídica reforçada, por afetarem o direito das pessoas à intimidade. (HAMMERSCHMIDT & OLIVEIRA, 2006: 428). 43 “O painel de marcadores deve restringir-se ao ADN não-codicante e deve ser publicamente conhecido. Vericando-se a associação entre um dos marcadores utilizados e doença ou traço comportamental, o marcador deverá ser retirado do painel e os pers e dados respectivos destruídos” (MACHADO et al , 2008: 152). NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 sa tecnologia pode também “potenciar a reprodução da tendência para uma maior incidência da investigação policial junto de grupos étnicos” que, aprioristicamente, por razões sócio-culturais , são associados a práticas criminosas. Bases de dados de pers de DNA para identicação contêm muitos pers genéticos de menores, operam com consentimento eticamente controverso, conservam amostras mesmo depois da prova de inocência e se põem à sombra de crescente poder policial para recolhimento de amostras44. “A criação de uma base de dados genéticos é, sem dúvida, uma das mais atuais e signicativas modalidades de exposição dos cidadãos à autoridade e poder da Ciência e da Justiça45” (MACHADO et al, 2008: 128-31). Na perspectiva de Machado, “os aspectos mais polêmicos das bases de dados de pers de DNA com propósitos forenses referem-se a questões normativas e éticas”, considerando-se que tais bases, ao reforçarem os “poderes do Estado, em nome do bem coletivo”, podem limitar “o direito à privacidade, à integridade física e moral, o direito à não declaração e à presunção de inocência” dos cidadãos. De um lado situa-se a necessidade democrática de defesa dos direitos de cidadania e de outro a sua necessária restrição para beneciar a sociedade no controle da violência (MACHADO et al, 2008: 135). Há possibilidade de violação ao direito à reserva da vida privada pelo risco de intrusão na privacidade quando da investigação criminal. (MACHADO et al, 2008: 135). A construção de um perl de DNA exige sempre a colheita de material biológico, que poderá implicar em riscos ao direito à integridade, que só estará salvaguardado se a recolha de material biológico for feita com o consentimento do titular (MACHADO et al, 2008: 135-8). 44 O teste genético forense, individual ou familiar, pode ser voluntário ou compulsório e se sujeita à jurisdição local (HENRIQUES & SEQUEIROS, 2007: 13). 45 Na ótica de Henrtiques & Sequeiros, há possibilidade de “abusos policiais, judiciais ou políticos” no funcionamento das bases, que, por isso devem ser administradas de maneira independente. “A supervisão ética e o debate público sobre as bases de dados forenses e o seu uso serão cada vez mais importantes” (HENRIQUES & SEQUEIROS, 2007:13). CONCLUSÃO O respeito pelos princípios éticos deve se atualizar no campo da genética biomédica, compreendendo-se que eles próprios se reconduzem, a despeito da variação de contexto onde se aplicam. Se os avanços do conhecimento genético trazem incontáveis benefícios, podem eles, contudo, encerrar possibilidades de danos ao ser humano, na ocasião em que a dignidade da pessoa vier a car em situação de vulnerabilidade, com possibilidades de violação dos direitos humanos, Assim, é imperioso o desenvolvimento de normas e mecanismos adequados para garantir sua tutela e proteção. As principais questões éticas ligadas com as bases de dados genéticos reetem o risco de “genetização da vida” como uma forma nova de medicalização e reforço do poder privado ou público sobre a vida democrática, com a compressão de direitos fundamentais de cidadania baseados na valorização da dignidade da pessoa humana. GENETIC DATABASES ABSTRACT Genetic data are particular groups of information that characterize people, families and races. Research into these groups has led to data base structures that constitute the biobanks and DNA prole databases. The former are related to medical research and the latter to forensic medicine, which is used in criminal investigations and for civil identication purposes. The manipulation of gentic information represents signicant scientic power which is linked with political and economis interests, giving rise to questions as to the use of genetic data for discriminatory and eugenic purposes. The object of this article is to analize the principal ethical questions, like the vulnerability of human dignity, that may result from bad handling of genetic data in civil, criminal and scientic cases. Beyond the theoretical research, various fears related with the informative power of DNA are discussed, concerning private or public sample mishandling. It is concluded that the main ethical questions linked to genetic databases reect the “geneticization of life” as a new form of medicine and the reinforcement of public or private power over democratic life, with the compression of fundamental rights of citizenship, based on the valuation of the dignity of human life. Keywords: Databases; bioethics; biobancs; DNA proles. Nascer e Crescer 2009; 18(4): 275-282 BIBLIOGRAFIA ALBARELLOS, L. Bancos de datos genéticos y su posible utilización para conculcar derechos humanos. Revista de Derecho Informático. Edita: AlfaRedi. ISSN 1681-5726. N. 066. Enero del 2004. Disponível em <http://www. robertexto.com/archivo14/banco_datos_genet.htm> Acesso em: 14 jun. 2009. ANJOS, M. F. A vulnerabilidade como parceira da autonomia. Revista Brasileira de Bioética. São Paulo. Vol. 2, n 2. 2006. p. 173-186. Disponível em: <http://www.bioetica.catedraunesco. unb.br/htm/X%20-%20htm/biblio/ htm_RBB/RBB%202-2/Art02.pdf> Acesso em: 10 jun.2009. 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CORRESPONDÊNCIA Rua Santa Quitéria, 56 - Vila Triângulo 32650 630 Betim – MG - Brasil Telefone: 31.35319816 e-mail: [email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 Janela Aortopulmonar - Uma Causa Rara de Insuciência Cardíaca Congestiva em Lactente Mónica Marçal1, Susana Duarte2, Patrícia Mendes2, Ana Teixeira3, Rui Rodrigues4, Miguel Abecasis4, Rui Anjos3, Maymone Martins3 RESUMO A janela aortopulmonar é uma cardiopatia congénita rara, em que se verica uma comunicação entre a aorta ascendente e a artéria pulmonar, com aparelhos valvulares distintos. Em 50% dos casos coexistem outros defeitos cardíacos. As manifestações clínicas são inespecícas e geralmente precoces, traduzidas por sinais e sintomas de insuciência cardíaca, comuns a outras situações de shunt esquerdo-direito. Apresenta-se o caso clínico de um recém-nascido, sem antecedentes familiares e pessoais relevantes, com quadro de insuciência cardíaca congestiva que se manifestou na segunda semana de vida. Inicialmente, foi efectuado por telemedicina o diagnóstico de comunicação interventricular não restritiva e persistência de canal arterial pelo que iniciou terapêutica diurética endovenosa. Por persistência do quadro, apesar da terapêutica médica instituída, foi transferido para um centro de Cardiologia Pediátrica onde foi efectuado o diagnóstico denitivo: janela aortopulmonar com malposição dos grandes vasos, associada a comunicação interventricular, comunicação interauricular e persistência de canal arterial. Foi submetido a correcção cirúrgica total ao vigésimo terceiro dia de vida, com evolução favorável. Este caso é relevante pela sua raridade (encontrámos apenas um caso des__________ 1 2 3 4 Serviço de Pediatria, Hospital São Francisco Xavier, CH Lisboa Ocidental Serviço de Pediatria, Hospital de Faro Serviço de Cardiologia Pediátrica, Hospital Santa Cruz, CH Lisboa Ocidental Serviço de Cirurgia Cardiotorácica, Hospital Santa Cruz, CH Lisboa Ocidental crito de janela aortopulmonar associado a malposição dos grandes vasos) e por alertar para a importância de considerar hipóteses de diagnóstico mais raras perante um quadro de insuciência cardíaca congestiva refractário á terapêutica médica, ainda que coexistam outros defeitos cardíacos. Palavras-chave: janela aortopulmonar, cardiopatia congénita, insuciência cardíaca, recém-nascido Nascer e Crescer 2009; 18(4): 283-287 INTRODUÇÃO A janela aortopulmonar (JAP) é uma cardiopatia congénita rara, com uma incidência estimada em 0,1 a 0,3% das cardiopatias congénitas(1,2). Resulta de um defeito do septo aortopulmonar condicionando uma comunicação entre a aorta ascendente e o tronco e/ou artéria pulmonar direita, na presença de aparelhos valvulares aórtico e pulmonar distintos(1,3). Pode existir como defeito isolado mas, em 50% dos casos associa-se a outros defeitos cardíacos estruturais(1,3-8). A JAP pode ser classicada consoante o nível de comunicação entre os dois vasos, proximal (junto à sua origem), distal ou total(3,8,9,10). No recém-nascido ou lactente esta entidade manifesta-se por um quadro de insuciência cardíaca, regra geral associado a um sopro cardíaco(1,9). Podem ainda ser encontradas outras alterações correspondentes a eventuais defeitos associados(2). A atitude clínica com um elevado grau de suspeição é muitas vezes necessária para o seu diagnóstico atempado como é ilustrado pelo caso que apresentamos a seguir. CASO CLÍNICO Recém-nascido do sexo masculino, terceiro lho de pais jovens, saudáveis e não consanguíneos. Dois irmãos de cinco e de três anos, saudáveis e sem outros antecedentes familiares relevantes. Gestação de 41 semanas, vigiada, sem intercorrências signicativas. Parto em ambiente hospitalar, eutócico, com peso ao nascer de 3370g (percentil 50) e Índice de Apgar de 10 ao 1º minuto e 10 ao 5º minuto. Foi detectado sopro sistólico de grau II/VI no período neonatal, sem outra sintomatologia, pelo que teve alta para o domicílio ao 2º dia de vida, orientado para avaliação em ambulatório às duas semanas de vida. Nesta avaliação vericou-se, para além do sopro, sinais de insuciência cardíaca: taquicardia, taquipneia, hepatomegália e perda ponderal. Na radiograa de tórax o índice cardiotorácico estava aumentado (70%). Foi realizado ecocardiograma, que revelou comunicação interventricular (CIV) perimembranosa não restritiva e persistência de canal