o humanismo latino e as culturas do extremo oriente

Transcrição

o humanismo latino e as culturas do extremo oriente
Piazza S. Leonardo, 1 - 31100 Treviso
e-mail: [email protected]
O HUMANISMO LATINO E AS CULTURAS DO EXTREMO ORIENTE
FONDAZIONE CASSAMARCA
Colóquio Internacional
O HUMANISMO LATINO E
AS CULTURAS
DO EXTREMO ORIENTE
Macau
6-8 de Janeiro de 2005
Colóquio Internacional
O HUMANISMO LATINO E
AS CULTURAS
DO EXTREMO ORIENTE
Macau
6-8 de Janeiro de 2005
Índice
Pág.
7
Saluto del Presidente
AVV. ON. DINO DE POLI
Pág.
9
Presidente della Fondazione Cassamarca, Treviso
Macau e o intercâmbio de culturas, Humanismo
ocidental e Humanismo oriental face a um mundo
globalizado
MANUEL AUGUSTO RODRIGUES
Pág. 33
Universidade de Coimbra
Descubrimiento como Ideología:
El Descubrimiento de Asia
en el Humanismo Portugués
BENITO CAO
Pág. 55
Universidad de Adelaide
Facetas do Humanismo português no Oriente
ELVIRA AZEVEDO MEA
Pág. 71
Universidade do Porto
Da descoberta dos povos ao encontro das línguas:
o português como língua intermediária a Oriente
ANA PAULA LABORINHO
Pág. 93
Universidade de Lisboa
China y América Latina: su desarollo cultural bajo
la globalización económica
SONG XIAOPING
Pág. 101
Vice-director, Instituto de América Latina
Academia Nacional de China de Ciencias Sociales
The Sino-European Map (“Shanhai yudi quantu”)
in the Encyclopedia Sancai tuhui
RODERICH PTAK
Pág. 129
Universidade “Ludwig Maximilian” de Munique
Los estudios Latinoamericanos en Taiwán: una
reflexión desde la situación política y económica
de Taiwán en el esquema internacional
KWO-WEI KUNG
Pág. 143
Instituto de Estudios Latinoamericanos
Universidad de Tamkang (Taipei, Taiwán)
Humanism, Pedagogy, and Language:
Alessandro Valignano and the Global Significance
of Juan Bonifacio’s Work Printed in Macao (1588)
SHINZO KAWAMURA, S.J.
Pág. 157
Sophia University, Tokio
As vozes naturais dos crentes japoneses
seiscentistas registadas na obra de
frei Diego Colhado, O.P. As confissões e as
admoestacões relativas ao Primeiro
Mandamento de Moisés
HINO HIROSHI
Universidade Ryūtsū Keizai, Ibaraki/Chiba, Japão
5
Pág. 187
De Coimbra ao Oriente
ALICE CORREIA GODINHO RODRIGUES
Investigadora - Coimbra
Pág. 197
José Bernardo de Almeida (1728-1805), o Último
Jesuíta Português na Corte Chinesa
ANTÓNIO GRAÇA
DE
ABREU
Delegaçao Económica e Comercial de Macau, Lisboa
Pág. 217
O papel de Macau como ‘ponte’ no
desenvolvimento dos laços sino-latinos
GARY M.C. NGAI
Fundação Sino-Latina de Macau
Pág. 229
El poema coto de ciervos. Puntos de debate
PILAR GONZÁLEZ ESPAÑA
Universidad Autónoma de Madrid
Pág. 257
Os sonetos de Antero de Quental:
uma leitura do Budismo indiano
CARLOS MIGUEL BOTÂO ALVES
Universidade de Macau
Pág. 271
Combinação das Culturas Latina e Chinesa Ensino de Português em Xangai
XU YIXING
Universidade de Estudos Internacionais de Xangai
Pág. 277
Diferenças Culturais e a Tradução
ZHANG WEIQI
Universidade de Estudos Internacionais de Xangai
Pág. 285
The Economy Society of Macao at the Early Time
of the Anti-Japanese War (1937.7 - 1941.12)
ZHANG XIAO-HUI
Professor in the History Department “Jnan University”
Guangzhou, China
Pág. 305
China e Vaticano. Etapas de preparação para um
encontro histórico cuja data ainda não foi definida
ANNA CARLETTI
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Pág. 321
El pasado, presente y futuro de los estudios Sobre
América Latina en Australia
BARRY CARR
“La Trobe University”, Melbourne
Pág. 333
Relações entre a China e o Brasil Estudo sobre o Brasil na China
ZHANG BAOYU
Professor do Instituto da América Latina
Universidade de Pequim
Pág. 345
Tradição e inovação na administração das ilhas
de Solor e Timor: 1650-1750
ARTUR TEODORO
DE
MATOS
Universidade Nova de Lisboa
6
AVV. ON. DINO DE POLI
Presidente della Fondazione Cassamarca
Treviso
Riteniamo importante raccogliere tutti i segnali di positivo interesse che l’Umanesimo Latino solleva tuttora in tutto il
mondo.
Non si tratta di un ritorno al passato.
Si tratta però di non perdere nulla di ciò che l’esperienza storica ha prodotto.
Impossibilitato ad intervenire, ho incaricato il prestigioso
dott. Franco Andreetta, membro del Consiglio di Indirizzo
della Fondazione Cassamarca di portarvi il mio saluto.
Il mio interesse sul tema è perciò vivissimo, ed è importante che niente vada perso anche di queste riflessioni che
raggiungono l’Estremo Oriente dopo aver raggiunto
l’Australia.
Assicuriamo sin d’ora la pubblicazione degli atti di questo importante Convegno, che sapremo divulgare presso le
Università di tutto il mondo.
Grazie all’Istituto Interuniversitario di Macao e grazie al
Paese che ci ospita.
7
MANUEL AUGUSTO RODRIGUES
Universidade de Coimbra
Macau e o intercâmbio de culturas,
Humanismo ocidental e Humanismo oriental
face a um mundo globalizado
1. A Europa e a China ao longo dos tempos
Realiza-se em Macau este Colóquio Internacional sobre
«Humanismo Latino e as Culturas do Extremo Oriente»,
patrocinado pela Fondazione Cassamarca de Treviso e
organizado pela Cátedra de Humanismo Latino da
Universidade do Porto.
Este evento tem lugar quando precisamente o mundo
continua a chorar a tragédia que assolou todo o sudeste
asiático. A grande comunidade dos homens tem acompanhado com enorme dor os horríveis momentos sentidos
nessa zona do globo e tem procurado aliviar as horas amargas que ainda aí se vivem. Assistimos todos com sentimentos de verdadeira fraternidade a essa calamidade desoladora iniciada no dia 26 de Dezembro.
Em Lisboa tinha nessa altura lugar o Encontro dos
Jovens organizado pela comunidade de Taizé que em clima
de meditação e oração rezavam pela paz e concórdia entre
os homens.
A aldeia global sentiu-se assim mais unida e consciente
dos laços fraternos que unem todos os seus membros.
Desta forma se pratica o humanismo que conheceu várias
modalidades ao longo dos tempos, como o latino e o asiático, concluindo-se desta feita que, afinal, há apenas um
humanismo, aquele que trata do homem, mas que se diversifica em inúmeras ramificações. Este Colóquio sobre o
humanismos latino e as culturas do Extremo Oriente assim
o pretende revelar.
Sendo o “fascínio pelo Oriente” desde há muito uma realidade, a Sinologia aparece como um importante domínio da
ciência que hoje ocupa um lugar de destaque no conjunto
das preocupações intelectuais e culturais nos diversos países.1
9
Por outro lado, nunca como nos nossos dias tanto se
falou em culturas e diálogo de culturas, em religiões e diálogo de religiões. Não existe nenhuma cultura à qual não
esteja associada uma religião.2 No séc. XIX Nietzche escrevia: «Deus morreu»; e Malraux já no séc. XX: «O séc. XXI ou
será religioso ou não existirá».
Como escreve Hervé Carrier, a cultura é a noção central
nas ciências humanas, hoje mais do que nunca. Por ela
podemos analisar as realidades sociais, a fim de as compreendermos e agirmos nelas. A cultura é considerada não
como medida do saber mas como realidade antropológica.
Se antigamente ela era vista como marca de intelectualidade, hoje é perspectivada como aproximação sócio-histórica. Se nos interrogamos sobre a génese do conceito de cultura, verificamos que, por exemplo, Heródoto falou dos costumes e das tradições da antiguidade. Enquanto os Gregos
falavam de «paideia» para exprimir a pedagogia do progresso humano, já Cícero fala da cultura como «animi philosophia», «a filosofia do espírito» (De Tuscul., 8, 11, 13).
Mais tarde, Montesquieu fala do espírito geral dum povo
e Kant das características nacionais. Tendo sido utilizada
tantas vezes como actividade agrícola em geral, no séc. XIX
passou ao uso corrente e hoje é frequentemente objecto de
estudo e debate. Assim se robustece a memória e se enriquece o património da humanidade e se favorece a aproximação dos povos.
É ela que nos permite avaliar os traços característicos
de uma colectividade, a sua mentalidade, o seu estilo de
vida, a maneira de se humanizar. A cultura apresenta-se
como o sinal distintivo duma sociedade, dum grupo social,
duma comunidade humana.3
O citado Hervé Carrier fornece uma descrição-definição da cultura que merece uma reflexão: «A cultura é um
produto do génio humano, matriz psico-social e quadro de
interpretação da vida e do universo. Representa um inestimável património humano transmitido de geração em
geração. Servindo-nos ainda daquele autor, podemos afirmar que a cultura consiste nos modelos de comportamento, modelos que são explícitos e implícitos, adquiridos e
transmitidos por símbolos, e constituindo as realizações
distintivas dos grupos humanos, dando-se a sua incarnação nos artefactos.
Em 1982, perto de 30 governos reunidos no quadro de
uma Conferência internacional da UNESCO sobre “Políticas
culturais” adoptaram esta definição de cultura que veio a ser
10
incorporada na Declaração de México daquele mesmo ano:
«No seu sentido mais lato, a cultura pode hoje ser considerada como o conjunto dos traços distintivos, espirituais e materiais, intelectuais e afectivos, que caracterizam uma sociedade ou um grupo social. Ela engloba, além das artes e as
letras, os modos de vida, os direitos fundamentais do ser
humano, os sistemas de valores, as tradições e as crenças».
A Declaração mostra depois com clareza como nós nos
tornamos homens pela nossa cultura: «A cultura dá ao
homem a capacidade de reflexão sobre si próprio. É ela que
faz de nós seres especificamente humanos, racionais, críticos e eticamente comprometidos. É por ela que discernimos valores e efectuamos escolhas. É por ela que o homem
se exprime, toma consciência de si mesmo, se reconhece
como um projecto inacabado, põe em questão as suas próprias realizações, procura continuamente novas significações e cria obras que o transcendem».
De salientar ainda que nas culturas há ideias tradicionais (historicamente derivadas e seleccionadas) e especialmente valores que se lhes ligam.
2. As missões no Extremo Oriente
Como ponto de partida da nossa reflexão vejamos o
que, considerando essencialmente os casos de Goa e
Macau, se passou no Extremo Oriente nos sécs. XVI-XVII no
respeitante ao encontro das culturas europeia e asiática,
nomeadamente chinesa. Com os descobrimentos portugueses começou um novo processo de relacionamento com o
Oriente. As missões, com particular destaque para a
Companhia de Jesus, que em Coimbra possuía um Colégio
famoso – o Colégio de Jesus – e nessa cidade dirigia o
Colégio das Artes, desempenharam um papel extremamente relevante.
Entre os jesuítas mais famosos ligados à China, alguns
dos quais escreveram catecismos, gramáticas, dicionários
e outras obras, referimos: Duarte de Sande, João Soeiro,
João da Rocha, Gaspar Ferreira, Álvaro Semedo (autor do
livro «Relação da Grande Monarquia da China»), Manuel
Dias Júnior Francisco Furtado, Gabriel de Magalhães,
Tomás Pereira, João da Rocha, Rodrigo de Figueiredo, João
Monteiro, António Gouveia e António da Silva.
A estes acrescentamos os nomes de alguns discípulos
inacianos estrangeiros: Matteo Ricci, Adam Schall von Bell,
11
Fernando Verbieste («Nan Huairen Dunbo»), Philippe
Grimaldi, Philippe Couplet, Francisco Noel, J. Baptista
Regis, José Henrique de Prémare, Domingos Passenin,
António Gaubil e José M. Amiot, este último autor de uma
«Vida de Confúcio».
Foi então que o Cristianismo entrou propriamente em
contacto com a China e com outros países do Extremo
Oriente. É certo que já mil anos antes o Cristianismo penetrara nestas paragens, sendo de evidenciar os nestorianos
(siro-persa) e depois Giovanni Montecorvino (1294); mas a
missionação terminou com a dominação dos mongóis.4
Os missionários europeus, nomeadamente Matteo Ricci
(Macerata, 6. 10. 1552 - Pequim, 11. 5. 1610) e Michele
Ruggieri, encetaram uma nova metodologia de missionação. Precisamente na China, quando a dinastia Ming
(1368-1644) se aproximava do seu termo, entrou-se num
período deveras singular da história da China e da Igreja e
do diálogo entre culturas e religiões.5 Muito justamente,
pois, foi evocada em 2001 a sua chegada a Pequim com
diversos actos. O papa dirigiu aos congressistas do
Encontro realizado na Pontifícia Universidade Gregoriana
entre 24 e 25 de Outubro daquele ano uma mensagem alusiva ao evento. Notável tem sido a actividade desenvolvida
pelo Instituto Ricci de Macau.6
Seria longo apresentar em pormenor a actividade missionária de Matteo Ricci que penetrou como ninguém na
longa e rica história da China com o fim de compreender a
sua cultura e a sua religião.7 Nessa vasta área geográfica
encontrou sinais de religiões e culturas diversas que ainda
hoje mantêm a sua grande vitalidade: o Hinduísmo, o
Confucionismo (e Neo-Confucianismo) e o Taoísmo, para já
não aludirmos ao Islamismo e a outras religiões.
Quando falamos da China estamos a falar dum país 30
vezes maior do que a Alemanha, sendo 2/3 de todo o território constituído por montanhas. Falamos dum estado atravessado por três rios famosos, o Amarelo, o Yangzi e o Xi
Jiang. Falamos dum estado multi-étnico com escrita
comum, utilizada por Manchus, Mongóis, Tibetanos,
Muçulmanos, e naturalmente os Han. No iluminismo europeu e devido aos padres jesuítas e também a Leibnitz e
Voltaire criou-se uma espécie de idealização da China que,
depois com Hegel e Rousseau, passou a ser vista como um
país estancado nos sectores económico e espiritual.
Uma história e uma cultura milenária, um povo que conseguiu «sinizar» todos os povos conquistadores, em espe12
cial os nómadas das estepes mongólicas, que ali se fizeram
sedentários.
A China conta hoje com uma população de 1.200
milhões de habitantes que vivem 90% nas províncias orientais, todos unidos pela mesma escrita, embora haja dialectos. Quanto aos símbolos, vale mais o significado que o
valor fonético.
Não foi a retórica, como entre os gregos e romanos, mas
a arte de escrever, enquanto forma artística, acima da pintura que caracterizou a cultura chinesa. A caligrafia como a
mais lata expressão de todas as artes.8
Ricci adoptou a estratégia de uma evangelização indirecta de cima para baixo. Dominava a língua chinesa escrita e falada e apresentava-se geralmente como filósofo e
moralista, como matemático e astrónomo, mais do que
como missionário cristão. Acompanhado de livros científicos, instrumentos modernos, um mapa mundi realista que
suscitou a atenção, de prismáticos, de prismas, relógios e
também de pinturas religiosas.
Tinha uma ideia bem pensada da evangelização que
ligava ao cuidado de possuir uma erudição confucionista e
até no vestir se assimilava aos indígenas.
Foi assim que italianos, portugueses e outros deram a
conhecer à Europa o poderoso império chinês com a sua
avançada história de 5000 anos, que já conhecia a tipografia, a pólvora, a porcelana, a bússola, os cometas volantes,
a ponte levadiça e muito mais.
Por outro lado levavam consigo os primórdios da filosofia pré-cartesiana e da ciência pré-copérnica.
Ricci queria pregar o evangelho evitando o confronto.
Assimilou os costumes chineses podendo assim anunciar
melhor a mensagem cristã, o Deus uno e verdadeiro, o
Senhor das Alturas, o Senhor dos Céus. Queria conquistar
não tanto as massas como as elites.
O imperador autorizou Ricci em 1601 (em chinês «Li
Madou») a estabelecer-se em Pequim. O Confucionismo
renovado, com a sua tolerância nada dogmática, com a sua
elevada ética individual e social, uma alta estima dos antepassados e uma reverência perante um Ser Superior (não o
céu povoado de deuses nem a aceitação de fábulas sobre
eles) pareceu-lhe um aliado para o evangelho.
Também não aceitava o Budismo com os seus deuses;
não admitiu a ideia da transmigração das almas nem pensou em erguer igrejas, mas sim academias.
Só em 1605 recebe licença para abrir uma capela.
13
Depois veio o seu sucessor, Adam Shall von Bell, que foi
director do Observatório de Pequim, o mesmo sucedendo
com Ferdinand Verbiest. Um feito notável foi entre 1708-1717 a medição do país realizada pelos padres jesuitas.
Surgiu entretanto a questão dos ritos chineses, questão
essa que se prolongou durante muito tempo, a qual teve na
origem o emprego dos nomes divinos e do culto de
Confúcio e dos antepassados.9
Ricci explica bem o assunto nas suas obras, como na
«Vera Sinensium sententia de tabella Confucio et progenitoribus inscripta...» (Roma, 1700). A tolerância era inculcada
pelos missionários como uma ideia chave do seu trabalho.
Com Ricci a missionação mudara de método. Mas a
missionação fracassou por causa de Roma. A ameaça de
excomunhão de Clemente XI que em 1704 proibiu várias
coisas teve efeitos bastante negativos. De referir aqui o
édito de tolerância de Kangxi, célebre também na Europa.
É longa a lista de opositores à missionação de tipo inculturação, como sucedeu com a «Congregação de
Propaganda Fide». Aliás, transportava-se para esta questão
o problema do jansenismo em oposição ao molinismo. Por
outro lado, a questão do padroado veio a levantar não poucos problemas à acção missionária.
No meio deste choque de atitudes devem ser referidas
as posições de autores célebres, como Leibnitz e Voltaire
(ao contrário de Rousseau e Hegel) e de Malebranche
quanto à cultura e religião chinesas.
Depois de uma controvérsia prolongada Bento XIV pela
bula «Ex quo», de 11 de Julho de 1742, punha termo ao
assunto. A questão dos ritos chineses como a do rito
Malabar tiveram na Europa enorme repercussão de ordem
negativa. Foram várias as oscilações entre permissão e
condenação até se chegar à bula «Ex quo». Entre tantos
episódios, recordamos que a 8 de Maio de 1700, a
Sorbonne havia censurado assim as pretendidas teses
jesuíticas: 1. A China conservou durante mais de 2000 anos
a.C. o conhecimento do «Deus verdadeiro»; 2. Prestou
devoção ao sacrificar-lhe no mais antigo Templo do universo; 3. Honrou-O de uma maneira que pode servir de exemplo aos cristãos; 4. Praticou uma moral tão pura como a religião; 5. Teve a fé, a humildade, o culto interior e exterior, o
sacerdócio, os sacrifícios, o espírito de Deus e a caridade
mais pura que é o carácter e a perfeição da verdadeira religião; 6. Entre todas as nações do mundo, a China é a que
foi mais favorecida pelos dons de Deus.10
14
Em 1759 a Companhia de Jesus era suprimida em
Portugal e em 1773 o papa seguiu idêntico caminho. Só em
1814 viria a ser restabelecida, como já se disse atrás.
Comentando a acção de Ricci, Hans Küng fala de uma
adaptação pedagógico-diplomática. Interessava-lhe não a
teologia sobrenatural mas a natural cujos pilares eram
Deus, criador do céu e da terra, a imortalidade da alma e a
recompensa do bem e castigo do mal.11
Ricci tomou como ponto de partida não Aristóteles mas
Confúcio. Na sua célebre «A verdadeira ideia de Deus»
explica que os textos confucionistas originais (não tocados
pelo Budismo ou anti-Budismo) contêm o verdadeiro sentido cristão: «shangdi», «Senhor das Alturas», «tian», «Céu»,
e a ideia de uma vida depois da morte.
Ainda hoje muitos críticos europeus vêem no trabalho de
Ricci um sinal da hipocrisia jesuítica.
Uma pergunta pertinente é esta: Ricci não terá sabido
tirar proveito das ideias do «Grande Último» («taiji»)? As
suas concepções da Trindade e de Jesus Cristo estavam
marcadas pelas ideias helenístico-escolásticas. Podia ter
falado das ideias messiânicas chinesas de um homem
celestial, do homem divino, do homem verdadeiro, comenta
Hans Küng.
A resistência foi forte, por parte dos budistas, do
Confucionismo que punha em dúvida a interpretação cristã
dos seus escritos clássicos; e, finalmente da parte cristã: os
franciscanos e os dominicanos manifestavam-se contra os
«apóstolos inacianos» que vieram a ser expulsos em 1617,
sete anos depois da morte de Ricci, ocorrida em 1610.
Foi também durante a dinastia Manchu ou Qing (1644-1912) que ocorreram vários acontecimentos que aqui apenas registamos de forma abreviada. A partir de 1717, quando os missionários foram expulsos da China, assistiu-se à
tragédia das missões cristãs nesse país, assistindo-se a
uma forte reacção anti-missionária.
Veio depois a fase dos missionários da primeira metade
do séc. XIX, em que sobressaíram os protestantes, que
foram vistos quase sempre como aliados do povo chinês.
Depois de cinco grandes movimentos revolucionários (o
movimento Taiping, 1851-1864; a rebelião dos «Boxers»,
1908-1909; revolução nacional dos jovens chineses a favor
da democracia e da prosperidade do povo; a ascensão do
partido comunista, 1924-1934 e 1947-1949; e a Grande
Revolução Proletária, 1966-1976).
Resta perguntar: o que é que ainda resta de
15
Cristianismo na China? O governo chinês exige o cumprimento de três princípios: auto-mantimento, auto-administração, auto-propagação da Igreja. Melhor é a situação com
os protestantes. Hans Küng interroga-se: há um futuro para
a religião chinesa? Afirma que existe uma religiosidade
latente que sai para o exterior e fala do templo do Céu: a
harmonia entre o céu e a terra. Já não há império, nem intermediário entre o céu e a terra. A gente simples vê nas catástrofes o desequilíbrio. Vêem no céu o símbolo do invisível,
do misterioso, do sagrado, do divino.
3. O Humanismo confucionista
Depois de termos abordado a figura do grande missionário Matteo Ricci, passemos agora a penetrar mais profundamente na doutrina confucionista para tentarmos compreender melhor o que ela hoje representa na aproximação
das culturas europeia e chinesa; vejamos em que consiste
o humanismo confucionista, que foi aquele que mais marcou Matteo Ricci, tentando descobrir a sua actualidade
para o diálogo de culturas. Para tal temos de recuar no
tempo até ao aparecimento do Confucionismo, que, juntamente com o Taoísmo e o Budismo viriam a caracterizar a
religião chinesa. O Hinduismo antes e depois o Islamismo
são outras duas grandes religiões que tiveram relevante
implantação no Oriente.
Ao lado do misticismo hindu e das mitologias hindus,
temos a cultura chinesa assente na racionalidade e com um
pensamento baseado em categorias históricas próprias que
se não devem confundir com o racionalismo ou o historicismo. A cultura chinesa tem um carácter sapiencial; o sheng
é uma pessoa sábia.
Remontando ao séc. V a.C. deparamos com a personalidade de Confúcio (Kong Fuzi, ca. 551-479 a.C.), que foi contemporâneo de Buda e de Pitágoras; sobressaiu de entre as
100 escolas de pensadores como o seu expoente maior. Não
se interessou com os oráculos mas com as decisões éticas
dos homens, nem com as forças mágicas da natureza mas
sim com as forças morais do homem.12 Eliminou tudo o que
de adivinhação e superstição por lá havia. Confúcio, o mestre por excelência, dava origem a uma cultura própria que
havia de perdurar até aos nossos dias.
Aliás, é a partir do séc. VI que começam a surgir os
mestres da sabedoria que iriam dar um valioso contributo
16
para a criação do humanismo ético. A partir do séc. VI a.C.,
aparecem vários mestres da sabedoria e assim surge uma
mudança de paradigmas; começa o período de maturidade
da civilização antiga chinesa, ao mesmo tempo que os pré-socráticos apareciam na Grécia. Passou-se da mitologia à
filosofia, sendo dada uma importância especial ao homem
e à razão humana e pondo de parte os espíritos e os deuses. Começa a era do humanismo chinês. Assiste-se também ao começo do interesse pela história, pela arte e pela
literatura, numa palavra expande-se um grande desenvolvimento cultural.
Na época clássica dominou a dinastia Han (210 a.C.-220 d.C.), durante a qual a religião estatal passou a ser
confucionista. O Estado unitário chinês teve como primeiro
imperador Yong Zheng que se chamou Primeiro («shi»)
Imperador («huang») (séc. III a.C.). O nome de China derivou do nome do imperador Qin.
Por volta de 500 a.C., Confúcio, o sábio, aparece um terceiro sistema de correntes religiosas. Outras civilizações
importantes, como as da Mesopotâmia, já haviam desaparecido.
As suas conversas («lun yu», palavras reunidas) escritas
pelos seus discípulos encerram conselhos e reflexões, não
tratando de coisas abstractas.13
Hans Küng diz que podemos comparar a atitude de
Confúcio com outro mestre, Jesus de Nazaré, que apareceria cerca de 500 anos mais tarde.14 Nem um nem outro são
ascetas retirados do mundo, nem místicos que aspiram ao
êxtase ou ao «nirwana», nem sequer metafísicos preocupados com a alta filosofia. Só pedem que os outros sigam o
seu exemplo. Preocupados ambos com a vida interior e responsável e com os valores da justiça, da sabedoria, da
moral, da sinceridade e da harmonia. Confúcio defende
uma ética individual e pessoal que se exprime em claras
exigências morais. «Quando todos censuram, deve-se examinar; quando todos louvam, deve-se examinar»
(Conversas 15, 27). Deve-se reagir aos maus governantes
quando eles se afastam do bom caminho («tao»). Há bastantes paralelos entre ambos, como se vê.
Mas Confúcio não foi profeta como se apresentou Jesus.
Não prega a chegada do Reino de Deus. É apenas um mestre de sabedoria. Defende a ordem social sustentada por
princípios morais, uma sociedade mais justa e mais pacífica e a prática dos antigos ritos. «Eu não sou um intermediário, não sou um criador; creio nos antigos e tenho amor aos
17
antigos» (Conversas 7, 1). Estabeleceu uma harmonia entre
a exigência moral universal e as tradições da civilização
chinesa, pondo de parte os deuses e as adivinhações. Nas
«Conversas» só se menciona uma vez o «Senhor das
Alturas» («shang di»). Mas o Céu («tian»), entendido como
poder eficiente, ordem, lei, essência, tem uma importância
relevante. Há que respeitar o céu. «Quem peca contra o
céu não tem a quem rezar» (Conversas 3, 13). 18 vezes
aparece «tian» nas Conversas, sempre em relação com a
vontade, as obras e a emoção. «Ah, ninguém me conhece.
Não murmuro contra o céu nem guardo rancor aos homens;
aspiro ao conhecimento aqui em baixo, sem todavia
avançar afanosamente para o que está em cima» (14, 37).
O centro da doutrina confucionista pode resumir-se
nesta palavra: a humanidade, ou seja, o comportamento do
homem com todas as relações básicas familiares e sociais,
o que aponta para uma nobreza moral e para uma abertura
a tudo o que é bem, verdade e beleza. A música (razão e
sentimento) entra perfeitamente nesta moldura confucionista. O bem aparece relacionado com os homens e com a
natureza. «Li», «comportamento» e «ren», «humanidade
interior» sintetizam a concepção confucionista. «Um ser
humano sem humanidade, de que lhe serve essa forma?
Um ser humano sem humanidade, de que lhe serve a ele a
música?» (3, 3).
A sabedoria que ocupou igualmente um lugar de relevo
na filosofia grega e na parte final do Antigo Testamento (livros sapienciais) consiste em «consagrar-se aos deveres
para com os homens, honrar os espíritos e os deuses, mas
mantendo-se porém, afastado deles; isso pode receber o
nome de sabedoria» (6, 20).
Tudo deve irradiar harmonia no contexto da reverência
para com o céu mas com o distanciamento dos deuses e
dos espíritos. Ensina a renovação da constituição interior e
da estatal e um governo humanitário e a ordem e a harmonia social na família e no estado. «Se se governa mediante
decretos e se impõe ordem com castigos, o povo torna-se
esquivo e não tem consciência. Se governa com virtude e
se impõe ordem pela moral, o povo tem consciência e
alcança o bem» (2, 3).
Com uma visão global do homem caracterizada pela
harmonia fez inclusivamente com que a medicina conhecesse novos caminhos, sendo a acupunctura um dos meios
de restituir essa harmonia ao homem.
A regra de ouro é a reciprocidade («shu»), que faz lem18
brar o sermão da montanha: o que queres que te façam a ti,
fá-lo tu aos outros (Mt 7, 12: «pánta oún ósa eán theléte ína
poiósoi umin oi anthropoi, oútos kai umeis poieite autois.
Oútos gar estín o nomos kai oi profétai»; «Omnia ergo quaecumque vultis ut faciant vobis homines, et vos facite illis.
Haec est enim lex et prophetae»). A ética do humano culmina no amor aos homens. Humanidade («ren») é «amar os
homens», ocupando a família o primeiro lugar: «Assim, dentro dos quatro mares, todos os homens são irmãos» (12, 5).15
Andrea Bonazzi num dos seus estudos, intitulado
Confucian Ethics and Global Civilization, compara o evangelho de Mateus 5, 45-48 com o cap. I de I-Ching (livro com
12 explicações racionais do mundo, como o cap. 1 (génese do universo), 1-2 (ajuda mútua do homem e mulher), 3-4
(caminho de felicidade e do mal), 6-9 (caminho para cima e
para baixo) e 11, 1-9 (comunicação com a torre de Babel):
«Era toda a terra duma mesma língua e duma mesma
fala»16; o episódio da torre de Babel e o aparecimento das
línguas é um campo interessante a merecer uma análise
cuidada que aqui não vamos fazer; o mesmo se diga da
imensa teologia contida na Bíblia e do papel da razão em
I-Ching.17
Em Mt. 5, 45-48 lê-se «Para que sejais filhos do vosso
Pai que está nos céus. Pois ele faz brilhar o sol sobre os
bons e os maus e que a chuva desça sobre os justos e
injustos». Isto é uma conclusão de vários ensinamentos de
Jesus formulados seis vezes: «Ouvistes o que foi dito... mas
eu digo-vos»; Mt. 5, 21-48: «Ouvistes o que foi dito aos antigos: não matar e evitar a cólera, promover a reconciliação e
não cometer o adultério, o escândalo e o perjúrio; 37: seja
porém o vosso falar: sim, sim, e não, não), amar os inimigos.
A perfeição de Deus consiste na sinceridade e na
verdade.18
4. O Taoísmo
Ao lado do Confucionismo temos o Taoísmo, que se
deve segundo a lenda a Laozi (lao-tse, «antigo mestre»),
séc. IV a.C.; foi ele que ensinou a doutrina do «tao», caminho («te», «força»).
Antes de responder à pergunta se o Taoísmo se pode
considerar um movimento de oposição anticonfucionista,
vejamos em linhas gerais o seu conteúdo. O Taoísmo, muito
mais que uma filosofia, é uma religião. As tradições chine19
sas foram reunidas num cânone taoísta («taozang»), havendo entre os 1.200 volumes dois tratados de Laozi e
Chuangzi. Os inícios podem situar-se por volta de 142 d.C.,
na época de Han Zhang Daoling que teve uma revelação do
«Altíssimo Senhor Lao». A missão era apagar as práticas
demoníacas e introduzir a fé verdadeira.
Os confucionistas vivem voltados para esta vida, que
querem melhorar e assim preocupam-se com o Estado. Os
taoístas concentram-se em pensamentos afastados do
mundo e buscam a salvação fora do mundo da experiência
em que vive o homem. O eco do Tao chega à prática ética
e política, sempre com a ideia de que o que interessa é o
regresso à natureza. Outra noção importante é a de «Filho
do Céu», ao lado do Tao, que traduz a concepção da ordem
segundo os cinco elementos: água, fogo, madeira, metal e
terra.
Schelling que conhecia o «Tao-teh-king» disse:
«Confúcio esforça-se por remontar a doutrina e a sabedoria
antigas aos fundamentos do Estado chinês; Lao-tse penetra
na causa mais profunda do ser».
A Igreja taoísta teve o seu monte sagrado em Quicheng
Shan, perto de Chendu, capital de Sichuan. Conta hoje 75%
dos 1.200 milhões de habitantes com centenas de templos.
Há uma hierarquia terrestre e outra celestial, com figuras
divinas. Mediante práticas externas e internas através da
meditação e do elixir os fiéis podem ter esperança na imortalidade. Fala de experiências com a química, a medicina e a
farmacologia. O homem está imerso num imenso macrocosmos. «Yan-Yang» traduz a ideia de intervir ou não intervir.
O Taoísmo e o Confucionismo penetram-se mutuamente;
o homem é confucionista no que deve fazer, e taoísta na
contemplação.
Eis um texto: «Sim, vasto é o supremo Tao. Autor dele
mesmo, agindo pelo não agir. Fim e começo de todas as
idades. Nascido antes do Céu e antes da Terra, abrangendo em silêncio a totalidade do Tempo. Atravessando sem
parar a continuidade dos séculos. A Oeste instruiu o grande Confúcio e a Leste converteu o Homem em ouro,
Tomado como modelo por cem reis, transmitido por
gerações de sábios, ele é o antepassado de todas as doutrinas e o mistério ultrapassando todos os mistérios».
Os deuses são regidos pelo «Imperador do Alto»,
«Shang-di». Há um equilíbrio da natureza causado pelo
«Tao». O que melhor caracteriza o Tao é o equilíbrio dos
dois famosos princípios do «Ying» («Norte») e do «Yang»
20
(«Sul»).19 Contra a rigidez confucionista, o Taoísmo deixa o
homem entregue a si e à natureza: a Grande Natureza, a
unidade do homem com a natureza.
5. O Budismo na China
Outra configuração do humanismo é a budista. No império Tang (618-907), a Idade Média de ouro da China, penetrou na China o Budismo, considerada uma corrente espiritual mais do que uma religião, essencialmente uma atitude
da vida, uma filosofia que tende para o absoluto.
Podemos dizer que se deu a sinização do Budismo que
foi até então a única religião que chegou à China vinda de
fora, sendo hoje com o Taoísmo e o Confucionismo uma das
três religiões da China. Porque é que o Cristianismo também
não se fixou na China como sucedeu com as outras três?
É hoje a quarta religião do mundo com ca. 250 milhões
de crentes, depois do Cristianismo, do Islão e do
Hinduísmo, havendo várias formas de Budismo. Deve-se a
sua criação a Siddharta Gautama (560-480 a.C.) que tudo
abandonou e compreendeu o que é a vida de um iluminado; pregou como Jesus mas nunca se disse deus. Buda
significa despertado, o que encontra a verdade.
Em 470, o Budismo foi declarado religião oficial da
China. Depois entrou no Ceilão, na Indonésia e noutros países, estando hoje propagado por diversas regiões, como a
Tailândia, o Laos, o Sri Lanka e o Nepal, coexistindo com o
Hinduísmo. Na China ficou ligado ao Taoísmo e ao
Confucionismo e no Japão com o Shintoísmo. Na Índia,
pátria de origem, conta apenas com 1% da população.
Foram fortes os ataques dos Confucionistas contra o
Budismo. Os ensinamentos de Buda podem sintetizar-se
assim: tudo é sofrimento neste mundo e a causa do sofrimento reside no desejo sob todas as formas. Os chineses
com a sua veneração dos antepassados e o seu pensamento histórico não se sentiam atraídos pelo pensamento cíclico hindu nem pela ideia de renascer.
A profissão de fé budista resume-se da seguinte forma:
refugio-me em Buda, na doutrina («dharma»), na comunidade monástica («sangha»). No Cristianismo pode dizer-se:
refugio-me, creio em Cristo, na sua doutrina (evangelho) e
na comunidade dos crentes (Igreja). O caminho é a iluminação, com o sofrimento humano, a árvore da iluminação e
a ética do altruísmo.
21
O documento do Vaticano II «Nostra Aetate» fala da
insuficiência deste mundo mutável e da procura dum estado de libertação, até se atingir a iluminação.
A vida humana, o que é; o sofrimento, como surge e
como pode ser superado; qual o caminho a seguir. Há aqui
alguns paralelos com Jesus. Como mestres, apresentam
uma mensagem urgente; não querem explicar o universo,
de carácter transitório, mas sim o caminho de libertação; o
homem apenas deve ouvir e praticar a mortificação.20 O jardim («zen») é a vacuidade de todas as coisas.
A ética budista pode ter um lugar importante na ética
universal, bem como o tema da meditação que não exclui a
acção ou comprometimento do homem. A este propósito
Hans Küng fala de uma transição para uma nova constelação mundial que envolve os seguintes pontos: não apenas ciência, mas também sabedoria para impedir o mau
uso da investigação científica; não só tecnologia, mas também energia espiritual para controlar os rasgos imprevisíveis de uma alta tecnologia; não só indústria, mas também
ecologia que se oponha na época da globalização à economia sempre em expansão; não só democracia, mas também ética que possa contra-atacar os grandes interesses
dos poderosos: num mundo globalizado, uma ética comum
à humanidade, uma ética mundial.
Entretanto surgiu o novo Confucionismo alto-medieval
na dinastia Song (960-1279) que foi um período de progresso e de grande avanço da cultura popular. Foi uma espécie
de escolástica chinesa, como sucedeu na Europa, tendo
nascido grandes sistemas especulativos.
Como historiador e filósofo destacou-se Zhu Xi (séc. XIII)
que se pode comparar a S. Tomás de Aquino. Segundo ele,
tudo procede dum princípio, participa numa sabedoria, e
regressa ciclicamente a um destino. A superior realidade do
«Tajii». Assim regras éticas e modos de comportamento
social. O neo-Confucionismo foi uma espécie de escolástica latina.
Mais tarde, nos sécs. XV-XVI, Wang Yangmin (coetâneo
de Lutero) criou uma concepção moderna, idealista, da
Última Realidade. Contemplando o próprio coração pode-se contemplar toda a realidade, dizia aquele pensador.
Estava-se no final da Idade Média chinesa: a dominação
mongólica (1279-1368).21
Hans Küng sintetizando a contribuição da religião chinesa para uma ética mundial,22 começa por afirmar que o
Confucionismo convencional não serve, nem a ética da adap22
tação social. Só serve o Confucionismo originário, aquele que
foi admirado por Matteo Ricci, o qual, libertado do culto ao
imperador e do «funcionariato», volte a descobrir o valor do
homem e fortaleça a sua vontade de auto-afirmação, o seu
sentido da realidade, as suas qualidades morais e a sua
capacidade de resistência; que mantenha o humanitarismo,
a verdadeira humanidade como valor central.
Que veja o homem como parte de uma comunidade e
não como indivíduo isolado.
Que na sociedade estabeleça as relações fundamentais
com os demais valores éticos de validade geral que não
dependam dos interesses de momento.
O Confucionismo insistiu sempre na ideia de primazia
da ética sobre a economia e a política, e a prioridade da
pessoa ética sobre qualquer instituição.
Mas também na ordem económica que, embora admita
o interesse pessoal, oriente o homem para o dever moral e
a responsabilidade social.
Na ordem política, que não esteja determinado simplesmente pelo poder do mais forte, mas pela Regra de Ouro.
Uma harmonia do homem com a natureza e os seus
ciclos naturais que concilie a economia com a ecologia.
Uma interpretação da realidade que dê cabimento à
vastidão do céu, à dimensão da transcendência.
O documento do Vaticano II consagrado às religiões não
cristãs começa assim: «Hoje, que o género humano se
torna cada vez mais unido, e aumentam as relações entre
os vários povos, a Igreja considera mais atentamente qual a
sua relação com as religiões não-cristãs. E, na sua função
de fomentar a união e caridade entre os homens e até entre
os povos, considera primeiramente tudo aquilo que os
homens têm de comum e os leva a viverem juntos». E prossegue: «Com efeito, os homens constituem todos uma só
comunidade; todos têm a mesma origem, pois foi Deus
quem fez habitar em toda a terra o inteiro género humano;
têm também todos um só fim último, Deus, que a todos
estende a sua providência, seus testemunhos de bondade
e seus desígnios de salvação, até que os eleitos se reúnam
na cidade santa, iluminada pela glória de Deus e onde
todos os povos caminharão na sua luz».
«Os homens esperam das diversas religiões resposta
para os enigmas da condição humana, os quais, hoje como
ontem, profundamente preocupam seus corações: que é o
homem? Qual o sentido e a finalidade da vida? Que é o bem
e que é o pecado? Donde provém o sofrimento e para que
23
serve? Qual o caminho para alcançar a felicidade verdadeira? Que é a morte, o juízo e a retribuição depois da morte?
Finalmente, que mistério último e inefável envolve a nossa
existência, que nele tem a sua origem e destino?».
A grande muralha construída há 2.200 anos já não protege os homens, mas também não os separa. Também na
China os homens querem não fechar-se mas abrir-se, querem tomar parte no mundo e cooperar na configuração da
humanidade. Ou seja, entender o sentido de humanidade,
de reciprocidade, de harmonia, de paz e de fraternidade,
recentemente evidenciadas com tantas manifestações de
solidariedade a nível mundial aquando do maremoto que
assolou uma significativa parte do Sudeste asiático.
Conclusão
O texto elaborado em 2001 pela Comissão dos
Episcopados da Comunidade Europeia (COMECE), intitulado «Gouvernance mondiale. Notre responsabilité pour que
la mondialisation devienne una opportunité pour tous», afirma que no espaço de uma geração a interdependência
económica global criou proporções extraordinárias. A mundialização é a consequência dos avanços tecnológicos e
da determinação dos governantes e dos povos que conheceram progressos de vária ordem ao lado de novas experiências e dos progressos da ciência. Mas também surgiram problemas grandes, como as desigualdades sociais,
que se fazem sentir por toda a parte.
Um tema hoje bastante tratado é o relativo aos valores:
o respeito da dignidade humana, a responsabilidade, a justiça, a coerência, a transparência, e a promoção das culturas. Em tudo isto têm um papel importante a desenvolver as
universidades. Estas instituições devem formar os estudantes a viverem num mundo globalizado, em que a pobreza e
as injustiças parece não conhecerem fronteiras.
Há ainda as questões de ordem ecológica (tratado de
Kyoto) que ameaçam profundamente os diversos continentes e países. Perante o medo de uma cultura global uniformizada, a que alude a encíclica «Centesimus Annus», há
que promover, antes de mais, a dignidade da pessoa humana que é essencial, à qual o preâmbulo da Carta das
Nações Unidas se refere desenvolvidamente. Cada um é
esponsável pelo bem comum universal. Como cidadãos do
mundo, aldeia global, exige-se a formação de uma nova
24
geração de leaders com sentido de responsabilidade
empenhados na solidariedade como elo essencial de união
entre os povos.
Quanto não havia a dizer acerca da justiça, da participação e a da subsidiariedade, dos valores e da espiritualidade?
Vaclav Havel, quando presidente da República Checa,
em 2000, para além dos problemas financeiros: «…Mas eu
penso que é também importante que se comece a reflectir
também numa reestruturação: a reestruturação de todo o
sistema de valores, que constitui a base da nossa civilização actual... E como fazê-lo se não se reconhece a
importância da dimensão espiritual da existência humana?».
O estudo e o diálogo como intercâmbio dos humanismos em confronto devem tornar-se uma exigência em que
todos se devem envolver. Ao tratar-se do encontro da
Europa com o Oriente a partir do séc. XVI, não podemos
esquecer o pluralismo religioso e o cultural, a revelação
natural e a sobrenatural, a valorização do diálogo e a
importância do humanismo como alicerce da convivência
entre os povos.
Embora ao longo da história tivesse havido manifestações autênticas da importância do diálogo inter-religioso
e inter-cultural, o certo é que só a partir do séc. XIX encontramos sólidos antecedentes científicos. O Parlamento
Mundial das Religiões de Chicago (1893) marcou um ponto
de viragem assinalável continuado depois com inúmeras
realizações de que é exemplo o “Fórum de Barcelona” em
2004. Significativo foi o papel do Concílio Vaticano II na promoção dum enriquecedor diálogo que deve ter em consideração o pluralismo frente à secularização, ao renascimento
religioso, ao relativismo e ao ecumenismo.
Há que investir na criação dum novo humanismo e na
recuperação do diálogo ecuménico-cultural entre a Europa
e a China; o encontro de civilizações num mundo globalizante torna-se um imperativo em que todos se devem
empenhar.
A paz é desde sempre a aspiração do homem que hoje
mais do que nunca tem merecido a atenção de todos
perante as ameaças de guerra de toda a espécie e os conflitos mundiais que grassam no nosso planeta.
Não têm faltado vozes a insurgir-se contra tal situação.
Insere-se nesta ideia a luta de Gandi, de Luther King e de
Madre Teresa de Calcutá, entre tantos outros dos cinco con25
tinentes, contra a pobreza, a escravatura, as desigualdades,
os males das migrações, os atentados à ecologia, a violência
da economia, etc. etc. Há um novo humanismo a construir
neste mundo sem fronteiras, sendo a paz no sentido de perfeição, realização total do homem, o eixo deste humanismo.
O novo humanismo enraíza não só no humanismo de
Erasmo de Roterdão, de Pico della Mirandola e de outros
europeus, mas também noutros, como o confucionista;
requer a confiança no homem, a eliminação das distâncias
e das asperezas, de forma a fazer amadurecer a consciência de que todos são criaturas do único Deus e irmãos da
humanidade, e o reconhecimento dum código ético
comum.23 A cultura humana, consciente dos valores universais, está em permanente busca do Absoluto funcionando o
humanismo como fonte inesgotável de recursos a explorar.
O já referido livro de Hans Küng, Spurensuche. Die
Weltreligionen auf dem Weg (1999) reflecte acerca da
necessidade de mergulhar nas origens de cada religião
para nelas se descobrir o genuíno património de valores
comuns à humanidade e compreender o seu fundo congregador em que a Ética surge como elemento de fundamental relevância. Acerca desta matéria refira-se a divisão feita
pelo cardeal Joseph Ratzinger quanto à atitude a respeito
da interpretação da convivência das religiões: o «inclusivismo» (em que uma absorve inteiramente as outras), o
«exclusivismo» (em que uma se apresenta como a soberana eliminando as outras) e «pluralismo» (em que todas convivem entre si).24
A actividade missionária dos jesuítas na China permanece como um marco indelével de aproximação entre culturas
e religiões que continua a servir de modelo para a actualidade. A inculturação é uma ideia de extrema relevância em
todo este processo.
O confronto dialógico das religiões e culturas sapienciais, místicas e proféticas com as suas igrejas, sinagogas,
mesquitas e templos será um excelente caminho para
explorar as preciosas virtualidades que encerram.25 É grande a responsabilidade das Universidades neste apaixonante trabalho que tão eficientemente tem sido desenvolvido
por muitos movimentos, em que sobressai a Comunidade
de Santo Egídio de Roma.
Neste entrecruzamento de forças sagradas não será
difícil caminhar para a solidariedade entre os homens, solidariedade que assenta no humanismo perspectivado nas
suas diversas modalidades. E assim se construirá a alta26
mente desejada ética global tão necessária nos tempos que
correm; nas fontes das várias culturas encontramos alicerces fortes que poderão oferecer à humanidade uma via de
sã convivência entre os povos e com ela a paz.
Servindo-nos mais uma vez de Hans Küng, diremos:
«Não há paz entre as nações sem paz entre as religiões.
Não há paz entre as religiões sem diálogo entre as religiões.
Não há diálogo entre as religiões sem normas globais éticas. Não há sobrevivência do nosso globo sem uma ética
global, sem uma ética universal».
Este Encontro proporciona certamente uma excelente
oportunidade para que o humanismo latino e o humanismo
confucionista se compreendam melhor e desse entendimento resultarão sem dúvida promissores resultados para
uma ligação mais estreita do Oriente com o Ocidente. Há
que construir pontes que permitam o encontro das gentes,
culturas e religiões, pressupondo sempre que nenhuma se
pode afirmar como superior à outra. E, antes de mais, há
que nos conhecermos melhor uns aos outros.
Notas
(1) Em 1822, foi criada a «Société Asiatique» no contexto do movimento
de entusiasmo suscitado pelas primeiras conquistas do orientalismo científico: a decifração de diversas línguas antigas, a ressurreição de monumentos
históricos, a comparação das línguas semíticas e outras, a impressionante
expansão da arqueologia, etc. Esse notável interesse pela Orientalística atravessou os sécs. XIX e XX assegurando a sua missão o desenvolvimento e a
difusão dos conhecimentos numa área geográfica enorme que vai desde o
Maghreb ao Extremo Oriente, através de uma aproximação científica e multidisciplinar das culturas orais e escritas das respectivas sociedades. De
realçar a realização de vários congressos nos tempos mais recentes de que
resultaram as respectivas publicações: «Western humanistic culture presented to China by Jesuit missionaries (XVII-XVIII centuries). Proceedings of the
conference held in Rome, October 25-27 1993» (ed. de Federico Masini);
«Succès et échecs de l’encontre Chine et Occident du XVIe au XXe siècle:
Actes du Ve Colloque internationale de sinologie de Chantille, 15-18
27
Septembre 1986» (dir. de Edward J. Malatesta e Yves Raguin, 1993).
Igualmente são de recordar os colóquios de Paris (1991) e de Roma (1993)
sobre a questão dos «ritos chineses». - A criação nos vários países de
Institutos, Centros de Estudo e Cátedras de Sinologia em tão grande número de Universidades e até fora delas, bem como as muitas publicações de
livros e revistas sobre múltiplos aspectos de temática chinesa, constitui outro
sinal desse extraordinário empenhamento pela «res sinica». - Em 2001, realizaram-se vários congressos alusivos ao centenário da chegada de Ricci à
China: em Pequim, em Roma (Pontifícia Universidade Gregoriana) e em
Macerata, sua terra natal, para só referirmos alguns deles. E tiveram enorme
divulgação as exposições feitas no Vaticano e em Washington. Já em 1910
se havia celebrado a morte de Ricci com vários eventos culturais e publicações. - Associamos ao que fica dito que em Setembro de 2004 teve lugar
em Milão o XVIII “Encontro sobre Culturas e Religiões: a coragem de um novo
humanismo”, promovido pela Comunidade de Santo Egídio de Roma; e em
Córdova efectuou-se um congresso sobre Maimónides na passagem do centenário da sua morte (1204). - Para entendermos o que se passou nos sécs.
XVI-XVII, devemos ter presente a evolução filosófica, cultural e religiosa ocorrida na China ao longo das dinastias chinesas – desde a Han (época clássica, 210 a.C. - 220 d.C.), a Tang (idade de ouro, 618-907), a Song (960-1279),
a Mongólica (Yuan (1279-1368), a Ming (1368-1644) e a Qimgou Manchu
(1644-1912). - Uma observação que convém reter respeita à classificação
das religiões, aceitando-se hoje normalmente que as religiões originárias da
China (Confucionismo e Taoísmo) são religiões «sapienciais»; as da Índia (o
Hinduísmo e o Budismo) religiões místicas; e as do Próximo Oriente
(Judaísmo, Cristianismo e Islamismo) religiões proféticas.
(2) Os principais fundadores de religiões são: Abraão (ca. 1850 a.C.) e
Moisés (ca. 1250 a.C.) do Judaísmo com o monoteísmo, com 16 milhões de
crentes; Zoroastro (650-583 a.C.) do Zoroastrismo; com Zorastro; Lao Zi (605-520 a.C.) do Taoísmo; Buda (563-483 a.C.) do Budismo, com 400 milhões;
Confúcio (551-479 a.C.) do Confucionismo; Mahawira (540-468 a.C.) do
Jainismo (Hinduísmo); Jesus Cristo (4 a.C. - 30 d.C.) do Cristianismo, com ca.
1.400 milhões; Maomé (570-632) do Islamismo, com ca. de 900 milhões;
Nichiren (1222-1282) do Budismo japonês; Nanak (1469-1539) do Sikismo;
Lutero (1483-1546) do Luteranismo; Henrique VIII (1491-1547) do
Anglicanismo; Calvino (1509-1564) do Calvinismo; Joseph Smith (1805-1850)
dos Mormons; Ghulam Ahmad (1835-1906) do Ahamadismo; Charles Taze
Russel (1852-1916) das Testemunhas de Jeová; Simon Kimbangu (1887-1951) do Kimbaguismo. - Religiões monoteístas são o Judaísmo, o
Cristianismo e o Islamismo; de transição: o Zoroastrismo e o Sikismo; politeístas: Animismo e Hinduísmo (700 milhões); filosóficas: Taoísmo, Shintoísmo
e Budismo. - Originárias da Índia: Hinduísmo e Budismo, religiões místicas;
da China: Confucionismo e Taoísmo, religiões sapienciais; do Próximo
Oriente: Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, religiões proféticas.
(3) Sobre o conceito de cultura, vid. H. Carrier, Lexique de la Culture.
Pour l’analyse culturelle et l’inculturation. Tournai – Louvain-la-Neuve, 1992.
(4) Vid. os nomes mais célebres em Henri Cordier, Bibliotheca Sinica, 2.ª
ed., Paris 1904. – Entre eles, Navarrete, J. e B. Morales, Mons. Tournon,
Mons. Mezzabarba, etc. – Pretendeu-se fazer uma adaptação pedagógico-diplomática e interessava a teologia natural e não a sobrenatural: Deus, criador do céu e da terra, imortalidade da alma, recompensa do bem e castigo
do mal. Os críticos europeus viram (e vêem nisso!) sinais da hipocrisia jesuítica. Partiam não de Aristóteles mas de Confúcio como ponto de referência.
Na sua célebre «A verdadeira ideia de Deus» explica que os textos confucionistas originais, não tocados pelo Budismo ou anti-Budismo, contêm o sentido
cristão: «shangdi» («senhor das alturas»), «tian» («céu»), e a crença de uma
vida depois da morte. Ricci não terá sabido tirar proveito das ideias do
«Grande Último» («taiji»); as suas concepções da Trindade e de Jesus Cristo
28
ficaram marcadas pelas ideias helenístico-escolásticas. Podia ter falado das
ideias messiânicas chinesas: do homem celestial, do homem divino, do
homem verdadeiro. A resistência fez-se sentir da parte dos Budistas e depois
do próprio Confucionismo que punha em dúvida a interpretação cristã dos
seus escritos clássicos; finalmente da parte cristã: os franciscanos e dominicanos manifestaram-se contra a Companhia de Jesus. Foram expulsos em
1617, sete anos depois da morte de Ricci.
(5) Notável foi o papel de Matteo Ricci e Michele Ruggieri, e ainda de
Nicolas Trigault e de Prospero Intorcetta que, juntamente com Inácio da
Costa, traduziu «As Conversas» ou «As Analectas» («Lun Yu») e o grande
ensinamento («Da Xue» ou «Sapientia sinica»). Esta obra contém os quatro
livros clássicos: «O grande estudo», «O invariável meio», os
«Entretenimentos de Confúcio» e o «Mencius», na sua versão comentada por
Zhu Xi (1130-1200), obra que se tornou até ao séc. XX a base do ensinamento confuciano na Europa. - A obra de Matteo Ricci (Macerata, 6.10.1552 - Pequim, 11.5.1610) representa um marco de fundamental alcance para o
conhecimento do Oriente na Europa e da Europa no Oriente. Tal era a admiração pelo ilustre sábio ocidental que no seu funeral teve honras solenes. Ricci, leitor interessado de Confúcio e altamente empenhado em conhecer a
história e a cultura da China, deixou uma obra notável, de que destacamos:
Li Madou shukim ji («Cartas»), Li Shi Han-Fa cidian («Grand dictionnaire de
la langue chinoise»), 8 vols., reed. Paris ca. 2001; Michele Ruggieri-Matteo
Ricci, Dicionário português-chinês = Portuguese chinese dictionary, ed. John
W. Witek. 1ª ed., Lisboa Macau: Biblioteca Nacional: Instituto Português do
Oriente, 2001; De christiana expeditione apud Sinas suscepta ab Societate
Jesu. Journals of Matteo Ricci»; Opere storiche del P. Matteo Ricci que
incluem: I commentari della Cina, ed. de P. Tacchi-Venturi, Macerata 1911, e
Le lettere della Cina, ibid. 1913; Jiaoyou lun («De Amicitia»), Mapa-mundi,
etc. - Foi principalmente nos finais do séc. XIX e inícios do séc. XX que se
manifestou um interesse científico deveras significativo pela vida e obra de
Ricci que depois viria a continuar a um ritmo impressionante. Alguns autores
que se interessaram pela sua obra: De Ursis, P. Matheus Ricci, S.J., «Relação
escripta pelo seu companheiro», Roma 1910; Bartoli, Dell’Historia della
Compagnia di Gesu. La Cina», I-II, Roma 1663; Natali, Il secondo Confucio,
Roma, 1900; Tacchi-Venturi, L’apostolato del p. M. Ricci della Compagnia di
Gesù in Cina secondo i suoi scritti inediti, Roma 1910; Bruker, «Le Père
Matthieu Ricci», in Etudes CXXIV, Paris 1910, 5-27; 185-208; 751-79; De
Backer-Sommervogel, Bibliothèque des écrivains de la Compagnie de Jesus,
VI, 1792-95; J. Brucker, «Chinois Rites», in Dictionnaire de Théologie
Catholique, XII, 2364-91. - Roma acompanhava com algumas reservas a
acção missionária dos jesuítas na China. Trigault («Kin Ni-ko») foi enviado a
Roma para pedir ao papa Paulo V o uso do chinês na liturgia e tornar mais
fácil a ordenação dos letrados, tendo a licença sido obtida em 1615. Trigault
regressou com Schreck (Terrentius) e Adam Schall von Bell (1591-1666), em
chinês «Tang Daowei», autor de Historica relatio de ortu et progressu fidei
orthodoxae in regni Chinensi per Missionários Societatis Jesu ab anno 1581
usque ad annum 1669. - O imperador encarregou Terrentius de proceder à
reforma do calendário e pediu que Schall fosse a Pequim para formar astrónomos. - Ricci e depois dele outros jesuítas eram atacados por razões diversas, de que é exemplo a questão da terminologia utilizada: «Shangdi»
(Senhor do Alto) e «Tian» (Céu) ou «Taigi» (Último Princípio) que encontramos em vários dos seus livros. Eram usados para designar a Deus, o que
provocou enorme escândalo em certos meios. - Também o culto dos antepassados e a admiração por Confúcio geraram bastantes atritos e incompreensões. O mesmo se diga da adopção dos costumes e do nome em chinês,
a reserva na exposição do crucifixo em público, os usos de civilidade, os presente aos mandarins, a tolerância das taxas de empréstimo usurárias, as festas do calendário tradicional. - As reacções vinham em larga medida de Goa,
29
centro principal da missionação no Oriente e dali passavam para Roma que
chegou a apoiar com alguns decretos a inculturação aplicada pelos missionários jesuítas (1645 e 1656) na evangelização do Oriente. Mas com a passagem do tempo haviam de surgir determinações adversas. A questão dos
ritos chineses como a do rito Malabar tiveram na Europa enorme repercussão
negativa. Foram várias as oscilações entre permissão e condenação até se
chegar à bula «Ex quo» de Bento XIV (11.7.1742). Em 1759 a Companhia de
Jesus era suprimida em Portugal e em 1773 o papa seguiu idêntico caminho; mas viria a ser restabelecida em 1814.
(6) Em 2003, aquela instituição publicou na série «Macau Ricci Institute
Studies»: Macau on the Threeshold of the Millenium. An International
Symposium organized by the Macau Ricci Institute and the French Centre for
Research on Contemporary China, Hong Kong. Macau, 14-15 December
2001; e em 2004, Religion and culture. Past Approaches. Present
Globalisation. Future Challenges. International Symposium organized by the
Macau Ricci Institute and the Instituto do Oriente (Lisbon). Macau, November
28th-29th 2002. – Em 2004, começou a publicar «Chinese Cross Currents»
de que já saíram quatro números sobre Cultura e Religião, Literatura e
Sociedade, Cultura, Arte e Sociedade, e a População chinesa.
(7) Sobre as dinastias chinesas, vid. nota 1.
(8) A primitiva sociedade chinesa estava centrada na religião em que
ocupavam lugar importante os dragões, animais míticos. Podemos seguir a
história da China desde o neolítico (5000 a.C.). A civilização chinesa não
entrou já adulta em ca. 5000 a.C.; para trás estava uma infância longa. O
«chamamismo», a adivinhação, a veneração dos antepassados e dos ritos
caracterizavam o povo chinês; não havia separação entre realeza e sacerdócio.
(9) O único nome autorizado hoje por Roma é «T’ien-tschu», Senhor do
céu, que foi usado por Ricci: «Tíen-tschou-che-i», «verdadeira noção do
Senhor do céu». Outros termos utilizados: «T’ien-tschou-tang», «templo do
Senhor»; «T’ien-tschu-kiao», «religião do Senhor do céu»; «T’ien-tschoukiang-cheng», «incarnação do Senhor do céu». Eram nomes aplicados pelos
chineses a deuses e lugares do Budismo e do Taoísmo. Seria o mesmo que
«Theós». Utilizavam os missionários também «T’ien», «céu» e «Chang-ti»,
«soberano Senhor». Provinham dos antigos textos «King». Eram símbolos
dos dogmas cristãos para alguns. Outros combatiam essas designações,
como Navarrete. Quanto às cerimónias em honra de Confúcio que não pretendiam cair na idolatria, há a lembrar as resoluções da Propaganda Fide, de
12 Setembro de 1645 e de 23 de Março de 1656 a favor dos jesuítas, e outra,
de 20 de Novembro de 1669, que deixava à consciência dos missionários a
sua actuação apostólica.
(10) Vid. Henri Cordier, Bibliotheca Sinica, 2.ª ed., Paris, 1904 sobre os
nomes mais célebres envolvidos na questão dos ritos, como J. Navarrete, B.
Morales, Mons. Tournon, Mons. Mezzabarba, etc.
(11) Hans Küng, Spurensuche. Die Welreligionen auf dem Weg,
Munique, 1999. H. Küng e K.-J. Kuschel, entre outros, têm escrito várias
obras sobre ética mundial: desde «Projekt Welethos», Munique, 1990 até
Kleine Geschichte der katholischen Kirche, Berlim, 2002; e neste contexto
sobre diversas religiões, como o Judaísmo, o Budismo, o Hinduísmo e o
Islamismo. A «Stiftung Weltethos» de Tübingen tem consagrado ao assunto
da ética mundial uma atenção muito particular.
(12) Na colecção ‘Patrimoines’ da editora Cerf de Paris foram publicados
os seguintes livros sobre o Confucionismo: Tseng Tseu, La grande Étude,
avec le commentaire traditionel de Tschou-Hi. Trad. de Martine Hesse; Xun Zi
(Siun Tseu), Introduit et traduit par Ivan Kamenarovic. Préface par Jean-François Di Meglio; Wang Fu, Propos d’un ermite. Introduction et traduction
du chinois par Ivan P. Kamenarovic. Préface par Catherine Despeux; Id.,
Printemps et automnes de Lü Buwei. Traduit du chinois par Ivan P.
30
Kamenarovic. Préface par Marc Kalinouwski; Ivan Kamenarovic, Arts et
Lettrés dans la philosophie chinoise; Mou Zonsan, Spécifités de la philosophie chinoise. Introduction par Joël Thoravai. Traduction par Ivan P.
Kamenarovic et Jean-Claude Pastor. – Vid. ainda as várias obras sobre história das religiões, como de F. de König (dir.), Cristo y las religiones de la tierra, Manual de historia de la Religión, vol. III: Las grandes religiones no cristianas hoy existentes. El cristianismo, trad. Esp., Madrid, 1968, 291-357.
(13) A obra de Confúcio inclui: «Livro das transformações», «Livro dos
documentos», «Livros dos cânticos», «Livro dos ritos», «Anais da primavera
e do Outono» e «Livro da Música».
(14) H. Küng, Spurensuche. Die Weltreligionen auf dem Weg, op. cit.
(15) As relações humanas, em especial a família, são fundamentais no
pensamento confuciano. Vid. H. Küng, op. cit.
(16) Em hebraico: «wayhî kal-há’arets safar ‘ehat wudbarîm ‘ahadîm».
(17) Texto apresentado no «XXI Symposium of Eco-Ethics», Kisarazu,
April, 2002; da sua autoria são também os trabalhos apresentados na
«Conference on Asian Heritage and Global Society», 18-20 Agosto 2004,
Bangkok, sobre «Matteo Ricci and Global Civilization»; «Pour le dialogue
entre Civilisations», no «XX Symposium of Eco-Ethics», 2001; e «Sulla dignità
della persona umana (Buddismo e Cristianesimo), in «Rivista di Teologia»,
114, Aprile-Giugno 1997.
(18) A hermenêutica de Ricoeur, de Habermas e de outros pode ajudar
a compreender melhor o conteúdo dos textos bíblicos.
(19) A doutrina do Tao remonta à mais alta antiguidade; os pais, Lao Zi
e Zhuang Zi, terão vivido entre o séc. IV e III a.C., um século depois de
Confúcio. O grande livro clássico é o «Yi jing»,«livro das mutações», que
explica os mistérios e a unidade do universo. Com a entrada do Budismo na
China é difícil separar as duas crenças. Sobre a prática do Taoísmo, deve
dizer-se que é difícil calcular o que ainda resta. Há ainda mosteiros taoístas
em Hong-Kong, na ilha de Lan-Tau e em Taiwan. Haverá hoje cerca de 50
milhões de monges. Mas verifica-se uma interpenetração do Budismo com o
Confucianismo.
(20) A importância da vida monástica e suas escolas, a disciplina, a liturgia, etc. mereciam uma reflexão mais aprofundada, bem como a abordagem
do Budismo de fé e do Budismo político-social.
(21) Foi então que se deu o confronto com a modernidade durante a
dinastia Ming (1368-1644), a última dinastia nacional e a mais chinesa do
milénio, durante a qual se assistiu à reconstrução económica, à renovação
dos estudos dos funcionários em total conformidade com a doutrina confucionista de Zhu Xi, à reforma do sistema penal e à renovação das artes e das
ciências, e sobretudo a uma administração civil rigidamente centralizada,
que controlava o exército. Foi uma era de paz e de bem-estar.
(22) Hoje o quadro da aceitação religiosa na China é aproximadamente
este: 60% de pessoas sem religião; 20% de adeptos da religião tradicional;
5% de ateus militantes; 9% de budistas; 1,5 de muçulmanos; e 0,9 de
cristãos. Um aspecto importante na China é o relativo à Igreja nacionalista.
(23) De recordar ainda os nomes de Raimundo Lullo, Nicolau de Cusa e
de Guillaume Postel que preconizaram uma paz universal na diversidade de
religiões e culturas.
(24) Joseph Ratzinger. Glaube -Wahrheit-Toleranz: das Christentum und
die Weltreligionen, 2.ª ed., Freiburg, 2003. Vid. ainda J. Dupuis, Vers une théologie chrétienne du pluralisme religieux, Paris, 1997. – O IHEU (International
Humanist and Ethical Union World) realizará em Paris, no mês de Julho, um
congresso sobre as relações entre o humanismo e o ateísmo.
(25) A propósito dos assuntos referidos, referimos alguns, entre tantos
autores, merecedores de atenção: H. Carrier, Évangile et Cultures: de Léon
XIII à Jean-Paul II, Roma, 1987; Id., «Ideologies, cultures, croyances», in
Nouveau Dialogue, Montréal, n.º 79, Março de 1989, pp. 28-29; Id.,
31
Evangelisation et développment des cultures, Roma, 1990; G.L. Ellspermann,
The Attitude of the Early Latin Writers toward Pagan Literature and Learning,
Washington, 1949; G. Langevin e R. Pirro (eds.), Le Christ et les cultures dans
le monde et l’histoire, Montréal, 1991; K.J. Luzbetak, The Church and
Cultures. New Perspectives in Missionological Anthropology, Maryknoll, N.Y.,
1988; R.H. Niebuhr, Christ and Culture, N.Y., 1951; Th.F. Torrance, Christian
Theology and Scientific Culture, Belfast, 1980; P. Tillich, Théologie de la
Culture, Paris, 1968; Id., «On the Idea of a Theology of Culture», in What is
Religion?, N.Y., 1969; A. Shorter, Toward a Theology of Inculturation, Londres,
1988; Les Sciences face aux confins de la connaissance: le prologue de
notre passe culturel. Colloque international, Venise 3-7 Mars 1986», Paris:
Unesco, 1987.
32
BENITO CAO
Universidad de Adelaide
Descubrimiento como ideología:
el descubrimiento de Asia
en el Humanismo Portugués
El objetivo fundamental de este trabajo no es otro que
continuar el diálogo sobre el humanismo portugués iniciado
en el coloquio Humanismo Latino na Cultura Portuguesa,
celebrado en Octubre del 2002 en Porto (Portugal). En
aquella ocasión, la profesora Elvira Azevedo Mea expresó
su confianza en el humanismo latino “como utopía necesaria para poder promover referencias éticas, el diálogo entre
religiones y la aproximación entre Oriente y Occidente” (10).
La idea de que el humanismo latino pueda convertirse en
puente entre Oriente y Occidente demanda un análisis del
humanismo portugués, no sólo porque la presencia portuguesa ha constituido históricamente la presencia latina más
importante en el continente asiático, sino también, y esto es
más significativo, por la importancia de Asia (o el Oriente)
en el pensamiento humanista portugués, especialmente
durante su edad de oro, el siglo XVI.
El lugar de partida de este trabajo se halla también en el
citado coloquio, solamente que esta vez en las conclusiones del profesor Carlos Pimenta, y en particular en la idea
de que el humanismo latino sólo puede ser una referencia
adecuada y significativa de pensar el ser humano (y por lo
tanto la humanidad) “si se reconstruye permanentemente en
confrontación con su negación” (186). Para ello, continúa el
profesor Pimenta, es necesario “una lucha racional y afectiva de cada uno de nosotros contra nosotros mismos” (186).
La reconstrucción permanente de uno mismo requiere,
entre otras cosas, una constante revisión crítica de nuestras
raíces culturales. Pero además, si queremos combinar
dicha reconstrucción con la capacidad para (re)conocer al
otro, tanto dentro como fuera de nosotros mismos, es necesario entender tales raíces no como esencia (como algo
inmutable) sino como inercia (como una fuerza difícil pero
no imposible de modificar).
33
Este trabajo ofrece una lectura crítica del humanismo
portugués a través del análisis de sus raíces, que se hallan
en el período de los descubrimientos, en particular en el descubrimiento de Asia. Los principales textos estudiados aquí
son: la Relação da Viagem de Vasco da Gama de Álvaro
Velho, la Suma Oriental de Tomé Pires, las Décadas da Ásia
de João de Barros, la Peregrinação de Fernão Mendes Pinto,
y Os Lusíadas de Luís de Camões. La aproximación realizada a estas obras en el presente estudio es de carácter general, pero el autor guarda la esperanza de que las reflexiones
que siguen a continuación contribuyan a fomentar el interés
por realizar un análisis crítico más profundo, detallado y sistemático del humanismo portugués del siglo XVI.
* * *
El humanismo portugués tiende a ser visto como un
humanismo fraterno, amoroso, y abierto al Otro. Su originalidad residiría en la conjunción del Amor y la Aventura, sintetizados en el Descubrimiento. El carácter aventurero del
ser portugués habría contribuido a unificar la Tierra, y su
eminente capacidad de amar habría hecho lo mismo con la
Humanidad. Esta visión romántica del humanismo portugués descansa sobre una visión igualmente romántica de
los descubrimientos portugueses, en particular del descubrimiento de Asia. La interpretación más lograda de esta
visión es la historiografía apologética de Jaime Cortesão, y
en particular su trabajo titulado O Humanismo Universalista
dos Portugueses (1965).
Cortesão identifica dos fuerzas históricas que habrían
empujado a Portugal al Descubrimiento: la Caballería
Andante y la Orden de San Francisco. El ideal de la caballería andante habría dado al ser portugués “el sentido de servicio social y el deseo continuo de superación” (35), mientras que el ideal del franciscanismo le habría dado una “concepción más amorosa y humana de la Vida” (56). En otras
palabras, la caballería andante proporcionaría la energía
necesaria para lanzarse a descubrir el mundo, mientras que
el franciscanismo actuaría como conciencia superior, como
“mística de los Descubrimientos” (65). El descubrimiento
constituiría “una creación libre del espíritu” en la que
Portugal “da las manos” a continentes y razas en un acto de
creación universalista que llevaría a la comunión del Hombre
con la Naturaleza y a la fusión de la Humanidad (71).
La esencia del humanismo portugués se encontraría en
34
Os Lusíadas (1572) de Luís de Camões, y más concretamente en la mítica Isla de los Amores. Cortesão subraya la
centralidad del amor y de los sentidos en el poema épico de
Camões. El humanismo de Camões se caracterizaría por
hacer del Amor “el premio del heroísmo, el fin de la libertad,
la ley y el patrón supremo de la Humanidad y de la
Naturaleza” (241). La Isla de los Amores sería “el símbolo y
la exaltación poética de una experiencia vivida, más o
menos, por todos los portugueses de los Quinientos, en los
mundos nuevos que habían descubierto” (197), así como
“la culminación lógica y humana de la obra de los
Descubrimientos y de la expansión portuguesa, en su totalidad” (198). La Isla de los Amores sería la imagen perfecta
del Humanismo.
La idealización del descubrimiento puede observarse
también en la obra de Miguel Torga. En su emotiva descripción de Portugal, contenida en Traço de União (1955), Torga
define el descubrimiento como el resultado de un proceso
abierto, en el que los portugueses se lanzan al mundo con
espíritu “deslumbrado y conciliante” para diseminar la cultura portuguesa (su lengua, su fe, sus costumbres y su
humanidad) como “dádiva fraterna de pacífica convivencia”
(140-141). En otras palabras, la expansión portuguesa se
habría realizado con vocación de servicio y no de dominación, es decir, con vocación humanista y no imperialista.
El carácter fraterno del humanismo portugués fue teorizado también por António Alberto de Andrade en un trabajo titulado Muitas Raçãs: Uma só Nação (1968). Según
Andrade, la esencia del humanismo portugués sería “la simpatía humana por los pueblos de otros continentes, sin propósitos de imperialismos, que la exigua fuerza militar y el
flaco poder económico nunca permitieran siquiera visionar
en sueño” (86) [énfasis añadido]. Ante la posibilidad de que
la falta de poder pudiera poner en duda la virtud de los portugueses, el autor reitera que la expansión portuguesa se
realizó “sin intentos de colonialismo” (86) [énfasis añadido].
En cualquier caso, lo que tenemos aquí es una definición de
la expansión portuguesa como un proceso vacío de poder:
intencional (falta de voluntad de poder) e inevitable (falta
real de poder).
Andrade no oculta el uso de la fuerza por parte de los
portugueses, pero lo define como una “política de paz” (18).
El uso de la fuerza y la ocupación de puntos estratégicos
habrían sido medidas de carácter defensivo, provocadas
por la agresividad de quienes se negaban a recibir con con35
fianza el mensaje humanista de Portugal. El recurso a la
guerra por parte de los portugueses aparece como respuesta apropiada (guerra justa) ante la negativa de los pueblos descubiertos a establecer relaciones diplomáticas y
comerciales con Portugal, o ante su negativa a permitir la
libre propagación del Evangelio (32). La guerra era producto de la resistencia del Otro al abrazo fraterno de Portugal.
La reformulación más reciente de esta visión idealizada
del humanismo portugués y de la presencia portuguesa en
el mundo se puede encontrar en la intervención de António
Teixeira Fernandes en el coloquio Humanismo Latino na
Cultura Portuguesa, titulada “Humanismo Português: Modo
de Ser num Espaço em Abertura ao Universal”. El hecho de
que su intervención fuera realizada en el contexto de la tensión entre la identidad portuguesa y la identidad europea no
impidió al autor invocar a Miguel Torga para reiterar el
carácter conciliante, pacífico y fraterno de la presencia portuguesa en el mundo desde la época de los
Descubrimientos (164-165).
Esta visión romántica del descubrimiento y del humanismo portugués descansa sobre un doble argumento. El primero, de carácter secular, afirma que el descubrimiento fue
un proceso derivado fundamentalmente de la curiosidad
científica que caracterizó el espíritu del Renacimiento. El
motor secular del descubrimiento habría sido la Voluntad de
Saber. El segundo argumento, de carácter religioso, afirma
que el descubrimiento fue un proceso de extensión del
espíritu fraterno del Cristianismo. El motor religioso del descubrimiento habría sido la Voluntad de Amar. Los dos argumentos comparten un elemento clave: afirman el interés
desinteresado (sin voluntad de poder) por lo desconocido.
El argumento secular lo hace a través de la oposición entre
la Voluntad de Saber y la Voluntad de Poder, mientras que
el argumento religioso lo hace a través de la oposición entre
la Voluntad de Amar y la Voluntad de Poder. La apertura portuguesa al mundo se definiría como un proceso humanista
(como ausencia de poder), y por lo tanto como negación del
imperialismo (como voluntad de poder).
* * *
La llegada de la expedición de Vasco da Gama a la
India en 1498 no puede ser entendida como un evento aislado, sino como un momento más de la expansión portuguesa por el mundo, iniciada en 1415 con la toma de Ceuta,
36
ciudad musulmana situada en el norte de África. La participación en la conquista de Ceuta inspiró al Infante Don
Henrique, la principal figura asociada con los descubrimientos portugueses, a continuar la expansión portuguesa por
África. Las consecuencias inmediatas de está decisión fueron el inicio del tráfico de esclavos por el Atlántico y la
explotación del oro de Guinea. El proceso de exploración
de las costas africanas culminaría con la apertura de una
ruta marítima entre Lisboa y Calcuta.
El carácter imperialista del momento inicial de la aventura marítima portuguesa no ha afectado de forma significativa la concepción humanista del descubrimiento de Asia. La
tradición de pensar el avance por las costas africanas como
una empresa principalmente humanista se remonta a la
Crónica dos Feitos de Guiné (1453-1464), de Gomes Eanes
de Zurara, obra escrita por encargo del Rey Don Afonso
para preservar la memoria histórica (y heroica) del Infante
Don Henrique. La primera de las razones que motivaron a
Don Henrique a lanzar Portugal a la aventura del descubrimiento habría sido, según Zurara, el deseo de conocer la
tierra situada más allá de la Islas Canarias y del Cabo de
Bojador (Capítulo VII).