arterial (CA), sendo iniciada terapêutica anticongestiva com furosemida endovenoso (1mg/kg/dose), com melhoria parcial. Apesar da terapêutica manteve taquicardia, taquipneia e necessidade de oxigénio suplementar. No segundo dia de internamento (17 dias de vida) foi repetido o ecocardiograma através de telemedicina com um Centro de Cardiologia Pediátrica, tendo-se conrmado a CIV e o CA, com dilatação das cavidades esquerdas e regurgitação mitral moderada. O recém-nascido foi transferido para este centro para optimização da terapêutica médica e eventual correcção cirúrgica. a cardiologia pediátrica na prática clínica 283 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 Na data de transferência tinha 17 dias de vida, com peso 3105g, com taquipneia, tiragem, adejo nasal e cansaço ao mamar. Estava taquicárdico, normotenso, acianótico e tinha sopro holossistólico áspero de grau III/VI, audível em todo o precórdio e bordo hepático palpável a cerca de 2cm abaixo do rebordo costal direito. O ecocardiograma conrmou a presença de uma CIV perimembranosa não restritiva com ligeiro cavalgamento aórtico (10%), malposição dos grandes vasos, com trajecto inicial lado a lado, apesar da aorta se encontrar à direita da artéria pulmonar, presença de JAP com cerca de 6 a 7 mm, próxima da origem do ramo direito da artéria pulmonar, com uxo no sentido aortopulmonar; presença de CA mínimo com uxo aortopulmonar, comunicação interauricular (CIA) tipo fossa ovalis, com uxo esquerdo-direito exclusivo, dilatação moderada das cavidades esquerdas, condicionando insuciência mitral ligeira; arco aórtico esquerdo, morfologicamente normal mas com uxo sistólico anterógrado e diastólico retrógrado na aorta descendente (Figura 1-3). Perante este diagnóstico e tendo em conta a persistência do quadro de insuciência cardíaca foi optimizada a te- A rapêutica diurética (furosemida: 1mg/kg/ dose endovenoso de 6/6h), iniciou captopril (em doses crescentes, de acordo com tolerância até 1 mg/kg/dose de 8/8h) e foi planeada cirurgia correctiva. Ao vigésimo terceiro dia de vida foi submetido a correcção cirúrgica total, com encerramento da JAP, da CIV, da CIA e laqueação do CA (Figura 4-6). A intervenção decorreu sem incidentes. Como complicação é de referir um quilotórax que resolveu com drenagem torácica e dieta hipolipídica durante 3 semanas. Teve alta clinicamente bem ao 21º dia pós-operatório. B Figura 1 – Ecocardiograma, plano subcostal: A - Presença de comunicação entre parede da aorta ascendente e o tronco da artéria pulmonar (ve- ventrículo esquerdo, ao- aorta, ap- artéria pulmonar). B – Estudo com Doppler côr evidenciando um shunt da aorta para a artéria pulmonar Figura 2 – Ecocardiograma, plano para esternal eixo curto evidenciando o “sinal do 8 deitado”, com ampla comunicação entre a aorta e tronco da artéria pulmonar que estão lado a lado (ao – aorta; ap – artéria pulmonar) 284 a cardiologia pediátrica na prática clínica Figura 3 – Ecocardiograma, plano para esternal eixo longo evidenciando uma CIV com cerca de 3mm, com mau alinhamento do septo interventruicular (vd- ventrículo direito, ve- ventrículo esquerdo, ao – aorta, ae- aurícula esquerda) NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 Figura 4 – Imagem cirurgia antes da entrada em circulação extra corporal (AP- artéria pulmonar, VD- ventrículo direito, AD- aurícula direita, VCS- veia cava superior) Figura 6 – Ecocardiograma pós operatório: plano para esternal eixo curto evidenciando o patch de encerramento da JAP, já sem evidência de shunt entre a aorta e o tronco da artéria pulmonar. (ao-aorta, ap – artéria pulmonar) DISCUSSÃO O caso que descrevemos ilustra as possíveis diculdades no diagnóstico. O diagnóstico inicial de uma CIV não restritiva, que é por si só uma causa de insuciência cardíaca no RN, terá atrasado o diagnóstico denitivo. Contudo, a terapêutica médica necessária ao controlo da sintomatologia foi iniciada de forma ecaz e atempada, sem prejuízo do prognóstico nal. A ausência de melhoria clínica com a terapêutica instituída, alertou para a Figura 5 – Imagem cirurgia após aortotomia possibilidade de coexistirem outras anomalias mais raras e levou à transferência imediata deste recém-nascido para um centro de Cardiologia Pediátrica. A JAP bem como outras cardiopatias congénitas mais raras são muitas vezes difíceis de avaliar numa sessão de telemedicina, na qual, regra geral, as imagens de ecocardiograma são adquiridas por pediatras com alguma experiência na técnica, mas sem o treino próprio do especialista. Neste caso em particular, era evidente a existência de um shunt esquerdodireito muito signicativo, ocorrendo a vários niveis (CIV, CIA e JAP). A magnitude deste shunt traduziu-se não só pela clínica que o lactente apresentou, refractária à terapêutica inicialmente instituída, bem como por vários sinais ecocardiográcos, entre os quais a dilatação das cavidades esquerdas e insuciência mitral ligeira (traduzindo o elevado retorno venoso pulmonar). A presença de uxo diastólico retrógrado na aorta descendente e arco aórtico transverso, traduzia o “roubo” de uxo aórtico para a artéria pulmonar, território com mais baixa resistência. A JAP é uma entidade rara, resultante de um defeito na septação do tronco arterial durante o desenvolvimento embrionário, condicionando uma comunicação entre as grandes artérias. Em 50% dos casos associa-se a outras alterações cardíacas estruturais(1). As mais frequentes são a persistência do canal arterial, comunicação interventricular, interrupção do arco aórtico, transposição de grandes vasos e tetralogia de Fallot, entre outras(1-8). Apenas encontrámos descrito na literatura um caso de janela aortopulmonar associado a malposição dos grandes vasos(17), tal como o que aqui relatámos. A JAP pode ser classicada em três tipos: tipo I ou proximal (comunicação entre a aorta ascendente e o tronco pulmonar), tipo II ou distal (na bifurcação da artéria pulmonar) e tipo III ou total (com ausência total do septo aortopulmonar, simulando um truncus arteriosus)(3,8,9). O tipo I é o mais frequente e o tipo III o mais raro(2). Têm também sido descritas outras formas de JAP não enquadráveis nas classicações habituais(10). O caso aqui relatado corresponde à forma mais frequente da doença, com excepção da malposição dos grandes vasos. Na vida intra-uterina o feto não é afectado por este defeito(1). Após o nascimento, com a diminuição das resistências vasculares pulmonares, surge um shunt esquerdo-direito, resultando em insuciência cardíaca por excesso de uxo sanguíneo para os pulmões podendo, a cardiologia pediátrica na prática clínica 285 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 quando não corrigida, evoluir para hipertensão pulmonar irreversível(1). As manifestações clínicas no recémnascido ou lactente incluem taquipneia, taquicardia, sinais de diculdade respiratória, cansaço ao mamar e má progressão ponderal(1,9). A auscultação revela, frequentemente, um segundo som único, aumentado e um sopro cardíaco contínuo junto ao bordo esquerdo do esterno(1,9). Estas manifestações são semelhantes a outras cardiopatias que envolvem shunts esquerdo-direito importantes, como CIV ou persistência do canal arterial(1). Deste modo, tendo em conta a ausência de características clínicas especícas, o diagnóstico de JAP requer um elevado grau de suspeição. A ecocardiograa com Doppler é o melhor exame auxiliar de diagnóstico, permitindo também avaliar a repercussão hemodinâmica e estimar o grau de hipertensão pulmonar associado(1,9,11,12). A coexistência de outros defeitos cardíacos pode dicultar o diagnóstico. O cateterismo cardíaco está reservado para casos raros em que há dúvidas no diagnóstico ou para comprovar a existência de hipertensão pulmonar irreversível, nos doentes em que o diagnóstico é feito tardiamente(9,11). O tratamento médico consiste no controlo da insuciência cardíaca até à correcção cirúrgica denitiva dos defeitos(3). Existem alguns casos descritos de encerramento percutâneo, em JAPs pequenas e com anatomia favorável à implantação de dispositivos(3,7,9,11,13-16). O prognóstico depende das malformações associadas(9) e da gravidade da hipertensão arterial pulmonar associada. Na ausência de complicações, o prognóstico é excelente após correcção denitiva da JAP(9). Apesar de ser uma situação rara, a JAP deve ser um diagnóstico a considerar em recém-nascidos e lactentes com insuciência cardíaca, mesmo na presença de outros defeitos cardíacos. A boa evolução pós-operatória obriga à realização do diagnóstico e indicação cirúrgica precoces. 286 AORTOPULMONARY WINDOW – A RARE CAUSE OF CONGESTIVE HEART FAILURE IN THE INFANT ABSTRACT Aortopulmonary window is a rare form of congenital heart disease, consisting of a communication between the ascending aorta and the pulmonary artery. In 50% of the cases other cardiac defects are associated. The clinical manifestations are nonspecic and usually occur early, sharing the signs and symptoms of heart failure, with other more common situations with a signicant left-right shunt. The case of a male newborn with special features is reported. He had an irrelevant family and personal history, and presented with congestive heart failure at two weeks of life. The rst diagnosis was made by telemedicine and included persistent ductus arteriosus and large ventricular septal defect. However, due to the maintenance of symptoms after intra-venous medical therapy, he was transferred to a Department of Paediatric Cardiology. The nal diagnosis was aortopulmonary window with malposition of the great vessels, associated with ventricular septal defect, persistent ductus arteriosus and atrial septal defect. He had corrective surgery with closure of all defects on the 23rd day of life, with a good outcome. This report is relevant due to the uncommon nature of the ndings (only one previous report of aortopulmonary window with malposition of great vessels could be found in the literature); it also stresses the importance of a high degree of awareness for the diagnosis. Aortopulmonary window should always be considered in newborns and infants with heart failure, even in the presence of other cardiac defects. Key-words: aortopulmonary window, congenital heart disease, cardiac failure, newborn Nascer e Crescer 2009; 18(4): 283-287 a cardiologia pediátrica na prática clínica BIBLIOGRAFIA 1. Love B. Aortopulmonary septal defect. Acessível em www.emedicine.com 2. Jacobs JP, Quintessenza JÁ, Gaynor JW, Burke RP, Mavroudis C. Congenital heart surgery nomenclature and database Project: aortopulmonary window. Ann Thorac Surg 2000; 69: S44-9 3. Soares A, Atik E, Cortêz T, Albuquerque A, Castro C, Barbero-Marcial M, Ebaid M. Janela Aortopulmonar-Análise Clínico-Cirúrgica de 18 Casos. Arq Bras Cardiol 1999; vol 73 (nº 1): 59-66 4. Koestenberger M, Nagel B, Cvirn G, Beitzke A. Aortopulmonary window, critical pulmonary stenosis, and hypoplastic right ventricle. Clin Res Cardiol 2008; 97:467–469 5. Botura E, Piazzalunga M, Barutta F, Grion D, Neves M, Ueda R. 