Zurara no oculta la existencia de otros motivos: la posibilidad de establecer relaciones comerciales con otros reinos cristianos; descubrir el poder real de las fuerzas del
Islam; descubrir si existían príncipes cristianos con quien
establecer alianzas contra el enemigo islámico; y extender
las fronteras de la Cristiandad. Sin embargo, a pesar de que
el conjunto de motivaciones deja claro que el objetivo primordial de los descubrimientos portugueses era acrecentar
el poder político y comercial de la Cristiandad, la primacía
otorgada a la curiosidad renacentista (voluntad de saber)
del Infante Don Henrique ha servido para negar la esencia
imperialista del proceso de descubrimiento.
El énfasis puesto en la curiosidad y el conocimiento, en
la búsqueda de lo desconocido, produce una curiosa paradoja cuando uno considera que los objetivos concretos del
descubrimiento eran encontrar lo conocido (riquezas: metales y especias) y lo idéntico (cristianos). Los motivos explícitos que llevaron al rey de Portugal a financiar la expedición a la India eran, en palabras del propio Vasco da Gama,
tal como las recoge Álvaro Velho en su Relação da Viagem
de Vasco da Gama (1498): la búsqueda de “cristianos y
especias” (51). En este sentido, la expansión portuguesa
por el mundo se trataría no tanto de un proceso de descu37
brimiento (búsqueda de lo desconocido o de lo diferente)
sino más bien de un proceso de acumulación (búsqueda de
más de lo mismo: más riquezas y más cristianos).
La expectativa de (re)descubrir los pueblos cristianos
que se pensaba habitaban a lo largo y ancho del mundo llevaría a Álvaro Velho a afirmar la presencia de cristianos en
casi todos los lugares visitados de camino a la India. Su crónica del viaje de Vasco da Gama contiene varias referencias
a encuentros con “cristianos de la India” (47) que en realidad
eran miembros de la religión Hindú. El cronista llegaría incluso a declarar enfáticamente: “Esta ciudad de Calcuta es de
cristianos” (51). La idea de que la población de la India era
de mayoría cristiana no se desvanecería ni siquiera después
de la visita a un templo Hindú, donde Velho habría visto (o
mejor dicho imaginado) una imagen de Nuestra Señora (55).
El engaño se derivó con toda probabilidad de la confusión
del sonido de la palabra Krishna (la segunda persona de la
trinidad hindú) con el sonido de la palabra Cristo. Sea como
fuere, las expectativas de encontrar lo conocido (más de lo
mismo) impedían reconocer la diferencia, y anuncian la futura dificultad en (re)conocer al Otro.
La realización de que las gentes del continente asiático
no eran cristianos, sino musulmanes, hindúes, budistas o
xintos llevaría a promover la evangelización de Asia, desde
la India hasta el Japón. La inclusión de misioneros en la
expedición de Pero Álvares Cabral a la India en 1500, inicia
y anuncia el imperialismo cultural de Portugal en Oriente,
donde actuaría como agente de la Cristiandad. La llegada
de la Compañía de Jesús al Japón en 1549, bajo la bandera de Portugal, puede considerarse la culminación de una
misión que había comenzado en Ceuta, con espíritu de cruzada, en 1415.
* * *
La Relação de Álvaro Velho contiene abundantes ejemplos de prácticas que revelan el carácter imperialista de los
descubrimientos portugueses en general, y en particular de
la expedición de Vasco da Gama a la India: el bautismo de
lugares descubiertos, la colocación de cruces y padrões
[pilares de piedra], así como el uso simbólico y directo de la
fuerza. La mayoría de estas prácticas eran de carácter simbólico pero reflejan la transformación del acto de ver por primera vez (descubrimiento) en acto de apropiación (toma de
posesión). El uso frecuente de la fuerza que acompañó y
38
siguió a los descubrimientos serviría para confirmar y hacer
efectiva la voluntad de poder de los portugueses en Asia.
La principal expresión de voluntad de poder durante las
expediciones marítimas fue la práctica de dar nombre a los
lugares visitados o simplemente avistados. Los nombres
escogidos para bautizar dichos lugares eran de dos tipos:
descriptivos o simbólicos. Los primeros hacían referencia a
rasgos físicos del lugar, como por ejemplo: Ponta de
Pescaria, Bahía das Alagoas, Cabo dos Vaqueiros, Rio do
Cobre y Cabo da Roca. Los segundos hacían referencia, en
la mayoría de los casos, a símbolos o figuras cristianas,
como por ejemplo: Cabo de Santa Helena, Serrania de São
Rafael, Terra do Natal, Cabo de Santa Maria y Terra de
Santa Bárbara. El acto de dar nombre a los territorios descubiertos, especialmente en el caso de nombres simbólicos, refleja una doble voluntad de poder: política (incorporación al reino de Portugal) y religiosa (incorporación al orbe
del Cristianismo).
El aspecto más revelador de la voluntad de poder fue la
colocación de padrões – pilares de piedra de gran tamaño,
con la inscripción del escudo real, coronados con una cruz,
y dedicados generalmente a santos cristianos, entre otros:
San Gabriel, San Rafael, Santa María y San Agustín. Los
padrões reflejan la armonía entre el poder político y religioso en Portugal: entre el Estado y la Iglesia. Preparados en
Portugal, los pilares eran llevados en las naves, y colocados
en lugares visibles de los territorios descubiertos. Su visibilidad cumplía una doble función: práctica (visto desde el
mar: punto de referencia para futuras expediciones) e ideológica (visto desde la tierra: símbolo de autoridad para los
habitantes locales). La práctica, iniciada por el Rey Don
João II, de colocar pilares de piedra en lugar de, o acompañando a las tradicionales cruces de madera indica no sólo
voluntad de poder, sino también voluntad de permanencia,
la llegada de una autoridad duradera.
La colocación de los primeros padrões tuvo lugar durante la expedición de Diogo Cão entre 1482 y 1484. El primer
padrão, dedicado a San Jorge, fue colocado en 1483 en la
desembocadura del Río Congo, lugar todavía conocido
como Ponta do Padrão. La expedición de Vasco da Gama
no fue ajena esta práctica, colocando al menos tres
padrões: el primero, dedicado a San Rafael, fue colocado
de camino a la India, en el Rio dos Bons Sinais (Zambeze);
el segundo, dedicado a San Gabriel, fue entregado a los
emisarios del Samorín de Calcuta; y el tercero, dedicado a
39
Santa María, fue colocado durante el viaje de retorno, en
unos islotes que pasarían a ser conocidos como Ilhéus de
Santa Maria.
La tripulación colocó también un pilar y una cruz de
madera en el Cabo de São Brás. La destrucción de los mismos el día después de su colocación, y a la vista de la tripulación portuguesa, indica que el simbolismo imperialista de
esta práctica no pasó desapercibido a los habitantes locales. La resistencia a la presencia portuguesa llevaría al uso
frecuente de la fuerza, así como a construir fortalezas destinadas a garantizar la protección de los puestos comerciales
una vez establecidos. El relato de Álvaro Velho revela también el uso de las armas, en demostración de fuerza o en
confrontación directa, tanto durante la travesía por las costas
africanas como durante la estancia inicial en Calcuta.
La llegada de los portugueses a la India fue sinónimo de
confrontación directa con los comerciantes musulmanes de
Calcuta, que controlaban la exportación de especias para
el Mar Rojo. Los portugueses se verían favorecidos por el
apoyo del Rey de Cochin, quien vio en la llegada de éstos
la oportunidad de convertir su reino en el centro exportador
de la pimienta para Europa. La alianza entre los reinos de
Portugal y Cochin culminaría con su triunfo sobre Calcuta en
1505. La presencia portuguesa en el Indico Occidental se
vería reforzada con la llegada de Francisco de Almeida y
consolidada durante el gobierno de Afonso de
Albuquerque. El uso decisivo y sin complejos que hizo éste
de la fuerza militar le llevó a conquistar Goa (1510), Malaca
(1511) y Ormuz (1515), estableciendo así la estructura territorial sobre la que se asentaría durante más de un siglo el
Estado da India.
* * *
El humanismo surgió del desarrollo cultural e intelectual
del Renacimiento, un periodo que se caracterizó por la
recuperación de las formas e ideales clásicos asociados
con la antigua Grecia y la antigua Roma. En términos generales, el humanismo portugués se alimentó de las mismas
fuentes greco-latinas que inspiraron el pensamiento humanista en el resto de Europa. Sin embargo, el humanismo portugués no puede considerarse un simple apéndice o una
mera versión del humanismo europeo. El desarrollo del pensamiento humanista en Portugal fue lo suficientemente
importante y diferenciado como para ocupar un lugar pro40
pio, incluso privilegiado, en el conjunto del pensamiento
humanista del siglo XVI. El elemento que otorga un carácter
especial y específico al humanismo portugués es la centralidad de los descubrimientos, en particular del descubrimiento de Asia, en su concepción de la Humanidad.
Las navegaciones de los portugueses llevaron a descubrir mares y tierras ignoradas por los clásicos, así como a
desmentir el carácter inhóspito, deshabitado, o terrorífico de
muchos de los lugares visitados. El proceso de descubrimiento contribuyó a desacreditar las opiniones y teorías de
los clásicos acerca de las dimensiones y el contenido de la
Tierra. La grandeza de los mares y tierras descubiertos por
los portugueses era tal, escribió João de Barros en Rópica
Pnefma (1532), que causaría confusión y vergüenza a los
grandes geógrafos de la antigüedad como Plinio o
Ptolomeo.
La soberbia con que muchos humanistas escribieron
sobre los descubrimientos portugueses no fue compartida
por todos. João de Castro, por ejemplo, recordaba que las
navegaciones llevadas a cabo por los portugueses no
habrían sido posibles sin el saber legado por los clásicos, y
citaba, entre otros: la astrología de Hiparco, la mecánica de
Arquímedes, la cosmografía de Ptolomeo, o la geometría de
Euclides. La propia aventura de los descubrimientos era
objeto de crítica, recelo y llamadas a la cautela. La manifestación más célebre en este sentido es la arenga que
Camões puso en boca del Velho de Restelo en el Canto IV
de Os Lusíadas, alertando de los peligros que acompañan
la búsqueda de la fama y la gloria, con ocasión de la partida de la flota de Vasco da Gama para la India (est. 94-104).
Ni las críticas a la soberbia de los modernos ni las llamadas a la cautela de los portugueses impidieron que Portugal
crease una imagen de sí mismo como la Nueva Roma. La
presencia portuguesa en todas las partes conocidas del
mundo y, en particular, las hazañas realizadas por los portugueses en el Oriente demostraban la superioridad de
Portugal sobre Griegos y Romanos. La mayor expresión de
este sentimiento de superioridad fueron una vez más los
versos de Camões. La grandeza de Portugal llevaría a los
humanos a olvidarse de Asirios, Persas, Griegos y Romanos
(Canto I: est. 24 y Canto II: est. 44). Camões anticipa así la
noción de Portugal como Quinto Imperio del Mundo elaborada y profetizada por el padre jesuita António Vieira en su
História do Futuro, escrita a mediados del siglo XVII.
Los descubrimientos portugueses no sólo contribuyeron
41
a la superación del conocimiento de los clásicos y a la formulación de Portugal como una Nueva Roma, sino también
a la construcción del Oriente. La llegada de Vasco da Gama
a la India y la expansión portuguesa por el continente asiático tuvieron un impacto profundo en la (re)formulación del
Oriente, cuya imagen hasta entonces apenas si alcanzaba
mas allá de lo que hoy conocemos como el Oriente Próximo,
y estaba asociada de forma casi exclusiva al Islam. Entre
las obras que sirvieron para incorporar el continente asiático en el pensamiento humanista portugués se pueden destacar tres: la Suma Oriental de Tomé Pires, las Décadas da
Ásia de João de Barros, y la Peregrinação de Fernão
Mendes Pinto.
* * *
La Suma Oriental (1516) es la más importante y completa descripción de Asia producida en la primera mitad del
siglo XVI, y contiene la primera, y durante muchas décadas
insuperada, descripción europea de Malaca (Malasia). La
obra fue escrita por el boticario Tomé Pires, enviado como
feitor a la India en 1511, y posteriormente despachado de
embajador a China. La mayor parte del texto fue escrita en
Malaca, donde el autor vivió durante dos años y medio, y
completado durante breves estancias en la India y en
Cochin. El texto final fue enviado al Rey Don Manuel, probablemente en cumplimiento de una comisión encargada al
autor antes de partir de Lisboa.
La atención especial que Tomé Pires da a Malaca no es
un simple reflejo del tiempo que el autor pasó en esta ciudad, sino que refleja el tema central de la obra: el Comercio.
Malaca era uno de los centros comerciales más importantes
del continente asiático, punto donde se encontraban las
principales rutas comerciales y a donde llegaban productos
de todas las partes del Oriente. Malaca era considerada por
muchos como la “feria del Oriente”. El puesto de feitor y la
estancia en Malaca dieron a Pires acceso directo y privilegiado a un volumen enorme de informaciones de todo tipo,
sobre todo de carácter comercial. El producto de esta información fue la Suma Oriental.
La Suma Oriental es un informe minucioso y sistemático
del entramado de redes comerciales que atravesaban el
Oriente, desde Egipto al Japón. El texto contiene detallada
información sobre las numerosas rutas comerciales: las distancias entre ciudades, los productos comerciados, los
42
impuestos cobrados, así como las monedas, y los pesos y
medidas utilizados en los diferentes reinos, ciudades y
puertos comerciales del Oriente. La Suma Oriental contiene
también numerosas e interesantes informaciones sobre los
reinos y gentes del Oriente: descripciones de la fisonomía y
del carácter de sus hombres y mujeres; información sobre
dietas y alimentos comunes, sobre estructuras sociales y
políticas, sobre creencias y prácticas religiosas, y curiosidades como las prácticas sexuales de Malabar. La obra de
Tomé Pires es, como bien indica su título, la suma de todos
los datos acumulados por el autor sobre el Oriente en el
periodo que va de 1512 a 1515.
La Suma Oriental es una obra de carácter utilitario y
materialista. Las descripciones y observaciones sobre las
gentes están subordinadas al interés por el comercio del
Oriente. De hecho, la obra no es sólo un cuadro comercial
sino también una apología del Comercio. En el prólogo,
Tomé Pires define el comercio como una actividad placentera, necesaria y conveniente, que ennoblece reinos, ciudades, y gentes. El autor invoca el pasado comercial del Papa
Pablo II, el pensamiento de los clásicos de Atenas, y la
pasión de la nobleza oriental por las actividades comerciales, para cantar las virtudes del comercio. Estamos, por lo
tanto, ante un texto que anuncia la llegada de una nueva
ética social universal, aquella que se convertiría en la ética
moderna por excelencia: el Capitalismo.
La glorificación del comercio no lleva a Tomé Pires a
romper con la ética cristiana, algo por otra parte impensable en el Portugal de siglo XVI, sobre todo para un oficial del
Reino. La presencia portuguesa en Asia se hallaba, escribe
Pires, bajo el amparo de la omnipotencia del Dios cristiano
y estaba realizada “en el nombre de nuestro Señor Jesús
Cristo” (323). El autor coloca la empresa portuguesa en Asia
en el marco de la cruzada contra el Islam y justifica el coste
inmenso de dicha empresa por ser cosa que “ensalza,
incrementa y aumenta nuestra santa fe católica, y causa
abatimiento, pérdida y daño a la falsa y diabólica opinión
del nefando, ignominioso y falso Mohamed, líder de toda la
vana Religión mora” (324).
La Suma Oriental anuncia la llegada de la modernidad,
entendida como mundo dominado por el saber científico,
cuando defiende la experiencia, y en particular del sentido
de la vista (ver por uno mismo) como único fundamento válido del conocimiento. El texto, explica Pires en el prólogo, es
un relato basado en la experiencia personal, en lo que él ha
43
visto con sus propios ojos o, en su defecto, en información
proporcionada por testigos oculares de los hechos. Así, por
ejemplo, el autor pone en cuestión la existencia de “hombres de largas orejas que se cubren con ellas” porque “yo
nunca vi quien viese que los viera” (449) [énfasis añadido].
El autor no cuestiona la existencia de tales hombres porque
su descripción le parezca fantasiosa o falta de lógica, sino
porque ni él ni nadie que él conozca los ha visto.
La veracidad del conocimiento es fundamental en la
obra de Tomé Pires dado el carácter utilitario de la Suma
Oriental. El conocimiento acumulado por el autor no es producto de la simple curiosidad, de la pura Voluntad de Saber,
sino, como revela el propio autor en el prólogo de la obra,
de la Voluntad de Poder. La Suma Oriental es un instrumento de dominación, un texto que otorga al rey de Portugal un
conocimiento esencial para mantener e incluso ampliar su
poder en Oriente. La voluntad de poder se aprecia en el
siguiente pasaje del texto, uno de los pocos donde el autor
pasa de la descripción a la evaluación, indicando que:
“para someter al gobernador de Malaca a nuestra obediencia no se precisa tanta fuerza como dicen, porque es gente
muy débil y fácil de desbaratar” (456).
El humanismo de Tomé Pires está subordinado al imperialismo y al capitalismo, es decir, a los intereses comerciales del Reino de Portugal. El descubrimiento de Asia en la
obra de Tomé Pires es sinónimo del conocimiento adquirido
sobre el comercio del Oriente. La Suma Oriental es pues un
instrumento de poder, un texto imperialista, preocupado no
por la Humanidad o las gentes de Asia, sino por promover
los intereses comerciales de Portugal en Oriente. La centralidad del Comercio y las Cosas del Oriente en la Suma
Oriental convierten al Oriente en una Mercancía, a la vez
fuente y objeto del deseo de Occidente.
* * *
Las Décadas da Ásia, escritas a mediados del siglo XVI
y publicadas entre 1552 (la Primera) y 1615 (la Cuarta),
narran el descubrimiento y conquista de los mares y tierras
de Oriente por parte de los portugueses hasta el año 1538.
La obra fue escrita por João de Barros, tesorero y feitor de
varias instituciones encargadas de gestionar las actividades comerciales de la corona portuguesa con África y el
Oriente. Los varios cargos oficiales de João de Barros le
dieron, al igual que a Tomé Pires, acceso directo a una can44
tidad ingente de información sobre las actividades comerciales de los portugueses en el continente asiático, así
como sobre las cosas y las gentes de Oriente. Sin embargo,
las Décadas difieren de forma radical de la Suma Oriental.
Mientras que el eje de la Suma Oriental es el Comercio, el
eje de las Décadas es la Historia. Y si el centro de la Suma
Oriental es el Oriente, el centro de las Décadas es Portugal.
Lo primero que cabe destacar de las Décadas es el concepto de historia con el que fueron escritas. João de Barros
define la historia como un gran edificio que debe servir de
ejemplo y lección de humanidad. La historia ha de ser un
edificio edificante. El historiador, arquitecto del edificio (y
artificio) que es la historia, tiene la responsabilidad de producir una narrativa coherente y ejemplar, donde los hechos
(el pasado) sirvan de guía a las nuevas generaciones (el
futuro). De este modo, si la Suma Oriental es principalmente una acumulación de datos, las Décadas son una selección de los mismos. Los dos pilares básicos sobre los que
se sustenta la construcción de la memoria histórica de
Portugal en las Décadas son la Monarquía y la Cristiandad.
Así, si la Suma Oriental es un ejemplo clásico del saber
como poder, en las Décadas de João de Barros tenemos
también la otra cara de la relación: el poder como saber.
La historia plasmada en las Décadas de João de Barros
refleja los intereses de la expansión y conservación de los
dominios portugueses en Oriente, obtenidos a través de la
Conquista, con un doble objetivo: la Cruzada y el Comercio.
João de Barros define la expansión portuguesa como
Cruzada destinada a restituir a la Iglesia Romana la jurisdicción perdida sobre el Norte de África, y a expandir la fe cristiana por el Oriente, “desde Arabia hasta más allá del
Ganges” (Década I: 12). El objetivo prioritario de la expansión portuguesa era “atraer las bárbaras naciones al yugo
de Cristo […] para gloria de Dios y crecimiento de la fe de
Cristo” (Década I: 32).
El otro objetivo esencial de la presencia portuguesa en
Asia es el Comercio. João de Barros define el comercio
como fundamento de la convivencia, por ser “el medio por
el que se concilia y trata la paz y el amor entre todos los
hombres” (Década I: 182). Este canto al comercio, sin
embargo, no desplaza a la religión cristiana como fuente de
la moralidad. El ejemplo más notable de la primacía religiosa en las Décadas se aprecia en la amarga queja de João
de Barros por el cambio de nombre que había sufrido la
América Portuguesa, que en poco tiempo había pasado de
45
llamarse Terra de Santa Cruz (en referencia a la sagrada
madera) a ser conocida como Brasil (en referencia a la
madera comercial: el palo-brasil). João de Barros revela la
ansiedad ante la posibilidad de que el Comercio
(Capitalismo) pudiera desplazar a la Religión (Cristianismo)
como ética universal de la Humanidad.
El cristianismo de João de Barros se traduce en una
concepción unitaria de la Humanidad que le lleva a interesarse por las gentes y culturas del Oriente. Las Décadas
demuestran una sincera admiración por la civilización
china, sobre todo por su sistema judicial y su tecnología, llegando a comparar favorablemente China con Grecia y
Roma. Estos sentimientos han sido frecuentemente interpretados como una muestra de humanismo abierto al Otro. Sin
embargo, el límite de tal apertura era el mismo cristianismo,
acentuado en este caso por el proselitismo beligerante de
João de Barros. Si bien es verdad que la admiración por la
civilización china le llevó a una visión más tolerante de los
“herejes chinos” (budistas) que de hindúes o musulmanes,
el objetivo final de la presencia portuguesa en Oriente era
compeler a las bárbaras naciones a que “dejasen sus idolatrías, diabólicos ritos y costumbres, y se convirtieran a la
Fe de Cristo, para todos ser unidos y juntados en caridad de
ley y amor, pues todos éramos obra de un Creador y redimidos por un Redentor, que era Jesús Cristo” (Década I: 182).
En caso de que dichas naciones no aceptaran “esta ley de
fe y negasen la ley de paz” dichas leyes habrían de ser
impuestas a “hierro y espada” (Década I: 182). La misión de
Portugal en Oriente era incorporar sus gentes a la
Cristiandad.
João de Barros defiende también la propagación de la
lengua portuguesa como cimiento indispensable y condición necesaria para el desarrollo y conservación de los
dominios portugueses. El portugués se convierte en parte
del armamento imperial – su función no sería solamente la
comunicación (lengua franca) sino también la aculturación
(pensamiento único). El espíritu imperialista que caracteriza
las reflexiones humanistas sobre la lengua portuguesa se
puede apreciar tanto en la Gramática da Língua Portuguesa
(1540) de João de Barros, como en la Gramática da
Linguagem Portuguesa (1536) de Fernão de Oliveira. La
lengua portuguesa es vista en estas obras como instrumento esencial de conservación y transmisión cultural, pero
también como vehículo de poder e influencia ideológica. La
enseñanza del portugués en los territorios de ultramar apa46
rece ligada a la difusión del cristianismo y a los intereses del
Reino de Portugal.
La clave para interpretar las Décadas de João de
Barros, aquella que une los tres pilares de su narrativa histórica (Cruzada, Comercio y Conquista) es el concepto de
Descubrimiento. La mejor ilustración de la centralidad de
este concepto en las Décadas se encuentra en el pasaje
donde el autor explica como el Rey Don Manuel, a través de
Vasco da Gama y Pero Álvares Cabral, descubrió y tomó
posesión de las “esencias de todo el Oriente”: la
Navegación, que corresponde a la Geografía; la Conquista,
que trata de la Milicia; y el Comercio, que conviene a la
Mercancía (Década I: 13-14 y 228-230). La clave de este
pasaje es la noción de que el rey descubre y toma posesión
de las esencias del Oriente en un solo acto: el
Descubrimiento. El descubrimiento de Asia en João de
Barros es pues sinónimo con la toma de posesión del
Oriente. El descubrimiento sirve así para unir Asia a
Portugal, el Oriente a Occidente.
El humanismo de João de Barros y su apertura al Oriente
están determinados por la voluntad de poder, por el deseo
de incorporar el Oriente a la temporalidad cristiana (al
Cristianismo) y al espacio político portugués (al Reino de
Portugal). El concepto fundamental que le permite realizar
esta incorporación es el concepto de Descubrimiento. La
unidad del mundo facilitada por los descubrimientos portugueses abriría el camino a la unidad de la humanidad bajo
la única fe verdadera, el Cristianismo. La identidad entre
Humanidad y Cristiandad, y el proselitismo beligerante de
João de Barros, convierten su humanismo en imperialismo, o
si se prefiere en un aspecto más del imperialismo portugués.
Las Décadas son, por lo tanto, una obra pionera y un ejemplo paradigmático del Orientalismo – la meta-narrativa que
sirvió (y aún sirve) para incorporar el Oriente a las estructuras políticas, comerciales, e ideológicas de Occidente.
* * *
La Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, publicada por
primera vez en 1614, cuenta las aventuras y desventuras
del autor durante los veintiún años que pasó por tierras
orientales, desde 1537 a 1558. El bajo salario que recibía
como ayudante de cámara empujó a Mendes Pinto a
embarcarse para la India “con pocas ilusiones, pero preparado para todo tipo de aventura” (4). En sus andanzas por
47
Etiopía, Arabia, India, China, Sumatra, y otras partes de
Asia, Mendes Pinto habría sido “trece veces capturado y
diecisiete veces vendido” (2). La obra narra su vida de marinero, pirata, esclavo, comerciante, soldado, jesuita, mendigo y embajador, a la vez que describe la flora, la fauna, los
productos, y las gente del Oriente. El resultado es un texto
a medio camino entre la narrativa histórica y la literatura
romántica, donde el autor aparece como protagonista directo de la historia – no como historiador (como hace João
Barros) ni como espectador (como hace Tomé Pires).
La velocidad con que se suceden los acontecimientos y
el estilo oral, dinámico y vibrante de la prosa de Mendes
Pinto hacen de la Peregrinação una de las obras mayores
de la literatura portuguesa. Mendes Pinto demuestra una
habilidad magistral para hacer sentir lo que cuenta. Su obra
está repleta de imágenes visuales y auditivas llenas e colorido. El vocabulario auditivo es particularmente abundante y
efectivo: música, alborozo, toques de campana, disparos,
toques de trompeta, pregones, bramidos y griterío. El vértigo con que sucede todo, y todo lo que sucede, es de carácter extremo – aspecto que Mendes Pinto cultiva a la perfección, alternando o mezclando lo suntuoso (templos, fiestas
y bellas mujeres) y lo espantoso (conflictos, cautiverios,
crueldades, tiranías, y batallas incruentas con miles de
muertos). La obra de Mendes Pinto es un baile de extremos,
una danza de hombres crueles y bellas mujeres, en un
mundo de guerras y tiranías, de fiestas y de negocios.
Las características que hicieron de la Peregrinação una
obra de indudable valor literario (la ardiente imaginación y
el cultivo de los extremos) así como el hecho de estar basada en la memoria del autor (el texto fue escrito después de
su regreso) llevaron a cuestionar su veracidad durante
mucho tiempo – algo que ha cambiado en tiempos recientes. En cualquier caso, su valor histórico no está tanto en la
exactitud de los eventos que narra sino en lo que nos dice
sobre sus protagonistas, en particular sobre los primeros
conquistadores portugueses en Oriente. La Peregrinação
es una ventana abierta al carácter y al comportamiento de
estos hombres, cuya mezcla de espíritu aventurero, ambición personal y fervor religioso les hizo capaces de grandes
hazañas y grandes crueldades.
El aspecto más destacado de la Peregrinação desde un
punto de vista humanista es la crítica indirecta del clero y la
nobleza de Portugal, así como del comportamiento de los
portugueses en Oriente. Se trata de una crítica indirecta o
48
encubierta porque el autor articula su posición a través de la
alegoría y la voz del Otro (el niño chino y el viejo ermitaño).
Las palabras del niño chino le sirven para criticar la falsa religión, la hipocresía del culto externo sin correspondencia
práctica en la vida cotidiana. Las palabras del viejo ermitaño
le sirven para condenar el comportamiento (e incluso la presencia) de los portugueses en Oriente. El carácter moderno
y relativista de la sátira corrosiva de Mendes Pinto le hace
digno precursor de Montaigne y Voltaire.
El espíritu crítico de Mendes Pinto no impide que la
Peregrinação sea una obra de carácter imperialista y un
ejemplo clásico de Orientalismo. El texto refleja el doble
deseo que caracteriza la aproximación orientalista al continente asiático: la búsqueda personal del hombre occidental
del misterio y la sexualidad oriental, y el fin colectivo de controlar y educar (que por aquel entonces era sinónimo de
evangelizar) el Oriente. Mendes Pinto no deja lugar a dudas
sobre su atracción por las mujeres del Oriente. La omisión
irradiante de lo sexual contrasta con la presencia constante
de las mujeres (siempre muy bellas y muy bien vestidas) y
en cierta manera contribuye a alimentar el deseo por la
Mujer Oriental.
Mendes Pinto, al igual que João de Barros, elabora una
imagen utópica de China. Canta las excelencias de su
clima, su riqueza y su política. Admira su sentido de la justicia y su respeto a la vida humana. China aparece como
una civilización avanzada y liberal, superior en muchos
aspectos a Grecia, Roma y Portugal. China posee una ética
y una cultura superior a la de Occidente. Sin embargo, carece del elemento esencial: el Cristianismo. Mendes Pinto
exploraría la posibilidad de pregonar el Evangelio en China.
Tras su encuentro con el padre jesuita Francisco Xavier,
ingresaría en la Compañía de Jesús, y participaría y financiaría gran parte de la misión jesuita de 1554 al Japón.
La crítica al comportamiento de los portugueses no significaba que Portugal debiera abandonar el Oriente. Mendes
Pinto expresa su decepción porque Portugal no hubiera
dominado antes el Reino de Siam (Thailandia), el cual le
habría dado más provecho y con menos gastos que la India.
Siam tenía entre otras cosas, y en grandes cantidades: plata,
hierro, acero, plomo, estaño, salitre, azufre, seda, índigo,
algodón, rubíes, zafiros, oro, cera, miel, azucar, palo-brasil,
pimienta, canela, jengibre y cardamomo. No sólo era el
Reino de Siam rico en todo esto y mucho más, sino que además era fácil de dominar porque, según revela el autor, sus
49
habitantes “además de ser gente muy débil por naturaleza,
no acostumbran a tener armas defensivas” (758).
El descubrimiento de Asia en la Peregrinação es una
aventura personal, una odisea en la que Mendes Pinto retorna transformado por el Otro. Sin embargo, su apertura al
mundo oriental no está vacía de poder. Poder que se expresa en forma de Deseo. Mendes Pinto es la imagen perfecta
del Deseo: deseo de riqueza, deseo de evangelizar, y
deseo del Otro (o para ser más preciso: de la Otra). Mendes
Pinto confiesa que lo que le llevó a emprender el viaje a la
India fue hacer fortuna. Mendes Pinto se convierte, aunque
sólo de forma temporal, en Caballero de Cristo. Mendes
Pinto revela una atracción casi fetichista por la mujer
Oriental. La Peregrinação es la síntesis perfecta de la aventura de Occidente en Oriente, un tratado magistral sobre la
fuerza que movió al Portugués en el Oriente, y quizá sobre
la fuerza que mueve a la Humanidad: el Deseo.
* * *
La llegada de Vasco da Gama a Calcuta en 1498 constituye uno de los momentos claves de la historia moderna y
de la historia de Portugal. Su viaje contribuyó a echar por
tierra las teorías clásicas sobre la forma del planeta y dio a
Portugal acceso directo a la India, Java, Malaca, China y
Japón. El impacto de los descubrimientos geográficos y el
contacto directo con pueblos orientales fue articulado en
torno a una doble distinción: por un lado, entre lo Antiguo y
lo Moderno; y por otro lado, entre Oriente y Occidente. La
corriente de pensamiento encargada de articular este
momento histórico fue el humanismo de inspiración renacentista. El papel protagonista de los portugueses en los
descubrimientos y en las relaciones con los pueblos asiáticos otorgó un lugar de privilegio al pensamiento humanista
en Portugal. El humanismo portugués puede pues considerarse una pieza esencial para la construcción de la
Modernidad (como un discurso científico de la realidad) y
del Orientalismo (como un discurso eurocéntrico de la identidad-alteridad).
La base conceptual del humanismo portugués fue el
Descubrimiento, y en particular el descubrimiento de Asia.
La idea de descubrimiento sirvió para ordenar, para dar
sentido a la realidad histórica del encuentro entre Portugal y
los pueblos de Asia, y por extensión entre Occidente y
Oriente. El concepto de descubrimiento cumplió una doble
50
función ideológica. En primer lugar, sirvió para legitimar la
autoridad portuguesa en Asia. La idea de que Portugal
había descubierto Asia otorgó una posición epistemológica
privilegiada a Portugal sobre el Oriente. En segundo lugar,
sirvió para neutralizar el carácter imperialista de la presencia portuguesa en Asia. La primacía del término descubrimiento en las narrativas históricas y literarias de la expansión portuguesa sirvió (y aún sirve) para separar la voluntad
de saber (asociada al término descubrimiento) de la voluntad de poder (asociada al término conquista), y por lo tanto
para negar la esencia imperialista de la expansión portuguesa por el Oriente.
El hecho de que la superioridad epistemológica otorgada por el concepto de descubrimiento no se viera trasladada al terreno material, fruto de un balance de poder que
limitaba la capacidad de dominación de los portugueses en
el continente asiático, ha servido para reforzar la visión
romántica de la presencia portuguesa en Asia. Sin embargo, tanto las acciones como las palabras (que son una
forma más de acción) de los portugueses revelan el carácter imperialista de su llegada a la India y su expansión por
Asia. El comportamiento de los marineros y misioneros portugueses así como el pensamiento humanista portugués
reflejan la voluntad de poder que caracterizó la presencia
portuguesa en el Oriente.
La complicidad histórica del humanismo portugués (y
europeo) con el imperialismo, de donde nació y donde se
desarrolló, no significa que debamos abandonar la idea de
Humanidad. El humanismo es susceptible de nuevas erupciones y de un proceso de transubstanciación. Sin embargo, si queremos que este proceso no esté contaminado
desde el principio, es necesario reconocer el pasado imperialista del humanismo, así como la fuerza del deseo (la
voluntad de poder) que subyace a todas las actividades
humanas – un deseo que permite (en tanto que aproxima) y
limita (en tanto que pretende dominar) todo humanismo. Un
estudio crítico detallado y sistemático del humanismo portugués del siglo XVI quizá nos pueda ayudar a comprender
mejor el potencial y los límites del humanismo latino como
puente entre Oriente y Occidente, así como el potencial y
los límites del humanismo en el siglo XXI.
51
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53
ELVIRA AZEVEDO MEA
Universidade do Porto
Facetas do Humanismo português no Oriente
“O Humanismo é a última resistência de que dispomos”.
Edward W. Said (1935-2003)
Este grito lancinante do fim do século XX mostra bem o
desgaste e empobrecimento dum conceito que se foi esvaziando de significado ao longo de cinco séculos, em que foi
vestido e despido de toda uma série de preconceitos.
Ligado, por definição, ao homem e à sua intrínseca dignidade, à medida que esta se foi diluindo, assim o
Humanismo foi sendo vilipendiado à mercê de todo o género de interesses mais ou menos mesquinhos.
Daí, hoje poder constituir-se novamente numa força,
num poder, mas de resistência, daqueles que não querem
de modo algum perder o direito de serem homens com a tal
intrínseca dignidade.
A nível dos povos, sempre que conseguiram passar de
estados a nações, também podemos constatar humanismos próprios da alma de cada povo, que, por sua vez se
filiam em outros mais amplos, como o Humanismo Latino e
o Humanismo Cristão. Humanismos característicos duma
Europa que ainda não conseguiu atingir a essência desse
Humanismo cristão, que pressupõe a universalidade da
dignidade do Homem, pelo que não teve consciência da
sua dimensão como ser livre, o que implicava a aceitação e
respeito pela dignidade e liberdade do outro. Daí que a
Europa na sua expansão, em relação ao resto do mundo utilizasse apenas um mero e formal humanismo latino, onde os
conceitos de cidadania e Direito eram só para alguns.
A própria missionação no seu afã evangelizador, amiúde
esqueceu que a Verdade não se possui nem em seu nome
se pode esmagar a dignidade e liberdade humanas, sem as
quais o Homem deixa de o ser.
É neste contexto que gostaríamos de destacar a
55
expansão e humanismo português que não se fecharam
com a transferência de Macau para a China, evento, onde
exactamente presenciámos a existência de um diálogo,
duma mistura de culturas, bem evidentes na lusofonia.
A nossa expansão foi todo um conjunto de sucessos e
desventuras de quem ousou, mas eivada de todo um sentimento universalista inequívoco, que fez dos portugueses “o
povo dos brandos costumes”. Povo anónimo que chegado
aos trópicos, logo esqueceu o conceito de “família”, apanhou o “mal de África”, ao mesmo tempo que ia fazendo da
língua portuguesa mais ou menos africanizada uma língua
franca, deu-se bem nas lonjuras asiáticas.
O português escambou, escravizou, cristianizou, matou
e amou, mas desse dar, tirar e receber nasceu toda uma
mestiçagem de gentes, culturas e mentalidades.
“Tudo isso é tanto, é pouco para o que quero” e eles quiseram que o mundo fosse um, onde o tomate se tornou
“pomo d’oro”, a mulata uma tentação, o cristianismo afeiçoou as arestas cortantes do pecado, o saber foi de experiência feito.
Sem uma política de expansão nem infra-estruturas
governamentais, a emigração, eminentemente masculina,
virou sinónimo de assimilação e mestiçagem e não perda
de identidade e muito menos decadência. O que não fez o
Estado, a Igreja e as instituições, fez o homem comum, o
aventureiro curioso, ao inserir-se em outros quotidianos em
que tudo era diferente. E talvez porque tudo era diferente e
o Estado estava sempre tão distante, cada um sentiu que
valia por si mesmo, pelo que, sem proteccionismos, as
potencialidades do indivíduo concretizaram-se em função
de si mesmo e duma solidariedade imprescindível para a
sobrevivência, numa liberdade que evidenciou o tal humanismo português.
Assim, para subsistir num meio estranho o português
precisou dos autóctones; a adaptação ecológica e humana
foram simultâneas.
Passado o Oceano, as pressões sócio-religiosas esvaíram-se, escrúpulos e preconceitos desvaneceram-se, o fascínio do diferente determinou uniões; passou a imperar o
instinto, meio de dasafogar as angústias e compensar as
inseguranças. Numa mestiçagem, também mental, diminuíram os antagonismos entre o que era e o que devia ser.
Todavia o continente asiático não correspondeu do
mesmo modo a esse fascínio do diferente, na Índia os portugueses conseguiam apenas unir-se com mulheres oriun56
das dos estratos mais baixos das populações, como prostitutas e bailadeiras.
Afonso de Albuquerque, interessado no “enxerto de
homens”, a única forma de manter a terra com segurança,
conseguiu, depois de muita insistência, pela incompreensão total do rei, instituir um regime de dotes para os
indivíduos que conseguissem casar com indianas fora
desse círculo mais baixo da sociedade, missão quase
impossível, dado o sistema de castas.
No extremo oriente as dificuldades foram ainda maiores,
dado que não houve domínio de nada nem de ninguém, o
próprio epíteto de “bárbaros” passou para os portugueses,
“gente de raça branca, de alto nariz, os olhos verde-escuros,
mas sem brilho. Não deixam crescer a barba e o cabelo e
quer seja preto ou branco, deixam-no cair da cabeça até ao
pescoço, onde fica pendendo encaracoladamente ou solto.
Os que possuem escravos julgam-se importantes”1.
Apesar de em 1596 um holandês asseverar ser “a ilha e
cidade de Macau habitada por Portugueses misturados
com Chineses”2, a verdade é que as uniões mais ou menos
legais se realizaram com hindus, malaias, chinesas, japonesas e africanas, escravas, raptadas ou compradas.
Mesmo se o comércio de mulheres era normal na região,
acontece que, com a desculpa de as fazerem cristãs, os
portugueses tanto casavam como tinham em casa várias3, a
título de criadas, afilhadas, até porque depressa preferiram
as chinesas e japonesas às outras, devido às suas qualidades e trato4.
A situação de barregãs e provavelmente também a conversão levaram os chineses a protestar, levando a coroa a
proibir tal tráfico, pois poderia prejudicar o comércio com a
China, proibição renovada em 1614 pelo vice-rei, D.
Jerónimo de Azevedo, mas sem grandes resultados até
quando, em 1749, o Código Penal chinês passou a ser aplicado na cidade.
Com efeito, era comum os chineses pobres venderem
os filhos; por outro lado em pleno século XVII há várias
referências ao povoamento de Macau, destacando-se a
participação de mulheres chinesas, consideradas belas,
formosas, mas recatadas5.
Tomé Pires descreve-as assim na “Suma Oriental”:
“As mulheres parecem castelhanas, têm saias de refugo
e coses e sainhos mais compridos que em nossa terra, os
cabelos compridos enrodilhados de gentil maneira em cima
da cabeça e lançam neles muitos pregos de ouro para os
57
ter e a redor predaria, quem a tem, e sobre a moleira jóias
de ouro e nas orelhas e pescoço, põem muito alvaiade nas
faces e arrebiques sobre ele e são alcaforadas que Sevilha
lhes não leva a vantagem e bebem como mulheres de terra
fria, trazem sapatos de pontilha de seda e brocados, trazem
todas abanões nas mãos, são da nossa altura e delas umas
tem os olhos pequenos e outras grandes. E narizes como
hão-de ser”6.
Cerca de 1620 Macau constituía-se uma praça-forte, em
franco crescimento e progresso, captando um interesse
redobrado por parte dos holandeses, que tudo fazem para
suplantar comercialmente os portugueses e das autoridades de Cantão que proíbem a residência a japoneses e
põem limite a construções.
Não obstante a conjuntura complexa que os holandeses
desencadeiam em prol duma posição na região, em 1625,
Manuel Severim de Faria confirma que:
“Com os chinas estão os nossos em grande amizade,
por que vendo o Rei a grande liberalidade com que os de
Macau o socorreram, para a guerra dos Tártaros, mandando-lhe artilharia, munições e oficiais destes misteres, agradecido, deu privilégio (aos moradores de Macau) de naturais da China, e licença para se fortificarem contra os holandeses, e juntamente os declarou por seus inimigos”7.
Em 1635, António Bocarro define Macau como “uma das
mais nobres cidades do Oriente... e de mais número de
casados... oitocentos e cincoenta portugueses, e seus filhos são muito mais bem dispostos e robustos que nenhuns
que haja neste Oriente; todos têm uns por outros seis escravos de armas de que os mais e melhores são cafres e outras
nações... Além deste número de casados Portugueses tem
mais esta cidade outros tantos casados entre naturais da
terra, chinas cristãos que chamam jurubassas de que são
os mais, e outras nações, todos cristãos... Tem além disso
esta cidade muitos marinheiros pilotos e mestres portugueses e os mais deles casados no Reino, outros solteiros que
andam nas viagens de Japão, Manila, Cochinchina, desses
mais de cento e cincoenta... Têm mais cento e cincoenta
soldados em que entram dois capitães de infantaria e
outros tantos alferes e sargentos...”8.
Este Macau do século XVII é inédito no âmbito da
expansão portuguesa: sujeito a uma outra potência, em termos de território, de possibilidades de comércio (em 1631,
por exemplo, fecham o comércio no estuário, em 1666 proibição de escambo com toda a China), com os portugueses,
58
como bárbaros, a sofrerem uma certa discriminação, pelo
que a miscigenação, salvo raríssimas excepções, se faz
com mulheres compradas ou raptadas.
Em pleno século XVIII, como descreveu o Padre André
Pereira, em 1737, as mulheres chinesas “...são tão retiradas
que não há portugueses de ver nenhuma... são castissimas
para connosco, entende-se a gente grave e mulheres de
mercadores...”; quanto ao traje das mulheres chinesas não
posso dizer muito porque não vi nenhuma à excepção das
da classe pobre; as mulheres são muito ataviadas...”9
A China era outro mundo, terrífico, incompreensível mas
fascinante, definitivamente esmagador. Quem a conhece
não deixa de maravilhar-se com a sua civilização superior, o
seu requinte, a complexidade e perfeição das instituições, é
a “monarquia do mundo”, diz Fernão Mendes Pinto.
Camões esclarece que:
“O rei que têm não foi nascido
Príncipe, nem dos pais aos filhos fica,
Mas elegem aquele que é famoso
Por cavaleiro, sábio e virtuoso”10.
Duarte Gomes Solis, um dos homens de negócio mais
esclarecidos do seu tempo, aponta a China como “a mais
célebre e famosa província de todo o universo, porque não
há nação no mundo que a iguale”, um modelo, em que
graças às suas manufacturas era o centro da prata no
mundo, a política fiscal razoável e justa, a justiça eficiente.
“Por estas razões se atrevem os chineses a dizer que
todas as nações do mundo não têm mais que um olho, e
eles dois, pois só desta monarquia se sabe, de eternidade,
não ser entrada por outras nações nem arruinada pelos
costumes estrangeiros que tanto mal fizeram a outras
monarquias”11.
Realmente, apesar da discriminação, inerente à sua própria mentalidade, que votava aos estrangeiros, a China tolerava os portugueses, como já apontámos, provavelmente
porque estes depressa compreenderam que havia que
ajustar-se a essa outra forma de sentir, de estar, de viver.
Daí um certo cuidado em não ferir as susceptibilidades
dos chineses, (mesmo se estes não estão particularmente
interessados no assunto), pelo que, entre outros aspectos,
uma missionação muito especial se delineia.
Com efeito, utilizam-se as estruturas já experimentadas
na Índia, simplesmente a realidade é outra, e houve que
adaptar – o território era minúsculo e havia que manter um
contingente populacional que, cristão ou não, trabalhasse e
se ocupasse em diversos serviços.
59
Assim, o papel do Padre Pai dos Cristãos de Goa, figura central da conversão e catequização dos gentios, com
grande poder religioso e civil, não tem o correspondente em
Macau (pelo menos como figura de peso na sociedade),
pelo que, em 1715, perante o problema que se põe com as
serviçais chinesas (meninas e mulheres), que anualmente
aportavam a Goa para trabalharem por conta de outrem
durante um determinado prazo, e que frequentemente ficavam para sempre, por falta de controlo, verifica-se que o
interlocutor do Pai dos Cristãos de Goa é alguém do foro
civil, “governador, ouvidor, comissário e mais ministros”12.
A questão da escravatura feminina (proveniente da
China e do sudeste asiático) parece ser uma pecha na presença portuguesa no Extremo Oriente, pois em 1725 é o
vice-reitor da Igreja no Japão, Padre Jacob Greff, quem
pede ao Senado macaense que ponha cobro à situação, já
que então tal comércio era feito por chineses e macaenses,
não obstante a proibição sistemática e a excomunhão do
bispo, como é o caso de Frei Hilário de Santa Rosa.
Novamente em 1733 a Igreja insurge-se contra o crescente
tráfico de mulheres.
No entanto, por parte da Coroa houve sempre uma atitude ambígua, pois sistematicamente se interditou ao Pai
dos Cristãos a possibilidade de retirar estas escravas aos
seus donos, como delibera D. João V.
A “pressão feminina” parecia ser uma das causas
desestabilizadoras da cidade, levando a que os prelados
pressionassem o Senado para ser mais severo e determinar
“bárbara e nula a referida escravidão”.
Em pleno século XIX, como, por exemplo, em 1832 e
1870, os mandarins também se rebelam contra esta escravatura feminina, em que até os mouros usufruíam dela, mesmo
se muitas vezes eram os pais a venderem as filhas, simplesmente faziam-no em condições de extrema necessidade e
pensando que a servidão era temporária, como vimos.
No campo das instituições, destaca-se o Senado que
em 1580 se arroga no direito de “prover os cargos nas pessoas do povo natural”13, tendo o seu procurador, a partir de
1584, por ordem do imperador Chin-Tsong (Van-li), o grau
de mandarim, para em representação do Senado, ser o
interlocutor com o governo de Cantão.
Mediante eleições trienais, os macaenses elegiam os
seus vereadores informando então o vice-rei dos respectivos resultados, sem deixar qualquer margem a uma interferência por parte da autoridade máxima, o vice-rei de Goa,
60
até porque, como se fazia então questão de esclarecer,
Macau não tinha custado nada à Coroa portuguesa.
Em 1593, o Senado em carta para Lisboa refere: “se
acha este povo tão livre, que os que nele temos a cargo
governar, não nos é possível mais que governar pelos ditames de seu querer”, dado que, realmente, o povo vigiava-o.
Com efeito, criaram sanções morais, depois legais
(1689) para quem se furtasse a cumprir os cargos ou os
ocupasse mal, cabendo a presidência rotativamente a cada
um dos três principais que regiam o Senado.
Sempre que a gravidade da situação o exigia, decidia-se em conselho geral, constituído também pelas autoridades religiosas e militares e notáveis convocados.
Assim se manteve, superando ao longo dos tempos
todos os conflitos de poder mais ou menos graves, tanto
com o poder religioso como com o militar.
Deste modo, Macau conseguiu criar uma instituição inédita na História do Municipalismo português, algo a que,
dadas as especificidades muito particulares, a Coroa
aquiesceu em dar-lhe uma ampla autonomia, que lhe conferiu a maleabilidade precisa para jogar com poderes e culturas tão díspares. Raramente houve confronto entre poder
central e Senado, o qual, sem abdicar da sua autonomia
administrativa, sempre apoiou o reino em épocas de crise e
comungou dos seus momentos de festa, atitude que, tanto
quanto parece, deixava perplexos e algo sensibilizados os
mandarins de Cantão.
Não é por acaso que a designação de colónia, ou melhor, “colónia interessante” é usada apenas em documentação portuguesa de Goa ou Lisboa.
Macau, ano após ano, foi capitalizando sabedoria de
modo a criar um “modus vivendi” pacífico com uns e outros,
particularmente com a China:
“Para esta cidade se conservar é necessário viver-se
com quem está em terra alheia, e depende de sua vontade
e não mostrar lha querem ou lha podem tomar...”14.
“É necessário dissimular quanto puder ser por se não vir
a rompimento com eles, pois a China de guerra não
serve...”15.
Daí a incompreensão e até certas exigências de Goa ou
de Lisboa que não podiam ser cumpridas, como aconteceu
aquando do julgamento dum marinheiro de Manila, em que
o governo de Lisboa, em 1793, não entendia “um Senado
quadrilheiro dos Mandarins”16, recriminando “o vil abatimento de se prosternarem (às vezes) os Vereadores, baixando
61
sete vezes a cabeça perante os mandarins que iam à sua
casa, quando semelhante demonstração não a deviam os
Portugueses fazer a Nação alguma, nem os cristãos mais
que a Deus”17.
Decerto que havia que tratar tudo com muita prudência
e tacto, “para com os chinas muita indústria e inteligência”,
de modo específico com os seus interlocutores directos, de
quem Macau realmente dependia, os mandarins de Cantão,
já que Pequim, não obstante toda a utopia criada, esteve
sempre para lá da sua compreensão, mesmo se Macau foi
sempre o “átrio privilegiado das missões”.
“Dar-se parte aos mandarins” foi a estratégia utilizada
perante a intromissão de franceses e ingleses, qualquer
que fosse.
“A cidade admitiu sempre assim uma dupla responsabilidade, um duplo compromisso, com os superiores de
Lisboa e com o governo china”18. Daí, desde 1583, a procuradoria dos negócios sínicos que teve à sua disposição um
vereador para ser o elo de ligação com os chineses, depois
acumulando as funções de juiz.
Como “átrio privilegiado das missões” Macau ficou um
pouco refém da auréola mais ou menos positiva dos missionários que iam para Pequim, embora poucas vezes a sua
acção ou influência fossem determinantes para os macaenses, até porque, geralmente o seu foro de influência não
chegava à esfera do poder e muito menos ao imperador.
Houve excepções, como a ajuda militar prestada à fragilizada dinastia Ming, na primeira metade do século XVII,
mediante a intervenção dum conselheiro, Paulo Hsu Kuangch’i, convertido ao cristianismo pelo Padre Mateus Ricci.
De 1621 a 1647, bombardas, soldados, especialmente
artilheiros, capitães vão para Pequim, estacionam em
Cantão ou defendem cidades contra os tártaros. Foram
onze as prestações de auxílio, que transitaram para a
História portuguesa como se se tratasse duma constante,
que na realidade não passou duma excepção, coroada por
medidas também excepcionais, como em 1653, o monopólio de comércio com Cantão (pelo imperador Kang-hi), até
1685, quando se torna extensível a todos os estrangeiros.
Foi uma época de ouro que se explica em grande parte
pelo declínio da dinastia Ming (no poder desde 1368), que
não controla perfeitamente todo o território e daí até a abertura à missionação que não é propriamente considerada
como tal.
Os jesuítas têm depressa consciência disso, como se
62
denota pelo depoimento do padre Alexandre Valignani:
“É este reino da china mui diferente de todos os mais reinos e províncias orientais e parece que ao entrar-se nele se
entra num mundo novo. Tem muita semelhança com a
Europa e ainda se lhe avantaja em muitas coisas: é a China
coisa muito grande e de um só rei mais rico e obedecido que
quantos reis e senhores há no mundo. Este reino é de gente
de grande entendimento e muito dada às letras e têm suas
cidades muito populosas e ricas; é grandíssima a justiça e a
paz entre eles; é a mais apta que há na terra para se semear nela a palavra de Deus com o maior proveito: todavia
têm, por toda a parte, de tal modo fechadas as portas ao
Evangelho que parece humanamente impossível encontrar-se modo para se pregar... e por mais que os padres, desde
há muito, intentem entrar na China e ter licença para estar
em Cantão nunca o puderam alcançar a não ser durante o
tempo em que lá estejam os portugueses”19.
Realmente, explicar o que era o Cristianismo era praticamente uma missão impossível, não só pela sua conceptualização como pela própria forma como a civilização chinesa
considera a vida e a religião.
“Para as classes cultas do império, a religião não era
essencial à vida quotidiana. Se existiam deuses haviam
sido inventados pelos homens para os servir, não eram os
deuses que criavam os homens, eram os homens que criavam os deuses. Por norma, os chineses mostravam-se tolerantes face à crença de cada um. Haviam-se habituado a
assistir à prática dos cultos mais diversos, a divindades,
espíritos, animais e mesmo a montanhas que elevando-se,
imponentes, uniam a terra ao céu. Os crentes, sobretudo ao
nível da religiosidade popular, eram mais supersticiosos
que religiosos e, acima de tudo, pragmáticos. Se o deus ...
lhes concedia tal graça, era um bom deus. Caso contrário,
substituíam-no facilmente por um outro deus.
Os mandarins do império haviam sido moldados nos
princípios da moral de Confúcio (551 a.C. - 476? a.C.), nas
rigorosas mas raramente cumpridas regras de conduta
deste filósofo, que consideravam uma espécie de santo
pagão.
O velho mestre ensinava que a sociedade devia caminhar em direcção à Da – He, a “Grande Harmonia” entre
todos, e o equilíbrio com tudo o que nos rodeia.
Considerando boa a natureza humana, os homens deviam
permanentemente corrigir os seus erros e, pela via da sabedoria, procurar ser felizes na terra, não no céu, realidade
63
por demais distante e mal conhecida. Por isso, tanto
empenho na arte de viver”20.
“... Considerava-se o Cristianismo como uma religião
estrangeira alheia às tradições do universo chinês. Não
devia ser apoiado mas, demonstrando a sua superioridade
sobre os povos ‘bárbaros’, o imperador faria da condescendência e tolerância o modo normal de lidar com as
questões relacionadas com mais esta estranha crença e
doutrina religiosa.
O cristianismo era o produto da cultura dos homens vindos dos distantes mares do Ocidente. Os missionários
estrangeiros eram gente sem coração, não tinham esposas
nem filhos, abandonavam os seus pais, a sua família e a sua
pátria para procurar abrigo junto da superior civilização chinesa. Os europeus deviam ser olhados com curiosidade e
sobretudo com desprezo e ironia”21.
Assim, a divisão da China em dioceses ou os projectos
e estratégias de missionação gizados na Europa eram algo
de estapafúrdio, absolutamente ignorado pelas autoridades
imperiais, que, já por si desconfiando e monosprezando os
estrangeiros, jamais aceitaram qualquer interferência, por
mínima que fosse, na política e sociedades chinesas.
Criaram-se assim uma série de mitos por parte de chineses e portugueses, muitos dos quais ainda permanecem
nas mentalidades de ambos os povos. No caso dos portugueses é ainda mais fascinante perceber que os poucos
que viveram na China, nomeadamente os missionários,
lograram construir todo um mundo de “faz de conta” para
consumo em Portugal. Na realidade, até por uma questão
de defesa própria, eles nunca poderiam confessar que o
seu principal objectivo era algo que não contava e era e
devia ser ignorado pelas autoridades chinesas. Eles próprios, se conseguiam singrar e ser conhecidos na corte,
nunca o eram como missionários e menos ainda como
representantes de quem quer que fosse, mas meros e
modestos artífices ao serviço do imperador, o Filho do Céu.
Servimo-nos do exemplo de D. Frei Alexandre Gouveia,
bispo de Pequim, que depressa se apercebeu que a China
real não era a imaginada em Lisboa ou mesmo Macau.
Logo em 1786 explica ao ministro:
“... Os missionários Europeos, admitidos aqui a titulo de
servirem o Imperio nas Mathematicas e artes de Pintura e
Relojoaria, teem estado muitas vezes em perigo de serem
expulsos por meras suspeitas que os chinas teem de algumas outras intençoens como a de pregar a Ley de Christo.
64
O Imperador lhes dá um kolao e trez mandarins subalternos
para os governarem.
Ao kolao raras vezes se pode falar e nunca a elle fazer
representação alguma, mas somente por meio de trez
subalternos, sucessivamente...
Pello q. a mim respeita, eu tendo entrado na qualidade
de Mathematico não faço aqui figura differente do resto dos
Missionarios Europeos e se bem que os Ministros avizados
pello Vice-Rey de Cantão sabem ser eu o Superior dos
Europeos e dos Chinas Cristãos, nunca contudo me reconhecem tal nem me dão tratamento distinto”22.
Ao amigo, D. Frei Manuel do Cenáculo, foi mais longe:
“A respeito da minha comissão, eu como não entrei com
este character de embaixador em nada posso beneficiar
Macao. A nossa Côrte está totalmente às escuras a respeito das cousas da China”23.
A Corte estava às escuras, mas, como vemos, também
D. Frei Alexandre Gouveia não quer fazer muita luz porque
não lhe convém. Tal como aconteceu com outros, durante
os primeiros anos não se coibiu de realçar a sua missão e
importância do cargo no meio de “gente bárbara e ignorante do brilho da Europa”.
Ainda em 1786 pinta um cenário de maravilha:
“Estas Christandades são mui doceis e obedientes às
obrigações dos Prelados. As funçoens do Culto Divino q. eu
procuro se façam na Sé com pompa e majestade possivel e
q. não cedem às sés do Reino, são um attractivo eficaz e
produtivo de muitas conversoens. Eu celebro pontificalmente em todas as festas do Sabhact e Nª. Sr.ª, de St.ª Clara,
em dia de N. P. S. Francisco, na qual dou Benção Papal. E
he para edificação ver mil e mais pessoas concorrerem à
Cathedral e estarem de joelhos, assistindo a humas funçoens tão longas, as quaes acabadas eu tenho huma grande importunidade de parte dos Christãos q. querem todos
tomar-me a Benção ao sahir da Egreja, e q. me fazem gastar muito tempo para deixar todos consolados. Não vi no
reino tanta devoção aos Bispos. Nenhum china se atreve a
falar ao seo Bispo senão de joelhos, e he hum grande trabalho com os Nobres e Ministros, conseguir q. se levantem
e falem de pé. Seriam os chinas huns fervorozos Christãos
se não tivesse havido escandalos, nascidos das controversias q. desde cem annos vexaram estas Egrejas. Eu procuro remediar quanto posso, prego em todas as Funçoens
Maiores, estou pronto para quem quer confessar-se comigo
desde o principio deste anno em q. fiquei suficientemente
65
instruido na Lingua China, de hum duro e rude trabalho de
hum anno inteiro que gastei em aprender e falar. Agora também aprendo a ler e escrevê-la”24.
Segundo os especialistas parece haver neste trecho
como noutros um colorido irreal, na medida em que seria difícil considerar quem era nobre e se por caso houve ministros,
ou seja, mandarins importantes cristãos, é estranho que não
tenham sido explicitamente referidos e aproveitados como
pilares de base e sustentação da obra missionária.
Por seu turno, como aponta António Abreu, será que em
ano e meio o bispo aprendeu chinês que bastasse para pregar, confessar, etc.?
D. Alexandre de Gouveia contou e possivelmente acrescentou no que podia e queria contar, de resto é muito contido, como acontece, por exemplo, quanto a números de
conversões e catecúmenos ou relativamente aos bens de
que dispunha para a sua gestão e administração dum bispado que ia até Nanquim, pois não lhe convinha apresentar
uma situação de desafogo ou até de riqueza, dados os imóveis que geria, sobretudo as propriedades que tinham pertencido aos jesuítas.25 É que, apesar do atraso, recebia da
metrópole a sua côngrua de bispo e algum dinheiro proveniente do Senado de Macau, talvez ainda com uma réstia
de esperança em vir a receber o legado de 600 mil réis
anuais, que em 1754 a rainha D. Mariana de Áustria deixara para as missões da China, que até então nada tinham
recebido26.
No entanto, como mandarim, vice-director do Tribunal
Matemático e não presidente, como fizera saber em
Portugal, D. Frei Alexandre Gouveia conseguiu desmantelar
os objectivos da primeira embaixada inglesa que se desloca à corte imperial de Pequim em 1793.
Contrapondo à arrogância da embaixada, que oferecera ao imperador um planetário, uma novidade total para
todos, que demorara um mês a montar, D. Frei Alexandre de
Gouveia e os seus colegas portugueses, tiveram apenas
que informar o imperador que se tratava dum aparelho
alemão com peças já usadas, de segunda mão, para fazer
cair por terra toda as esperanças britânicas, que com muita
pompa, mas sem diplomacia, tinham apresentado em
Pequim toda uma série de propostas para abertura dos portos chineses aos ingleses, uma embaixada permanente e
privilégios fiscais.
A missiva de Qianlong a Jorge III é significativa:
“Tu, ó Rei, que vives para além dos mares, instigado
66
pelo modesto desejo de partilhar os benefícios da nossa
civilização, enviaste uma missão que respeitosamente trouxe o teu memorial. Examinei com atenção esse memorial
cujos termos, pelo seu fervor, revelaram uma humildade respeitosa da tua parte, muito por respeitar.
... Sobre a tua súplica para envio de um dos teus nacionais para ser acreditado junto da minha Corte Celeste para
ficar a cuidar do comércio do teu reino com a China, não é
possível atendê-la por ser contrária aos usos da minha
dinastia. Se, como afirmas, o teu respeito pela nossa
Celeste Dinastia fez nascer em ti o desejo de adquirir a
nossa civilização, tu não poderias transplantar as nossas
maneiras e costumes para o teu solo estrangeiro.
... Se eu ordenei, ó Rei, que se aceitassem os tributos
que enviaste, foi apenas em consideração por aquele espírito que te levou a mandá-los de tão longe.
As virtudes majestosas da nossa dinastia penetraram
em todas as terras debaixo do Céu e os reis de todas as
terras têm ofertado os seus valiosos tributos, despachando-os por terra e pelos mares. Eu não atribuo valor algum a
esses estranhos e engenhosos objectos e não encontro uso
para as manufacturas do teu reino pois, como o teu embaixador pode constatar, nós possuímos tudo”27.
Era óbvio o desconhecimento mútuo, o que acontece
também em Macau, onde, não deixa de ser curioso, ainda
em 1802, quando uma esquadra inglesa se preparava para
desembarcar em Macau e tomar a cidade, o Senado pede
ajuda ao bispo de Pequim, que, perante tal emergência não
hesitou em enviar uma representação ao “primeiro ministro
de Estado”, um audacioso salto no costume, uma ingerência nítida na política chinesa. Mesmo se tal atrevimento não
foi bem aceite, a situação acabou por não ter repercussões
graves, na medida em que os chineses se aperceberam
que a intromissão inglesa era ainda muito mais gravosa,
pondo em risco os interesses e soberania do Império
Celeste.
O desejo do bispo de Pequim de comunicar com os
seus compatriotas, falando da China e dos chineses, foi
esmorecendo à medida que se ia compenetrando que não
valia a pena porque nunca regressaria à pátria nem esta se
interessava com as suas preocupações, o declínio da
acção missionária por falta de padres, que, não obstante
tantas promessas nunca chegavam, podendo passar para
as mãos dos franceses a direcção de toda a missionação.
Possivelmente a gradual percepção da cultura chinesa
67
foi-lhe evidenciando a distância da sua própria cultura e um
distanciamento dos seus compatriotas.
Como diz António Abreu, alguém que o conhece bem,
“foram anos e anos de vida em Pequim, experimentando
algumas alegrias, inúmeras decepções, frequentemente a
falar mais com Deus e com os livros do que com os
homens”28.
Com efeito, D. Alexandre de Gouveia era um homem
entre dois mundos, apercebendo-se certamente com o passar dos anos que na realidade não pertencia a nenhum.
Com amargura concluía: “Em Lisboa, em Goa nada, absolutamente nada se sabe da China e o maes he q. o mesmo
Macao ignora o sistema deste Imperio”29.
A poeira do tempo fez esquecer D. Frei Alexandre
Gouveia e a sua obra, mas as suas palavras permanecem
actuais, o desconhecimento da China e até de Macau é
ainda uma constante na cultura portuguesa.
Tendo por base aquele humanismo português, universalista, que nos legaram o português marinheiro, comerciante,
missionário, amante, talvez possamos cumprir um destino
que nos juntou há quinhentos anos nesta cidade do santo
nome de Deus de Macau – “esforçarmo-nos por compreender” a China e os chineses, a começar por aqueles que já
vivem na nossa cidade, sem mitos, preconceitos ou outro
qualquer tipo de discriminação.
68
Notas
(1) Tcheong – U – Lãm e Ian - Kuong – Iâm, Ou – Mun Kei-Leok,
Monografia de Macau, Lisboa, Quinzena de Macau, 1979, p. 207.
(2) Jan Huygan van Linschoten, Itinerário, Voyage ofte Schipveert van J.
H.v. L.naer Cost Ofte Portugaels Indien, Amsterdam, 1596, cit. por Almerindo
Lessa, A História e os Homens da Primeira República Democrática do
Oriente. Biologia e Sociologia duma Ilha Cívica, Macau, Imprensa Nacional,
1974, p. 102.
(3) Não deixa de ser significativo que o Padre Francisco de Sousa considere que as mulheres para os portugueses eram como que uma droga,
“compram esta droga (as mulheres) em várias províncias do Oriente, com o
pretexto de as fazerem cristãs... cada um sustenta em sua casa um convento de mulheres”.
Oriente conquistado a Jesus Cristo pelos Padres da Companhia de
Jesus da Província de Goa, I Parte. Conquista IV, Div. II, ref. 94.
(4) Note-se que segundo o Padre Afonso Sanchez, em Macau em 1582,
“os portugueses de Macau casam-se com mulheres diversas mais facilmente que com portuguesas, pelas muitas virtudes que as adornam”.
Carta a Filipe I, in Almerindo Lessa, op. cit., p. 106.
(5) “As mulheres portuguesas, as mais delas são chinas ou têm parte
disso”, informação de 1625 do frade que dirigia a botica do Colégio de S.
Paulo, J. Caetano de Sousa, Macau e a Assistência, Lisboa, 1950, p. 28.
Entre outros, o Padre Álvaro Semedo afirmou. “de modo particular ganhavam nas províncias do sul... o título de formosas...”.
Relação da Grande Monarquia da China, trad. de L. Gonzaga Gomes,
Macau, 1956, I, p. 70.
(6) Summa Oriental, Londres, Hakuyt, 26, p. 393.
(7) Relação Universal do que sucedeo em Portugal, e mais Províncias do
Occidente e Oriente, desde mês de Março de 625 até todo Setembro de 626.
Contém muitas particularidades, e curiosidades. Ordenada por Francisco
d’Abreu natural da cidade de Lisboa. Braga, 1627, p. 7.
(8) História da Índia, Década XII, Lisboa, Ed. Academia de Sciencias,
1876, p. 120.
(9) Carta de 10 de Maio de 1737. Ref. Por Artur Viegas, “Ribeiro Sanches
e os Jesuítas. Amigo ou Inimigo?”, Revista de História, 9, (16), 264, 1920, cit.
por Almerindo Lessa, op. cit., p. 105.
(10) Obras Escolhidas, vol. V. Lisboa, 1973, p. 250.
(11) Alegación en favor de la Compañia de la India Oriental, Lisboa,
1955, p. 62.
(12) Wicki José, S.J., O Livro do “Pai dos Cristãos”, Lisboa, Centro de
Estudos Históricos Ultramarinos, 1969.
(13) Curiosamente só conhecemos uma lei de 1624, determinando que
os naturais, sendo cristãos, estavam em paridade com os demais vassalos
do rei, para habilitação em cargos, empregos, ofícios e honras... è nesse ano
que o rei lembra ao vice-rei da Índia, o Conde de Ega, que os chinas de
Macau não podiam nem deviam ser escravos, segundo lei de 19 de Fevereiro
de 1624.
(14) Termo do Leal Senado de 13/4/1690, feito em junta de Homens Bons
sobre se haverem de dar ao mandarim de Hian-xan 2400 taéis; 30/11/1748,
sobre o impedimento da subida das fazendas para Cantão.
Citado por Almerindo Lessa, op. cit., p. 295.
(15) Biblioteca Pública de Évora, “Relação do Princípio que teve a cidade...”, Papéis do Marquês de Alenquer, Ms., CV/2-7, fl. 75.
(16) Carta do Secretário de Estado de 27/1/1793.
69
(17) Biblioteca de Macau, Ms. Add. 20, 906, fl. 255 .
(18) Parecer do Governador ao Leal Senado em 21/6/1806.
(19) Biblioteca de Macau, Ms. Add. 9852.
(20) António Graça de Abreu, D. Frei Alexandre de Gouveia, Bispo de
Pequim (1751-1808). Contribuição para o Estudo das Relações entre
Portugal e China, Lisboa, 2004, pp. 108-109.
(21) Idem, ibidem, pp. 112-113.
(22) Arquivo Histórico Ultramarino, Macau, caixa 17, doc. 46.
(23) Biblioteca Pública de Évora, CXVI/2-7, nº. 40.
(24) Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa, Manuscritos vermelhos, cod. 907, p. 23.
(25) Ver António Graça de Abreu, “Os bens dos últimos Jesuítas de
Pequim”, in Actas do Congresso “A Companhia de Jesus e a missionação no
Oriente”, Lisboa, Fundação Oriente e Brotéria, 2000, pp. 225-234.
(26) Este legado rendia um juro anual de 30.000 cruzados, que foi desviado para outros fins e, por conseguinte, nunca foi utilizado para o fim em
vista.
(27) Albertino dos Santos Matias, China de Confúcio a Mao Tsé-Tung,
Mem Martins, Europa América, 1967, p. 200. Transcrita na obra de António
Abreu, cit, p. 148, onde o autor refere que foi tal a estupefacção e o cuidado
em não melindrar o rei, que os sinólogos preferiram uma tradução livre,
dando outro tom e contornos à carta do imperador chinês.
(28) Op. cit., p. 192.
(29) Idem, ibidem.
70
ANA PAULA LABORINHO
Universidade de Lisboa
Da descoberta dos povos ao encontro
das línguas: o português como língua
intermediária a Oriente
Uma das razões que nos junta neste encontro de Macau
será o reconhecimento de que o português – língua e cultura – representa ainda hoje, no Extremo Oriente, uma história
partilhada que permanece no vocabulário de muitas línguas
da região.
A chegada dos portugueses à Índia, em 1498, dá início
a um frutuoso processo de trocas culturais que se alargam
na medida dos novos espaços explorados e da sedimentação da presença portuguesa nas suas múltiplas vertentes
(política, económica, espiritual). Como bem sabemos pelas
memórias deixadas nas línguas asiáticas, o português foi
utilizado como língua franca entre os diversos actores que
se moviam numa geografia da Índia ao Japão, não servindo
apenas para entendimento entre europeus e asiáticos, mas
também entre os vários europeus e os vários asiáticos.
Mas, além deste uso imposto pelas necessidades do
quotidiano, que outras políticas de língua foram induzidas e
que outros territórios a “questão da língua” invadiu?
Ao contrário da restante Europa, as políticas expansionistas de Portugal e Espanha decidiram o ensino do português e do castelhano aos novos povos conquistados, o que
decerto terá contribuído para o movimento de gramaticalização das duas línguas. A par desta estratégia, uma outra
conviverá: a aprendizagem das “línguas peregrinas” –
essencial no caso das civilizações mais avançadas, pouco
disponíveis para acolher línguas bárbaras.
No caso do Extremo Oriente, reconhecemos dois movimentos que, mesmo percorrendo direcções contrárias, conseguirão uma complementaridade exponencial: o ensino do
português aos novos povos descobertos enquanto
expressão dos poderes imateriais do império1, e a aprendizagem das línguas asiáticas como parte de uma estratégia
de aculturação, sobretudo desenvolvida pelo esforço mis71
sionário2. Se o ensino da língua a estrangeiros faz desenvolver métodos e impõe uma acelerada sistematização do português, a abertura às línguas asiáticas rapidamente extravasa da feitura de manuais, gramáticas e dicionários para
as reflexões sobre o relativismo cultural ou a possível simetria entre modelos linguísticos e organização social.
1. A questão da língua na estratégia do império
A chamada “questão da língua” representou uma discussão de grande âmbito em que se envolveram os humanistas de diversos países europeus, sendo os diferentes
pontos de vista muito determinados pelos interesses nacionais. Em termos gerais, a reflexão sobre os problemas da
língua articulava filosofia e gramática, visto que a sistematização linguística implicava questões de lógica e a gramática era entendida como componente essencial da filosofia.
Assim se explica o movimento de gramaticalização das línguas vulgares que, por este meio, procuravam adquirir a
dignidade da língua-mãe latina. Se o humanismo recupera
o estudo do latim e retoma o seu uso, valoriza igualmente as
línguas novilatinas enquanto meios expressivos tão capazes como as línguas clássicas.
É preciso, porém, referir que as posições acerca desta
questão não eram unânimes, não só pelos diferentes interesses nacionais, mas porque houve posições divergentes
em cada país.
Em Itália, a defesa do latim procurará um efeito político,
pois a glorificação de Roma apelava a uma unidade cultural que a decadência e a divisão das cidades-estado italianas contradiziam. Mas esta discussão terá também importantes repercussões noutros espaços europeus pertencendo ao humanista Lorenzo Valla (1407-1457)3 um dos mais
divulgados manifestos sobre a questão: entre os seus trabalhos figura uma gramática em latim – Elegantiarum
Latinae linguae libri sex (1471) – que servia de obra de consulta a quem pretendesse escrever com elegância evitando
os barbarismos. Ao propor o retorno ao latim clássico, Valla
pretende erradicar os vícios do período medieval, mas
sobretudo faz renascer a sua utilização como língua viva e
de comunicação universal. Assim acontecerá também fora
do espaço europeu, visto que o latim servirá de língua de
uso junto dos povos de linguajar mais estranho como é o
caso do chinês e do japonês.
72
Deste modo, Valla defende um tópico que percorrerá
outros humanistas europeus e alcançará igual influência em
Espanha e Portugal: o valor das letras e da gramática.
Se a Itália defende o retorno ao latim, noutros contextos,
a polémica será entre o seu uso ou das línguas vulgares,
cuja defesa é feita com o argumento de que são mais vastas as suas capacidades de expressão por serem línguas
vivas. Embora humanistas e gramáticos admirem e exaltem
o valor do latim, muitos não deixam de sublinhar que se
trata de uma língua morta, portanto imutável, enquanto as
“linguagens” – os vulgares – representavam um corpo em
constante alteração pelo uso.
Apesar destas polémicas terem igualmente existido no
espaço ibérico (o humanista André de Resende, por exemplo, só escreveu em latim), a questão da língua assume
contornos diferentes articulando-se com as necessidades e
as problemáticas da expansão e dos respectivos impérios.
O castelhano António de Nebrija, no prólogo da sua
Gramática castellana4 de 1492, organizada segundo o
modelo de Lorenzo Valla, expõe uma concepção da língua
entendida como criatura orgânica ligada à vida e morte dos
impérios, servindo a gramática para a estabilizar e perpetuar ao deter o fluir do tempo. Além desta ideia, que apenas
desenvolve o pensamento de Valla, Nebrija introduz a consciência da língua como “companheira do império”, quer
dizer, um instrumento de dominação que servirá os propósitos expansionistas5.
Esta mesma atitude será partilhada pelos gramáticos
portugueses6. Fernão de Oliveira, que publica a sua
Grammatica da lingoagem portuguesa em 15367, torna
ainda mais explícita a importância da língua como instrumento político e cultural, ao propor que Portugal imite
Grécia e Roma, «porque quando senhoreavam o Mundo
mandaram a todas as gentes a eles sujeitas aprender suas
línguas», mas – de acordo com esse exemplo – «melhor é
que ensinemos a Guiné que sejamos ensinados de Roma,
ainda que ela agora tivera toda a sua valia e preço»8.
Mas, ao defender o ensino do português aos povos conquistados, a língua apresenta-se como instrumento político
a que se associa uma outra finalidade: a difusão do cristianismo. João de Barros, no Dialogo em louvor da nossa linguagem, que se publicou em 1540 juntamente com a
Grammatica da Língua Portuguesa9, defende o valor do português a que atribui perene função na estratégia imperial
associada à difusão do cristianismo. Diz ele:
73
As armas e os padrões portugueses postos em Africa e
em Asia e em tantas mil ilhas fora da repartição das três
partes da terra, materiais só e pode-as o tempo gastar;
peró não gastará doutrina, costumes, linguagem que os
Portugueses nestas terras leixarem10.
Esta vertente moralista e religiosa está patente no
segundo diálogo que segue a gramática, Da viciosa vergonha, onde se expõe a ideia conjunta de expansão e evangelização, complexo mental com grande expressão na
época e que também conformará a questão da língua no
espaço português.
Gramática e diálogos revelam ainda outros aspectos originais da reflexão de João de Barros sobre a língua a partir
do ponto de vista dos interesses do império11. No Diálogo
em louvor da nossa linguagem, dá como exemplo ao filho,
seu interlocutor, as gentes castelhana, italiana e francesa
que usurparam vocabulário e trasladaram do latim, concluindo que, se os portugueses as imitassem, «já tiveramos
conquistada a língua latina, como temos Africa e Asia, à
conquista das quaes nos mais demos que às tresladações
latinas»12. E acrescenta:
E o sinal desta verdade, é que nam somente temos vitória destas partes, mas ainda tomámos muitos vocábulos, como podemos ver em todolos que começam em Al
e em Xá, e os que acabam em Z, os quaes são mouriscos. E agora, de conquista de Asia, tomámos Chatinar
por mercadejar; Beniága por mercadoria; Lascarim por
hómem de guérra; cumnáia por mesura e cortesia, e
outros vocábulos que sam já tam naturáes na boca dos
homens que naquélas pártes andaram, como o seu próprio português13.
Como vemos, Barros aceita e integra os neologismos
provenientes de África e Ásia, e considera que constituem
um enriquecimento do português. É, sem dúvida, uma visão
de grande alcance, que vislumbra a expansão num sentido
de intercâmbio e não apenas de dominação. O nosso autor
não descura, porém, a finalidade patriótica do ensino do
português aos povos descobertos e dominados, e é este
ideal que o leva a exaltar os méritos da língua nacional que,
segundo ele, tem «majestade pera cousas graves e uma
eficácia baroil que representa grandes feitos», embora
sublinhe que esta gravidade da nossa língua não lhe retira
74
força «para declarar, mover, deleitar e exortar a parte a que
se enclina, seja em qual género de escritura»14.
Versatilidade e capacidade de expressão - eis os traços
que o fazem preferir a língua portuguesa, apesar do esplendor do latim. Assim, à semelhança de outros contemporâneos, Barros defende a utilização do vulgar contra o latim,
posição que será dominante no espaço românico.
A defesa da língua assumiu, porém, uma outra faceta no
espaço português ao engendrar uma consciência nacional
por oposição ao castelhano. Maria Leonor Buescu defende
que esta foi a verdadeira “questão da língua” em Portugal15,
pois apenas um grupo muito restrito podia participar e acolher a polémica em torno do latim. Mesmo antes do domínio
filipino, encontramos eco deste debate no Diálogo em
Deffensão da Lingua Portuguesa de Pêro de Magalhães
Gândavo, publicado em 1574 junto com a Ortografia16, onde
se representa uma disputa, à maneira quinhentista, entre
um português e um castelhano que discorrem sobre o uso
indiferenciado do português e do castelhano, ou o uso restrito do português, prática que tenderá a generalizar-se
como forma de reacção ao invasor castelhano.
Como conclui Maria Leonor Buescu, os três gramáticos
quinhentistas, Oliveira, Barros e Gândavo, representam
«três posições diferenciadas que visam – e conseguem –
segundo ópticas e estratégias também diferenciadas, um
objectivo comum: a dignificação do português como língua
autónoma e instrumento totalmente capacitado para todas
as aventuras da comunicação»17.
A “questão da língua” insere-se, pois, na vertente didáctica e pedagógica do humanismo, reforçada pelas necessidades dos impérios no caso ibérico. O estudo da gramática
servirá como corolário desta questão, pois a normalização e
a sistematização das línguas novilatinas contribuíram para
as dignificar alcançando o prestígio do latim e do grego.
No caso do português, o movimento de gramaticalização foi acompanhado de uma perspectiva de ensino
além-fronteiras que beneficiou da elaboração de dicionários18 e cartilhas para ensinar a ler19. Se, desde o início do
século XVI, foi grande a procura em Portugal destas cartilhas20, o largo número de edições pode ser explicado pelo
seu envio para as terras conquistadas21.
Mas, a par do ensino do português aos povos estranhos, muito cedo surgem referências ao interesse na aprendizagem das línguas alheias como se comenta no diálogo
de João de Barros dirigido ao filho, que incentiva ao estudo
75
da própria língua com o seguinte argumento:
E nam te pareça trabalho sobejo entender tanto na própria linguagem, porque se fores bem doutrinado nela,
levemente o serás em a alheias22.
Este parecer não respeita apenas às línguas novilatinas,
sendo extensível às línguas longínquas entendidas segundo a mesma filiação latina. Como veremos a propósito da
língua japonesa, o paralelismo estabelecido com o português e o latim deriva de uma concepção universalista de
gramática que recupera um pensamento mais geral sobre o
mundo23. Assim coincidem dois movimentos opostos: ao
mesmo tempo que se defende a diversidade das línguas
europeias, emerge a vontade de resolver os efeitos da
Babel e criar um método de linguagem e de comunicação
universais.
Em 1623, o Padre Amaro de Roboredo publica um
manual para o ensino das línguas alheias que aproxima português, castelhano e latim, tomando como modelo o famoso Calepino24. O interesse desta obra reside na ambição de
promover o entendimento entre povos, construindo um
método contrastivo que pudesse ser reproduzido para línguas mais distantes. O título do manual de Roboredo,
Portas de Lingua ou Modo muito Accomodado para as
entender25, revela esse ideal comunicativo igualmente presente no método que consistia em traduzir, nas três línguas,
frases distribuídas por grandes áreas temáticas sugeridas
pelos títulos dos capítulos: «Da virtude e do vício em commum», «Da prudência e imprudência», «Da justiça e injustiça».
Apesar dos temas predominantemente de raiz moral, a
perspectiva comunicativa do método de Roboredo valoriza
o uso, não apenas no caso do português e do castelhano,
mas também do latim, enquanto língua intermediária entre
linguagens bárbaras, como se refere no Prólogo:
Porque isto principalmente convirá aos varões
Apostólicos, que nas terras dos gentios se occupão em
semear a Fé para aprender as bárbaras e peregrinas línguas: isto também será proveitoso aos confessores para
poderem conhecerem os secretos pensamentos do
peito das gentes estrangeiras, principalmente naquelles
lugares, que frequentão muitos varões estrangeiros
[...]26.
76
Trata-se, pois, de um manual para estrangeiros ou destinado àqueles «que não podem ir as escolas e permite
adquirir sem mestre cópia de palavras latinas», sendo também contemplado o tema da evangelização. Esta utilidade
missionária, enunciada desde as primeiras gramáticas, está
igualmente presente nas cartilhas para ensinar a ler que
seguiam uma estrutura muito semelhante: a primeira parte
era composta por breves páginas destinadas ao ensino do
alfabeto e da soletração, enquanto a segunda parte, muito
maior, reunia textos para exercício da leitura, sobretudo de
índole religiosa, formando um verdadeiro catecismo.
Assim acontece na cartilha de Frei João Soares, publicada em Coimbra no ano de 155427, e assim acontece na
cartinha de João de Barros, que faz seguir a sua
«Introduçam pera brevemente aprender a ler» de um conjunto de textos sobre «os preceitos da lei e os mandamentos da Santa Madre Igreja, com o tratado da Missa»28.
A análise destes livros permite notar a substancial consciência de que a língua veiculava um importante aparelho
ideológico por meio do qual os valores mais explícitos da
sociedade de então – predominantemente de cariz religioso
– podiam ser transmitidos.
2. A questão da língua na missão do Japão
Vimos que os diferentes contextos nacionais determinaram formas distintas de desenvolver a “questão da língua”:
enquanto em Itália se fez a defesa do latim, em França
encontramos a defesa e ilustração da língua vulgar, tal
como em Espanha e Portugal, embora aqui a defesa das línguas tenha passado por uma estratégia de ensino aos
povos descobertos enquanto ideal de império. Contudo, a
necessidade de penetração nas culturas asiáticas, e sobretudo o interesse missionário, fez acompanhar esse objectivo da aprendizagem das línguas alheias.
O movimento de gramaticalização das línguas europeias será, assim, estendido às línguas asiáticas servindo o
latim como modelo universal para gramáticas e léxicos.
Aliás, o estudo das “línguas peregrinas” faz parte de uma
atitude mais vasta de adequação aos costumes alheios e
aproximação aos outros povos. Este movimento será particularmente importante e necessário no Japão e na China,
civilizações altamente organizadas e fechadas sobre si próprias, onde se investiu um considerável esforço missionário.
77
Francisco Xavier, que chega ao Japão em 1549 e aí permanece até 1551, desde logo apelou aos companheiros
para que aprendessem a língua japoa de modo a conseguir
maior eficácia no esforço evangelizador e, de facto, os bons
resultados das missões parecem acompanhar o esforço linguístico dos missionários. A correspondência dos jesuítas,
importante fonte de informação sobre estas missões29, refere em diversos documentos essa directiva introduzida por
Francisco Xavier, e também relatada por Luís Fróis na sua
Historia de Japam:
No tempo estiverão em Cagoxima, aonde começarão a
lançar logo os primeiros fundamentos da fé, padecião
grande detrimento na carência da língua da qual não
sabião ainda mais que o que particularmente o Irmão
João Fernandes vinha da India aprendendo com aqueles japões. A maior parte do dia se ocupavam na comunicação dos próximos, e de noite prolongavão suas vigílias em oração, e um rudimento da língua com grande
instância30.
A aprendizagem do japonês assume, assim, lugar privilegiado nas estratégias de evangelização ao permitir um
efectivo diálogo com os povos a conquistar. Nos anos que
se seguem à chegada de Xavier, aumentam as referências
aos padres que dominam a língua japonesa sendo elaborados catecismos, gramáticas e dicionários. Fróis destaca o
papel de João Fernandes que, juntamente com o Padre
Mestre Xavier e Paulo de Santa Fé, irmão de origem japonesa, compõe um catecismo que conta a criação do mundo,
o tempo de Cristo e o Juízo Final sendo por este livro que
pregavam31.
Tal como Xavier, também o Padre Cosme de Torres,
superior da missão entre 1549 e 1560, «tinha […] encomendado que fallassem ordinariamente japão», o que alguns
padres tomam à letra, como é caso de João Fernandes que
«nem com os Padres e Irmãos novos que vinhão da Índia,
nem quando levava algum recado ao capitão-mor ou aos
portugueses que com ele fallavão, lhe havia de responder
nem fallar senão em japão, nem bastava dizerem-lhe que o
não entendiam ou indignarem-se contra elle, para com isso
se mover a deixar de lhes falar em japão»32.
Estamos já no ano de 1568 e, a par desta intensiva
aprendizagem da língua, traduzem-se livros para japonês,
em especial obras devotas, mas também livros de entrete78
nimento como as fábulas de Esopo. João Fernandes serve
de tradutor «ajudando-se de pessoas doutas para a tresladação ser mais fiel e pura»33, sendo também ele o professor
dos recém-chegados e acumulando a tarefa de instruir os
catecúmenos.
Em 1580, o padre visitador dos jesuítas na Ásia,
Alessandro Valignano (1539-1606)34, ordena a criação de
um colégio na cidade de Funai onde se ensinava humanidades aos irmãos japões, e língua japonesa aos irmãos da
Europa35. Também em Arima é fundado um seminário onde
os meninos japoneses «mais pequenos aprendião a doutrina christã, outros a ler e escrever a nossa letra, o que fazem
em dous ou tres mezes com grande facilidade; outros os
caracteres de Japão e da China. Tem suas horas de gramática e, como são de vivo engenho, dão-se bem com a pronunciação da língua latina, e não lhes he peregrina como se
cuidava»36.
O desejo de atrair uma população cada vez maior leva
os missionários a criar escolas para a instrução das
crianças em sua letra e língua ao mesmo tempo que lhes
transmitiam os rudimentos da doutrina cristã. Alguns destes
meninos japoneses ajudaram posteriormente na feitura e
aperfeiçoamento das obras em japonês, servindo também
de professores aos missionários recém-chegados, juntamente com os padres e irmãos que melhor dominavam a língua japonesa, caso de João Rodrigues, intérprete na corte
imperial e, por isso, conhecido como “tçuzzu”, o tradutor37.
A aprendizagem da língua japonesa, na perspectiva das
suas múltiplas utilizações (a comunicação, o ensino, a tradução), conduz a uma atenta observação do sistema complexo que ela constitui, além de que a visão de fora (estrangeiros provenientes de uma diferente família linguística) permitirá uma abordagem contrastiva que terá poucas hipóteses de se repetir.
É assim que encontramos muitas observações sobre as
diferenças entre escrita e fala no japonês, ou as distintas
formas de falar de homens e mulheres, ainda que escrevam
da mesma maneira, ou o modo como o japonês falado na
capital e nos palácios divergia do seu uso nas províncias
onde vivia a generalidade da população. A compreensão
destes fenómenos enforma as obras linguísticas elaboradas
pelos missionários, a que se junta a reflexão sobre as dificuldades de transcrever o material linguístico de um alfabeto para outro, isto é, de um sistema de escrita ideográfica
para um sistema alfabético.
79
Em 1594, é impressa em Amacusa a Gramática latina de
Manuel Alvarez, S.J., publicada em Lisboa no ano de
157238, que rapidamente se tornará o manual quase único
de ensino da língua latina. Ainda antes da sua publicação,
esta gramática sofre vários arranjos de adaptação à língua
japonesa, como é referido por Fróis quando trata do ano de
155939. Na mesma cidade, publica-se em 1595 um dicionário trilingue latim-português-japonês40, inspirado no
Calepino. Valignano refere-se a este projecto quando
comenta a sua primeira estadia no Japão:
Assim que cheguei ao Japão, decidi mandar fazer, com
a ajuda de Deus e muita diligência, uma espécie de
Calepino, com o qual cada um possa estudar o latim e o
japonês ao mesmo tempo, e também uma Arte. Estes
dois livros são os mais necessários, quer para os nossos
homens da Europa aprenderem japonês facilmente,
quer para os japoneses aprenderem latim41.
Além de ser inovadora a sua estrutura trilingue, este
dicionário estabelece uma aproximação pioneira entre línguas de origem diversa. Refira-se ainda o modo como do
latim se passa ao japonês por meio do português, visto que
esta língua do meio não se limita a sinónimos mas apresenta, em alguns casos, extensas explicações que servem o
trânsito entre distintos universos culturais.
Em 1603, imprime-se em Nagasaqui o Vocabulario da
lingoa de Iapam com declaração em Português42, onde aparecem cerca de 30.000 registos entre os quais conceitos
budistas, termos literários, bem como expressões coloquiais e dialectos do Japão central e da região de Kiushu,
sendo publicado no ano seguinte um suplemento onde se
complementa e corrige o trabalho anterior.
Trata-se de trabalho cujo autor ou autores não aparecem
identificados, como aliás no caso do dicionário, embora as
licenças para publicação refiram que foi «examinado por
japões inteligentes da língua e homens graves de nossa
Companhia», o que deixa supor a estreita colaboração
entre japoneses e missionários. A obra recorreu ao dicionário de 1595, mas enquanto este utilizara a matriz ocidental
do Calepino, o Vocabulario selecciona os termos em função
do japonês, ainda que os ordene pelo alfabeto português, o
que revela o esforço de aculturação ao trazer a cultura
alheia ao terreno de compreensão do europeu. Na
advertência, figura ainda uma nota sobre o modo de identi80
ficar o vocabulário japonês consoante a região, o que representa extraordinária sistematização linguística.
Mas a obra linguística mais famosa é, decerto, a Arte da
Lingoa de lapam do Padre João Rodrigues, publicada em
Nagasaqui no ano de 160443, e que conheceu uma versão
sucinta, publicada em Macau no ano de 162044.
É particularmente expressiva nesta obra a correlação
entre o modo como a questão da(s) língua(s) se colocou,
em função das necessidades de comunicação do império e
da fé, e o modo como se alteraram as categorias mentais e
os valores por via do cruzamento entre universos estranhos.
Na segunda parte da sua Arte, João Rodrigues indica os
erros que são habitualmente cometidos pelos estrangeiros
na tradução para japonês, e adverte o leitor para a necessidade de traduzir o sentido da frase em vez de uma versão
palavra a palavra. Inclui ainda um tratado sobre poesia
japonesa dividido em poesia chinesa traduzida em japonês
e a pura poesia japonesa, o que constitui, sem dúvida, a primeira poética japonesa explicada em língua ocidental. Na
terceira parte, Rodrigues ultrapassa os objectivos da gramática e disserta sobre o estilo, gastando mais de 12 páginas a indicar as regras de etiqueta para a redacção de cartas. Acrescenta ainda um tratado breve, mas detalhado,
sobre pesos, medidas e sistema de números, assim como
uma tabela de conversões. Na parte final, envereda pela
História e apresenta uma longa lista dos imperadores japoneses, expondo ainda a origem do budismo, confucionismo
e taoísmo na China, e sugerindo que os chineses seriam
descendentes das tribos de Israel, teoria que desenvolverá
na sua História45. Nesta longa exposição, nomeia ainda os
lendários deuses e deusas que aparecem nas antigas crónicas japonesas como Nihongi e Kojiki, e, por fim, ocorre-lhe incluir uma cronologia comparativa com início em Adão
e termo no nascimento de Cristo. A obra termina com a
seguinte nota:
«Da criação do mundo até à era de Cristo 4074 anos
decorreram. Fim do livro três da Arte do Japão».
Pelo exemplo da Arte de João Rodrigues se demonstra
como o interesse pela língua facilmente resvalou para o
campo da cultura, não apenas na perspectiva evangelizadora, mas numa atitude mais ampla de compreensão da
alteridade.
81
3. O Dicionário Português-Chinês de Ruggieri e Ricci
A política de aculturação foi igualmente seguida na
China embora os seus resultados não tenham sido tão evidentes em termos missionários46. Foi o visitador Alessandro
Valignano que promoveu a vinda de Michele Ruggieri, S.J.
(1543-1607) e Matteo Ricci, S.J. (1552-1610) para a missão
chinesa, e encorajou a política de adaptação cultural47.
Valignano foi um dos raros europeus que compreendeu que
era necessário o cristianismo despojar-se dos seus adornos
ocidentais caso pretendesse lançar raízes sólidas na Ásia.
Assim, desde a primeira estadia na Índia, promove uma literatura religiosa adaptada à cultura local, constituída sobretudo por catecismos e brochuras sobre a confissão e a vida
dos santos. Valignano chega a Macau em Setembro de
1578 e, tendo constatado que não eram bem sucedidos os
esforços de conversão dos chineses, fica convencido de
que os métodos usados pelos missionários deviam ser
revistos. O primeiro passo seria formar missionários para
falar, ler e escrever em chinês e, com esse objectivo, chega
a Macau, no ano seguinte, Michele Ruggieri que começa de
imediato a aprender mandarim. Porém, as dificuldades que
experimenta e o imperativo de elaborar um vocabulário
bilingue que ajudasse os novos missionários, levam a que
Ruggieri solicite que lhe seja destinado novo companheiro.
Em 1582, Ricci chega a Macau e inicia desde logo o estudo da língua chinesa48, como refere mais tarde em carta
enviada ao Padre Martino Fornari de Pádua:
Logo que desembarquei, a minha saúde melhorou;
comecei imediatamente a estudar chinês... Actualmente
já sei vários caracteres chineses... Dentro de um mês
(precisamente em Julho de 1583), partirei para a China
com o Padre Ruggieri. Devemos aprofundar os nossos
estudos sobre a língua e a literatura chinesas49.
No Verão de 1583, Ruggieri e Ricci entram na China instalando-se na cidade de Zhaoqing onde fundam a primeira
casa da missão. Após um ano de aturado estudo, publicam
a tradução de um clássico do pensamento confucionista,
Tianzhu shilu, «O verdadeiro testemunho do Senhor dos
Céus», elaborando também versões dos Dez
Mandamentos, Pai-Nosso e Ave-Maria. Em 1585, num relato enviado ao Superior da Companhia, o Padre Acquaviva,
Ricci relata que já conseguia falar com os chineses sem
82
recorrer ao intérprete, assim como podia ler alguns livros.
Numa carta do mesmo ano enviada ao Padre Ludovico
Maselli, S.J., que se encontrava em Nápoles, diz:
Como agora falo fluentemente a língua e comecei a pregar aos cristãos na nossa igreja, abrimos as portas aos
pagãos que queiram vir. Sei também ler e escrever os
seus caracteres que, no total, são uns dez mil. Tenho
planos de ler sozinho muitos livros assim como todos os
seus livros com a ajuda que conseguir ter50.
Se é sobejamente conhecida a acção de Ricci, quer
enquanto divulgador da ciência ocidental, quer os seus
estudos sobre a cultura chinesa, menos notados têm sido
os trabalhos linguísticos, entre os quais estará um dicionário português-chinês, em que terá colaborado junto com
Ruggieri. Trata-se do primeiro dicionário em que o chinês
aparece a par de uma língua europeia, tendo o manuscrito
ficado inédito51 até à sua edição fac-similada em 200152.
A obra constitui um vocabulário bilingue no sentido restrito do termo, quer dizer, um livro de palavras listadas alfabeticamente em português (de “aba da vestidura” a “zunir”)
e seus equivalentes em caracteres chineses, aparecendo
uma coluna central com a respectiva romanização, e uma
quarta coluna, mais esporádica, com a versão em italiano.
Dieter Messner, especialista em dicionários portugueses
antigos, sugere que o dicionário português-chinês possa ter
usado a matriz do Dictionarium ex lusitanico in Latinum
Sermonem de Jerónimo Cardoso, publicado em 156253.
Trata-se da primeira obra que desenvolve a alfabetização do
corpus vernáculo lexical, tendo servido de base a outros
dicionários de português. Se não existem grandes novidades
no vocabulário português, três aspectos fundamentais sobre
o chinês contribuem para a riqueza linguística deste silabário: em primeiro lugar, contém palavras e frases da língua
mandarina falada em final da dinastia Ming; por outro lado, o
sistema de romanização permite estudar as características
fonéticas da língua chinesa da época; e, finalmente, são
registadas diversas pronúncias dialectais54. Nos seus escritos, Ricci várias vezes se refere à língua mandarina como língua universal, quer dizer, uma espécie de latim que servia
para a comunicação entre os falantes de diversos dialectos,
além de que representava a língua de prestígio falada na
corte pelos mandarins e literatos, e usada nos tribunais, portanto aquela que convinha aprender e dominar.
83
Como nota Witek, existem claros indícios de várias mãos
(os caracteres chineses, na sua maioria, parecem escritos
por mão chinesa, e as entradas em italiano não são nem da
mão de Ruggieri nem de Ricci), o que evidencia que, à
semelhança de outros dicionários da época, se tratou de
uma obra colectiva ainda que sob orientação de Ruggieri e
Ricci.
Antecedendo o dicionário, que não contempla menção
nem indicação de autoria, surge uma lição resumida do
princípio da fé católica e do sacramento do baptismo apresentada por um missionário a um letrado chinês, bem como
uma explicação dos globos celestial e terrestre e, por fim,
outras notas linguísticas. As últimas páginas são pequenas
listas de palavras portuguesas dispostas alfabeticamente
com equivalente chinês, mas sem romanização. Outros textos de natureza diversa se acrescentam (a explicação do
relógio de sol, uma sentença de tribunal, e ainda listas de
palavras e frases em chinês), o que revela não se tratar de
uma obra preparada para publicação, estando além disso
incompleta pois das 6.000 entradas em português só 5.460
têm correspondente em chinês, o que deixa perceber a dificuldade em encontrar equivalências lexicais.
4. Pioneiros portugueses da línguistica vietnamita
Menos conhecido é o contributo do português para a língua anamita pois são recentes as investigações consistentes sobre o papel pioneiro dos jesuítas portugueses55.
A tradição sempre atribuiu ao jesuíta francês Alexandre
de Rhodes (1591-1660), a exclusiva responsabilidade pelo
sistema de romanização da língua falada no Viet Nam, que
substituiu os ideogramas de origem chinesa, aparecendo
também como único autor do Dictionarium annamiticum,
lusitanum et latinum, impresso em Roma no ano de 165156.
Se este dicionário vem confirmar o uso do português como
língua intermediária, sendo seguido o modelo do dicionário
latim-português-japonês publicado em 1595, a pesquisa de
linguistas vietnamitas e especialistas da língua tem vindo a
demonstrar a proximidade entre o sistema fonético português e o quốc ngũ, a actual língua nacional criada no tempo
das missões.
As relações entre Portugal e o Viet Nam – então chamado Cochinchina – foram estabelecidas, por volta de 1540,
no porto marítimo de Hoi An (Faifo), que então crescia como
84
grande entreposto comercial. Ao contrário do Japão e da
China, Portugal não possuía um estabelecimento permanente, vindo de Macau um ou dois navios por ano, onde viajavam também missionários que usavam o período de permanência dos comerciantes para exercer a sua acção missionária, ao mesmo tempo que serviam de intérpretes,
reconhecida a sua competência para aprender as línguas
alheias. A partir de 1614, com as progressivas dificuldades
dos jesuítas no Japão, alguns missionários ficam disponíveis para outras tarefas, sendo fundada, em 1615, a Missão
da Cochinchina. No ano anterior à chegada de Alexandre
de Rhodes ao Viet Nam, há certeza de que ali se encontrariam oito jesuítas dos quais quatro portugueses. Nos primeiros anos, havia-se destacado Francisco de Pina (1585-1625), que chegara em 1617 e fora o primeiro europeu a
falar correntemente a língua local, tendo servido de mestre
a Rhodes que lhe manifesta a sua gratidão no prólogo do
Dictionarium. Na mesma advertência «Ad Lectorem»,
Rhodes diz ter-se servido dos trabalhos de Gaspar do
Amaral (1594-1646), autor de um vocabulário anamita-português, e de António Barbosa responsável pela versão português-anamita.
Em 1627, Rhodes é encarregado de expandir a missão
para norte, fundando uma casa em Tonkin, onde toma ainda
maior consciência da necessidade de aprender língua
local, a que se dedica nos anos seguintes. Porém, em 1630,
é obrigado a deixar o Viet Nam e, durante quase uma década, a missão da Conchinchina fica suspensa, sendo retomada em 1640 por um curto período que dura até 1645.
Nesse ano, Rhodes faz um último esforço para ultrapassar
alguns obstáculos teológicos que dificultavam a acção missionária, e promove uma reunião geral em Macau para discutir a fórmula do baptismo que deveria ser usada em língua anamita. No relato deste encontro, os padres portugueses aparecem citados pelo seu conhecimento do quốc ngũ,
sendo anotados individualmente como “peritus linguae”,
enquanto Rhodes é apodado de “professor de teologia”,
sem referência ao seu domínio da língua anamita.
Estas informações consolidam a ideia de que os conhecimentos linguísticos de Alexandre de Rhodes não seriam
suficientes para ser autor único do dicionário, parecendo
mais plausível, como ele próprio afirma, que se tenha servido de trabalhos existentes e seja da sua responsabilidade
compilar, corrigir e sistematizar para a publicação. Parece
também conclusivo que o período mais produtivo de apren85
dizagem do anamita terá coincidido com os primeiros anos
da missão, o que nos conduz à figura de Francisco de Pina.
Roland Jacques, na sua minuciosa pesquisa publicada
em 200257, reabilita o jesuíta português divulgando documentos como a carta de Francisco de Pina, escrita em 1622
ou 1623, e encontrada inédita na colecção dos Jesuítas da
Ásia58, na qual já é referida a aprendizagem da língua anamita com o objectivo de proceder à sua romanização que,
como sabemos, foi factor essencial de modernização e
desenvolvimento. Mas a parte fundamental do trabalho de
Jacques consiste na edição fac-similada e crítica do
manuscrito Manuductio ad linguam tunckinensem59, constituído por 22 páginas escritas em latim e quốc ngũ. Esta “iniciação à língua tonquinense” aparece mais como um método destinado a estrangeiros, do que um sistema de escrita
para ser usado pelos nativos, o que explica o grande número de referências a princípios fonéticos bem como as regras
gramaticais só perceptíveis por falantes europeus.
Jacques demonstra que este trabalho pioneiro terá servido de base àquele que será desenvolvido por Rhodes,
sendo irrecusáveis as marcas fonéticas do português presentes nos próprios sinais diacríticos.
O interesse revelado pelos investigadores vietnamitas
que têm vindo a deslocar-se a Portugal para prosseguir as
pesquisas sobre a influência do português, é idêntico ao
interesse de investigadores japoneses em consultar os trabalhos linguísticos preparados no período das missões.
Muitos destes documentos permanecem inéditos na
Biblioteca da Ajuda, ou apenas são conhecidos em edições
fac-similadas que exigem análise aprofundada para proveito da história das “línguas peregrinas”, mas também dos
cruzamentos culturais e suas derivas.
Terminamos este excurso sobre os primórdios das políticas de língua para o Extremo Oriente sublinhando dois
traços que, ao tempo, já ressaltavam: a crescente consciência da utilidade das abordagens contrastivas, sobretudo no
caso de públicos de famílias linguísticas diferentes, e a progressiva compreensão dos cruzamentos entre línguas e culturas, servindo a tradução como caso exemplar do imperativo de transitarmos entre palavras e mundividências.
Num tempo aparentemente condenado ao imperialismo
das línguas económicamente dominantes, a lição que recolhemos do passado, pela tolerância linguística e política
multicultural, é decerto um contributo para a nossa reflexão
86
presente. No meio dos encontros e desencontros da história, uma palavra comum em línguas muito diferentes pode
servir de abertura ao entendimento entre desconhecidos: o
mundo fica mais próximo e, bem o sentimos, menos áspero. Compete às políticas de língua do presente encontrar
caminhos que actualizem e não deixem silenciar o rumor do
português nas línguas e culturas asiáticas.
Notas
(1) Apesar da sua publicação em 1936, ainda conserva actualidade a
obra de David Lopes, A expansão da língua portuguesa no Oriente nos séculos XVI, XVII e XVIII (Barcelos: Portucalense Editora, reedição em 1969). Além
da influência do português sobre as línguas asiáticas, Lopes nota também a
elaboração de dicionários e gramáticas que aproximavam português e línguas alheias.
(2) Sobre o estudo das línguas exóticas no século XVI, ver obra de Maria
Leonor Carvalhão Buescu com esse título (Lisboa: ICLP, col. Biblioteca
Breve, 1983). Como se pode constatar pelos títulos que infra serão referidos,
deve-se à autora relevante investigação sobre a “questão da língua” no
Renascimento português, sendo responsável pela edição recente dos mais
importantes trabalhos linguísticos portugueses deste período.
(3) Acerca do pensamento de Lorenzo Valla e das relações entre filosofia e os diversos aspectos que enformaram a questão da língua, ver a monumental obra editada por Charles B. Schmitt e Quentin Skinner, Renaissance
Philosophy (Cambridge & New York: Cambridge University Press, 1988). Ver
ainda Pedro Ruiz Pérez (ed.), Gramática y humanismo. Perspectivas del
Renascimiento español. Madrid: Ediciones Libertarias, 1993.
(4) António de Nebrija, Gramática castellana. Madrid, 1492 (Ed. Pascual
Galindo Romero e Luiz Ortiz Muñoz, 2 t. Madrid: Ed. de la Junta del
Centenario, 1946).
87
(5) Sobre o tema, ver artigo de Eugenio Asensio, «La lengua compañera del Imperio» (Revista de Filología Española, tomo XLIII, cadernos 3-4.
Madrid, 1962).
(6) Ver Maria Leonor Carvalhão Buescu, Gramáticos Portugueses do
século XVI. Lisboa: ICP, col. Biblioteca Breve, 1978.
(7) Fernão de Oliveira, Gramática da Linguagem Portuguesa. 1536.
Edição organizada por Maria Leonor Carvalhão Buescu. Lisboa: INCM, 1975.
(8) Ibidem, capítulo IV.
(9) João Barros, Gramática da Língua Portuguesa (Cartinha, Gramática,
Diálogo em louvor da nossa linguagem e Diálogo da viciosa vergonha). 1539-1540. Reprodução fac-similada, leitura, introdução e anotações por Maria
Leonor Carvalhão Buescu. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa, 1971. Pela primeira vez se juntam as quatro obras linguísticas de
Barros reconstituindo o corpus que fizera parte do seu projecto inicial. Ver
Maria Leonor Carvalhão Buescu, Textos pedagógicos e gramaticais de João
de Barros. Lisboa: Verbo, 1969.
(10) Ibidem, p. 405.
(11) Sobre a extensa lista de obras de João de Barros, em particular a
sua vertente educativa, ver João Silva de Sousa, «João de Barros, um polígrafo do humanismo português», in João de Barros e Abraão Zacuto, A
Escola e os Descobrimentos. Lisboa: Grupo de Trabalho do Ministério da
Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998,
pp. 7-30.
(12) João de Barros, Gramática, 1971, p. 401.
(13) Ibidem, p. 401.
(14) Ibidem, p. 400.
(15) Cf. Maria Leonor Carvalhão Buescu, A língua portuguesa, espaço
de comunicação. Lisboa: ICP, col. Biblioteca Breve, 1984, p. 73 e ss.
(16) Pêro de Magalhães Gândavo, Regras que ensinam a Ortographia
da Língua Portuguesa. Seguido do Diálogo em Deffensão da Língua
Portuguesa. 1574. Edição organizada por Maria Leonor Carvalhão Buescu.
Lisboa: INCM, 1981.
(17) Buescu, A língua portuguesa, espaço de comunicação, 1984, p. 75.
(18) Sobre dicionários portugueses antigos, em que se incluem os que
contemplam línguas asiáticas, ver os trabalhos de Dieter Messner, catedrático da Universidade de Salzburg especialista em filologia românica e filologia
clássica, em especial a série de artigos publicados na revista Lusorama
(Frankfurt): «Sobre dicionários portugueses antigos: uma inventariação» (nº.
28, Oktober 1995, pp. 45-64), «Ist das Dictionarium Latino Lusitanicum, ac
Iaponicum ein Worterbuch der portugiesischen Sprache? (nº. 38, Marz 1999,
pp. 42-52), «Mais uma vez Calepino e os dicionários portugueses» (nº. 39,
Juni 1999, pp. 88-90), «“Aoga ardente=xarab”: sobre dicionários portugueses antigos (VI)» (nº. 49, Marz 2002, pp. 56-75), Recensão a John W. Witek
(Hrsg.): Dicionário português-chinês […] (nº. 50, Juni 2002, pp. 126-130). Ver
ainda sumário destes dicionários em
<http://www.sbg.ac.at/rom/people/prof/messner/dddport.htm>.
(19) Sobre o tema, ver o artigo de Fernando Castelo-Branco, «Portugal
Quinhentista visto através das cartilhas para ensinar a ler», Anais da
Academia Portuguesa de História, II Série, Vol. 21. Lisboa: Academia
Portuguesa de História, 1972.
(20) Além do número de edições, o grande número de “mestres de ler”
e escolas revelam como o ensino das primeiras letras se torna relevante na
época quinhentista. José Brandão, no tratado sobre Magestade, Grandeza e
Abastança da cidade de Lisboa na 2ª metade do século XVI (Lisboa: Ed. de
Braancamp Freire: Lisboa, 1923), espécie de estatística de Lisboa no ano de
1552, assinala a existência de 30 escolas para ensinar meninos a ler.
(21) Em carta de 1 de Abril de 1512, Afonso de Albuquerque refere ter
encontrado em Cochim uma arca contendo cartilhas e decide dar-lhes utili-
88
dade: «Pareceu-me que Vossa Alteza as nam mandara para apodrecerem
estando na arca, e ordenei um homem casado aqui que ensinasse os moços
a ler e escrever» (Cartas de Afonso de Albuquerque. Lisboa: Academia das
Ciências, 1884. Vol. I, p. 44-45). Igualmente se tem conhecimento de que, em
1515, foram enviadas para a Abissínia duas mil cartilhas (cf. Américo Cortez
Pinto, Da Famosa Arte da Imprimissão. Lisboa, 1948, p. 238).
(22) João de Barros, Gramática, p. 403.
(23) Sobre o tema, ver o artigo de Maria Leonor Carvalhão Buescu, “Para
uma gramática universal”, Estudos Orientais, Vol. III. Lisboa: Instituto Oriental
da Universidade Nova, 1992.
(24) Ambrogio Calepino, Ambrosii Calepini Dictionarium hac postrema
omnium editione non parua vocum Latinarum, ingenti etiam Graecarum quae
rectis Latinis vocibus è regione opponuntur, accessione adauctum & locupletatum; atque à vitis, quibus olim multiplici impressione contaminatum fuerat,
vindicatum. Adicimus etiam Latinis Graecisque vocibus Italicas ac
Hispanicas interpretationes. Praeterea quae perperam & mendosè classicorum autorum testimonia citabantur, suae integritati restituimus. Adiuncta sunt
postremò Pauli Manutij Aldi F. Additamenta tum ad intelligendam, tum ad
exornandam Linguam Latinam: quaedam etiam ad Romanarum rerum cognitionem, vtilissima. Lugduni: Haeredes Iacobi Iuntae, 1559.
(25) Amaro de Roboredo, Portas de Língua ou Modo Muito Accomodado
para as entender publicado primeiro com a tradução espanhola. Lisboa:
Officina de Pedro Crasbeeck, impressor del Rei, 1623.
(26) Amaro Roboredo, cit, p.I.
(27) Ioão Suarez [João Soares], Cartilha para ensinar a ler com os dez
mandamentos e confissão geral. Coimbra: João Alvares, 1554.
(28) João de Barros, Cartinha com os preceitos e mandamentos da
Santa Madre Igreja. Lisboa: Luís Rodrigues, 1539. Edição fac-similada em
João de Barros, Gramática da língua portuguesa, 1971.
(29) Cf. Cartas dos jesuítas do Oriente e do Brasil. 1549-1551. Edição
fac-similada. Apresentação de José Manuel Garcia. Lisboa: Biblioteca
Nacional, 1993.
(30) Luís Fróis, S.J., História de Japam, 5 vols. Edição anotada por José
Wicki, S.J. Lisboa: Biblioteca Nacional, 1976-1984. Vol. 1, p. 24.
(31) “E o tempo que lhe vagava de suas occupaçoes, com Paulo de
Santa fé e com o Irmão João Fernandes tirarão na língua de Japão huma pratica sobre a criação do universo, e da vinda do Filho de Deos ao mundo,
mandamentos e juizo final; e isto era por onde ordinariamente pregavão”.
(Ibidem, Vol.1, p. 251).
(32) Ibidem, Vol.1, pp. 217-218.
(33) Ibidem, Vol.1, p. 279.
(34) Tal como Xavier, também Alessandro Valignano, nomeado em 1573
visitador das missões jesuítas nas Índias incluindo China e Japão, incentivou
o estudo das línguas nativas, assim como um maior entrosamento com as
comunidades locais aprendendo os seus usos e costumes. Sobre a sua
acção no período de 1578 a 1582, ver o artigo sumário de Manuel Filipe
Canaveira, «Alessandro Valignano. Visitador da Companhia de Jesus no
Império do Sol Nascente», Oceanos, nº. 15 (Setembro). Lisboa: CNCDP, 1993.
(35) Cf. Fróis, cit., vol. III, pp. 172 e ss.
(36) Cf. Fróis, cit., vol. III, p. 301.
(37) Ver a notável obra do jesuíta Michael Cooper, Rodrigues, o intérprete. Um jesuíta no Japão e na China. Lisboa: Quetzal, 1994 (1ª ed. 1974).
(38) Emmanuelis Alvaris é Societatis Iesu De Institutione Grammatica,
Libri Tre. Lisboa: João Barreira, 1572. Desta obra, que se inspira na gramática de Nebrija, conhecem-se mais de 600 edições por toda a Europa, sendo
a 2ª publicada em Milão.
(39) Cf. Fróis, cit., vol. I, p. 172 e ss.
(40) Dictionarium Latino Lusitanícum, ac Iaponicum ex Ambrosii
89
Calepini. Volumine depromptum: in quo omíssis nominibus propriis tamque
locorum quam homínum, ac quíbusdam alijs minus uisitatis omnes vocabulorum significationes, elegantioresquer dicendi modi apponuntur: in usum &
gratiam Iaponicae inventutis, quae Latino Idiomati operam navat, nec non
Europeorum, qui Iaponícum sermonem addiscunt. Amacusa: In Collegio
Iaponico Societatis Iesu cum facultate Superiorum. M.D.XCV.
(41) Alessandro Valignano, S.J., Historia del Principio y Progresso de la
Compañía de Jesús en las Indias Orientales. Ed. de Joseph Wicki, Roma:
Societatis Iesus, 1944, in Michael Cooper, Rodrigues, o intérprete. Um jesuíta no Japão e na China, p. 220.
(42) Vocabulario da lingua de Iapam com a declaração em Português,
feito por alguns Padres & Irmãos da Companhia de Iesus. Nangasaqui [sic]:
No Collegio de Iapam da Companhia de Jesus. M.D.CIII.
(43) Ioam Rodriguez [João Rodrigues, S.J.], Arte da Lingoa de Iapam.
Nangasaqui [sic]: No Collegio da Madre de Deos da Companhia de Iesu.
M.D.CIIII. Trata-se de obra rara que não se encontra em Portugal (apenas
existe na Biblioteca Nacional a tradução para japonês publicada em Tóquio
no ano de 1955).
(44) Ioam Rodriguez [João Rodrigues, S.J.], Arte breve da lingoa japoa.
Macao: No Collegio de Iapam da Companhia de Jesus. M.DC.XX. Edição
fac-similada do original existente na Biblioteca Nacional da Ajuda, Lisboa,
acompanhado da transcrição e tradução japonesa de Hino Hiroshi. Tokyo:
Shin-Jinbutsu-Ôrai-Sha Co. Ltd.
(45) Cf. Ioam Rodriguez [João Rodrigues, S.J.], História da Igreja do
Japão, 2 vols. Edição de João Amaral Abranches Pinto. Macau: Notícias de
Macau, 1954-1955.
(46) A primeira fase da missão jesuíta na China encontra-se exaustivamente estudada em Horácio Peixoto de Araújo, Os jesuítas no império da
China. O primeiro século (1582-1680). Macau: IPOR, 2000.
(47) Ibidem, pp. 100 e ss.
(48) Sobre os conhecimentos de Ricci da língua chinesa, ver Paul Fu-Mien Yang, S.J., «Dicionário Português-Chinês de Michelle Ruggieri e
Matteo Ricci: Introdução Histórica e Linguística», in Michele Ruggieri &
Matteo Ricci, Dicionário Português-Chinês. Edição de John W. Witek, S.J.
Lisboa [et al.]: Biblioteca Nacional de Portugal [et al.], 2001, pp. 29-74.
(49) Tacchi-Venturi, Pietro, S.J., Opere storiche del P. Matteo Ricci, S.J.,
2 vols. I. Commentari della Cina, 1911; II. Le lettere della Cina, 1913.
Macerata, 1911-1913, vol. II, pp. 27-28.
(50) Ibidem, p. 65.
(51) O manuscrito foi conservado inédito no Archivum Romanum
Societatis Iesu (Roma, Itália). Entre as referências anteriores à publicação,
destacam-se: David Lopes, cit, 1969, p. 160; Dieter Messner, «The first portuguese bilingual dictionary resorting to a foreign “modern language-chinese”, Review of Culture, nºs 34-35 (Jan-Jun), 1998, pp. 281-291; e o volume de
Joseph Abraham Levi, O dicionário Português-Chinês do padre Matteo Ricci,
S.J. (1552-1610). Uma abordagem histórico-linguística. New Orleans:
University Press of the South, Inc., 1998.
(52) A edição deste dicionário foi iniciada por Paul Fu-Mien Yang, S.J.
(1925-1995) por volta de 1989, sendo da sua autoria o estudo histórico e linguístico apresentado no Congresso Internacional de Sinologia realizado em
Taipei (Taiwan) em Junho de 1989, e publicado em versão revista com o fac-símile do dicionário. Depois da morte prematura de Yang, muitas vicissitudes atrasaram a edição de que, por fim, se encarregou o Padre John W.
Witek, S.J., responsável também pela «Introdução», in Michele Ruggieri &
Matteo Ricci, Dicionário Português-Chinês, 2001, pp. 11-27.
(53) Cf. Dieter Messner, «The first portuguese bilingual dictionary resorting to a foreign “modern language-chinese”», 1998, pp. 281-291.
(54) Cf. Paul Fu-Mien Yang, cit., 2001, p. 46 e ss.
90
(55) A súmula mais importante dessa investigação recente, que teve a
colaboração de linguistas vietnamitas, encontra-se na obra de Roland
Jacques, Portuguese pioneers of vietnamese linguistics prior to 1650
(Bangkok: Orchid Press, 2002), publicada em inglês e na versão original em
francês.
(56) Ver edição fac-similada com tradução moderna em vietnamita por
Thanh Lãng, Hoàng Xuân Viêt e Dỗ Quang Chính, Tù Diên Annam-Lusitan-Latinh. Ho Chí Minh: Nxb Khoa hoc Xã hô˛i, 1991.
(57) Roland Jacques, cit., 2002.
(58) Códice 49/V/7, ff.413r-416r. Colecção Jesuítas na Ásia. Lisboa:
Biblioteca da Ajuda.
(59) Códice 49/VI/8, ff.313r-323v. Colecção Jesuítas na Ásia. Lisboa:
Biblioteca da Ajuda.
91
SONG XIAOPING
Vice-director, Instituto de América Latina
Academia Nacional de China de Ciencias Sociales
China y América Latina: su desarrollo cultural
bajo la globalización económica
I. Globalización económica y diversidad cultural
La globalización económica es un hecho y una tendencia que se nos acerca. Según la definición que se acepta
generalmente, la globalización económica se refiere al libre
flúido por el mundo de los elementos productivos, incluidos
el capital, tecnología, mano de obra, etc. Sin embargo, la
globalización económica es un proceso de desarrollo muy
complicado, no es puramente económico, de Mercado, sino también contiene elementos políticos y culturales. Esto
implica un desarrollo cada vez mas profundizado del intercambio y cooperación internacional en los terrenos cultural
e ideológico. El impacto de la globalización económica es
multifacetico, no solamente en las esferas económicas, sino
también en las culturales de la vida humana.
En los últimos años, hay quienes sostienen una tendencia de asimilación de las diferentes culturas nacionales durante la globalización económica. También hay quienes que
van mas allá que esto, ellos consideran que, uno de los productos directos de la globalización económica consiste en
una globalización cultural. Estas teorías no solo niegan la
existencia de las diferencias culturales, sino también la existencia de las diversas culturas nacionales.
Nosotros opinamos que las diferencias entre las diversas culturas nacionales son objetivas, que no se vislumbra
el horizonte de su extinción, la globalización económica no
puede hacer desaparecer ni eliminar las diferencias y los
rasgos distintivos entre las diversas naciones y regiones
en el aspecto cultural, viéndolo tanto desde corto como mediano y largo plazo.
Las necesidades básicas y las actividades por satisfacción de las mismas de la Humanidad consitituyen la base
93
del nacimiento y desarrollo de las culturas. Las necesidades
básicas y las actividades por satisfacción de las mismas de
la Humanidad son comunes. Sin embargo, las formas de expresión de las necesidades y las subsiguientes actividades
no son iguales, que se diferencian de época a época, y de
nación a nación. Esto determina las diferencias culturales.
En cuanto a las diferencias culturales, hay diferencias
por épocas, y también las hay por naciones. Los dos tipos
de diferencias no son iguales. Las diferencias culturales por
épocas se refieren a las que se producen entre los diferentes niveles de desarrollo, que reflejan las diferencias de grado de desarrollo. Las diferencias culturales por naciones no
nacen por motivo de diferentes grados o niveles de desarrollo, sino que existen por las diferentes formas, modos o
estilos de expresión de las necesidades básicas y las subsiguientes actividades por satisfacción de las mismas necesidades. En este sentido, cada cultura nacional tiene sus
particularidades, con sus propios valores insustituibles, que
forman parte de las riquezas culturales de la humanidad.
Claro, es irracional exagerar las diferencias nacionales.
La exageración de las diferencias culturales nacionales
conduciría a una negación del intercambio cultural entre las
diversas naciones. Con la globalización económica, el siglo
21 se convierte en un siglo de vertiginoso desarrollo científico, tecnológico y económico. Gracias a los avanzados medios de transporte y comunicación, el mundo se hace cada
vez mas chico, los intercambios culturales se intensifican
con cada día que pasa, y las culturas nacionales se influyen
entre si. Sin embargo, de esto, no se puede deducir una asimilación de las diferentes culturas bajo el actual proceso de
globalización económica.
La globalización económica ha hecho influencias al desarrollo cultural de la humanidad. Sin embargo, de estas influecias no nacerá una llamada “globalización cultural,” que
implica “un modelo único cultural”, ni “una standarización
de una cultura mundial” en torno a determinada cultura, por
ejemplo, a la cultura norteamericana. El hecho es que la globalización económica hace que los lazos culturales entre
los diversos países o naciones se fortalecen mas que nunca, las oportunidades de intercambio e influencias entre las
diversas culturas se incrementan sin cesar y, las diversas
culturas, mientras heredan y desarrollan la excelencia de
94
sus tradiciones culturales propias, asimilan los logros de las
otras culturas, de modo que se promueva el desarrollo cultural de la Humanidad.
La prolongada historia mundial nos demuestra que nunca existe un modelo único cultural, ni una “cultura globalizada”. La historia de las civilizaciones de la Humanidad es
una historia de desarrollo de las culturas de las diversas naciones, que hicieron sus particulares contribuciones al desarrollo cultural de la Humanidad, y profundas influencias al
desarrollo de la sociedad humana. Durante miles de años,
las civilizaciones de la Antigua Grecia, China, India, asi como las civilizaciones africanas, islámicas, desarrollaron sus
culturas, formando parte de las riquezas culturales humanas.
En la actualidad, la globalización económica proporciona nuevas oportunidades históricas al intercambio a las diferentes culturas, de modo que la globalización económica
se convierte en poderosas fuerzas de promoción al desarrollo de las culturas nacionales. A base de este frecuente y
amplio intercambio, los diversos países y naciones adquieren nuevos elementos foráneos para desarrollar sus propias
culturas, hacerlas mas ricas, mas dinámicas, así como con
particularidades propias mas pronunciadas. Por lo tanto, la
globalización económica constituye precisamente nuevas
condiciones y oportunidades para que las culturas nacionales promuevan y desarrollen plenamente sus propias particularidades.
En la historia humana, podemos ver casos y experiencias convincentes. Como indica el famoso filósofo inglés
Russell, la historia ha demostrado que el intercambio entre
diversas culturas es hito para el desarrollo de las civilizaciones humanas. Los griegos aprendieron de los egipcios, los
romanos, de los griegos; los árabes del Imperio Romano. En
la Edad Media, los europeos imitaron a los árabes; en el
Renacimiento, Europa imitó a su vez al imperio Bizantino.
Precisamente es a través del encuentro, intercambio y entrelazamiento entre si, estas diferentes culturas pudieron
asimilar incesantemente nutritivos elementos foráneos, cobraron dinamismo durante los distintos períodos históricos
y, se prolongaron de generación en generación. Este encuentro, intercambio y entrelazamiento entre si, no resultaron ni implicaron que una cultura nacional desapareciera o
95
se disolviera absorbida por otra, sino que se alimenta de
contenidos foráneos, se fortalece y se rejuvenece. La historia del desarrollo de la cultura china lo ha demostrado.
Durante el proceso de asimilación de elementos foráneos, la
cultura china no fue sustituida por las otras, por ejemplo, en
la Dinastía Yuan y Dinastía Qing, sino que se convirtió en
una mas dinámica, con mas vitalidad.
Los rasgos fundamentales de las culturas son nacionales. La nacionalidad cultural es la piedra angular, sobre la
que determinada nación puede sobrevivir entre las otras.
Cuando la cultura pierde su nacionalidad, entonces pierde
la razón de subsistencia como cultura independiente. Y
cuando determinada nación pierde su cultura nacional, esta
nación perdera su razón de subsistencia.
En el mundo, no exixte una cultura mundial independiente de las culturas nacionales. De la globalización económica no nace una globalización cultural a base de un único sistema de valores culturales. Lo que existe son culturas nacionales. Cada nación tiene su propia cultura, las distintas
culturas nacionales son insustituibles entre sí. De la nacionalidad cultural nace la diversidad cultural, o sea diversidad
cultural que está fundada sobre las distintas particularidades o identidades de las diversas culturas nacionales. Para
la Humanidad, igual que la diversidad biológica para el
equilibrio biológico, es indispensable la diversidad cultural.
En este sentido, la diversidad cultural es uno de los patrimonios básicos de la Humanidad.
II. Independencia cultural
Es un hecho inobjetable que las culturas de los diversos
países y naciones tienen sus particularidades, y de aquí,
nace y se desarrolla la diversidad cultural, aun bajo la globalización económica. Perseverar en la nacionalidad y diversidad cultural constituye un tema eterno para el desarrollo
de las civilizaciones de la Humanidad. En China, hay un
lema que dice: “convergirse y no asimilarse”. Este lema
sirve para el desarrollo de las diversas culturas nacionales.
Las normas básicas para las relaciones culturales internacionales consisten en promoción mutua a base de igualdad.
El contexto del desarrollo cultural humano debe ser la convivencia entre las diversas culturas nacionales a base de la
diversidad cultural.
96
Sin embargo, sigue habiendo quienes pregonan por la
“globalización cultural”, que implica un “modelo único cultural”, o “standarización de una cultura mundial” en torno a
determinada cultura. Ellos intentan establecer una hegemonía cultural e ideológica, a base de sus culturas “poderosas”, procuran imponer su modelo cultural a otros países,
y usar todo tipo de medios para difundir sus teorías políticas, valores, modos de vida, etc. Por lo tanto, perseverar en
la nacionalidad y diversidad cultural adquiere un sentido importante para el desarrollo de las culturas nacionales. Los
diversos países en desarrollo tienen que librar una lucha por
la independencia de la cultura nacional, estar alerta contra
todo tipo de intenciones de hegemonismo cultural, proteger
y desarrollar las herencias de las culturas nacionales, asegurar ampliamente la identidad de la cultura nacional entre
nuestros pueblos.
Para salvaguardar la independecia de la cultura nacional, hay que adoptar, además, una postura de apertura cultural, esto quiere decir, nutrirse activamente de excelentes
logros culturales de otras naciones, de modo que nuestras
culturas nacionales puedan rejuvenecerse. Es peligroso el
aislamiento cultural, apartarse del mundo actual, aun mas
peligroso pregonar por un nacionalismo extremista, considerándose como ortodoxia y rechazando a otras culturas
como heterodoxias. Por un lado, luchar contra la hegemonía
cultural y salvaguardar la independecia de la cultura nacional, por el otro lado, asimilar activamente excelentes logros
culturales foráneos y respetar la diversidad cultural, son dos
caras de la misma moneda. Para fortalecer la independencia de la cultura nacional, o major dicho, fortificar la cultura
nacional misma, hay que estar atento a los dos aspectos.
Reconocer y respetar la diversidad cultural no sólo implica salvaguardar el derecho de independencia, sobrevivencia y desarrollo cultural de sí mismo, sino también reconocer el mismo derecho de los demás. Es así que se establecerá un contexto de desarrollo cultural en el mundo actual a
base de la diversidad cultural.
III. China y América Latina: esfuerzos
por el desarrollo de las culturas nacionales
China y los países latinoamericanos son países en desarrollo. Se enfrentan con la misma tarea de desarrollo tan97
to económico como cultural. En la época actual, el desarrollo de la cultura nacional tiene un valor particular para
ellos. Si se pierde la cultura nacional, entonces se pierde el
sostén espiritual y la identidad nacional, así como el rumbo
de su desarrollo nacional.
China es un país milenario, con fuertes raíces culturales,
sin embargo, bajo la globalización económica, la tarea de
conservación de sus tradiciones culturales no es menos difícil. En el proceso de intercambio cultural e influencia de
otras culturas, la conciencia de independencia cultural es
indispensable.
En la historia, los grandes pensadores y literatos latinoamericanos, como Simón Bolivar, Jose Martì y muchos otros,
siempre luchaban por la independencia e identidad cultural
de sus patrias. Hoy aun sigue esta lucha.
Al estudiar y analizar el fenómeno de la globalización,
los latinoamericanos tocaron una serie de temas importantes, tales como la marginación económica, política y cultural, diversidad cultural, igualdad política entre todas las naciones, etc.
La tendencia de marginación cultural e imposición de
modelos económico-político y culturales es un tema que
preocupa a muchos latinoamericanos. Miguel León-Portilla,
investigador de la Universidad Nacional Autónoma de
México, señala en su obra “Los indígenas y la globalización”, que, la larga historia muestra que la esencia de la globalización consiste en que bloques de fuerza en diferentes
formas imponen todo su sistema cultural, incluidos el sistema político y económico, modelo tecnológico, modo de vida, valores, etc. En la historia, este proceso de imposición
fue acompañado por diversas formas de conquista, tales
como guerras y colonizaciones, mientras que la actual globalización es la continuidad de la historia, cuya forma consiste en conquista de mercados. La obra del autor muestra
una viva preocupación por la marginación cultural de los
débiles, tanto pueblos como naciones.
El famoso historiador y pensador mexicano, Leopoldo
Zea, en su obra “Fin de milenio: Emergencia de los marginados”, editada en 2000, señala con mas profundidad, que,
al hacer la expansión, el Occidente se denomina como típi98
co representante de la cultura humana y de la Humanidad
entera, todo tipo de modelos tienen que tomarlo como prototipo, tienen que ser revisados por el Occidente según sus
propios intereses. El historiador mexicano deposita mucha
esperanza en los “marginados”, durante el relevo de siglos,
el fenómeno de la emergencia de los “marginados” es una
reacción contra la desigualdad histórica. Los “marginados”
han participado en la construcción del mundo con sus recursos, inteligencia y trabajo, ellos tienen el derecho en disfrutar la libertad y prosperidad del Nuevo Milenio. El mundo
actual tiene que aprender a respetar las diferencias culturales de los demás, a encargarse de su responsabilidad, de
modo que la Humanidad se encamine a una nueva era, en
vez de un exterminio de todos.
En la época actual, las culturas latinoamericanas han sido y siguen azotadas por el neoliberalismo excesivamente
difindido en este continente. La tarea del desarrollo de las
culturas nacionales es aun mas apremiante que la del
económico.
99
RODERICH PTAK
Universidade “Ludwig Maximilian” de Munique
The Sino-European Map (“Shanhai yudi quantu”)
in the Encyclopedia Sancai tuhui
I
The “Shanhai yudi quantu” 山海輿地全圖, or “Complete
Terrestrial Map”, in the influential late Ming compilation
Sancai tuhui 三才圖會 (prefaces 1607 and 1609), is one
of several Chinese cartographic works with strong Jesuit
influence.1 Jesuit map-making in China has been the subject
of many academic studies, but these inquiries are mostly
concerned with the editorial history of individual pieces
and the European sources on which the Jesuits had based
their art. The present contribution will not exclusively focus
on editorial problems; instead, it will mainly look at certain
geographical issues common to many of the maps in
question – especially the “Shanhai yudi quantu”.
Before going into further details, some general
observations should be offered here. The major works of
Jesuit cartography in China include a number of printed
world maps by Matteo Ricci (1552-1610), Giulio Aleni
(1582-1649) and Ferdinand Verbiest (1623-1688). To this
may be added the earliest extant Chinese terrestrial globe,
probably produced by Manuel Dias (1574-1659) and Nicolò
Longobardi (1565-1654), and certain other pieces, usually
in the form of manuscript copies. Here we shall mainly deal
with the “early” material, i.e., with maps by or associated with
Ricci, because the Sancai tuhui map falls into this period.
Matteo Ricci, it is well known, produced several maps.
Their editorial history is extremely complicated and cannot
be discussed here. Only a few general remarks will be made.
These follow earlier research, particularly by Hong Weilian 洪
䉂蓮, Kenneth Ch’en (Chen Guansheng) 陳觀勝, Pasquale
M. d’Elia, John D. Day, and recent Chinese scholarship.2
According to Day, Ricci prepared eight world maps in all:
(1) an early woodblook print (1584); (2) a map carved on
a stele (1596); (3) a revised version of the latter (1600); (4)
101
a larger “edition” of the 1584 map, in six panels, printed in
Beijing (1602); (5) an eight panel version of that piece (1603);
(6) a booklet based on the map of 1600 (issued in 1604);
(7) twelve copies of a new version presented to the Ming
emperor (1608); (8) and a map in two hemispheres (1609).
Most of these maps are now lost, only of (4) and (5) several
original copies are known to exist.3 One copy of the 1602
print, preserved in the Vatican, was published by d’Elia in
the form of a beautifully-arranged book (1938). This modern
work also contains Italian translations of the colophons on
the map, and a catalogue of all toponyms, plus detailed
notes regarding their identification.4
Other than the above pieces, a number of later prints
ultimately going back to the 1602 version have survived as
well. Furthermore, there are different manuscript copies.
Their history is extremely difficult to reconstruct, partly
because these works are scattered over a number of
archives worldwide, including Korea and Japan, and partly
because there is very little internal and external evidence
to suggest when and under what circumstances they were
drawn. For more on this, readers are again referred to earlier
research, especially by Day, who has arrived at some useful
conclusions concerning their possible transmission and
“parent maps”.5
A few more details may be added: First, the title of the
1602 map is “Kunyu wanguo quantu” 坤輿萬國全圖 (now
KYWGQT), the one of 1603 is usually given as “Liangyi
xuanlan tu” 兩儀玄覽圖. Earlier and later versions often bear
different names. Item 2, for example, is called “Shanhai yudi
tu” 山海輿地圖. Another map, engraved by Wu Zhongming
吳中明 and dated 1600 by Hong Weilian, Cao Wanru and
others (this map seems to be identical with map 3 in Day’s
list), is usually referred to under the name “Shanhai yudi
quantu”. The same name also occurs with the version of
1604, engraved by Guo Zizhang 郭子章.6 Furthermore, it is
also the name given to the map in Sancai tuhui.
Second, some of Ricci’s maps were printed in large
numbers and circulated in many parts of China. This also led
to several “adaptions”. A number of these adaptions were
included in late Ming book compilations, such as Tushu bian
圖書編 (begun in 1562, completed in 1577 or 1585; printed
in 1613), Fangyu shenglüe 方輿勝略 (probably printed in
1610), and Sancai tuhui.7
The Tushu bian, to begin with, contains several maps
which clearly show Ricci’s influence, but they are difficult
102
to date because we do not know at what point in time they
entered the Tushu bian.8 Chapter 16 of that compilation
contains a world map in two hemispheres. This is the
“Haotian hunyuan tu” 昊天渾元圖. It shows the different
continents, but their shapes are very rough and there are
no names at all. The next map, called “Yudi shanhai quantu”
輿地山海全圖 (not “Shanhai yudi quantu”!), is found in
chapter 29; its projection is the same as the one used for the
famous KYWGQT. The following names and terms appear
on the “Yudi shanhai quantu”: those for the continents (the
characters for “Europe” are missing), China, Da Ming 大明
(for the dynasty), jingshi 京師 (for the capital), shisan sheng
十三省 (“thirteen provinces”, i.e., the Ming provinces; the
two metropolitan regions not included), Niluo he 泥羅河 (Nile
River), Heiren guo 黑人國 (along the East African coast), Yin
he 銀河 (Rio de la Plata), and the names for five oceans (or
segments of oceans). Again, the outlines of the continents
are very rough; China, for example, appears to be located
on two islands.
Both the “Yudi shanhai quantu” and the “Haotian hunyuan
tu” show the equator (the second map also has the Arctic
and Antarctic Circles, the Tropic of Cancer and the Tropic
of Capricorn), as well as longitudes and latitudes, but there
are no numbers associated with these lines. This does not
apply to two further maps (also contained in chapter 29 of
Tushu bian), which project the northern and southern halfs
of the globe from the two poles (in Chinese: “Yudi tushang,
chidao yi bei” 輿地圖上, 赤道以北 and “Yudi tuxia, chidao yi
nan” 輿地圖下, 赤道以南). These maps are more elaborate;
they carry figures for latitudes and longitudes, the equator,
and the arctic circles, and they also list a large number
of place names. We shall return to some of these names
further below, because they also appear in Sancai tuhui. The
maps in chapter 29 of Tushu bian, it may be added here,
are accompanied by some explanations, of which similar
versions can also be found in other texts.
The editorial history of the Tushu bian being all but clear,
only some very general remarks can be made in regard to
the possible dates of the above maps. The “Yudi shanhai
quantu” could be a very early product based on the lost
Ricci map of 1584.9 The “Haotian hunyuan tu” may be
related to another projection in two hemispheres, found in
Fangyu shenglüe, but all further details remain uncertain.
As to the “polar maps”, similar versions can be found on
the upper and lower left corners of Ricci’s KYWGQT (1602).
103
Perhaps, then, the ones in Tushu bian were drawn after 1602
and added to the text just prior to its being printed.
Here we can turn to the next work, the Fangyu shenglüe.
The map in this book is particularly important because it
presents the world in two hemispheres and is much more
elaborate – and realistic – than the “Haotian hunyuan tu” in
Tushu bian. Surprisingly, the Fangyu shenglüe map is again
called “Shanhai yudi quantu” (like the Ricci maps of 1600
and 1604), its alternative name(s) being “Dong / Xi (liang)
banqiu tu” 東 / 西 (兩) 半球圖. It is accompanied by various
explanations, which bear the title “Shanhai yudi quantu jie”
山海輿地全圖解, and an annotated list of toponyms with
latitudes and longitudes (“dufen biao” 度分表, now DFB).
The Fangyu shenglüe map, the explanations and the
geographical coordinates were already studied in the 1930s,
namely by Kenneth Ch’en and also by Hong Weilian.10 The
map itself seems to be the same as number 8 in Day’s list,
above. Furthermore, and more important still, it is assumed to
be identical with or directly based on a map prepared by Ricci
in 1601 (engraved by Feng Yingjing 馮應京, i.e., “Fomimchim”
in Ricci’s texts). Day’s list does not mention the piece of 1601,
but Hong Weilian, Cao Wanru and Yee refer to it. Its name
is usually given as “Yudi quantu”.11 If these assumptions
are correct, then we are looking at three projections in two
hemispheres: the original Ricci piece of 1601, the Fangyu
shenglüe map, and the Tushu bian map. Since the latter is so
poorly drawn, there may have been another “prototype”, or
parent map, for the third piece, possibly a very early sketch
even predating the drawing of 1601.
The map in Sancai tuhui, which shall be examined as the
next piece, raises a new set of questions. It bears exactly
the same title as the Fangyu shenglüe piece (i.e., “Shanhai
yudi quantu”), but both maps differ from each other in many
respects. First, as was said, the latter belongs to the “class”
of hemispherical projections, while the former presents the
world in an oval form, somewhat similar to the “Yudi shanhai
quantu” map in Tushu bian and the KYWGQT; but the
projection in Sancai tuihui is so “condensed” that it could
also be placed in a category of its own. Second, the Sancai
tuhui piece shows no lines for latitudes and longitudes,
although the equator as well as the Tropic of Cancer and the
Tropic of Capricorn are alluded to by placing their names in
small boxes at the left side of the globe. Regarding the Arctic
and Antarctic Circles, their positions and names are vaguely
indicated, but no lines are drawn from one side of the globe
104
to the other. Third, in terms of shape, the five continents on
the Sancai tuhui map vary considerably from those on the
other maps. Fourth, there are more toponyms on the Sancai
tuhui map than on the “Yudi shanhai quantu” in Tushu bian,
but less than on the Fangyu shenglüe map or the KYWGQT.
In sum, although the Sancai tuhui map and the Fangyu
shenglüe are referred to under identical titles – “Shanhai yudi
quantu” –, they have little in common and are thus unlikely to
stem from one and the same source. This also implies that
the Ricci map of 1601 cannot have functioned as the parent
map for the one in Sancai tuhui.
Having thus excluded the 1601 map as a possible source
for the Sancai tuhui map, we still have to look at the other
pieces usually called “Shanhai yudi quantu”. This mainly
involves the maps of 1600 and 1604, but possibly also the
one of 1584, which is normally referred to as “Shanhai yudi
tu”. Unlike the Fangyu shenglüe map, these three were not
divided into hemispheres. Moreover, according to the lists
compiled by Hong Weilian and Cao Wanru, the maps of 1600
and 1604 were probably improved versions of the original
1584 piece.12 This means they all had to do with each other
– and perhaps also with the Sancai tuhui map. But of course
the details can no longer be established because the earlier
pieces are missing.
In view of these uncertainties, different suggestions were
offered in regard to the origin and date of the Sancai tuhui
map. Hong Weilian thinks it may be a an “abridged” version
of the 1600 map, prepared in Nanjing. But he concedes
that it may also have been made earlier, i.e., at some point
in time between circa 1596 and 1600.13 D’Elia suggests it
was drawn after the map of 1584 or the one of 1600.14 Wang
Qianjin 汪前進 simply calls it “a poor abbreviation of the
world map done by Matteo Ricci”, but gives no date.15 Yee
classifies it as “a rendition of the second edition of Matteo
Ricci’s world map (1602)”, the first being the one of 1600.16
If so, this would imply a date after 1602 – and no direct link
to the earlier versions. Whichever way it was – at present
there is no further evidence that would enable us to narrow
the date to any particular year or period. Nor do we know
anything about its author. One point should be made clear,
however: Since the shapes of the continents are drawn in a
highly distorted manner, for example the outlines of Africa
and the Middle East, it is unlikely that this map was prepared
by Ricci himself, not even as a preliminary sketch for some
of the larger pieces.
105
Here we can continue with a different issue. As was
said, the Fangyu shenglüe carries a number of technical
explanations, called “Shanhai yudi quantu jie”. This text is
reproduced in the journal Yugong.17 The map in Sancai tuhui
is also followed by a set of almost identical explanations,
but the internal arrangment is slightly different and the title is
missing. The explanations found in Tushu bian, as a kind of
appendix to the “Yudi shanhai quantu”, are shorter, although
they are again partly identical with those in the other two texts.
Hong Weilian tried to disentangle the possible transmission of
all these textual elements. Among other things, he concluded
that the ones in Sancai tuhui were probably taken from the
colophons on the 1600 map engraved by Wu Zhongming.
By contrast, the text found in Fangyu shenglüe is usually
assumed to be based on the 1601 map.18 Considering both
maps and texts, it would thus seem that the Sancai tuhui
contains earlier (or simplified) material, while the Fangyu
shenglüe is more accurate.
The text in Sancai tuhui and the “Shanhai yudi quantu
jie” in Fangyu shenglüe explain the system of latitudes
and longitudes. They also refer to the poles, the equator,
the Tropic of Cancer, the Tropic of Capricorn, and so on.
Furthermore, they list the different oceans and continents. The
last sections return to the problem of latitutes and longitudes,
adding various details, for example, that the calculation of
longitudes should be based on the position of the “Fortune
Islands” (Canaries; Fudao 福島). Thus, in Sancai tuhui, the
position of Nanjing is given as 130 degrees east of Fudao (in
the “Shanhai yudi quantu jie” as 128 degrees east!), and 32
degrees north of the equator. The Jurchen were located at
140 degrees to the east these islands, Birma at 110 degrees,
and so forth.19
In the case of the Sancai tuhui text, the technical
explanations are not really supported by the way in which the
map is drawn. Indeed, early seventeenth century readers
had no way of relating the text to what they saw on the map
(unless they had access to additional sources that would fill
the gap). Recall, the map omits all latitutes and longitudes,
although the equator and the two Tropics are vaguely
indicated near the left margin, and the Arctic and Antarctic
Circles are also alluded to. But the horizontal lines and the
necessary numbers (found on other maps) – and essential
for identifying locations – were not provided.
The arrangement in Sancai tuhui seems to be even
more bizarre if the four brief inscriptions around the map are
106
considered because, once again, readers were certainly
unable to relate them to the map itself:20 (1) “The three
outer spheres of the celestial sphere determine the extent
of heaven, the length of day and night, and the seasons.”
(2) “The inner circle of the earth gives a rough idea of the
division of the five continents.” (3) “The 36 horizontal and
vertical squares in the map cover ten degrees each.” (4) “The
longitude and latitude lines of the earth divide all quarters
and are used for degree-checking.” – The “outer spheres”
are not shown. The phrase “36... squares...” is based on a
misunderstanding of Ricci’s original ideas: there should be
intervals of ten degrees each between any two adjacent
longitude or latitude lines, which gives 36 x 18 (ten-degree)
lines, and thus a total of 648 squares. Finally, the squares
are not indicated on the map, as was mentioned. There thus
arises the question why these four inscriptions were added
to the map at all. The answer can only be that the editor
did not proceed carefully, or that his understanding of Ricci’s
system was incomplete, and that he had no means to verify
what he had read elsewhere.
To sum up: The map in Sancai tuhui, the four inscriptions
around it, and the text following the map are not in full
harmony with each other. The text is not too different from
the “Shanhai yudi quantu jie”, but seems to present an
earlier version of that piece (possibly, the text on the 1600
map). The map in Sancai tuhui bears the same name as
several earlier maps – “Shanhai yudi quantu” –, but has
little in common with the Fangyu shenglüe projection in two
spheres. Its oval (or nearly round) shape also differs from
the forms of certain other maps. Nevertheless, it could be a
rough imitation of the 1600 map, or some earlier piece. The
conclusion is that, in all likelihood, both the text and the map
were organized by someone not fully understanding Ricci’s
art, or, alternatively, the text was prepared, or rather copied,
by one hand, while the map was drawn by a second person.
Whether this involved Wang Qi, the general editor of Sancai
tuhui, is not known.21
II
We shall now look at the Sancai tuhui map itself. There
are some seventy toponyms / terms / short phrases, of which
over twenty refer to the oceans, or parts of them. Strangely,
some of the names on the map do not occur in the text, while
several names in the text – for example Birma and even
107
Fudao – are not on the map. Below is a list of all names on
the map, with explanations, where needed, and references
to other works:
Continents
(1) Bei Yamolijia 北亞墨利加 – North America
(2) Nan Yamolija 南亞墨利加 – South America
(3) Yaxiya 亞細亞 – Asia
(4) Ouluoba 歐羅巴 – Europe (the character ba is erraneously
printed in such a way that it seems to form a compound word
together with the character cha, in Fogancha 佛敢察; see no.
40 below)
(5) Liweiya 利未亞 – Africa
(6) Mowalanijia 墨瓦臘泥加 – Magellania (then current for
Antarctica)
Countries, Islands, Regions, Groups, etc.
(7) Shiren guo 食人國 – “Land of Cannibals” (shown where
Brasil is; Mappamondo, pls. V, VI; also on some European
maps, for example by Sebastian Münster; the Zhifang waiji
[of 1623; now ZFWJ], p. 132, speaks of cannibals with
respect to the Aztecs)22
(8) Hanhe 寒河 – not identified (shown to the east of North
America; Mappamondo, pls. VII, VIII, and in DFB, p. 169)23
(9) Xiangfeng 香峯 – not identified (also to the east of North
America; Mappamondo, pls. III, IV, DFB, p. 169)
(10) Yawaima 亞外馬 – not identified (in the northwestern
section of North America; Mappamondo, pls. VII, VIII, DFB,
p. 172)
(11) Baifeng 白峯 – not identified (on Antarctica, opposite of
Argentina; Mappamondo, pls. IX, X; DFB, p. 182)
(12) Dajiang 大江 – not identified (same sources as 11)
(13) Huodi 火地 – Tierra del Fuego (wrongly on Antarctica,
southwest of Chile; same sources as 11)
(14) Gou guo 狗國 – “Land of Dogs” (at the eastern edge of
Siberia, perhaps Kamchatka; also on the northern projection
in Tushu bian and other maps, for example Mappamondo,
pls. XI, XII, also nos. 147 and 159; DFB, p. 187)24
(15) Shanhushu dao 珊瑚樹島 – “Coral Tree Island(s)” (in
the sea, south of Gou guo; same on northern projection in
Tushu bian and Mappamondo, pls. XI, XII. Ricci adds a short
explanation: corals grow in water, when taken out with an
108
iron net, they became hard and red; this reminds of earlier
Chinese descriptions25)
(16) Riben 日本 – Japan
(17) Gaoli 高麗 – Korea
(18) Nüzhi 女直 – the Jurchen area (northeast of Korea)
(19) Wu cheng 五城 – “Five Cities” (near Sungari, north
of Korea, in the tenth century a kind of tribal capital;
Mappamondo, pls. XV, XVI, no. 292; DFB, p. 188)
(20) Liaodong 遼東 – the southern part of modern Liaoning
(the peninsula is not shown)
(21) Daning 大寧 – an important military region and garrison
(Mappamondo, pls. XV, XVI, no. 274; DFB, p. 182)
(22) Dada 韃靼 – Tartary (north of Liaodong)
(23) Da Ming guo 大明國 – the “Great Ming Empire” (the
characters are not larger than, for example, those used for
Dada or Gou guo; whether this should say something about
the relative size of China, cannot be told)
(24) shamo 沙漠 – “desert” (a long “diagonal” area found on
many traditional Chinese maps; an item taken over by Ricci
from Chinese geography)
(25) *Xifan 西番 – “Western Barbarians” (this term and the
next two, shown from east to west, appear in Central Asia,
indicating the area of modern Xinjiang and beyond)
(26) *Huihui 回回 – Muslims
(27) *Xiyu 西域 – “Western Regions”
(28) Xingsu hai 星宿海 – lake in Qinghai (in early times often
regarded as the source of the Yellow River; Mappamondo,
pls. XV, XVI, no. 201; DFB, p. 190)
(29) Kunlun 崑崙 – the famous Kunlun mountain range at the
southern rim of Xinjiang
(30) Annam 安南 – Annam (then used for the northern part
of Vietnam)
(31) Chancheng 占城 – Champa (the central part of
Vietnam)
(32) Liuqiu 琉球 – either the Ryukyu chain or Taiwan (several
islands are indicated to the east of the China mainland; it is
impossible to determine which island is meant by Liuqiu)
(33) Hainan 海南 – then also called Qiongzhou 瓊州 (to the
northwest of Hainan another name is shown, but unfortunately
it cannot be identified)
(34) Sanfoqi 三佛齊 – Srivijaya (wrongly placed on the
Southeast Asian mainland; note, there are no names in
connection with insular Southeast Asia, except for the next
two)
(35) Mu Zhaowa 木爪哇 – Java Major (mu is wrong for da
109
大; zhao looks like gua 瓜, as in no. 36; an unnamed island
is placed between Java Major and the Southeast Asian
mainland; the distinction between Java Major and Java
Minor follows European conventions of the late sixteenth
century, one usually standing for Sumatra, the other for Java
“proper”)
(36) Xiao Zhaowa 小爪哇 – Java Minor, very close to
Antarctica
(37) Yingdiya 應帝亞 – India (squeezed between the Bay of
Bengal and what appears to be the Gulf)
(38) *Xi Tianzhu 西天竺 – Western India (north of Yingdiya)
(39) Wolandiya dazhou 臥蘭的亞 – Greenland
(40) Fogancha 佛敢察 – France (the only European country
shown; also see no. 4, above; the second character is printed
very badly, carrying radical 26 on its right side; probably it
should read lang 郞)
(41) sanshi yu guo 三十餘國 – “more than thirty countries”
(on the Iberian peninsula; this phrase can be associated with
“Hispania”: the ZFWJ, p. 78, says, “Yixibaniya” 以西把尼亞
had more then “twenty major dependencies”: shuguo dazhe
ershi yu 屬國大者二十餘)
(42) tianxia ci shan zhigao 天下此山至高 – “the greatest
mountain of the world” (placed in the northwestern section
of Africa; from the ZFWJ, p. 107, it becomes clear that the
Atlas in Morocco is meant)
(43) Yingge di 鸚哥地 – Terra Psittacorum (“Parrot Country”;
opposite of South Africa, on Magellania; this also follows
early modern European conventions; perhaps penguins
were implied and confused with parrots; on the map ge
carries R 196, which is rather unusal)
(44) Xin Runi 新入匿 – New Guinea (on Magellania; the shape
of Australia and the Torres Strait were not known to Ricci,
hence New Guinea was linked to the southern land mass)
(45) ci nanfang di ren zhi zhe shao, wei shen qi wu 此南方
地人至者少, 未審其物 – “Few have reached these southern
regions, [therefore] the things [related to them] are not
explored yet” (this explanation appears on Magellania)
Oceans and Seas, Sections of Oceans, Rivers
(46) Heyuyanuo cang 河 ? 亞諾滄 – for oceano (the second
character is not in the dictionaries, but looks similar to no.