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Tratava-se de criança com bom desenvolvimento estaturo-ponderal e psicomotor, sem antecedentes patológicos relevantes, que referia trânsito intestinal regular, embora por vezes com fezes de consistência mais dura, que notou esporadicamente a presença de pequena quantidade de sangue vivo nas fezes no nal das dejecções. Não referia outros sintomas como proctalgia ou prurido anal, nem sintomas gerais. Os pais eram saudáveis e não tinha história familiar patológica, nomeadamente de doenças digestivas. O exame objectivo era normal, a região anal não apresentava alterações, o toque rectal era indolor, sem tumefações ou alterações da tonicidade do esfíncter e a luva não evidenciava a presença de sangue. Efectuou estudo analítico, hemograma com plaquetas e bioquímica com resultados normais. Para esclarecimento das perdas hemáticas fez endoscopia digestiva baixa que permitiu observar ao nível da parte Figura 1 __________ 1 Serviço de Gastroenterologia Hospital Maria Pia / CHPorto 288 qual o seu diagnóstico? alta do recto e do sigmoide o aspecto que mostramos na gura 1. Em face destes dados o que lhe sugere a imagem e que atitude deveria ser tomada? 1 – Imagem normal, terminar a investigação? 2 – Aspecto compatível com colite ligeira, devendo iniciar tratamento com 5-ASA? 3 – Ectasia vascular da rede submucosa, investigar possível etiologia? NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 COMENTÁRIOS A Imagem do sigmoide que a gura 1 mostra, evidencia a presença de ectasia vascular da rede submucosa, que pode constituir variante do normal, mas obriga a investigação mínima nomeadamente ao estudo ecográco do eixo vascular mesentérico e esplenoportal, para exclusão de hipertensão portal e pélvico para exclusão de patologia a esse nível. O nosso doente efectuou o estudo ecográco que não revelou alterações, pelo que após 3 meses de acompanhamento na consulta sem perdas hemáticas. Teve alta. Quatro anos depois, em estudo analítico de rotina, foi-lhe diagnosticada trombocitopenia, (100.000/mm3 plaquetas) pelo que o doente foi enviado de novo à nossa consulta para investigação. Encontrava-se clinicamente bem e o exame objectivo revelou a presença de discreta esplenomegalia pelo que efectuou ecodoppler abdominal que mostrou trombose e transformação cavernomatosa da veia porta associada a trombose da veias mesentéricas, superior e inferior e sinais de hipertensão portal. Realizou novo estudo endoscópico que permitiu observar a presença de varizes do cólon (gura 2). A discreta ectasia vascular da primeira observação era já um sinal pouco expressivo da sua hipertensão portal pelo que somos levados a concluir que, embora possa ser observada como variante do normal, deve obrigar a monitorização prolongada do doente, nomeadamente através da repetição do estudo ecograco. Conclusão: varizes do recto e cólon sigmoide secundárias a trombose e transformação cavernomatosa da veia porta Nascer e Crescer 2009; 18(4): 288-289 BIBLIOGRAFIA Morag I; Epelman M; Daneman A; Moineddin R; Parvez B; Shechter T and Hellmann J. “Portal Vein Thrombosis in the neonate: risck factors, course and outcome” J. Pediatr. 2006 jun; 148(6):735-9 Marsha K; Wyllie R; “Hereditary Colonic varices – Image of the month”. JPGN 2006: vol 43 nº4, 409-410 Figura 2 qual o seu diagnóstico? 289 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 Caso Estomatológico José M. S. Amorim1 Criança de 5 anos de idade que nos foi enviada devido a alteração da oclusão devido a mordida aberta anterior. Sem queixas dolorosas mas com diculdades na articulação dos fonemas palatais para além do impacto estético da situação. Antecedentes familiares: irrelevantes. Antecedentes pessoais: uso de chupeta bem como a persistência da degluti- ção infantil (interposição lingual entre os dentes anteriores quando realiza a deglutição dos alimentos) Qual o seu diagnóstico? Exame oral: Sem cárie dentárias. Mordida aberta anterior com mordida cruzada posterior esquerda a distal do canino superior.(Figura 1). Figura 1 __________ 1 Serviço de Estomatologia Hospital Maria Pia / CH Porto 290 qual o seu diagnóstico? Qual a sua atitude? NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 O diagnóstico é fácil de realizar uma vez que é uma situação muito frequentemente observada. Trata-se de uma alteração da oclusão que diagnosticada precocemente tem um tratamento ecaz. Esta situação designa-se por mordida aberta anterior com mordida cruzada à esquerda. Esta situação ocorre devido à persistência de hábitos nefastos para a oclusão: - Deglutição anómala, também designada por deglutição infantil. Após a erupção dos dentes anteriores (18 meses de idade) o hábito da deglutição infantil (interposição lingual entre os maxilares durante a deglutição) desaparece. A persistência deste hábito leva à situação descrita. - Respiração oral, quer seja por hábito, quer por doença (obstrução das vias aéreas superiores por hipertro- as das adenóides e/ou das amígdalas, rinites alérgicas, …). Nesta situação os lábios cam entreabertos, a língua desce levando a um mau desenvolvimento transversal da maxila e origina mordida cruzada posterior uni ou bilateral. - Hábitos de sucção (chupeta, biberão ou o dedo) são muito frequentes e são muitas vezes consequência de transtornos emocionais. Os efeitos destes hábitos dependem da posição de sucção, da intensidade, da frequência e da duração da sucção. forma gradual e denitiva. Foi realizado o desgaste das cúspides dos molares decíduos à esquerda bem como da cúspide dos caninos do mesmo lado. Foi reavaliada 6 e 12 meses após a primeira consulta e a mordida cruzada tinha desaparecido e a mordida aberta tinha corrigido de forma signicativa. A criança tinha abandonado o hábito da chupeta e apresentava uma correcta deglutição. Nascer e Crescer 2009; 18(4): 290-291 O tratamento desta situação implica a remoção do hábito que está na origem do problema. Neste caso, a criança foi orientada para a sioterapia com vista ao ensino da correcta deglutição e os pais foram incentivados a retirarem a chupeta de uma BIBLIOGRAFIA E. Barbería Leache, Odontopediatria, 2ª edición, Masson SA, 2001, Pag.369-373 qual o seu diagnóstico? 291 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 Caso Radiológico Filipe Macedo1 Gestação de 30 semanas, com achado ecográco de tumefação sólida junto da parede do abdómen fetal difícil de caracterizar mais detalhadamente. Faz-se RMN fetal para melhor esclarecimento (gura 1). Figura 1 - RMN fetal, corte sagital ponderado em True-sp __________ 1 SMIC - Porto 292 qual o seu diagnóstico? Qual o seu diagnóstico? NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 DIAGNÓSTICO Constata-se onfalocelo contendo o fígado. Sem herniação de outras vísceras abdominais. DISCUSSÃO O onfalocelo é uma anomalia congénita da linha média da parede abdominal. Consiste na herniação de conteúdo abdominal, num saco composto de peritoneu parietal e membrana amniótica. O cordão umbilical insere-se na vertente superior do saco. Pode conter ansas de delgado ou cólon, o fígado, o baço ou o estômago. A anomalia pode ocorrer isoladamente ou associar-se a outros defeitos estruturais e a cromossomopatias(1), o que condiciona o prognóstico, devendo por isso fazer-se uma avaliação cuidada de todo o feto. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Hérnia siológica do primeiro trimestre (entre a 7º e a 11ª semanas), gastrosquísis, hérnia do cordão. IMAGIOLOGIA Ecograa Faz o diagnóstico na maioria dos casos(2), no segundo ou terceiro trimestre. Pode contudo ser insuciente em caso de oligoâmnios e obesidade materna que condicionam mau perl ecográco, sendo também mais difícil o diagnóstico de pequenos onfalocelos. RMN Cada vez mais utilizada na avaliação das anomalias fetais, nomeadamente na avaliação anatómica de anomalias complexas(3). Permite caracterizar detalhadamente a anomalia, sendo pois importante quando o diagnóstico diferencial é duvidoso. Não utiliza radiação ionizante e não é necessário contraste endovenoso nem qualquer tipo de medicação materna ou fetal. Pode ser efectuada no segundo ou terceiro trimestre. Em suma, no onfalocelo, como na maioria das restantes anomalias fetais, a RMN complementa de foram valiosa os achados da ecograa, sem efeitos laterais valorizáveis. Nascer e Crescer 2009; 18(4): 292-293 BIBLIOGRAFIA 1. Stoll C, Alembik Y, Dott B, et al.Risk factors in congenital abdominal wall defects (onphalocele and gastroschisis): a study in a series of 265858 consequtive births. Ann Gen 20001; 44: 201-08 2. Garne E, Loane M, Dolk H, et al.Prenatal diagnosis of severe structural congenital malformations in Europe. Ultrasound Obstet Gynec2005; 25:6-11 3. Daltro P, Frike LB, Kline- Fath, et al. Prenatal MRI of Congenital Abdominal and Chest Wall Defects. AJR 2005, 184: 1010-1016 qual o seu diagnóstico? 