12683 in Zhongwen da cidian 中文大辭典; it is usually read
yu and is certainly wrong for zhe 摺; hezheyanuo 河摺亞諾
is the transciption of oceano; this name appears in ZFWJ, p.
147 [with the addendum canghai 滄海], where it seems to be
110
used exclusively for the Atlantic; on the Sancai tuhui map it is
shown twice, to the east of Central America and to the west
of Africa; interestingly the name Da Xi yang 大西洋 – again
the Atlantic Ocean – is also mentioned, see below no. 69)
(47) Keluotuo hai 客羅陀海 – not identified (apparently on
the eastern side of North America; the northern projection
in Tushu bian shows a similar name – ?-luota hai 羅它海 – of
which the first character is not legible; also Mappamondo,
pls. VII, VIII, there Moluoto hai 黙羅陀海, north of the “Corte
Real Land”)
(48) Yinhe 銀河 – Rio de la Plata (correctly positioned in
Argentina)
(49) Bing shui 冰水 – “Ice Sea” (beyond North America,
i.e., the Arctic Ocean; obviously it was perceived as being
different from Bei hai, see next)
(50) Bei hai 北海 – “Northern Sea” (at the northern exit of
the Bering Strait; the “Yudi shanhai quantu” in Tushu bian
indicates the same location; the northern projection in that
source places the name Beihai more or less where the East
Siberian Sea should be)
(51) Dong Hong hai 東紅海 – Gulf of California (the Gulf
is not depicted on the map, but from other evidence this
identification is clear; see, for example, Mappamondo, pls.
IX, X; the “Mar Vermejo” on European maps, by Abraham
Ortelius, etc.)
(52) Da Dong yang 大東洋 – “Great Eastern Ocean” (the
eastern Pacific, off the west side of Central America; on the
“Yudi shanhai quantu” this sea extends to the south, beyond
the equator)
(53) Bailu hai 白露海 – “Sea of Peru” (also part of the eastern
Pacific, but placed too far south, i.e., not in front of Peru; also
on the southern projection in Tushu bian; in other sources,
for example, Mappamondo, pls. IX, X, and ZFWJ, p. 147, this
sea is called Bolu hai 孛露海)
(54) Cangming zong 滄溟宗 – not identified (in the central
eastern section of the Pacific Ocean; perhaps “ensemble of
the blue and vast [seas]” or “ensemble [of islands in] the
blue and vast [seas]”)
(55) Dongnan hai 東南海 – “Southeastern Sea” (to the
northwest of Bailu hai; Mappamondo, pls. IX, X; southern
projection in Tushu bian)
(56) Mowalani hai 墨瓦臘泥海 – “Sea of Magellania”
(southwest of the Bailu hai, at the western end of the sea
between South America and Antarctica; note, the character
jia 加 – as given correctly in the continent’s name – is missing;
see no. 6)
111
(57) Ning hai 寧海 – “Peaceful Sea” (to the west of Mowalani
hai, obviously part of the South Pacific; perhaps an earlier
“version” of Taiping yang 太平洋; also, for example, on
Mappamondo, pls. IX, X, and as “Mare pacificum” – several
variant forms! – on European maps, such as the ones by
Sebastian Münster and others)
(58) Xiao Dong yang 小東洋 – “Small Eastern Ocean” (to the
southeast of Japan; note, this is more or less on the same
latitute as the Da Dong yang; the same arrangement occurs
on the northern projection in Tushu bian)
(59) Da Ming hai 大明海 – “Great Ming Sea” (to the east of
the Ryukyu-Taiwan chain; on other maps either to the west
of that chain [hence the East China Sea], or directly placed
in the area)
(60) Banggela hai 旁葛臘海 – Bay of Bengal (correctly placed
to the east of India)
(61) Xiao Xi yang 小西洋 – “Small Western Ocean” (the
Persian Gulf or, alternatively, the northwestern part of the
Indian Ocean; very unclear; almost on the same latitude as
the Xiao Dong yang; on the “Yudi shanhai quantu”, the Xiao
Xi yang points to the Arabian Sea, but it also extends beyond
the equator)
(62) Xi Hong hai 西紅海 – Red Sea (drawn very inaccurately)
(63) Yalapi hai 亞蠟皮海 – Arabian Sea (too far south, as
on the southern projection in Tushu bian, where this sea is
placed between Madagascar and Mozambique and spelled
differently; see also ZFWJ, p. 147)
(64) Xi’nan hai 西南海 – “Southwestern Sea” (the southern
section of the Indian Ocean, as on the southern projection
in Tushu bian)
(65) Nan hai 南海 – “Southern Sea” (betwen Java Major,
Java Minor and New Guinea; similar location on the southern
projection in Tushu bian, but also shown on the northern
projection, where it is placed in the area of the Arabian Sea;
less clear on “Yudi shanhai quantu”)
(66) Beigao hai 北高海 – Caspian Sea
(67) Da hai 大海 – Black Sea (or Tai hai 太海, first character
unclear)
(68) Dizhong hai 地中海 – Mediterranean
(69) Da Xi yang 大西洋 – “Great Western Ocean” (the Atlantic,
coexisting with no. 46, above)
(70) Liweiya hai 利未亞海 – Gulf of Guinea (literally “Sea of
Libya”, the name being derived from the continent; also in
other sources)
112
III
The above list can be compared to the set of names found
in the DFB catalogue, and the toponyms on the northern
and southern projections in Tushu bian, Ricci’s KYWGQT,
Aleni’s maps in ZFWJ and the text parts of that book (which,
however, is of a later date, namely 1623). The general results
are these: (1) The number of toponyms in Sancai tuhui is
considerably smaller. (2) Some items such as the ones
listed under 25, 26, 27 and 38 are perhaps not “typical” for
Ricci’s maps; rather, they seem to reflect traditional Chinese
geographical conventions and probably were added by the
editor(s) for the sake of the Chinese readership. (3) Hong
Weilian has pointed out correctly that the number of names
for the oceans and seas is unusually high.26
The last point is of particular interest here. To understand
the “maritime dimensions” of the map, we shall look at
the “Yudi shanhai quantu” in Tushu bian first. There, the
number of toponyms is reduced to a bare minimum and
the arrangement is somewhat different from the one on the
Sancai tuhui map. Furthermore, the names of the continents
and the two rivers (Nile and Rio de la Plata) are all derived
from their “usual” Western equivalents; the names of the
oceans are essentially Chinese. Next, the distribution of
all names on the map is almost symmetrical: Yaxiya and
Liweiya are on one side of the globe, Bei Yamolijia and Nan
Yamolijia on the other side. China (Da Ming guo), the thirteen
provinces and the imperial capital are near the center. The
Nile appears in the northwestern section, the Rio de la Plata
in the Southeast. Regarding the seas: (1) Bei hai and (2) Nan
hai are on the same longitudes. Between them, in the central
part of the Pacific, one finds the (3) Xiao Dong yang. Its
“counterpart”, the (4) Xiao Xi yang, washes the Indian west
coast. The (5) Da Dong yang, near the American west coast,
however, has no “counterpart” – obiously the editors forgot
to place the name Da Xi yang on the map.27 Or, alternatively,
the five oceans / seas were to represent the five directions
(east, south, west, north, center). Other oceans, or sections
of the sea, are not named. Finally, the characters for Bei hai
and Nan hai are smaller than the ones for the three yang, or
“oceans”, which seems to underline that the oceans were
vaster than the seas.
This simple and rather straighforward arrangement can
be compared to traditional Chinese perceptions of the seas.
Already under the Yuan, there emerges a kind of double
113
segmentation between a western and an eastern sphere.
The Nanhai zhi 南海志 (1304) and Daoyi zhilüe 島夷誌略
(1349/50) are cases in point.28 Both texts draw an imaginary
line through Southeast Asia, which divides the maritime
world into an eastern and a western part. In the first text,
the Da Dong yang can be loosely associated with the Java
Sea and its eastern extensions, the Xiao Dong yang is more
or less identical with the Sulu Sea (or the “Sulu zone”), and
the Xiao Xi yang with the sea off the Malayan east coast. The
Da Xi yang is not mentioned (as on the Tushu bian map), but
– intuitively – it should be equivalent with the northern half of
the Indian Ocean. The division between east and west is thus
near the Sunda area. The second text pushes this line to the
Singapore area. Both works do not refer to the Bei hai and
Nan hai, but that does not matter very much because in all
likelihood these two seas were considered as subordinated
entities and certainly not as important for navigation as the
eastern and western oceans.
A similar picture emerges under the Ming. Zheng He
鄭和 sailed to the Xi yang. The books by Fei Xin 費信, Ma
Huan 馬歡 and Gong Zhen 鞏珍 (all early 15th century) also
refer to that sea, which began somewhere near Melaka or
Sumatra. The Dongxiyang kao 東西洋考 (1617/18) moves
the borderline between the eastern and western spheres
back – to an imaginative line running through Kalimantan.
Elsewhere I have demonstrated that this East / West
segmentation can be related to the existence of two major
trade arteries between China and Southeast Asia: the socalled xi hanglu 西航路 (western route) and the dong hanglu
東航路 (eastern route). Ships sailing along the first route went
from Fujian and Guangdong to Hainan and Vietnam, passing
the Paracel Islands on their western side; from Vietnam they
proceeded to the Malayan east coast and finally around the
peninsula’s southern tip to Melaka and the Indian Ocean; a
further link connected the southern tip of Vietnam to Cape
Datu; from there vessels could follow the Kalimantan coast
down towards Java. The second route ran from Fujian – via
the southern tip of Taiwan – to Luzon; from Luzon one would
then go through the Sulu Sea to Brunei or, via the Sulu Islands
and Celebes Sea, to Sulawesi, Maluku, Ceram, Timor, and so
forth. The existence of this double route system is related to
a very special geographical feature: the central part of the
South China Sea was considered dangerous due to its many
shoals and reefs. Consequently, ships had to avoid that
region, either by sailing along the Vietnam coast, or through
114
the Philippines. Therefore, in the spatial perception of Yuan
and Ming authors, when going south, one would first enter
the Xiao Xi yang or the Xiao Dong yang, respectively – and
then proceed to the larger and more distant “entity”, either
the Da Xi yang (Indian Ocean), or the Da Dong yang (the
Java Sea and other easternly seas).29
The concepts of Xi yang and Dong yang were thus
related to traditional sailing routes, the smaller (xiao) oceans
being closer to China than the larger (da) ones. It seems that
this concept was understood and modified by Ricci, who
placed several traditional Chinese names on his KYWGQT,
and certainly also on his earlier maps. Perhaps this was a
kind of concession to his Chinese friends.
Here we can return to the Sancai tuhui map. Many
traditional Chinese names for the oceans are also found on
this map, as was said, although their geographical position
is not always the same as in Yuan and early Ming sources.
Thus, the Xiao Dong yang and Da Dong yang were pushed
from their original location in Southeast Asia to the Pacific
regions (as in the case of the Tushu bian map), and the Xiao
Xi yang marks part of those areas which, in former days,
were associated with the Da Xi yang, or, more simply, with
the Xi yang (without attribute). Generally however, the idea
that the “smaller” (xiao) entities should be nearer to the
center than the “larger” (da) ones, is retained (as on the
Tushu bian map); consequently, the term Da Xi yang is used
for the Atlantic Ocean.
Other interesting observations can be made in regard to
the “pairs” Bei hai / Nan hai, Xi’nan hai / Dongnan hai, and Xi
Hong hai / Dong Hong hai. As the name suggests, the entity
called “Bei hai” is located in the extreme north, while the Nan
hai is found off the Antarctic coast. Bei hai and Nan hai are thus
placed at opposite ends of the map, in a symmetrical fashion
(similar to the arrangement in Tushu bian). The same applies,
albeit with less rigidity, to the other four names. This kind of
layout seems to follow traditional ideas, although the last two
toponyms are of course derived from Western names.
More “symmetries” and “parallelisms” can easily be
discovered. Here are some examples: (1) At the “outer
edges” of the Sancai tuhui map, i.e., at the left and right
margins, we find three names / terms in each case: Da Xi
yang, oceano, Liweiya hai – Keluotuo hai, oceano, Rio de la
Plata (alternatively, if the La Plata, as a river, is not counted:
Bing hai, Keluotuo hai, oceano). (2) The number of seas and
oceans to the east and west of the “Great Ming Sea” (Da Ming
115
hai), located near the center of the map, is identical as well
(if the Rio de la Plata is included): there are exactly twelve
toponyms on either side of that sea. (3) Furthermore, there
occurs a cluster of four names off the East African and Indian
coasts (Xiao Xi yang, Xi Hong hai, Yalapi hai, Banggela hai)
and another such cluster near the coast of Chile (Dongnan hai,
Bailu hai, Mowalani hai, Ninghai); in each case one toponym
can be associated with traditional Chinese terminology, while
the other names are of foreign origin.
Concepts of symmetry also seem to underly the
distribution of certain land areas. Here is one example: on
the eastern hemisphere we find Hanhe and Xiangfeng in the
north, and Baifeng and Dajiang in the south – one “cape” /
“peak” and one “river” in each case. These last four toponyms
cannot readily be identified, as was already mentioned; but
since they also occur on the KYWGQT, they were probably
introduced into the cartographic art by Ricci himself.
A very different observations relates to the shape of the
African continent. Its southern half is not as wide and round
as, for example, on the “Yudi shanhai quantu” in Tushu bian.
On the contrary, in Sancai tuhui southern Africa is presented
as a long and pointed land mass, somewhat similar to its
depiction on a comparable chart in the famous Guangyu
tu 廣輿圖 atlas (printed in 1555) and on yet another map in
Tushu bian which is called “Xi’nan hai yi tu” 西南海夷圖 (j.
51). These two drawings are ultimately based on the works
of the famous Yuan geographer Zhu Siben 朱思本 (12731337) and, consequently, were not influenced by European
cartography. Unfortunately, Zhu’s maps are now lost, but the
ones in Guangyu tu and Tushu bian give an impression of
what geography was looking like in the Yuan period.30
Maps in the Zhu Siben tradition also allude to the existence
of a southern land mass, similar to the idea of Magellania,
but the coast lines of these southern lands are not as curved
as in the case of many European maps. Furthermore, the
shapes of India and Southeast Asia are very distorted in
traditional Chinese works. The Sancai tuhui seems to aim at
a kind of compromise between such concepts and Ricci’s
views. Here are some examples: Of the Southeast Asian
toponyms two were located near the southern land mass
of Magellania (Java Minor and Java Major). The outlines of
the Malayan Peninsula are alluded to, a feature not found
with any of the traditional Chinese maps (the only known
exception is the so-called “Zheng He hanghai tu” 鄭和航海
圖31). Much of Southeast Asia consists of larger islands; the
116
Guangyu tu map and similar works only show a set of place
names in that area, without specifying the shapes or sizes of
the islands associated with them.32 The outlines of Europe
and the New World mirror Ricci’s influence, but they were
distorted, or rather simplified, probably to adjust them to the
Chinese reader’s expectations.
The above examples may suffice to show that the
Sancai tuhui map tries to bring together two entirely different
concepts. Traditional Chinese elements are particularly
important for the maritime sphere – some of these elements
were probably taken over from old lishi dili 歷史地理 sources
–, while European “dimensions” become more clearly visible
in the terrestrial context. By and large, this also applies to
the “Yudi shanhai quantu” in Tushu bian. However, in the
second case, the bizarre outlines of the continents are so
phantastic, indeed, that one is almost immediately reminded
of certain geomantic drawings; clearly, the Sancai tuhui map
looks very different – more realistic at least, and thus more
advanced.
In concluding these lines the following may be said:
the map examined in this short note reflects an intellectual
dilemma frequently encountered in late sixteenth and early
seventeenth century China, namely the question of how to
combine Chinese cosmological principles – to which certain
geographical issues were always subjected – with humanist
ideas imported from the “Far West”. Different proposals were
made to that effect, the Sancai tuhui map being an important
case in point. By placing China in the center of his maps and by
taking over certain toponyms and other features from Chinese
sources, Ricci had of course paved the way for these kind
of compromise solutions, but their further elaboration rested
in the hands of China’s own academics. Since some of the
latter’s works enjoyed a wide circulation, these men carried
an enormous responsibility. As mentioned above, the Sancai
tuhui was one of the most popular leishu 類書 under the Ming
and even became known in Korea, where cartographical
works acquired from Jesuit and Chinese geographers,
usually through Chosôn envoys visiting Beijing, were hotly
debated in intellectual circles and the Korean Court.33 Thus,
in spite of its preliminary nature and all its shortcomings, the
map discussed here must be considered as one of the most
important “hybrid” pieces of its time.
117
Notes
(1) Wang Qi 王圻 (comp.), Sancai tuhui, 6 vols. (Taibei: Chengwen
chubanshe, 1970), I, dili j. 1, here especially pp. 101-102. For a short
description, see, for example, Wolfgang Franke, An Introduction to the
Sources of Ming History (Kuala Lumpur: University of Malaya Press, 1968),
pp. 312-313 no. 9.2. Furthermore Pasquale M. d’Elia, Il mappamondo cinese
del P. Matteo Ricci S.J. (Città del Vaticano: Biblioteca Apostolica Vaticana,
1938; now Mappamondo), p. 198 n. 46 (some doubtful points).
(2) Hong Weilian, “Kao Li Madou de shijie ditu” 考李馬竇的世界地圖,
Yugong (banyuekan) 禹貢半月刊 (The Chinese Historical Geography, Semimonthly Magazin) 5.3/4 (April 1936), pp. 1-50; Chen Guangsheng (Kenneth
Chen), “Li Madou dui Zhongguo dilixue zhi gongxian ji qi yinxiang” 李
馬竇對中國地理學之貢獻及其音響, ibid., pp. 51-72, and “Matteo Ricci’s
Contribution to and Influence on Geographical Knowledge in China”, Journal
of the American Oriental Society 59 (1939), pp. 325-359, 509; Mappamondo,
especially chapters 3 and 4 (editions), and d’Elia’s “Recent Discoveries and
New Studies (1938-1960) on the World Map in Chinese of Father Matteo Ricci,
S.J.”, Monumenta Serica 20 (1961), pp. 82-164; John D. Day, “The Search for
the Origins of the Chinese Manuscripts of Matteo Ricci’s Maps”, Imago Mundi
47 (1995), pp. 94-117; Cao Wanru 曹婉如 et al. (eds.), “Zhongguo xiancun
Li Madou shijie ditu yanjiu” 中國現存李馬竇世界地圖研究, Wenwu 文物 331
(12/1985), pp. 57-70; the same et al. (eds.), Zhongguo gudai ditu ji. Mingdai
中國古代地圖集. 明代 (Beijing: Wenwu chubanshe, 1994), especially plates
57-59, 77-79, English texts, pp. 26-28; Chinese Academy of Surveying and
Mapping (comp.), Treasures of Maps – A Collection of Maps in Ancient China
(Harbin: Harbin Cartographic Publishing House, 1998), pp. 137-139 (plate
92); Nicolas Standaert (ed.), Handbook of Christianity in China, Vol. 1: 6351800, Handbook of Oriental Studies / Handbuch der Orientalistik, section 4,
vol. 15.1 (Leiden, etc.: Brill, 2001), pp. 754-755.
(3) Day, “The Search”, pp. 96-98, appendix pp. 111-112. Earlier, Hong
Weilian, “Kao Li Madou de shijie ditu”, p. 28, established a list of twelve items,
which differs considerably from Day’s findings. That also applies to Cao
Wanru, “Zhongguo xiancun”, p. 59.
(4) Mappamondo. For earlier English translations of some of the
colophons, see, for example, Lionel Giles, “Translations from the Chinese
World Map of Father Ricci”, Geographical Journal 52 (1918), pp. 367-385;
and 53 (1919), pp. 19-30.
(5) Day, “The Search”, especially pp. 98 et seq. Also see, for example,
Pang Tongin 方東仁, Han’guk chido ûi yoksa (Seoul: Sin’gu munhwasa, 2001),
pp. 167, 175; Yi Ch’an 李燦, Han’guk ûi ko chido (Seoul: Pomusa, 1991),
pp. 348-349, 380-381, 409, and Minako Debergh, “La carte du monde du
P. Matteo Ricci (1602) et sa version coréenne (1708) conservée à Osaka”,
Journal asiatique 274 (1986), pp. 417-454.
(6) Hong Weilian, “Kao Li Madou de shijie ditu”, especially p. 28; Cao
Wanru, “Zhongguo xiancun”, p. 59.
(7) More cases are discussed, for example, in Marcel Destombes, “Wang
P’an, Liang Chou et Matteo Ricci. Essai sur la cartographie chinoise de 1593
à 1603”, in Actes du IIIe Colloque International de Sinologie. Appréciation
par l’Europe de la tradition chinoise à partir du XVIIIe siècle. Centre de
Recherches Interdisciplinaires de Chantilly (CERIC), 11-14 septèmbre 1980
(Paris: Les Belles Lettres, Cathasia, 1983), pp. 47 et seq. The case of the socalled Wang Pan 王泮 map is particularly interesting. – For the Tushu bian and
118
Zhang Huang 章潢, who compiled this work, see, for example, L. Carrington
Goodrich and Fang Chaoying (eds.), Dictionary of Ming Biography 13681644, 2 vols. (New York and London: Columbia University Press, 1976), I,
pp. 83-65. Zhang Huang was in touch with Ricci.
(8) Zhang Huang, Tushu bian, 24 vols. (Siku quanshu zhenben, wu ji
edition, vols. 244-267), especially IV, j. 16, 61a-b; VII, j. 29, 42b-49a; Joseph
Needham et al., Science and Civilisation in China, Vol. 3: Mathematics and...
(Cambridge: At the University Press, 1959), pl. XC after p. 582; Cao Wanru,
“Zhongguo xiancun”, p. 58 and n. 4.
(9) Ibid., pp. 58-59.
(10) Hong Weilian, “Kao Li Madou de shijie ditu”, for example p. 1; Chen
Guansheng, “Fangyu shenglüe zhong geguo dufenbiao zhi jiaoding” 方輿勝略
中各國度分表之校訂, Yugong 5.3/4 (April 1936), pp. 165-194. Also see in that
same issue of Yugong: Li Jinhua’s 李晉華 “Fangyu shenglüe tiyao” 方輿勝略
提要, on pp. 159-164, and the appendices – all on pp. 195-203. Furthermore
Mappamondo, illustrations after pp. 166 and 168, plus text. More recently also
Cao Wanru, Zhongguo gudai ditu ji. Mingdai, nos. 224 and 225, and Cordell
D.K. Yee, “Traditional Chinese Cartography and the Myth of Westernization”,
in J.B. Harley et al. (eds.), Cartography in the Traditional East and Southeast
Asian Societies, The History of Cartography 2.2 (Chicago and London: The
University of Chicago Press, 1994), pp. 175, 178-179.
(11) Hong Weilian, “Kao Li Madou de shijie ditu”, p. 28; Yee, “Traditional
Chinese Cartography”, p. 175; Cao Wanru, Zhongguo gudai ditu ji. Mingdai,
nos. 224 and 225, and “Zhongguo xiancun”, p. 59.
(12) Hong Weilian, “Kao Li Madou de shijie ditu”, p. 28 and passim; Cao
Wanru, “Zhongguo xiancun”, p. 59.
(13) Hong Weilian, “Kao Li Madou de shijie ditu”, p. 39.
(14) Mappamondo, p. 198 n. 46. Also see pp. 70-71 n. 4, there (on Feng
Yingjing, who is said to have prepared two small maps. Could the one in
Sancai tuhui be one of these two?). – Pasquale d’Elia also cites E.R. Hughes,
The Invasion of China by the Western World (Oxford, 1937), which shows the
Sancai tuhui map as well.
(15) In Cao Wanru, Zhongguo gudai ditu ji. Mingdai, no. 222.
(16) Yee, “Traditional Chinese Cartography”, p. 175, and text under fig.
7.5 on p. 176.
(17) Yugong 5.3-4 (April 1936), pp. 196-198.
(18) Hong Weilian, “Kao Li Madou de shijie ditu”, pp. 35, 39; Cao Wanru,
Zhongguo gudai ditu ji. Mingdai, nos. 224 and 225. – The KYWGQT carries
almost the same text, see Mappamondo, pls. V, VI (Italian translations).
(19) Sancai tuhui, pp. 102-103.
(20) This follows the translation in Cao Wanru, Zhongguo gudai ditu ji.
Mingdai, no. 222.
(21) For an English biography of Wang Qi, see Goodrich and Fang,
Dictionary of Ming Biography 1368-1644, II, pp. 1355-1377. – Wang’s son
was involved in the compilation of Sancai tuhui, but that may not matter very
much.
(22) See, for example: Ai Rulüe 艾儒略 (Giulio Aleni; author), Xie Fang 謝
方 (comm. and ed.), Zhifang waiji jiaoshi 職方外紀校釋, Zhongwai jiaotong shiji
congkan (Beijing: Zhonghua shuju, 1996). For Aleni, also see, for example,
Tiziana Lippiello and Roman Malek (eds.), “Scholar from the West”. Giulio Aleni
S.J. (1582-1649) and the Dialogue between China and Christianity, Monumenta
Serica Monograph Series 42 (Nettetal: Steyler Verlag, 1997); Bernard HungKay Luk, “A Study of Giulio Aleni’s Chih-fang wai-chi”, Bulletin of the School of
Oriental and African Studies 40 (1977), pp. 58-84; Hartmut Walravens, “Father
Verbiest’s Chinese World Map (1674)”, Imago Mundi 43 (1991), p. 31.
119
(23) DFB: this refers to the list in Chen Guansheng, “Fangyu shenglüe
zhong geguo dufenbiao zhi jiaoding”.
(24) Humans with dog heads are a well-known theme in “anthropological”
literature. See, for example, R. P., “Die Andamanen und Nikobaren nach
chinesischen Quellen (Ende Sung bis Ming)”, Zeitschrift der Deutschen
Morgenländischen Gesellschaft 136 (1986), p. 352 and sources in n. 26.
(25) See, for example, R. P., “Notes on the Word ‘shanhu’ and Chinese
Coral Imports from Maritime Asia, c. 1250-1600”, Archipel 39 (1990), pp.
65-80.
(26) Hong Weilian, “Kao Li Madou de shijie ditu”, p. 39.
(27) Although the Da Xi yang is mentioned in the explanations following
the map; see j. 29, 42b.
(28) R. P., “Südostasiens Meere nach chinesischen Quellen (Song
und Yuan)”, Archipel 56 (1998), especially pp. 17-25, and “Chinesische
Wahrnehmungen des Seeraums vom Südchinesischen Meer bis zur Küste
Ostafrikas, ca. 1000-1500”, in Dietmar Rothermund and Susanne WeigelinSchwiedrzik (eds.), Der Indische Ozean. Das afro-asiatische Mittelmeer als
Kultur- und Wirtschaftsraum, Edition Weltregionen (Wien: Verein für Geschichte
und Sozialkunde, and Promedia Verlag, 2004), especially pp. 46-48. Also see
Liu Yingsheng 劉迎勝, “Wang Dayuan de Dong yang zhi hang – Dong yang yu
Xi yang gainian chansheng de lishi beijing zhi tansuo” 汪大淵的東洋之行 – 東
洋與西洋概念産生的歷史背景之探索, Nanyang xuebao 南洋學報 56 (2002),
pp. 30-44.
(29) See sources in previous note. Furthermore: R. P., “The Coral Islands in
the South China Sea according to Chinese Sources (Song to Ming)”, in Avelino
de Freitas de Meneses (coord.), Portos, escalas e ilhéus no relacionamento
entre o Ocidente e o Oriente. Actas do Congresso Internacional Comemorativo do Regresso de Vasco da Gama a Portugal. Ilhas Terceira e
S. Miguel (Açores), 11 a 18 de Abril de 1999, 2 vols. (Lisbon: Comissão
Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses; Ponta
Delgada: Universidade dos Açores, 2001), II, pp. 337-358, and “Jottings on
Chinese Sailing Routes to Southeast Asia, Especially on the Eastern Route
in Ming Times”, in Jorge M. dos Santos Alves (coord.), Portugal e a China.
Conferências nos encontros de história luso-chinesa (Lisbon: Fundação
Oriente, 2001), pp. 107-131.
(30) See, for example, Joseph Needham, Science and Civilisation in
China, Vol. IV:3: Physics... (Cambridge: At the University Press), especially
p. 500, and Vol. III, quoted above, pp. 551-554; Walter Fuchs, The “Mongol
Atlas” of China by Chu Ssu-pen and the Kuang-yu-t’u. With 48 Facsimile Maps
Dating from about 1555, Monumenta Serica Monograph 8 (Peiping: Fu Jen
University, 1946), pp. 43, 44 (maps); Zhang Huang, Tushu bian, XI, j. 51, 17a,
etc. Further examples of maps in the Zhu Siben tradition may be found in Mao
Yuanyi’s 茅元儀 Wu bei zhi 武備志, 22 vols. (originally 1621; Taibei: Huashi
chubanshe, 1984), XXI, j. 223, and in Huangyu kao 皇域考 (1557).
(31) There are several modern editions. One is: Haijun haiyang cehui
yanjiu suo, Dalian haiyun xueyuan hanghaishi yanjiushi 海軍海洋測繪研究所,
大連海運學院航海史研究室 (ed.), Xinbian Zheng He hanghai tuji 新編鄭和航海
圖集 (Beijing: Renmin jiaotong chubanshe, 1988).
(32) For old European maps on Southeast Asia, the following modern
works are particularly useful: Thomas Suárez, Early Mapping of Southeast
Asia (Singapore: Periplus Editions (HK) Ltd., 1999); Carlos Quirino, Philippine
Cartography (1320-1899) (2nd ed. Amsterdam: N. Israel, 1963); Luís Filipe
F.R. Thomaz, “The Image of the Archipelago in Portuguese Cartography of the
16th and early 17th Centuries”, Archipel 49 (1995), S. 79-124.
(33) For the Korean context, see, for example, Gari Ledyard’s
120
“Cartography in Korea”, in Harley et al. (eds.), Cartography in the Traditional
East and Southeast Asian Societies, or Soon Mi Hong-Schunka and Roderich
Ptak, “Die koreanische Weltkarte in St. Ottilien: ein Beitrag zur Kartographie
des Ferdinand Verbiest”, Zeitschrift der Deutschen Morgenländischen
Gesellschaft 154.1 (2004), pp. 201-218, and relevant works cited there. – The
Sancai tuhui also left its traces in Japan. See, for example, Kazutaka Unno,
“Cartography in Japan”, in Harley et al., p. 407, and Goodrich and Fang,
Dictionary of Ming Biography, I, S. 84.
121
The “Northern Projection” in Tushu bian
122
123
The “Shanhai yudi quantu” in Tushu bian
124
125
The “Shanhai yudi quantu” in Sancai tuhui
126
127
KWO-WEI KUNG
Instituto de Estudios Latinoamericanos
Universidad de Tamkang (Taipei, Taiwán)
Los estudios Latinoamericanos en Taiwán: una
reflexión desde la situación política y económica
de Taiwán en el esquema internacional
1. Introducción
Durante los últimos 20 años, la sociedad internacional
ha prestado a América Latina una atención que ha merecido en la medida que el régimen político de los países de la
región se ha encaminado hacia la democracia, así como su
sistema económico ha experimentado un ajuste drástico
desde que el mirar hacia afuera se ha convertido en un lenguaje común para todos. Sin embargo, actualmente en
Taiwán, los estudios latinoamericanos siguen siendo en
mucho una de las áreas más desapreciadas y abandonadas en la esfera de los estudios internacionales, en contraste con el hecho que la mitad de los 27 países que hoy día
mantienen relaciones diplomáticas con la isla se ubican en
esta región. En este trabajo de enfoque empírico, bajo la
percepción que los lazos sustanciales entre dos actores de
asuntos internacionales determinados son factores decisivos para la prosperidad de estudios relativos, se pretende
encontrar explicaciones de esta situación poco lógica por
medio del análisis sobre la política exterior de Taiwán hacia
América Latina y el enlace económico y comercial entre
ambas partes, exponiendo los elementos influyentes para el
futuro de los estudios latinoamericanos en Taiwán.
En principio, desde la óptica del estado diplomático
especial de Taiwán en el que la fuerte presión impuesta por
parte de China es una constante, se examinará las interacciones políticas entre Taiwán y sus aliados principales con
miras a revelar el papel verdadero de los países latinoamericanos en la política exterior de Taipei de ahora. Mientras
tanto, se enfocará también las causas de la penuria de intercambios comerciales a fin de poner al descubierto cómo una
potencia regional tan limitada como Taiwán que se enfrenta
al mercado enorme de China, disfrutando el apoyo de abun129
dantes recursos humanos y suministro logístico de la región
de Asia del Este y Sudoriental, en sus relaciones económicas América Latina puede mantener un perfil bajo, esto también hará daños al avance de los estudios latinoamericanos.
2. Una mirada retrospectiva sobre las relaciones entre
Taiwán y América Latina
En el estudio histórico, los contactos más significativos
que antecedieron y enmarcaron las relaciones entre China y
América Latina fueron los flujos de población de aquélla, y
que su inicio se puede remontar al siglo XVI. Sin embargo,
no fue sino hasta los mediados del siglo XIX cuando la crisis de la estructura Imperial de dinastía Qing (Manchuria)
de China y la necesidad en América Latina de mantener la
economía de plantación se conjugan para permitir el flujo
de chinos de gran cantidad. Desde luego, el intento de solucionar los problemas originados por los trabajadores chinos
se convirtió en el catalizador del comienzo de relaciones
diplomáticas entre China y los países importadores de
mano de obra, tales como Perú, Cuba, Brasil, México y
Panamá. Es interesante hacer notar que con los países del
istmo centroamericano que ahora es la zona diplomáticamente prioritaria para Taiwán no se logró el establecimiento
de relaciones formales hasta los años 30 de la centuria
pasada. Vale añadir que no debe exagerar la importancia
de la migración china en las relaciones actuales entre
ambos lados, como podría justificarse si nos referiéramos a
los países del Sudeste de Asia o de Indochina donde la presencia de la población china será mucho más considerable.
Durante los primeros 20 años después del retiro del
gobierno de Koumingtan a Taiwán en 1949, las relaciones
entre Taiwán y los países latinoamericanos no sufrieron
transtornos dignos de ser destacados ya que la bipolaridad
dejaba poco margen de maniobra a China en la comunidad
internacional, mientras su lucha política interna y la política
de puerta cerrada hacia el mundo capitalista hiceron que el
mundo le mirara con mucho escepticismo. Empero, al inicio
de la década de los 70’, la situación cambiaba a causa de
una serie de sucesos tales como la retirada de Taiwán de la
ONU en 1971 desplazado por China, la reorientación de
política exterior de Beijing hacia el énfasis tercermundista,
el acercamiento entre Beijing y Washington que culminó con
la ruptura de relaciones oficiales entre Taiwán y EE.UU. en
130
1979, pues la puesta en término a sus relaciones diplomáticas con Taiwán por parte de un importante número de países latinoamericanos no se hizo esperar, marcando como
una marea de ruptura que se iba desarrollando hasta los
fines de la década siguiente.1
Como consecuencia, los únicos que quedan con Taiwán
no eran más que la cadena de países centroamericanos –
Guatemala, Belice, El Salvador, Honduras, Nicaragua, Costa
Rica, Panamá –, la República Dominicana, Haiti, Saint KittsNevis, Saint Vicent & Grenadines y Paraguay. Desde aquel
entonces, las estrategias taiwanesas en cuanto a asuntos
exteriores han sido de carácter defensivo, con el mantenimiento de un reducido número de países con los que guarda relaciones diplomáticas como el principio primordial, lo
cual sirve como símbolo de su independencia y soberanía.
3. Orientación de la política exterior de Taiwán
Para enfrentar a la condición diplomática sumamente
difícil, a partir de los año 90 la política de Taiwán en asuntos
exteriores se divide en dos dimensiones: primera es la práctica de la llamada “diplomacia pragmática” que tiene como
objetivo la garantía de su posición entre las naciones del
mundo. La segunda dimensión es agarrar las últimas ramas
del árbol, o sea, los pocos países que tienen relaciones oficiales con Taiwán, a cualquier precio para justificar la posición de Taiwán como país soberano. Es comprensible que
la primera dimensión tiene un peso real mucho mayor que
la segunda, por tanto las estrategias adoptadas son bastante diferentes.
Con respecto a la diplomacia pragmática, sus objetos
principales son EE.UU., la Unión Europea, Japón y otros
países vecinos de Asia-Pacífico, y las potencias latinoamericanas tales como México, Argentina, Brasil y Chile. Por lo
general, los esfuerzos incesantes de Taipei para obtener un
trato más equilibrado hacia los dos lados del Estrecho de
Taiwán, el apoyo por lo menos implícito al status quo en el
Estrecho y a la solución pacífica del problema de Taiwán
son los objetivos más enfatizados. En este aspecto, mediante todo tipo de cooperación no política Taiwán ha logrado
resultados aceptables en sus interacciones con EE.UU., la
Unión Europea y Japón, pero con los países de tercer
mundo, sobre todo los de América Latina, las experiencias
son bien decepcionadas por su actitud muy pro Beijing.
131
Esta situación abate tanto al sentimiento de los ciudadanos
taiwaneses que hacer pensar que existe poca posibilidad
de acercarse el uno con el otro.
En cuanto a los países que continua su reconocimiento
oficial a Taiwán, las autoridades de la isla ofrecen una serie
de ayudas financieras a cambio de su “lealtad”. Con tal fin,
en 1988, el gobierno ordenó la creación del Fondo para el
Desarrollo y la Cooperación Económica Internacional
(IECDF) para dirigir las actividades relativas. Las ayudas se
presentan en formas diferentes, entre ellas las actividades
de mayor revelancia son las siguientes: 2
1. Préstamos – se ofrecen varios tipos de préstamos, el
más importante, entre otros, es los préstamos directos
para proyectos a largo plazos destinados al desarrollo
cuyos receptores pueden ser los gobiernos o las organizaciones que ellos designen.
2. Misiones técnicas – con la finalidad de elevar la producción de granos (arroz, maíz, frijoles) por la introducción
de nuevas variedades agrícolas, fomentar el cultivo de
productos agrícolas de alto valor económico (frutas, flores, caña de azúcar), transmitir conocimientos y habilidad en piscicultura de agua dulce y agua salada, mejorar la producción de ganadería por vía de la prevención
de sus enfermedades, y ofrecer asesoría sobre artesanía y su fabricación.
3. Projectos de educación y entrenamiento – se pueden
dividir en varias categorías amplias incluyen el envío de
grupo asesor de pequeñas y medianas empresas, el
establecimiento de centros de entrenamiento profesional, programa de entrenamiento de jóvenes empresarios, la celebración de diferentes tipos de seminarios
para la formación de entrenadores y técnicos cualificados.
4. Voluntarios para servicios en el ultramar – se envían
jovenes voluntarios que se especializan en el entrenamiento en el uso de ordenador, administración de
pequeñas y medianas empresas, y desarrollo rural.
5. Proyectos de asistencia humanitaria en casos de desastre naturales.
6. Fondo para el Desarrollo Económico de Centroamérica.
Aquí pondremos mayor énfasis en los préstamos. Aún
cuanto todo el mundo reconoce que estas actividades son
de buena voluntad en principio, es innegable que en la
práctica se han visto muchos defectos por la falta de verifi132
cación – en la mayoría de los casos esta falta es intencionadamente –, lo que ha causado perjuicio a la imagen de
Taiwán, anulando los esfuerzos para ganar apoyo en la
sociedad de los países receptores.
En efecto, muchos estudiosos han presentado sus críticas al respecto desde hace mucho tiempo, proponiendo en
cambio la adopción de un enfoque más legal y mejor organizado en la entrega y el uso de préstamos y donación, sin
embargo la situación más o menos sigue igual. La burocracia taiwanesa que se hace cargo de asuntos latinoamericanos, en especial el Ministerio de Exteriores y la Oficina de
Comercios Exteriores, si bien mantiene cierta colaboración
con la esfera académica, no ha dado bastante importancia
a sus opiniones y sugerencias. Se debe a que los funcionarios públicos de alto nivel albergan en general una mentalidad conservadora, realizando sus trabajos de acuerdo con
el criterio único: las medidas son favorables o no para el
mantenimiento de relaciones diplomáticas. Es verdad que
nadie debe atacar un criterio como tal, pero lo malo es que
cuando unas medidas determinadas sean probadas válidas
para reforzar la voluntad política de un gobierno ajeno, por
ejemplo la donación de fondos en cantidad sin que haga
caso a la forma de uso del gobierno receptor, los veteranos
diplomáticos de Taiwán harán la rutina sin cambio porque
ninguno de los responsables de asuntos exteriores quiere
que la ruptura de relaciones suceda en su ocupación.
Se crítica mucho esta actitud de vista corta del gobierno
de Taiwán que no sólamente no ha logrado elevar el bienestar de la población de los países receptores, sino que ha
hecho señalar al país como el cómplice de la corrupción en
esas naciones, la consecuencia será además que se burlan
de tales comportamientos diplomáticos como la “diplomacia
de dólares”, el precio que tiene que pagar para mantener su
conocimiento oficial también va aumentando, hasta que los
países receptores compiten el uno con el otro ya que nadie
quiere ser menos que sus vecinos. De hecho, la donación y
los préstamos se han convertido en la página más escandalosa de la diplomacia taiwanesa hacia América Latina,
dejando a Taiwán en un estado de secuestro.
Al mismo tiempo que la disposición ineficaz de recursos
ha elevado costos marginales diplomáticos, el rápido desarrollo socio-económico de China incrementa aun más la dificultad de la manipulación en asuntos exteriores.
Naturalmente, sobre los países que no tienen relaciones for133
males con Taiwán, sí que no es práctico que se espere una
política de equidistancia hacia los dos lados del Estrecho,
pero la situación actual es que el precio por la solicitación a
los países aliados a apoyar abiertamente el clamor de
Taiwán sobre tema específico en las ocasiones internacionales (por ejemplo, la participación en la ONU) también es
muy alto.
Taiwán se encuentra en una comunidad internacional
que está llena de atmósfera políticamente poco amistosa, y
le deja un espacio diplomático muy limitado. Es creíble que
el gobierno pone todos sus esfuerzos para mantener la
sobreviviencia, pese a que algunas de medidas factibles no
estén tan conformes a las leyes que deben figurar en un
país democrático. Sin embargo, de las experiencias personales de interacción con la burocracia responsable de los
asuntos latinoamericanos, se induce que cuando una estrategia se considere válida para la meta, sea legal o de modo
feo, prefieren mantener el estereotipo.
Esta mentalidad de seguir lo regular, basada a la idea
que el valor único de los países latinoamericanos no está ni
en lo geopolítico ni en lo geoestratégico, sino en su reconocimiento diplomático a la soberanía de isla, es, a mi parecer,
el más dañino para el avance de estudios latinoamericanos
en Taiwán, si se dan cuenta que las opiniones originadas de
investigaciones académicas sirven muy poco en el proceso
de fomento de políticas.
4. Lazos económicos entre Taiwán y América Latina
Otro aspecto que merece prestar la atención es los elementos restrictivos sobre el desarrollo de lazos económicos
entre Taiwán y América Latina. De acuerdo con las cifras
comerciales registadas, las relaciones existentes no han
estado suficientemente estrechas como para incrementar la
energía en los estudios hacia la zona.
En las últimas décadas, Asia Oriental ha conseguido un
crecimiento económico notable, y sobre todo, en lo que se
refiere no sólo a Japón sino también a un pequeño grupo de
naciones que hoy se conocen con el nombre de “nuevos países industriales asiáticos”: Singapur, Corea del Sur, Hong
Kong y Taiwán. Pese a carecer de recursos naturales y enérgicos, por vía de un proceso de sustitución de exportaciones
a partir de los años 60, de los productos agrícolas como la
categoría principal de exportación a productos manufacture134
ros de alta intensidad de mano de obra, por ejemplo prendas de vestir, componentes electrónicos, artículos electrodomésticos... etc., y desde mediados de los 1980’ la categoría
de producción industrial se sube a las manufacturas de
intensidad de capital y de alta tecnología, en los que se destacan el diseño de semiconductor y circuito integrado, la elaboración de computadora y sus periféricos, así como el sector de comunicaciones. Con la diversificación de producciones, Taiwán se ha situado en uno de los exportadores preeminentes de manufacturas de alta tecnología. Conviene puntualizar que los elementos que subraya el gobierno taiwanés
por su importancia para el éxito son: la orientación de forma
decidida hacia la exportación, la apertura a la inversión
externa, el apoyo al mecanismo de mercado libre (o sea la
no intervención agresiva de gobierno).
En América Latina, después de la crisis de los años 80,
los países han realizado un ajuste estructural neoliberal,
abandonando las estrategias de desarrollo hacia adentro
que se llevaba a la práctica durante los tiempos pasados. La
apertura de mercado interno, la privatización de empresas
estatales, la presentación de incentivos fiscales para atraer
inversiones extranjeras directas, el establecimiento de zonas
francas o parques industriales para promover la exportación
... etc, todas estas reformas hacen que los países latinoamericanos hayan caminado en un rumbo de desarrollo semejante, hasta algún grado, al de los países asiáticos.
No obstante, es obvio que la adopción del modelo asiático de modernización no ha contribuido mucho a los intercambios comerciales bilaterales entre Taiwán y América
Latina, porque: primero, la escasez de complementariedad
entre sus estructuras de exportación. Ello es que para la
mayoría de los países latinoamericanos, particularmente los
que mantienen relaciones oficiales con Taiwán, las exportaciones se concentran todavía en las materias primas, productos agrícolas procesados y las manufacturas de intensidad de mano de obra o de tecnología baja, por ejemplo las
prendas de vestir y el calzado. Segundo, durante el proceso de desarrollo económico, cada parte ha establecido su
orientación de mercado bastante fija que no es fácil para
modular. Tercero, entre los países de Asia oriental y sudoriental se ha forjado un modelo de división de trabajo.
Cuarto, el desarrollo económico sumamente rápido de
China agrava aun más el lazo flujo existente ya que China
dispone de todos los factores favorables, que también son
necesarios para competir en el mercado internacional – el
135
bajo nivel de salario, la alta eficiencia productiva de sus trabajadores, y el mercado enorme con poder de adquisición
en ascenso – que forma una atracción inresistible para
inversores taiwaneses.
Mientras tanto, la falta de informaciones bidireccionales
sobre el sistema social, las legislaciones de comercios, las
oportunidades comerciales potenciales, hasta el obstáculo
de idioma, constituyen barreras serias al acercamiento de
ambas partes. Los defectos, junto con la insuficiencia de
estudios latinoamericanos en Taiwán han materializado un
círculo vicioso. Por añadidura, ni hablar de China continental, el lazo histórico de migración de las provincias costeras
chinas hacia el sudeste asiático ha tenido forma una “red de
chinos”, lo que facilita mucho la realización de inversión y
transacciones en la zona por el menor riesgo que correrían
los negociantes taiwaneses.
Según la estimación de la Oficina de Comercios
Exteriores de Taiwán, la cifra de comercio total entre ambos
lados del Estrecho de Taiwán se triplicó entre 1993 y 2000,
pasó de 14,4 mil millones de dólares a 32,3 mil millones. A
pesar de la evolución negativa en 2001 (-7,4%) y su cuantía
se redujo a unos 30 mil millones de dólares, en 2002 y 2003
se vió una recuperación rápida que se incrementó de nuevo
de 41 mil millones a 46,3 mil millones de dólares, y las tasas
de crecimientos en estos dos años fueron de 36,9% y 23,8%
respectivamente. Al mismo tiempo que se aceleran los intercambios comerciales bilaterales, el aumento de inversiones
de Taiwán hacia China registra un ritmo aún mucho más elevado. Los cálculos de fuente oficial de Taiwán reveló que
hasta 1993 ingresó en China un stock de inversiones directas taiwanesas aproximadamente 6 mil millones de dólares,
en 2003 ya alcanzó a más de 70 mil millones. Debido a que
la estimación oficial de Taiwán no logró a incluir las inversiones que ejercieron las empresas taiwanesas vía tercer lugar
para esquivar la verificación del gobierno, el periódico singapurense Straits Times anunció en agosto de 2003 que las
inversiones taiwanese en China ya alcanzó a más de 100 mil
millones, lo cual representó un sexto de todas las inversions
extranjeras directas en China.
Al contrario, el monte de inversiones taiwanesas en toda
América Latina es de solamente 600 millones de dólares
aproximadamente, salvo Nicaragua que ha logrado flujos
grandes de capital taiwanés en el sector del vestuario,
buena parte de estas inversiones se ponen en la venta al
por menor.
136
No cabe duda que la tendencia actual de regionalización de comercio e inversión debilita la posiblidad de
expandir el dinamismo comercial entre Taiwán y América
Latina. Durante los últimos años, Taiwán ha llevado a cabo
varios proyectos de financiamiento para la creación de
zonas de procesamiento de exportaciones en países centroamericanos para atraer principalmente capital taiwanés,
pero el progreso ha sido limitado. Del cuadro se observa
que la cuantía de comercio en 2003 entre Taiwán y sus ocho
principales países amigos latinoamericanos se registró sólo
584 millones de dólares, equivalente a un 0.22% del total
del comercio externo taiwanés (271,4 mil millones). A su
vez, entre 2001 y 2003 no se ve una tendencia de subida
estable (600 millones en 2001 y 576 millones en 2002).
Admitiendo que se añaden las potencias económicas más
grandes de el continente, la participación de toda la
América Latina apenas alcanzó el 2% (1.94%) de los intercambios comerciales de Taiwán con todo el mundo.
Con miras a que económicamente no esté marginado de
la integración regional si se da cuenta que Taiwán siempre
está excluido de cualquier proyecto de integración económica de la zona asiática, y que políticamente haga estrechar relaciones diplomáticas bilaterales, Taiwán consiguió
en 2002 la firma del tratado de libre comercio con Panamá,
y empezará las negociaciones con otros países centroamericanos dentro de poco. De todos modos, por las causas
mencionadas, no se debe ser demasiado optimista en un
desarrollo rápido de el enlace comercial.
137
INTERCAMBIOS COMERCIALES DE TAIWÁN CON PAÍSES
LATINOAMERICANOS SELECCIONADOS, 2001-2003
2001
Mil USD
2002
Variación
Mil USD
2003
Variación
Mil USD
Variación
AMÉRICA LATINA
Imp.
1,528,693
-27.3%
1,891,553
23.7%
2,391,652
26.4%
Exp.
3,222,349
-17.8%
2,919,291
-0.4%
2,870,371
-1.7%
Total
4,751,042
-21.1%
4,810,844
1.3%
5,262,023
9.4%
Saldo
1,693,655
-6.9%
1,027,738
-23.5%
478,718
-53.4%
Imp.
13,284
-40.1%
27,863
109.7%
79,561
185.5%
Exp.
75,749
-19.6%
59,004
-22.1%
45,095
-23.6%
Total
89,033
-23.5%
86,866
-2.4%
124,656
43.5%
Saldo
62,464
-13.2%
31,141
-50.1%
34,466
--
COSTA RICA
GUATAEMALA
Imp.
21,515
34.2%
5,583
-74.0%
1,160
-79.2%
Exp.
79,072
-16.9%
81,294
2.8%
90,941
11.9%
Total
100,587
-9.6%
86,877
-13.6%
92,102
6.0%
Saldo
57,558
-27.3%
75,710
31.5%
89,781
18.6%
Imp.
1,038
-33.2%
636
-38.7%
858
34.8%
Exp.
50,957
-31.3%
51,856
1.8%
37,144
-28.4%
Total
51,995
-31.3%
52,492
1.0%
38,002
-27.6%
Saldo
49,920
-31.3%
51,220
2.6%
36,286
-29.2%
-74.3%
HONDURAS
EL SALVADOR
Imp.
1,158
117.7%
9,048
681.2%
2,322
Exp.
65,930
-24.3%
60,543
-8.2%
74,566
23.2%
Total
67,088
-23.5%
69,591
3.7%
76,888
10.5%
Saldo
64,772
-25.2%
51,494
-20.5%
72,244
40.3%
NICARAGUA
Imp.
741
-29.4%
431
-41.9%
666
54.7%
Exp.
49,596
-30.1%
42,980
-11.6%
39,278
-8.6%
Total
49,337
-30.1%
43,411
-12.0%
39,944
-8.0%
Saldo
47,856
-30.1%
42,550
-11.1%
38,612
-9.3%
Imp.
4,213
160.1%
4,810
14.2%
6,012
25.0%
Exp.
123,965
-37.2%
127,355
2.7%
121,160
-4.9%
Total
128,178
-35.6%
132,165
3.1%
127,172
-3.8%
Saldo
119,751
-38.8%
122,544
2.3%
115,149
-6.0%
PANAMÁ
REPUBLICA DOMINICANA
Imp.
1,112
19.8%
1,333
19.8%
2,351
76.4%
Exp.
77,146
-25.7%
83,576
8.3%
56,746
-32.1%
Total
78,258
-25.3%
84,909
8.5%
59,098
-30.4%
Saldo
76,033
-26.1%
82,243
8.2%
54,394
-33.9%
Imp.
11,270
-17.9%
7,755
-31.2%
10,470
35.0%
Exp.
24,042
-18.2%
22,084
-8.1%
26,522
20.1%
Total
35,312
-18.1%
29,839
-15.5%
36,992
24.0%
Saldo
12,772
-18.5%
14,329
12.2%
16,051
12.0%
PARAGUAY
Fuentes:
Bureau of Foreign Trade (Taiwán), Trade Statistics, http://cus93.trade.gov.tw
138
5. Otros factores de carácter restrictivo
Además de los elementos de dimensión política y económica, existen otros fenómenos culturales que se subordinan a la historia contemporánea de Taiwán que tambén han
puesto obstáculos al desarrollo de estudios latinoamericanos en la isla.
Durante las cinco décadas entre el 1895 y 1945, la soberanía de Taiwán cayó en manos de Japón como consecuencia de la cesión por parte de China. Luego, aunque la
influencia política de Japón hacia su ex colonia se perdió
completamente tras su derrota militar en la segunda guerra
mundial, la económía se ha ido recuperando desde los años
60’ hasta el punto que los intercambios comerciales se convierten en uno de las pilares para el desarrollo económico
de Taiwán. Mientras tanto, las huellas culturales japonesas
por su cincuenta años de gobernación y la nostalgia de una
parte de intelectuales locales hacia el ex estado metrópoli
también son razones principales por las cuales los estudios
japoneses han ocupado una posición relevante en Taiwán.
Bajo el sistema bipolar después de la segunda guerra
mundial, Washington dió muchas ayudas financiera y militar
a Taiwan por su defensa frente a China Continental. La
importancia predominante de los EE.UU. en el mantenimiento de una situación pacífica del Estrecho de Taiwán, así
como su papel de superpotencia en la política internacional,
resultan que los estudios norteamericanos se comtemplen
como la carrera académica más prometedora. A la vez, la
fuerte dependencia económica y tecnológica respecto a los
EE.UU por un lado, y la afluencia masiva de emigrantes taiwaneses y la vuelta de la multitud de estudiantes taiwaneses que han profundizado sus estudios en las universidades
estadounidenses por otro, también han coadyuvado a originar una corriente incesante de investigación sobre este
país.
Con referencia a América Latina, es un contraste comparando con los dos países citados que no tiene el lazo tan
estrecho con Taiwán como Japón en la historia moderna, ni
una relación de alianza basada en beneficios mutuos como
los EE.UU. Aun cuanto ciertos países latinoamericanos se
sitúan entre los países que con ellos China creó contactos
oficiales más tempranos, el hecho que en la segunda mitad
del siglo XX casi todos los países de América Latina se vieran envueltos en serios caos políticos y económicos ha desviado la atención de Taiwán, a la vez que ha creado impre139
siones negativas hacia la zona entre los ciudadanos de la
isla. Y además, la distancia geográfica y la escasez de
importancia geopolítica de América Latina para Taiwán, e
incluso el problema de idioma y la penuria en cooperación
académica y cultural entre casas de estudios, dificultan el
establecimiento de un conocimiento mutuo adecuado en un
mundo globalizado.
6. Conclusión - Actualidad de los estudios
Latinoamericanos en Taiwán
Es triste saber que el futuro de estudios de un campo
académico determinado – en este caso, los estudios latinoamericanos – se regula por la ley de la oferta y la demanda.
En esta ponencia trata de trazar un perfil del ambiente en
que se desarrollan los estudios latinoamericanos en Taiwán,
y se ponen de relieve los factores político, económico y cultural que han dado influencias al respecto. El resultado
revela que entre la situación de Taiwán en el esquema internacional y los estudios latinoamericano existe una relación
causa-efecto muy fuerte. Es una pena indicar que por el
desequilibrio de sus relaciones exteriores, las condiciones
desfavorables para la sobrevivencia de Taiwán no se ha
hecho un empuje a los estudios sobre asuntos latinoamericanos para explorar más posibilidades.
Pese a todo, en Taiwán sí hay un pequeño grupo de
investigadores que se dedican a los estudios latinoamericanos, pero no se fueron organizados hasta 1990 cuando en
la Universidad de Tamkang se estableció el Instituto de
Estudios Latinoamericanos, y que es el único organismo
académico que se ocupa al mismo tiempo de la enseñanza
e investigación en este área en la isla hasta hoy en día .
El campo de las investigaciones se limita relativamente
al desarrollo político y socio-económico y las relaciones
exteriores de la región. Por otra parte, el Instituto celebra
simposios periódicamente en Taiwán o en cooperación con
las universidades latinoamericanas, por ejemplo la
Universidad de Costa Rica, Universidad Autónoma del
Estado de México, Universidad de Chile, Pontificia
Universidad Católica del Perú, con la contribución de
ponencias de los investigadores de ambas zonas.
Aunque en el Instituto del Estudio Latinoamericano también se imparten asignaturas de carácter fundamental
sobre el panorama general de América Latina a los univer140
sitarios de la misma Casa de estudio, se considera minúsculo el número del profesorado y de alumnos en comparación con otros estudios internacionales de areas, tales como
de los EE. UU, la Unión Europea, Japón, China Continental,
etc.
En cuanto a los postgraduados, la mayoría de ellos proceden de los departamentos de español de cuatro universidades, dicho en otra manera, ellos tienen capacidad en el
manejo del español hasta cierto grado, conocimiento básico del mundo latino, pero sin el fundamento sólido sobre las
ciencias políticas, relaciones internacionales y políticas de
economía. Por tanto, en esta etapa de fomento profesional,
los esfuerzos que pongan los alumnos serán el elemento
determinante para conseguir su aspiración principal: pasar
el examen nacional para trabajar en el Ministerio de
Exteriores.
El desarrollo de los estudio académicos sobre América
Latina tiene mucho que ver no sólamente con la política de
la universidad, sino también con el apoyo de gobierno y de
las empresas privadas. Muchos creen que si bien los países
latinoamericanos significan mucho para Taiwán en las relaciones diplomáticas, éste no ha prestado atención suficiente para desarrollar una estrategia apropiada hacia aquéllos.
Mientras tanto, la carrera de estudios latinoamericanos no
ha recibido un respeto debido en el mercado de empleo a
consecuencia del lazo comercial débil entre los dos lados.
Esto resulta que la gran parte, tanto de los egresados de
departamento de español como de los postgraduados, tras
cumplir su carrera se vean obligados a ofrecerse al campo
lejos de lo que han estudiado. Todo esto no favorece el crecimiento de los estudios latinoamericanos en Taiwán. (Fin)
Notas
(1) Esos países fueron: Chile (1970), Perú (1971), México, Guayana y
Jamaica (1972), Argentina (1973), Trinidad y Tobago, Venezuela y Brasil
(1974), Surinam (1976), Barbados (1977), Ecuador y Colombia (1980),
Antigua y Barbuda (1983), Bolivia y Nicaragua (1985) y Uruguay (1988). En
1990, año en que subió al poder el gobierno de Violeta B. de Chamorro en
lugar de los sandinistas, Nicaragua reanudó sus relaciones diplomáticas con
Taiwán.
(2) Francisco Luis Pérez Expósito, Relaciones entre Taiwán y América
Latina (1949-2000), publicado por el autor, Taipei, 2002, pp. 286-287 & 293.
141
SHINZO KAWAMURA, S.J.
Sophia University
Tokio
Humanism, Pedagogy, and Language:
Alessandro Valignano and the Global Significance
of Juan Bonifacio’s Work Printed in Macao (1588)
Introduction
In 1588, in Macao, was published a monumental book
entitled Christiani pueri institutio (Instruction for Christian
Youth).1 The author was Juan Bonifacio (1538-1606), a modest but very important Spanish humanist from Salamanca.
This book was of great significance in the history of printing,
because it was the first printed material in East Asia (China,
Japan, and Korea) to be produced by the European-type
movable printing press.2 The project of publishing a new edition of Juan Bonifacio’s work in Macao was initiated by the
Italian Jesuit Alessandro Valignano (1539-1606), who had
been appointed Visitor (Visitador)3 of the Society of Jesus in
Asia. Valignano is well known for his insistence that Christian
mission work in China and Japan should be adapted to the
cultures of those countries, thus fostering harmonious relations between the Christianity brought in by the Europeans
and the native religions and local customs that preceded
the advent of Christianity. Unfortunately, Valignano was almost alone in advocating such a revolutionary missionary
method: he is truly a unique figure among the missionaries
of his time.
Valignano could have chosen any of a wide range of
works to be the first printed book in East Asia. Why did
he choose Juan Bonifacio’s work? In this paper I would
like to show how well Juan Bonifacio’s work accorded with
Valignano’s missionary strategy.4
Valignano in Macao: 1588-1590
Alessandro Valignano set foot on the soil of Macao on
August 11, 1588. He was on his way back to Japan with
the four Japanese “Youth Ambassadors” after a successful
143
European tour in which they had even been granted a papal audience in 1585.5 When they sailed into the harbor of
Macao, their diplomatic mission was to enter its final stage.
The objective of this project, of which Valignano was the
initiator and leader, was twofold: (1) to demonstrate to European Christendom, shaken by the upheaval of the Protestant Reformation and the growing secularization of society,
that missionary efforts in Japan had borne fruit; and (2) to
persuade Catholic prelates of Europe and secular Christian
lorads to provide, on a more permanent basis, the financial
support needed for developing and maintaining the Japanese Church.6 Since the end of his first tour of inspection
of the Japanese mission, from 1579 to 1582, Valignano did
everything he could to help that mission, and he continued
to do so until his death in Macao in 1606.
On his way to Europe with the Japanese “Youth Ambassadors” in 1582, they had a stopover in Goa in India, where
Valignano learned that Father General of the Society of Jesus had appointed him Provincial of the Indian Province, thus
placing him in charge of the entire Jesuit missionary activity
in Asia. Since he now had take office in Goa, he was unable
to accompany the four youths to Europe. During the years
of his stay in India (1582-1588), he was able to further refine his missionary theory, especially the so-called “adaptation method”, and prepare for his future work in Japan.
One can imagine Valignano’s surprise and disappointment when, upon arriving in Macao, he received the news
from Japan that in June of the previous year, the new supreme ruler of Japan, Toyotomi Hideyosi, had issued decrees
restricting the practice of Christianity and expelling the missionaries from the country. The Christian Church in Japan
had now entered the age of persecution. Valignano had no
choice but to prolong his stay in Macao; he remained there
until June, 1590. It was during this time of crisis, which he
had not expected, that he decided to bring out a new edition
of Bonifacio’s work on the new printing press that had been
put together by Constantin Dourado (?-1620), a Japanese
Jesuit who had acquired the skill of printing in Goa and had
come to Macao on the same ship as the Four Youths and
Valignano.
144
Christiani pueri institutio
Juan Bonifacio was a man whose name is inscribed in
the history of Iberian Humanism and Spanish Literature.7 He
was a man of many talents. Although he wrote several plays
and short works of fiction, his greatest talent is to be found
displayed in the field of pedagogy. He studied grammar at
the collegio in Santiago de Compostela, and rhetoric in Salamanca. After receiving his basic education, he entered the
Society of Jesus in 1557, when he was nineteen years old.
His spiritual and academic formation was according to the
Jesuit educational program, which combined the traditional
scholastic method based on modus parisiensis (the curriculum of the University of Paris) with the humanistic approach to education which had come to the fore with the Renaissance.8 In the Ratio Studiorum9 of 1599, the well-known
prospectus of Jesuit education, we can discover the nature
of the pedagogical innovations introduced in the sixteenth
century. The sixteenth century can truly be called a revolutionary century for pedagogy, and the Jesuits were at the
center of that revolution.
As an educator, Juan Bonifacio taught grammar at Medina college (Collegium Metinense) in Castilla. Among his
pupils was Juan de Yepes, the future St. John of the Cross.
The writing style of that great sixteenth-century Spanish mystic was very much influenced by his young Jesuit teacher
from Salamanca.
Juan Bonifacio began work on Christiani pueri institutio
as early as 1565. At the time of the Third General Congregation of the Society of Jesus in Rome in 1573, a number
of the leading Jesuits taking part in the Congregation had
already read a draft of Christiani and approved of its contents.10 The first edition was published in Salamanca in 1575,
and the second edition, in Burgos in 1588.11 Valignano’s Macao edition also appeared in 1588. The book is an anthology
consisting of passages from the Bible, extracts from Roman
philosophers and orators, and from the writings of Church
Fathers such as Jerome, Ambrose, and Augustine.
Bonifacio’s basic purpose was to improve the Latin skills
of students who had already mastered grammar and had
now entered the class of rhetoric. But Bonifacio saw another objective for his book besides that of mastering Latin:
it could also be and instructive guide to virtue and morality.
This latter objective appears clearly in his choice of topics
to be taken up and in the systematic order in which these
145
topics were arranged, as can be seen in the book’s table of
contents below:12
Chapter 1: On education, its goodness and value
Chapter 2: On problems that the young usually face
Chapter 3: On the necessity of religion for everyone, especially the young
Chapter 4: On sincerity and moral righteousness
Chapter 5: On chastity
As I shall mention again later, it was part of the humanist
creed that there was an essential connection between growth
in language skills and the development of a good character
(vir bonus). The humanistic ideal of “vir bonus dicendi peritus” was also Bonifacio’s. His book followed closely the path
marked out by the humanists of his time.
The Macao Edition (1588)
As we noted above, two editions of Bonifacio’s work were
published in the same year, in Burgos and Macao. Valignano
managed to get hold of a handwritten copy of the Burgos
edition. He may have found it India, or he may have asked
Bonifacio himself to send him a copy. Valignano’s original
plan had been to print it in Japan, but news of the persecutions made him change his mind and decide to print it at
once in Macao. In any case, he had time to add a few modifications to the original text. By inserting several anecdotes
involving pious Japanese boys, it is clear that he expected
that this would make the book more accessible to the young
in Japan.13
Bonifacio’s work was actually used by seminarians in Japan. But it was not long before the book’s very existence was
forgotten, and the name Juan Bonifacio sank into oblivion.
There are only two copies of the book extant today, one in the
Biblioteca da Ajuda in Lisbon, and the other in Copenhagen
(Det Kongelige Bibliotek).14 In a sense, Christiani is the rarest
of rare books. The Ajuda copy was not known until Dr. Sousa
Viterbo introduced it to historians in 1893. It is not clear why
Bonifacio was so completely forgotten in Asia. The fact that
the persecution of Christians in Japan made it impossible
for the Jesuits to continue their educational efforts there accounts in part, perhaps, for the later neglect of him. But one
wonders if a greater reason for this neglect is not that the
book itself failed to touch the hearts of its Japanese (Asian)
readers. An even greater reason for its falling into oblivion is
146
undoubtedly the fact that it was written in Latin. (I will discuss
this at greater length later in this paper).
Valignano’s Primary Aim in Publishing the Book
Valignano chose Bonifacio’s book for publication. His
reason for doing so is clearly stated in the preface of the Macao edition.15 He believed that the book would be useful in
helping to accomplish the twofold aim of inculcating virtues
in the young and of improving their skills in Latin. From this
it is clear that Valignano intended to use the book as a Latin textbook for Japanese candidates to the priesthood. He
expected the book to serve both ends, but improving Latin
skills was particularly emphasized in Japanese seminaries.
Already in 1580, the importance of teaching Latin in Japan was discussed at the first congregation of the Japanese
Province of the Society of Jesus. The majority of the participants in the congregation agreed hat “it is necessary for
priestly candidates to learn Latin, using good and instructive
material”.16 Valignano, who chaired the meeting, also accepted this view when he had to make the final decision the
following year. Thus, we can see that Valignano had already
made up his mind to publish a “good and instructive book”.
However, eight years passed before the Macao edition saw
publication.
In that same congregation of 1580, there seem to have
been a number of interesting discussions on education in
Japan, as we learn from the following report of Valignano:
In the beginning, some of the participants thought that Japanese seminarians should study only Latin and casus conscientiae [case studies as a preparation for hearing confessions], and they should not be involved in higher
learning. […] At the end, all the delegates agreed that seminarians should be
taught Latin, and after that could be granted the opportunity to acquire other
higher learning, according to their abilities.17
In this discussion, several issues were probed, and various possible curricula were considered. But, from the first to
the last, nobody had doubts about the importance of learning Latin. Teaching and studying Latin was always regarded
as a basic and absolute requirement in Jesuit education in
Japan. Why did Valignano emphasize the importance of the
teaching of Latin for the Japanese? What was Latin for the
Europeans? What was Latin for the Japanese?
147
The Background of Bonifacio’s Work:
vir bonus dicendi peritus
Valignano was brought up in the atmosphere of the humanistic tradition of the Renaissance. He studied civil law at
the University of Padua, one of the important centers of the
Renaissance movement. After entering the Society of Jesus,
he attended lectures on theology and the natural sciences
at the Collegio Romano (now the Pontifical Gregorian University).18 There he met quite a few extraordinary scholars,
such as Christopher Clavius (1537-1612), a mathematician
who contributed to the introduction of the Gregorian solar
calendar. Valignano may well be called a child of the Renaissance. He knew very well the great value of a humanistic
education along Renaissance lines.
One of the most important elements in such a humanistic
education is the ability to speak and write language well.
Without exception, the humanists of the time were all masters
of language, and made much of the ancient Roman oratorical traditon. Quintilian (35/40-100) in his book Institutio oratoria states that “vir bonus dicendi peritus”, which means that
only a virtuous person (vir bonus) can make a good speech
(dicendi peritus).19 This maxim aptly expresses the aim of
humanistic education. The scholastic system of education
(modus parisiensis)20 had considered the mastery of Latin
(grammar and rhetoric) to be the important starting point for
getting an education. Similarly, the humanistic system of education also emphasized the importance of learning languages (not only Latin, but also Greek and Hebrew). Acquiring
skill in speaking was a central concern for humanists. After
the languages were learned, all efforts were concentrated
on acquiring skill in speaking (rhetoric) and on the pursuit of
other humanistic studies (studia humanitatis).
To better understand the mianing of “vir bonus dicendi
peritus”, it is necessary to consider the role of rhetoric. Rhetoric, for humanists, is the art of persuading.21 Persuasion is
not just a matter of words. The nature of the person who is
speaking has more to do with the art of persuasion than the
words he uses. It is only a good person who can speak the
truth persuasively.22 Thus, good character and persuasive
words are but two sides of the same coin; humanists did
not separate rhetoric from life.23 Their models were the Roman orators such as Cicero, Cato, and Virgil: these were the
true masters of rhetoric.24 They were morally good people as
well as extraordinary masters of language. The humanists
148
held the view that only a good man can acquire the art of
persuasion. Speaking and writing well was linked essentially
with being a man of character. Moreover, European humanists of the sixteenth century were convinced that the study
of Latin was an essential means for achieving excellence in
rhetoric.
Ancient Church Fathers such as Jerome, Ambrose, and
Augustine were praised for the consistency of their words
and deeds. It was this consistency that persuaded the hearer (or reader) of the truth of their words. “The Imitation of
Christ” (Imitatio Christi) was, for the humanists, one of the
best expression of how a man should live. Augustine, in the
following words, expresses very much the same notion as
Quintilian, when he writes “sit eius quasi copia dicendi, forma vivendi” (“his manner of living speaks eloquently”).25
Desiderius Erasmus (1466/9-1536) expresses a similar
view in his words “Philosophia Christi” (Philosophy of Christ).
For him, true piety is to be found in the consistency between
thought and action. To speak the truth persuasively, the
speaker should be rooted in piety. He concludes that theology is piety joined with skill in speaking on sacred subjects.
(“Theologia est pietas cum ratione de divinis rebus loquendi
coniuncta”).26
Juan Bonifacio’s Christiani also follows the above line
of thought. In this work, too, persuasive speech cannot be
se-parated from virtuous living. Valignano must have been
drawn to this element in Bonifacio’s book, and he must have
chosen it for re-printing because it was excellent material for
educating the young. By introducing the work of Bonifacio to
Japan, Valignano was also introducing the humanist ideals
of the Renaissance to Japan. Thus, the work of Bonifacio
was of great significance as marking an in-depth encounter
between East and West.
Latin as a Basic Requirement
Valignano’s principal reason for insisting that the Japanese seminarians learn Latin was that Latin was an indispensable tool for uniting the Japanese Church and her priests with
the Universal Church. Therefore, he made the study of Latin
compulsory for Japanese candidates for the priesthood.
Valignano was also responsible for the opening of seminaries (seminario) and colleges (colegio) in Japan. Seminario was an educational institution for young men who might
149
later become candidates for the priesthood. In the colegio,
on the other hand, were many youths who had no intention
of becoming priests. The seminario was not a school of theology, but more like today’s high school. Higher institutions of
theology, such as the ones in Goa (St. Paul College) and Macao (St. Paul College), had not yet appeared in Japan. Valignano judged that the time was not yet ripe for establishing
such institutions in Japan.
In Europe, besides Latin, Greek and Hebrew usually formed the core curriculum for basic education. But Valignano
could see no good reason for Japanese students to learn
Greek and Hebrew, in as much as those classical languages sprang from a culture that had nothing in common with
the Japanese. On the other hand, he attached importance
to learning Japanese classical literature.27 In the near future,
Japanese priests would have to treat with Japanese intellectuals, whose culture had as its basis a knowledge of Chinese
& Japanese classical literature. No matter how much Greek
and Hebrew the Japanese student learned, this would be of
no use for him in dialogue with Japanese intellectuals. Here
we see the keenness of Valignano’s insight.
In accordance with Valignano’s instructions, the Japanese seminaries made up their own unique curriculum on
three levels.28 On the introductory or elementary level, Latin grammar was mainly studied. On the intermediate level,
the students continued to improve their Latin grammar. It is
probably here that Bonifacio’s Christiani pueri institutio was
used. On the highest or advanced level, the students began
to study Japanese classical literature.
Learning Latin proved to be a painful experience for the
Japanese. Most of the students were forced to stay at the
lowest level for a long time. After hard study, only a few students were permitted to go up to the second level. One of
those was Hara Martino (原マルチノ c.1569-1629), one of
the four youth ambassadors who had gone to Europe, who
had remarkable talent for assimilating Latin. According to
the Jesuit Catalog of 1593, Hara had already finished the
intermediate course and had begun to study in the class of
Japanese literature. But his case was very exceptional. Almost all of the Japanese students had to struggle with the
language. Two of the other “youth ambassadors”, Ito Mantio
(伊東マンシヨ c.1569-1612) and Chijiwa Miguel (チ々右ミゲ
ル c.1569-?) had difficulty completing the intermediate course; their progress was slow. Their difficulties in learning Latin
did not spring from lack of ability, but from the difference
150
between systems of language. For a sixteenth-century Japanese to speak and write good Latin would be like a modern
European reading and writing classical Chinese.
Latin: Tool for the Unity with the Universal Church
Valignano, as we have seen, after a careful consideration
of the situation in Japan, chose not to introduce the European study curriculum as a whole into Japan. After eliminating Greek and Hebrew from the Japanese curriculum, why
then did he persist in emphasizing the importance of teaching Latin? To be consistent in his method of adaptation to
Japan, why did not he eliminate Latin as well as Greek and
Hebrew, and substitute for it something inherent in Japanese culture? His reason for not doing so is clear: knowledge
of Latin would enable the Japanese to maintain unity with
the Universal Church, by providing them with a common language.29 Certainly Latin was a classical language and an
effective means for realizing the educational ideal of European humanists. By acquiring skill in Latin, they were able to
develop their vir bonus. Latin was part of their culture, and
it was natural for them to discover something universal in
it. But the Japanese, lacking the same cultural roots, could
never do this.
Latin: Cause of Antagonism
The introduction of Latin into the curriculum was the cause of still another problem. Ability to speak and write good
Latin was considered by Europeans to be a means for developing good character, for producing vir bonus. This idea was
not wrong, but it was wrong to judge a person who had not
mastered Latin to be an imperfect or bad person because of
this. This would seem to be obvious, but it is a fact that some
of the Jesuits responsible for the selection of candidates to
the priesthood were influenced, if perhaps unconsciously, by
this criterion. In the Jesuit Catalog is a list of Jesuit seminarians, and next to the name of each seminarian is noted his
Latin grade as well as a grade for character, such as “mediocre” or “excellent”. It is clear that quite a few students were
not accepted as candidates for the priesthood because of
their low grade in Latin, and, therefore, their correspondingly low grade in character. Thus, far from being a means to
151
unity, Latin became the source of antagonism between the
European missionaries and the Japanese, a key point in their
mutual struggles.
Epilogue
In conclusion, it seems to me that Valignano’s introduction
of the work of Bonifacio into Japan was highly significant.
Valignano proved himself to be an extraordinary leader when
he implemented in Japan and China his missionary strategy
of cultural adaptation. He urged his missionary colleagues
to consider the needs of the people they wished to convert
and to adapt themselves accordingly. In this sense, he was
truly a “global” person, rather than a man of one country and
one culture. In introducing to Japan the work of Bonifacio,
he prepared the way for effectively educating young Japanese. In this, too, he evidenced his genius as a leader. The
humanism of the European Renaissance reached Japanese
shores through that work: through the work of Bonifacio, the
Japanese were given an opportunity to come to know the essence of this humanism. That few availed themselves of this
opportunity was due undoubtedly to language barriers. For
Europeans, Latin was at the very core of their rhetorical and
educational tradition; it presented a kind of universal standard. But outside of Europe, Latin was merely the classical
language of a certain place. In Japan, Latin did not become
a tool for developing the vir bonus. For the young Japanese
struggling to assimilate it in their colleges and seminaries,
Latin as a classical language was always a handicap in the
attempt to capture the essence of the humanistic ideal which
Juan Bonifacio attempted to inculcate in his book. Consequently, the Japanese failed to come to an understanding of
that ideal, or even of the intention of Juan Bonifacio in writing
the book.
152
Notes
(1) Christiani pueri institutio, adolescentiae que perfugium: autore Ioanne
Bonifacio Societatis Iesu. Cum libri unius, & rerum accessione plurimarum.
Cum facultate Superiorum apud Sinas, in Portu Macaensi in Domo Societatis
Iesu. Anno 1588. I use its faximile version (1978) reprinted in Japan.
(2) About History of Jesuit Printing, see, Johannes Laures, Kirisitan
Bunko: A Manual of Books and Documents on the Early Christian Mission in
Japan (Tokyo: Sophia University, 1957) pp. 4-26.
(3) J.F. Schütte explains the role of “visitor” of the Society of Jesus, saying
“Valignano had the task of visiting the entire Indian province, of forming as accurate as possible a picture of its spiritual and material state, and of promoting
as efficiently as might be its life and work in accordance with the Constitutions
of the order. His duty was to remove abuses wherever found, trace difficulties to their root and resolve them, smooth out differences”. Josef F. Schütte,
Valignano’s Mission Principles for Japan, Volume I. From His Appointment as
Visitor until His First Departure from Japan (1573-1582) Part I: The Problem
(1573-1580) (St. Louis: The Institute of Jesuit Sources, 1985), p. 47.
(4) See, Sophia University (Tokyo), Kirishitan Bunko, Laures Database,
(http://133.12.23.145:8000/html).
(5) See, Matsuda Kiichi, Tensho Ken’ou Shisetsu [
] (Tokyo:
Kodansha, 1999).
(6) J.F. Schütte, Valignano’s Mission Principles for Japan, Volume I. From
His Appointment as Visitor until His First Departure from Japan (1573-1582)
Part II: The Solution (1580-1582) (St. Louis: The Institute of Jesuit Sources,
1985) pp. 263-265.
(7) See, Félix G. Olmedo, S.J., Juan Bonifacio 1538-1606: Y la Cultura Literaria del Siglo de Oro. (Santander: Publicaciones de la Sociedad de
Menéndez Pelayo, 1939), pp. 21-28.
(8) John W. O’Malley, The First Jesuits (Cambridge MA: Harvard University Press, 1993), Chapter 6, esp. pp. 215-227.
(9) Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Jesu.
(10) F.G. Olmedo, ibid. pp. 99-107.
(11) The Burgos edition’s full title is Christiani pueri institutio, adolescentiae que perfugium: autore Ioanne Bonifacio Societatis Iesu. Cum libri unius,
& rerum accessione plurimarum. Cum privilegio. Burgis. Apud Philippum Iuntam. 1588.
(12) (1) De honesta educatione, (2) De praeclara pueritia novae que aetatis defensione, (3) De necessitate religionis tum in omniaetate tum maxime
inprima puerorum, (4) De verecundia et morum urbanitate, (5) De castitate.
(13) For example, Valignano shows a story about the brave Boys in Japan
in Liber secundus, pp. 53-55.
(14) See, J. Peterson, “A Copy of Bonifacio’s Christiani Pueri Institutio in
Copenhagen”. Monumenta Nipponica XV-no.1 (1959).
(15) “Cogitanti mihi semper de vestro in virtute, & Latina Lingua progressu praeclarae ex pectationis alumni, & aduestram patriam magno animi ardore redeunti in mentem venit, ea mecum exportare, quae ad vestrum profectum maxime essent accommodata. Cum ergo Latinarum literarum prototypos
characteres non paruo labore comparassem: vt facile in Iaponicis infulis nostri
Libri excudi possent: […]” Christiani pueri institutio (Macao, 1588), A2.
(16) “[…] con tal que assi el Latin, como todo lo de mas seles enseñasse
por libros Buenos y apurados”. ARSI, Jap. Sin. 2, 50.
(17) “Acerca del qual aunque en el principio a unos parecio que no
se devian enseñar mas que Latin y casos, sin los meter en otras sciencias
mayors pareciendoles inconveniente meter los en questiones difficiles y ar-
153
duos siendo aun tan flacos y nuevos en la fee. Todavia despues convenieron
todos en la Segunda opinion que se enseñasse latin y despues a cada uno
las sciencias de que fuesse capazes y que el tiempo y la experiencia mostrasse que se las huviesse de enseñar, con tal que assi el Latin […]” ARSI,
Jap. Sin. 2, 50.
(18) J.F. Schütte, Valignano’s Mission Principle for Japan, vol. 1, p. 34-35.
(19) Quintilian says, “Sit ergo nobis orator quem constituimus is que a
M. Catone finitur vir bonus dicendi peritus, verum, id quod et ille posuit prius
et ipsa natura potius ac maius est, utque vir bonus”. In English, “so let the
orator whom we are setting up be, as Cato defines him, ‘A good man skilled
in speaking’: but – and Cato put this first, and it is intrinsically more significant and important – let him at all events be ‘a goodman’. […]”. Quintilian,
The Orator’s Education, Books 11-12, ed. and trans. by Donald A. Russell
(Cambridge MA. & London: Harvard University Press, 2001, Loeb Classical
Library), pp. 196-197.
(20) On the relations between modus parisiensis and sixteenth century
education, see, John W. O’Malley, The First Jesuits (Cambridge MA: Harvard
University Press, 1993), p. 215-217. O’Malley writes, “the model of this pyramid culminating in theology [“arts,” or “philosophy” – logic, metaphysics, ethics, mathematics, and physics, according to the texts of Aristotle for the most
part – and, finally, theology, considered the apex of the curriculum] was the
University of Paris that the architects of the Jesuit system knew so well. The
pyramidal structure was only one element, however, in the complex reality of
the modus parisiensis that the Jesuits introduced into their schools in Italy
and thence exported, as modified by their Italian experience, to their schools
elsewhere in the world. […]” (p. 216).
(21) About importance of rhetorical tradition, see, W.J. Bouwsma, “Humanism: I. The Spirituality of Renaissance Humanism” in Christian Spirituality:
High Middle Ages and Reformation, ed. by Jill Raitt (New York: Crossroad,
1989), pp. 236-251. See also, John Monfasani, “Humanism and Rhetoric”
in Renaissance Humanism: Foundations, Forms, and Legacy, vol. 3, Humanism and the Disciplines, ed. by Albert Rabil, Jr. (Philadelphia: University of
Pensylvania Press, 1988), pp. 171-235. J. Monfasani says, “At the same time
[the time of Renaissance], they [humanists] proposed a new educational program, the studia humanitatis, which focused on classical literature and made
rhetoric, not logic, the chief art of discourse. Classical rhetoric was central
to the enterprise because, humanists believed, it held the key to classical
eloquence.” (p. 171).
(22) As to moral and speeking, Quintilian also says, “Quando igitur orator
est vir bonus, is autem citra virtutem intellegi non potest, virtus, etiam si quosdam impetus ex natura sumit, tamen perficienda doctrina est: mores ante
omnia oratori studiis erunt excolendi atque omnis honesti iustique disciplina
pertractanda, sine qua nemo nec vir bonus esee nec dicendi peritus potest
[…]. In English: “So, since the orator is a good man, and the concept of a
good man is unintelligible apart from virtue, and since virtue, though it derives
some impulses from nature, has none the less to be perfected by teaching, the
orator must above all else develop his moral character by study, and undergo
a thorough training in the honourable and the just, because without this no one
can be either a good man or a skilled speaker”. Quintilian, ibid. p. 221.
(23) See, J.D. Tracy, “II. Ad Fontes: The Humanist Understanding of
Scripture as Nourishment for the Soul”, in Christian Spirituality: High Middle
Ages and Reformation, ed. by Jill Raitt (New York: Crossroad, 1989), pp. 252267. J.D. Tracy explains relations among humanists, rhetoric and the Bible.
“[…] Rhetoric was the other great preoccupation that provided the diverse
and multifarious humanist movement with a common framework, and rhetoric,
too had special implications for the understanding of Scripture. The reason
that humanists so admired the fathers as expositors of the Bible was that the
fathers, themselves products of an education centered on the art of persua-
154
sion, understood the expositor’s task as homiletic rather than speculative in
character; its purpose was to make God’s word come alive in the hearts of
readers and listeners […]. (p. 256-7).
(24) W.J. Bouwsma says, “The ancient texts that chiefly inspired the humanists were not the works of the ancient Greek philosophers but those of the
Latin orators (above all Cicero and Quintilian), and of the ancient poets and
historians”. W.J. Bousma, ibid. p. 236.
(25) Augustine, De doctrina christiana, 4,29, 61.
(26) Cited. J.W. O’Malley, Collected Works of Erasmus, vol. 66, p. xi. Note
5. Originally in Apologia contra Latomi dialogum (J. Leclerc ed., Desiderii Erasmi Roterodam opera omnia, vol. IX, 90A).
(27) See, Antoni J üçerler, S.J. “Alessandro Valignano and Jesuit Humanist Education in Japan” in St. Francis Xavier: An Apostle of the East vol. 2.
(Tokyo: Sophia University Press, 2000), p. 77. “Valignano opted for a selection of literary and Patristic Latin texts. Another key innovation was to replace Greek with the study of classical Japanese and Chinese texts, including
literary works such as the Heike monogatari (
), the Wakan Ro–ei-shu–
(
), and the Kinkushu– (
).
(28) See, Hubert Cieslik, “Seminariyo no kyoiku seishin ni tsuite [
. On the educational spirit in Japanese Seminario]”
Kirishitan Bunka Kenkyukai Kaiho VIII-1 (1964), pp. 1-27.
(29) Hubert Cieslik, “Seminariyo no kyoiku seishin ni tsuite”, p. 11.
155
HINO HIROSHI
− −
Universidade Ryu
tsu Keizai
Ibaraki/Chiba, Japão
As vozes naturais dos crentes japoneses
seiscentistas registadas na obra de
frei Diego Colhado, O.P. As confissões e as
admoestações relativas
ao Primeiro Mandamento de Moisés
O frei castelhano Diego Colhado, O.P. publicou em
Roma no ano de 1632 uma obra bilingue intitulada Niffon no
cotobani yô Confesion vo mŏsu yŏtai to, mata Confesor yori
goxensacu mesaruru tame no canyônaru giô giô no coto.
Danguixano monpa no Fr. Diego Collado to yŭ xucqe Romani
voite corevo xitate mono nari. 1632 [日本の言葉にようコンヒ
サンを申す様体と,
またコンヘソルより御穿鑿めさるる為の肝
要なる条々のこと。談義者の門派のフライ,ヂエゴ・コリャドと
いふ出家,ロマに於いてこれを仕立てものなり。1632]. Modus
Confitendi et Examinandi Pœnitentem Iaponensem, formula
suamet lingua Iaponica. Auctore Fr. Didaco Collado Ord.
Præd. Romæ a die 20. Iunij, anni 1632.1 Colhado apresenta
aí várias confissões por ele ouvidas e registadas em idioma
japonês durante a sua missionação em Nagasaki nos anos
de 1619-22. Tanto as confissões dos crentes como as
admoestações do padre encontram-se organizadas segundo
os Dez Mandamentos de Moisés, as Obras Misericordiosas,
e os Sete Pecados Mortais. No presente ensaio gostaria de
apresentar, para além da transcrição diplomática do texto
original japonês, a minha tradução portuguesa de todas as
confissões relativas ao Primeiro Mandamento de Moisés e
de suas respectivas admoestações.
Afigura-se-me extremamente sugestivo o facto de
existirem no budismo princípios que constituem uma
equivalência aos Dez Mandamentos de Moisés: Não haverá
para ti outros deuses na minha presença.2 Tratam-se dos
cinco preceitos budistas chamados «Gocai» [五戒], os quais
são os códigos morais essenciais a que os verdadeiros
crentes deverão demonstrar obediência, mas que no entanto,
não incluem nenhumas regras de punição caso infringidos.
Vejam-se os seguintes seis verbetes relativos à palavra em
questão vistos no Vocabulario da Lingoa de Iapam com a
157
declaração em Portugues, feito por alguns Padres, e Irmãos
da Companhia de Iesu (Nagasaki, 1603-04), conservado na
Biblioteca Pública de Évora (Res. 108):
Gocai [五戒]. Itçutçuno imaxime [五つの戒め]. Cinco mandamentos de
Xaca. V.G. [釈迦の五つの戒め]. Xexxŏ [殺生]. Não mataras cousa viva [生き物
を殺すな]. Chŭtŏ [儔盗]. Não furtaras [盗むな]. Iain [邪淫]. Não fornicaras [姦淫
するな]. Vonju [飲酒]. Não beberas vinho [酒を飲むな]. Mŏgo [妄語]. Não diras
3
mentira [嘘をつくな].
Xexxŏ [殺生]. Iqimonouo corosu [生き物を殺す]. Matar cousa viva que os
Bonzos tem por peccado [坊主たちが罪と見做す生き物を殺す行為]. Vt. Xexxŏ
4
suru [殺生する].
Chŭtŏ [儔盗]. Nusumi [盗み], nusumu [盗む]. Furto [盗み]. Vt. Chŭtŏ
5
subecarazu [儔盗すべからず]. Não furtaras [盗むな]. S [escriptura].
Iain [邪淫]. Luxuria, ou sensualidade [淫乱もしくは好色]. / Iainuo vocasu
6
[邪淫を犯す]. Cometer peccado de luxuria [淫乱の罪を犯す].
Vonju [飲酒]. Vt, Vonjucai [飲酒戒]. Hũ dos preceitos de Xaca que he não
7
beber vinho [釈迦の戒律のひとつで酒を飲まぬということ].
8
Mŏgo [妄語]. Mentira [嘘].
Pode-se dizer que os «Gocai» são “boas obras”, as quais
os budistas, através dos esforços para fazer delas uma parte
inseparável de si próprios, devem cumprir dentro da sua vida
diária. Outro facto que me parece bem impressionante é que
nos «Gocai» não se contém nenhum preceito nem regra que
corresponda ao Primeiro Mandamento de Moisés.
O budismo consiste, escusado será dizer, nos
ensinamentos de Buda, assim como o cristianismo nos de
Jesus Cristo e o islamismo nos de Maomé, existe, porém,
uma característica peculiar à doutrina budista, isto é, aqueles
que abraçam o budismo, através da aprendizagem dos
ensinamentos de Buda e da percepção da verdade relativa ao
Universo e ao género humano, podem também eles próprios
tornar-se Budas. Eis aqui um óptimo exemplo esclarecendo a
sobredita maneira de pensar em palavras acessíveis:
Fotokemo mucaxiua fito nariki / Vareramo tçuiniua fotoke nari / Sanxin
buxxŏ guxerumito / Xirazarikeru coso auare nare [仏も昔は人なりき⁄われら
も終には仏なり⁄三身仏性具せる身と⁄知らざりけるこそあはれなれ]. Tradução
portuguesa: Fotoque fora antigamente um homem medíocre sem dignidade
nem letras. / Nós tornar-nos-emos por fim em Fotoques se conseguirmos
a iluminação. / Não sabendo que somos dotados propriamente das três
naturezas necessárias para nos tornarmos em Fotoques, / Parece-nos tão
9
lamentável estarmos a negligenciar os exercícios das leis budistas.
Pode-se afirmar que o último objectivo do budismo reside
em cada pessoa procurar transformar-se em Buda.10
Uma das compreensões mais fundamentais do budismo
consiste na afirmação de todas as existências no mundo em
158
que vivemos serem fugazes e estarem sujeitas à incessante
alteração e transformação. Tal conceito é explicado muito
bem no verbete da palavra «Yeiyô» [栄耀] registado no
Vocabulario da Lingoa de Iapam, a qual é definida como:
«Sacaye cacayaqu [栄へ耀く]. Prosperidades. Vt, Ninguenno
yeiyôua cajeno mayeno chiri [人間の栄耀は風の前の塵]. As
prosperidades dos homens são como pò, ou cisco que leua
o vento [人間の栄華は風に運ばれる塵か芥のようなものであ
る]».11 Se bem que não se esclareça a origem deste ditado,
é evidente ter sido extraído da famosa e apreciada abertura
da Feike monogatari (História do Feique), a qual diz:
Ghivonxŏjano caneno coye, xoghiŏ mujŏ no fibiki ari, xarasŏjuno fanano
iro, jŏ xa fissuino cotovariuo arauasu. Vogoreru mono fisaxicarazu, tada faruno
yono yumeno gotoxi. Takeki fitomo tçuiniua forobinu, fitoyeni cajeno mayeno
chirini vonaji
[祗園精舎の鐘の声、諸行無常の響あり、沙羅双樹の花の色、盛者必衰の理
をあらはす。驕れる者久しからず。ただ春の夜の夢の如し。猛き人もつひには滅
びぬ、ひとへに風の前の塵に同じ]. Tradução portuguesa: O sino do templo
«Ghivonxo˘ ja» − o qual foi fundado pelo rico discípulo de nome Sudat
[須達長者] e oferecido a Buda e aos monjes − ecoa em nós a canção da
«impermanência». A cor cadente das flores das árvores chamadas «Xaraso˘ju» − as quais cresceram no local exacto onde faleceu Buda − representa a
autêntica razão de que até os mais poderosos perderão infalivelmente a sua
força. Quem com insolência abusa do poder, tarde ou cedo, o irá perder, pois
a sua fugacidade se assemelha ao sonho ligeiro e passageiro de uma bela
noite de Primavera. Mesmo o mais forte e feroz terá, por fim, que declinar,
pois a sua vaidade será como cisco que, contra a sua vontade, pelo vento
é levado.
O vocabulo «Mujŏ» [無常] é definido no Vocabulario da
Lingoa de Iapam como: «Tçune naxi [常無し]. Miseria, ou
breuidade das cousas do mundo. / Item, Morrer. Vt, Mujŏno
cajeni sasouaruru [無常の風に誘はるる]. Ser leuado, ou
arrebatado da morte. / Vy mujŏno narai [有為無常の習ひ].
Custume das cousas do mundo que se acabão, ou mudão
facilmente».12 Tal conceito budista do «Mujŏ» é exprimido
muito graciosamente numa cantiga japonesa chamada
«Irofavta» [いろは歌]. Apesar de ser composta apenas
pelas 47 sílabas principais existentes no idioma japonês,
a cantiga constitui um verso elegante de índole filosófica
budista, como se entenderá através da minha tradução:
Iroua niuoyedo[to] chirinuruuo / Vagayo tareso tçunenaramu / Vyino
vocuyama keô coyete / Asaki yume mixi yeimo xezu[su] [色は匂へど散りぬ
るを⁄我が世たれそ常ならむ⁄有為の奥山けふ越えて⁄浅き夢見し酔ひもせず].
Tradução portuguesa: Ainda que a beleza feminina cheire bem na flor da
idade, todavia, sem dúvida nenhuma, não deixará de decair algum dia.
/ Quem poderia ser permanente e imutável no mundo em que vivemos? /
Percorrendo, no dia de hoje, as serras que estão mais no interior, cheias de
159
misérias e tristezas, / Teríamos que viver num mundo de sonhos vagos sem
ficarmos embriagados neles.
Só a título de curiosidade e surpresa, cabe-me adicionar
o facto de estar escondida uma maravilhosa cifra nesta
cantiga. Escolhendo de sétima em sétima sílaba junto com
a última, surge-nos uma frase «To-ga-na-cu-te-xi-su» [咎な
くて死す], que quer dizer, “morrer com todos os pecados
absolvidos”. A própria cantiga exprime o conceito budista
da «impermanência», simbolizando-se através da cifra
escondida aí um modo de morrer que os budistas têm por
ideal...
Mais uma compreensão também essencial do budismo
consiste na afirmação de não existir nenhum ego ou
si próprio que tenha uma existência absoluta e que se
mantenha inalterada para sempre. Trata-se do conceito
chamado «Muga» [無我], cuja forma adjectivada é definida
no Vocabulario da Lingoa de Iapam como: «Mugana [無
我な]. Vt, Mugana fito [無我な人]. Homem de pouco brio,
ou espiritos, ou que não se lhe dà das cousas [自尊心あ
るいは気力に乏しい、あるいは物事に対する執着心のない
人]».13 Tanto o «Mujŏ » como o «Muga» correspondem
a pensamentos que se encontram indissociavelmente
ligados, mas, enquanto o primeiro «Mujŏ» confere maior
ênfase à ideia de que quaisquer que sejam os seres
vivos, estes não poderão evitar a decadência e, por fim,
a extinção, o segundo «Muga» enfatiza a negação de
todas as existências absolutas e eternas. Se bem que
não possamos ter alguma certeza se o próprio Buda
advogou e pregou a ideia do «Muga», todavia, segundo as
escrituras budistas, não se pode duvidar que esta entidade
realça a importância da eliminação dos afectos internos
e externos, pois, segundo ele defende, todas as agonias
e sofrimentos são deles provenientes. No Vocabulario da
Lingoa de Iapam se lê a palavra «Goacuxu» [五悪趣], a qual
é declarada como «Cinco estados de gente, ou infernos
que poem os Iapões. Conuem a saber: Giacu, Gaqi,
Chicuxŏ, Xura, Ninden [人間の五つの状態、
もしくは日本人の
考えるもろもろの地獄、すなわち「着」
「餓鬼」
「畜生」
「修羅」
「人
天」]».14 Ainda que o vocábulo japonês «Giacu» que aparece
nesta definição me pareça um lapso tipográfico, tendo-se quase certamente equivocado por um outro vocábulo
designado «Gigocu» [地獄] − que quer dizer «Inferno»15
−, todavia, o mesmo «Giacu» não está completamente
incorrecto, já que o seu sentido é perfeitamente enquadrável
no pensamento filosófico budista. Os seguintes três
160
vocábulos registados no Vocabulario da Lingoa de Iapam,
mesmo que não sejam classificados como aqueles relativos
ao «Buppô», palavra essa que é definida como «Fotoqeno
nori [仏の法]. Leis, ou doutrina dos Fotoqes [諸仏の掟、
もしく
は教義]»16, traduzem um dos estados humanos considerados
como mais abomináveis no pensamento budista:
Giacu [着]. Vt, Giacusuru [着する]. Estar affeiçoado demasiadamente a
17
algũa cousa [何事かに極端に愛着・執着を抱いていること]. .
Giacuxin [着心]. Coração afeiçoado, ou afeição grãde de algũa cousa
18
[囚われのある心、
もしくは何事かに対し大いに愛着・執着を抱くこと].
Xŭgiacu [執着]. Affeição dalgũa cousa [何事かに対する愛着・執着].
Mononi xŭgiacu suru [物に執着する]. Affeiçoarse a algũa cousa [何事かに対
19
して愛着・執着を持つ].
Por constituir a negação de quaisquer existências
absolutas e eternas, uma das mais importantes linhas do
pensamento budista, não será de estranhar que antes
e até ao nascimento de Buda tivessem existido outros
seres humanos e que, também eles, compreendessem a
verdadeira natureza do Universo, tomando consciência
dessas verdades. Na sequência do sobredito, logo após a
morte de Buda, surgiu a corrente de terem existido “Sete
Outros” que perceberam a Verdade. Estes “Sete” passaram
a ser denominados como os “Antigos Sete Budas” [過去七
仏]. Mais tarde, surgiria outra corrente, a qual defenderia
que no futuro outros humanos ficariam conscientes da
Verdade e tornar-se-iam em Budas. Assim se desenvolveu
a crença nos “Budas Futuros”, ou seja, «Gobut» [後仏],
vocábulo esse que é definido no Vocabulario da Lingoa de
Iapam como «Nochino fotoqe [後の仏]. Fotoque que vem
ao mũdo depois de outro ter vindo».20 Crê-se que «Mirocu
Bosat» [弥勒菩薩] aparecerá 5 670 000 000 anos a partir de
agora, como um representante desses Budas, de maneira
a salvar o género humano, e que «Gizǒ Bosat» [地蔵菩薩]
foi encarregado por Buda de salvar as pessoas no período
compreendido entre o tempo em que faleceu Buda e o tempo
em que chegaria o sobredito «Mirocu». Assim, através da
suposição de se colocarem Budas ao longo do eixo temporal
(passado, presente, futuro), os crentes budistas têm por
decidida e garantida a salvação dos seus antepassados,
dos actualmente vivos, e dos seus descendentes.
Existe uma particular pergunta − já bastante familiar
para nós − que os estrangeiros não conhecedores da
religiosidade japonesa tendem a fazer: porque é que os
japoneses fazem (ou podem fazer) núpcias à xintoísta e
funerais à budista? Resulta isso, é evidente, do facto de
161
que, como um grupo étnico, os japoneses são imbuídos
de panteísmo. Quer antes da transmissão do budismo
ocorrida presumivelmente no ano de 538, quer depois dela,
os japoneses têm acreditado nas “Oitocentas Miríades”,
isto é, «Yauoyorodzuno Cami» [八百万の神].21 Quanto ao
«Cami» [神] que representa a divindade da religião xintoísta,
tradicionalmente interpretada como uma força superior e
misteriosa de índole às vezes criadora, às vezes destruidora,
a qual reside em elementos naturais, − como, por exemplo,
árvores, rochas, plantas do arroz, montanhas, rios e o mar
−, em animais, e em determinados seres humanos. Esta
maneira de pensar completamente oposta à monoteísta é
expressa de forma lírica na seguinte cantiga da autoria do
monje budista de nome Ghiŏkiŏ [行教和尚], cantiga essa
que foi criada aquando da sua visita ao santuário xintoísta
chamado Usafachiman [宇佐八幡]:
Nanigotono / vouaximasutoua / xiranedomo / catajikenasani /
namida coboruru [何ごとの⁄おはしますとは⁄知らねども⁄忝なさに⁄涙こぼるる].
Tradução portuguesa bastante livre: Olá, divindades! Não posso captar a vossa
imagem nem sei onde vos encontrais escondidos, mas, o sentimento misterioso
de gratidão faz, sem querer, com que me venham as lágrimas aos olhos.
As sobreditas peculiaridades relativas à religiosidade
japonesa têm contribuído para que se tenha formado a
predisposição não de seleccionar apenas uma religião entre
várias e acreditar nela exclusivamente, mas de não excluir
nenhumas religiões, incorporando-as num sistema peculiar
de crença, sistema esse que procura gozar do benefício de
todas as correntes espirituais. Nem sequer o catolicismo −
«Kirishitan» [吉利支丹 ou 切支丹 ou キリシタン] como nós
chamamos − transmitido por S. Francisco Xavier, segundo
creio, foi excepção. Relativamente a vários exemplos
concretos de tal tendência da religiosidade japonesa
observados em missivas dos jesuítas, veja-se o meu ensaio
intitulado “Que bênçãos mundiais e seculares os fiéis e os
infiéis japoneses quinhentistas procuraram no interior da fé
cristã?”.22 De qualquer maneira que seja, se julgarem a partir
do sobredito que os japoneses não têm nenhum sentimento
religioso, isso levar-nos-ia a uma compreensão incorrecta.
Seria impossível captar o verdadeiro conceito religioso dos
japoneses se não reconhecessem que as peculiaridades
acima mencionadas não são nada mais que a sensibilidade
religiosa dos japoneses como um grupo étnico.
Pode-se com verdade afirmar que as seguintes
dezassete confissões acerca do Primeiro Mandamento de
Moisés são as vozes e testemunhos humanos por excelência
162
transmitindo vivamente quais dificuldades e perplexidades
enfrentaram os cristãos japoneses seiscentistas, já sob a
perseguição, ao reconciliarem o seu conceito de valores
tradicional com a ética católica recém-aceite.
Primeira confissão
R. Sate: ichiban no go uoqite ni tçuite no toga vo mŏxi
arauasu tocoro ni, mazzu, nisando gentio to Christian no torisata
ni tçuqi monogatari uo uqetamotte, ixxecai no Christian no
cazu, gentio no cazu ni curabete mireba, mizzu no fitoxizzucu
daiga ni curaburu gotoqu gia to mimi ni itta toqi ua, Hat! core
ua nanto xita coto ca? to uomôte, tocacu Christian no coto ni
tçuite fuxin ga uocotte, utagai maraxite gozaru.
弟子 さて,一番の御掟についての科を申し顕はすところに,
先づ,二・三度ゼンチョとキリシタンの取り沙汰につき物語を承
って,一世界のキリシタンの数,ゼンチョの数に比べてみれば,
水の一滴大河に比ぶる如くぢゃと耳に入った時は,はっ! これは
何としたことかと思うて,
とかくキリシタンの事について不審が
起こって,疑ひまらしてござる。
R. Vou confessar claramente, antes de mais nada, os
pecados que cometi acerca do primeiro mandamento de
Moisés. Por conseguinte, quando conversei duas ou três
vezes com um gentio para saber dele a reputação dos
cristãos, este disse-me: “O número dos cristãos existentes
em todo o mundo é insignificante, pelo que compará-lo com
o dos gentios é como dizer que uma gota de água é igual à
imensa corrente de um grande rio”. Ouvindo tais palavras,
fiquei tão chocado e desapontado que fui levado, sem
querer, a suspeitar e duvidar das coisas dos cristãos.
Segunda confissão
Maichido ua, go misa uogamu toqi, sono comugui no co
de tçucurareta mochi, hostia to mǒsu no uieni Padre sama
mi cotoba uo tonaieraruru tanteqi, sono hostia ua uon aruji
Iesu Christo no go xiqitai ni, mata uonajŭ budŏxu no uieni mi
cotoba uo tonaieraruru de mo, sono budŏxu uon aruji no uon
chi ni naricauaru ni tçuite ai sadamaranu nen ga uocotte,
utagŏ fodo gozanacatta redomo, sono acunen uo fuxegu ni
iurucaxe ga atte, cocoro ni cacari marasuru.
ま一度は,御ミサ拝む時,その小麦の粉で作られた餅,オス
チアと申すの上にパテレ様御言葉を唱へらるる端的,そのオス
163
チアは御主ゼズキリシトの御色体に,
また同じう葡萄酒の上に
御言葉を唱へらるるでも,その葡萄酒御主の御血になり変はる
について,
あひ定まらぬ念が起こって,疑ふほどござなかったれ
ども,その悪念を防ぐに忽せが有って,心に懸かりまらする。
Numa outra vez, quando ouvi a missa, o padre benzeu
aquilo que chamamos hóstia, isto é, o bolinho redondo feito
de trigo. Mesmo que soubesse que a dita hóstia, ao ser
benzida pelo reverendo padre, se converteria no Corpo de
Jesus Cristo e que, do mesmo modo, o vinho se transmutaria
no Sangue de Nosso Senhor, fiquei desconfiado, não
sabendo se tal coisa poderia acontecer, ainda que estivesse
longe de duvidar. Ainda tenho, porém, remorsos para com o
sobredito mau pensamento que, devido ao meu descuido,
brotou de mim.
Terceira confissão
Tabitabi mo muiô ni manqi na cocoro de, Christian no
coto uo, aruiua cocoro no uchi ni ca, aruiua cotoba de fito ni
catatte ca, tadaite, fitotçu zzutçu no xisai, tçutaie, iurai, ariai,
niai nado uo xensacu xite, fito no xŏtocu no chiie ni coierare,
tada fides no gotçugue no ficari de macoto ni uqeta uon coto
uo uaga chiie, funbet de facarŏ to xita coto ua, miga aiamari
de gozatta. Core ua saisai de gozatta redomo, icutabi to ua
uoboie maraxenu. Sarinagara, muiô abunai xensacu de atta
tocoro de, mune ni sauatte toga de gozattçurŏ to vomôte
arauaxi marasuru.
度々も無用に慢気な心で,キリシタンの事を,あるいは心の
内にか,
あるいは言葉で人と語ってか,糺いて,一つづつの子細
・伝へ・由来・有合・似合などを穿鑿して,人の生得の智慧に超
えられ,ただヒデスの御告げの光で真に受けた御事を我が智
慧・分別で量らうとしたことは,身が誤りでござった。
これは細々
でござったれども,幾度とは覚えまらせぬ。さりながら,無用あ
ぶない穿鑿であったところで,胸に障って科でござっつらうと思
うて,顕はしまらする。
Frequentemente tentei examinar-me, ou para melhor
dizer, inquirir-me, com excessiva soberba, sobre as coisas
dos cristãos, ora pensando sozinho, ora falando com outras
pessoas, tendo efectuado todos os esforços possíveis
para conhecer a sua razão de ser, a sua tradição, a sua
origem, a sua situação actual, as suas relações com outras
religiões, etc. É um erro meu ter julgado e conjecturado,
164
apenas através do meu modesto saber e entendimento,
os preceitos religiosos dos cristãos, tão eminentes e
elevados que ultrapassam o saber natural do ser humano,
coisas essas que houve e tidas por verdadeiras graças à
revelação resplandecente de Deus. Tenho cometido tal acto
de natureza soberba várias vezes, mas não me lembrando
da sua frequência. De qualquer maneira, sabendo que
é um acto espiritualmente perigoso – «Abunai» – ter feito
a sobredita inquirição, tive remorsos disso e pensei que
constituiria pecado, pelo que confesso.
Quarta confissão
Mata ichido miga musuco ga fucŏ uazzurŏta toqi,
sono nangui fippacu ni qiuamatte, Christian no cocoro de
ixxinpuran ni, sono co ga inochi uo tasucari nagaraiuru iŏni,
Deus vo tanomi maraxita redomo, sono ieqi ga gozaraide,
xinuru fodo no vazzurai ia? Inaia? to xiru tameni san23
vo voqimaraxita. Sore ni tçuqete mo sono nanguisa ni
xemerarete musuco vo vxinavanu tame, gentio no iqen vo
qiite, iamabuxi24 vo iobi ioxete co no vieni inori qitŏ vo saxe,
fuda25 maburi26 mo caqe saxemaraxite gozaru. Core va
qenzocu no maie de no coto to, mata qinpen xu no qicoieta
tocorode Christian xu: Hat, Christian taru mono va bechi no
toga vo tçucamatçutte saie varui ga, nangui no toqi gentio
no iŏni inori nando vo tçucamatçuru coto, sata no caguiri
gia to mina micaguitte mŏ sareta tocoro de, miga aiamari ga
navo fucŏ nari maraxita. Core va nido de gozatta ni, ichido
va gentio no cami fotoqe vo tanomoxŭ zonjite; ma ichido va
iacu ni tatanu to zonji nagara, xiriŭto gentio iori susumerarete
itaxi maraxita.
また一度,身が息子が深う煩うた時,その難儀・逼迫に窮ま
って,キリシタンの心で一心不乱にその子が命を扶かり永らゆ
る様にデウスを頼みまらしたれども,その益がござらいで,死
ぬるほどの煩ひや? 否や? と知る為に算を置きまらした。それ
に就けても,その難儀さに責められて,息子を失はぬ為ゼンチ
ョの異見を聴いて,山伏を呼び寄せて,子の上に祈り,祈祷を
させ,札守も懸けさせまらしてござる。
これは眷族の前でのこと
と,また近辺衆の聞こえたところで,キリシタン衆,はっ,キリシ
タンたる者は別の科を仕ってさへ悪いが,難儀の時ゼンチョの
様に祈りなんどを仕ること,沙汰の限りぢゃと皆見限って申され
たところで,身が誤りがなほ深うなりまらした。
これは二度でご
ざったに,一度はゼンチョの神,仏を頼母しう存じて,
ま一度は
役に立たぬと存じながら,知人ゼンチョより勧められて,致しま
らした。
165
Quando o meu filho apanhou uma doença grave, roguei
devotamente com todo o coração cristão a Deus pela sua
salvação e sobrevivência, pressionado pelo perigo e aperto
por ela causados. A minha prece, porém, não teve nenhum
efeito e pratiquei adivinhação utilizando «Sanghi»27, isto é,
pequenos pauzinhos de madeira (como fazem os gentios),
para saber se a sua doença era mortal ou não. Como não
consegui aguentar vê-lo queixar-se de dores e com medo de o
perder, pedi conselho a um gentio e escutei cuidadosamente
a sua opinião, tendo chamado um «Yamabuxi», roguei-lhe
que fizesse feitiços e lhe pendurasse uma nômina em redor
do pescoço. Este acto levado a cabo diante dos membros
da minha família foi divulgado entre os vizinhos, os quais,
boquiabertos, disseram: “Vós cristãos (Hat!)28, não sois
sérios nem verdadeiros, pois, para além de cometer outros
pecados, apelastes a tal adivinhação de natureza gentia,
apesar de ter a obrigação de obedecer fielmente aos vossos
mandamentos”. Ouvindo estas palavras, apercebi-me do meu
pecado, o qual, se foi tornando cada vez mais profundo. Tal
adivinhação foi levada a cabo duas vezes de acordo com o
conselho de um conhecido gentio meu. Quanto à primeira,
pratiquei-a tendo Camis e Fotoques dos gentios por dignos
de confiança, e no que respeita à segunda, pratiquei-a
apesar de saber bem que ela não prestaria para nada.
[Admoestação do confessor
para a quarta confissão]
Sari nagara, sucoxi zzutçu no cocoroie ga iru: mazzu
musuco dono no vazzurai no jibun ni, nido iamabuxi vo iobi
ioxe, inori qitŏ vo saxe, fudamaburi vo caqe saxeta nitçuite,
nauo mata ichido ni, cami fotoqe vo tanomoxŭ zonjite sŏ
itaita coto gozaru. Sore va côquai to, mata futatabi itasu
mai tono cacugo no vie ni, mixirareta xu no maie de
xinauosaide va.
さりながら,少しづつの心得が要る。先づ息子殿の患ひの
時分に,二度山伏を呼び寄せ,祈り・祈祷をさせ,札守を掛けさ
せたについて,なほまた一度に,神・仏を頼母しう存じてさう致
いたことござる。それは後悔と,また二度致すまいとの覚悟の
上に,見知られた衆の前でし直さいでは。
Todavia é necessário ter algumas advertências. Quanto
ao terdes convidado duas vezes um «Yamabuxi» a oferecer
uma prece e a pendurar um talismã no corpo do vosso
filho quando estava doente, e ao vos terdes encomendado
166
aos Camis e Fotoques, fazendo a mesma reza para a sua
melhoria, isso não é perdoável. Deveis manifestar a vossa
determinação, com toda a contrição, de emendar-vos e nunca
mais fazer tal coisa à vista daqueles que vos conhecem.
Quinta confissão
Mata cono giŭ, xŏgun sama no go fatto ni xitagatte, sono
buguiŏ Miiaco iori cudararete, jenacu cono atari no Christian
xu vo corobaxeô29 tote, mina ni fan mo suie, Christian no
guiŏgui vo saxivoqe, xemete vuamuqi ni naritomo corobe
to xiqiri ni susumerareta niiotte, varera ga nhôbŏ codomo
no inochi vo nogareôzuru tame ni, tçuini cuchi bacari de
corobi30 maraxita.
また,
この中将軍様の御法度に随って,その奉行都より下ら
れて,善悪この辺りのキリシタン衆を転ばせうとて,皆に判も据
ゑ,キリシタンの行儀を閣け,せめて表面になりとも転べと頻り
に勧められたによって,我等が女房・子供の命を遁れうずる為
に,終に口ばかりで転びまらした。
Para efectuar a ordenação emitida pelo excelentíssimo
xogum [Tocugava Fidetada (徳川秀忠)], veio cá recentemente,
vindo do Meaco, o seu regedor. A bem ou a mal, ele forçou-nos a «cair» − renegar a fé cristã −, obrigando-nos a
assinalar a escritura comprovante da nossa apostasia e a
abandonar o modo de viver cristão. Finalmente, o regedor
disse-nos que não se importaria com a conservação interna
das nossas crenças e bastaria declararmo-nos «caídos» −
apóstatas − só de forma superficial, pelo que prometi «cair»
− abandonar a fé − de modo fingido para salvar a vida pelo
menos da mulher e das crianças.
[Pergunta do confessor
acerca da quinta confissão]
P. Vuamuqi bacari demo corobu mono ga sore vo ii
modosaide naranu ga, sono bun de gozatta ca?
師 表面ばかりでも転ぶ者がそれを言ひ戻さいでならぬが,
その分でござったか。
Aqueles que «caíram» – renegaram a fé –, mesmo
superficialmente, devem infalivelmente desdizer-se das
palavras ditas anteriormente. Já o fizeste?
167
Sexta confissão
R. Iia mada de gozaru. Sore coso fucŏ canaxŭ gozari
marasure. Tocacu sono vo buguiŏ Christian no coto vo uchi
cuzzuite cara va sonomama Cami macari noborarete gozaru
sacai ni, nani mo ye itaxi maraxeide ima made cono bun ni
macari iruga, go iqen vo tanomi marasuru.
弟子 いや,
まだでござる。
それこそ深う悲しうござりまらす
れ。とかくその御奉行キリシタンの事をうち崩いてからは,その
まま上罷り上られてござるさかいに,何もえ致しまらせいで,今
までこの分に罷り居るが,御異見を頼みまらする。
Ainda não, padre. É isso que me entristeceu grandemente.
Logo depois de o regedor destruir as coisas da cristandade,
foi-se embora para o Cami – o Miyaco –, pelo que, até ao
momento, tenho estado sem fazer nada nem desdizer-me
das palavras anteriormente proferidas. Peço-vos o favor de
me dar a admostação.
[Admoestação do confessor
para a sexta confissão]
P. Sono buguiŏ no xerareta coto domo no niqi va
doconi aru zo? Sunavachi sore vo motte noborareta raba,
sono buguiŏ ie fuminari tomo, tçucai vo iatte nari tomo, ii
modosaide va. Sono vie vare sama ga qenzocu mo atari
no mono domo mo, sore vo xirareta niiotte, mofaia xinjit no
Christian ni nari navori atta to, mina tocuxin xeraruru iŏni
mesarete iô gozarŏ zu.
師 その奉行のせられた事どもの日記はどこに有るぞ? 即ち
それを持って上られたらば,その奉行へ文なりとも,使ひを遣っ
てなりとも,言ひ戻さいでは。その上,我様が眷族もあたりの者
どもも,それを知られたによって,
もはや真実のキリシタンにな
り直りあったと,皆得心せらるる様に召されてようござらうず。
Onde é que se encontra o diário registando o que fez
o regedor? Se ele já regressou ao Miyaco com o diário,
deveis imediatamente enviar-lhe uma carta ou mandar-lhe um mensageiro a informar que pretendeis desdizer-vos das vossas palavras anteriores. Só depois de o vosso
procedimento ser conhecido, os membros da vossa família
e vizinhos estarão convencidos de que já vós emendastes e
voltastes a ser um verdadeiro cristão. Não vos esqueçais de
fazer isso sem falta nenhuma.
168
Sétima confissão
R. Vŏ, sono bun itaxi maraxôzu. Mata ima iori va Christian
no guiŏgui vo tçutomete, gentio no coto ni tovozacari, cocoro
vo cutto saraie maraxô to vomoi sadame marasuru.
弟子 あう,その分致しまらせうず。
また今よりはキリシタン
の行儀を勤めて,ゼンチョの事に遠ざかり,心をくっと浚へまら
せうと思ひ定めまらする。
R. Sim, com certeza. Não deixarei de fazer isso. A partir
de agora estou preparado para cumprir todas as obrigações
como um bom cristão e vou afastar-me das coisas dos
gentios, fazendo os maiores esforços por corrigir-me e por
purificar o meu coração.
Oitava confissão
Sono uie: qionen goxo sama chocuteqi ni go riun vo
firacaxerareta miguiri, sore cami fotoqe no go cŏreoqu
vomotte to voboximesarete, Atago fachiman ni vôtera vo go
conriŭ mesareô tote, sono buguiŏ, daiquan xu, fiacuxŏ domo
ni soresore no bunzai ni xitagatte sono cuiacu vo ategavare
maraxita reba, vare va vareto tçucamatçuru mai tameni gentio
vo iatôte, chin vo naite naritomo sono cuiacu vo na saxeô
to caracutta redomo, sore vo nantomo ca tomo ie tazzune
idasaide, ni sando vare ga gentio to tomoni sono cuiacu vo
itaxi maraxita. Sari nagara cami fotoqe ni taixite no xingiŭ no
viamai sucoxi mo nŏte, tada go canqi vo nogareôzuru tame
no chôgui de vori atta redomo, gentio dera vo tçucuru coto
va, Christian no tame ni von imaxime de gozarŏ to vomoi
nagara, vosorete itaxi maraxita.
その上,去年御所様勅敵に御利運を開かせられた砌,それ
神・仏の御合力をもってと思し召されて,愛宕・八幡に大寺を御
建立召されうとて,その奉行,代官衆・百姓どもに夫々の分際に
従ってその公役を宛てがはれまらしたれば,我は我と仕るまい
為にゼンチョを雇うて,賃を済いてなりともその公役をなさせ
うとからくったれども,それを何ともかともえ尋ね出さいで,二,
三度我がゼンチョと共にその公役を致しまらした。
さりながら神
・仏に対しての心中の敬ひ少しも無うて,ただ御勘気を遁れう
ずる為の調儀でおりあったれども,ゼンチョ寺を造ることは,キ
リシタンの為に御禁めでござらうと思ひながら,恐れて,致しま
らした。
169
Numa outra vez aconteceu o seguinte: quando o
«Goxosama» [Tocugava Iyeyasu (徳川家康) ou Tocugava
Fidetada (徳川秀忠)] se dignou ganhar a guerra contra o
inimigo imperial [isto é, o clã Toyotomi], se dignou julgar
que devia atribuí-la ao socorro providencial dos Camis
e Fotoques e decidiu fundar uns templos sumptuosos
dedicados a «Atago» e «Fachiman». O «Goxosama»
mandou que os serviços obrigatórios relativos à construcção
dos templos fossem distribuídos entre os seus regedores,
representantes e lavradores segundo a possibilidade de
cada um. Tentei empregar um gentio para evitar participar
na construção de tais templos, criando uma artimanha,
através do pagamento de uma gratificação, para que ele
atendesse àqueles serviços. Não tive, porém, a coragem
de lho pedir directamente e participei, por fim, duas ou três
vezes, nessas tarefas junto com os gentios, ainda que não
tivesse nenhuma vontade no coração de reverenciar Camis
e Fotoques. Era um subterfúgio para não cair em desgraça
do xogum. Por fim, cheio de medo e preocupação, fui levado
a participar na construção dos templos gentios, apesar de
temer que se tratasse de um acto rigorosamente interdito
para os cristãos.31
Nona confissão
Aru toqi mo iuzzuri no cuji nitçuite gentio no tocoro ni
fisaxŭ vori maraxita reba, sono iado no teixu to tonari iori
Christian to mixirare mai tameni, sore vo tomo itaite tabitabi
gentio no midŏ ie itte gentio nami ni jŭnen32 mo naxi maraxita.
Mata saisai gentio cami fotoqe no coto vo fŏbi xeraruru toqi,
vare mo vnazzuite, cotoba de mo nacanaca gomottomo gia
to mŏxite, fucai toga vo vocaxi maraxita. Core va nando de
gozarŏ to voboie maraxenedomo tairiacu ni sanjŭ tabi fodo,
xemete nijŭ do amari de attçurŏ to vomoi fucumi maraxita.
ある時も譲りの公事についてゼンチョの所に久しう居りま
らしたれば,その宿の亭主と隣りよりキリシタンと見知られまい
た為に,それを供致いて,度々ゼンチョの御堂へ入って,ゼンチ
ョ並みに十念もなしまらした。
また細々ゼンチョ,神仏の事を褒
美せらるる時,我も頷いて,言葉でもなかなか御尤もぢゃと申し
て,深い科を犯しまらした。
これは何度でござらうと覚えまらせ
ねども,大略二,三十度ほど,せめても二十度あまりであっつら
うと思ひ含みまらした。
170
Quando permanecia por muito tempo em casa de um
gentio para despachar as demandas relativas à sucessão
de uma herança, de forma a não me revelar cristão ao
dono da casa e aos vizinhos, visitei a capela dos gentios
acompanhando-os, e, como eles, fiz «Iŭnen»33, quer dizer,
invoquei o nome de «Amida» dez vezes. Quando estes
elogiaram as coisas dos Camis e Fotoques, cometi o terrível
pecado de concordar e consentir, bulindo com a cabeça,
dizendo: “Tendes muito boa razão”. Não me lembro bem
quantas vezes cometi tal pecado, mas penso que tenho
feito coisas semelhantes aproximadamente entre vinte a
trinta vezes.34
[Admoestação do confessor
para a nona confissão]
Mata gentio dera ni itte jŭnen xita coto no vie ni, ano
tocoroie modori arŏ toqi va, fon no Christian degozaru, ano
gentio iori mixiraruru tameni, sore ie iqareôzu vo tomo xezu,
mata cami fotoqe no coto vo fôbi xerareô toqi mo vqegavanu
nominarazu, caiette christian no fon no Deus no von voxiie
bacari ichi sugureta xŭ de gozaru to, sono gentio no maie de
mŏxi furaxi araide naranu.
また,ゼンチョ寺に入って十念したことの上に,あの所へ戻
りあらう時は,本のキリシタンでござる,あのゼンチョより見知
らるる為に,それへ行かれうずお供せず,
また神・仏のことを褒
美せられう時も諾はぬのみならず,却ってキリシタンの本のデ
ウスの御教えばかり一勝れた宗でござると,そのゼンチョの前
で申し触らしあらいでならぬ。
No que diz respeito ao teres feito «Iŭnen», isto é, teres
invocado dez vezes o nome de «Amida» num templo dos
gentios, admoesto-te a declarar que és um cristão verdadeiro
caso visitares outra vez tal local, e a dar-lhes a conhecer
que não vais nem acompanhas a tal templo a partir de
agora. Admoesto-te também a nunca mais louvares Camis e
Fotoques, e a declarar à vista dos gentios que só a doutrina
do «fon no Deus», ou seja, a do Deus autêntico é boa por
excelência.
Décima confissão
Mata nangui ni vŏ toqi mo, Deus no von mamori,
vontasuqete Iesu Christo von auaremi, go cŏreocu, sono
nangui voba nogaruru tameni von chicara vo ataie cudasaruru
171
iŏni tanomi tatematçuru coto mo gozaraide, tada cuchivoxŭ35
zonjite core va totemo no coto ni coraierare gatŏ gozareba,
tocacu core iori mo xinuru ga maxi gia to zonjite, ni sando
tanomoxi vo vxinai maraxita.
また,難儀に逢ふ時も,デウスの御守り,御扶け手ゼズキリ
シト御憐れみ,御合力,その難儀をば遁るる為に御力を与へ下
さるる様に奉ることもござらいで,ただ口惜しう存じて,
これは
とてものことに堪えられ難うござれば,
とかくこれよりも死ぬる
がましぢゃと存じて,二,三度頼母しを失ひまらした。
Quando me achei em dificuldades, não pedi a Deus que
me amparasse delas, nem solicitei ao nosso protector Jesus
Cristo a misericórdia e a assistência. Não lhes roguei que se
dignassem de conceder-me o poder de modo a livrar-me de
tais trabalhos, sentindo apenas raiva ao me encontrar assim.
Não consegui aguentá-los mais e pensei mesmo deixar-me
morrer, o que era preferível a continuar assim tão afligido,
chegando por fim, duas ou três vezes, a perder «Tanomoxi»,
isto é, a esperança de viver.
Décima primeira confissão
Ichido mo gentio to corobi Christian mo tagai ni Christian
no coto vo soxiri azaqeri, sono sata sanzan ni torinaxi, Deus ni
taixite mo accô vo faite iraruru tocoroie varega tçuqiŏte, sono
monogatari voba micata iori soroienedomo, canai nagara mo
iame saxe maraxeide, modoqi mo itasaide gozatta.
一度も,ゼンチョと転びキリシタンも互ひにキリシタンの事
を謗り嘲り,その沙汰散々にとりなし,デウスに対しても悪口を
吐いて居らるる所へ我が付き合うて,その物語をば味方より揃
へねども,叶ひながらも止めさせまらせいで,
もどきも致さいで
ござった。
Numa ocasião encontrei-me no local onde os gentios e
os cristãos «caídos» – os renegados – tinham zombado das
coisas dos cristãos e dito mal de Deus entre si. Mesmo que
eu não lhes tivesse aprovado as injúrias, não os obriguei a
cancelar a sua blasfémia nem os repreendi severamente,
apesar de ser possível fazer isso.
Décima segunda confissão
Mata qinjo no bu Christian no vieno coto domo mo, mina
sono mi no nozomi no mama ni naru vo mi, mata cono xecai
no coto ni tçuite, ioi Christian xu no sanzan no tei vo vomoi
172
facaru toqi va, Deus inferno no cuguen vo vqeôzuru quafô
tçutanai gentio domo ni va von jifi no vie iori ima no sucoxi
no qeracu vo toguesaxerarete, goxŏ no fatexi nai buji anracu
vo uqe saxerareôzuru Christian tachi ni va, guecai ni tada
nangui xinrŏ bacari atesaxeraruru coto, macoto ni Deus no
fucaxigui naru go qenbô, von avaremi de gozaru to mŏsu mo
gozaru. Ichido mo nido mo Deus ni taixite vrami36 xucquai37
tçucamatçutte, sate mo sacasama38 no Deus no go facarai
cana! to zonjite Deus to sucoxi xicari39 maraxita. Core va
xincon cara de goza nacatta redomo, buxinjin, viamai naqu
xite, Deus no uzzutacai vo coto voba tori atçucŏta coto va,
miga aiamari de gozaru.
また,近所の無キリシタンの上の事どもも,皆その身の望み
のままになるを見,またこの世界の事について,善いキリシタ
ン衆の散々の体を思ひ量る時は,デウス,インヘルノの苦患を
受けうずる果報拙いゼンチョどもには,御慈悲の上より今の少
しの快楽を遂げさせられて,後生の果てしない無事・安楽を受
けさせられうずるキリシタン達には,下界にただ難儀・辛労ば
かり宛てさせらるること,真にデウスの不可思議なる御憲法・御
憐れみでござると申すもござる。一度も二度もデウスに対して
恨み,述懐仕って,
さても逆様のデウスの御計らひかな! と存じ
て,デウスと少し叱りまらした。
これは心根からでござなかった
れども,無信心,敬ひ無くして,デウスの堆い御事をば取り扱う
たことは,身が誤りでござる。
Apesar de os não-cristãos vizinhos estarem a viver à
vontade, estão a suceder-nos, a nós, bons cristãos, todos os
males e infelicidades neste mundo. Para além disso, Deus se
digna permitir que os gentios desditosos, os quais deveriam
ser castigados por Deus e sofrer aflições no inferno, gozem
de modestos confortos neste mundo, possivelmente, por
amor da misericórdia divina. Por outro lado, a nós cristãos,
os quais poderíamos receber a perpétua salvação e
consolação noutra vida, Deus não se digna senão de dar-nos desvairadas dificuldades e tormentos. Apesar de
alguns cristãos defenderem que se trataria de uma profunda
e alta providência divina ou de uma obra piedosa, tive, por
uma ou duas vezes, queixas e queixumes para com Deus, e,
pensando como era avessa a providência divina, fiquei um
pouco zangado com Ele.40 Ainda que não o fizesse do fundo
do coração, reconheço como errado ter tentado tratar as
coisas mais elevadas e eminentes de Deus com tão pouca
devoção, sem prestar-lhes a devida reverência.
173
Décima terceira confissão
Mata carasu nando no naqu vo qiqu nitçuite, toqi niiotte
va camai maraxenu. Sarinagara ni sando va qi ni savatte,
sadamete vaga coto no uie ni nani ca sannan vazavai ga arŏ
zo? to qizzucai itaxi maraxita. Core mo canarazu cono bun
de arŏ to mŏxi maraxenedomo, tocacu Christian no narai ni
va, tada Deus no go facarai bacari ni xitagai, nocoru tocoro
ni camavaide macari iru fazu de gozaru tocoro de miga
fusocu de vori atta. Vonajicu: iume no uchi ni mita coto vo xi
go rocudo sucoxi macoto ni uqe maraxita.
また,烏なんどの鳴くを聞くについて,時によっては構ひま
らせぬ。
さりながら二・三度は気に障って,定めて我が事の上に
何か産難・災ひが有らうぞ? と気遣ひ致しまらした。
これも必ず
その分であらうと申しまらせねども,
とかくキリシタンの習ひに
は,ただデウスの御計らひばかりに随ひ,残る所に構はいで罷
り居るはずでござるところで,身が不足で居りあった。同じく,夢
の中に見たことを四・五・六度少し真に受けまらした。
Mais: na maioria das vezes, ouvindo o crocito dos corvos,
não fiz dele caso, porém, tive tão maus pressentimentos
por duas ou três vezes que temi que me sucedesse algum
perigo ou desastre. Apesar de não acreditar seriamente
que ocorresse tal coisa, pois o costume cristão me manda
que obedeça só à providência divina e não faça caso de
quaisquer outras coisas, foi uma falta minha proveniente da
pouca devoção. Igualmente, vi como prováveis as coisas
que sonhei quatro, cinco, ou seis vezes.
Décima quarta confissão
Mata varera fudan Deus iori cazucazu no go von vo uqe
tatematçuri nagara, sono von rei to mŏsu coto va sucoxi mo
naqu, tada burei buxinjin nomi itaxi mŏxita. Tocacu mi va
Christian no na bacari tçuita mono gia niiotte, xinuru coto
mo, go qiŭmei no coto mo, xicaxica vomoi itasaide, tada
xinuru iori foca nocoru tocoro mo nai to vomô iŏni iqite vori
maraxita.
また,我等不断デウスより数々の御恩を受け奉りながら,そ
の御礼と申すことは少しも無く,ただ無礼・無信心のみ致し申し
た。
とかく身はキリシタンの名ばかり付いた者ぢゃによって,死
ぬることも,御糺明のことも,
しかしか思ひ致さいで,ただ死ぬ
るより外残る所も無いと思ふ様に生きて居りまらした。
174
Apesar de receber continuamente inúmeros benefícios
de Deus, tenho vivido com pouca devoção e cometido muitas
descortesias para com Ele sem prestar-Lhe a reverência
nem as devidas palavras de agradecimento. De qualquer
maneira sou cristão só de nome, pois vivia pensando que
tudo se reduziria em nada após a minha morte, não fazendo
caso algum dela nem do último juízo.
Décima quinta confissão
Sono vie mata, soregaxi, mainichi oracio vo mŏxi,
Christian guiŏ gui vo tçutomenu nominarazu, caiette sore
vo taxxite mesaruru jintai voba soxiri azaqeri tçucamatçutte
vogiaru: core va saisai jŭgo rocudo fodo de gozatta.
その上また,某,毎日オラショを申し,キリシタン行儀を勤め
ぬのみならず,却ってそれを達してめさるる仁体をば謗り嘲り
仕っておぢゃる。
これは細々十五,六度ほどでござった。
Além disso, tenho sido sempre negligente quanto a
rezar e a preservar o modo de viver do bom cristão, mais,
praguejei e escarneci das boas almas que não deixavam
de cumprir tais obrigações. Cometi tais coisas quinze ou
dezasseis vezes.
[Admoestação do confessor
para a décima quinta confissão]
Sono uie: tanin Christian no coto vo soxiri, Deus ni
taixite accô zŏgon vo facu mono ni ai arŏzuru toqi va, sono
voncata no uon fomare no nozomi ni moie tatte, gentio
no mafô vo saguesunde, tada Deus no minori no coto vo
fome aguerareide va. Sono foca camaite, ioi cagami vo
mixeraruru xu no coto voba ai soxiri aru na; qeccu sorerano
miŏqiŏ vo manabi, Deus no gonaixô ni ai tatematçuraruru
iŏni xei vo ire, von taiori vo tanomi tatematçutte iô gozarŏ
made.
その上,他人キリシタンのことを謗り,デウスに対して悪口・
雑言を吐く者に逢ひあらうずる時は,その御方の御誉れの望み
に燃え立って,ゼンチョの魔法を蔑んで,ただデウスの御法のこ
とを褒め上げられいでは。その外,構いて良い鑑を見せらるる
衆のことをばあひ謗りあるな。結句それらの明鏡を学び,デウ
スの御内証に逢ひ奉らるる様に精を入れ,御頼りを頼み奉って
ようござらうまで。
175
Quando te encontrares com pessoas que caluniem as
coisas dos cristãos e digam palavras injuriosas contra Deus,
não hesites em «arder no desejo» de louvar a Deus e tecer
os maiores elogios às leis divinas, desprezando a lei do
diabo dos gentios. Não deves caluniar os comportamentos
daqueles que dão bom exemplo de virtude a todos os
cristãos, pois trata-se de uma acção absurda e imperdoável.
Será aconselhável, pelo contrário, imitares e aprenderes
esse bom exemplo e fazeres os mais sinceros esforços por
agradar à vontade de Deus, e, assim te encomendando à
ajuda divina.
Décima sexta confissão
Mata nisando Deus no muriŏ mufen no von auaremi ni
tanomi uo caqete, sono go voqite vo somuite mo daiji aru
mai: tocacu zaiqua to mŏxeba, attemo, côquai itasaba, von
jifi no uie iori iuruxi va nani iori mo ito iasui to vomôte, go
airen voba mŏacu no motoi to naxi maraxita. Ma ichido va,
sacasama ni, vaga zaiacu no cazucazu no coto vo vomoi
facatte, core va sate von jifi to mŏxite mo iurusaxeraruru fodo
gozaru mai to zonjite, tanomoxi vo vxinai maraxita.
また二・三度デウスの無量の御憐れみに頼みを掛けて,そ
の御掟を背いても大事あるまい,
とかく罪科と申せば,有って
も,後悔致さば,御慈悲の上より赦しは何よりもいと易いと思
うて,御哀憐をば猛悪の基となしまらした。ま一度は,逆様に,
我が罪悪の数々のことを思ひ量って,
これはさて御慈悲と申し
ても赦させらるるほどござるまいと存じて,頼母しを失ひまら
した。
Pondo a esperança na vasta e infinita misericórdia de
Deus, pensei duas ou três vezes que não seria muito grave
cometer pecados e acreditei que não seria tão difícil gozar
da sua absolvição se tivesse dor e contrição. Cometi assim
grandíssimas maldades e pecados, usando e abusando da
compaixão e piedade divina. Contrariamente ao que atrás
confessei, ponderei uma única vez sobre os desvairados
pecados que cometi e considerei que não poderia ser
perdoado de modo algum, se bem que, mesmo perdendo
por fim a confiança em Deus, pudesse gozar da Sua infinita
misericórdia.
176
Décima sétima confissão
Mitabi mo, aru daimocu nitçuite, core vo itasaba mortal
toga fodo ni narŏ ca, naru mai ca to vtagŏte, tori cacatte
itaxi maraxita. Sono nochi, sore fodo fucŏ nai to xitta redomo,
tçucamatçutta toqi va sono bun de vorinanda niiotte, miga
toga de vogiatta.
三度も,ある題目について,
これを致さばモルタル科ほどに
ならうか,なるまいかと疑うて,
とり懸かって致しまらした。その
後,それほど深うないと知ったれども,仕った時はその分で居り
なんだによって,身が科でおぢゃった。
No que diz respeito a um acto, duvidei se este, caso
fosse praticado, constituiria pecado mortal, no entanto
acabei por realizá-lo. Soube mais tarde que o mesmo não
constituiria pecado tão grave como pensara, todavia, não
me é permitido escapar ao pecado já cometido, pois quando
o efectuei, ainda me via em perigo de o poder tornar mortal.
Isto aconteceu três vezes.
Notas
−
(1) Cf. O tsuka Mitsunobu [大塚光信], Korya-do Sangeroku Shichu- 『コリ
[
ャード さんげろく私注』], Kyo-to [京都], Rinsen Shoten [臨川書店], 1985. Nesta
obra se contém o fac-símile da mesma edição de 1632 pertencente ao
próprio autor, para além da sua transcrição diplomática através da mistura
de ideogramas chineses e letras fonéticas japonesas chamadas «Cana»,
paravra essa que é definida no Vocabulario da Lingoa de Iapam como «Certa
letra de Iapão. / Canani yù [仮名に言ふ]. Falar chãamente de maneira que
todos entendão [皆が理解するように平明に話す]» (f. 35).
(2) Conforme à Bíblia Sagrada. Para o Terceiro Milénio da Encarnação.
Versão dos textos originais, Difusora Bíblica (Franciscanos Capuchinhos),
Lisboa/Fátima, 2002.
177
(3) Vocabulario, f. 120.
(4) Vocabulario, f. 298.
(5) Vocabulario, f. 51v.
(6) Vocabulario, f. 139.
(7) Vocabulario, f. 282.
(8) Vocabulario, f. 164v.
(9) Trata-se de uma cantiga do «Imayŏ» contida na colectânea Reŏginfixô 『梁塵秘抄』
[
] (Ryo-jinhisho-) compilada no ano de 1169 pelo imperador-retirado Goxiracava [後白河法皇]. Expressão artística que conheceu o seu
apogeu na segunda metade do século XII, o «Imayŏ» define-se no Vocabulario da Lingoa de Iapam como «Cousa que agora corre [今流行している事
柄]. Vt, Imayouŏ vtŏ [今様を歌ふ]. Cantar com toada noua que agora corre [旋
律をつけて今流行している新しい事物を歌う]» (f. 130v). Se bem que ocorram
várias excepções no que concerne à sua métrica, o «Imayŏ» é basicamente
composto por 48 sílabas japonesas, sempre quatro linhas na métrica de 7-5-7-5-7-5-7-5.
(10) Cf. Takada Yoshito [高田佳人], Talking about Buddhism - Q & A, James M. Vardaman Jr. tr., Ko-dansha International, 1997, pp. 40-45.
(11) Vocabulario, f. 320.
(12) Vocabulario, f. 170.
(13) Vocabulario, f. 170. Afigura-se-me extremamente curioso notar que o
compilador jesuíta do Vocabulario da Lingoa de Iapam confere uma avaliação
negativa à expressão japonesa «Mugana fito» na sua declaração, expressão
essa, escusado será dizer, que sempre tem valor positivo e afirmativo a partir
do prisma budista.
(14) Vocabulario, f. 353v.
(15) Vocabulario, f. 124v.
(16) Vocabulario, f. 27.
(17) Vocabulario, f. 124v.
(18) Vocabulario, f. 124v.
(19) Vocabulario, f. 314v.
(20) Vocabulario, f. 120.
(21) Encontra-se registada no Vocabulario da Lingoa de Iapam a palavra
que tem a quase mesma significação: «Xojin [諸神]. Moromorono cami [諸々
の神]. Todos os Idolos. Vt, Xojin xobut [諸神諸仏]. Todos os Camis, & Fotoqes
(Vocabulario, f. 311).
(22) In D. João III e o Império. Actas do Congresso Internacional comemorativo do seu nascimento (Lisboa e Tomar, 4 a 8 de Junho de 2002). Edição
dirigida por Roberto Carneiro & Artur Teodoro de Matos, Lisboa, Centro de
História de Além-Mar / Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão
Portuguesa, 2004.
(23) San [算]. Hũs paozinhos com que deitão sortes, ou fazem cõtas:
propriamente se chamão sãgui. / Sanuo midasu [算を乱す]. Baralhar estes
paozinhos. Vt, Xigaiua sanuo chiraita gotocude atta [屍骸は算を散らいた如く
であった]. l, Xigaiua sanuo midaita gotocude atta [屍骸は算を乱いた如くであっ
た], &c. Os corpos mortos estauão alastrados, & misturados como paozinhos
das sortes, que estão baralhados sem ordem. / Sanuo vocu [算を置く]. Deitar
sortes pera adiuinhar algũa cousa como fazem os gentios, ou fazer contas
(Vocabulario, f. 217).
(24) Yamabuxi [山伏]. Hũs homens dedicados ao culto do demonio (Vocabulario, f. 317).
(25) Fuda [札]. Taboinhas em que se escreuem prohibições, ou nomes de
pessoas, &c (Vocabulario, f. 106).
(26) Maburi [守り]. Vide. Mabori (Vocabulario, f. 147v). Mabori [守り]. Nomina, ou relicario que se traz ao pescoço. / Item, Aliquando, Guarda, ou proteição (Vocabulario, f. 147v).
178
(27) Sangui [算木]. Paosinhos, ou tentos das sortes, ou cõtas. Vide San
(Vocabulario, f. 218).
(28) Isto é a interjeição com o sentido de “sim”, “presente”, ou “aqui estou (aqui estamos)”. Aqui se usa como a interjeição dita supostamente pelos
cristãos em resposta da chamada feita pelos gentios. Trata-se de uma das
muito poucas palavras japonesas quinhentistas e seiscentistas cujo “h” se
deve pronunciar à latina. Expressão anómala, mas muito interessante e me
parece um pouco cómica.
(29) Corobaxi [転ばし], Corobasu [転ばす], Corobaita [転ばいた]. Derribar,
ou fazer cair (Vocabulario, f. 59). Apesar de surgirem na obra do frei Diego
Colhado muitíssimos exemplos de os verbos «Corobu» (cuja raiz é «Corobi»)
e «Corobasu» (cuja raiz é «Corobaxi») serem empregados com o respectivo
sentido de «apostatar-se» (“«cair»” ou “ficar «caído»”) e «fazer apostatar-se»
(“fazer «cair»” ou “fazer ficar «caído»”), todavia não se vê no Vocabulario nenhuma declaração de tal sentido metafórico relativamente aos sobreditos verbos. Nos anos de 1603-04 em que o Vocabulario e o seu Supplemento foram
publicados, o édito anti-cristão emitido por Toyotomi Fideyoxi em 1587 ainda
estava em vigor, mas só nominalmente, pois Tocugaua Iyeyasu, tendo tomado
posse de xogun em 1603 e sabendo que a expulsão dos missionários jesuítas
resultaria possivelmente no corte definitivo dos lucrativos negócios luso-japoneses em Nagasaki, ainda não podia deixar de reconhecer a presença dos
religiosos católicos de maneira tácita, mas com grande relutância. No «Prologo» do Vocabulario se esclarece o facto interessante de que «Agora que
com as muitas perseguições desta Christandade vagou algum tempo mais
aos Padres, & Irmãos Iapões pera reuer, & examinar melhor os Vocabularios,
que estauão ja ha annos feitos posto que imperfeitamente: alguns dos que
melhor sabião a lingoa de Iapão, com a ajuda tambem de alguns naturaes
entendidos nella nos aplicamos com diligencia por alguns annos a examinar,
acrecentar, & aperfeiçoar este Vocabulario, o qual se não sair tam perfeito
como se deseja», mas através deste trecho se pode confirmar seguramente o facto de que «as muitas perseguições» contra a cristandade fizeram,
oportunamente, com que os jesuítas, mesmo tendo-se abstido de realizar
as actividades evangelizadoras de uma forma manifesta, gozassem de mais
tempo livre e descansado para «reuer, & examinar melhor os Vocabularios»
de modo a que concretizassem um trabalho «tam perfeito como se deseja».
Este parágrafo, de qualquer maneira, não nos dá a impressão da ocorrência
das grandes perseguições cristãs, o qual se explica através da omissão no
Vocabulario do sentido metafórico em questão. Só a título de curiosidade,
porém, o verbo japonês «Corobu» encontrar-se-ia gradualmente incorporado
no idioma português com a intensificação das perseguições contra os cristãos, cujo exemplo mais impressionante para mim se encontra na Relação
acerca da última embaixada portuguesa enviada de Macau a Nagasaki em
1640. Segundo o autor da Relação, as autoridades xogunatas de Nagasaki,
antes de executarem a maioria dos membros da missão, aconselharam-nos
a renegarem a fé cristã, dizendo-lhes que suas vidas seriam poupadas caso
aceitassem a sedutora oferta de apostasia. O soldado português de nome
Bento de Lima Cardoso, em resposta à pergunta se tinha, ou não, vontade
de «cobobar» (“cair”, ou seja, “renegar a fé”), respondeu ao intérprete com o
seu derradeiro gracejo: «Coborar (“Renegar a fé”)? Ora essa! Se me tiveres
degolado a cabeça, bárbaro, vai-me «corobar» (“cair”) o corpo de modo espontâneo!» Este episódio mostra-nos que já nesta altura a palavra em questão, até em sentido metafórico, foi integrada no léxico português no Extremo
Oriente (cf. Hino Hiroshi [日埜博司], “1640 nen ni Makao kara Nagasaki ye
haken sareta Porutogaru shisetsu ni kansuru ‘Hōkoku’. Sono hon’yaku, chū
shaku, narabini jakkan no mondaiten 「一六四〇年にマカオから長崎に派遣さ
[
れたポルトガル使節に関する
『報告』一 その翻訳・註釈ならびに若干の問題点」],
in Nagasaki Shidankai [長崎史談会] ed. Nagasaki Dansō, Vol. 86, 1997).
179
(30) Corobi [転び], Corobu [転ぶ], Corôda [転うだ]. Cair. Dôdo corobu [どう
ど転ぶ]. Cair dando baque, ou fazendo estrõdo (Vocabulario, f. 59).
(31) Esta oitava confissão, contrariamente ao que seria previsível, não
recebe qualquer admoestação por parte do confessor. Se bem que a sua não
existência não signifique uma inteira aprovação pelo padre confessor para
com este «pecado», a meu ver, face ao contexto social japonês seiscentista,
ter-se-ia afigurado completamente impossível a qualquer missionário minimamente conhecedor do Japão de então – inclusive o frei Diego Colhado
– a orientação do confessado de forma a rejeitar os serviços impostos pelo
(representante do) xogun. Se tal se verificasse o confessado em questão, teria corrido um grande risco não só no sentido de perder a própria vida como
também dos seus familiares e respectivos bens.
A problemática suscitada nesta confissão foi «resolvida» teologicamente, pelo menos entre os jesuítas, já no século anterior. Valignano encarregou
o padre Gil de la Mata (c.1547-1599), que partiu do Japão para Roma em
1592, de consultar as autoridades europeias sobre os problemas e dúvidas
acerca da teologia moral levantados no processo da missionação japonesa.
Chegou até nós um documento valiosíssimo, preparado em 1595 em que se
registam as perguntas do padre Valignano e as respostas do padre jesuíta
Gabriel Vázquez (1549-1604), professor catedrático de teologia da Universidade de Alcalá. Veja-se a sua primeira pergunta acerca do «culto dos ídolos,
e superstições» dos japoneses quinhentistas:
«Quando o senhor pagão levanta um templo em honra do seu ídolo,
é lícito aos seus servos cristãos polir a madeira, ou já lavrada colocá-la no
templo, ou fazer telhas, e cobrir com elas o tecto, ou untar com barro as paredes...? Ou mesmo que ainda não tenha forma de templo, podem trabalhar
no edifício, suposto que nenhuma destas obras se faz em desprezo da nossa
lei, e se os cristãos não aceitam este trabalho, provavelmente perderão junto
com a vida os bens familiares?» (Cf. Jesús López Gay, S.J., “Un Documento
Inédito del P.G. Vázquez (1549-1604) sobre los Problemas Morales del Japón” in Monumenta Nipponica, vol. XVI, n. 1-2, p. 151).
O Padre Visitador, como em todas as outras perguntas neste capítulo,
adiciona as duas condições, quer dizer, a primeira de quaisquer criados ou
súbditos cristãos terem obrigação de obedecer absolutamente aos mandamentos do seu senhor, incorrendo no perigo de morte ou na perda dos seus
bens familiares em caso de desobediência, e a segunda de não se seguir
qualquer escândalo dos respectivos actos. Pode-se dizer, segundo me parece, que o padre Valignano orientou o padre Vázquez (ignorante das coisas
japonesas) de forma a obter a conclusão por ele desejada e esperada. Assim
sendo, e tendo em conta que as perguntas enviadas por Valignano tinham
uma estrutura interna que condicionava directamente as respostas, é fácil
prever as conclusões redigidas por este teólogo ilustre, no entanto, confirmemos a resposta do padre Vázquez à primeira pergunta do padre Valignano:
«É lícito fazer o que se expõe neste caso [de consciência], como é lícito
vender um cordeiro a um judeu, que se sabe o compra para sacrificá-lo. Polir
a madeira, colocá-la nos edifícios, etc. são trabalhos que cada um pode usá-los bem ou mal. Assim, há-de seguir a norma estabelecida por S. Tomás na
2-2, questão 43, artículos 7, 8 (consultei Tomasu Akwinasu [トマス・アクィナ
ス], Shingaku Taizen 『神学大全』
[
] – tradução japonesa da Suma Theologica
da autoria de Tomás de Aquino –, 17, Sōbunsha [創文社], 1997, pp. 126-135):
o escândalo passivo não se lhe culpa àquele, de cuja obra se origina o escândalo, dado que o que se escandaliza o faz por malícia. Por tal escândalo
[passivo], ninguém tem obrigação de omitir aquilo que lhe reporta alguma
utilidade, ainda que seja temporal, para que não se escandalize por malícia
todo o que peca por hábito. O pecado por hábito diz-se pecado por malícia
segundo S. Tomás, 1-2, questão 78, artículo 2.» (Cf. Jesús López Gay, S.J.,
“Un Documento Inédito del P.G. Vázquez (1549-1604) sobre los Problemas
Morales del Japón” in Monumenta Nipponica, vol. XVI, n. 1-2, p. 158).
180
Tomás de Aquino (c.1225-1274) trata dos escândalos na parte 2-2, questão 43. O escândalo é o conceito contrário ao amor e consta de palavras e
actos que induzem outrém a cometerem erros e a pecarem. Os escândalos
são divididos em duas categorias, ou seja, o escândalo activo e o escândalo
passivo. O escândalo activo é proveniente de palavras e actos que têm a
clara intenção de induzir outrém a cometerem erros e a pecarem. Alguns
actos e palavras, que terão a força de induzir outrém em erro, podem ser a
origem do escândalo activo também. O escândalo passivo não induz outrém
directamente a cometer erros e a pecar. Mas determinados actos e palavras,
de vez em quando, provocam indirectamente com que outrém cometa erros e
peque, como aliás se pode verificar no exemplo de alguém invejar o sucesso
ou a prosperidade de outra pessoa. Tal sucesso e prosperidade, escusado
será dizer, são o fruto de bons actos. Um homem que ganhou bom sucesso
e goza da conseguinte prosperidade não peca de modo nenhum, mas ele
faz com que outrém possa cometer o erro de invejá-lo por malícia. Neste
caso tanto o sucesso como a prosperidade dele constituem um escândalo
passivo (Tomasu Akwinasu [トマス・アクィナス], Shingaku Taizen 『神学大全』
[
]
– tradução japonesa da Suma Theologica da autoria de Tomás de Aquino –,
17, Sobunsha [創文社], 1997, pp. 106-112). Quer dizer: polir a madeira, fazer
telhas, cobrir com elas o tecto e untar com barro as paredes, são trabalhos
justos e não induzem outrém directamente a pecar, mas fazem com que os
maliciosos possam cometer o crime de adorar o templo de idolatria a ser
construído. Por conseguinte os colaboradores nessa construção têm cometido um escândalo passivo.
Aplicando a sobredita lógica para a confissão em questão, a participação na construção dos templos gentios como um subterfúgio para não cair
em desgraça do xogum só constitui um escândalo passivo. Trata-se de um
trabalho justo por si próprio, mas pode fazer com que outrém cometa o pecado de adorar esses templos. Considerando a situação em que o confessado
incorreria no perigo de morte ou na perda dos seus bens familiares em caso
de desobediência, o acto declarado nesta confissão é, claro, perdoável.