293 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 Caso Dermatológico Tiago Torres1, Manuela Selores1 Criança do sexo masculino, de 8 meses, saudável, referenciada à consulta de dermatologia para avaliação de uma lesão cutânea, de crescimento indolente, presente desde os 2 meses de idade, localizada à região sagrada. Ao exame físico observava-se uma placa rectangular, Figura 1 __________ 1 Serviço de Dermatologia, Hospital de Santo António / CHPorto 294 qual o seu diagnóstico? vermelha-acastanhada, de bordo bem denido, irregular e hiperpigmentado, com superfície em “pele de laranja”, com cerca de 2,2m por 1,3 cm (Fig. 1, 2). A lesão era assintomática excepto quando friccionada que se tornava eritematosa, edematosa e desconfortável para a crian- Figura 2 ça. O restante exame físico era normal e o estudo analítico não apresentava alterações de relevo. Qual o seu diagnóstico? NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 DIAGNÓSTICO Mastocitoma solitário DISCUSSÃO A mastocitose é uma doença caracterizada pela proliferação e acumulação de mastócitos especialmente na pele, mas também na medula óssea, fígado, baço, gânglios linfáticos e trato gastrointestinal. A forma cutânea divide-se em 4 subtipos clínicos: urticária pigmentosa, mastocitoma solitário, mastocitose difusa e telangiectasia macular eruptiva(1). O termo mastocitoma é utilizado para descrever os inltrados nodulares de mastócitos que ocorrem em lesões únicas ou múltiplas isoladas, tendo a forma cutânea de mastocitoma solitário sido descrita pela primeira vez por Nettleship em 1889. Ocorre quase exclusivamente nos dois primeiros anos de vida e geralmente desaparece antes puberdade(2). Contudo, em alguns casos, pode persistir até à idade adulta, progredindo para uma lesão maior e mais inltrada. Cerca de 10 a 15% dos doentes com mastocitose (urticária pigmentosa, telangiectasia macular eruptiva, mastocitose difusa, mastocitose sistémica e leucemia mastocitária) apresentam um mastocitoma. Clinicamente, caracterizam-se por placas ou nódulos redondos ou ovais, com dimensões entre 0,5 cm e 3 cm de diâmetro, com superfície lisa ou em “pele de laranja” e consistência elástica. As localizações mais comuns são no tronco, pescoço e membros superiores. Em geral, a hiperpigmentação periférica é proeminente. Provavelmente, as concentrações elevadas de factores de crescimento dos mastócitos nas lesões de mastocitose provocam a proliferação de melanócitos e a produção de melanina, sendo esta indução dos melanócitos que explica a hiperpigmentação observada nas lesões de mastocitose cutâneas(3). Caracteristicamente, estas lesões quando friccionadas desenvolvem uma reacção inamatória local, com eritema, edema e prurido intenso, podendo inclusivamente desenvolver bolhas. Esta urticarização localizada é denominada de sinal de Darier e é causada pela desgranulação dos mastócitos induzida pela estimulação física. A sintomatologia é devida à libertação local e sistémica de histamina e de outros mediadores mastocitários como os leucotrienos, prostaglandinas e factor de activação plaquetário. Esta inclui prurido (de intensidade variável), ushing, queixas gastrointestinais (náusea, cólicas, diarreia) e cefaleias. A transformação maligna foi descrita na urticária pigmentosa mas não no mastocitoma solitário. A etiologia exacta da proliferação dos mastócitos é ainda desconhecida. A mutação do receptor C-kit, a produção expressiva do ligando C-kit ou a produção aumentada da forma solúvel do factor de crescimento dos mastócitos são algumas da hipóteses propostas(4). Os principais diagnósticos diferenciais do mastocitoma solitário cutâneo incluem os nevos melanocíticos, xantomas e xantogranuloma juvenil. Uma vez que, normalmente, ocorre uma involução completa das lesões com a idade, o tratamento do mastocitoma solitário cutâneo é geralmente sintomático com antihistamínicos H1 e H2, cromoglicato de sódio e evicção dos factores desencadeantes (fricção, álcool, AINEs). Outros tratamentos incluem corticoes- teróides tópicos/intralesionais e pensos hidrocolóides(5). A excisão cirúrgica é um tratamento simples, rápido e ecaz e, em casos de lesões únicas e/ou sintomáticas deve ser encarado como tratamento de primeira linha(6). No caso desta criança, devido às dimensões da lesão, optou-se pelo tratamento com antihistamínico associado a corticoterapia tópica. Nascer e Crescer 2009; 18(4): 294-295 BIBLIOGRAFIA 1. Poulton JK, Kauffman CL, Lutz LL, et al. Solitary mastocytoma arising at a hepatitis B vaccination site. Cutis. 1999; 63: 37-40. 2. Kettelhut BV, Metcalfe DD. Pediatric mastocytosis. Ann Allergy. 1994; 73: 197–202. 3. Okun MR, Bhawan J. 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Os pais são saudáveis, jovens e não consanguíneos. A irmã mais velha é saudável. Não há antecedentes familiares de anomalias congénitas ou doenças hereditárias. A gravidez decorreu sem intercorrências com excepção da detecção no terceiro trimestre de um comprimento fetal no limite inferior da normalidade. Sem evidência de exposição a factores teratogénicos. Não foi realizada amniocentese. Foi decidida cesariana às 38 semanas por motivo desconhecido. O APGAR foi 9/10. Apresentava peso de 3100g (P25), comprimento de 46cm (P5) e perímetro cefálico de 36cm (P75). Na primeira consulta de genética, aos 3 meses, a antropometria era: peso 4650g (P5), comprimento 53,5cm (<P5), perímetro cefálico 40,5cm (P50). Apresentava, ainda, pele da nuca redundante, lóbulos auriculares pequenos e distância Figura 1 - Linfedema do pé (3 meses) __________ 1 2 3 Serviço de Endocrinologia, Hospital São Marcos Centro de Genética Médica Dr. Jacinto Magalhães, INSA, IP Unidade de Genética Médica Hospital Privado da Boavista 296 qual o seu diagnóstico? inter-mamilar no percentil 97. Auscultação cardíaca e pulmonar sem alterações. O exame neurológico é normal e o restante exame físico não tem alterações. A criança tem mantido baixa estatura e o desenvolvimento psicomotor tem sido adequado para a idade (última observação aos 18 meses). Qual é o seu diagnóstico? Figura 2 - Pele da nuca redundante (3 meses). NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 SÍNDROME DE TURNER A investigação consistiu primariamente na determinação do cariótipo da criança. Aguarda, ainda, a realização de ecocardiograma, ecograa reno-vesical e avaliação por Otorrinolaringologia. DISCUSSÃO O Síndrome de Turner afecta o sexo feminino e caracteriza-se pela ausência da totalidade ou parte do 2º cromossoma sexual, conduzindo a uma constelação de sinais físicos que incluem o linfedema congénito, baixa estatura e disgenesia gonadal. Ocorre em cerca de 1/2500 a 1/3000 nados vivos do sexo feminino. Aproximadamente metade apresenta monossomia do X (45,X como detectado no cariótipo da doente descrita) e 5-10% apresentam duplicação (isocromossoma) do braço longo de um X (46,X,i(Xq)). A maioria dos restantes apresenta mosaicismo para 45,X, com uma ou mais linhagens adicionais. Habitualmente o erro ocorre na meiose e mais frequentemente no gâmeta paterno (75% das situações). Em alternativa a perda pode ocorrer após a formação do zigoto. Quando existe um mosaicismo com o cromossoma Y presente, o risco de desenvolvimento de gonadoblastoma ou disgerminona nas gónadas aumenta para 7 a 10%, estando recomendada a gonadectomia prolática. As alterações fenotípicas típicas incluem baixa estatura, linfedema, pterygium coli, implantação posterior baixa do cabelo e cúbito valgus, para além de malformações de órgãos (válvula aórtica bicúspide e coartação da aorta, rim em ferradura ou sistema colector duplo) e QI não verbal diminuído (apesar de uma inteligência global considerada normal). O crescimento caracteriza-se por restrição intra-uterina ligeira, crescimento lento du- rante a infância e ausência da aceleração pubertária do crescimento. O linfedema congénito pode persistir durante meses e recorrer. A avaliação inicial consiste no registo dos dados antropométricos, um exame cardiovascular rigoroso com medição da pressão arterial e palpação dos pulsos periféricos, exclusão de displasia das ancas e exclusão de problemas da sucção ou deglutição. Além do cariótipo, os exames complementares de rastreio mais importantes são o audiograma, o ecocardiograma e a ecograa reno-vesical. As crianças com síndrome de Turner devem ser referenciadas para observação por Cardiologia, Endocrinologia, Oftalmologia (estrabismo), e Otorrinolaringologia. Durante o primeiro ano a reavaliação efectua-se cada 2 a 3 meses. Após o primeiro ano, a reavaliação é anual com determinação da função tiroideia a partir dos 4 anos de idade (Tiroidite de Hashimoto) e ainda da glicemia (intolerância à glicose). Na adolescência é igualmente importante a pesquisa de caracteres sexuais secundários; até 1/3 dos doentes com mosaicismo pode entrar espontaneamente na puberdade. A avaliação e acompanhamento psicossocial são essenciais. A terapêutica com hormona de crescimento (HC) associada a uma indução da puberdade na idade siológica permitem um ganho de estatura óptimo no adulto, ou seja, um ganho médio de 7-8cm em relação à estatura média prevista. O tratamento com HC tem custos elevados, necessita de injecções subcutâneas diárias durante longo período, tem alguns efeitos laterais a que é preciso dar atenção e ainda não existem estudos que comprovem um benefício psico-social associado ao ganho de estatura nas doentes com Síndrome de Turner. A terapêutica de substitui- ção hormonal pode ser iniciada aos 12 anos de idade ou protelada até aos 15 anos, baseado em aspectos ligados ao crescimento e bem-estar psico-social. Na presença de anomalias estruturais cardíacas, a prolaxia da endocardite com antibioterapia deve ser considerada em situações de extracção dentária ou cirurgias. Apesar da alta taxa de esterilidade têm sido descritos casos de gravidez com sucesso, com recurso a métodos de procriação medicamente assistida, principalmente através da utilização de ovócitos doados. Não existe risco acrescido de recorrência nos irmãos nem na descendência das raras doentes que engravidem espontaneamente. Nascer e Crescer 2009; 18(4): 296-297 BIBLIOGRAFIA VP Sybert, E McCauley. Turner’s Syndrome. NEJM 2004;351: 1227-1238 JL Frias, ML Davenport. Health supervision for children with Turner syndrome. Pediatrics 2003;111:33, 692-702. F Alvarez-Nava, M Soto, MA Sanchez, E Fernandez, R Lanes. Molecular analysis in Turner Sindrome. J Pediatr 2003;142:336–340. S Cabrol. Syndrome de Turner. Encyclopédie Orphanet. Février 2007 www. orpha.net L Soriano-Guillen, J Coste, E Ecosse, e tal. Adult Height and Pubertal Growth in Turner Syndrome after Treatment with Recombinant Growth Hormone. J Clin Endocrinol Metab 90(9):51975204 qual o seu diagnóstico? 