(32) Iûnen [十念]. O invocar dez vezes o nome de Amida [阿弥陀]. /
Iŭnenuo sazzuquru [十念を授くる]. Pronunciar o Bonzo dez vezes este nome
emsinando o a inuocar aos que se fazem Iŏdoxùs ou querem receber alguã
maneira de benção, &c. / Iŭnenuo vquru [十念を受くる]. Responderem estes
Iŏdoxùs ao Bonzo dez vezes inuocando Amida assi como o Bonzo lhes
ensina. (Vocabulario, ff. 146-146v).
(33) A palavra «Iûnen» [十念] é aquela relacionada com a palavra «Nenbut» [念仏] segundo a grafia do Vocabulario. Trata-se da invocação «Namu
Amidabut» [南無阿弥陀仏] efectuada com a esperança e desejo de renascer
na Terra Pura de Amida chamada «Iŏdo» [浄土], a qual se define «Qiyoi cuni
[清い国]. Terra limpa, i, Paraiso do Fotoque» (Vocabulario, f. 144v). Veja-se a
definição da palavra «Namu» no Vocabulario da Lingoa de Iapam: «Namu [南
無]. Palaura com que se inuoca, ou faz reuerencia ao Fotoqe. Vt, Namu Amidabut [南無阿弥陀仏], Namu meôfô rengueqiŏ [南無妙法蓮華経]» (f. 176).
«Namu» é a transliteração da palavra indiana «Namasu», que quer dizer,
“vênia” e que é traduzida como “devoção” ou “obediência com confiança”.
Por conseguinte, «Namu Amidabut» significa que um homem acredita em
Amida. «Namu meôfô rengueqiŏ» significa que um homem acredita na Sutra dos Lótus da Lei Maravilhosa, a qual é às vezes denominada como a
Sutra dos Lótus, ou seja, «Foqueqiŏ» [法華経] segundo a grafia do Vocabulario. Utilizavam-se (e ainda se utilizam) mais expressões semelhantes tais
como «Namu But» [南無仏] (“acredito em Buda”) e «Namu sanbô» [南無三宝]
(“acredito nos três tesouros, isto é, Buda, a lei budista e os monges”).
Ainda é de notar que o «Nenbut» ou seja, «Fotoqeuo nenzuru» [仏を
念ずる], que se define no Vocabulario da Lingoa de Iapam como «Chamar,
ou inuocar o Fotoque» (f. 180v), era (e ainda é) às vezes dirigido a outros
Budas senão a Amida e para outros objectivos senão para o renascimento
181
na Terra Pura de Amida chamada «Iŏdo» [浄土], tais como a cancelação das
más karmas ou a realização imediata da iluminação (nirvana) (cf. Japan: An
Illustrated Encyclopedia ed., Keys to the Japanese Heart and Soul, Kōdansha
International, 1996, p. 161).
(34) Ao contrário do que acontece na oitava confissão, confirma-se uma
admoestação por parte do confessor correspondente a esta nas páginas 58
e 60 da obra do frei Diego Colhado, pois, neste caso, o confessado invocou
o nome de «Amida» dez vezes de maneira a não ser revelado como cristão pelos seus próximos, e, para além disso, louvou as coisas de Camis (do
xintoísmo) e Fotoques (do budismo), seguindo os gentios cegamente, mas
sem qualquer pressão exterior, a qual conduta constituiria, claro, um pecado
evidente.
Veja-se, porém, a segunda pergunta que Valignano fez ao padre Vázquez acerca do «culto dos ídolos, e superstições» dos japoneses no fim do
século XVI:
«Quando o senhor pagão vai ao templo dos ídolos para adorá-los e diz
ao seu criado, o qual é cristão: traga o rosário (estes rosários, muito semelhantes aos nossos, são os que usam os gentios para suas orações e invocações), e do mesmo modo: traga os aromas e outras coisas necessárias para
sacrificar ao ídolo, pode o servo cristão obedecer nestas coisas ao senhor
pagão? Quando o senhor se ajoelha, pode o criado ajoelhar-se também, não
manifestando nenhum sinal de adoração, sem escândalo, e supõe-se que,
ficando em pé quando o seu senhor se ajoelha, isso é sinal de grande descortesia? E o mesmo se pergunta relativamente a quando o senhor pagão diz
ao seu criado cristão: põe junto ao altar as brasas, e derrama sobre elas o
incenso, etc. Supondo nestes casos, que o senhor não manda estas coisas
em desprezo da lei divina, nem se recorda disto, a não ser que como outros
serviços quaisquer se os pede a seu criado, e se ele não obedece, morrerá
logo como desprezador do seu amo. Em tais casos, ele pode obedecer aos
senhores pagãos?» (Jesús López Gay, S.J., “Un Documento Inédito del P.G.
Vázquez (1549-1604) sobre los Problemas Morales del Japón” in Monumenta
Nipponica, vol. XVI, n. 1-2, pp. 151-152).
Vázquez responde-lhe:
«Pela mesma causa, pode um criado cristão dar o rosário ao seu senhor,
ainda que saiba que vai usá-lo para o culto dos ídolos, e também oferecer-lhe
o incenso. Mas não pode ajoelhar-se nem pôr as brasas junto ao altar, nem
derramar sobre elas o incenso, porque tudo isto são já sinais de idolatria, e
neles consiste o mesmo acto de adoração. E isto não se pode fazer, embora
não tenha intenção de adorar os ídolos, já que toda a profissão externa de
idolatria é completamente ilícita. Sem embargo, isto assim o julgo, quando esses actos parecerem aos presentes sinais de adoração; se todos conhecem
a recta intenção, então não há pecado, porque não existe profissão de falsa
religião.» (Jesús López Gay, S.J., “Un Documento Inédito del P.G. Vázquez
(1549-1604) sobre los Problemas Morales del Japón” in Monumenta Nipponica, vol. XVI, n. 1-2, pp. 158-159).
Conforme à orientação do padre Vázquez, considera-se justo o que se
expõe na confissão anterior apenas como um escândalo passivo. Segundo
opina este teólogo castelhano, permitem-se os actos que possam causar o
escândalo passivo, mas julgam-se absolutamente imperdoáveis as condutas
que fazem lembrar a adoração dos ídolos, embora não exista nenhuma intenção directa de adoração, pois toda a manifestação externa de idolatria é
completamente ilícita. Vásquez, porém, diz adicionalmente que, se todos conhecem a verdadeira intenção, então não há pecado; porque não é cumprida a manifestação de falsa religião. Seguindo esta lógica, suposto que este
confessado tivesse sido coagido a fazer tais coisas e todos os seus próximos
tivessem conhecimento das suas crenças religiosas, o pecado deste seria
infalivelmente perdoado.
(35) Cuchiuoxù [口惜しう]. Adu. Com pezar, & raiuosamente (Vocabulario,
182
f. 63). Cf. Cuchiuoxino [口惜しの]. Idem (Vocabulario, f. 63). Cuchiuoxisa [口惜
しさ]. Pezar, ou raiua (Vocabulario, f. 63). Cuchiuoxij [口惜しい]. Cousa de que
se tem pezar, ou raiua (Vocabulario, f. 63).
(36) Vrami [恨み], Vramuru [恨むる], Vramita [恨みた]. Aqueixarse. / Youo
vramuru [世を恨むる]. Queixarse do mundo. / Fitouo fitocatana vramuru [人
を一刀恨むる]. Dar a alguem cutilada, ou matalo por vingança (Vocabulario,
f. 288). Cf. Vrami [恨み]. Queixas. Vt, Vramiuo farasu [恨みを晴らす]. Tirar o
queixume ficãdo satisfeito. / Vramiuo fucumu [恨みを含む]. Ter queixumes no
coração (Vocabulario, f. 288).
(37) Xucquai [述懐]. i, Vrami [恨み]. Queixas, ou queixumes (Vocabulario,
f. 313v).
(38) Sacasama [逆様]. i, Sacasamani [逆様に]. Adu. Ao reues, ou às auessas, ou cabeça abaixo (Vocabulario, f. 214v).
(39) Xicari [叱り], Xicaru [叱る], Xicatta [叱った]. Agastarse reprehendendo. Vt, Fitouo xicaru [人を叱る]. Reprender desta maneira a alguem (Vocabulario, f. 299v).
(40) Esta confissão afigura-se-me significativa por representar simbolicamente uma característica psicológica e cultural do povo japonês, a qual
se poderá traduzir na palavra «Amae» [甘え]. Este vocábulo é a forma substantivada do verbo «Amaeru» [甘える], que poder-se-á interpretar como “desejo de dependência”. O referido verbo não possuía (nem possui) qualquer
equivalente conceptual e verbal em português. «Amae» é um substantivo
bem peculiar ao idioma japonês, que quer dizer, “os desejos de depender
do amor, paciência, e tolerância de outras pessoas”. Trata-se do conceito
consistindo num sentimento de ser amado e acarinhado de modo a que um
indivíduo ultrapasse as dificuldades enfrentadas e os sofrimentos sentidos
por meio da dependência da ajuda bondosa de outras pessoas, ajuda, porém, acompanhada do sentimento de tolerância. Defende-se que, na sociedade japonesa, as relações pais-filhos são prolongadas e expandem-se do
sistema infantil para o sistema adulto, as quais reflectir-se-ão nas relações
matrimoniais, entre o professor e o aluno, e entre o líder e o seguidor, pelo que
a tendência psicológica representada pela palavra «Amae» continua a ser
nitidamente observável durante toda a vida dos adultos. O psicólogo japonês
Doi Takeo [土居健郎] define a palavra «Amae» como o desejo “de abusar do
amor de outrém”, “de gozar da indulgência de outrém”, e “de entregar-se
à benevolência de outrém”. Doi Takeo ainda concebe «Amae» como uma
palavra/atitude-chave para a compreensão da dinâmica psicológica da sociedade japonesa, a qual é relativamente tolerante para com o sentimento de
dependência de outrém e para com as relações de mútua dependência (cf.
Japan: An Illustrated Encyclopedia ed., Keys to the Japanese Heart and Soul,
Kōdansha International, 1996, pp. 93, 95).
Curiosamente e como seria de esperar, registam-se no Vocabulario da
Lingoa de Iapam a raiz, o tempo presente e o tempo passado proveniente do
substantivo «Amaye». Vejam-se cuidadosamente os seguintes dois verbetes
relativos ao conceito em questão:
Amaye [甘え], Amayuru [甘ゆる], Amayeta [甘えた]. Fazerem caricias, ou
afagos os mininos aos pays. / Inuga xujinni amayuru [犬が主人に甘ゆる]. O
cão faz festa, & caricias ao senhor (Vocabulario, f. 8). Amayegoye [甘え声].
Voz de mininos como chorosa, ou mauiosa pera mouerem a mãy, ou a outros
a lhe darem algũa cousa (Vocabulario, f. 8).
A partir da óptica ocidental cristã seiscentista, a conduta declarada na
presente confissão, na qual o confessado exprime «por uma ou duas vezes,
queixas e queixumes para com Deus», «e, pensando como era avessa a providência divina», fica «um pouco zangado com Ele», poder-se-ia interpretar
como uma postura moral diferente da original católica apostólica romana.
Mas, esta atitude do confessado japonês, segundo creio, será compreendida de forma clara e natural através da associação do sobredito conceito: o
confessado em questão, através da manifestação aberta das suas queixas e
183
agastamentos contra Deus, quer, em verdade, que Ele lhe preste uma maior
atenção e lhe conceda uma maior ajuda para si próprio, confiando seguramente que Ele perdoar-lhe-ia todos os pecados cometidos. Quer dizer: as
queixas e queixumes por parte dos confessados na décima segunda confissão não são nada mais, segundo creio, que a já citada «Amayegoye» de
maneira a «mouerem a mãy (Deus), ou a outros (Jesus Cristo e outros) a lhe
darem algũa cousa».
Ainda como curiosidade, afigura-se-me interessante notar que, na atitude − suposta, claro − que o padre Sebastião Rodrigo, protagonista inventado
pelo autor do romance primoroso Chinmoku 『沈黙』
[
] (O Silêncio), mas atribuído à personagem verdadeiramente existente chamada padre italiano Giuseppe Chiara, toma quando decide pisar a «Fumiye» [踏絵] (isto é, a imagem
feita de bronze de Jesus Cristo a ser pisada de maneira a investigar e distinguir os crentes dos não crentes), pode-se espreitar subtilmente no sobredito
conceito denominado «Amaye», conceito esse que o autor Endō Shūsaku [遠
藤周作] possuía presumivelmente no seu íntimo.
Pois bem. Alguns meses depois de ter pisado a «Fumiye», o ex-padre
encontra e fala com o governador de Nagasaki de nome Inovye Chicugono Cami Masaxighe [井上筑後守政重] (personagem verídica, o qual inventou
vários métodos ardilosos de maneira a pressionar o cometimento do acto
de apostasia de alguns sacerdotes católicos). Inovye diz-lhe que o padre
Rodrigo rendeu-se não a ele próprio, mas ao clima religioso japonês, clima
esse que Endō denomina como «Doronuma» [泥沼], isto é, o “atoleiro” onde
quaisquer religiões que sejam, uma vez introduzidas e implantadas aí, sofreriam alterações e transformar-se-iam, por fim, em outro algo, apesar da
sua semelhança à forma original, bastante diferente dela em vários aspectos
fundamentais. Inovye diz-lhe ainda: «Sokomotowa koronda ato, Ferreirani,
fumiyeno nakano Kirisutoga korobeto yūtakara korondato mōshita sōdaga,
sorewa onoga yowasawo itsuwaru tameno kotobadewa nainoka? Sono kotoba, makotono kirishitan towa, kono Inoue niwa omoenu» 「そこもとは転ん
[
だあと,フェレイラに,踏絵の中の基督が転べと言うたから転んだと申したそうだ
が,それは己が弱さを偽るための言葉ではないのか。その言葉,まことの切支丹と
は,この井上には思えぬ」] (Endō Shūsaku, Chinmoku, Shinchō Bunko, 1981, p.
288). Tradução portuguesa: «Ouvi dizer que vós, depois de terdes ‘caído’,
afirmastes terdes ‘caído’ por ter-vos dito Jesus Cristo inscrito na Fumiye que
‘caísseis’, mas isso não serão palavras proferidas de maneira a enganar a
vossa fraqueza? Tais palavras não se me afiguram adequadas nem me parecem proferidas por um verdadeiro cristão». Inovye continua a dizer-lhe: «Katsute yowa sokomototo onaji Kirishitan pādoreni tazuneta kotoga aru. Hotokeno
jihito Kirishitan Deusuno jihitowa ikani chigauka? to. Dōnimo naranu onoreno
yowasani, shujōga sugaru Hotokeno jihi, korewo sukuito Nihondewa oshieteoru. Daga sono pādorewa, hakkirito mōshita. Kirishitanno mōsu sukuiwa, soreto
chigau tona. Kirishitanno sukuitowa Deusuni sugaru dakeno monodewa naku,
shintoga chikarano kagiri mamoru kokorono tsuyosaga soreni tomonawaneba
naranu to. Shitemiruto sokomoto, yahari Kirishitanno oshiewo, kono Nihonto
[
mōsu doronumano nakade itsushika magete shimatta node arō» 「かつて余
はそこもとと同じ切支丹パードレに訊ねたことがある。仏の慈悲と切支丹デウス
の慈悲とはいかに違うかと。
どうにもならぬ己れの弱さに,衆生がすがる仏の慈
悲,これを救いと日本では教えておる。だがそのパードレは,はっきりと申した。切
支丹の申す救いは,それとは違うとな。切支丹の救いとはデウスにすがるだけの
ものではなく,信徒が力の限り守る心の強さがそれに伴わねばならぬと。
してみ
るとそこもと,やはり切支丹の教えを,この日本と申す泥沼の中でいつしか曲げて
しまったのであろう」] (Endō, Chinmoku, pp. 288-289). Tradução portuguesa:
«Anteriormente fiz uma pergunta a um padre cristão como vós, no intuito de
saber qual é a diferença existente entre a ‘Jihi’ − a misericórdia, a piedade, a
benevolência, a compaixão, a clemência, etc. − do Hotoke (Buda) e aquela
do Deus cristão. De acordo com o ensinamento budista japonês, todos os
homens, se bem que reconheçam a sua fraqueza irremediável, serão infali-
184
velmente salvos, apenas por meio da confiança absoluta na ‘Jihi’ do Hotoke
e da imploração para esta. Esse padre, porém, afirmou-me claramente: “É
diferente disso a salvação advogada por nós”. Segundo ele disse, a salvação
não se poderia concretizar só através da absoluta confiança em Deus e da
ardorosa imploração a Ele, mas, para além disso, deveria ser acompanhada
de uma força mental por parte dos crentes, com a qual deveriam defender
a sua crença. Tendo em conta as vossas palavras proferidas e a atitude por
vós tomada, não posso deixar de dizer-vos que alterastes e deformastes a
doutrina cristã, sem vos aperceberdes, aqui neste atoleiro nipónico». O ex-padre Rodrigo está para declarar, quase gritando, que o cristianismo não é
como aquilo que Inovye acabou de comentar e definir, mas desiste de fazer
isso, pois fica consciente da impossibilidade de convencê-lo... De qualquer
maneira que seja, afigura-se-me extremamente impressionante esta cena de
Inovye criticar a atitude religiosa transformada, ou para melhor dizer, «deformada» que o ex-padre chega, por fim, a tomar, atitude essa para com a qual
Endō sentiria, penso eu, uma maior simpatia e intimidade.
185
ALICE CORREIA GODINHO RODRIGUES
Investigadora - Coimbra
De Coimbra ao Oriente
Percorrendo Coimbra, cidade universitária que remonta
ao séc. XIII, encontramos muitos vestígios orientais quer na
arquitectura quer na abundante literatura que pulula nas
prateleiras das suas bibliotecas. São roteiros, itinerários,
exaltação das letras e das gentes que nos levam ao encontro do Homem, do conimbricense que vivendo a alguns quilómetros do mar se sente atraído pelo cheiro da pimenta e
sonhava com biombos vindos pela zona de Cantão.
O Oriente atraía o jovem de Coimbra. O mar povoava a
sua imaginação e o desejo de emigrar para longínquas terras
avassalava o jovem, o aventureiro, o estudante e o religioso.
Remontam a 1550-1555 os nossos primeiros contactos
com Macau, então pequena aldeia de pescadores.
A partir de 1557, Macau foi cedida aos portugueses
com a finalidade destes libertarem a região do delta de
Cantão dos numerosos bandos de piratas existentes por
aquelas paragens e sobretudo transformarem o porto marítimo num entreposto de comércio externo e navegação
estrangeira. Foi confirmada esta cessão pelo imperador
Chi-Tsung e ratificada pelo sucessor Mo-Tsung.
A fama portuguesa corria já por terras do Extremo
Oriente. Através do seu estabelecimento em Macau, estes
transformaram-se em intermediários de todo o lucrativo
comércio da China com o Japão, Manila, Sião, Malaca,
Índia e Europa.
Até 1685 eram os portugueses detentores do monopólio
do comércio e Macau passou a ser um dos grandes e
importantes centros de intercâmbio económico, espiritual e
cultural entre o Oriente e o Ocidente.
Anualmente uma frota real partia de Lisboa carregada
com lãs, cristais e vidros, relógios de fabrico inglês e flamengo e vinhos de Portugal para nos portos e escalas trocarem por outros produtos. De Goa a frota ia para Cochim
em busca de especiarias e pedras preciosas. Estes produtos eram trocados em Macau por seda que chegando ao
Japão era trocada por ouro. De Macau a frota trazia para
187
Portugal ouro, seda, almíscar, pérolas, marfim, artigos de
laca, porcelana, etc.
A sua população cresceu rapidamente passando de
escassas centenas para muitos milhares. Além de mercadores, marinheiros, soldados e funcionários metropolitanos,
ocorreram ali para se fixarem numerosos orientais portugueses.
Eram filhos de malaias, siamesas, japonesas e indianas.
Em Macau sentiam-se tão seguros «como se estivessem
situados na mais segura parte de Portugal», segundo testemunho coevo de Fernão Mendes Pinto, confirmado pelo de
D. Fr. Gaspar da Cruz que afirma que «desde o ano de 54
a esta parte se fazem as fazendas na China muito quietamente e sem nenhum perigo».
Levado pelo fascínio do Oriente aparece-nos inicialmente André de Escobar, natural de Coimbra que rumou em
direcção à Índia e aí ensinou a arte da «charamela». Tinha
sido o charameleiro da Sé de Coimbra e aí continuou a sua
arte.
Foi este encontro civilizacional, estes contactos estabelecidos com civilizações muito diferentes das europeias,
que tornaram a empresa dos descobrimentos um dos fenómenos mais aliciantes da época quinhentista.
A partir de 1590, a coroa portuguesa passou a ter dificuldades em organizar armadas para o Oriente. As naus
não ofereciam segurança e tornava-se difícil assegurar uma
tripulação condigna. Temiam-se os naufrágios e a captura
dos holandeses, o que fazia com que o recrutamento na
província nem sempre conduzisse a resultados apreciáveis.
Coimbra, no entanto, continua a contribuir com o seu
cabedal humano, com os seus missionários, aqueles que
atrevendo-se a desbravar o oceano, tinham a robustez própria de quem vê na Providência o único farol de salvação.
Já D. João III, numa casa que tinha comprado para a
Universidade, num dos locais mais elevados da cidade de
Coimbra, fundara o colégio da Companhia de Jesus, ofertando-o ao Padre Simão Rodrigues para residência destes.
Ordena o mesmo rei que a Casa da Índia dê ao Colégio no
primeiro dia de Janeiro a começar em 1552 as seguintes
especiarias: trinta arráteis de pimenta, doze de cravo, vinte
de canela, oito de gengibre, dez de malagueta e vinte de
incenso.
Por sua vez D. Sebastião ordena também ao tesoureiro
da Casa da Índia, que retire do primeiro dinheiro que se
fizer com a venda das especiarias de cada ano a quantia de
188
dois mil cruzados para a continuação das obras do dito
colégio. Foram necessários espaços para a residência dos
padres e para as aulas das Artes. A grande liberalidade
régia começou por sustentar 200 religiosos e em breve chegou aos 250.
Daí começaram estes a dirigir-se em catadupas para o
Oriente. A primeira entrada dos missionários da Companhia
em Macau data de 1554-1555 e o papa Gregório XIII através
da bula «Specula militantis Ecclesiae» funda a diocese com
jurisdição sobre toda a China, Japão e Coreia.
Eram os bispos escolhidos especialmente pelo Colégio
de Jesus de Coimbra e pelos Colégios de Espanha.
Determina o padre Inácio que «ainda não fossem mais que
dois por ano teriam que ir primeiramente a Roma em peregrinação para adquirirem experiência e se tornarem bons filósofos e astrólogos a fim de saberem dar explicação aos movimentos dos céus e conjunções e oposições dos planetas».
S. Francisco avisa em Ternate, provavelmente em 1546,
que «a linguagem seria clara e não afeitada, mais cheia de
espírito do que de estilo grandíloquo que mais serve para
os púlpitos das Universidades e cortes de reis que para as
aldeias dos cristãos da terra».
Destes missionários que se dirigiram ao Oriente referimos alguns dos que, naturais de Coimbra, foram predestinados para receberem a palma do martírio:
BEATO ANTÓNIO FRANCISCO – Nasceu em Coimbra
em 1553 e fez o noviciado no Colégio de Jesus. Enviado
para as Molucas, passou depois para Salcete e aí veio a ser
martirizado em 1583, mais propriamente na aldeia de
Cucolim, uma das mais rebeldes da região.
Acompanhavam-no os padres Francisco Aranha, Rodolfo
Aquaviva, Alfonso Pacheco e Pêro Berna.
Em 15 de Julho de 1583 foram mortos pelos gentios,
após terem derrubado alguns pagodes para, no seu local,
erguerem igrejas, o que veio a acontecer após 1594.
Construíram os cristãos então uma igreja de pedra e cal,
onde passaram a realizar-se as cerimónias da semana
santa com toda a sumptuosidade. Contribuiu para isso o
meirinho António Góis, natural de Coimbra, capitão de
campo, que oferecia à igreja as rendas obtidas. Sob a invocação de Nossa Senhora da Nazaré, a mesma possuía quatro confrarias: do Santíssimo Sacramento, da Virgem, de
Jesus e de Santa Ana.
De referir em Salcete o padre provincial Pedro Martins,
189
natural de Coimbra que aos 14 anos de idade entrara para
a Companhia de Jesus e acompanhara D. Sebastião em
Alcácer-Quibir. Em Salcete lançara a primeira pedra para a
construção da igreja da Madre de Deus, sendo acompanhado por quatro embaixadores do Japão que regressavam a Portugal e Itália, onde tinha ido prestar homenagem
aos papas Gregório XIII e Sixto V.
BEATO DIOGO DE CARVALHO – Nasceu em Coimbra
em 1578 e morreu martirizado em Xindai (Japão) em 1624.
Era filho de Álvaro Fernandes e de Margarida Luís. Ingressou
no noviciado da Companhia de Jesus em 1590 e partiu para
o Oriente em 1600. Esteve primeiro em Macau, donde seguiu
para o Japão em 1609. Para melhor exercer a sua missão
evangelizadora aprendeu japonês, que escrevia e falava correntemente. Diogo de Carvalho ao voltar a Macau, em 1614,
dirigiu-se de seguida à Cochinchina, acabando por ser martirizado em Xindai (Japão). Foi beatificado por Pio IX.
Foram precisamente os missionários portugueses que
nos comunicaram as primeiras noções científicas sobre a
língua japonesa, sendo também os primeiros a publicar
desde o final do séc. XVI, gramáticas e vocabulários deste
idioma para auxílio dos novos missionários.
MELCHIOR OU BELCHIOR MIGUEL CARNEIRO – Bispo
de Macau, nasceu em Coimbra em 1518, pertencente a
uma das principais famílias da cidade. Membro da
Companhia de Jesus a partir de 1543 foi enviado para
Roma onde se tornou confessor de Santo Inácio de Loiola.
Por este foi nomeado para futuro sucessor do patriarca da
Etiópia, cargo que nunca chegou a exercer, dado o seu
estado de saúde muito débil, devido a frequentes ataques
de asma. Grande pregador, é de notar as suas prédicas
contra os judeus em Cochim e o apoio dado aos cristãos, os
cristãos de S. Tomé, também chamados «cristãos da
serra», espalhados por várias serras e províncias do
Malabar.
Aquando da sua consagração no Colégio de S. Paulo,
aonde fora o primeiro lente de Casos de Consciência, celebraram-se 409 baptismos. A partir de então tomou o nome
de bispo de Niceia.
Desde 1568 governou a diocese de Macau com todo o
amor de pai e vigilância de pastor. Instituiu a Santa Casa da
Misericórdia e os hospitais de S. Lázaro e de S. Rafael.
Segundo a tradição andou pedindo esmolas de porta em
190
porta para fundar todos estes estabelecimentos pios. Nessa
altura havia em Macau à volta de 6.000 cristãos e três
igrejas pertencendo uma aos padres jesuítas. Renunciando
ao bispado, já carregado de anos, recolheu-se na casa da
Companhia em Macau, dando grande exemplo de pobreza,
caridade e paciência, numa prolongada doença respiratória
que durou mais de vinte anos. Foi sepultado na capela-mor
da igreja de S. Paulo em 1583.
Nos finais do séc. XVI e primeira metade do séc. XVII
continuamos a encontrar influências de Coimbra no Oriente,
nomeadamente em Macau. O regimento do Colégio das
Artes passa a ser utilizado pelo Colégio de S. Paulo.
Tratava-se da organização das aulas, do regime de férias e
dos graus académicos (mestre em Artes e doutoramento
em teologia). Nem sequer foram esquecidas as praxes
académicas. Desenvolveu-se de tal modo este colégio, que
passou a constituir um importante pólo religioso, cultural e
artístico, cuja configuração e valor são ainda hoje atestados
em muitos documentos e obras de arte. Podemos dizer que
foi a primeira Universidade do Extremo Oriente.
Contribuíram para o seu sustento as rendas da Santa
Casa da Misericórdia, as esmolas que nas missas eram
ofertadas e a renda do caldeirão, a renda paga pelas naus
no porto de Macau.
Saltando no tempo, encontramos no séc. XVIII em
Coimbra D. Policarpo de Sousa.
POLICARPO DE SOUSA – Nasceu em Coimbra a 26 de
Janeiro de 1697 e frequentou o Colégio de Jesus, tendo
depois sido mestre de Retórica.
Foi enviado para a China na embaixada de Alexandre
Metelo de Sousa Meneses para se encontrar e estabelecer
relações com o imperador Khanghi.
Devido às más condições climatéricas, foi obrigado a
permanecer algum tempo no Rio de Janeiro, o que não lhe
permitiu contactar com o imperador que entretanto falecera. Sucedeu-lhe Yong-Cheng, que se manifestou hostil ao
cristianismo. Não conseguindo os resultados desejados,
ficou D. Policarpo em Nanquim até que em 1738 foi apresentado como bispo de Pequim.
Durante o seu pontificado foi um exemplo vivo de virtude apostólica, sobretudo do zelo das almas e de uma
incomparável caridade para com os infelizes dos quais era
um verdadeiro pastor, apesar da viva oposição daqueles
que o consideravam como contrário ao decreto de Roma
191
sobre os ritos chineses. Dois anos depois da sua nomeação
foi posto, por Bento XIV, termo a essa questão.
Grande amigo de Ribeiro Sanches, de quem terá sido
companheiro na Universidade de Coimbra, é de notar as
cartas publicadas aquando da estadia deste na Rússia,
onde fora médico na corte de S. Petersburgo.
Embora anti-jesuíta Ribeiro Sanches travou nessa altura
comércio epistolar com Policarpo de Sousa, recebendo da
China livros e diversos produtos chineses utilizados na
medicina.
Sanches opunha-se à escravatura, à intolerância, vendo
nela o grande flagelo das almas. A Europa das Luzes
começava a exercer a sua ironia filosófica sobre as novas
provas da intolerância romana.
Terá sido Policarpo de Sousa influenciado por Ribeiro
Sanches em todo o comportamento sócio-político e religioso por terras de Pequim? Não deixaria de ter interesse verificar em que medida Ribeiro Sanches através de D.
Policarpo poderia ter sido um embaixador da cultura ocidental no Oriente e da cultura oriental no Ocidente. Faleceu
em 1757.
JOSÉ MONTANHA – Natural de Coimbra, filho do licenciado Domingos da Costa Montanha e de Maria da Silva,
era irmão do vice-reitor da Universidade doutor Francisco
Montanha. Ingressado na Companhia de Jesus em 1721,
frequentou o Colégio de Jesus e daí dirigiu-se ao Oriente,
aonde chegou em 5 de Novembre de 1742, acompanhado
pelo novo sispo de Macau, Frei Hilário de Santa Rosa1.
Destinado à missão do Sião, já lá se encontrava em
1745.
Notabilizou-se como paleógrafo no Arquivo de S. Paulo
e como insigne pregador, sendo notáveis os sermões pregados no púlpito da igreja de S. Paulo. Dos mais significativos aparece-nos em 1743-1756, o sermão do apóstolo
S. Pedro. Nele se refere à vida do primeiro papa (S. Pedro),
à sua confissão e entrada no mar e à sua morte, diferente
da de Cristo. Utiliza escritos de Séneca e de seu discípulo
Lucílio;
- Sermão de S. Francisco Xavier, em que cita a Epístola
de S. Paulo aos Romanos; fala da destruição dos pagodes
chineses que impedem o culto cristão e a construção dos
templos de Cristo; fala dos baptismos realizados, entre eles
o de uma criança moribunda;
- Sermão dos mártires de Taicosama (Nagasáqui) de 5
de Fevereiro de 1597;
192
- Sermão do martírio de Santa Úrsula e suas irmãs, utilizando os Salmos;
- Sermão de Santo António pregado no mar em frente à
ilha de Samatra (Malaca), em que se refere à vida e milagres do grande Taumaturgo.
Nas cartas enviadas a João Montanha, encontramos
uma de D. Policarpo de Sousa, bispo de Pequim, também
natural de Coimbra, já referido, em que relata ter ouvido
com muito agrado os sermões de seu irmão José
Montanha, em Macau, e lamenta a sua partida para o Sião
por «não ser aquela pequena cristandade de digno emprego dos seus talentos».
Os primeiros missionários do Sião foram os dominicanos
portugueses: Jerónimo da Cruz e Sebastião do Canto que
vindos de Malaca ai chegaram em 1588. Os primeiros
Jesuítas chegaram em 1609.
Outra carta enviada do Sião em 1748 pelo jesuíta
Francisco de Almeida ao seu provincial fala da estada de
José Montanha no Sião, das suas preocupações causadas
pelos maus cristãos que queriam roubar o ouro dos cofres
da confraria e pelos chineses que construíam pagodes em
frente da igreja quando se realizavam os ofícios sagrados.
Há também referências de baptismos de crianças em
perigo de vida que se tornavam fervorosos cristãos.
Em 24 de Julho de 1752, José Montanha envia do
Colégio de S. José uma carta ao padre jesuíta Francisco da
Costa, referindo a estada do padre Hallerstein como visitador e não como provincial. Dado que José Montanha era o
provincial e o jesuíta alemão Hallerstein pretendia o seu
lugar, sendo apenas visitador, a questão entre eles tornou-se violenta.
Muitos jesuítas portugueses consideravam em cartas
enviadas aos provinciais que os alemães pouco faziam nas
missões, devendo-se impedir a sua ida para a China, desde
que os portugueses se aplicassem às matemáticas. Se isto
acontecesse não era necessário recorrer a estrangeiros.
Aproveitamos para fornecer algumas notas sobre
Augusto Hallerstein (ou Allerstein). Trata-se de um missionário jesuíta natural da Alemanha, falecido provavelmente em
1777, ou seja, depois da supressão da Companhia de
Jesus. Possuía grandes conhecimentos de matemática e de
astronomia, o que causou admiração na corte de Pequim
para a qual foi convidado pelo imperador Kiang que o promoveu a mandarim e o nomeou director do Departamento
de Matemática. Elaborou um censo da China para os anos
193
25 e 26 do reinado daquele imperador. O censo que foi traduzido para chinês teve grande divulgação na Europa a
partir de 1779. Segundo o trabalho de Hallerstein a população da China era de 196.837.977 e de 198.214.624 pessoas, para cada um dos referidos anos respectivamente.2
Muitos objectos culturais chegaram a Coimbra enviados por
José Montanha: lenços de seda da China, um caixote de
furos, uma frasqueira, louças em porcelana chinesa, mandadas à sua irmã como prenda. Num caixão enviou duas
colchas bordadas, sendo uma para o secretário da
Universidade, ao tempo o doutor Miguel Carlos da Mota e
Silva, e outra para o doutor Francisco Marques que testemunhara o casamento de seus pais.
A 17 de Janeiro escreve à sua irmã participando-lhe que
fora nomeado provincial do Japão.
Toda esta epistolografia se torna muito importante,
dado que constitui um repositório excelente de informações para a investigação histórica. De notar as cartas
que durante as viagens dos missionários eram obrigatoriamente escritas ao padre provincial. Infelizmente muitas
delas vieram a perder-se.
Deve-se a José Montanha os «Aparatos para a História
dos Bispos de Macau» e a cópia dos documentos do
Arquivo do Japão, mina inesgotável para a história das missões no Extremo Oriente. Segundo os “Aparatos”, sabemos
que a escola dos Jesuítas de Macau contava 200 alunos em
1592. Eram eles filhos dos moradores de Macau e meninos
cativos.
São notáveis também as suas poesias latinas, que já
foram estudadas pelo Prof. Doutor Américo da Costa
Ramalho, professor jubilado da Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra.
Regressando a Portugal em 1753, Montanha percorreu
grande parte do País, pregando em muitas catedrais e
igrejas humildes. Não se encontra na lista dos jesuítas
deportados, mas sabe-se que faleceu em Itália, mais propriamente em Castelgandolfo no dia 10 de Outubro de
1764.3
194
Notas
(1) Frei Hilário de Santa Rosa, religioso da Província da Arrábida, fora
eleito por D. João V como bispo de Macau. Regressou ao reino em 1749,
recolhendo ao Convento de Alcântara. Dai enviou ao rei uma carta
(8/10/1750), onde o aconselhava a fazer uma negociação secreta com a
França sobre a posse de Macau.
(2) O censo de Hallerstein foi publicado na «Déscription Générale de la
Chine», p. 283.
(3) Sobre o tema desenvolvido neste trabalho, vid. AHU (Arquivo
Histórico Ultramarino), Caixa 5, docs. 31-32; AUC (Arquivo da Universidade
de Coimbra), «Cópias de cartas dos Jesuítas, séc. XVIII», BGUC (Biblioteca
Geral da Universidade de Coimbra), «Sermões de José Montanha», Mss.
3030-3032.
195
ANTÓNIO GRAÇA DE ABREU
Delegação Económica e Comercial de Macau, Lisboa
José Bernardo de Almeida (1728-1805),
o Último Jesuíta Português na Corte Chinesa
Se, no dia 9 de Janeiro do ano de graça de 1805 – isto é,
exactamente há duzentos anos –, qualquer um de nós
pudesse desembarcar em Macau chegado das distantes
terras do Extremo-Ocidente (da Europa, de África, da Índia)
iria encontrar o pequeno burgo luso-chinês a viver tempos
estranhos e difíceis como quase sempre aconteceu ao
longo dos quatro séculos e meio em que o estandarte português ondulou na cidade soprado pelas brisas do rio das
Pérolas.
Em 1805, Macau teria cerca de 20.000 habitantes.1 Os
portugueses nascidos no reino não chegariam a duzentas
almas, menos de 1% da população. Eram já os chineses,
aproximadamente quinze mil habitantes, quem constituía a
maioria da população e quem detinha maior poder económico.2 A vocação da cidade sempre fora o comércio.
Quinze a vinte navios sujeitos à inconstância dos mares, à
pirataria e ao pagamento de avultadas taxas às alfândegas
chinesas, asseguravam a permanente de troca de produtos
entre Macau e Cantão, as Filipinas, o Sudeste Asiático. Os
negócios do anfião ou ópio, proibidos mas tolerados, assumiam-se como a mais rentável fonte de prata e riqueza.
Cerca de meia centena de estrangeiros, ingleses, franceses, dinamarqueses, holandeses, arménios, entravam também com sucesso no comércio marítimo. Apesar de pequena e condicionada por variadas prepotências por parte dos
mandarins locais, Macau era cobiçada pelos súbditos do rei
de Inglaterra que, sem sucesso, a tentaram ocupar em 1802
e em 1808.
Em 1784, D. Frei Alexandre de Gouveia, bispo de
Pequim, de passagem por Macau a caminho da sua diocese, reabrira o seminário de S. José, entregue aos padres
lazaristas da Congregação da Missão, na esperança de aí
se formarem religiosos para o clero local e as missões da
China. Vinte anos depois eram escassos os resultados do
197
labor do seminário. De Portugal também quase não chegavam missionários para Macau e para a China.
Em Janeiro de 1804, D. Frei Manuel de S. Gualdino,
bispo de Macau3 comentava em carta a D. Rodrigo de
Sousa Coutinho, Secretário de Estado da Marinha e dos
Assuntos Ultramarinos: “O Estado em que encontro esta
Cidade he maes p.ra me fazer chorar do q. p.ra importunar a
V. Exª.”4 O sucessor de Frei Manuel, o bispo Frei Francisco
de Nossa Senhora da Luz Chacim, em carta ao Príncipe
Regente, a 16 de Dezembro de 1805, pedia para regressar
a Portugal nos seguintes termos:
“Houve em fim V. Alteza Real por bem nomear me pra Bispo de Macao.
Como humilde vassalo obedeci e vim, mostrando q. dezejo ser obediente.
Reconheço porem q. sou absolutamente inapto pra tal Emprego e principalmente nas presentes circunstâncias em q. Macao se acha: a pobreza e o
luxo, a pompa externa e a mizeria estão aqui unidas e desejam ver hum
Bispo q. tenha todo o aparato. Eu, Senhor, nada tenho das qualidades internas q. formão o character Episcopal e do externo tão bem não q. athe Deos
Nosso Senhor me não fez agigantado, o q. tem feito o seo abalo não só aos
Chinas mas athe aos moradores de Macao. Rogo pois a V. Alteza Real se
digne dispensar me deste labirinto com q. não posso pella minha total inaptidão e conceder me recolher ao canto do meu Convento”.5
Apesar da sua pequenez física, da vontade de ser dispensado do “labirinto” de Macau, o bispo Francisco
Chacim, um dos grandes prelados da história de Macau,
acabaria por se adaptar aos singulares ritmos da cidade e
permaneceria à frente dos destinos da sua diocese até à
sua morte, em 1828.
Macau assumia-se, há mais de dois séculos, como a
porta de entrada dos missionários católicos na China. A
capital do império era o destino de muitos desses homens
que, para espanto dos chineses, tudo abandonavam – pais
e mães, a aldeia natal, os bens que possuíam, a pátria –
para dedicarem por completo as suas vidas ao labor evangélico, dar a conhecer o Deus em que acreditavam. Haviam
sido os seguidores de S. Inácio de Loyola e de S. Francisco
Xavier, os iniciadores e principais intérpretes da gigantesca
tarefa de evangelizar um império que no princípio do século XIX era maior do que toda a Europa, habitado por cerca
de 250 milhões de almas extremadamente pagãs.
Há exactamente dois séculos, nesse ano de 1805, falecia na capital chinesa o padre José Bernardo de Almeida, o
último jesuíta português a viver e missionar em Pequim.
A capital, a dois mil e setecentos quilómetros de distância de Macau, ficava a cinquenta dias de jornada da cidadezinha luso-chinesa. A viagem era feita por via fluvial
198
subindo-se o rio das Pérolas até Cantão, depois pelo
Beijiang, o braço norte do mesmo rio até à passagem de
Maoling, entre as províncias de Guangdong e Jiangxi, onde
era necessário abandonar os barcos e percorrer aproximadamente setenta quilómetros a cavalo até se retomar a via
fluvial no rio Gan. Descia-se até Jiujiang onde se encontrava o Changjiang (ou Yangtsé), o terceiro maior rio do mundo
por onde se navegava até Nanquim e Yangzhou. Aqui entrava-se no Da Yunhe, o Grande Canal, e com as barcas definitivamente voltadas para norte navegava-se ao longo de
mais mil e trezentos quilómetros pelas províncias de
Jiangsu, Shandong e Hebei até Pequim.
Em 1759, o padre José Bernardo de Almeida, como
matemático aceite pela corte chinesa, empreendeu exactamente esta viagem na jornada sem regresso para a capital
do império.
Em 1805 Pequim contaria cerca de dois milhões de
habitantes. Era o centro político do império da China, uma
grande cidade plana desenhada no início da dinastia Ming,
entre 1405 e 1420, segundo os quatro eixos, norte, sul, leste
e oeste e, no mais importante de todos os pontos cardeais
chineses, o centro, ficava o Gu Gong, o Palácio Imperial, a
residência do Filho do Céu. O burgo muralhado e com nove
portas, dividia-se em dois núcleos, a norte rodeando todo o
palácio imperial situava-se a chamada cidade tártara ou
manchu, habitada por milhares de funcionários da corte,
por familiares dos manchus que governavam a China e
pelos poderosos do império. A sul, numa superfície ligeiramente maior, estendia-se a cidade chinesa.
Em 1805, o número de católicos chineses na capital rondaria as 30.000 almas mas, tal como em Macau, as dificuldades de missionação eram imensas. Quatro igrejas católicas estavam abertas ao culto. Distribuídas por Pequim também segundo os pontos cardeais, eram a igreja de Beitang,
do Norte ou do Santo Salvador, fundada em 1693 pelos
jesuítas franceses, a igreja de Dongtang, do Leste ou de S.
José, fundada em 1655 pelos jesuítas Gabriel de
Magalhães e Luís Buglio, italiano, a igreja do Oeste ou de
Nossa Senhora das Dores, fundada em 1723 pelo padre
Pedrini, lazarista italiano, e a mais importante de todas, a
catedral, a igreja de Nantang, do Sul ou da Imaculada
Conceição, fundada em 1650 pelo jesuíta alemão Adam
Schall von Bell.6 Foi neste último templo que, durante quarenta e seis anos, viveu o padre jesuíta José Bernardo de
Almeida.
199
José Bernardo de Almeida nasceu em S. Pedro do Sul
no dia 18 de Setembro de 1728.7 Entrou no colégio jesuíta
de S. Jorge de Arroios – hoje hospital de Arroios –, em
Fevereiro de 1746. Embarcou para as missões da China
entre os anos de 1755 e 1758, ainda não ordenado padre.
Terá passado por Goa e viveu durante algum tempo em
Macau. Numa destas duas cidades recebeu do bispo local
a ordenação sacerdotal. A partir de Macau, empreendeu a
viagem atrás descrita pelos rios e pelo grande Canal até
chegar a Pequim em 13 de Maio de 1759. Estava na China
na qualidade de astrónomo e matemático para servir o
imperador no antigo Qin Tian Jian que se pode traduzir por
Inspecção Imperial de Astronomia mas que os nossos
religiosos costumavam denominar por Tribunal das
Matemáticas e Astronomia.
Eram astrónomos na corte, missionários católicos junto
das pequenas comunidades chinesas no muito tempo livre
de que dispunham. Apenas necessitavam de se deslocar
ao Guan Xing Tai, o Observatório Imperial, nos dias 1, 5, 10,
15, 20 e 25 de cada mês e, na segunda metade do século
XVIII, normalmente já não eram os europeus que elaboravam os cálculos dos eclipses do sol e da lua, os dias e
horas dos equinócios e solstícios, as horas certas do nascimento e do pôr-do-sol ao longo de todos os dias dos doze
meses do ano. No Qin Tian Jian, ou Tribunal das
Matemáticas, trabalhavam cento e noventa funcionários chineses e muitos deles possuíam já razoáveis conhecimentos
de astronomia e eram capazes de elaborar todos os cálculos. Competia aos missionários europeus verificar o rigor e
exactidão do trabalho dos funcionários chineses. Como
muitos dos nossos religiosos, como astrónomos, possuíam
menos conhecimentos do que os seus homólogos chineses
– seria o caso de José Bernardo de Almeida –, o trabalho no
Qin Tian Jian era mais nominal do que real.
Talvez por isso, o padre José Bernardo, como gostava
de ser chamado, nos seus primeiros anos de Pequim, para
além de um estudo sistemático da difícil língua chinesa, se
tenha dedicado a acompanhar o trabalho de boticário e
cirurgião do irmão jesuíta Manuel de Matos (1725-1764),
apenas três anos mais velho do que ele.8 A pouco e pouco,
beneficiando também da grande biblioteca humanista e
científica que ao longo de muitos anos os jesuítas tinham
reunido na igreja de Nantang e no anexo Colégio de S.
José, onde residia, José Bernardo de Almeida adquiriu vastos conhecimentos de Medicina que lhe foram muito úteis
200
no relacionamento com os cristãos chineses e com os
poderosos da corte chinesa. Numa carta a D. Alexandre
Pedrosa Guimarães, bispo de Macau, a 14.7.1777, o padre
Bernardo dá conta do seu labor como médico:
“Fui chamado pelo Filho 4to do Imperador que já estava às portas da
Morte. Duas vezes o vi e tomei o pulso. A primeira, presentes os Grandes da
Corte, disse não ter remedio e segunda, diante de vários Principes e
Princezas. O 6to Filho, o maior dos que vivem instou muito p.ra que lhe desse
mezinha o que não fiz dizendo que breve morreria, como assim foi. Aos 9
deste Mez fui chamado do 6to Filho do Imperador p.ra uma dor de dentes que
padecia. Ficou logo bom com a Graça de Deos”.9
Curiosa e importante é a associação do padre José
Bernardo de Almeida com o gelao He Shen, personagem
singular que foi, entre 1780 e 1799, depois do imperador, o
homem mais poderoso do império chinês.
O imperador Qianlong governava brilhantemente a
China desde 1736. No ano de 1775, o monarca, então com
sessenta e cinco anos de idade, descobriu entre os oficiais
da sua guarda pessoal o jovem He Shen, de vinte e cinco
anos. Uma paixão súbita inflamou o coração ainda pujante
do soberano chinês. Qianlong adivinhou em He Shen a
reencarnação da primeira mulher que partilhara o seu leito,
uma concubina de seu pai chamada Xiang Fei, ou seja, a
Concubina Perfumada que, por haver dormido com o imperador-pai e com o futuro imperador-filho, havia sido obrigada pela imperatriz-primeira esposa e mãe a enforcar-se com
um laço de seda.
Numa rápida ascensão, He Shen foi promovido a general das tropas manchus, a comandante da guarnição de
Pequim, a ministro dos Assuntos Civis, a ministro das
Finanças. Depois a gelao, um dos quatro Secretários
Imperiais que, logo abaixo do imperador, controlavam o trabalho dos seis ministérios e toda a imensa burocracia do
império. Favorito de Qianlong, sendo o mais importante dos
quatro gelao, He Shen era um verdadeiro primeiro-ministro
– cargo que não existia no império – que tudo dominava e
decidia. Era também o responsável pelos assuntos dos
padres europeus na corte, que o cumulavam de prendas e
presentes. Quando em 1785 D. Frei Alexandre de Gouveia
chegou a Pequim para trabalhar também como astrónomo
no Qin Tian Jian levava um valioso saguate para o imperador Qianlong que, por indicação dos jesuítas José de
Espinha e José Bernardo de Almeida, foi entregue a He
Shen. Os europeus nunca tinham contacto directo com o
201
imperador, não eram essas as leis do império, e He Shen
aproveitou para desviar o presente destinado ao imperador
para o seu erário pessoal. Ao longo dos anos, o antigo guarda pessoal de Qianlong juntou uma fortuna colossal.
Como costuma acontecer nestas situações, o relacionamento sexual entre o imperador e o amante sempre careceu
de comprovação, mas era voz comum na época e tem sido
referido por quase todos os historiadores chineses. Convém
no entanto não esquecer que o favorito do monarca era
casado e tinha filhos, um dos quais veio a desposar, em
1790, a décima filha do imperador.
Dado à hipocondria, He Shen vivia no constante receio
das doenças o que fez com que, a partir de 1780, José
Bernardo de Almeida que tão boas relações mantinha com
os poderosos da corte tivesse sido chamado para desempenhar funções de seu médico pessoal.
O ex-jesuíta português era apenas um entre os muitos
outros médicos chineses que assistiam He Shen nas suas
doenças verdadeiras ou presumidas. Mas o desempenho
de tal cargo era extremamente útil, garantia a protecção dos
nossos missionários por parte do segundo homem mais
poderoso da China. O favorito sofria de reumatismo e tinha
uma hérnia que os clínicos chineses diagnosticavam como
fluidos malignos que faziam com que a carne no interior do
corpo do ministro se deslocasse de um lado para o outro.
O imperador Qianlong faleceu a 7 de Fevereiro de 1799.
Cinco dias depois da morte do pai, o novo imperador Jia
Qing mandou prender He Shen. “Benevolente e justo”, considerando que o império estava de luto, concedeu ao gelao,
o grande secretário e ministro, o especial privilégio de se
suicidar.
A morte do imperador Qianlong e de He Shen teve implicações no dia a dia dos nossos missionários. Continuaram
as ofertas de valiosos presentes aos novos ministros da
corte e ao imperador Jia Qing, mas os padres, sobretudo
José Bernardo de Almeida, deixaram de poder contar com
um protector que os conhecia bem e com quem, há quase
três dezenas de anos, estavam acostumados a lidar.10
Infelizmente faltam-nos cartas pessoais, notas, relatórios
de José Bernardo de Almeida, um retrato seu, documentos
que nos ajudem a reconstituir e compreender melhor os
quotidianos deste homem na sua vivência de mais de quatro décadas em Pequim. Mas podemos entender muito do
que o rodeou.
Estamos na segunda metade do século XVIII. Longe iam
202
os tempos da chegada dos jesuítas à China quando, a partir
de Matteo Ricci, que entrou em Pequim em 1601, uma autêntica geração de gigantes se entregou totalmente à compreensão do mundo chinês, aculturação e evangelização,
dando ainda a Roma e à Europa o testemunho do seu labor.
Em Julho de 1773, o papa Clemente XIV emitiu o breve
Dominus ac Redemptor que extinguiu a Companhia de
Jesus.
A notícia chegou a Pequim quase dois anos depois e
lançou a absoluta consternação entre os quase vinte jesuítas que então viviam na capital chinesa, seis deles portugueses, os padres João Seixas (1710-1785), Félix da Rocha
(1713-1781), José de Espinha (1722-1788), Inácio Francisco
(1725-1792), José Bernardo de Almeida e André Rodrigues
(1729-1792).
Os cinco ou seis missionários de outras ordens religiosas, franciscanos, agostinianos e carmelitas de certo modo
encararam como positiva a extinção da Companhia.
Acabava-se o quase monopólio dos jesuítas nas missões
da China. Era altura de outras ordens e congregações
entrarem em cena. Tudo isto veio a resultar em desentendimentos e conflitos, por vezes graves, entre os missionários
de Pequim. Eles eram homens de várias nacionalidades,
com diferentes interesses e níveis culturais, a viverem
quase isolados dentro das suas quatro igrejas, distantes
das famílias e das pátrias, praticamente proibidos de
regressar aos seus países, muitos deles já idosos, sem
liberdade efectiva para missionar, com ideias divergentes
sobre o melhor modo de evangelizar, catequizar no império
chinês. Acrescia a tudo isto a questão fundamental da
administração dos bens e rendimentos de cada igreja, e
ainda a riqueza, ou pobreza pessoal de cada missionário.
Não havia bispo em Pequim desde a morte do jesuíta D.
Policarpo de Sousa em 1757.
O padre José Bernardo de Almeida era ecónomo e prefeito da igreja de Nantang ou da Imaculada Conceição.11
Administrava muitos dos bens que os jesuítas possuíam.
Por causa dos bens pessoais, de invejas, de temperamentos difíceis, o padre José Bernardo entrou em conflito
aberto com o seu compatriota, também jesuíta, Félix da
Rocha. Este último era cartógrafo e quando da chegada a
Pequim da notícia da extinção da Companhia de Jesus
encontrava-se nas distantes paragens da província de
Sichuan a fim de “mapear as regioens novamente conquistadas”. Regressado à capital viu que os padres José de
203
Espinha e José Bernardo de Almeida, na sua ausência,
haviam entrado na sua cela e dela “extrairam tudo o pertencente à ditta Administração, assim de pratas existentes
como os Contratos ou Escrituras autenticas de fundos e
capitaes e os Livros das Contas. Tudo pra se por nas mãos
do Padre Joze Bernardo.” Nesta carta ao bispo de Macau,
a 30 de Setembro de 1775, comenta o padre Félix da Rocha
em palavras de conteúdo não muito diferente das dos prelados de Macau referindo-se à sua cidade por volta de
1800, com que iniciei esta comunicação:
“P.ra lhe dar a conhecer o Estado prezente de Pekim falo das duas estâncias do Mundo, huma a da Honra, outra a do Proveito. A da Honra cheia de
ventos e fumos e vazia de tudo o maes excepto de alghumas Cartas estudadas e enfeitadas com palavras de seda e trocadilhos, a do Proveito cheia de
Prata que he o compendio de todas as cousas, maxime na China, são a
causa de toda esta turbação e tempestade”.12
Numa outra extensa carta de vinte e uma páginas, a 23
de Março de 1776, endereçada ao bispo de Macau D.
Alexandre Pedrosa Guimarães, na altura o interlocutor privilegiado dos jesuítas de Pequim, o padre Félix da Rocha,
entre muita outras questões relacionadas com a diocese de
Pequim, lança graves acusações contra os outros jesuítas
portugueses e contra José Bernardo de Almeida. Diz:
“Dos defeitos moraes, supostos que públicos e notórios que sem exemplo os podia referir, os deixo pellos muitos agravantes e escândalos e sem
indecencia e pejo não se podem descrever, nem ouvir, principalmente do P.
Joze Bernardo na facilidade e continuo trato com rapazes e mulheres de
pouca edade”.13
Seis meses antes, a 4 de Outubro de 1775, o jesuíta
José de Espinha escrevia ao mesmo bispo de Macau: “O
P.dre Joze Bernardo he Portuguez capaz, sujeito de virtude e
talento”.14
O imperador Qianlong, então com setenta e seis anos,
apercebeu-se das profundas divisões e desentendimentos
entre os europeus de Pequim e ter-lhes-á dito aproximadamente o seguinte: “Se vós, vindos de tão longe para anunciar a palavra do vosso Deus, não sois capazes de estar de
acordo uns com os outros, como podeis pretender que nós
possamos estar de acordo convosco?”15
Em Fevereiro de 1775, a igreja de Nantang, onde na
residência anexa vivia o padre José Bernardo de Almeida,
foi destruída por um incêndio. Para a sua reconstrução foi
necessário pedir auxílio ao imperador, ou ao ministro He
Shen, que emprestou vinte mil taéis em prata. O padre José
204
Bernardo dirigiu os trabalhos de reconstrução do templo
tendo sido o jesuíta alemão Inácio Sichelbart o arquitecto da
nova Nantang. Concluídas as obras, José Bernardo apressou-se a enviar para Lisboa os riscos da igreja feitos por
pintores chineses. Esses desenhos conservam-se no
Arquivo Histórico Ultramarino embora erradamente catalogados como pertencendo à igreja de Dongtang ou de S.
José.16
Dez anos mais tarde, em Janeiro de 1785 chegou a
Pequim o novo bispo D. Frei Alexandre de Gouveia.
Encontrou uma diocese com os missionários ainda divididos e um mundo de problemas por resolver. Hábil, sereno,
apesar de ao chegar ter apenas trinta e três anos e nada
conhecer sobre a China, o bispo franciscano foi resolvendo
muitas das questões que opunham os religiosos europeus e
acabou por se inserir harmoniosamente quer no Qin Tian
Jian como matemático e astrónomo, quer junto das pequenas comunidades de católicos chineses. Durante vinte
anos, o padre José Bernardo de Almeida foi seu conselheiro e amigo.
A partir de meados do século XVIII, a Inglaterra transformara-se no império mais poderoso do globo. Os seus
navios cruzavam todos os mares.
Crescia o comércio com a China, aumentava a cobiça
inglesa sobre a pequena cidade luso-chinesa de Macau.
Em 1780, Warren Wastings, primeiro governador inglês
de Calcutá, na Índia, escrevia num memorando ao rei de
Inglaterra palavras que não deixavam quaisquer dúvidas
quanto aos desígnios britânicos:
“Macao is so little known to the Court of Lisbon and has been so neglected by the Government of Goa, that it is now the fit resort only of Vagabonds
and Outcasts. It has lost the valuable immunities formerly granted by the
Chinese & Head Mandareen and a neighbouring Village exercises in it almost
the Powers of Government. A place so little valued might perhaps be easily
procured from the Court of Lisbon, and should it ever fall into the hands of an
enterprising People, who knew how to extend all its advantages; we think it
would rise to a State of Splendour never yet equalled by any Port in the
East”.17
Em 1788, a Inglaterra enviou a sua primeira embaixada
à China chefiada pelo coronel Charles Cathcart. Foi sugerido ao embaixador que, em presença das autoridades portuguesas, tomasse as medidas consideradas necessárias
para a cedência de Macau, com o consentimento chinês.
Cathcart morreu no mar no decorrer da viagem e a embaixada não se concretizou.
205
Quando em 1792 Lorde Macartney partiu para a China
como novo embaixador do rei Jorge III, ao imperador
Qianlong levava, entre as muitas questões a tratar, a exigência de portos de mar para o comércio e fixação britânica. A
dinâmica expansionista da Inglaterra imperial assim o exigia.
Como não compreender a hostilidade portuguesa face à
presença britânica nos mares da China? No regresso de
Pequim, Macartney e a sua comitiva passaram por Macau,
onde foram diplomaticamente bem recebidos. Procederam
nessa altura a um levantamento minucioso das muralhas e
armamento da cidade. Terá sido por simples curiosidade?
Macau, o Padroado Português do Oriente, católico, [os
ingleses eram protestantes!], a presença portuguesa no
Império do Meio estavam ou não em perigo?
A corte chinesa nomeou seis missionários europeus
para intérpretes e assessores da embaixada, os padres
José Bernardo de Almeida – que dirigiu todo o trabalho dos
tradutores –, André Rodrigues, jesuíta, Luís Poirot, jesuíta
francês, Nicolas Raux, lazarista francês, Panzi, irmão jesuíta italiano e Adeodato de Santo Agostinho, agustiniano italiano. O padre José Bernardo não falava provavelmente
inglês, língua na época pouco usada por religiosos do continente europeu. Com os seus companheiros de missão de
outras nacionalidades o padre Bernardo costuma falar em
latim, a “língua franca” entre os missionários, e que deve ter
sida utilizada nos contactos com os ingleses. O nosso jesuíta falava fluentemente chinês e mantinha um óptimo relacionamento com os poderosos da corte, sobretudo com o
ministro He Shen – outra peça-chave nesta embaixada –, o
que lhe possibilitava influenciar as negociações de natureza política, a bem de Macau, Portugal e das missões católicas na China.
Macau estava atenta e preocupada com a embaixada
inglesa. Em 22 de Dezembro de 1792, o governador Vasco
Luís Carneiro de Sousa e Faro enviara um ofício para Lisboa
explicando: “ser o fim da ditta Embaixada quererem os
Ingleses a Ilha de Cantão para alli se estabelecerem e
quando assim o consigam, o que não duvido por não termos naquella Côrte quem embarace a este projecto, não
fará pequeno dano esta vizinhança de Macao se não precavermos para o futuro”.18
O governador de Macau estava convencido de que não
havia em Pequim quem fosse capaz de embaraçar o projecto inglês. Estava enganado.
De início, entre os missionários europeus, incluindo os
206
portugueses, houve a esperança de que tão luzida e pomposa embaixada conseguisse contribuir para forçar o império chinês a abrir-se um pouco mais ao mundo. Isso seria
benéfico para a Religião Católica, a embaixada era pois bem
vinda. Porém, rapidamente quase todos se aperceberam da
soberba e arrogância britânica em relação à China e da resposta da mesma natureza que iriam obter da corte chinesa.
Os jesuítas José Bernardo de Almeida, chefe dos intérpretes europeus, André Rodrigues, director do Tribunal das
Matemáticas e Astronomia, e talvez D. Frei Alexandre de
Gouveia, o bispo de Pequim, muito fizeram para embaraçar
a missão diplomática britânica.
Um outro missionário mostrou ser um apoiante incondicional e servil de Lorde Macartney.
O jesuíta francês Jean Baptiste Grammont (1736-1812?)
chegara à China em 1770 para desempenhar funções como
músico na corte. Vivera em Cantão entre 1785 e 1791 e
estes seis anos de contacto, sobretudo com ingleses que
comerciavam na cidade do rio das Pérolas, e um conhecimento mais rigoroso dos portugueses de Macau situada a
trinta léguas de Cantão, levaram-no a simpatizar com os
ingleses e a desprezar os portugueses. Não podemos
esquecer, no entanto, que Grammont era um ex-jesuíta e
que, quando de extinção da Companhia, a Inglaterra havia
acolhido e protegido os seguidores de S. Francisco Xavier.
Ora em Macau, os jesuítas haviam sido encarcerados e
enviados para Portugal onde, durante longos anos, padeceram em condições infra-humanas e morreram nas prisões
de S. Julião da Barra e da Junqueira.
Pouco antes de chegar a Pequim, Lorde Macartney
recebera secretamente, por meio de um enviado chinês,
duas cartas do padre Grammont. O jesuíta colocava-se ao
dispor do embaixador inglês e aconselhava-o a tomar cuidadosas precauções contra o padre José Bernardo de
Almeida, homem de confiança do ministro He Shen, o favorito e amante do imperador.
Estas cartas, onde transparece também a ambição e o
espírito de intriga do padre francês, constituem valiosos
documentos sobre o papel e importância dos missionários
portugueses na corte chinesa nos finais do século XVIII.
Ouçamos o padre Grammont:
“Le Gouvernement vient de nommer um missionaire Portugais, appelé
Joseph Bernardo pour servir d’interprete à Votre Excellence et la diriger dans
le cérémonial et la coutume du pays. Je suis dans des inquietudes mortelles
sur la conduite de ce Portugais.
207
[…] Si Votre Excellence vouloit bien declarer au principal mandarin qui
l’accompagne, qu’elle souhaitte m’avoir à la suite ou pour interprete, ou pour
autre rôle qu’elle jugera à propos; et en même temps le charger d’en avertir
tout de suite l’Empereur; alors je suis comme assuré que tout le credit de ce
missionaire tombera à plat, que je serais du moins à portée de lui faire tete,
et qu’il me serait aisé de faire tomber tout ces propos desavantageux, sugerés dans quelques lettres venues de Canton et de Macao, sejour de l’envie et
de la malignité”.19
Tudo iria correr mal ao padre Grammont. Foi excluído do
número de intérpretes e acompanhantes da embaixada.
José Bernardo de Almeida – que como chefe dos intérpretes seguiu com a comitiva inglesa para Jehol ou Chengde,
a residência de Verão do imperador na Manchúria, a quarenta léguas de Pequim –, e André Rodrigues foram promovidos a mandarins de botão azul, de grau três, quase o topo
da hierarquia do mandarinato.
Já com os diplomatas ingleses chegados a Pequim, o
padre Grammont escreveu outra vez a Lorde Macartney, a
30 de Agosto de 1793:
“Il est à propos que Votre Excellence connoisse ses bons Amis. Le
Portugais Almeyda est venu à Peking sous le titre de Chirurgien. Au defaut de
tout autre Portugais, il est entré au tribunal d’Astronomie dont il ignore même
les premiers principes. Son talent de chirurgien lui a procuré plusieurs connoissances parmi les Grands.[…] Le dit Almeyda est assez rusé pour écarter
Mr. Poirot, et ne se servir que de son interprete chinois. D’ou il arrivera que
les paroles de Votre Excellence à son interprete ne parviendront à l’Empereur
ou au ministre que par le canal du dit Almeyda et qui sçait avec quelle alteration! Du reste, Monseigneur, je prie Votre Excellence de croire que ce n’est
point pour haine ou par rancune que je le parle ainsi de ce missionaire. Tout
le monde le sçait ici que nous avons toujours eté liés de l’amitié la plus étroite. Mais les devoirs de l’amitié ont leurs bornes et ne sont point opposés aux
devoirs de la justice”.
Nesta mesma carta, o padre Grammont aconselha o
embaixador inglês a oferecer presentes a quatro filhos do
imperador, ao gelao, grande secretário e ministro He Shen
e a mais uns tantos grandes mandarins da corte. E conclui:
“Il est absolument essentiel que Bernardo Almeyda n’entre pour rien
dans la distribuition ou offrande de ces presents, parce que ce seroit pour lui
la plus belle occasion de se faire valoir et de répéter ses propos ordinaires.
Votre Excellence est libre de choisir et d’appeler les François qu’elle jugera à
propos pour cet effet. Je l’avertis seulement que M. Poirot et Raux sont peu
propres à la diriger et dans la maniere d’offrir ces presents, et dans la difference qu’il faut mettre selon la qualité des personnes. Ils n’ont pas pour cela
asses d’usage du monde et surtout du monde de ce pays-cy”.20
Quem era pois mais influente e tinha “asses d’usage du
monde, surtout du monde de ce pays-cy”? O padre José
208
Bernardo de Almeida e os outros missionários portugueses?
Quem tem dúvida?
Lorde Macartney parece não ter levado muito a sério os
avisos do padre Grammont.
Entretanto, José Bernardo assumiu-se como a sombra
do gelao He Shen na ligação entre a corte e os ingleses. O
imperador Qianlong encontrava-se em Chengde nas férias
estivais e só aí, ao receber Lorde Macartney, tomou conhecimento das pretensões britânicas. No Palácio de Verão, na
Manchúria, os intérpretes foram José Bernardo de Almeida
e Louis Poirot.
O que a Inglaterra pretendia em terras da China era
absolutamente inaceitável, inconcebível aos olhos chineses, constituía um insulto ao Império do Meio, o centro do
mundo.
Eis o resumo das propostas apresentadas por Lorde
Macartney:
1º. Autorização para os ingleses comerciarem nos portos de Zhoushan, Ningbo e Tianjin.
2º. Autorização para possuírem um estabelecimento ou
embaixada permanente em Pequim, para tratar dos assuntos ingleses.
3º. Concessão de um espaço de terreno na ilha de
Zhoushan ou nas proximidades, para entreposto comercial
e residência dos ingleses.
4º. Concessão dos mesmos privilégios em Cantão ou
próximo de Cantão.
5º. Abolição dos direitos alfandegários entre Macau e
Cantão, ou pelo menos reduzi-los ao nível de 1782.
6º. Proibição da exigência do pagamento de impostos,
além dos estipulados pelos decretos imperiais.21
Estes pedidos, entregues a 3 de Outubro de 1793, em
Chengde, obtiveram resposta quase imediata. A 7 de
Outubro, quatro dias depois, eram dadas ordens para a
embaixada abandonar a China e regressar ao seu reino.
Todos os pontos da proposta de Lorde Macarteney foram
rejeitados. Tendo despedido a embaixada, o imperador
Qianlong enviou uma carta ao rei Jorge III de Inglaterra que
ficou famosa pela forma humilhante como tratou o soberano
inglês. Eis um significativo excerto que terá certamente feito
sorrir o padre José Bernardo de Almeida:
“Tu, ó Rei, que vives para além dos mares, instigado pelo modesto desejo de partilhar os benefícios da nossa civilização, enviaste uma missão que
respeitosamente trouxe o teu memorial. Examinei com atenção esse memo-
209
rial cujos termos, pelo seu fervor, revelaram uma humildade respeitosa da tua
parte, muito para respeitar.
[…] Sobre a tua súplica para envio de um dos teus nacionais para ser
acreditado junto da minha Corte Celeste para ficar a cuidar do comércio do
teu reino com a China, não é possível atendê-la por ser contrária aos usos da
minha dinastia. Se, como afirmas, o teu respeito pela nossa Celeste Dinastia
fez nascer em ti o desejo de adquirir a nossa civilização, tu não poderias
transplantar as nossas maneiras e costumes para o teu solo estrangeiro.
[…] Se eu ordenei, ó Rei, que se aceitassem os tributos que enviaste, foi
apenas em consideração por aquele espírito que te levou a mandá-los de tão
longe.
As virtudes majestosas da nossa dinastia penetraram em todas as terras
debaixo do Céu e os reis de todas as terras têm ofertado os seus valiosos tributos, despachando-os por terra e pelos mares. Eu não atribuo valor algum
a esses estranhos e engenhosos objectos e não encontro uso para as manufacturas do teu reino pois, como o teu embaixador pode constatar, nós possuimos tudo”.22
Era a suprema humilhação para a Inglaterra que teria de
esperar mais cinquenta anos para, na chamada Guerra do
Ópio (1839-1842), esmagar militarmente o império chinês e
conseguir, por fim, o tal território próximo de Cantão já ambicionado em 1793. Não Macau, mas a ilha que recebeu o
nome de Vitória, na época a raínha inglesa, e todos conhecemos como Hong Kong.
Nove anos depois da mal sucedida embaixada de Lorde
Macartney, em 1802, uma esquadra inglesa estacionava
diante de Macau e preparava-se para desembarcar e ocupar a cidade. Era bispo de Macau Frei Manuel de S.
Gualdino, mas foi o Senado da cidade quem decidiu pedir
ajuda aos padres portugueses que habitavam junto da
corte chinesa.
Porque Macau corria perigo de se perder para a
Inglaterra, D. Frei Alexandre de Gouveia e José Bernardo de
Almeida elaboraram uma representação, com data de 19 de
Agosto de 1802, endereçada ao “Primeiro-Ministro de
Estado” onde falam do sucedido em 1793 com a embaixada de Lorde Macartney e, entre outras questões, se referiam:
“a hum Reyno denominado Inglaterra cuja gente tem lá no Occidente o
distintivo caracter de enganadora e fingida. Esta Nação conserva o ambicioso designio de absorver em si tudo quanto há, para cujo efeito se valle frequentemente do aparente e fingido titulo de Comercio, com o qual encobre
os seos ocultos e cavilosos instintos.
[…] Se os ingleses chegam a conseguir o que pretendem na China, a
paz, o socego não será duravel neste Imperio”.23
Num comentário a esta representação, de acordo com
um texto dos Ch’ing Chia-Ch’ing-chao Wai-Chiao Shih-liao,
210
ou seja os Documentos Diplomáticos do Reinado do
Imperador Jia Qing publicados em Pequim em 1932, o
investigador chinês Lo Shu-fu afirma textualmente: “This
memorial shows that during Macartney mission the
Portuguese priests at the court did secretely undermine
English interests by deliberately instilling the fear that
England had annexed territory everywhere and would do the
same in China”.24
Logo em 1803, John Barrow, elemento destacado da
embaixada inglesa, teve conhecimento do teor desta representação e nas suas Travels in China,25 publicadas em 1806,
criticou D. Frei Alexandre e o padre José Bernardo de
Almeida acusando-os de, ao se dirigirem ao imperador para
tratarem de questões de natureza política, haverem desencadeado mais ódios e uma maior vigilância do poder imperial sobre todos os estrangeiros em Macau e na China, o
que acabou por provocar ainda maiores dificuldades ao
comércio. Este avisado comentário tem sido reproduzido,
ao longo de quase dois séculos, por vários historiadores.26
É verdade que a representação dos nossos missionários
não foi bem aceite pelas autoridades do império, em
Pequim e em Cantão, também porque os nossos religiosos
se imiscuíam em assuntos de natureza política que lhes
eram vedados. E quer o imperador Qianlong, quer o gelao
He Shen, que outrora haviam protegido os portugueses, já
haviam falecido. Mas também é verdade que, na sequência
da representação, nesse início do século XIX, os poderes
manchus e chineses se mostraram pela primeira vez seriamente preocupados com uma possível ameaça estrangeira
à soberania do império.27
No início de 1805, o padre José Bernardo de Almeida
adoeceu. Tinha 77 anos, estava velho e cansado. Não havia
mais jesuítas portugueses em Pequim. Na cidade viviam
então o bispo D. Frei Alexandre de Gouveia, franciscano,
bispo de Pequim, D. Caetano Pires Pereira, lazarista, bispo
de Nanquim, os padres lazaristas José Nunes Ribeiro,
Domingos José Ferreira e Veríssimo Monteiro Serra, e ainda
o padre João Pinto Gomes, secular. Pouco antes de morrer,
o padre José Bernardo esperava pela restauração da
Companhia de Jesus e mantinha contactos através da
Sibéria com os padres da Companhia na Rússia Branca.28
Faleceu na sua igreja de Nantang, do Sul ou da
Imaculada Conceição no dia 12 de Novembro de 1805. Na
estela tumular que existiu até 1967 sobre a sua tumba, no
cemitério de Zhalan em Pequim, lia-se em chinês:
211
Suo Dezhao (o nome chinês de José Bernardo de
Almeida) da Sociedade de Jesus era natural de Portugal
no Grande Oceano do Ocidente. Nasceu 1728 anos
depois da Encarnação do Senhor do Céu, entrou na
Companhia em 1746 a fim de cultivar a virtude.
Completada a sua formação religiosa, foram-lhe dadas
ordens para no ano 24 do imperador Qianlong (1759) vir
para a capital onde diligentemente propagou os ensinamentos sagrados. No ano 46 (1781) obteve a honra de ser
nomeado vice-director do Departamento de Astronomia,
em 1793 foi-lhe concedido o salário de mandarim do terceiro grau e no ano 58 (1795) foi promovido a director do
Departamento de Astronomia, encarregado do Colégio
das Matemáticas. Trabalhou no Departamento durante
vinte e cinco anos. Este ano, no dia 22 do nono mês do
ano 10 do imperador Jia Qing (12 de Novembro de 1805)
faleceu com a idade de 78 anos. O imperador garantiu
150 taéis de prata do Tesouro Imperial para cobrir as despesas do funeral. Respeitosamente gravado nesta pedra
para ser recordado.29
212
Notas
(1) No Arquivo Histórico Ultramarino, Macau, caixa 6, doc. 47, encontra-se uma Noticia e Reflexoens sobre a Cidade de Macao, escrita em 1773, de
autor anónimo, que nos dá para esse ano a população total de 15.620 habitantes, assim distribuídos:
127 portugueses
1.235 mestiços
1.008 naturais
1.100 escravos
12.060 gentios
Vinte a cinco anos depois o número de habitantes da cidade não teria
crescido significativamente. Para mais dados sobre a população de Macau
neste período, ver Ana Maria Amaro, Das cabanas de palha às torres de
betão, Lisboa, ISCSP, 1998, pp. 140/141.
(2) A mesma Notícia refere, em 1773 existiam “20 Chinas mercadores q.
poderão ter maes de 150.000 taeis cada hum” quando “apenas 3
Portuguezes Simão Vicente Roza, António Jozé da Costa e Manuel Pereira da
Fonseca possuem maes de 150.000”.
(3) Sinal dos tempos, foi originalíssima a nomeação de D. Frei Manuel de
S. Gualdino para bispo de Macau. Homem inteligente, bom orador, franciscano, era padre no convento de Mafra quando, em 1802, o príncipe regente
D. João o ouviu na homilia da missa. Entusiasmado com o poder das palavras de Frei Manuel, o príncipe foi cumprimentá-lo quando ele descia do púlpito. De imediato, o padre disse a D. João: “Agradeço a mão de Vossa Alteza
mas muito gostaria que a mão do meu Príncipe me ajudasse a subir e não a
descer.” Alguns dias mais tarde, a corte nomeou-o bispo de Cochim, mas
constatou-se depois que a diocese não estava vaga. Fizeram-no então bispo
de Tunquim mas constatou-se depois que esse bispado era objecto de negociações entre Portugal e a Santa Sé. Indicaram-no para bispo de Nanquim
mas constatou-se depois que era uma diocese quase sem cristãos, de difícil
missionação. Enviaram-no então para Macau, como bispo, onde chegou em
1803. Após menos de três anos à frente desta diocese, D. Frei Manuel de S.
Gualdino foi mandado para Goa onde viveu durante vinte e cinco anos, como
coadjutor e depois arcebispo de Goa e primaz do Oriente. Faleceu em Goa
em 1831. Ver Manuel Teixeira, Macau e a sua Diocese, vol. II, pp. 295-296 e
AHU, Macau, caixa 22, doc. 23.
(4) AHU, Macau, caixa 24, doc. 14.
(5) AHU, Macau, caixa 25, doc. 41. Para a consulta de elementos biográficos sobre estes dois bispos ver, Manuel Teixeira, Macau e a sua
Diocese, vol. II, Macau, Imprensa Nacional, 1940, vol. II, pp. 293 a 360. Sobre
Fr. Manuel de S. Gualdino, ver ainda Archivo Pittoresco, Lisboa, Typografia
de Castro e Irmão, 1867, vol. X, pp. 110 e sgs.
(6) Para mais detalhes sobre a história destas igrejas, ver António Graça
de Abreu, D. Frei Alexandre de Gouveia, Bispo de Pequim, Lisboa,
Universidade Católica, 2004, pp. 117 a 121.
(7) Arquivo Histórico Ultramarino, Padroado, Notícias das Missões da
China, 1781, maço I. Mas Joseph Dehergne no seu Répertoire des Jesuites
de Chine de 1552 à 1800, Roma, Institutum Historicum S.I., 1973, pag. 9, indica como localidade de nascimento a vila de Penela, Coimbra.
(8) AHU, Macau, caixa 10, doc. 1, carta do jesuíta Félix da Rocha ao
bispo de Macau, D. Alexandre Pedrosa Guimarães, em Pequim a 23 de
Março de 1776.
(9) AHU, Macau, caixa 11, doc. 12.
(10) Sobre He Shen ver António Graça de Abreu, D. Frei Alexandre…,
pp. 90 a 94 e 174 a 177.
213
(11) Em Outubro de 1775, José Bernardo de Almeida enviou ao bispo de
Macau, D. Alexandre Pedrosa Guimarães, uma relação que assinou com o
padre jesuíta José de Espinha, sobre os bens da igreja de Nantang. Está no
AHU, Macau, caixa 10, doc. 19. Ver António Graça de Abreu, “Os Bens dos
Últimos Jesuítas Portugueses em Pequim”, Actas do Congresso A
Companhia de Jesus e a Missionação no Oriente, Lisboa, Fundação Oriente,
1998.
(12) AHU, Macau, caixa 10, doc. 7.
(13) AHU, Macau, caixa 10, doc. 7.
(14) AHU, Macau, caixa 9, doc. 6
(15) Citado por A. Thomas, Histoire de la Mission de Pekin, Vol. I, Paris,
Louis-Michaud Ed., 1923, pag. 449.
(16) AHU, Cartografia, Macau, gaveta 758.
(17) Cit. por Austin Coates, Macao and the British, Hong Kong, Oxford
University Press, 1988, pag. 78.
(18) AHU, Macau, caixa 19, doc. 36.
(19) E.H. Pritchard, “Letters from Missionaries at Peking” em T’oung Pao,
Leiden, II série, nº. 31, 1934, pag. 10. A carta tem a data de 7 de Maio de
1793.
(20) E. H. Pritchard, ob. cit., pp. 20-21
(21) Crammer-Byng, “Lord Macartney Embassy to Peking”, em Journal of
Oriental Studies, vol. IV, Hong Kong, University of Hong Kong Press, 1957,
pag. 173.
(22) A carta era de tal modo ofensiva para o monarca inglês que as primeiras traduções do documento, feitas pelos sinólogos que acompanharam
Lorde Macartney, atenuaram o tom e distorceram o conteúdo do texto, evitando-se assim magoar o rei Jorge III. Existem, por isso, várias versões desta
carta. Utilizo aqui a tradução apresentada por Albertino dos Santos Matias,
em China, de Confúcio a Mao Tsé-Tung, Mem Martins, Pub. Europa América,
1967, pag. 269, que segue o texto padrão apresentado por Arnold Toynbee,
em A Study of History.
(23) AHU, manuscritos, maços José de Torres, nº. 540, livro V.
(24) Lo Shu-fu, A Documentary Chronicle of Sino-Western Relations,
Tucson, University of Arizona, 1966, vol. I, pag. 344, e o comentário no vol. II,
pag. 539.
(25) John Barrow, Travels in China, Londres, Cadell & Davis, 1804, pp.
19-20.
(26) Ver, por exemplo, Montalto de Jesus, Macau Histórico, Macau,
Livros do Oriente, 1990, pag. 156, e Austin Coates, ob. cit. pag. 94.
(27) Para uma visão de conjunto da embaixada inglesa e da subsequente acção dos nossos missionários, ver António Graça de Abreu, O Insucesso
de Macartney e os Padres Portugueses, revista Macau, nº. 67, Novembro de
1997, pp. 124-131.
(28) Pfister, L., Notices biografiques e bibliografiques sur les Jésuites de
l´ancienne Mission de Chine, II volume, Shanghai, Imprimerie de la Mission
Catholique, 1932, pag. 887.
(29) Malatesta, Edward e Gao Zhiyu, Zhalan, the Oldest Christian
Cemetery in Beijing, Macau, ICM, 1995.
214
Bibliografia
Documentação manuscrita
Arquivo Histórico Ultramarino, Macau, caixas 6,10, 11, 22, 24, 25.
Arquivo Histórico Ultramarino, Padroado, Notícias das Missões da China,
1781, maço I.
Arquivo Histórico Ultramarino, Cartografia, Macau, gaveta 758.
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chapas Sínicas, caixa 02/R. 06,
nº. 704 e nº. 731.
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo das Congregações,
nº. 502, pp. 12-54.
Obras impressas
- A. Thomas, Histoire de la Mission de Pekin, Vol. I, Paris, Louis-Michaud,
Ed., 1923, pag. 449.
- Abreu, António Graça de, D. Frei Alexandre de Gouveia, Bispo de
Pequim, Lisboa, Universidade Católica, 2004
“Alexandre de Gouveia, Bispo de Pequim”, in História, nº. 152, Lisboa,
1993.
“Portugueses em Pequim”, in Portugália Magazine, nº. 17, 1993.
“Macao, Miguel de Arriaga and the Chinese: a Note on the failed British
occupation of Macao in 1808”, in Dabringhaus, Sabine e Ptak, Roderich,
(eds.) China and her Neighbours, Wiesbaden, Harrowssovitz, 1997, pp. 183-199.
“O insucesso de Macartney e os Padres Portugueses “in Macau, II série,
nº. 67, Macau, 1997.
“Os Bens dos Últimos Jesuítas Portugueses em Pequim”, Actas do
Congresso A Companhia de Jesus e a Missionação no Oriente, Lisboa,
Fundação Oriente, 1998.
- Amaro, Ana Maria, Das cabanas de palha às torres de betão, Lisboa,
ISCSP, 1998
- Archivo Pittoresco, Lisboa, Typografia de Castro e Irmão, 1867, vol. X
- Barrow, John, Travels in China, Londres, Cadell & Davis, 1804.
- Coates, Austin, Macao and the British, Hong Kong, Oxford University
Press, 1988.
- Crammer-Byng, “Lord Macartney Embassy to Peking”, em Journal of
Oriental Studies, vol. IV, Hong Kong, University of Hong Kong Press, 1957.
- E.H. Pritchard, “Letters from Missionaries at Peking” em T’oung Pao,
Leiden, II série, nº. 31, 1934.
- Lo Shu-fu, A Documentary Chronicle of Sino-Western Relations, Tucson,
University of Arizona, 1966; Arquivo Histórico Ultramarino, Maços José de
Torres, nº. 540.
- Malatesta, Edward e Gao Zhiyu, Zhalan, the Oldest Christian Cemetery
in Beijing, Macau, ICM, 1995.
- Matias, Albertino dos Santos, China, de Confúcio a Mao Tsé-Tung,
- Montalto de Jesus, Macau Histórico, Macau, Livros do Oriente, 1990
- Teixeira, Manuel, Macau e a sua Diocese, Vol. II, Macau, Imprensa
Nacional, 1940.
215
GARY M.C. NGAI
Fundação Sino-Latina de Macau
O papel de Macau como ‘ponte’
no desenvolvimento dos laços sino-latinos
1. A identidade de Macau
como parte do Mundo Latino
Na História chinesa, Macau, um enclave de pescadores,
minúsculo, de apenas 2.5 km2 1 na Costa Ocidental do Rio
das Pérolas, só foi conhecida para o Mundo depois que os
Portugueses aqui se estabeleceram no século XVI. O
Império do Meio fechou ainda mais as suas portas às
relações externas. Os Portugueses tiraram proveito do seu
estabelecimento em Macau durante as suas descobertas e
expansão para o Oriente, tornaram isto num importante centro de comércio da Rota da Seda Marítima, nos séculos XVI
e XVII, unindo Macau à Coreia e Japão, no Norte, ao México
e continente americano através de Manila, no Oriente, ao
Sião, Camboja, Malaca, Macassar, Flores, Solor e Timor, no
Sul, e, através de Goa, com a África e Europa, e da Europa
para a costa oriental da América Central e do Sul, inclusive
o Brasil. Foi através de todas estas ligações, que um comércio marítimo global começou a ganhar forma, o primeiro
passo da globalização. Os navegantes chineses e comerciantes daquele período testemunharam como o Português
e, posteriormente, o Espanhol, se tornou a língua franca
(idioma comum) utilizada nas trocas comerciais com o exterior. A seda chinesa, o chá e a porcelana tornaram-se muito
procuradas e mercadorias lucrativas no comércio mundial,
com um volume de comércio muito maior do que durante a
Rota da Seda Terrestre medieval.
Quando a Dinastia Ming foi substituída pela Qing no
século XVII, o estabelecimento de estrangeiros foi restringido a Cantão. Macau tornou-se, assim, o local de residência
dos comerciantes europeus, antes de irem ou virem de
Cantão. Os navios estrangeiros tinham de ser examinados
pelas autoridades alfandegárias chinesas, em Macau, antes
de se lhes permitir navegar para Cantão. Por isso, nos finais
217
do século XVIII e começos do século XIX, muito antes do
estabelecimento de Hong Kong, Macau tinha uma comunidade europeia significativa, com os seus consulados bem
estabelecidos neste pequeno território, como foi descrito
pelo escritor britânico Austin Coates: “Macau tornou-se o
posto avançado de toda a Europa, na China”2.
Resumindo, os primeiros três séculos da existência de
Macau como um importante entreposto de comércio, podemos considerar que as relações China-Europa através de
Macau eram baseadas no respeito e benefícios mútuos,
diferente do período depois da Guerra de Ópio, em 1840,
quando foram abertas, pela força, as “portas” do Império do
Meio aos poderes ocidentais. O aumento do comércio
desde o século XVI provocou uma difusão e uma intensiva
troca cultural entre o Oriente e o Ocidente.
Logo após a fundação de Macau, a Igreja estabeleceu-se aqui e Macau tornou-se o centro da primeira Diocese da
Igreja Católica na Ásia Oriental, em 1575. Em 1594, o
Colégio de S. Paulo, a primeira universidade de estilo ocidental no distante Extremo-Oriente, foi estabelecida em
Macau, para treinar os Jesuítas na língua, cultura e costumes chineses, antes de começarem o seu trabalho de missionários no interior da China. Os Jesuítas que vieram de
diferentes nações europeias, especialmente da Europa
Latina, como Matteo Ricci, Nicolaus Trigault, Tomás Pereira
e outros, tornaram-se a primeira geração de excelentes
sinólogos. Os Jesuítas, juntamente com os seus homólogos
chineses, como Xu Guangqi, Li Zichao, Mei Wenting e
outros, treinados em idiomas latinos, originaram uma troca
de culturas, traduzindo e introduzindo a matemática ocidental, astronomia, física, arquitectura, medicina, armamento,
arte de imprimir, música, belas-artes, entre outras coisas, no
Oriente, e dando a conhecer a filosofia chinesa, literatura,
medicina, chá, porcelana, laca, arquitectura e pintura, no
Ocidente.
Este significativo intercâmbio cultural foi um dos maiores
contributos de Macau para a História Mundial. Isto tornou-se possível devido ao respeito e tolerância mútuos. As ruínas e a fachada da Catedral de S. Paulo, com os seus elementos ocidentais e orientais, são um símbolo da identidade cultural de Macau. A identidade multicultural envolve a
coexistência, interacção e mistura do Oriente e Ocidente,
tais como os costumes, a arquitectura, a literatura, a pintura, a música e a gastronomia.
A mistura cultural resultou na criação de uma comunida218
de híbrida, o Eurasiático Macaense3, bastante diferente dos
Chineses e dos Portugueses. Tal como uma comunidade
híbrida nunca fez nascer um processo paralelo de interacção cultural com a vizinha Hong Kong. Esta comunidade
Macaense, com características culturais bilingues ou multilingues, teve um papel importante na história de Macau. Os
Macaense são os que têm feito a “ponte” cultural entre
Portugueses e Chineses. De facto, o estabelecimento de
Hong Kong, nos primeiros tempos, teve que confiar na ajuda
e perícia dos Macaenses. Os Macaenses, os chamados “filhos da terra” (os nativos do lugar), têm o mais profundo sentimento de pertença, entre a população local. Embora uma
forte diáspora se tivesse dado entre 1949 e 1966, eles ainda
se sentem ligados ao seu lugar de origem, como amplamente expresso durante os recentes 4 “Encontros”, reunindo
aqueles que já deixaram Macau, tendo-se instalado no
Brasil, Portugal, Canadá, EUA e Austrália.
Para os Chineses, Macau foi um trampolim para o exterior e, assim, tornou-se uma cidade de emigrantes. Os primeiros colonos foram os navegadores e pescadores de
Fujian, que trouxeram com eles a sua cultura e Á-Ma, a
deusa dos navegadores, que os protegia no caminho para
Nan Yang (Ásia do Sudeste), onde eles se estabeleceram e
trouxeram com eles a Cultura Nan Yang – a cultura chinesa
ultramarina, que absorveu alguns elementos nativos e ocidentais. A maioria dos residentes chineses mais velhos, de
Macau, têm os parentes no estrangeiro. A diáspora tornou-se mais forte durante o nefasto comércio dos “cules”, no
século XIX, a página mais negra na história de Macau, no
qual os camponeses pobres das regiões mais próximas,
eram vendidos como animais para as terras virgens, tais
como Cuba, Peru e outros lugares, no continente americano. Muitos registos históricos mostram que muitos
Chineses, durante aquele período, imigraram via Macau e
Europa, para o Brasil.
Macau tornou-se um abrigo para os refugiados durante
o Segunda Guerra Mundial, quando áreas vizinhas, inclusive Hong Kong, foram ocupadas pelos Japoneses. Depois
da Guerra, Macau tornou-se um lugar de paragem temporária para os Chineses Ultramarinos repatriados, apavorados pelos tumultos sociais no Sul da Ásia Oriental e em África4. Este afluxo de emigrantes deu à comunidade chinesa
local um forte carácter de mobilidade, uma mentalidade
diferente centrada quer num “olhar para o interior” (ligada
ao seu lugar de origem, na China), quer num “olhar para o
219
exterior” (ligada ao seu estabelecimento ultramarino).
A mistura cultural através de Macau, nos primeiros tempos, teve um grande impacto social no Oriente e no
Ocidente. Por um lado, contribuiu para uma maior compreensão da Europa acerca do Oriente. Por outro lado, muitos pensadores influentes chineses, reformadores e revolucionários, nos séculos XIX e XX, tiveram acesso à aprendizagem ocidental, ou mesmo em Macau ou na China através
de Macau, nos primeiros anos da sua vida, provocando
grandes mudanças sociais e políticas na China moderna.
Durante a Primeira e Segunda Guerra Mundiais, Macau
permaneceu neutral. Depois da Revolução de 1949, na
China, até mesmo em períodos em que a China estava bloqueada, Macau permaneceu uma “janela aberta” para o
Ocidente, com um fluxo livre de imigrantes, capital e comércio. Isto é bastante positivo para Macau, no aspecto em que
muitas das velhas tradições de chinesas e costumes, e
alguma da velha herança cultural chinesa que foi destruída
no interior da China, devido à guerras civis e motins sociais
contínuos, ainda permanece intacta e bem preservada em
Macau. Os velhos templos e santuários do Taoísmo,
Budismo e Confucionismo, assim como as igrejas católicas
e protestantes, monumentos, cemitérios, etc., permanecem
intactos, proporcionando uma base sólida para Macau
entrar na herança mundial da Unesco.
A comunidade chinesa em Macau, distinta da de Hong
Kong, tem uma longa história de contactos com o Ocidente,
com a qual a cultura chinesa teve que coexistir, interagir,
colidir e misturar-se. Este processo de coexistência e interacção parece ter produzido resultados diferentes, comparando com Hong Kong e outras cidades na China. Neste
pequeno território, não havia condições para os Europeus
assimilarem a milenar civilização chinesa, nem para os
Chineses rejeitarem a cultura ocidental, com a sua superioridade na ciência e tecnologia. Os dois lados viveram em
harmonia a maior parte do tempo, aprendendo uns com os
outros e evitando muitos confrontos violentos e conflitos. O
alto grau de tolerância dentro das culturas chinesa e latina
contribuiu muito para este equilíbrio.
Como resultado, a liberdade religiosa em Macau foi bem
preservada. Catolicismo, Protestantismo, Budismo,
Taoísmo, Islão e a religião Bahai têm vivido lado a lado
durante séculos, com os seus próprios rituais e convicções,
sem conflitos nem derramamento de sangue. Isto faz
Macau notavelmente diferente do interior da China, Japão,
220
Filipinas, Indonésia, Irlanda, Médio Oriente, Balcãs e muitos
mais territórios onde os conflitos religiosos não puderam ser
evitados. Tornou-se um fenómeno único em Macau, quando
o Bispo ou padres e os monges budistas aparecem juntos,
nas principais cerimónias da nossa comunidade local,
dando a sua bênção nos principais eventos, segundo a tradição de cada um deles. Tal tolerância religiosa é certamente escassa no mundo moderno.
A adaptação do sistema político e legal ocidental à
comunidade chinesa local, no século XX, especialmente
depois da revolução portuguesa, em 19745, é outra experiência importante, especialmente para os imigrantes do
interior da China, que são mais de metade da comunidade
chinesa local. É bastante óbvio que muitos valores ocidentais foram aceites pelos Chineses, especialmente por aqueles com uma melhor educação. A percentagem crescente
de eleitores chineses, durante as eleições locais, e o crescente interesse dos chineses locais, especialmente a
geração mais jovem, no sentido de defender as liberdades
existentes e a lei, é um exemplo notável, no sentido positivo.
Através da breve exposição anterior da coexistência
entre as comunidades e culturas orientais e ocidentais, em
Macau, ao longo da história, podemos ver facilmente que o
eixo disto é Chinês e Português, ou Sino-latino, cercado por
outras comunidades e raças do Oriente e do Sudeste
Asiático, como também pequenos agrupamentos de pessoas originárias de outros países na Europa, África e
América. Macau tem, realmente, uma sociedade multirracial
e multicultural, um “melting-pot” do Oriente e do Ocidente.
Esta interacção e mistura é baseada na tolerância e respeito mútuos, implicando mais harmonia que conflito, mais
equilíbrio que confrontos, mais reconciliação que alienação,
e mantendo uma estabilidade na pluralidade. Isto pode ser
chamado o “modelo de Macau”6, diferente do modelo de Hong
Kong que é anglo-saxão, com mais conflitos e confrontos.
Os líderes chineses a partir dos imperadores Ming até
Mao Zedong, Zhou Enlai, Deng Xiaoping e Jiang Zemin,
todos souberam, e sabem, como preservar esta identidade
para benefício da China, e Deng era bastante inteligente
para chamar a isto a fórmula “um país dois sistemas”, uma
“ferramenta” ou uma “ponte” a unir a China com o resto do
mundo. O sucesso da implementação próspera e eficiente
actuação do segundo sistema são uma condição importante na preservação da identidade de Macau e habilita Macau
para continuar a fazer o papel de uma “ponte”, depois que
221
se tornou uma Região Administrativa Especial da República
Popular da China, desde 20 de Dezembro de 1999.
2. Macau - uma “ponte” ideal para ligações mais
fortes da China com o Mundo Latino
Uma das prioridades, depois da transferência de soberania, é conduzir em profundidade uma pesquisa interdisciplinar sistemática, com ênfase em ciências humanas, para
alcançar uma definição científica e claro entendimento da
identidade de Macau e do modelo de Macau, para adquirir
um conhecimento mais profundo acerca da interacção
entre Chineses e culturas latinas. O intercâmbio entre académicos do Oriente e do Ocidente neste aspecto, através
de simpósios e seminários, deveria ser promovido. Os resultados destes estudos poderiam ser de uma contribuição
positiva para o mundo, em termos de promover a harmonia,
o respeito mútuo, a tolerância mútua, assim como a aprendizagem mútua em pé de igualdade, especialmente nesta
altura, em que o mundo ainda é sacudido por guerras,
violência e ódio, depois dos acontecimentos do 11 de
Setembro.
A língua portuguesa deveria ser mantida e aperfeiçoada, como uma língua oficial, tal como está estipulado na
Declaração Conjunta e na Lei Básica de Macau, e como um
meio para comunicar com as comunidades de língua portuguesa e latinas do mundo. É indispensável manter a cultura
política e juridica de Macau, da mesma maneira que o
inglês é necessário em Hong Kong para manter a lei, que é
a base da fórmula “um país dois sistemas”. Embora, depois
da transferência de soberania, o Português fosse substituído automaticamente da sua anterior posição de principal
língua oficial para uma posição secundária, não há maneira
de reduzir e abolir o seu uso, pois muitos documentos
legais ainda são escritos em Português, embora alguns
deles sejam traduzidos para Chinês. Ainda há uma grande
necessidade de manter a natureza bilingue, no presente
sistema administrativo e judicial. Também há uma grande
necessidade de encorajar as pessoas a aprenderem e melhorarem o seu conhecimento do Português7, utilizando e
melhorando as instituições locais existentes, como também
transformando Macau num centro de treino regional de línguas, ensinar o Português a estudantes da China e do resto
da região da Ásia-Pacífico8.
222
Diferente de Hong Kong e outras cidades chinesas,
Macau, com a sua forte identidade latina e a sua longa tradição de ligações com o Mundo Latino, pode ter um papel
específico, como “ponte” entre a comunidade que fala
Português e a comunidade latina, do Mundo. Do lado da
China, há uma vontade de fortalecer e alargar o papel de
Macau como uma segunda “ponte”, próxima de Hong
Kong, para países e regiões que pertencem à comunidade
de língua latina, já que Macau tem um idioma comum, lei e
cultura, que poderiam facilitar a comunicação com esta
categoria de países e regiões em 3 continentes – a Europa,
a América e África, o que engloba 1/6 da população mundial. De facto, Macau é o único lugar na China, próximo de
Timor-Leste, na região Ásia-Pacífico, que tem um idioma
latino (Português) como idioma oficial. A ex-Indochina
Francesa e as Filipinas (ex-espanholas) são muito mais fracas no aspecto cultural, quando comparadas com Macau.
Está completamente de acordo com a estratégia multipolar
internacional da China aumentar os seus laços com a
Europa e o resto do mundo que fala línguas latinas9, para
alcançar um equilíbrio com os Estados Unidos da America
e o mundo Anglo-Saxão. Laços mais fortes entre a União
Europeia, China e Mercosul, poderiam mudar o equilíbrio de
forças mundial, em favor de um comércio mais equilibrado
e mais forte, como meio de salvaguardar a paz mundial. Isto
é, onde Macau pudesse desempenhar um modesto, mas
sempre crescente, papel de intermediário.
Macau teria vantagens se usasse os acordos e instituições existentes, para ampliar as suas relações externas.
Por exemplo, o Acordo de Comércio e Cooperação da
União Europeia com Macau, assinado em 1992 e continuando para além de 1999, é um acordo multifacetado cobrindo
o investimento, comércio, informação, ciência e tecnologia,
finanças, telecomunicações, estatísticas, seminários e educação, etc., um instrumento importante no desenvolvimento
das relações da União Europeia-Macau e desenvolvendo o
papel de intermediário de Macau com a Europa, especialmente a Europa do Sul e a China. A Conferência Eureka
sobre Alta Tecnologia, promovida em Macau, entre a China
e a Europa, presidida por ministros dos dois lados, antes da
transferência de soberania, está a ter continuidade depois
do “handover”. Os pequenos e e médios empresários da
Europa, com forte participação de Portugal, Espanha e
Itália, têm usado Macau como um lugar ideal para encontros com os seus homólogos do continente chinês, para tro223
carem experiências e promoverem os negócios.
As ligações comerciais de Macau existentes, com mais
de 100 países e regiões, e a participação de Macau em 120
organizações e acordos internacionais e regionais (incluindo o WTO), são também importantes como uma base para
um maior desenvolvimento das ligações externas de
Macau.
Sob uma forte recomendação e participação de Beijing,
o primeiro passo importante foi dado depois da transferência de soberania, quando Macau foi anfitrião da primeira
reunião oficial de negócios entre a RPC e os sete países
lusófonos, em Outubro de 2003, a ser seguida por conferências mais regulares deste tipo no futuro, usando Macau
como uma plataforma de serviços, promovendo o comércio
e o investimento entre estes dois grandes mercados do
mundo, com enormes potencialidades ainda inexploradas.
O Brasil é o maior parceiro comercial da China na América
Latina, e a China é a segunda parceira comercial do Brasil,
próxima dos EUA. Em 1999, o Brasil e a China lançaram em
conjunto um satélite de terra, dando um exemplo positivo de
cooperação de alta tecnologia, entre países em desenvolvimento. Os dois países estão a explorar a possibilidade de
estabelecerem um acordo de livre trânsito comercial, que
poderia ser estendido a todos os países do Mercosul, no
futuro. O estatuto de porto franco de Macau poderia ser
usado como um facilitador.
As relações da China com a América Latina, hoje em
dia, são ainda pouco desenvolvidas, devido à distância, à
barreira do idioma e à falta de compreensão mútua. Mas
com o rápido progresso da informação tecnológica, a
distância já não é um obstáculo. A distância podia ser
encurtada, a separação podia ser diminuída, ou por contactos directos proporcionados pelo moderno IT, ou indirectamente, através das ligações tradicionais com a Europa,
especialmente Portugal e Espanha. Também se podia tirar
proveito da ligação Sul-Sul, para aumentar os contactos
com a América do Sul, usando a Austrália como um trampolim. Aqui, é onde Macau podia ser um “mediador”, fornecendo boa qualidade de serviços em educação, traduções
e consultores em orientação geral, leis e negócios.
Timor-Leste é o território vizinho, mais próximo da China,
que fala Português na região, o que dá a Macau a vantagem
de “canal” na ajuda prestada pela China, para a reconstrução do país livre da guerra, em cooperação íntima com
Portugal, Brasil e Austrália. Actividades mais regionais e
224
internacionais em pesquisa, ensino e conferências podiam
ser realizadas usando Macau como um centro. Macau possui capacidade para fazer isso, já que a florescente indústria do jogo, que é a principal fonte das suas receitas, pode
ajudar a financiar os custos10.
A Universidade de Macau e outras instituições de serviços, públicas e privadas, inclusive o IPOR (Instituto
Português do Oriente), IIM (Instituto Internacional de
Macau), IEEM (Instituto de Estudos Europeus Macau), MSLF
(Fundação Sino-Latina de Macau), etc., estão a continuar os
seus esforços na pesquisa, educação e conduzindo actividades específicas próprias, para promover o papel de
“ponte” de Macau. Esta conferência, em Macau, patrocinada pela Fundação Cassamarca, é o resultado dos nossos
esforços contínuos. Mas como dizem os Chineses: “este é
apenas o primeiro passo na nossa longa marcha de 10.000
milhas”.
A vasta rede humana ultramarina, resultante da diáspora de Chineses e Macaenses de Macau, durante os dois
últimos séculos, poderia ser utilizada para construir a
“ponte”. Mais de 100,000 residentes de Macau, inclusive
Chineses e Macaenses, são detentores de passaporte português, com direito de domicílio na União Europeia e com
fácil acesso aos outros países do Mundo Latino. Isto é uma
grande possibilidade ainda inexplorada.
3. Conclusão
Em resumo, a preservação e desenvolvimento da identidade cultural de Macau, especialmente a sua latinidade,
não só são cruciais para a implementação da fórmula “um
país dois sistemas”, mas também é importante manter e fortalecer os seus laços com o vasto Mundo Latino, fazendo o
papel de intermediário para trazer as duas grandes civilizações do mundo – Chinesa e Latina – para mais perto uma
da outra. Um lugar minúsculo como Macau pode ter um
grande papel, se isto for colocado nas mãos de pessoas
com visão e determinação. Para isso, precisamos de apoio
não só da comunidade local, mas também das pessoas e
líderes da China, Europa e o resto do Mundo Latino, com o
objectivo de melhorar e promover este papel. Macau sobreviveu durante mais de 4 séculos, enfrentando muitas tem225
pestades e furacões, com a flexibilidade de um bambu que
não quebraria facilmente. Com esta flexibilidade e tolerância, nós esperamos sobreviver e desenvolver, transformar
os nossos sonhos em realidade, transformar o pedaço de
diamante em bruto numa resplandecente jóia do Oriente,
embora possa ser um emprendimento para várias
gerações.
Quando há uma vontade, há um caminho.
Notas
(1) Macau começou com uma península minúscula de apenas 2,5 km2
no século XVI, aumentado com as duas ilhas Taipa e Coloane no século XIX,
alcançando hoje em dia os 25 km2, depois dos aterros feitos no século XX.
Hong Kong é 50 vezes maior que Macau.
(2) Geoffrey C. Gunn: Ao Encontro de Macau, p. 28.
(3) Quando os Portugueses se instalaram em Macau, eles não trouxeram
as suas mulheres, só escravas da África, Índia e Malaca, que eles encontraram ao longo da rota para o Oriente. A primeira geração de Macaenses era
descendente destes casamentos, seguidos de outros com Japonesas e, só
mais tarde, com Chinesas. Tradicionalmente, a maioria dos Macaenses tinha
um nome português, logo que fosse baptizado na Igreja Católica, recebesse
uma educação portuguesa do lado do pai, mas falando o Chinês como sua
língua materna e adoptando muitos costumes chineses. O seu idioma chamado Pátua, adoptou muitas palavras malaias, indianas, africanas e do
Cantonense, e tem uma gramática diferente quando comparada com o
Português, no qual se baseia. Durante as últimas décadas, um número crescente de homens chineses locais casou-se com mulheres portuguesas.
(4) Há cerca de 40.000 chineses ultramarinos em Macau, sendo um
décimo da população local. Eles são originários da Indochina, Birmânia,
Indonésia, Moçambique, Madagáscar, Peru e outras regiões, onde revoluções e motins anti-chineses os forçaram a deixar esses países. Ainda
mantêm ligações com esses países e muitos ainda têm passaportes do seu
país de origem. A 2.ª ou 3ª geração emigrou novamente para os Estados
Unidos da América, Canadá, Austrália ou Europa.
(5) A revolução portuguesa, em 1974, começou o processo de descolonização pelo qual Macau cessou de ser uma província ultramarina de
Portugal, e passou a ser um “território chinês sob administração portuguesa”
226
A mini-constituição, a Lei Orgânica de Macau, foi adoptada para dar aos residentes locais, primeiro os Macaenses e, mais tarde, os Chineses, o direito de
voto para eleger a maioria de delegados à Assembleia Legislativa local.
Também estabeleceu normas para os direitos humanos, como foi registado
na nova Constituição Portuguesa para Macau. Durante a elaboração da Lei
Básica de Macau, nos princípios de 1990, as Convenções em Direitos
Económicos, Sociais e Culturais, e as Convenções em Direitos Civis e
Políticos, das Nações Unidas, e as medidas laborais mais importantes estabelecidas nas convenções ILO (Organização Internacional de Trabalho),
foram adoptadas no artigo 40 da Lei Básica de Macau.
(6) O “Modelo de Macau” foi elaborado pelo Professor K.C. Fok na sua
tese, apresentada na Universidade de Hawai, em 1978, intitulada “A Fórmula
de Macau”, traduzida e publicada em Português pela Gradiva, em Lisboa,
nos anos noventa. Na terminologia chinesa, podemos chamar a Macau a primeira “Zona Económica e Cultural Especial da China”, aberta ao Ocidente
desde o século XVI.
(7) Devido à falta da promoção do ensino do Português aos Chineses
locais pelo anterior Governo, menos de 3% entre a população local sabe falar
o Português e estão concentrados nos Serviços Públicos. Não importa quão
pequena é a percentagem, mas é mesmo assim uma grande vantagem para
Macau e para a China.
(8) A Universidade de Macau está a arranjar instalações para treinar as
pessoas da China, Japão, Coreia, Taiwan, Malásia, Indonésia, Índia etc., para
melhorarem os seus conhecimentos de Português.
(9) Devido à barreira da língua e outros factores, o comércio e investimentos da China com países que falam línguas latinas, permanecem num
baixo nível de c. 8% e 2% do seu comércio com o exterior e investimentos no
estrangeiro, admitindo um vasto espaço para aperfeiçoamento.
(10) A Indústria do Jogo de Macau, com uma história de mais de 100
anos, representando cerca de 70% das rendas públicas, terminou com o
monopólio em 2002, dividindo-se por 3 proprietários de licenças de jogo, que
prometeram injectar biliões de novos investimentos para transformar Macau,
gradualmente, num centro regional de entretenimento familiar e convenções
internacionais, uma “Las Vegas do Oriente”, assegurando bastantes fundos
para desenvolver actividades culturais e sociais, como foi estipulado nos
contratos de jogo.
Bibliografia
Gary Ngai, “Social and Cultural Pluralism in Macau - Its Impact on the
Transitional Period”, in Administração, nº. 10, Macau, Dec. 1990, pp. 715-724.
Gary Ngai, “Relations between East and West seen from Macau”, in
Administração, nº. 15, Macau, May 1992, pp. 155-178.
Gary Ngai, “On Bilingualism in the Administration”, in Administração,
nº. 23, Macau, May 1994, pp. 97-102.
Gary Ngai, “Macau - A Special Bridge between China and the Latin
World”, in Administração, nº. 32, Macau, June 1996, pp. 339-348.
Gary Ngai, “Macau’s Cultural Identity - Its Preservation and Development
Before and After 1999”, in Administração, nº. 35, Macau, March 1997,
pp. 61-76.
227
PILAR GONZÁLEZ ESPAÑA
Universidad Autónoma de Madrid
El poema coto de ciervos.
Puntos de debate
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229
1. El poema y sus traducciones:
Vocabulario y alusiones
(lu):
1) Ciervo
(zhai)1: 1) Empalizada; atrincheramiento;
población amurallada
2) Coto; parque
(kong): 1)
2)
3)
4)
5)
Vacío; hueco; sin consistencia
Vano; ficticio; irreal
Inútilmente
(bud.) Vaciedad de todas las cosas
Espacio. Cielo
(shan): 1) Monte; montaña; colina; collado.
2) Túmulo, montículo sobre una sepultura.
(jian)
1) Ver, percibir.
2) Percibir, comprender; conocer;
comprensión, penetración.
(ren):
1) Hombre; ser humano, género humano.
Los hombres.
2) Otro; los otros.
3) La gente; el mundo, todo el mundo.
4) Persona.
(dan):
1) Sólo; solamente; únicamente.
2) Pero; no obstante; sin embargo.
(wen):
1)
2)
3)
4)
(yu):
1) Hablar; palabra; lenguaje.
2) Lengua; idioma
3) Lenguaje de los animales;
canto de los pájaros.
(xiang): 1)
2)
3)
4)
5)
230
Oír, escuchar
Conocimientos adquiridos
Informar; hacer saber; dar a conocer.
Olfatear, sentir olor.
Sonido, son, ruido
Emitir un sonido; resonar, sonar.
Hacer eco. Eco.
Sonoro.
Producir un efecto. Influir.
(fan):
1) Devolver. Remitir.
2) Volver sobre sus pasos.
Regresar; dar vuelta.
3) Cambiar, permutar.
(jing):
1) Luz del sol; luz; brillante.
2) Espectáculo; vista; escena; paisaje.
3) = (yîng) Sombra.
(ru):
1)
2)
3)
4)
(shen): 1)
2)
3)
4)
5)
Entrar; penetrar; invadir
Desaparecer; Esconderse (el sol)
Alcanzar; llegar a...
(en tono quinto) Meterse, hundirse.
Profundo; hondo. Profundidad, hondura
Recóndito, profundo, abstruso.
Lejano, retirado, escondido.
Intenso, denso, oscuro.
Profundamente. Extremadamente.
(lin):
1) Bosque, selva, floresta, espesura,
arboleda, plantación de árboles.
2) Denso, apretado, numeroso, abundante.
(fu):
1) Volver, retornar. Restablecer, restaurar.
2) Renovar. Recomenzar. Reiterar. De nuevo
aún. Por segunda vez.
3) Dar vuelta.
4) Devolver, responder.
5) El hexagrama nº 24 del Yijing, que tiene
por título: La Renovación.
(zhao): 1)
2)
3)
4)
Luz solar. Iluminar; brillar.
Reflejar; reverberar.
Reproducir una imagen.
Confrontar.
(qing): 1) El primero de los cinco colores; el color de
la Naturaleza, del mar, de los montes lejanos (según los casos: verdoso; glauco;
verde oscuro; azul claro; azul marino; azulado; gris)
(tai):
1) Hepático (planta criptógama medicinal)
2) Musgo. Liquen.
231
(shang): 1) Alto; elevado. En lo alto. Arriba;
encima; sobre; en la superficie.
2) Subir; elevarse; escalar; montar en.
3) Ir hacia; llegar a; elevarse hasta.
Respecto a las alusiones:
El título del poema se refiere a un lugar concreto de la
casa de campo donde Wang Wei acostumbraba a retirarse
y en la que había un parque o un coto denominado Parque
de ciervos. Pero según ciertos traductores, podría tratarse
de una alusión al Parque de Ciervos donde Gautama Buda
predicó su primer sermón.2
En el tecer verso, los dos primeros caracteres fan jing
(«rayo que regresa»), pueden interpretarse como una alusión al sol poniente, no sólo por su sentido oculto (al caer la
tarde, el adepto medita y recibe la Iluminación) sino también
por el fervor de Wang Wei hacia el Buda Amida (el que rige
el punto del horizonte en el momento del sol poniente: punto
cardinal y luz relacionada con el Paraíso del oeste)3.
2. Traducciones del poema a lenguas occidentales
DEER-PARK HERMITAGE
There seems to be no one on the empty mountain...
And yet I think I hear a voice,
Where sunlight, entering a grove,
Shines back to me from the green moss.
(W. Bynner y Kiang K., 1929)4
LA FORÊT
Dans la montagne tout est solitaire,
entend de bien loin l´écho des voix humaines,
Le soleil qui pénètre au fond de la forêt
Reflète son éclat sur la mousse vert.
(G. Margouliès, 1948)5
DEEP IN THE MOUNTAIN WILDERNESS
Deep in the mountain wilderness
Where Nobody ever comes
Only once in a great while
Something like the sound of a far off voice
232
The low rays of the sun
Slip through the dark forest,
And gleam again on the shadowy moss.
(Kenneth Rexroth, 1956)6
(Sin título)
On the empty mountains no one can be seen,
But human voices are heard to resound.
The reflected sunlight pierces the deep forest
And falls again upon the mossy ground.
(James Y. Liu, 1962)7
DEER PARK
Hills empty, no one to be seen
We only hear voices echoedWith light coming back into the deep wood
The top of the green moss is lit again.
(G.W. Robinson, 1973)8
(Sin título)
On the lonely mountain
I meet no one,
I hear only the echo
of human voices.
At an angle the sun´s rays
enter the depths of the wood,
And shine
upon the green moss.
(C.J. Chen y M. Bullock, 1974)9
CLOS AUX CERFS
Montagne déserte. Personne n´est en vue.
Seuls, les échos des voix résonnent, au loin.
Ombres retournent dans la fôret profonde
Dernier éclat de la mousse, vert.
(F. Cheng, 1977)10
(Sin título)
Empty mountains:
No one to be seen.
Yet -hearhuman sounds and echoes.
Returning sunlight
enters the dark woods;
Again shining
on the green moss, above.
(Gary Snyder, 1978)11
233
DEER FENCE
Empty hills, no one in sight,
Only the sound of someone talking;
Late sunlight enters the deep wood,
Shining over the green moss again.
(Burton Watson, 1984)12
EN LA ERMITA DEL PARQUE DE LOS VENADOS
No se ve gente en este monte,
sólo se oyen, lejos, voces.
Bosque profundo. Luz poniente:
alumbra el musgo y, verde, asciende.
(Octavio Paz, 1984)13
(Sin título)
Dans la montagne vide l´homme est invisible,
Où la voix seule vient en échos.
Les sombres du couchant s´inversent dans la fôret Sur la mousse renaît la lumière...
(P. Carré, 1989)14
LE PARC AUX CERFS
Personne dans ces montagnes désertes,
Seul, on entend l´ écho de voix humaines,
Les reflets du soleil couchant pénètrent la forêt profonde.
Et à nouveau éclairent la mousse verte
(Drivod y Chang, 1990)15
L´ENCLOS DES CERFS
la montagne est vide, on ne voit personne
on entend seulement l´ écho de voix d´hommes
dans la forêt profonde un dernier rayon du couchant
illumine encore la mousse verte.
(Cheng W. y H. Collet, 1990)16
DEER ENCLOSURE
On the empty mountain, seeing no one,
Only hearing the echoes of someone´s voice;
Returning light enters the deep forest,
Again shining upon the green moss.
(R. Bodman y V. Mair,1994)17
(Sin título)
En la montaña desierta
no se ve ni sombra humana
pero se oyen los ecos
234
de lejanas voces.
Los rayos de sol regresan
al fondo de la espesura,
y se ilumina de nuevo
por doquier el verde musgo.
(I. Preciado Ydoeta, 1999)18
EL PARQUE DE LOS CIERVOS
En el monte vacío no se ve a nadie,
ya sólo se oye el eco de la voz.
El sol que regresa se adentra en la fronda
y en el musgo verde vuelve a refulgir.
(Anne-Hélène Suárez, 2000)19
A CERCA DOS VEADOS
Ninguém na montanha vazia,
apenas o eco de vozes, na distância.
O sol insinua-se pela floresta, ao entardecer,
e acaricia, ao de leve, o musgo verde
(Antonio Graça De Abreu)20
3. Traducción literal
COTO DE CIERVOS
montaña vacía no (se) ve (a) hombres
pero (se) oyen ecos (de) sonidos humanos
regresa (da) luz penetra (en el) bosque profundo
vuelve (a) iluminarse encima (el) musgo verde.21
4. Traducción poética
PARQUE DE CIERVOS
montaña vacía:
no se ve a nadie
sólo se oyen ecos
voces
luz de la tarde
que penetra en el bosque
se ilumina otra vez
el musgo verde.
235
Análisis del poema
Estructura
Respondiendo a la estructura típica del jueju, el poema
se divide en dos partes fundamentales. El primer dístico da
cuenta de las percepciones sensoriales (no ver, oír) de un
supuesto yo poético en un lugar determinado: una montaña
vacía. El segundo se caracteriza por la acción dinámica de
la luz del ocaso: penetra en la profundidad del bosque e ilumina un trozo de musgo. La unión entre ambos es de naturaleza ambigua, tanto desde un punto de vista espacial
como temporal; podría tratarse del mismo lugar y el mismo
instante o, incluso, un instante después, aunque no puede
precisarse con exactitud.
El primer verso describe el paisaje en su forma negativa, es decir, una montaña que está vacía, un lugar en donde
no se ve a nadie. En el segundo verso se añade cierta información: el lugar está vacío, no hay nadie, pero en él se
puede oír el eco de voces humanas:
montaña vacía:
no se ve a nadie
sólo se oyen ecos
voces
En esta información existe una contradicción esencial:
por un lado, la lejanía de la montaña, en la que se supone
se encuentra el yo poético y por el otro, la cercanía del
mundo, ya que no se encuentra tan lejos como para no oír
nada. Como se puede observar, este primer dístico describe las características del paisaje en su relación con el
mundo civilizado, es decir, la relación sensorial entre la
Naturaleza y la Sociedad. Se podría situar por lo tanto, en
un eje espacial horizontal.
En el segundo dístico:
luz de la tarde
que penetra en el bosque
se ilumina otra vez
el musgo verde.
236
la luz de la tarde vuelve y entra en lo más oscuro, en lo más
profundo. Se produce el giro (zhuan) del jueju, el momento
culminante en donde ocurre lo esencial. El poeta establece
aquí otro orden espacial: la mirada se dirige a través de una
línea más o menos vertical u oblicua, en un eje que conecta Cielo y Tierra.
El cuarto verso es la respuesta a esa entrada y penetración. Algo en sí mismo cotidiano y ordinario como la luz del
ocaso, se transforma en algo extraordinario porque ilumina
el musgo. Se produce el alumbramiento en un sentido también literal, es decir, el nacimiento repetido y cotidiano de un
verde nuevo del musgo. Iluminación que queda suspendida, como acostumbran los poemas de Wang Wei, en un
final abierto hacia «arriba» (shan).
Lugar y tiempo
El lugar del poema es un bosque profundo en una montaña vacía;22 paisaje que, por otro lado, se presenta a los
ojos del lector gradualmente (en un efecto de zoom) de
mayor a menor: primero la montaña, después el bosque,
por último el musgo.
El tiempo del poema es, según todos los indicios, el
ocaso, aunque no es posible determinarlo con precisión, ya
que se trata tan sólo de una luz que vuelve, que retorna. Si
se tiene en cuenta la tendencia del poeta hacia el budismo,
y la costumbre de sus adeptos de meditar en el ocaso,
parece lícito interpretarlo como el atardecer (hecho, por otra
parte, en el que casi todos los traductores coinciden):
The setting sun stands for many things in T´ang poetry: the passing of
time, the approach of death, the awareness that things are often most beautiful just before the moment of extinction. To turn back to Wang Wei for a
moment, we know that he like many man of the T´ang, was a worshiper of the
Budda Amida, and in a hymn he wrote he speaks of his desire to be reborn
in Amida´s Western Paradise. It has been suggested that the image of the
setting sun may, in Wang Wei´s poetry, be a symbol of devotion to Amida and
the Western Paradise, or be associated with the practice [...] of meditating,
on the sun as it goes down.23
En todo caso, si el bosque es profundo, la luz desaparece por la densidad y oscuridad de los árboles, y ello podría
ocurrir en cualquier momento. Lo importante es sin duda
que esa luz aparece tras de la oscuridad.
237
Esquema métrico24
O
O
O
O
O
O
O
O
/
/
/
/
O
O
O
O
O
O
O
O
O
O...(xiang)
O
O...(shang)
Desde un punto de vista tonal, la simetría es casi perfecta. Es relevante el paralelismo entre el primer y el cuarto
versos25:
O O / O O O
.................................
O O / O O O
La rima en ang, de gran abertura, se produce en los versos pares, pero en tonos oblicuos, por lo que a efectos
musicales, el poema se cierra con un cierto matiz triunfal.
Son dignas de mención ciertas aliteraciones (dieyun) en
sílabas de final nasal como shan, dan, fan // ren, wen, ren,
shen.
Aspectos gramaticales
a) Lo lleno y lo vacío.—
Tomando como base el poema en su lengua original o
su traducción literal, el resultado es el siguiente:
Primer verso:
Llenas:
a) muertas:
b) vivas:
montaña, hombres
1) estática: vacía
2) dinámica: no ver
Vacías: —
Segundo verso:
Llenas:
a) muertas:
b) vivas:
ecos, sonidos
1) estática: humanas
2) dinámica: oír
Vacías: pero
Tercer verso:
Llenas:
a) muertas:
b) vivas:
238
luz, bosque
1) estática: profundo
2) dinámica: regresa,
penetra
Vacías:—
Cuarto verso:
Llenas:
a) muertas:
b) vivas:
musgo
1) estática: verde
2) dinámica: volver,
iluminar
Vacías: encima.
Como se puede deducir de esta distribución, el poema
muestra una tendencia hacia los aspectos dinámicos del
lenguaje, en especial, se constata un cierto predominio verbal (incluyendo verbos de calidad o adjetivos). Esta afirmación resulta paradójica si se contrasta con una primera
impresión del poema, aparentemente estático y contemplativo. Todo ello no hace más que reforzar la tesis del equilibrio entre acción y contemplación (lleno/vacío), ideal siempre buscado por el artista chino.
El predominio verbal se encuentra compensado por una
fuerte carga abstracta en el plano semántico: lo vacío de la
montaña, lo concreto (los hombres) que no se ve, lo abstracto que se oye (el sonido, los ecos), lo que penetra en el
bosque (la luz etérea e intangible) e, incluso el musgo, relevante por el adjetivo verde que le antecede, es decir, por su
cualidad visual.
Por otro lado, la escasez de palabras vacías, apenas
dos en todo el poema (pero, encima), tiene como consecuencia una máxima ambigüedad semántica debido a las
numerosas elipsis pronominales y preposicionales.
La dimensión de vacío se manifiesta de forma más explícita a nivel semántico. El poema se inicia con el término
kong («vacío») que ha sido interpretado por muchos traductores como adjetivo («solitaria») del sustantivo montaña;
ahora bien, afirmar que la montaña es solitaria y, seguidamente, que no se ven hombres, es algo redundante que no
parece corresponderse con el estilo de Wang Wei, buen
economista del lenguaje. Por la prioritaria posición que
ocupa dentro del poema, kong ¿O debería considerarse
desde otra perspectiva menos literal y filológica.
Según la doctrina budista, el Vacío (sûnyatâ) es la esencia de todas las cosas. Se trata de un vacío que no es posi239
tivo ni negativo ya que engloba simultáneamente afirmación
y negación. Es por lo tanto un concepto paradójico que
alude a los aspectos ilusorios de la existencia (el mundo no
existe, el yo no existe, todo está vacío, todo es ilusión) y, al
propio tiempo, encarna una verdad esencial, universal e
inmediata. La captación (más intuitiva que cognoscitiva) de
esa oquedad que conforma a cada ser posibilita el estado
de la Iluminación, para el que también es necesario el vacío
de espíritu.
El taoísmo, sin diferenciarse radicalmente del budismo,
concibe el Vacío empero, desde una perspectiva más cosmológica. Según se ha visto anteriormente, el Tao como origen es una nada (wu ÎI°), es decir, un Vacío original:
Se sitúa antes de la creación del Cielo y de la Tierra y las imágenes convencionales que lo designan hablan de una mezcla silenciosa e inmutable,
una bruma infinita, un limo negro, mares turbulentos, un bosque... imágenes
todas ellas que representan el Caos (hundun) un conglomerado heterogéneo
y confuso que se puede percibir a través de una imagen sonora. Pero en esa
Nada Original hay un Haber virtual y potencial, invisible. Se trata pues de una
noción paradójica en la que no hay nada y sin embargo, hay algo, en su seno
posee una semilla26.
Teniendo en cuenta las influencias tanto del budismo
como del taoísmo en la obra de Wang Wei, el vacío con el
que se inicia el poema se podría interpretar bajo múltiples
perspectivas, de las que sobresalen dos principalmente:
1) Vacío como Nada creadora en la que todo está por
hacer y a partir de la cual, surge la existencia (del mundo o
del poema).
2) Vacío budista en el que nada puede hacerse, pues
expresa lo ilusorio de la realidad y lo indeterminado de
todas las cosas:
La montaña parece vacía (sin gente) porque no se ve a nadie. Pero se
oye a la gente, luego la montaña no está vacía. Sin embargo, la montaña está
vacía porque se trata de una ilusión27.
Para Marsha Wagner, la ambigüedad y aparente inconsistencia de este primer dístico debe entenderse como un
gong´an (japonés, koan)28, es decir, que estos versos, en un
plano trascendente (en sánscrito, paramârtha) manifiestan
una verdad esencial, y sin embargo, en un plano más inmediato y superficial (en sánscrito, smvarti) representan un
desafío a las leyes de la lógica y la coherencia lingüísticas29.
240
Eugene Eoyang habla incluso de una buscada trivialidad del poema:
To read the line[s] as indicating human presences capriciously hiding, or
merely not visible, would reduce the poem to bathetic triviality.30
Por no estar de acuerdo con las teorías susodichas,
resulta necesario adentrarse más en profundidad en el análisis del poema, para poder elucidar los significados posibles y potenciales del término kong en su contexto y para
constatar, en definitiva, que no existe tal paradoja, sino que
el segundo verso («oír ecos y voces humanas») completa
como una media naranja, sin inconsistencias ni contradicciones, al verso («no ver hombres»).
El vacío del poema no sólo se manifiesta de forma visible a través de términos que lo explicitan; acciones como
no ver hombres, oír ecos, o sustantivos como luz, poseen
también una fuerte carga semántica de vacío por sus cualidades de indeterminación y abstraccción.
Si la vista es una percepción sensorial de contenidos
concretos y determinados generalmente (negada en el
poema: «no se ven hombres»), el oído sin embargo, ocupa
un lugar ilimitado en el espacio donde no se pueden fijar
sus límites, ya que se extiende involuntariamente, y el hombre lo percibe incluso en contra de su voluntad; oír un sonido, un eco («sólo se oyen ecos, voces») da una primera
impresión de distancia, de alejamiento y contraste con el
silencio, es decir, incluye una dimensión de vacío.
Igualmente la luz, abstracta e intangible, penetra por un
claro del bosque hasta iluminar el musgo. Esta entrada
implica la existencia de un vacío entre las ramas de los
árboles, vacío cuya función parece ser la de centro invisible
del paisaje; representa una oquedad que permite la
Iluminación y por donde se unen Cielo y Tierra.
Particularidades sintácticas.
Este jueju se caracteriza fundamentalmente por una
gran ambigüedad. La estructura sintáctica es la secuencia
normal de Sujeto (generalmente, elíptico) y Predicado, dentro del cual se incluye el verbo, el complemento directo y, en
algunos casos, los complementos circunstanciales. Esto es
algo que domina en todos los versos del poema, excepto en
el tercer verso.
241
Si se toma como punto de partida la traducción poética
que se ofrece en este trabajo (el sujeto del primer dístico
por lo tanto es el yo poético y en el segundo la luz), el análisis es el siguiente:
Verso 1:
PREDICADO
COMPLEMENTOS
vacía
(Adj.)
NÚCLEO
COMPLEMENTOS
no ver
(Verbo)
hombres
(Sust.)
montaña
(Sust)
Verso 2:
PREDICADO
COMPLEMENTOS
NÚCLEO
sólo
(Adv.)
oír
(Verbo)
COMPLEMENTOS
hombres
(Sust.)
palabras ecos
(Sust.) (Sust.)
Verso 3:
SUJETO
PREDICADO
COMPLEMENTO
NÚCLEO
retorna(da)
(Adj.)
luz
(Sust.)
NÚCLEO
COMPLEMENTOS
entrar
(Verbo)
profundo bosque
(Adj.)
(Sust.)
Verso 4:
PREDICADO
COMPLEMENTOS
de nuevo
(Adv.)
NÚCLEO
COMPLEMENTOS
iluminar
(Verbo)
verde musgo arriba
(Adj.) (Sust.) (Adv)
Si se observa la estructura del poema, las oraciones, por
lo general, siguen la secuencia de Sujeto-Verbo-Complemento. Este orden sintáctico, disimulado en parte
por la elipsis del sujeto o por la inclusión de ciertas partículas especiales de coordinación y yuxtaposición, implica un
orden ineludible en el que las cosas fluyen y se suceden
solas en su propia continuidad.
Los versos del primer dístico se enlazan gracias a la partícula dan μ« («pero; sólo») que introduce una repetición
exacta de la estructura del primer verso en el segundo («no
se ven hombres / sólo se oyen voces humanas»). Esta partícula es extremadamente compleja tanto si se interpreta
como conjunción (pero), o como adverbio (sólo).
242
En los dos últimos versos, la partícula de enlace es fu
(«de nuevo, otra vez»), cuya función es igual que la anterior
y exige la repetición de la estructura del tercer verso en el
cuarto («la luz penetra en el bosque / (la luz) de nuevo ilumina el musgo»). La relación que se establece entre los versos es, aparentemente, de yuxtaposición ya que no hay
nexos que los unan, pero la dependencia, sin embargo, es
mutua, ya que la luz que ilumina el musgo (en el cuarto
verso), no puede cumplirse si la luz no entra en el bosque
(tercer verso). Se trata pues, de una relación causal consecutiva y, en este sentido, también se podría entender como
subordinación.
Recapitulando, en el poema domina una ambigüedad
absoluta entre la coordinación y la subordinación. Lo que
está coordinado es a la vez subordinado, lo que está yuxtapuesto e independiente, al mismo tiempo, se subordina y
resulta dependiente. Ésta es la causa de que existan tan
innumerables posibilidades de interpretación y traducción.
Wang Wei a través de un juego dual y paradójico, compone
una unidad perfecta en forma y contenido.
De otro lado, el paralelismo no se cumple en relación
con el posicionamiento sintáctico de las oraciones; esto se
denomina en chino jiaozuo (literalmente, «entremezclar»),
es decir, que se producen variaciones en el orden sintáctico. Se trata de uno de los tres tipos fundamentales de paralelismos. En una lectura vertical, ningún verbo coincide con
el de abajo, ningún sustantivo con otro.
Pero sí existe, sin embargo, un verso nuclear que funciona como el corazón del poema, situado lógicamente en el
tercer puesto, en el que se produce el «giro», verso esencial en el jueju y que, en este caso especialmente, tiene una
lectura reversible:
retornada luz
(Adj.)31 (Sust.)
entrar
(Verbo)
profundo
(Adj.)
bosque
(Sust.)
Estas dos partes de la oración se reflejan la una a la otra
como en un espejo, en una estructura similar a la del quiasmo: en medio, el verbo entrar, y a los lados, la luz y el bosque:
retornada luz
/ entrar / profundo bosque
243
Cargado de acción dinámica, con un verbo en medio y
dos adjetivos, parece que en este verso el misterio del
poema late con toda su fuerza.
Contrastes semánticos
Las percepciones sensoriales
La importancia del primer verso («montaña vacía:/ no se
ve a nadie») radica en el no ver. Al tratarse de una montaña vacía en la que no se ven hombres, aquélla se convierte
en un lugar propicio para cerrarse a las percepciones sensoriales en general, requisito indispensable para alcanzar la
Iluminación. Se considera al ojo como órgano de la percepción intelectual y se utiliza como símbolo del conjunto de las
percepciones exteriores, no solamente de la visión32.
Recuérdese a Zhuang Zi en Los capítulos interiores cuando el cocinero Ding explica su maestría cortando piezas de
ganado:
Al comienzo de mi trabajo sólo veía el buey.
Tres años más tarde ya casi no lo veía.
Ahora trabajo con mi espíritu
y no con mis ojos.
Allá donde el conocimiento
y los sentidos se detienen,
el espíritu es el que actúa.33
El yo poético se encuentra en el lugar adecuado para la
meditación y la Iluminación. Es el propio entorno, en particular, la vacuidad de la montaña y el alejamiento de los
hombres, lo que va a permitirle la entrada hacia lo trascendente; para ello es necesario acabar con la percepción sensorial-intelectual (no pensar, no sentir, no imaginar). Se
requiere únicamente la nada, el kong («vacío») con el que
se inicia el poema.
El hecho de que el yo poético oiga no resulta contradictorio con la negación de la percepción visual34. Es un sonido más o menos indiferenciado de voces humanas, palabras lejanas en donde todos los hombres se confunden.
Ciertamente, nos indica que hay un mundo en el exterior,
pero se trata de un mundo abstracto e indeterminado, el del
sonido o los ecos, que se integra en la Naturaleza y en su
vacío esencial.
244
Por otro lado, el oído es el órgano pasivo por excelencia.
Si uno puede voluntariamente cerrar los ojos, el oído no
puede cerrarse35; si la visión nos sumerge en la multiplicidad de lo que se ve36, en lo diferenciado, el sonido y los
ecos tienden a la unidad, se superponen en el espacio-tiempo, ya que las palabras se repiten, se hacen rítmicas y
de esta manera, pasado, presente y futuro se entremezclan.
Para el budismo, el sonido inaudible que puede ser únicamente percibido por el Iluminado es un reflejo de la vibración primordial del origen del cosmos. Así, el conocimiento
verdadero no aparece como visión, sino como percepción
auditiva; se trata de una especie de sacrificio de la vista en
aras de la palabra y del sonido, quizá porque las palabras
presiden la creación del mundo.37
Lo que oye el yo poético en el poema de Wang Wei son
los ecos de sonidos; es decir, el sonido del cosmos penetrando en el cuerpo de un Hombre ya cerrado al mundo en
cuanto a sus percepciones visuales e intelectuales. Todo
ello alude a un estado previo a la Iluminación: el mundo con
sus infinitas correspondencias y ecos se interrelaciona, se
anuda, se mezcla, integrándose en la montaña y su vacío.38
La Naturaleza también responde en el poema y la luz
consigue entrar en escena: es una luz parecida al eco, ya
que vuelve de nuevo retornando del pasado (fan «regresar»). Por ello, el verso segundo y el tercero presentan ciertas similitudes:
verso 2:
verso 3:
pero (se) oyen ecos (de) sonidos humanos
regresa (da) luz penetra (en el) bosque profundo
Como se deduce de estas líneas, el poeta oye el mundo
o, mejor dicho, el mundo suena, entra en los oídos del poeta
a través del vacío de la montaña y de la no-visión de los
hombres, gracias al vacío intelectual del hombre. En el tercer verso, la luz del Cielo penetra en la Tierra por un hueco,
un claro entre las ramas del bosque (oír también es sinónimo de entrar, ser penetrado a través de una oquedad).39
245
El espacio/tiempo
Si se atiende a los contrastes espacio/temporales que se
producen entre el primer y segundo dísticos, se puede
observar que la primera parte del poema describe el lugar
en el que el yo poético se encuentra: un bosque dentro de
una montaña. El hecho de oír sonidos o ecos refuerza esa
dimensión espacial (horizontal) que conecta lo distante. En
el segundo dístico rige, sin embargo, la dimensión temporal.
La imagen de la luz penetrando en el bosque e iluminando
el musgo sugiere, sin duda, una perspectiva vertical.40
Aún así, este binomio (espacio/tiempo) aparece en el
poema extremadamente imbricado e indisoluble.
Ciertamente, en los dos primeros versos no hay indicadores
temporales, sólo espaciales: una montaña vacía en la que
no se ven hombres aunque se oyen voces; pero las voces
son ecos, es decir, sonidos que se superponen en la linealidad del tiempo. Si lo horizontal-espacial posee un tiempo,
el presente, éste sin embargo, se repite y reactualiza en el
poema, ya que alude a un tiempo cíclico que se reanuda
continuamente a sí mismo. De esta forma se anula la duración temporal y el aquí y ahora son siempre potencialmente
posibles y eternos.
También en los dos últimos versos se menciona explícitamente la repetición del tiempo. Hay dos señalizadores
temporales: fan («retornar») y fu («de nuevo»), y ambos aluden a un instante del día en el que el tiempo se paraliza y
se detiene y por ello, deviene cósmico.41
La sociedad y el retiro
Según ciertos sinólogos, Wang Wei describe en este
poema su soledad:
In this poem, Wang Wei, moves from a description of his solitude and
withdrawal from the world expressed in the first line to a statement of his desire to maintain his separation and, finally, to a specific description of the ineffably “perfect moment”.42
No obstante, el retiro al que se refiere Wang Wei no es el
aislamiento absoluto. Bien es cierto que la montaña está
vacía y no se ven hombres, pero se oyen los ecos de las
palabras humanas. De hecho, se repite dos veces el carácter ren («hombre»), una en el primer verso y otra en el
246
segundo, cosa extraña en un poema Tang, a no ser que la
selección del poeta sea decidida y significativamente intencionada.43
Este retiro intermedio, típico de Wang Wei, sugiere la problemática constante del poeta referente a su separación y
aislamiento del mundo. Como ya se ha visto, para el taoísmo
no es necesario el retiro absoluto, y para el budismo, gracias
especialmente a la figura de Vimalakîrti, es incluso modélico
y ejemplar el hecho de que un practicante sienta compasión
por el mundo y no lo abandone del todo. Ello quizá explica
que en los poemas de Wang Wei siempre aparezcan hombres, aunque más concretamente, indicios y señales humanas: humo (de las chimeneas), sonidos (de voces humanas),
ruido de bambúes (<de las lavanderas), movimiento de los
lotos en el agua (por el deslizarse de las barcas de los pescadores). Todas estas imágenes acercan y alejan, simultáneamente, al yo poético y al mundo, ya que éste se percibe
indirectamente mediatizado por obstáculos como la distancia o la densidad impenetrable de un bosque.44
En el poema en cuestión, el mundo no aparece de forma
individualizada (los hombres no se ven), sino indiferenciada
(se oyen sus sonidos). Esta distinción opera igualmente en
el plano de lo superficial (o ilusorio) y en el plano de lo trascendente y, por lo tanto, está en relación con las diferencias
esenciales entre la percepción visual y la auditiva. En realidad, más que de retiro, se podría hablar de entrada a un
centro desde el que todo se irradia y que a todo incluye,
porque el yo poético no está de espaldas al mundo sino que
lo percibe en su interior.
La dialéctica del yin/yang
Se puede comprobar una alternancia continua entre los
tonos yin (que se corresponden con los tonos ze) y yang
(que se corresponde con los tonos ping:
OO/OOO OO/OOOOO/OOOOO/OOO-
De este esquema se deduce que hay un cierto predomino de los tonos ze, a razón de 3 x 2, excepto en el primer
247
verso. En el esquema prosódico, el poema muestra una leve
tendencia hacia los tonos fuertes y oscuros (yin). Pero este
contraste se hace más visible en el plano semántico.
Por ejemplo, en el verso tercero la luz penetra en un bosque sombrío, es decir, la luz penetra la oscuridad:
«retornada»........................../.........................«profundo»
«luz»................/.................. «bosque»
entrar.
El carácter que designa la profundidad del bosque, en
chino sheng, tiene el radical de agua – los tres puntos a la
izquierda –, ya que la profundidad está considerada como un
elemento yin, húmedo, frío y oscuro. La luz del sol, por el contrario, es cálida, seca, y por lo tanto, específicamente yang.45
El espacio imaginario del poema
La montaña y el bosque.
El simbolismo de la montaña es ambivalente. Debido a
su verticalidad y a su proximidad con el Cielo, es un lugar
sagrado, cerca de los dioses; pero también se trata de un
lugar seguro donde refugiarse y expresa el deseo de evasión de todos los seres humanos46. Ambos valores se reproducen asimismo en el simbolismo chino.
En la época de Wang Wei, todo el mundo necesitaba
escapar de la compleja administración y burocracia de los
Tang, y el lugar privilegiado para ese retiro era precisamente la montaña. Esta circunstancia la convirtió en idónea
como lugar de moda de los letrados Tang47. Pero, al mismo
tiempo, se trataba de un lugar divinizado por excelencia, en
el que se realizaban, ya desde la antigüedad, los primeros
sacrificios y ceremonias. Era el axis mundi que ponía en
comunicación Cielo y Tierra; en terminología taoísta: el lugar
del Tao.48 De hecho, el carácter xian («inmortal») significa
etimológicamente «hombre de las montañas», y está compuesto por el radical de hombre, a la izquierda, y el de montaña, la derecha. Según el Yijing [«Libro de las
Mutaciones»], la montaña, por su fijeza y estatismo, representa la estabilidad y la perennidad, de ahí también, su relación con la Inmortalidad. Para el budismo y, especialmente,
el taoísmo, la montaña es el lugar más propicio para alcanzar la Iluminación.
248
La montaña del poema de Wang Wei parece reunir
todas estas significaciones simbólicas, a las que, seguramente, habría que añadir otros simbolismos más particulares e inconscientes. Pero Wang Wei no se detiene en la descripción de la montaña, dando por supuesto y conocido
todo este contexto simbólico-referencial.
Si la lejanía del mundo es un requisito esencial para
alcanzar el Tao, no lo es el aislamiento, ya que se oyen
voces humanas; la montaña adquiere entonces el simbolismo de un lugar-puente, intermediario entre el mundo y lo
sagrado (por su morfología representa la unión de Cielo y
Tierra). A través de su imagen, se personifican todas las
cualidades espirituales a las que el budista y taoísta Wang
Wei aspiraba: tranquilidad, estabilidad, lejanía del mundo,
cercanía de lo celestial, lugar donde se materializa (ilumina)
el Tao, y por último, vía de acceso a la Inmortalidad.
El simbolismo del bosque parece reforzar el de la montaña. El propio Wang Wei no sólo los asocia constantemente en
sus poemas, sino que, incluso en sus cartas personales,
habla de este binomio indisociable que le ayuda a perder su
individualidad, requisito indispensable para alcanzar el Tao:
Montañas y bosques hacen que yo pierda mi ego49
...
Placer de vivir en los bosques y las montañas, poder
aspirar al silencio y la paz 50
El bosque, por su verticalidad, conecta también el eje
Cielo-Tierra. En el inconsciente se asocia a la madre, a la
regeneración y a las grutas. En efecto, en Wang Wei, el bosque es siempre oscuro, denso, de polaridad yin. Sus personajes se adentran en él hasta lo más profundo, como ocurre
en este poema. Se trata del refugio o escondite supremo
donde, paradójicamente, la luz penetra. Pero este bosque
chino, contrariamente al occidental, no da pábulo a los
terrores inconscientes, sino que es el lugar del vacío, del
sunyata budista, donde reinan la calma y la paz absolutas.
Luz y oscuridad.
La luz está identificada tradicionalmente con el espíritu,
y su color, el blanco, compuesto de todos los colores, refleja la totalidad. Además, es fuerza emanadora que irradia,
siendo pura energía cósmica51.
249
Pero en este poema la luz tiene una peculiaridad esencial, ya que surge de la oscuridad (fan «retornar»), brillando en un intervalo de tiempo entre las sombras. En este
aspecto, una luz sin sombras no tendría ningún efecto poético: hay luz porque venimos de la sombra. Lo mismo ocurre con la Iluminación espiritual.52
La luz sucede a las tinieblas, post-tenebres, tanto en el
orden de la manifestación cósmica como en el de la iluminación interior.53
Los fenómenos naturales de la luz y las tinieblas representan los aspectos yin y yang de la creación del mundo y
de su continua manifestación. El yin y el yang, esta dualidad
universal, se funden y entremezclan de tal forma que se
podría hablar de un deseo de retornar a ese Caos primigenio uniendo lo que antes estaba separado. Llegar a ese
lugar exterior e interior es, sin duda alguna, acceder a la
Iluminación. En este punto, luz y oscuridad, yin y yang, son
similares.
El musgo.
El término tai se refiere tanto al musgo o liquen como a
las plantas y hierbas medicinales, en general. Teniendo en
cuenta la inclinación de Wang Wei por los regímenes budistas y taoístas en sus dietas y ayunos (en los que apenas
comía más que hierbas, flores y arbustos silvestres), esas
plantas significaban para el poeta no sólo la fuente de vida
y de salud, sino también el medio para alcanzar la
Inmortalidad. En efecto, desde un punto de vista simbólico,
el musgo y las plantas medicinales poseen la energía solar
condensada y manifestada; captan las fuerzas ígneas de la
tierra y reciben la solar, acumulando toda esa potencia luminosa para manifestar la vida, y por ello, permitir la curación.
Así, el lugar donde nacen se puede considerar centro del
universo54.
Shang «arriba».
Dentro de la diversidad de opiniones sobre el término,
una de las más radicales es la de Gary Snider, quien interpreta shang como indicador de que el musgo se encuentra
arriba adherido a las copas y a la parte alta del tronco de
los árboles55. Sin embargo, la imagen visual que resulta no
parece tener consistencia poética.
250
En primer lugar, siguiendo esa teoría, la luz no penetraría hasta lo profundo del bosque, sino tan sólo a través de
un lecho de ramas en lo alto. En segundo lugar, se perdería
la verticalidad de la luz que, aunque inclinada por tratarse
del ocaso, contrasta con gran efecto poético con la horizontalidad del primer dístico. La iluminación en ese caso, sería
lateral y superior, no en el centro del poema, lo cual dejaría
al paisaje y al lector entre las sombras.
Atendiendo al estilo habitual de Wang Wei, se puede
considerar el término shang tanto preposición («arriba»)
como verbo («ascender»). A través de él, la luz reflexiona y
se arroja de nuevo hacia arriba, devolviéndola otra vez al
Cielo. Este final, tan ambiguo y misterioso, es muy propio de
Wang Wei. Se trata en definitiva de uno de tantos otros
recursos conocidos para dejar el poema y el su paisaje suspendidos.
Los ciervos.
Es curioso el hecho de que ningún comentarista ni traductor se haya detenido en el título que ha sido en general
apartado del análisis posterior del mismo. Bien es cierto
que los títulos de los Poemas del Río Wang son nombres de
lugares de la finca de Landian, donde Wang Wei realizaba
sus retiros. Pero la selección de estos lugares y de sus nombres no es aleatoria, y tienen una clara y definida función: la
de justificar o complementar el poema que encabezan. Por
ello, su simbolismo resulta fundamental a la hora de completar este análisis literario.
Según el simbolismo chino, el ciervo vive muchos años,
por lo que está asociado a la longevidad, siendo el único
que puede encontrar el champiñón de la Inmortalidad.
Puede reconocer por instinto las virtudes medicinales de las
plantas, nota todos los ruidos ya que posee un gran sentido
acústico y está considerado el heraldo de la luz, el que guía
hacia la claridad diurna.56
Esto parece no sólo introducir al poema sino también
justificarlo; la longevidad, la Inmortalidad, las plantas medicinales, la percepción acústica, la luz, todas estas cualidades parecen corresponderse una a una con el contenido del
poema analizado. Hasta tal punto la convergencia de asociaciones y, simultáneamente, la divergencia y polivalencia
semántica, que se podría incluso considerar al ciervo – al
251
igual que a la montaña vacía – como el sujeto elíptico del
poema: el que no ve, el que oye, el que nos guía hacia la
luz, el que encuentra el musgo medicinal, etc.
Como nota anecdótica, indicar finalmente que, justo en
este lugar, el Parque de Ciervos, se encuentran actualmente los restos de Wang Wei.
Otras consideraciones
Resulta fundamental hablar de una figura retórica
corriente en la poesía china, en relación con la imagen
visual y la impronta de los caracteres. Si se observa con
atención el poema, dos sencillos caracteres situados en el
centro, es decir, en los puestos centrales del segundo y tercer verso, son muy semejantes: el primero es ren, y el
segundo ru Èë. Esta similitud visual corresponde a la figura
retórica de huaxing», una especie de paronomasia relacionada con el parecido formal de los caracteres. En una rápida ojeada, casi inconsciente, uno podría leer hombre-penetrar, lo cual podría corresponderse con uno de los niveles
de interpretación del poema.57
Con esta figura retórica, que formula y deja sin respuesta la pregunta de si es el hombre el que en verdad alcanza
la Iluminación, se termina este análisis. Todo parece converger en la idea de que el autor sopesó uno por uno los caracteres del poema. En efecto, nada resulta gratuito. La brevedad característica del jueju está plenamente compensada
por la abundancia y riqueza de asociaciones y significados.
Como si fuera la obra de un arquitecto minucioso que nada
olvida.
Recapitulación y conclusiones
La fama de este poema y sus divergentes interpretaciones están bien merecidas y justificadas a juzgar por la
riqueza y la resonancia de múltiples significaciones que
deja en el lector.
El Hombre ha perdido verdaderamente el ego y permanece oculto tras sus percepciones. Éstas son lo único que
tiene. Se trata de un Hombre que no está, que no sufre emo252
ción, que no hace nada, que es vacío, por eso puede transmutarse en paisaje (por ello, la montaña, incluso el ciervo,
también pueden ser sujeto del primer dístico); y este paisaje sólo llega al lector a través de los sentidos (la vista y el
oído). Las condiciones de la escena la hacen apropiada
para una revelación: soledad espiritual (no física), ecos
(donde se funden presente, pasado y futuro), y la luz del
ocaso (mediadora entre el día y la noche). Por otro lado, el
principio del poema determina el peso filosófico del mismo.
Sólo en el vacío es posible la Iluminación. Se trata de un
vacío múltiple (budista y taoísta): 1) concavidad espacial
que acoge, 2) distancia que interrelaciona lo lejano y lo cercano, 3) vacío del espíritu (corazón/mente) y, por último,
4) inconsistencia del mundo.
En un estado elevado de conciencia, ocurre un acontecimiento aparentemente nimio: la iluminación de un poco de
musgo. La luz, sujeto indudable del segundo dístico, penetra a través de las ramas y la profundidad del bosque.
Siguiendo la línea interpretativa de este trabajo, y atendiendo al contexto en el que este poema se inserta, el Hombre
es simplemente testigo de esa Iluminación, pero no la
alcanza directamente (tal y como ocurre en “Pabellón entre
Bambúes”, donde el yo poético, iluminado por la luna, responde silbando y tocando su laúd).
Mucho más cerca de la trascendencia, estos versos
demuestran cómo el camino de Wang Wei era unívoco por
encima de la pluralidad. Todos los elementos del lenguaje
poético encajan como piezas de un puzzle. La ambigüedad
y las aparentes tensiones y contradicciones no son más que
instrumentos de expresión de lo inefable, donde todo se
reúne. A pesar de su prodigiosa sencillez y cotidianeidad,
las imágenes naturales (luz, ciervo, musgo, montaña, bosque) por un instante saltan a otra dimensión simbólica que
multiplica sus posibilidades semánticas. Sin olvidar nunca
que todas ellas retornan de nuevo, pues no son otra cosa
diferente a ellas mismas: la montaña es montaña, el musgo
es musgo. Esto explica también cómo el poema, trascendiendo el más allá en forma de viento o sabor, no deja de
ser nunca lo que es: puro lenguaje.
253
Notas
(1) La misma grafía se emplea para distintos caracteres, cuyas transcripciones en pinyin son: zhai, chai, ci, zi. En el sentido en que lo usa Wang
Wei ha sido confundido con sus homónimos y sinónimos zhai («empalizada»)
o zhai («atrincheramiento, fortificación militar»); de ahí que en algunas versiones haya ciertos errores tipográficos; cfr. Hanyu da cidian [«Gran Diccionario
de la lengua china»] Sichuan, Sichuan cishu chubanshe, 1993.
(2) Esta es la opinión de Eliot Weinberger en su artículo “Cómo se traduce un poema chino”, El Paseante, nº 20, 22, Madrid, Gaceta de Siruela, 1993,
pág. 168.
(3) Cfr. Burton Watson “Buddhist Quietism: Wang Wei and Han-shan”,
Chinese Lyricism, New York, Columbia University Press, 1971, págs. 169-179.
(4) Witter Bynner and Kiang Kang-hu, The Jade Mountain, New York,
Knopf, 1929, pág.189.
(5) Incluida en Eliot Weinberger, op. cit. pág. 170.
(6) Kenneth Rexroth, One Hundred Poems from the Chinese, New York,
New Directions, 1956.
(7) James J.Y. Liu, The Art of Chinese Poetry, Chicago, The University of
Chicago Press, 1962, pág. 41.
(8) G.W. Robinson, Wang Wei Poems, London, Penguin Books, 1973,
pág. 8.
(9) C.J.Chen y Michael Bullock, en Cyril Birch (ed.), Anthologie of
Chinese Literature, Berkeley, California University Press, 1974. pág. 223.
(10) François Cheng, L´écriture poétique chinoise, Paris, Seuil, 1977,
pág.112. En 1990, otra versión del mismo traductor: «Montagne vide. Plus
personne en vue./ Seul échos des voix résonnant au loin./ Rayon du couchant
dans le bois profond:/ Sur les mousses un ultime éclat: vert»; cfr. Entre Source
et nuage, La poésie chinoise réinventée, Paris, Albin Michel, 1990, pág. 59.
(11) Gary Snyder, The Gary Snyder Reader, Washington D.C.,
Counterpoint, 1999, pág. 295.
(12) Burton Watson, The Columbia Book of Chinese Poetry, 1984, pág.
200.
(13) Se trata de la tercera versión de las traducciones de Octavio Paz,
que se publicó en la revista Vuelta, nº 91, junio, 1984; (cfr. El Paseante, pág.
176).
(14) Patrick Carré, Les saisons bleues, l´oeuvre de Wang Wei poète et
peintre, Paris, Phébus, 1989, pág. 208.