297 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 Comportamentos de Risco em Adolescentes com Doença Crónica* Mónica Tavares, Ana Luísa Leite, Susana Lima, Daniela Tavares Pinto, Isabel Albuquerque, Miguel Costa, Lúcia Gomes INTRODUÇÃO Na adolescência iniciam-se muitos dos comportamentos de risco, que vão implicar condutas na idade adulta. Os adolescentes com patologia crónica, e dentro destes o grupo de adolescentes obesos, parecem estar sujeitos aos mesmos comportamentos que os seus pares, necessitando deste modo de medidas ecazes de aconselhamento e prevenção. MÉTODOS Análise de inquéritos preenchidos por adolescentes que atendem à consulta externa do Centro Hospitalar Entre Douro e Vouga – Unidade de Oliveira de Azeméis. Análise das questões referentes a hábitos alcoólicos, tabágicos e consumo de drogas, bem como questões referentes a sexualidade e métodos contraceptivos. RESULTADOS Foram analisados 147 inquéritos, distribuídos durante um período de 6 meses. A mediana de idades foi de 14 anos (Interquartile range IQR 13-15 anos) e 59,9% do sexo masculino. A mediana do ano de escolaridade foi o 9º ano. O consumo de álcool foi de 34,7% (51) com uma idade mediana de início de 14 anos (IQR 13-15 anos). Dentro dos que armavam consumir, 14% refere o consumo de álcool pelo menos uma vez por semana e 20,8% a ingestão de 3 bebidas por noite (6,3% 5 bebidas). Quanto ao tabaco 14,3% (21) refere já ter experimentado, com uma idade mediana de início de 14 anos (IQR 12-15 anos) sendo que destes apenas 4 são fumadores habituais mas 6 fumam pelo menos 10 cigarros num dia. Três adolescentes já experimentaram marijuana, no entanto todos negam o consumo regular. Seis adolescentes já iniciaram a actividade sexual com uma idade mediana de início de 15 anos e metade * Resumo apresentado na XXI Reunião do Hospital de Crianças Maria Pia / CHP que, por lapso, não foi publicado na Revista XVIII/3 resumo dos posters S 298 XVIII reunião do hospital de crianças maria pia com pelo menos 2 parceiros. Apenas metade refere usar sempre o preservativo. Quando comparado o grupo de obesos 43% (n 63) com o grupo de não obesos 52% (n 76) vericamos que não há diferenças estatísticas quanto ao consumo de álcool e tabaco. Quanto aos hábitos sexuais, parece haver menor número de relações sexuais no grupo dos obesos. DISCUSSÃO A idade de início dos comportamentos de risco ronda os 15 anos, parecendo haver relação entre o início do consumo de álcool e o início do consumo de tabaco. O grupo de obesos parece estar igualmente sujeito aos mesmos comportamentos de risco, embora o tamanho da amostra e a incidência destes comportamentos não nos permitam tirar conclusões signicativas. Nascer e Crescer 2009; 18(4): 298 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 Permissividades… Pedro, 16 anos, foi admitido na Unidade de Cuidados Intensivos com TCE grave, na sequência de uma colisão entre o carro que dirigia e um camião. A mãe olhava desolada para os tubos que o conectavam ao ventilador, e ia repetindo “coitadinho, coitadinho”. Entre muitas pausas e lágrimas a história foi-se arquitectando: primeiro e único lho, nascido após gestação de 34 semanas, com parto antecipado por queda da mãe do tractor. “Coitadinho, tão pequenino”, mas às duas semanas de vida já estava em casa, não tendo precisado de voltar ao hospital nos anos mais próximos. Só a entrada para a escola é que foi muito traumatizante, porque os colegas não compreendiam que ele ainda gostasse de chupeta e de beber o “leitinho” no biberão. E o excesso de peso também não ajudava muito nos jogos de futebol… A entrada para o ensino secundário não foi simples, até porque parecia que os professores não compreendiam muito bem o descontentamento do Pedro. Anal ele era muito fraquinho para tantos trabalhos de casa, e não era por mal que atirava com os lápis (e por vezes com os cadernos, …) e derrubava as cadeiras na sala de aulas. “Coitadinho” não o percebiam! A única alegria desde pequeno era andar na motorizada, primeiro à frente, em cima do depósito, depois atrás, agarrado ao pai e mais tarde sozinho pelas ruas da aldeia. Durante o último ano aprendera a guiar o carro, mas sempre perto de casa. Naquele sábado estiveram os primos em casa, no aniversário do pai, e ele quis mostrar como andava bem no carro. O pai disse primeiro que não, porque até tinham bebido cerveja na festa de anos, mas ele queria tanto… E depois o maldito camião apareceu! Margarida Guedes1 __________ 1 Serviço de Pediatria, Hospital de Santo António, CHP pequenas histórias 299 I Jornadas de Actualização em Cardiologia Pediátrica NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 Hipertensão Arterial Pulmonar na Criança Porto, 23 e 24 Abril 2010 PROGRAMA PRELIMINAR Classificação da HP e estratificação de risco • Nova classificação e estratégia de diagnóstico • Cateterismo cardíaco e teste de vasoreactividade • Avaliação funcional e seguimento: o caso particular da criança Estratégias terapêuticas na HP na criança – desafios e controvérsias • • • • Terapêutica de suporte Vasodilatadores pulmonares orais Prostanóides inalados e EV Tratamento não farmacológico - o que há de novo? A hipertensão pulmonar de causa não cardíaca • HTP no RN • Displasia broncopulmonar Problemas específicos das cardiopatias congénitas • A HTP em cuidados intensivos • Cardiopatia congénita com RVP elevadas. Critério de inoperabilidade? • Circulação de Fontan – interesse dos vasodilatadores pulmonares? A HP na população pediátrica: porque é diferente HP associada a cardiopatia congénita no jovem adulto O registo da HP e a organização dos cuidados Casos clínicos ORGANIZAÇÃO PATROCÍNIO Serviço de Cardiologia Pediátrica, UAG Mulher e da Criança, Hospital S. João Serviço de Cardiologia Pediátrica, H Maria Pia, CHP 300 I jornadas de actualização em cardiologia pediátrica Unidade de Doentes Respiratórios, HSA, CHP Actelion Pharmaceuticals Portugal NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 4 Índice de Autores Abecassis M 283 Aguiar A S225 Aires S S234 Albuquerque I 298 Alegria A 13, S231 Alexandrino A S231 Almeida A S220, S222 Almeida C S219 Almeida L 60 Almeida R S218 Álvares S 7, 120, 143, 245, S222 Alves K S221 Amaral B S226 Amorim J 56, 126, 173, 290, S216, S233 Amorim R 156 Andrade T S221, S234, S236 Anjos R 167 Antunes H S232 Antunes M 167 Antunes MB 73, 149 Araújo A S221, S234 Araújo L S231 Areias J S223 Aroso S S228 Azevedo L 106 Azevedo M S232 Balona F 85 Bandeira A 60, 246, S224 Barbosa A S222 Barbosa M 130 Barbosa T 156 Barbot C 177, S233 Barbot J 73, 149, S216 Barreira J 25 Barros A S218, S225, S228 Basto J 130 Bento L S185 Bernardo T S221, S234 Bianchi F 29 Bonet B 73 Borges F S234 Braga AC S195, S220 Braga A S230, S236, S217 Calix M 261 Cardoso J 252 Cardoso L 25 Cardoso M 60 Carmo C S181 Carrilho I 156, S233 Carvalho C S230, S231 Carvalho M 120 Carvalho S S223 Castro A S217, S226 Castro R S228 Cerqueira A S232 Chorão R 257, S233 Cordeiro M S223 Costa C 93 Costa M S221, 298 Costa MJ S229 Costa P S223 Costa S S232 Costa T S216, S217 Coutinho P 29 Couto C S232 Couto H S225 Cruz A 275 Cruz M S226, S228 Cunha I 93 Cunha J S219 Cunha L S227 Dias A S231 Dias C S225 Dinis J 32 Dinis M 252 Duarte J S229, S230 Duarte S 167, 283 Enes C 73 Escoval A 71 Espada F 29 Falcão H S227 Faria M S216, S217 Fernandes I 152, 171 Ferreira A 78 Ferreira E 36 Ferreira G 85 Ferreira GC S193 Ferreira P 71 Ferreira R 146, S194 Ferreira S S228 Figueiredo C S215 Figueiredo H 48 Figueiredo M S219 Figueiroa S S234 Fonseca M 29 Fonseca P S209, S219, S223 Fontes N S226. S229 Fortuna A 130, 296 Gabriel J 257 Garrido C 93, S219 Godinho E S233 Gomes A 261 Gomes E S189, S227 Gomes L S221, S225, 298 Gonçalves C S225 Gonçalves E S223 Gonzaga D S223, S228 Guedes M 298 Guerra I S217 Guimarães T 156, S220 João A 261 Lavrador V S224 Leça A 146 Leitão A 32 Leite A S221, S225, 298 Leite F S216 Leite I 36 Leite M 252 Liberal I S234 Lima MR 60, 130, 296 Lima M 7 Lima S 298 Lobo I 19 Lopes A 257 Lopes A S231 Loureiro M 120 Loureiro S S228 Macedo F 58, 128, 175, 292 Machado D S227 Machado L 93 Machado S 19 Madalena C S180, S226 índice de autores 301 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 4 Maia I S232 Mansilha H 96, 267, S202 Manuela F 60 Marçal M 167, 283 Marcão A 246 Marcelino F 156 Marcos C S216 Marques E 85 Marques L S233 Martins C 36, S219 Martins E 60, 177, 246, S224, S234 Martins L 152 Martins M S230, 283 Mateus M 261 Matos C S219 Melo H 103 Mendes P 283 Mendonça M S223 Miranda F S234, S236 Monteiro T 43, 99, 270, 163 Monteiro C S219 Monteiro E 89 Monteiro J S225 Morais L 156, S233 Moreira E 93 Moreira J S223 Mota C 120, S181, S216, S217 Mota F 296 Nascimento M S228 Nascimento P S216, S218, S224, S236 Neto C 25, S231 Neves D S222 Neves I S228 Neves J 261 Neves M 29 Nogueira C S232 Noites P S225 Nunes S 89 Oliveira A S225 Oliveira E S217, S229 Oliveira F S225 Oliveira G S218 Paupério S 32 Pedone S S232 Peralta L S222 Pereira A 106 Pereira A 89 Pereira A 177 Pereira C S234 Pereira E S181 302 índice de autores Pereira F 54, 124, 288 Pereira I 252 Pereira J S216 Pereira M S231 Peres D S228 Pimentel L S208 Pinheiro A 146, 152 Pinto A S225 Pinto A S229, S235 Pinto D 298 Pinto F S236 Pinto J S229 Pinto M 252 Pinto M S228, S234 Pinto R 261 Pio D S216, S235 Quaresma M 257 Quelhas D S231, S234 Quelhas M S218 Quintal J 93 Ramos L 149 Rebelo J S219 Rebimbas S S229 Regina P S216 Reis A S229 Ribeiro A S225 Ribeiro F S229, S230, S233 Ribeiro I S234 Rios M S219, S223 Rocha C 252 Rocha C S229, S235 Rocha H 246, 257 Rocha L S217 Rocha P S229, S230, S235 Rocha R S221, S234 Rodrigues A S232 Rodrigues C 73 Rodrigues F S230 Rodrigues G 167 Rodrigues N S217, S229 Rodrigues R 283 Romariz J 36 Roncon S S191 Rosário C 149 Roseta J S233 Rubino G S229, S230, S233, S235 Sakellarides C 71 Salgado M S221 Salvado R 13 Sampaio B 89 Sampaio M S221, S234 Sampaio V S234 Santalha M S231 Santos H 252 Santos J S233 Santos M 101, 165, 273 Santos M S233 Santos P 29 Sarmento A S224 Sassetti L S199 Selores M 19, 171, S230 Senra V 156, S233 Serrano C S228 Silva L 13 Silva S 25 Silva A 89 Silva C 78 Silva E S224 Silva G 156 Silva J 296 Silva M 78 Silva R S227 Silva S S230, S233, S235 Silva V 36 Sinde S S221 Soares G 60 Soares P S218, S220 Soares S 73, 130, S231 Sobral N S229, S235 Sousa A 32 Sousa A S221 Sousa F 73 Sousa H S209 Sousa S 257 Sucesso M 32 Tavares H 149 Tavares M S229, S235, 298 Tavares S S228 Taveira M 149 Teixeira A 167, 283 Teixeira M 78 Teixeira P S219 Teles N S222 Tomé S S219 Torres J 261 Torres T 171, 294 Valente C 78 Valongo C 60 Vilaça A S228 Vilarinho A 85 Vilarinho L 246, S224 Xavier C 93 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 Indice de Assuntos Vol. 18 Abcesso Hepático - Abcesso Hepático Amebiano na Criança: Caso Clínico, 146 Acidentes - Crescer em Segurança, S234 Acinetobacter - Pneumonia por acinetobacter, S218 Adolescência - Artigo recomendado, 165 - Artigo recomendado, 267 - Centro de Atendimento a Jovens no Centro de Saúde - Casuística de Nove Anos, 252 - Comportamentos de risco em adolescentes com doença crónica 298 - Sexualidade na adolescência, S208 - Tribos Urbanas as de ontem até às de hoje, S209 Alteração da Oclusão - Caso estomatológico, 290 Aleitamento Materno - Artigo recomendado, 99 - Artigo recomendado, 161 Alergia Alimentar - Alergia alimentar, S185 - Diferentes, S227 Alergia a Fármacos - Alergia a fármacos, S189 Alimentação em Pediatria - Alimentação - Experiências precoces, Impacto futuro, S193 - Alimentação do prematuro, S195 - Dislipidémia, S 203 - Diversicação Alimentar, S 194 - Vegetarianismo porque não?, S199 Amebiase - Abcesso hepático amebiano na criança: caso clínico, 146 Asma - Asma brônquica - Adesão ao tratamento e controlo da doença, S227 - Impacto da asma nos níveis de ansiedade de uma população pediátrica - importância do controlo sintomático, S225 Astrocitoma - Vómitos e cefaleias... nem tudo o que parece é, 32 Bezoar - Caso endoscópico, 124 Biobancos - Bases de Dados Genéticos, 275 Bioética - Bases de Dados Genéticos, 275 Botulismo - Botulismo: Um receio latente, 25 Bruxismo - Caso estomatológico, 126 Bullying - Artigo recomendado, 46 Cardiopatia congénita - Coarctação da Aorta - Detecção Tardia - Janela Aortopulmonar - Uma Causa Rara de Insuciência Cardíaca Congestiva em Lactente, 283 Cárie dentária - Artigo recomendado, 270 - O estado saúde oral de crianças em idade pré-escolar e escolar de uma área urbana, 78 Cefaleias - Vómitos e Cefaleias... nem tudo o que parece é, 32 Colecistectomia - Esferocitose Hereditária, Esplenectomia e Colecistectomia, Experiência de um Hospital Pediátrico, 73 Células estaminais - Novos desaos da técnica na transplantação de órgãos, 48 Celulite orbitária - Celulite orbitária pré e pós-septal: Casuística de 4 anos, S221 Coarctação da Aorta - Coarctação da aorta - detecção tardia, 120 Defeitos congénitos da glicosilação Ia - Genes, Crianças e Pediatras, 177 Defeitos de -oxidação mitocondrial - Benefícios do rastreio, 246 - MCAD Diagnóstico pré e pós sintomático, S224 Defeito no transportador da creatina - Genes, Crianças e Pediatras, 60 Déce em biotinidase - Crises convulsivas como forma de apresentação precoce do déce de biotinidase, S 34 Déce de atenção - Artigo recomendado, 273 Dentinogenese imperfeita - Caso estomatológico, 172 Diagnóstico Pré-Natal - Evolução pós-natal das dilatações pielocaliciais de diagnóstico pré-natal, 9 - Diagnóstico pré-natal, S230 Dilatações pielocaliciais - Evolução pré-natal das dilatações pielocaliciais de diagnóstico pré-natal, 9 Dislipidémias - Dislipidémia, S203 Divertículo esofágico - Caso endoscópico, 54 Divertículo de Hutch - Caso clínico, S229 Doenças Atópicas - Artigo recomendado, 99 Doenças Cutâneas Transitórias - Alterações cutâneas siológicas e transitórias do recém-nascido, 19 Doença de Köhler - Caso radiológico, 58 Doenças Metabólicas - Déce em biotinidase, S234 - Doenças metabólicas, S224 - Doença de Wilson, S232 - Hiperglicinemia não cetótica neonatal: implicações de um diagnóstico, S231 - MCAD Diagnóstico pré e pós sintomático, S224 índice de assuntos 303 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 Éctima Gangrenoso - Éctima gangrenoso em doente transplantado renal, S217 Encefalomielite Aguda Disseminada - Encefalomielite aguda disseminada evolução atípica, 156 - Encefalomielite aguda disseminada : revisão dos últimos 10 anos, S233 Enurese Risória - Enurese risória - 2 casos clínicos, S226 Eritema Nodoso - Febre prolongada e eritema nodoso - infecção por Salmonella, S219 Esferocitose hereditária - Esferocitose hereditária, Esplenectomia e Colecistectomia, Experiência de um Hospital Pediátrico, 73 Esplenectomia - Esferocitose Hereditária, Esplenoctomia e Colecistectomia, Experiência de um Hospital Pediátrico, 73 - Lupus Eritematoso Neonatal, 149 Estenose da Artéria Renal - Estenose da Artéria Renal em Pediatria - a Propósito de um Caso Clínico, 167 Fibromatose gengival familiar - Caso estomatológicov56 Gastroenterite aguda - Internamento por gastroenterite aguda: a nossa realidade, S231 Hábitos de Sono - Hábitos de Sono em Estudantes do Ensino Secundário, S222 Hematúria - Hematúria Macroscópica - casuística de 11 anos do Hospital Infante D. Pedro, S229 Herpes Neonatal - Caso dermatológico, 171 Hidropsis Fetalis - Hidropsis Fetalis - Patologia do Passado, Presente, e… Futuro? Estudo Retrospectivo, 261 Hidronefrose - Evolução pós-natal das dilatações pielocaliciais de diagnóstico pré-natal, 9 Hiperactividade - Artigo recomendado, 273 Hiperglicinemia não cetótica - Hiperglicinemia não cetótica: implicações de um diagnóstico, S231 Hipertensão Arterial - Coarctação da Aorta - Detecção tardia, 120 304 índice de assuntos - Estenose da Artéria Renal em Pediatria - a Propósito de um caso clínico, 167 - Artigo recomendado, 43 Hipotiroidismo - Massa Eritematosa lingual: que etiologia?, 29 - Quando a Alopécia Persiste - caso clínico, S235 Ictiose - Ictiose neonatal, S 230 Imunonutrição - Artigo recomendado, 96 Infecções do Trato Urinário - Infecções do trato urinário, S180 - Pielonefrite Aguda: o valor da Imagiologia na fase aguda e no seguimento, S225 - Pleocitose com LCR estéril em contexto de ITU - como interpretar, S217 Inseminação Articial - A Selecção de dadores de Gâmetas e o Eugenismo, 103 Insuciência Cardíaca Congestiva - Janela Aortopulmonar - Uma Causa Rara de Insuciência Cardíaca Congestiva em Lactente, 283 Lúpus Eritematoso Neonatal - Lúpus eritematoso Neonatal, 149 Malnutrição - Malnutrição em artigo recomendado, 40 Mastocitose - Caso dermatológico, 294 Medicina Preventiva - Crescer em segurança: Inquérito aos pais numa consulta de cuidados primários de pediatria, S234 Metabolismo da Creatina - Genes, Crianças e Pediatras, 60 Miocardite - Miocardite a Parvovírus B 19: 2 Casos Clínicos, S223 Nefropatia de Reuxo - Nefropatia de reuxo, S181 Nefrouropatias Congénitas - Diagnóstico pré-natal de dilatação pielocacial - casuística de 10 anos do Hospital Infante D. Pedro, S230 - Evolução pós-natal das dilatações pielocaliciais de diagnóstico pré-natal, 9 - Nefropatia de Reuxo, S181 Neoplasia do Ovário - Neoplasia do ovário em crianças e adolescentes, S229 Obesidade - “Não se está mesmo a ver?” Avaliação da imagem corporal por crianças dos 7 aos 12 anos, 13 - Obesidade na escola e análise de comportamentos de risco, S221 - Prevalência de obesidade em crianças 7-8 anos nas escolas de Campanhã (Porto), S221 - Prevalência de obesidade nas crianças do Vale de Sousa, S232 Onfalocelo - Caso radiológico, 292 Osteocondroma - Caso radiológico, 163 Parotidite - Parotidite supurativa aguda neonatal: um caso raro, S219 Parvovirus - Infecção por Parvovirus B19 - manifestações raras, 3 casos clínicos, S219 - Miocardite a Parvovirus B19: 2 casos clínicos, S222 Pneumatocelo - Pneumonia com pneumatocelos - caso clínico, 93 Pneumonia - Pneumonia com Pneumatocelos - caso clínico, 93 - Pneumonia por acinetobacter, S218 Prematuridade - Artigo recomendado, 43 - Avaliação do crescimento em recém nascidos de muito baixo peso, S220 - Prematuridade tardia - um grupo de risco, S218 Probióticos - Artigo recomendado, 163 Prolactinoma - Prolactinoma - a propósito de um caso clínico, S234 - Pseudoxantoma elástico - Caso clínico, 36 Rabdomiólise - De uma convulsão, 257 Rastreio oftalmológico - Avaliação cognitiva e rastreio oftalmológico em crianças entre 42 e 49 meses de idade, S236 Rastreio neonatal - Benefícios, 246 - MCAD Diagnóstico pré e pós sintomático, S224 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 Recém-nascido - Alterações cutâneas siológicas e transitórias do recém- nascido, 19 Reuxo vesico ureteral - Reuxo vesico ureteral: que evolução?, S226 Saúde Oral - O estado de saúde oral de crianças em idade pré-escolar e escolar de uma área urbana, 78 Sexualidade - Centro de Atendimento a Jovens no Centro de Saúde - Casuística de Nove Anos, 252 - Sexualidade na adolescência, S208 Síncope vasovagal - Síncope vasovagal, diagnóstico de exclusão - caso clínico, S233 Síndrome de Apert - Síndrome de Apert: caso clínico, 88 Síndrome de Kawasaki - Síndrome de Kawasaki, Doença infecciosa?, S223 Síndrome de Turner - Genes, Crianças e Pediatras, 296 - Síndrome de Turner, várias formas de apresentação da mesma doença, 152 Síndrome nefrótico - Síndrome nefrótico corticorresistente, S216 - Tromboembolismo pulmonar no síndrome nefrótico, S216 - Trombose dos seios venosos cerebrais em criança com síndrome nefrótico: caso clínico, 85 Stress Social - Artigo recomendado, 43 Tiroide lingual - Massa eritematosa lingual: que etiologia?, 29 Translocações cromossómicas - Translocações cromossómicas: a importância da investigação familiar, S222 Transplante de órgãos - Novos desaos da técnica na transplantação de órgãos, 48 Transplante Renal - Éctima gangrenoso em doente transplantado renal, S217 Tribos Urbanas - Tribos urbanas as de ontem até às de hoje, S209 Trombocitopenia - Lúpus Eritematoso Neonatal, 149 Tromboembolismo Pulmonar - Tromboembulismo pulmonar no síndrome nefrótico, S216 Trombose Venosa Cerebral - Trombose dos seios venosos cerebrais em criança com síndrome nefrótico: caso clínico, 85 Vómitos - Vómitos e cefaleias - nem tudo o que parece é, 32 índice de assuntos 305 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 AGRADECIMENTOS A Revista Nascer e Crescer agradece aos colaboradores, que zeram a revisão dos manuscritos submetidos para publicação no ano de 2009. Esta intervenção é essencial para a qualidade cientíca dos artigos e representa horas de trabalho, experiência e esforço dedicados a esta actividade. Sentimo-nos honrados com a sua colaboração e disponibilidade. Alexandra Almeida – MJD - CHP Alexandra Matias – H São João, FMUP Ana Guedes – MJD - CHP Ana Ramos – HMP - CHP Artur Alegria – MJD - CHP Carmen Carvalho – MJD - CHP Conceição Mota – HMP - CHP Cristina Dias– Centro de Genética Médica Dr. Jacinto Magalhães, INSA, IP Dora Simões – HMP - CHP Elisa Vieira – CHNordeste Ermelinda Silva – HMP - CHP Esmeralda Martins – HMP - CHP Fátima Santos – CHVNG/E Fernando Pereira – HMP - CHP Helena Mansilha – HMP - CHP Henedina Antunes – HS Marcos Inês Carrilho – HMP - CHP Inês Lopes – CHVNGaia / Espinho Joaquim Cunha – CHTS Laura Marques – HMP - CHP Leonor Cunha – HMP - CHP Luís Vale – HGSA - CHP Luísa Diogo – HP Coimbra - CHC Manuela Santos – HMP - CHP Márcia Martins – MJD - CHP Margarida Guedes – HGSA - CHP Margarida Reis Lima – Unid. Genética Médica, Hospital Privado da Boavista Maria do Céu Rodrigues – MJD - CHP Marina Magalhães – HGSA - CHP Natália Teles – Centro de Genética Médica Dr. Jacinto Magalhães, INSA, IP Rosa Lima – HMP - CHP Rui Chorão – HMP - CHP Sandra Borges – CHVNGaia / Espinho Sílvia Álvares – HMP - CHP Tojal Monteiro – HGSA - CHP Zulmira Correia – HMP - CHP A Revista Nascer e Crescer agradece o apoio publicitário concedido ao longo do ano de 2009, pelas instituições abaixo indicadas: Associação do Hospital de Crianças Maria Pia Dermoteca Produtos Químicos e Dermatológicos S.A 306 agradecimentos NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 INSTRUÇÕES AOS AUTORES A Revista NASCER E CRESCER dirige-se a todos os prossionais de saúde com interesse na área da Saúde Materno Infantil e publica artigos cientícos relacionados com a Pediatria, Perinatologia, Saúde Mental da Infância e Adolescência, Bioética e Gestão Hospitalar. Os Editoriais, os artigos de Homenagem e artigos de âmbito cultural são publicados a pedido da Direcção da Revista. A revista publica artigos originais, de revisão, casos clínicos e artigos de opinião. Os artigos propostos não podem ter sido objecto de qualquer outro tipo de publicação. As opiniões expressas são da inteira responsabilidade dos autores. Os artigos publicados carão de inteira propriedade da Revista e não poderão ser reproduzidos, no todo ou em parte, sem prévia autorização dos editores. Manuscrito: Os trabalhos devem ser enviados à Direcção da Revista Nascer e Crescer – Hospital Crianças Maria Pia – Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto, ou endereçados a [email protected] ou [email protected], como documento anexo em qualquer versão actual de Microsoft Word, acompanhados da declaração de autoria. Todos os elementos do trabalho, incluindo a iconograa, se remetidos por correio, devem ser enviados em formato electrónico. Os artigos deverão ser redigidos conforme as normas abaixo indicadas e cabe ao Editor a responsabilidade de os: - aceitar sem modicações, - aceitar após alterações propostas, - ou rejeitar, com base no parecer de pelo menos dois revisores que os analisarão de forma anónima. Os pareceres dos peritos e os motivos de recusa serão sempre comunicados aos autores. Consentimento informado e aprovação pela Comissão de Ética: É da responsabilidade dos autores garantir que são respeitados os princípios éticos e deontológicos, bem como, a legislação e as normas aplicáveis, conforme recomendado na Declaração de Helsínquia. Nos estudos experimentais, é obrigatório que os autores mencionem a existência e aplicação de consentimento informado dos participantes, assim como a aprovação do protocolo pela Comissão de Ética. Deve constar declaração de conito de interesses ou nanciamento. NORMAS DE PUBLICAÇÃO A Revista Nascer e Crescer subscreve os requisitos para apresentação de manuscritos a revistas biomédicas elaboradas pela Comissão Internacional de Editores de Revistas Médicas (Uniform Requirements for Manuscripts submitted to biomedical journals. http://www.icmje. org. Updated October 2008). Todos os elementos do trabalho incluindo a iconograa, devem ser enviados em suporte electrónico. O trabalho deve ser apresentado na seguinte ordem: 1- Título em português e em inglês; 2- Autores; 3- Resumo em português e inglês. Palavras-chave e Key-words; 4- Texto; 5- Bibliograa; 6- Legendas; 7- Figuras; 8- Quadros; 9- Agradecimentos e esclarecimentos. As páginas devem ser numeradas segundo a sequência referida atrás. No caso de haver segunda versão do trabalho, este deve também ser enviado em formato electrónico. Títulos e autores: Escrito na primeira página, em português e em inglês, o título deve ser o mais conciso e explícito possível. A indicação dos autores deve ser feita pelo nome clínico ou com a(s) inicial(ais) do(s) primeiro(s) nome(s), seguida do apelido e devem constar os títulos ou cargos de todos os autores, bem como as aliações prossionais. No fundo da página devem constar os organismos, departamentos ou serviços hospitalares ou outros em que os autores exercem a sua actividade, o centro onde o trabalho foi executado, os contactos do autor responsável pela correspondência (endereço postal, endereço electrónico e telefone). Resumo e palavras-chave: O resumo deverá ser redigido na língua utilizada no texto e sempre em português e em inglês. No que respeita aos artigos originais deverá compreender no máximo 250 palavras e ser elaborado segundo o seguinte formato: Introdução, Objectivos, Material e Métodos, Resultados e Conclusões. Os artigos de revisão devem ser estruturados da seguinte forma: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões. Relativamente aos casos clínicos, não deve exceder 150 palavras e deve ser estruturado em Introdução, Caso Clínico e Discussão/Conclusões. Abaixo do resumo deverá constar uma lista de três a dez palavras-chave, em Português e Inglês, por ordem alfabética, que servirão de base à indexação do artigo. Os termos devem estar em concordância com o Medical Subject Headings (MeSH). Texto: O texto poderá ser apresentado em português, inglês, francês ou espanhol. Os artigos originais devem ser elaborados com a seguinte organização: Introdução; Material e Métodos; Resultados; Discussão e Conclusões. Os artigos de revisão devem obedecer à seguinte estrutura: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões. Os casos clínicos devem ser exemplares, devidamente estudados e discutidos e conter uma breve introdução, a descrição do(s) caso(s) e uma discussão sucinta que incluirá uma conclusão sumária. As abreviaturas utilizadas devem ser objecto de especicação anterior. Não se aceitam abreviaturas nos títulos dos trabalhos. Os parâmetros ou valores medidos devem ser expressos em unidades internacionais (SI units, The SI for the Health Professions, WHO, 1977), utilizando para tal as respectivas abreviaturas adoptadas em Portugal. Os números de 1 a 10 devem ser escritos por extenso, excepto quando têm decimais ou se usam para unidades de medida. Números superiores a 10 são escritos em algarismos árabes, excepto se no início da frase. Bibliograa: As referências devem ser classicadas e numeradas por ordem de entrada no texto, com algarismos árabes. Os números devem seguir a ordem do texto, e ser colocados superiores à linha. Serão no máximo 40 para artigos originais e 15 para casos clínicos. Os autores devem vericar se todas as referências estão conformes aos Uniform Requirements for Manuscript submitted to biomedical journals (www.nlm.nih. gov/bsd/uniform_requirements.html) e se utilizam os nomes abreviados das publicações adoptadas pelo Índex Medicus. Os autores devem consultar a página NLM’s Citing Medicine relativamente às recomendações de formato para os vários tipos de referência. Seguem-se alguns exemplos: a) Revistas: listar os primeiros seis autores, seguidos de et al se ultrapassar 6, título do artigo, nome da revista (utilizar as abreviaturas do Index Medicus), ano, volume e páginas. Ex.: Haque KN, Zaidi MH SK,et al. Intravenous Immunoglobulin for prevention of sepsis in preterm and low birth weight infants. Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65. b) Capítulos em livros: nome(s) e iniciais do(s) autor(es) do capítulo ou da contribuição. Nome e iniciais dos autores médicos, título do livro, cidade e nome da casa editora, ano de publicação, primeira e última páginas do capítulo. Ex.: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM, editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd ed. New York: Raven Press; 1995. p. 465-78. c) Livros: Nome(s) e iniciais do(s) autor(es). Título do livro. Número da edição. Cidade e nome da casa editora, ano de publicação e número de página. Ex.: Berne E. Principles of Group Treatment. New York: Oxford University Press, 1966:26. Figuras e Quadros: Todas as ilustrações deverão ser apresentadas em formato digital de boa qualidade. Cada quadro e gura deverá ser numerado sequencialmente por ordem de referência no texto, ser apresentado em página individual e acompanhado de título e legenda explicativa quando necessário. Todas as abreviaturas ou símbolos necessitam de legenda. Se a gura ou quadro é cópia de uma publicação ou modicada, deve ser mencionada a sua origem e autorização para a sua utilização quando necessário. Fotograas ou exames complementares de doentes deverão impedir a sua identicação devendo ser acompanhadas pela autorização para a sua publicação dada pelo doente ou seu responsável legal. O total de guras e quadros não deve ultrapassar os oito para os artigos originais e cinco para os casos clínicos. As guras ou quadros coloridos, ou os que ultrapassam os números atrás referidos, serão publicados a expensas dos autores. Agradecimentos e esclarecimentos: Os agradecimentos e indicação de conito de interesses de algum dos autores ou nanciamento do estudo devem gurar na última página. Modicações e Revisões: No caso do artigo ser aceite mas sujeito a modicações, estas devem ser realizadas pelos autores no prazo de quinze dias. As provas tipográcas serão enviadas aos autores em formato electrónico, contendo a indicação do pra- normas de publicação 307 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 4 zo de revisão em função das necessidades de publicação da Revista. O não respeito do prazo desobriga a aceitação da revisão dos autores, sendo a mesma efectuada exclusivamente pelos serviços da Revista. INSTRUCTIONS FOR AUTHORS The Journal NASCER E CRESCER is addressed to all professionals of Health with interest in the area of Maternal and Child/Adolescent Health and publishes scientic articles related with Paediatrics, Perinatology, Childhood and Adolescence Mental Health, Bioethics and Health Care Management. The Editorials, the articles of Homage and articles of cultural scope are published under request of the Direction of the journal. The Journal publishes original articles, review articles, case reports and opinion articles. The articles submitted must not have been published previously in any form. The opinions therein are the full responsibility of the authors. Published articles will remain the property of the Journal and may not be reproduced, in full or in part, without the prior consent of the editors. Manuscripts for publication should be addressed to the editor of the journal: NASCER E CRESCER, Hospital Maria Pia, Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto, Portugal, or to [email protected] or [email protected] and must be accompanied by the declaration of authorship by all authors. If using postal correspondence a full digital copy of the manuscript should also be sent. Submitted articles should follow the instructions below, and are subject to an editorial screening process based on the opinion of at least two anonymous reviewers. Articles may be: - accepted with no modications, - accepted with corrections or modications, - or rejected. Authors will always be informed of the reasons for rejection or of the comments of the experts. Informed consent and approval by the Ethics Committee: It is responsibility of the authors to guarantee the respect of the ethical and deontological principles, as well as legislation and norms applicable, as recommended by the Helsinki Declaration. In research studies it is mandatory to have the written consent of the patient and the approval of the Ethics Committee, statement of conict of interest and nancial support. MANUSCRIPT PREPARATION Nascer e Crescer complies with the recommendations of the International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) (Uniform requirements for manuscripts submitted to biomedical journals. http://www.icmje.org. Updated October 2008). All the components of the paper, including images must be submitted in electronic form. The 308 normas de publicação papers must be presented as following: 1- Title in Portuguese and English; 2- Authors; 3- Abstract in Portuguese and English and key words; 4- Text; 5- References; 6- Legends; 7- Figures; 8- Tables; 9- Acknowledgements. Pages should be numbered according the above sequence. If a second version of the paper is submitted, it should also be sent in electronic format. Title and Authors: The rst page should contain the title in Portuguese and English. The title should be concise and revealing. A separate page should contain name(s) degree(s), the authors’ professional afliations, the name and the contact details of the corresponding author (postal address, electronic address and telephone), and the name of the Institutions where the study was performed. Abstract and Key-words: The abstract should be written in the same language of the text and always in Portuguese and English, provide on a separate page of not more than 250 words for original papers and a 150 words for case reports. For original papers the abstract should consist of four paragraphs, labelled Background, Methods, Results and Conclusions. Review articles should obey the following: Introduction, Past landmarks and Present developments and Conclusions. Case report abstracts should contain an Introduction, Case report and Discussion/Conclusions. Do not use abbreviations. Each abstract should be followed by the proposed key-words in Portuguese and English in alphabetical order, minimum of three and maximum of ten. Use terms from the Medical Subject Headings from Index Medicus (MeSH). Text: The text may be written in Portuguese, English, French or Spanish. The original articles should contain the following sections: Introduction; Material and Methods; Results; Discussion and Conclusions. The structure of review articles should include: Introduction, Past landmarks and Present developments and Conclusions. The case reports should be unique cases duly studied and discussed. They should contain: a brief Introduction, Case description and a succinct Discussion or Conclusion. Any abbreviation used should be spelled out the rst time they are used. Abbreviations are not accepted in the titles of papers. Parameters or values measured should be expressed in international (SI units, The SI for the Health Professions, WHO, 1977), using the corresponding abbreviations adopted in Portugal. Numbers 1 to 10 should be written in full, except in the case of decimals or units of measurements. Numbers above 10 are written as gures except at the beginning of a sentence. References: References are to be cited in the text by Arabic numerals, and in the order in which they are mentioned in the text. They should be limited to 40 to original papers and 15 to case reports. The journal complies with the reference style in the Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals (www.nlm.nih.gov/ bsd/uniform_requirements.html). Abbreviate journal titles according to the List of Journals Indexed in Index Medicus. Authors should consult NLM’s Citing Medicine for information on its recommended formats for a variety of reference types. The following details should be given in references to (a) journals, (b) chapters of books by other authors, or (c) books written or edited by the same author: a) Journals: Names of all authors (except if there are more than six, in which case the rst three are listed followed by “et al.”), the title of the article, the name of the journal (using the abbreviations in Index Medicus), year, volume and pages. Ex: Haque KN, Zaidi MH SK,et al. Intravenous Immunoglobulin for prevention of sepsis in preterm and low birth weight infants. Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65 b) Chapters of books: Name(s) and initials of the author(s) of the chapter or contribution cited. Title and number of the chapter or contribution. Name and initials of the medical editors, title of book, city and name of publisher, year of publication, rst and last page of the chapter. Ex: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM, editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd ed. New York: Raven Press; 1995. p. 465-78. c) Books: Name(s) and initials of the author(s). Title of the book. City and name of publisher, year of publication, page. Ex: Berne E. Principles of Group Treatment. New York: Oxford University Press, 1966:26. Tables and Figures: All illustrations should be in digital format of high quality. Each table and gure should be numbered in sequence, in the order in which they are referenced in the text. They should each have their own page and bear an explanatory title and caption when necessary. All abbreviations and symbols need a caption. If the illustration has appeared in or has been adapted from copyrighted material, include full credit to the original source in the legend and provide an authorization if necessary. Any patient photograph or complementary exam should have patients’ identities obscured and publication should have been authorized by the patient or legal guardian. The total number of gures or tables must not exceed eight for original articles and ve for case reports. Figures or tables in colour, or those in excess of the specied numbers, will be published at the authors’ expense in the paper version Acknowlegments: All authors are required to disclose all potential conicts of interest. All nancial and material support for the research and the work should be clearly and completely identied in an Acknowledgment section of the manuscript. Modications and revisions: If the paper is accepted subject to modications, these must be submitted within fteen days of notication. Proof copies will be sent to the authors in electronic form together with an indication of the time limit for revisions, which will depend on the Journal’s publishing schedule. Failure to comply this deadline will mean that the authors’ revisions may not be accepted, any further revisions being carried out by the Journal’s staff.