(15) L. Drivod y Wei-penn Chang, Paysages: Miroirs de coeurs, Paris,
Gallimard, 1990, pág. 189.
(16) Wang Wei, Le plein du vide, Millemont, Moundarren, 1991, s. p.
(17) Richard W. Bodman y Victor H. Mair, The Columbia Anthology of
Traditional Chinese Literature, New York, Columbia University Press, 1994,
pág. 198.
(18) I. Preciado Ydoeta (trad.), Poemas del río Wang, Madrid, Ediciones
del Oriente y del Mediterráneo, 1999, pág. 43.
(19) Anne-Hélène Suárez (trad.), 99 cuartetos de Wang Wei y su círculo,
Valencia, Pre-textos, 2000.
(20) António Graça De Abreu, Poemas de Wang Wei, Macao, Instituto
Cultural de Macao, 1993.
(21) En esta traducción se han omitido voluntariamente dos elementos
importantes: a) la profundidad del bosque suplida en parte por ru («penetrar»), y b) el último carácter del poema, shang («arriba, encima»), que
puede aludir tanto a la parte superior del musgo, como al musgo que está
por encima de las rocas y, más improbable aún, al musgo que está arriba
adherido a los árboles.
254
(22) Algunos traductores, en particular François Cheng, imaginan al
poeta paseando por la montaña y adentrándose en el bosque. Cfr., op. cit.,
1996, pág. 40.
(23) Ogawa Tamaki, “Ö I [«Wang Wei»]”, en Chügoku shijin senshü nº 6,
Tsuru Haruo (trad.), Tokyo, Iwanami Shoten, 1958, citado por Burton Watson,
op. cit., pág. 177.
(24) Cfr. Yu Shouzhen, Tang shi sanbai shou xiangxi, [«Análisis detallado
(de los esquemas métricos) de los Trescientos poemas Tang»], Beijing,
Zhonghua shuju chuban, 1995 (1ª ed. 1973), pág. 199.
(25) Nótese que, exceptuando el primer carácter, también hay paralelismo entre el segundo y tercer verso: (O) O O O O // (O) O O O O.
(26) Véase Prelimnares pág. 4.
(27) Weinberger, op. cit., pág. 174.
(28) Recuérdese que el koan es el arma dialéctica de los monjes chan,
para conseguir que el adepto deje a un lado la lógica y el razonamiento discursivo.
(29) Cfr. M. Wagner, op. cit., pág. 106-107.
(30) Eugene Eoyang, “The Solitary Boat: Image of Self in Chinese Nature
Poetry”, Journal of Asian Studies, 32:4 [Agosto 1973], pág. 603.
(31) Aunque se haya traducido como participio, se trata de un verbo
cuya función es adjetiva.
(32) Cfr. Chevalier, op. cit., pág, 772.
(33) Zhuang Zi, Los capítulos interiores de Zhuang Zi, Madrid,
Trotta,1998, pág. 69.
(34) También Paulina Yu piensa que no hay contradicción entre los mensajes auditivos y visuales; Cfr. Paulina Yu, op. cit.
(35) Recuérdese que en China, las orejas largas son símbolo de sabiduría e Inmortalidad. Lao Zi se apodaba también orejas largas.
(36) La multiplicidad es inferioridad; cfr., J.E. Cirlot, op. cit., pág. 339.
(37) Gilbert Durand, op. cit., pág. 173.
(38) Recuérdese que Wang Wei en general, describe uno de los primeros estados de la Iluminación (dhyana).
(39) Parece ineludible traer a colación el principio de la obra Claros del
Bosque de María Zambrano: «El Claro del bosque es un centro en el que no
siempre es posible entrar [...] Es otro reino que un alma habita y guarda.
Algún pájaro avisa y llama a ir hasta donde vaya marcando su voz. Y se la
obedece; luego no se encuentra nada, nada que no sea un lugar intacto que
parece haberse abierto en ese solo instante y que nunca más se dará así. No
hay que buscarlo. No hay que buscar. Es la lección inmediata de los claros
del bosque: no hay que ir a buscarlos, ni tampoco buscar nada de ellos.
Nada determinado, prefigurado, consabido [...] Y queda la nada, el vacío
que el claro de bosque da como respuesta a lo que se busca»; cfr. María
Zambrano, Claros del Bosque, Barcelona, Seix Barral, 1988, pág. 11.
(40) Esa verticalidad es oblicua, teniendo en cuenta que se trata de una
luz del atardecer. Hay autores que han hablado incluso de una luz casi horizontal. Todo son conjeturas. Además, según como se interpretara el último
carácter, shang, podría entenderse que el musgo, al iluminarse, devuelve la
luz hacia arriba, en una especie de reflexión de la luz.
(41) Esta es la concepción del tiempo mítico propuesta por Mircea Eliade
en el Mito del eterno retorno, Madrid, Alianza Editorial, 1979.
(42) J.M. Feinermen, The poetry of Wang Wei, New Haven (Mich.),Yale
University, 1979, pág. 235.
(43) Corresponde a la figura de dingzhen, una especie de «anadiplosis»
o redoble que no se produce de inmediato sino despues de una secuencia.
El uso de esta figura retórica estaba literalmente prohibido en los pareados
del lushi y del jueju.
(44) Hay poemas del autor, en los que aparecen personajes definidos y
concretos, como en los de la temática de la despedida, que representan una
255
excepción; en cualquier caso, son personajes que siempre se van de la
escena. En los demás, se trata casi siempre de hombres solitarios y salvajes,
ya naturalizados, como el Viejo de las Montañas.
(45) «[El bosque], como lugar donde florece abundante la vida vegetal,
no dominada ni cultivada, y que oculta la luz del sol, resulta potencia contrapuesta a la de éste y símbolo de la tierra», cfr. J.E. Cirlot, op. cit., pág. 102.
(46) Cfr. Gilbert Durand, Les structures anthropologiques de l´imaginaire, Grenoble, Bordas, 1969, págs 142-143.
(47) Como ya es sabido, todos los templos taoístas y budistas se situaban en las montañas. Por ello, entre los monjes se creó la expresión chushan
3ö É1/2 (literalmente, «salir de la montaña»), es decir, dejar la religión, salir a
la vida pública.
(48) Cfr. Démieville, “La Montagne dans l´art littéraire chinois” en Choix
d´études sinologiques (1921-1970), Leiden, Brill, 1973, págs. 7-32.
(49) El autor hace una distinción entre su yo universal (wu)y su yo particular (wo). Vivir en la naturaleza es perder el individualismo y, por lo tanto,
universalizarse. Cfr. [«Para mis hermanos desde las montañas»] en Wang
Wei quanji [«Obra completa de Wang Wei»], cap. 11, Shanghai guji chubanshe, 1997, pág. 61.
(50) [«Petición de tierras para construir un templo»], Ibíd., cap. 17,
pág. 99.
(51) J.E. Cirlot, op. cit., pág. 286.
(52) Ello explica que en el nivel prosódico haya predominio de tonos ze,
es decir, de polaridad yin. Por otro lado, el término jing («luz») está asociado
a ying («sombra»), lo que multiplica de nuevo las lecturas potenciales, incluso divergentes, del poema.
(53) Chevalier, op. cit., pág. 664.
(54) Todas estas ideas están en relación con el color del musgo: qing
(«verde»), palabra central del último verso. Para la mentalidad china, significa el color de la Naturaleza (una amplia gama que va del azul al verde), y
representa la primavera y la vida (igual que el color azul). Se corresponde,
además, con la revelación de la sabiduría, la pureza, la paz y la contemplación; cfr. Cooper, op. cit., pág. 55.
(55) La interpretación de Gary Snider y su traducción se incluyen en el
artículo de Eliot Weinberger, “Cómo se traduce un poema chino” en El
Paseante, nº 20, 22, Madrid, Gaceta de Siruela, 1993.
(56) Para el budismo, además, el ciervo salva a los hombres de la desesperación y aplaca sus pasiones. Tiene gusto por la soledad y huye en el sentido del viento que va con su olor. Cfr. M.L. Tournier, L´imaginaire et la symbolique dans la Chine ancienne, Paris, L´Harmattan, 1991, pág. 86.
(57) Por último, simplemente apuntar el contraste entre los términos kong
¿Õ («vacío») y shang ÉÏ («arriba, ascensión»), primera y última palabra del
poema. Como si del vacío del principio se llegara a la ascensión última.
256
CARLOS MIGUEL BOTÃO ALVES
Universidade de Macau
Os sonetos de Antero de Quental:
uma leitura do Budismo indiano
Com a presente apresentação tentar-se-á mostrar como
um conjunto de ideias próprias do pensamento budista
enformam o horizonte de compreensão e a perspectiva que
Antero de Quental tem da Realidade, e, além disso, como
nos Sonetos, Antero de Quental faz uma leitura muito peculiar de certas noções fundamentais do Budismo.
O próprio Antero em carta a A. Jaime de Magalhães
Lima1 tenta condensar as suas reflexões na fórmula
«Helenismo coroado por um Budismo», querendo com ela
significar uma aliança entre duas correntes de pensamento
(quiçá ambas de cariz orientalizante, mas numa perspectiva
ocidental) que tendem para uma explicação da Realidade
cujo projecto é todavia semelhante: a ataraxia pela rasura do
sujeito, quer gnoseológico, quer mesmo, ético.
Foi escolhido um «corpus» intencionalmente restrito, todo
ele composto por sonetos e esta selecção deve-se ao facto
de se entender aqui a poesia, e muito particularmente o
Soneto, como o lugar em que em Antero, de uma forma mais
evidente, espontânea e (talvez) elaborada, o referido quadro
mental de ideias emprestadas ao budismo despontam numa
linguagem necessariamente mais condensada e concisa.
Cabe aqui fazer um parêntesis alargado com o fim de
explicitar a escolha da forma do Soneto por parte de Antero,
para explicitar e reflectir «os sentimentos ou as ideias que
[lhe] são mais caras»2. Na chamada edição «Stenio» de
1861 Antero justificará «teoricamente» o uso do soneto, justificação essa que será feita igualmente em várias cartas.
Interessa porém reter aqui a consciência que o autor
tem de que, usando embora uma forma clássica, a subverte, fazendo-a superar o puro lirismo, acentuando crescentemente a importância do dramático com o fim de transmitir a
ideia de uma forma quase dialogada e de comunicação
directa3.
Por influência, talvez, quer da tragédia grega e do teatro
257
shakespeariano (que explicam em grande medida o dramatismo evidente dos sonetos), quer «dos nossos poetas do
séc. XVI (…) especialmente (…) de Camões», cujos sonetos «foram dos primeiros que [conheceu]»4, Antero não
escolhe escrever sonetos, mas é levado a cultivar tal forma5,
por ela, de maneira exemplar, conciliar esteticamente a vida
e o ideal; aliás, a essência do projecto anteriano.
Do ponto de vista formal, pois, parece que Antero faz
uma opção conservadora (o soneto), mas a forma como o
modifica ou subverte, anuncia já o simbolismo; ou seja, a
fractura entre o real e o significado oculto que ele transporta de modo hermético, corresponde à dissociação da subjectividade de Antero entre o poeta e o Homem racional6.
Diz Antero no Prefácio à referida edição dos «Sonetos»
que o soneto, a par de uma condensação da palavra, implica uma disciplina do pensamento. Refreia-se o lirismo efusivo, que encontramos nas «Primaveras» e faz-se emergir o
pensamento e a intuição do Ser, Uno, por meio do Eu lírico
na forma igualmente una do texto: o soneto, «unidade perfeita» ou «a forma (…) que apresenta maior unidade»7.
Assim, poderemos desde já estabelecer uma relação
fundamental e que será essencial para a compreensão da
proximidade que os «Sonetos» têm com o Budismo: a referida disciplina da linguagem acarreta uma concomitante
disciplina de pensamento, a qual se manifesta pela concisão e profundidade, sendo estas duas as traves mestras
das regras de conduta da «ética budista»; resume-se «a via
das oito regras» aos conceitos de «shila» (discurso correcto) e de «samadhi» (visão de profundidade)8.
Além disso podemos observar como por esta via se alia
a escrita à vida, tornando a poesia um verdadeiro «romance autobiográfico»9, «um processo de viver por dentro a historicidade do Poético»10.
Desta feita poderemos compreender que «a poesia
tende a ser, cada vez mais, em Antero, um prolongamento
ou um complemento da reflexão filosófica»11. Antero tem,
aliás, a noção da originalidade deste uso do soneto na literatura portuguesa12, na medida em que, apesar de ser obra
«tão individual, visto que é lírica, afinal o que ali interessa é
só o que tem de geral e humano, ou, se [se] quiser, o que
tem de filosófico»13.
Tanto assim é que, um interessante «jogo» de correspondências se poderia estabelecer entre as «noções»
budistas que se tentarão encontrar e fazer sobressair nos
sonetos, e as mesmas em textos de carácter marcadamen258
te discursivo e filosófico, tais como as «Tendências Gerais
da Filosofia na Segunda Metade do Séc. XIX», «O
Sentimento da Imortalidade», «Ensaio Sobre as Bases
Filosóficas da Moral ou Filosofia da Liberdade», etc… Tal
trabalho, que por certo se realizará mais tarde, vem atestar
o facto de que a utilização e a interiorização do quadro
ontológico-ético do budismo não é um acaso nem uma
opção aleatória e simplista por parte do autor, mas sim deve
ser considerado como um elemento essencial da reflexão
anteriana.
* * *
Um dos princípios básicos do Budismo que Antero usa
para perspectivar a nível ontológico a Realidade é a afirmação do sofrimento universal ou «duhkha».
Só males são reais, só dor existe:
Prazeres só os gera a fantasia:
Em nada, um imaginar, o bem consiste,
Anda o mal em cada hora e instante e dia.
A realidade é toda ela um espectáculo de duhkha, sofrimento, já que toda ela é constituída por compósitos que
devêm incessantemente, («em cada hora e instante e dia»)
pois em si não têm a sua razão de ser. Nada é absolutamente na realidade, já que nada é simples. O que é absolutamente é Não-ser.
É a aspiração ao ser, o desejo («trishna») e, no Homem,
a Vontade, que são os motores de tal Devir Universal. Numa
perspectiva ontológica procuram o que (ainda) não são
e/ou têm, sendo essa procura inatingível à partida, pois
que, nenhum ser por definição possuirá outro que não seja
já em si próprio, exterior a si. Daí que, em termos ontológicos, o devir seja no budismo considerado como sofrimento:
Um correr sem alcançar; sabendo que não se alcança.
Se buscamos o que é, o que devia
Por natureza ser não nos assiste;
Se fiamos num bem, que a mente cria;
Que outro remédio há aí senão ser triste?
Aqui se mostra, parece-nos, o fundo búdico de concepção da realidade: o sofrimento é essência da realidade
que, contudo, aparenta ser prazer e o bem é nada já que
existir é negativo:
259
Que sempre o mal pior é ter nascido!
Ouve-se, aliás, aqui o eco do peso do «karma» no acto
de gerar ou de vir a ser, o qual tem um paralelo óbvio com
a estrutura circular do soneto «A Germano Meireles» vincada pela anáfora do primeiro verso.
Poder-se-á objectar dizendo que o que se sublinha aqui
é somente um dos aspectos do movimento dos seres em
tornarem-se algo diferente ou em possuírem algo diferente,
dado que, a par do sofrimento, há igualmente prazer.
Contudo, este não é senão um momento daquele quando
perspectivado a curto prazo, pois todo o prazer contém em
si a semente do sofrimento. Se perspectivado o sofrimento
em termos absolutos, diremos que, por um lado é a morte o
limite em que todos os desejos e esperanças se tornam
nada; e/ou, por outro lado, o mero pensamento dela nos
conduz à consciencialização da relatividade da existência,
e da existência em devir, produzida pelo desejo. Daí a tristeza do poeta fruto do(s) mal(es) da realidade (veja-se
como é este o conceito que torna a leitura deste soneto circular e dialéctica).
O conceito de «duhkha» é muitas vezes tomado num
puro sentido existencial, como sofrimento físico ou psicológico, mas tem igualmente um sentido ontológico, que nos
interessa aqui, como a consciência de que tudo o que é, o
é de forma relativa ou impermanente.
Noite, vão para ti meus pensamentos,
Quando olho e vejo, à luz cruel do dia,
Tanto estéril lutar, tanta agonia,
E inúteis tantos ásperos tormentos…
Ao realçar a antítese noite/dia – limites nos quais se joga
o soneto «Nox» – sublinha Antero o carácter contingente da
realidade; patente igualmente no uso que faz de termos
como «estéril», «agonia», «inúteis», «tormentos», que continuam na segunda quadra com «lamentos», «trágica»,
suportados além disso a nível da pontuação pelas reticências. Assim, se por um lado o poeta se dá conta da efemeridade do real (a «anitya» ou impermanência em termos
búdicos), anseia, por outro, pela noite, pois nela a existência esbate-se14. A impermanência («anitya») é a característica fundamental – diríamos em termos ocidentais, a essência – de tudo quanto existe e por nós é captado, quer pelos
sentidos, quer pela mente.
260
Se buscamos o que é, o que devia
Por natureza ser não nos assiste;
É a «anitya» o fundamento do espectáculo da realidade.
Oh! Antes tu também adormecesses
Por uma vez, e eterna, inalterável,
Caindo sobre o mundo, te esquecesses,
E ele, o mundo, sem mais lutar nem ver,
Dormisse no teu seio inviolável,
Noite sem termo, noite do Não-ser!
O poeta não se contenta com o alívio dado pelo descanso do esquecimento originado pela noite («O eterno Mal,
que ruge e desvaria, / Em ti descansa e esquece, alguns
momentos…») – esquecimento aliás também apontado
como um sonho no soneto «A Germano Meireles» – pois
que, não sendo uma solução para a questão ontológica,
não são senão uma etapa no caminho da concepção do
real como Não-ser.
De um desejo da noite como sonho e/ou esquecimento,
passa o poeta ao desejo da «Noite sem termo, noite do
Não-ser!»: desejar uma noite permanente, um Não-ser que
é no fundo a verdade da realidade.
Desta feita, se nada na realidade é de forma absoluta, a
impermanência da realidade manifesta-se num vasto e contínuo devir que concretamente se estabelece por um essencial nexo de relações; ou, em termos búdicos, por uma
«linha de origem dependente» (Pratityasamutpada).
Pedindo à forma, em vão, a ideia pura,
Tropeço, em sombras, na matéria dura,
E encontro a imperfeição de quanto existe.
Recebi o baptismo dos poetas,
E assentado entre as formas incompletas
Para sempre fiquei pálido e triste.
Este excerto do soneto «Tormento do Ideal» é, talvez,
dos que mais condensadamente exprimem o conjunto de
ideias búdicas que me propus aqui fazer ressaltar. Aqui está
a «duhkha» (a tristeza), fruto da «trishna» («Pedindo à
forma, em vão, a ideia pura») que mostra a realidade essencialmente como «anitya» («encontro a imperfeição de quanto existe»), mas que deixa entrever a verdade da realidade
(«a Beleza que não morre»), que, todavia, deixa o poeta triste, pois que também ele existe e «participa» dessa imper261
feição: irremediavelmente enquanto existente está (é esta a
sua situação) «assentado entre as formas incompletas».
Inicia-se o soneto com a afirmação da tristeza face ao
mundo, após o conhecimento do que verdadeiramente é, e,
de forma circular e dialéctica, encerra-se com essa mesma
tristeza, que, além de ser a chave do soneto, baliza o seu
conteúdo ideológico. Quanto a este, é notório desde logo o
título dado, que encontra par e explicação no primeiro verso
do primeiro terceto: o «Tormento do Ideal» é-o da «ideia
pura», da «Beleza que não morre» e que é dada a conhecer a alguns como sendo um «baptismo» de excepção (o
dos poetas): um verdadeiro renascer para uma nova
existência (interessante esta utilização de conceitos próprios do Cristianismo que, por um jogo semântico-ideológico criam uma síntese original): pois que, tudo quanto existe
é imperfeição, são «formas incompletas».
Note-se além disso a definição que é feita pela negativa, usando repetidamente o prefixo de negação, como que
para realçar por oposição essa tal «Beleza que não morre».
Delimitam-se os contornos do conceito, na medida em que
tudo o que se disser do seu conteúdo é insuficiente.
Veremos mais à frente como é tratada esta questão dos limites da linguagem.
* * *
Em vez de afirmar que o Mundo ou a Realidade está em
mudança, deve-se afirmar que o Mundo ou a Realidade é a
mudança, já que assim se ultrapassa em termos gnoseológicos a ilusão de uma entidade «mundo», aliás recusada
também por Kant como uma antinomia da Razão Pura, na
Dialéctica Transcendental (KRV).
A linha de origem dependente no fundo é a formulação
ontológica da impermanência da realidade: já que nada é
absolutamente, a realidade mais nada é do que um conjunto de fenómenos que se entreligam num dado momento e
num dado espaço, e é por nós apreendida como tal. Em linguagem kantiana, a apreensão depende da estrutura transcendental da sensibilidade, que é espacio-temporal e que
se concretiza no fenómeno. A «duhkha» tem, pois, uma
causa ontológica (não é um dado arbitrário) que é a origem
dependente característica dos fenómenos e do seu devir e,
por isso mesmo, é incontornável.
262
Já sossega, depois de tanta luta,
Já me descansa em paz o coração.
Caí na conta, enfim, de quanto é vão
O bem que ao Mundo e à Sorte se disputa.
Penetrando, com fronte não enxuta,
No sacrário do templo da Ilusão,
Só encontrei, com dor e confusão,
Trevas e pó, uma matéria bruta…
Não é no vasto mundo - por imenso
Que ele pareça à nossa mocidade Que a alma sacia o seu desejo intenso…
Na esfera invisível, do intangível,
Sobre desertos, vácuo, soledade,
Voa e paira o espírito impassível!
No soneto «Transcendentalismo», com um forte dinamismo narrativo, Antero de Quental, seguindo mais uma vez
um esquema de espiral dialéctica, patenteia todo o percurso ético-metafísico do budismo: declara-se inicialmente não
já a tristeza (como antes vimos), mas o «sossego», o «descanso» e a «paz», porque se percorreu a realidade tomando-a agora por aquilo que ela é: «Ilusão» – o Mundo (e a
Sorte) como «sacrário da Ilusão» (mais uma vez o uso de
vocabulário cristão em contexto desviante). Há um «envelhecimento» sábio do poeta, após uma «mocidade de
ilusão» que, para além do Mundo e da Sorte (veja-se a
importância da maiusculação), entrevê a verdade que, de
facto, sacia a alma. O «desejo intenso» (último terceto) culmina na impassibilidade que «sossega», ou que «já sossega». Um sossego impassível encontrado no «coração», na
«alma» ou no «espírito» – interior, portanto – que é indefinido (as reticências) e que em termos búdicos se poderia
referir simplesmente por «Nirvana».
Tudo no mundo é um agregado de partes («skandhas»),
um plural em termos ontológicos donde decorre o seu relativismo e movimento. O fluxo é exactamente a relação de
mudança que os agregados estabelecem incessantemente
entre e em si. Nada é, embora por meio da linguagem – que
inevitavelmente usa conceitos que são universais – se tenha
a ilusão de encontrar essências permanentes.
Em nada, um imaginar, o bem consiste,
(…)
Se fiamos num bem, que a mente cria;
Que outro remédio há aí se não ser triste?
263
A mente cria a ilusão da permanência mas, o que o
termo linguístico capta não é mais do que a ilusão da continuidade e da unidade do conteúdo das experiências,
tomando várias etapas das mesmas como uma unidade,
quando, no fundo, são uma sucessão separável de causas
e efeitos numa linha de origem dependente15.
Assim sendo, não há qualquer identidade para além dos
«skandhas»; a mudança e a realidade dão-se, pois, num
fundo de Não-ser («anatta»).
Longo tempo ignorei (mas que cegueira
Me trazia este espírito enublado!)
Quem fosses tu, que andavas a meu lado,
Noite e dia, impassível companheira…
(…)
Mas não te amava então nem conhecia:
Meu pensamento inerte nada lia
Sobre essa muda fronte, austera e calma.
Luz íntima, afinal alumiou-me…
Filha do mesmo pai, já sei teu nome,
Morte, irmã coeterna da minha alma!
Neste soneto («Elogio da Morte», IV) caracterizado fortemente pelo diálogo e pela comunicação directa, a Morte
de tudo o que existe no Mundo é vista como um meio para
o poeta se dar conta de como a Morte de si é ganhar-se. O
desejo da Morte é num primeiro momento uma primeira
reacção à «duhkha» da realidade: um desejo nihilista, mas
que é um degrau para uma visão superior de concepção da
realidade.
Atravesso, no escuro, a névoa fria
Dum mundo estranho, que povoa o vento,
A negação da realidade é uma forma de morte que dá
«Luz» e é afirmação do verdadeiro conhecimento. No soneto («Elogio da Morte», II) segue-se um esquema dialéctico
perfeito, forma do percurso da consciência. Há, portanto,
um fundo de Não-ser na realidade pelo qual esta deve ser
concebida a nível interior (é a «Luz íntima» que alumia);
porém, tal fundo de Não-ser para o Homem não corresponde a uma afirmação de irresponsabilidade a nível moral.
Antes pelo contrário, ao negar a permanência para além
dos compósitos que interagem, destrói-se o desejo e o interesse individual – pois que, o Homem é, porventura, o maior
e mais complexo desses compósitos («skandhas») – sendo
essa a sua via de conduta. A conduta humana deve ser
264
orientada segundo uma disciplina que implica cessação do
desejo e portanto do sofrimento.
Que místicos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem
A meus olhos, na muda imensidade!
Nesta viagem pelo ermo espaço,
Só busco o teu encontro e o teu abraço,
Morte! irmã do Amor e da Verdade!
Há aqui («Elogio da Morte», II) a enunciação de um percurso iniciático de desprendimento da realidade: para além
«dos sonhos», do «vago esquecimento», da «fantasia»,
acede a consciência à imensidade da Realidade; «muda
imensidade e ermo espaço», «Morte» do que Não-É, mas
que cria o «Amor» (e não já o mero desejo) da «Verdade»:
o «Nirvana» que é a imensidão, silêncio e solidão, mas que
permite o encontro e o abraço; ou seja, a relação de verdade que é libertação.
Como objectivo de toda acção está o fim de qualquer
acção em si própria: o Nirvana, – termo indefinível, mas que
refere um estádio de imperturbabilidade para com o que é
impermanente, a extinção da acção por força do interior do
próprio Homem e não por qualquer agente exterior.
Esta disciplina atinge-se por meio de um processo de
disciplina ascética:
Tu que crês, nem amas, nem esperas,
Espírito de eterna negação,
Teu hálito gelou-me o coração
E destroçou-me da alma as primaveras...
Atravessando regiões austeras,
Cheias de noite e cava escuridão,
Como um sonho mau, só ouço um não,
Que eternamente ecoa entre as esferas…
-Porque suspiras, porque te lamentas,
Cobarde coração? Debalde intentas
Opor à Sorte a queixa do egoísmo…
Deixa aos tímidos, deixa aos sonhadores
A esperança vã, seus vãos fulgores…
Sabe tu encarar sereno o abismo!
Num primeiro momento esta via conduzirá o Homem à
consciencialização da causa do sofrimento fruto do desejo.
Um processo que se inicia e se constrói, com forte paralelo
com o percurso socrático: «duhkha» tem uma causa e portan265
to pode ser superado. Tal superação far-se-á por meio daquilo que poderíamos chamar uma maiêutica da sabedoria, que
acontecerá como uma consequência da disciplina mental
(«samadhi»). Não se trata de uma vida ascética tal como esta
é entendida no Ocidente: uma fuga ou retiro do mundo.
Sonho de olhos abertos, caminhando
Não entre as formas já e as aparências,
Mas vendo a face imóvel das essências,
Entre ideias e espíritos pairando…
Que é o mundo ante mim? fumo ondeando,
Visões sem ser, fragmentos de existências…
Uma névoa de enganos e impotências
Sobre vácuo insondável rastejando…
Aqui («Contemplação») a via ascética em mais não consiste do que em controlar a mente – e a linguagem como
seu instrumento e expressão – para que esta considere a
Realidade e os seus elementos tais como são. Que tome o
impermanente e o compósito como tais, e não os confunda
com o Absoluto e/ou com o Uno. A disciplina mental conduz
à consideração da Verdade da Realidade; a uma visão profunda da realidade («Outra luz, outro fim…») para além da
aparência; a qual primeiro se pressente mas que, quando
atingida com um grau elevado de permanência, eclipsa o
sofrimento e mostra o Não-ser nas coisas.
Este estádio de verdadeira concepção está «para além»
do fenoménico («formas / rumor / lida / forças / desejos /
vida…») e, mais uma vez, é delimitado como sendo em si
um além, «vácuo». Atente-se, sobretudo na segunda quadra do soneto «Nirvana», à oposição que é feita entre a definição da vida do Mundo (com palavras de forte movimento)
e a delimitação pela negativa da quietude do Nirvana (nos
dois últimos versos). No primeiro terceto há um paralelo evidente com o percurso da saída da Caverna platónica: o
momento de superior visão que requer um novo caminhar
(os escravos da caverna têm de se habituar à luz do exterior e por momentos nada vêem) que aqui é vista como uma
emergência – «o pensamento (…) emerge a custo» – para
a «bela luz da vida, ampla, infinita» (também aqui a luz
como símbolo da Verdade, vincando o mito prometaico): é
no fundo de um nível superior de consciência que se trata.
Para além do Universo luminoso,
Cheio de formas, de rumor, de lida,
De forças, de desejos e de vida,
Abre-se como um vácuo tenebroso.
266
A onda desse mar tumultuoso
Vem ali expirar, esmaecida…
Numa imobilidade indefinida
Termina ali o ser, inerte, ocioso…
E quando o pensamento, assim absorto,
Emerge a custo desse mundo morto
E torna a olhar as cousas naturais,
À bela luz da vida, ampla, infinita,
Só vê com tédio, em tudo quanto fita,
A ilusão e o vazio universais.
É portanto o caminho do «Nirvana»; o estádio que permite a penetração nos compósitos da realidade e atinge o
seu âmago de Não-ser.
De sublinhar que o meio para caminhar nesta via é o
conhecimento: pela disciplina da mente tenta-se conduzi-la
à verdadeira consideração do que existe. É uma redefinição
gnoseológica que está na base da conduta ética. A este
respeito atente-se nos dois últimos tercetos e como neles
condensadamente temos, não só um plano de conduta
ética, mas também uma especulação metafísica que, aliás,
lhe serve de base.
* * *
Para terminar gostaria de sublinhar o facto de ter tido o
cuidado de fazer a minha reflexão a partir dos textos de
Antero, tentando mostrar como os princípios básicos do
budismo enformam a visão anteriana da realidade, para
além de constituírem o suporte da sua síntese poético-filosófica: o budismo como corolário do helenismo.
Muito para além de um mero conjunto de influências, há,
sem dúvida, um oriente budista na reflexão anteriana, o qual
condiciona o seu olhar e o seu pensamento. Mas não de um
budismo original e «genuíno», quiçá anacrónico no século
XIX português e europeu. O que Antero faz é uma reflexão
muito própria e particular do budismo, ou de algumas ideias
próprias dessa corrente filosófica indiana, com vista à resolução das suas inquietações de cariz ontológico-ético: nisto
reside a sua profundidade, originalidade, grande interesse
e actualidade.
267
Notas
(1) Cartas, op. cit., pp. 925, 926.
(2) Cartas, op. cit., p. 880.
(3) Esta necessidade de comunicação (directa) está expressa na «explicação» que Antero faz no prefácio à chamada edição «Stenio» dos
«Sonetos», na medida em que aí declara que a afirmação do «Eu» do poeta
assume a tradição e, deste modo, «eleva-se a uma certa universalidade (…)
além da sua própria pessoa, a do Poeta arquetípico, tomado o personagem
de uma ficção alegórica da criação poética» (Sonetos, op. cit., p. 9). Desta
forma, parece-me que o Poeta obvia à solidão, ao ´pavor pascaliano´ do
Homem só num mundo sem voz audível.
(4) Cartas, op. cit., p. 748.
(5) Idem.
(6) Tal questão anunciada aqui terá eco evidente naquilo que Nuno
Júdice chama de «interseccionismo pessoal».
(7) Sonetos, op. cit., pp. 229, 230.
(8) Puligandla, R., op. cit., pp. 57 ss.
(9) Ideia tantas vezes vincada nas Cartas e referida por si como aquilo
que o Poeta deixará para a posteridade.(cf. Cartas, op. cit., pp. 727, 656,
742, etc.).
(10) Sonetos, op.cit., p. 12.
(11) Sonetos, op. cit., p. 11.
(12) Cartas, op. cit., p. 716.
(13) Cartas, op. cit., p. 756.
(14) Curioso é verificar aqui como o olhar e ver do Dia remetem para o
pensar da (e na) Noite: no fundo a mesma questão dos olhos dos sentidos e
dos olhos interiores da alma já referidos por Aristóteles no Livro A da
Metafísica.
(15) Vejam-se a este propósito as parábolas de Buda da «Vela» e da
«Corrente».
268
Bibliografia sumária
Quental, Antero de, Cartas I, II, col. Obras Completas de Antero de
Quental, organização, introdução e notas de Ana Maria Almeida Martins, ed.
Comunicação, Lisboa, 1989.
Quental, Antero de, Filosofia, col. Obras Completas de Antero de
Quental, organização, introdução e notas de Joel Serrão, ed. Comunicação,
Lisboa, 1991.
Quental, Antero de, Sonetos, organização, introdução e notas de Nuno
Júdice, ed. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 1994.
Cidade, Hernâni, Antero de Quental, ed. Presença, Lisboa, 1988.
Carvalho, Joaquim de, Evolução Espiritual de Antero e Outros Escritos,
ed. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 1983.
Coimbra, Leonardo, O Pensamento Filosófico de Antero de Quental,
Guimarães ed., Lisboa, 1991.
Silva, Lúcio Craveiro da, Antero de Quental - Evolução do Seu
Pensamento Filosófico, Livraria Cruz, Braga, 1959.
AA.VV., Poesia Romântica Portuguesa, antologia organizada e prefaciada por Álvaro Manuel Machado, ed. Imprensa Nacional-Casa da Moeda,
Lisboa, 1982.
AA.VV., Antero de Quental (1891-1991), Revista Portuguesa de Filosofia,
Braga, Abril-Junho, 1991.
Chattopadhyaya, Debiprasad, Indian Philosophy, People’s Publishing
House, New Delhi, 1993.
Radhakrishnan, S., Raju, P.T., The Concept of Man, Harper Collins
Publishers-India, New Delhi, 1995.
Radhakrishnan, S., Eastern Religions and Western Thought, Oxford
University Press, New Delhi, 1988.
Sharma, Chandradhar, A Critical Survey of Indian Philosophy, Motial
Banarsidass Publishers, New Delhi, 1987.
Puligandla, R., Fundamentals of Indian Philosophy, Abingdon Press, New
York, 1975.
Coomaraswamy, Ananda K., Buddha and the Gospel of Buddhism,
Munshiran Manoharlal Publishers, New Delhi, 1985.
269
XU YIXING
Universidade de Estudos Internacionais
de Xangai
Combinação das Culturas Latina e Chinesa
- Ensino do Português em Xangai
"A palavra humanismo deriva do latim humanus, que significa ‘humano’. Podemos definir brevemente um humanista
como alguém cuja visão do mundo confere grande
importância aos seres humanos, à vida e ao valor do ser
humano. O Humanismo realça a liberdade do indivíduo, a
razão, as oportunidades e os direitos".
Gaarder, Jostein em “O Livro das Religiões”
O termo humanismo é utilizado para designar o estudo
das letras humanas em oposição à teologia, diz-se assim.
De facto, a palavra tem, além dessa explicação, várias
outras explicações, conforme os dicionários, como por
exemplo:
1. Doutrina ou atitude que se situa expressamente numa
perspectiva antropocêntrica, em domínios e níveis diversos,
assumindo, com maior ou menor radicalismo, as consequências daí decorrentes. Manifesta-se o humanismo no
domínio lógico e no ético. No primeiro, aplica-se às doutrinas que afirmam que a verdade ou a falsidade dum conhecimento se definem em função da sua fecundidade e eficácia relativamente à ação humana; no segundo, aplica-se
àquelas doutrinas que afirmam ser o homem o criador dos
valores morais, que se definem a partir das exigências concretas, psicológicas, históricas, econômicas e sociais que
condicionam a vida humana.
2. Doutrina e movimento dos humanistas da
Renascença, que ressuscitaram o culto das línguas e literaturas greco-latinas.
3. Formação do espírito humano pela cultura literária ou
científica.1
Vê-se que até no mesmo dicionário, a palavra tem vários
sentidos, contudo, é fácil aperceber que os sentidos todos
estão intimamente ligados, pelo menos, apontam para uma
coisa em comum, isto é, o humanismo não se refere a ape271
nas uma coisa, mas sim, a diversos aspectos, incluindo
questões cultural, económica, social, entre outras. Além
disso, o homem é sempre o centro de todas as actividades,
é quem cria as doutrinas e quem descobre o mundo.
O humanismo latino, seguindo o mesmo fio de pensamento, é composto por diversas noções no âmbito das culturas latinas, de que fazem parte as culturas portuguesa e
brasileira e com que temos íntimas relações, os que trabalham com a língua portuguesa no dia-a-dia.
A Universidade de Estudos Internacionais de Xangai,
universidade estabelecida em 1949, abriu o Curso de
Licenciatura em Língua e Cultura Portuguesas em 1977.
Mas como a procura não tem sido enorme, embora cada
vez mais, até este momento, não se admitem alunos todos
os anos.
De qualquer modo, é uma instituição onde se ensina o
Português, sexta língua mais falada no mundo e onde, por
conseguinte, se ligam as diferentes culturas, que estão
longe de distância fisicamente. Tomando uma aula de tradução como exemplo, não é difícil notar que no caso da tradução de chinês para português ou ao reverso, os alunos
aprendem a técnica de interpretação dos conteúdos com a
língua portuguesa ou chinesa, na base de posse mínima de
senso comum sobre os mesmos. Neste caso, quando as
noções culturais dum país são interpretadas pela língua do
outro, as duas culturas combinam-se perfeitamente. Mais
difícil a aula de conversação. Se nem conhecermos bem o
que vamos dizer mesmo na língua materna, como é que
podemos traduzi-lo para uma língua estrangeira? Tudo isso
exige que os aprendentes tenham que se esforçar fora das
aulas, lendo, vendo, comunicando, a fim de obter mais
informações e conhecimentos sobre as noções culturais do
próprio país, o que facilitará, sem dúvida, a comunicação
com os outros, quer compatriotas, quer estrangeiros.
Ler, sim, mas ler o quê? Claro, há imensos livros sobre a
China, por exemplo, em Chinês. Para quem estude uma língua estrangeira, porém, não é suficiente ler coisas sobre a
China e em Chinês, mas sim, sobre a língua estrangeira e
o(s) país(es) onde se fala a língua, o Português e os países
de língua portuguesa, e especialmente Portugal e o Brasil,
no nosso caso. O problema é que quase não se encontram
publicações sobre esses países, mesmo em Chinês, nem
pensar em Português! No mercado chinês, o que podemos
encontrar pode ser um dicionário bilingue chinês-português
(e é o único), um manual sobre a gramática portuguesa
272
(também é o único, ou no máximo, um dos 2 ou 3 publicações que temos), ou um romance traduzido de português
(no caso de romances, há bastantes, mas ao mesmo tempo
pouquíssimos em comparação com as edições de Inglês ou
outras línguas). E quanto aos materiais didácticos, não há
nada. É que os docentes chineses de Português não trabalham? Se acharem assim, estão enganados. Trabalham
mesmo e usam-se as cópias dos frutos resultados da inteligência e empenhamento dos professores, só que os mesmos não chegam a ser eventualmente publicados. O número de tiragem, se chegassem a publicar, não alcançaria o
suficiente de balança financeira das editoras, as quais,
naturalmente, têm de pensar em lucros.
No fundo, há pouca gente (na base duma população tão
grande como a China) que se interessa pelo Português
embora o número seja cada vez maior. Além das únicas 3
instituições onde há cursos de licenciatura de Português em
Pequim e Xangai, ainda se encontram locais de ensino de
Português como opção em várias cidades chinesas, como
Guangzhou, aliás Cantão, Quanzhou da província Fujian,
Nanjing da província Jiangsu, Chendu da província
Sichuan, etc. Basta ver os números de alunos admitidos no
curso de licenciatura em Xangai desde 1994, ano em que
se regularizou a admissão de alunos de Português na
Universidade de Estudos Internacionais de Xangai:
Ano
Número de alunos
1994
7
1998
11
2000
15
2002
16
2004
20
2005
25
Observação
A ser previsto
Desse quadro, pode-se verificar que de 1994 a 1998,
ainda se admitiram alunos de 4 em 4 anos. Contudo, desde
1998, a situação melhorou, quer dizer, já temos novos alunos de 2 em 2 anos e o número de alunos está a aumentar.
E a partir de 2004, está prevista uma nova turma todos os
anos, ou pelo menos, manter 3 turmas dentro de 4 anos.
Fora disso, existem empresas que estão a desenvolver
relações comerciais com alguns países de língua portugue273
sa, ou estão a preparar-se para isso, as quais têm a necessidade de formar um grupo de pessoas que falem pelo
menos um pouco de Português, de tal modo que se torne
muito mais fácil a comunicação com a sociedade local
quando lá chegarem. Com a visita do Presidente do Brasil à
China em Maio de 2004, e a visita do Presidente da China
aos 4 países da América do Sul em Novembro de 2004,
ainda mais a visita do Presidente de Portugal à China nos
próximos dias, os interesses políticos e económicos vão,
com certeza, dar estímulo a outros tipos de interesses, o
que levará, ou já levou, à busca de lugares onde se pode
aprender Português.
Para esse grupo de pessoas que já têm um emprego
garantido, diferente dos alunos de licenciatura, nas aulas
intensivas de formação por curto prazo, de 1 mês a 6
meses, também se nota bem a combinação das duas culturas. O Euro 2004, a Taça Mundial de futebol, o vinho do
Porto, a samba do Brasil e demais noções ligadas a
Portugal e Brasil, tudo isso pode ser interessante para
aprendentes chineses comerciantes, que estão conscientes
de que o conhecimento da cultura do país parceiro facilitará os negócios. Como os estrangeiros têm também grande
curiosidade desse mundo do Oriente, não vemos a necessidade de que se ausente a interpretação em Português as
noções especiais da China. Portanto, vê-se frequentemente
nessas aulas a comparação entre as culturas, embora com
palavras muito simples.
Já contamos com o simpático apoio de algumas instituições que trabalham com a divulgação do Português,
nomeadamente o IPOR e o Instituto Camões, no que diz respeito à abertura de Leitorado de Português na nossa
Universidade, envio de leitores bem como materiais bibliográficos e audio-visuais, organização de cursos de Verão
em Macau para docentes e alunos de Português, concessão do Prémio de Portugal aos melhores alunos de
Português dos leitorados, além dum Centro de Língua
Portuguesa nesta instituição em breve, se tudo correr bem.
Há, ainda mais, algumas universidades que já estabeleceram boas relações com a nossa instituição através da assinatura de convénios de cooperação: Universidade de
Lisboa, Universidade Lusíada, Universidade de São Paulo,
Universidade Cândido Mendes (do Brasil), Universidade de
Macau, Instituto Politécnico de Macau... As mesmas, oferecendo-nos apoios por meio da oferta de materiais,
intercâmbio de docentes e alunos, concretizaram ou estão
274
a concretizar os convénios, de tal modo que favoreçam a
divulgação da língua portuguesa em Xangai. Entre elas,
destaca-se a publicação da obra “Formação Econômica do
Brasil”, de Celso Furtado, na China em 2002, com o pleno
apoio da Universidade Cândido Mendes.
Apesar disso, ainda desejamos contar com o apoio possível de todas outras instituições, a fim de, por instante,
publicar os materiais de Português na China assim como
materiais sobre a China em Português em outros países;
organizar actividades dos aprendentes de Português quer
na China quer em outros lugares do mundo, sobretudo em
Macau, que é mais fácil de chegar; enviar mais materiais de
língua portuguesa... Sem dúvida, somos vorazes nesse
aspecto, os materiais nunca são suficientes. Por outro lado,
também somos vorazes em desenvolver o ensino de
Português em Xangai.
Notas
(1) Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da lìngua portuguesa, pàgina 1064, Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1999.
275
ZHANG WEIQI
Universidade de Estudos Internacionais de Xangai
Diferenças Culturais e a Tradução
As maiores dificuldades que um tradutor enfrenta na sua
prática de tradução de um língua para a outra seriam as diferenças culturais, pois, além do domínio das línguas com
que ele traba-lha, envolvem usos e costumes, preconceitos,
valores morais, concepções do mundo etc., detalhes que
possivelmente causam “barreiras” ao entendimento mútuo.
Para um tradutor que está a desenvolver um trabalho
com as línguas chinesa e portuguesa, o seu conhecimento
relacionado com as diferenças culturais é, sem dúvida nenhuma, um dos factores essenciais para que o trabalho resulta bem ou menos bem conseguido.
Será difícil, neste momento, tratar de um assunto tão vasto como as diferenças culturais, por isso, gostaria de
esboçar, nesta comunicação, alguns aspectos relativos
com as práticas de tradução, incluindo diferenças existentes no léxico, semântica, estruturas das frases e seu uso
nos actos de fala diários.
I. Diferenças Semânticas - Equivalentes Parciais
Teoricamente, o tradutor procura sempre o equivalente
de Português para Chinês ou vice-versa no seu trabalho.
Seria muito bom encontrar uma frase “Ele é meu vizinho”
para a tradução, porque pode localizar equivalentes um
após um e montar a frase em Chinês sem dificuldades nenhumas.
Mas na prática, dependendo do contexto, uma palavra
em Português pode ter vários equivalentes em Chinês com
sentidos extremamente distantes ou até, em casos particulares, não ter equivalente nenhum.
Este fenómeno é muito comum na prática de tradução
Português-Chinês. Uma explicação para tal fenómeno pode
ter a ver com o facto de as duas língua pertencerem a dois
ramos distantes: o Chinês é uma língua pictográfica, usa
277
pictogramas enquanto o Português usa o alfabeto romano.
Em muitos casos, pode-se encontrar palavras em
Português que têm um campo semântico maior do que em
Chinês, por isso, só conseguimos localizar em Chinês,
equivalentes parciais. Vejamos os exemplos seguintes:
Ex. 1 “irmão”:
[ge--ge], irmão mais velho
[dì-di], irmão mais novo
irmão
Ex. 2 “tia”:
[gu--ma-], irmã do pai
[shĕn-shĕn], esposa do irmão
do pai
[a--yí], irmã da mãe
etc.
tia
Nestes dois exemplos, podemos verificar o facto seguinte: as duas palavras citadas, “irmão” e “tia”, possuem sentidos mais amplos. No caso de procurar um equivalente na
tradução para o Chinês, o tradutor depende muito do contexto para saber quem é quem.
Há casos que deixam os ouvintes confusos quando o
tradutor não consegue escolher o equivalente correcto conforme o contexto. Vou citar mais um exemplo que transmite
o sentido pejorativo para os leitores ou ouvintes por falta da
contextualização:
278
Ex. 3 No momento de estimular os outros, o chefe exclamou – “Sejam mais ambiciosos no próximo ano!” e o tradutor, sem demorar um segundo, passou para os ouvintes:
“
([yĕ-xi-n])”.
A falha na tradução verifica-se no facto de, em vez de
passar um sentido positivo, o tradutor usou uma palavra para Chinês que possui um sentido pejorativo para os outros.
Para “ambição” ou “ambicioso”, palavras neutras que depende muito do contexto para exprimir sentido positivo ou pejorativo, o tradutor precisa de estar muito atento na prática.
Na tradução de Chinês para Português também existem
muitos casos similares. É sabido que o Chinês é uma língua
carente de flexões, isto é, em comparação com o
Português, não existem conjugações verbais e usam-se advérbios para expressar o tempo.
Outro aspecto que merece atenção na tradução Chinês-Português diz respeito à flexão do género e número.
Apesar da língua chinesa ter prefixos e sufixos para exprimir número (“
[me-n]”) e género (“
[nán]” masculino
v
[nü]” feminino), raramente se usam, particularmente na
oralidade:
Ex. 4 “
” (yi-she-ng), pode ser médico ou médica,
até pode referir um grupo de médicos/médicas, pois em
Chinês, excepto casos de ênfase, ninguém costuma dizer
“
” ou “
”.
“
” (lăo-shi-zăo), pode ser “Bom dia, professor!”,
“Bom dia, professora”, “Bom dia, professores” ou “Bom
dia, professoras”, tudo depende da situação.
Destas diferenças semânticas, podemos notar que há
diferenças nos sistemas que organizam as duas línguas, as
quais influenciam a tradução e exigem muita atenção do
tradutor durante o seu trabalho de retroversão de uma língua para a outra. Basta lembrar-nos de que, também há casos de ausência de equivalentes, particularmente na área
lexical das comidas. Um exemplo disso: há dez anos, por
exemplo, ninguém na China sabia o que era o “pastel de nata” e agora, para quem já provou e se habituou a compreender o seu significado e significante, jamais se
esquecerá do seu nome em Chinês.
279
II. Diferenças Sintácticas - Estrutura das Frases
Na tradução Português-Chinês e na comunicação social, as diferenças nas estruturas das frases tornam-se obstáculos que dificultam o trabalho dos tradutores.
1. Organização do Pensamento e a Estrutura das Frases
Como sabemos, qualquer sistema linguístico expressa
uma determinação através dos actos de fala. Assim, a sintaxe que ele usa fica regulada pela forma de manifestar o
pensamento dele que varia de falante para falante e de um
país para o outro, conforme a língua que utiliza e o seu sistema normativo no conjunto.
Em Português, notamos que com base de “Sujeito +
Predicado”, a frase pode ser estendida com orações subordinadas, expressões preposicionais, gerúndios etc., que
estão interligados aos elementos essenciais da frase. De
facto, as frases estão unidas pelos elementos de ligação,
que estabelecem certo tipo de relação entre duas orações.
Vejamos um exemplo disso:
Ex. 5 Como aqueles nossos velhos solares que, limpos
das teias de aranha, fazem corar de vergonha qualquer
arranha-céus de cimento construído ao lado, o Porto só precisa de ser espanejado do pó do tempo para competir com
qualquer terra que se lhe queria medir.1
Neste exemplo, com o análise, sabemos que é uma frase comparativa. A oração principal é “O Porto só precisa de
ser espanejado do pó do tempo” e estabelece uma comparação do Porto com os velhos solares, através da conjunção
“como” que liga as duas orações.
Enfim, para o tradutor, a noção de o pensamento analítico do Português é mais claro que no Chinês, para o qual a
ligação das orações sucede-se uma após outra sem elementos conectores como conjunções, sejam as que mostram a relações interiores. Um principiante em tradução
Português-Chinês e vice-versa, detecta logo ao traduzir para chinês a frase “Saí de casa para passear, quando o encontrei” para Chinês (
,
), que não precisa de empregar uma conjunção para ligar as orações,
pois em Chinês, há uma preocupação maior no efeito de expressão do conjunto, na expressividade e no ritmo, em vez
de ficar preso às normas rígidas impostas pela gramática
portuguesa.2
280
2. Ordem dos Elementos da Frase
O estudo comparativo entre o Português e o Chinês obriga-nos ficar de olhos bem abertos sobre a ordem dos elementos da frase, que também é um elemento para entender
a forma como as duas línguas organizam o pensamento:
Ex. 6 1. Região Administrativa Especial de Macau
(1)
(2)
(3)
(4)
➛
(4)
2. Estudar
(1)
(3)
(2)
com
(1)
aplicação
(2)
➛
(2)
(1)
Com mais estudos semelhantes aos dois exemplos acima referidos, verificamos que a ordem dos elementos da
frase em Português e em Chinês é exactamente o contrário:
o Português expressa em primeiro lugar os elementos nucleares da frase (no caso 1, “Região” e no caso 2,
“Estudar”), e depois, acrescenta outros elementos modificadores; em Chinês, a parte nuclear fica sempre no último lugar e os componentes modificadores localizam-se em primeiro lugar. Podemos verificar a forma como os dois sistemas de língua funcionam e como organizam o pensamento
é literalmente o oposto.
Assim, de acordo com o sistema da língua portuguesa,
uma frase pode ser prolongada e o seu conteúdo pode ser
enriquecido com acréscimo de elementos modificadores;
enquanto a organização da frase em Chinês não tolera elementos adicionais antes da palavra nuclear e normalmente
é curta.
Através das explicações acima referidas, que representam diferenças ideológicas quer na Semântica quer na
Sintaxe entre o Português e o Chinês, podemos entender
como as duas línguas expressam ideias, conceitos e pensamentos distintos, os quais dificultam o trabalho do tradutor. Em seguida, vamos esboçar um pouco das diferenças
que existem nos usos e costumes.
281
III. Diferenças nos Actos de Fala Diários
O emprego da língua varia de um país para o outro conforme os seus usos e costumes. Até dentro do mesmo país,
também há diferenças na tradição, no uso da língua que
causam dificuldades.
Primeiro, gostaria de citar uns exemplos relacionados
com números para quem já tem alguns conhecimentos sobre os países da língua portuguesa: um bilhão no Brasil corresponde a mil milhões em Portugal enquanto um bilhão em
Portugal possui mais três zeros! Quanto à China, as pessoas costumam contar com quatro algarismos: dez mil, cem
milhões, etc. Tal problema sempre gera confusões aos que
estão no início da prática de tradução. Por isso, o tradutor
deve-se preparar bem antes de enfrentar os emissores e receptores.
Na China, o primeiro andar corresponde ao rés-do-chão
em Portugal, enquanto o primeiro andar em Portugal é o segundo andar em Chinês. Assim, o tradutor precisa de notar
que um prédio baixou um piso de Chinês para Português!
O diminutivo em Português é tão usado nas formas de
tratamento, a ponto de ser usado também para os idosos;
na China estamos acostumado a usar o prefixo “
([xiăo],
pequeno/a)” para tratar os que têm menos idade e o
“ ([lăo], velho/a)” para quem seja mais idoso.
Outro aspecto interessante é comparar os animais com
os conceitos que eles representam. De vez em quando sugerem conotações desiguais, como por exemplo, o rato está associado à inteligência em Português enquanto que em
Chinês, é um animal mau que espalha doenças.
O conhecimento das diferenças dos costumes também
pode vir da prática de convívio. O tradutor necessita de observar bem os detalhes da vida quotidiana. Por exemplo, a
cerveja não gelada para um português é “cerveja quente”
que ninguém bebe; paralelamente, um chinês ao pedir
água quente, quer dizer que ele deseja água recém-aquecida para fazer chá.
A cultura e a língua são coisas inseparáveis para se fazer uma boa tradução. As diferenças culturais que o tradutor enfrenta durante o seu trabalho precisam de ser resolvidas com a sabedoria do próprio tradutor. Hoje em dia, com
o avanço tecnológico, torna-se possível ter acesso a várias
fontes de pesquisa, incluindo livros, jornais, revistas, canais
de televisão e, principalmente a Internet, que nos fornece
informações que talvez sejam importantes para o tradutor
282
desenvolver o seu trabalho. Assim, o tradutor pode e deve
aproveitá-las para superar as dificuldades da compreensão
do texto original e para o descobrimento das soluções de
forma a poder harmonizar a tradução com o texto original.
Na medida que o tradutor for capaz de evoluir na dimensão
cultural, menos barreiras encontrará no seu trabalho.
Notas
(1) In Portugal, de Miguel Torga.
(2) As estruturas das línguas ocidentais parecem interligadas uma a outra e deixam traços de ligação; as estruturas de Chinês parecem juntadas
sem ligações nenhumas e não deixam traços de ligação. A Gramática das
línguas ocidentais é fixa, sem flexibilidade enquanto a de Chinês é variável,
rica de flexibilidade (tradução livre), in Teoria da Gramática de Chinês, do
Professor Wang Li.
283
ZHANG XIAO-HUI
Professor in the History Department “Jinan University”
Guangzhou, China
The Economy Society of Macao
at the Early Time of the Anti-Japanese War
(1937.7 - 1941.12)
I. The economy society of Macao
on the eve of the Anti-Japanese War
In the late 19th century and early 20th century, Macao’s
sluggish economy had begun the process of modernization
slowly. The urban appearance made great changes including dismantling and renewing old houses and “Taking on an
entirely new look”. The Project Department “spare no pains
to polish up the street”1. Because the entry and exist
between Canton and Macao was unrestrictedly, people’s
come-and-go were frequent and the economic and trade
connection was rather close. According to the statistics by
GongBei Customs, since 1912, the annual average quantity
of the passengers travelling between Canton and Macao
overran one million2. In the 1920s, the Macao governor
implemented comparatively enlightened policy, such as at
the end of 1928, after the Sino-Portugal government signed
treaty of amity & commerce, the improvement of the relationship between Macao and hinterland had created conditions for the development of social economy. The paces of
the city’s development were also accelerated, filling out the
sea and making ground on a large scale to make the urban
area greatly expanded during this period, with the whole
area in Macao 11.04 km2 in 1911 but 15.42 km2 in 1927. The
change is significant for the development of Macao.
Originally very weak manufacturing industry of Macao
also strengthened, especially in fireworks industry, match
industry and incense industry which had had certain reputation overseas. At the beginning of 1930s, total export value
of these products had already been close to 40% of the total
export value of Macao. However, most of these enterprises
were hand-made manufacturing factories or workshops,
with the number only about 120, which did not take great
proportion in local economy too3.
285
The following depression sweeping over the world made
the economy in Macao and the hinterland fall into depression.
It was reported in the newspaper in mid 1930s that the
depression of commerce in Macao has never occurred
before and can’t recover after a setback. Rare people can be
seen into the previously prosperous gambling joints and
opium den and so are the other businesses. As for brothel,
there are few visitors, either4. Otherwise, According to the
report from GongBei Customs: In 1935, the economic situation in Zhongshan County and nearby areas generally
declined, while the overseas remittance also fell sharply. It did
not ameliorate in the following year. “Influenced by it, the
trade suffered a disastrous decline”5. Simply depending on
the handicraft industry and the trade of imports and exports
with a severe trade deficit was useless for saving Macao’s
economy, therefore, particular businesses emerged as the
times required. Such as the gambling business, Macao government (Portugal) claimed to allow various kinds of gambling
business to have patent rights in 1934, and adopted bid to
dispose gambling business in the whole Macao. Nanhua
recreation Co., Ltd. of Dog Race was then established in the
same year. At that time Dufantan, Shooting dice and Baijiale
formed mainstream in gambling joints of Macao which centered in the most prosperous place in the urban areas, such
as Qingpingzhi Street, New Fulong Street, Yi an Street, where
more than 20 gambling joints existed, all called company.
Among them TaiXing Entertainment Company organized by
Kening Gao, Deyin Fu and the like in 1937 was the most
powerful which signed the exclusive contract with government of Portugal Australia General Office of Finance, hosting
the gambling house business of the whole Macao and paying
the tax – equivalent to Portugal currency 18,000,00 – on
gambling every year6. As for prostitute business, because
Hong Kong forbade operating brothel in 1935, most moved in
Macao, because of that thousands of prostitutes settled down
in Macao. Special trade tax, etc. became main financial
source of government revenue, especially the proportion of
the sources of profit of the opium and gambling skyrocketing.
The received tax, up to several million dollars, accounted for
about 90% of the fiscal revenues unexpectedly7.
The records about Macao’s population were few in histories. Before 1920 it was estimated that the local population
were kept in the level of seven or eight ten thousand people.
In 1924, mainly because of the rebellion of Guangzhou businessman’s group, a large number of people ran away into
286
Macao, which gave occasion to Macao’s population to
exceed 1,000,00 for the first time. Prewar the population in
Macao was about 1,200,00, the model of social economic
development stepped into an abnormal stage, which was
so-called “prosperous” with no way out, Just as what was
recorded in the prelude of “the Annual of Macao” published
in 1936 “judging from current status, the business activity in
Macao was underdeveloped, having to be by right of neighboring markets to meet its needs, so the Macao market pertained to them in fact, with the balance of trade discrepant
more greatly lately”8. Soon after, Anti-Japanese War broken
out, the change of the domestic situation had brought a new
favorable turn to the development of Macao.
II. The main port of foreign traffic and external
trade of West Bank of the mouth of Pearle River
In the first year of the anti-Japanese war, it was affected
but not much on the connection among Canton, Hong Kong
and Macao. After Guangzhou was occupied in October of
1938, though traffic between Guangzhou and Hong Kong
was cut off, the transportation of Hong Kong-Macao and
Canton-Macao still opened. Macao became the tie contacting Canton and Hong Kong and important transfer station of
Chinese and foreign trade in wartime for a time.
1. Pivot of the foreign traffic of West Bank of the mouth of
Pearle River
In the initial stage of Anti-Japanese War, the local products Mainland exported to Hong Kong and the goods Hong
Kong entered to Mainland gathered in Macao in a large
amount needing to transport, so the shipping industry of
Macao and automobile transport service were very prosperous, making the traders lucrative. However, the communications and transportation of Macao, Hong Kong and hinterland is unstable, its prosperity and decline had to depend on
development of the military situation. In the county of
Zhongshan there are many rivers and branches, with one
leading to Macao. The main road directly to Macao is QiGuan road. Since war of South China, it was the only channel
connecting Guangzhou to exterior, which was unusually
crowded with passengers in the last ten days of October of
19389. For escaping being bombed and mowed down by
Japanese fighters and making the travel safer, Qi-Guan road
287
Bus Company switched to night shift on the beginning of
November10. In April of 1939, the Japanese aggressor troop
intruded in Jiang men, and the war spread to neighboring
regions, resulted in the refugee waiting to relive urgently, with
a narrow channel left opening to Macao. It is relatively difficult to transport, but narrowly can do11. When Rongqi was
occupied, Macao and four cities and three ports in lower
reaches of Xijiang River suddenly prospered. There were as
many as 18 kinds of motor vessels in all in the companies of
5 boat industries at that time, “it flourished for a time when the
vessels loaded with passengers or cargoes shuttled like crucians crossing the river”12. But the military affairs of
Zhongshan were pressing in mid-July, and most of ferries
were forced to suspend. Generally speaking, local products
transported to Macao and goods to the hinterland of Macao
this year was a lot, so the forwarder could obtain thick profit.
But after the Japanese took up Zhongshan and Shiqi in
1940, the four cities were separated from Hong Kong and
Macao. The ferry and cargoboat that usually toed-and-froed
between three ports and Macao didn’t dare to voyage being
afraid of Japan’s warships cruising on the river making a
great deal of goods overstocked. In the last ten days of
March, Chinese garrison five district guerrilla warfare headquarter convened the boat trader to have a meeting specially, discussing how to safeguards the traffic, determined to
use a new course of Duhu without exception, and sent warship to convoy against pirates. Ferryboats and tugboats
resumed sailing soon13. Enemy and we fought fiercely within
the territory of the county of Zhongshan. Though the
Japanese aggressor troop “mops up” everywhere, it is still
unable to control the current political situation effectively.
Since the Japanese aggressor troop removed the blockade
of Macao, in the last ten days of June, the passenger-cargo
exchanges have already resumed as usual. A lot of groceries
were transported to Zhongshan and three ports by Macao
from Hong Kong day after day, at the same time, the goods
in the hinterland and agricultural byproducts were also transported to Hong Kong in a steady stream by Macao14.
At the beginning of 1941, the navy of Japan strengthened to the coastal cleaning up of South China, leaving the
traffic hinge Shayuyong lying in Daya Gulf blocked up, and
freight transportation of West River to South still prosperous15. A lot of forwarding agents shifted to Macao, trying
to hold the transportation undertaking between Macao and
four cities, three ports. By mid-March, these communication
288
lines were in fashion for a time, carriers nearly up to one hundred. However, because the coastal was unsafe, the enemy
warship volleyed and influenced by the war, or can not handle well and lack funds etc., the majority closes and has a
rest soon16.
Transport network of West Bank in the mouth of Pearl
River helped domestic wartime materials rush to transport
and transfer. It is very crucial to rush to transport salt in
wartime. Salt was shipped by Canton east salt transport line
by sea to Hong Kong first, trying to transfer again. One way
is to transfer salt to the hinterland by Macao17. These passing ways were full of twists and turns, land and water by
turns, keeping the transporting and connecting hardly. Until
1941 after the war of the Pacific Ocean was broken into,
some were still insisting on running.
2. Bonds of West Bank of the mouth of Pearle River in the
foreign trade
The foreign trade of Macao was extremely unstable during the prewar days. But as Guangzhou and Hong Kong
were occupied in succession during the war of resisting
Japanese, a large amount of domestic and foreign trade
centralized on the so-called “neutrality” and promoting the
imported and exported goods value in Macao to increase
nearly 3 times promptly in a few years. Such as follows:
Form 1: Foreign trade goods value statistical form of Macao
Unit: Portugal Coin
Year
1936
1937
1938
1939
1940
Import
15 743 585
20 292 593 28 434 584 50 009 313 27 821 405
Export
9 143 627
15 438 634 20 738 960 43 339 066 24 112 812
Total of
imports
and
exports 24 887 212
35 731 227 49 173 544 93 348 379 51 934 217
Source: edited by Qichen Huang: “General History of Macao”, Educational publishing
company of Canton, 1999 edition, Page 341.
Since Guangzhou was occupied, “the trade situation is
widely different and unusual” in Gongbei Custom. The traffic
of Hong Kong and every coastal port of Canton was broken
off; large quantities of goods were transported to Macao,
and then were shipped to hinterland by civilian boat, sampan and automobile etc. In 1938 foreign goods imported
were lower than last year, but local products exported
289
heightened. “The local situation of Gongbei is still not stable,
but the foreign trade all the better preponderates over last
year”. Make all customs to be counted; the imported foreign
goods are worth country’s coin of 26,600,000 Yuan altogether, increasing sharply than 3,700,000 Yuan of last year. Also
7 million Yuan became 2010 Yuan for the value of the directly exported local products. “In the same year various local
products exported by way of Yuehai Custom and Kowloon
Custom originally had to be shipped out via Gongbei
Custom because of the strained situation in hinterland. The
special phenomena of this year worth noticing particularly is
the output amount of the poultry, fresh fruit, fresh vegetables
increases sharply at double among exports”18.
Because the Japanese aggressor troop has captured
Guangzhou and nearby area, transportation main artery of
Guang-jiu railway was cut off. After this in some time, the
center of China foreign trade shifted to Shantou, Macao and
Guangzhou gulf respectively, so “due to Hong Kong trade,
these three harbors are prosperous”19. The trade between
Hong Kong and China’s Mainland by Macao has been promoted, such as form 2:
Form 2: Value of imports and exports between
hinterland and Hong Kong by Macao
Unit: Hong Kong dollars
Item
Year
1938.1-8
1939.1-8
Increase in 1939
than last
Value of exports to
Hong Kong by way
of Macao
720.3
1 991.9
1 217.6
Value of exports to
Macao by way
of Hong Kong
1 431.4
2 810.0
1 378.6
Source: “Economy News”, “Hong Kong Singtao Daily”, Sep. 28th 1939.
Transported to Hong Kong by Macao, it is large with fish,
vegetables, nankeen, raw silk and silk fabrics, ore in sand
form, tobacco, etc.; Transported from Hong Kong by way of
Macao to hinterland it is large with grain (paddy-rice, flour),
kerosene, peanut oil, cigarette, etc.
290
Form 3: Value of imports and exports of all Customs of Canton and
proportions occupied by Macao (1938-1940)
Unit: Import: customers’ silvers
Export: Paper currency issued in 1935 by KMT government
Year
Total value
of imports
Section
from
Macao
1938
—
—
Proportion
Value
of Macao of exports
—
Total value Proportion
to Macao of Macao
199 089 073 9 375 739
4.7
1939 37 321 656 2 857 727
7.7
104 731 672 21 292 597
20.3
1940 80 101 830 4 213 904
5.3
113 377 823 19 245 956
17.0
Source:
“Quarterly of Canton state-run bank”, Volume 3 Issue 2, Jun 1943, pp. 439-441, 443-446.
It can be seen form table 3, although in proportion of foreign trade to Macao every port of Canton dropped to some
extent in 1940, absolute value increased by a wide margin
compared with the year before last. Mainland local products
that Hong Kong input in the same term increased sharply, a
lot of them came from Macao, such as form 4:
Form 4: Table of local products imported from Hong Kong
and transferred by Macao
The title
of goods
Import
time
Total
of import
Shifted
from Macao
Remark
Tea leaf
1939.11
6 858 629pound
30 951pound
—
Tungsten
1939.11
818picul
406picul
Macao
presumably
account for
50 per cent
Tin
1939.11
2 037picul
No detailed fig.
—
Raw silk
1939.11
835 160yuan
793 549yuan
Macao
account for
95 percent
Tung oil
1939.11
63 600picul
184picul
—
Tung oil
1940.2
33 710picul
3 786picul
Macao
presumable
account
for 1/9
Medicinal
material
1940.2
928 799yuan
56 780yuan
—
Source: “Economy News”, “Hong Kong Singtao Daily”, Dec.27th 1939, March 26th 1940.
In the report of Gongbei Custom in 1940, it referred to:
“after Canton and Jiangmen were taken by storm, Macao
became the optimal way for Mainland to import and export
291
goods. One of the reasons was that it was the business center of the mouth of Pearl River. The other was that importers
fell over each other to lay in supplies for fear that Zhongshan
would be the next target of Japan, while exporters vied with
one another to market their goods, which brought on prosperity of transportation. Due to this in the first four and a half
months the trade increased sharply, its value counted more
than half of the total value of the previous year unexpectedly. It was calculated that the value of imports reached
16,200,000 Yuan and that of exported local products up to
11 million also. Until in May of the same year, the Japanese
aggressor troop occupied every branches of Gongbei
Custom, this port commercial affair stopped. After this,
Macao “turned into the largest centre district that
exchanged the goods and materials with the rear in enemyoccupied area promptly”20.
III. The prosperity of the industry and commerce
and social economic problems
During the numerous and disorderly war, people regarded Macao of neutrality as “the Land of Peach Blossoms”,
with its population aggrandized, merchants gathering and
the flourishing life appearing in the economic society. After
several years, the economic structure of Macao changed
obviously and promptly, fishery and some traditional craft
trades declined day by day, but the trades as rising finance
etc. emerged rapidly.
1. Flourish in great numbers of business
At the beginning of anti-Japanese war, a large number of
refugees dodged in Macao. It was covered in overseas
Chinese’s newspaper of June 16, 1938 that “refugee from all
parts up to 400,00 are pouring into Macao, making tenements overcrowded, who have no means to support themselves and become destitute and homeless”. Especially in
October the same year, the enemy intruded upon the coastal
area of South China, and “Macao and Zhongshan are jointed together either by land or by sea, turning into main traffic
artery and the hinge for refugee to flee”21. In 1939 Macao’s
populace aggrandized sharply to over 245,000 (some insisted 400,000), with which basic needs of society increased.
Among the refugee there were many moneybags who
brought capital and some even shifted their business to
292
Macao, engaged in managing off-site. Selling market and
ample fund input were easy to root out in Macao so that
many vocations tightly related with public’s life progressed
vigorously.
Because of floating population skyrocketed sharply, the
hotel industry of Macao was prosperous, with 28 prewar, 39
in 1937 and 51 in 1939, and the total number of travelers
was up to 345,00022.
Many Canton traders came to Macao for further development, such as Guangzhou native foreign dyestuffs industry
Zhaoxinlong Trading Company, the first to have established
branch in Macao, its business was booming23. Guo
Desheng, originally having pursed the business of native
and foreign groceries and knit goods in Zhongshan, saw
materials was scanty in wartime, then utilized the condition
of abutting upon Macao and Hong Kong to undertake rotation and sale of goods, with its business in the bloom of
prosperity. He and Feng Zhan Lin,a businessman of Macao,
co-invested in building Guangzhou Hong Xing Company,
whose filiales were set up in Hong Kong, Macao,
Guangzhou gulf and other places24. Chen xinghai, who had
a native bank and teashop in Guangzhou, went to Macao to
open many branches25.
Many inland medicine companies established branches
in Macao too. For instances, old Guangzhou Chen Li Ji
Medicine Trading Company ‘s branch in Macao was opened
in June20, 194126. Wang LaoJi, which is the famous old
established firm of Medicine Company in Guangzhou, had
branches in Hong Kong and Macao. After the Japanese
aggressor troop occupied Guangzhou, its cool tea warehouse was all destroyed by fire, operators escaped to
Macao, relying on the branch to insist on opening27.
Sharply increasing population, merchants gathering,
and the prosperous market had driven financial circles.
Inland many silver native banks moved Macao to manage,
“the large banking house, exchanging small, spread all over
in streets and lanes, the business was also unusually developed”. The business of every banking house, moneylocker made a profit more with the retail sales, because
there have been already many monetary kinds in wartime,
the price also often change, often need to exchange, while
coming in and going out, make a profit much. The collecting
of various kinds of service charges is also quite considerable28. Ru HeXian was legendary personage in Macao,
financial giant, and famous patriotic social activist. He is
293
originally a native in Fanyu, set foot in the financial market of
Guangzhou in the thirties, established and gathered together the HuiLong banking house with his partners, prestige is
grand day and day, display talent for the first time. On the
occupied eve of Guangzhou, he went to Hong Kong to
engaged in the financial business activities, and then transferred to Macao and had a foothold again, on 1940 established DaFeng bank, managed currency exchange and
telecommunications refuting and gathering together,
became a head in local silver industry”29. The gold store
spread all over the place too, because some of refugees
have gold jewelry, change for the silver promptly when short
of money at hand, in order to support the family, caused all
kinds of gold store business to be very considerable too.
Zhou Dafu gold shop showed the example. It established in
prewar Macao by Zhou ZhiYuan, under the devoted to managing of its son-in-law Zheng Yu-tong, the business was
being expanded constantly, went to Hong Kong to open the
branch in 1945, then became one of four major gold stores
of Hong Kong30. Still handle exchange, deposit business, or
the person who speculates undertaking, added the neutrality status of Macao, is it stand to plug into for province, Hong
Kong, gulf goods, freight transportation frequent, more
undertaking benefit that can manage, financial circles then
presents the flourishing phenomenon. Even someone calls
this period “Golden Age” of financial circles of Macao. The
articles of daily use, tailor, ready-made clothe and furniture
lease etc. became flourished because of increasing in population from other places. China-made goods companies
added the branch and silk shop in succession in Macao in
March of 1940 and next year June31, as distributing the market. The business “not only had brisk business in the cotton
print shop, but also ready-made cloth shop, tailor pave,
Clothes Company”. The furniture leasing industry hoarded
as a rare commodity in expectation of a better price. Every
shop business was busy, the price rose 3 times at ordinary
times, and persons who asking for renting still to be in an
endless stream, thus, the goods that the furniture shop piled
up, unexpectedly sold, rent freely32.
The pouring of the inland persons in cultural circles and
students, meantime, promoted the culture and education of
Macao progressively. Press office had “new life”, “democracy”, “rising sun”, “overseas Chinese”, etc., quite a few
school from Guangzhou and other places moved to Macao,
“the phenomena feels flourishing very much”33.
294
“Yearbook of Macao” statistics shows Macao have 1858
shops in 1939, up to 2871 shops already from 1940 to
194134. The types and quantity of the commerce had many
changes with its changeable structure and the population’s
growth. The greatest increases among them were basically
closely related with publics’ life, such as: the rice shop, oil
candy shop, hotel, hotels, bake house, sweet shop, salt the
fruit shop down, fish’s fence, ornament shop, mortgage the
shop, the money looks for and changes the shop, deliver a
child in the place, Chinese herbalist clinic, barber shop, furniture shop, shoe shop, grocery, cloth foreign goods shop,
paper shop, medical herbs shop, Chinese and Western
drugstore, laundry, building materials shop, firewood charcoal shop, fragrant shop of spirit, etc. This had built the
prosperous commercial atmosphere for local economy. In
addition, what deserves to be mentioned is that increases
sharply from 7 to 82 in agent’s office of foreign corporation,
obviously this relates to promotion of the position in Chinese
and foreign trade of Macao.
2. Serious problems existed in the economic society
The social economic situation above-mentioned was
prevailing in Macao; meanwhile, we should be noticed that
many serious questions existed, too.
First of all, the smuggling activity was very rampant. After
South China was occupied, the smuggling actions were
taken frequently, especially in the area of Baoan and
Shenzhen. And Baoan transported most of smuggling
goods from Hong Kong to inland. The news route from
Macao to inland by Zhongshan was opened up instead after
the old one was obstructed because of Baoan being occupied. Then Zhanshan became the place where the smuggling owners were quite rampant in 1939. Intruded and
harassed constantly by the Japanese planes and warships,
and Zhongshan County being occupied for a time, coastal
anti-smuggling abilities were greatly weakened because all
former customs and anti-smuggling organizations were
taken a heavy beating. The smuggling owners were so rampant that they set up many stores in Macao, where a great
deal of goods including cloths and daily necessities was
purchased from Hong Kong every day. The goods, which
was cheap and easy to sell, was transported to the border
of Zhongshan County secretly with more than ten motor
boats which went so alertly and quickly as to avoid the capture of anti-smuggling patrol boats. The value of the smug295
gled goods promptly increased from over a million Hong
Kong dollars to more than 2 million Hong Kong dollars in a
month35. “Macao protocol between Japan and Portugal” was
signed in mid-September 1940, which regulated that Japan
promised to maintain the current situation of Macao and
Portugal announced Macao neutrality. The protocol provided the Japanese traders convenience with purchasing
and smuggling strategic materials.
Tungsten ores were extremely important raw materials for
a military industry, at that time, the price of them between
inland and Hong Kong had a long way to go. So the
Japanese traders lured the unprincipled fellows by this. In
an initial stage of the Anti-Japanese War, Chinese
Government seized sternly and still couldn’t check so that
tungsten ores produced in some parts of the Guangxi
Zhuang Autonomous Region and Canton Province were
transported to Hong Kong. Hong Kong became a gathering
place of tungsten ores, which were nearly exported from
Zhongshan County and Macao. The persons who transported secretly were well organized; exporting and loading
and receiving were well arranged36.
Certainly, it was a complicated problem to smuggle in
wartime. Though it revitalizes certain benefit to the economy
of Macao in great numbers objectively, generally speaking,
it is unfavorable to the war of resistance of China; on the
contrary, Japan utilized it under more situations.
Secondly, the effect of the industrial development was
not striking. Macao lacked space, fuel and industrial raw
materials, so handicraft industries were only developed
such as tobacco, firecracker, match and incense. The situation in the beginning of the Anti-Japanese War had offered
the opportunity for the development of the industry of
Macao. In the last ten days of March 1939, Macao governor
went back for consultations by Hong Kong. He specially
drew up the prospectus on how to construct Macao and to
prosper its commerce and then stated to the Portuguese
government37. Hong Kong Manufacturer Federation, which
had received the invitation of Macao authorities, planned to
organize a study group with 80 people to Macao in April
1939. On one hand, they wanted to relieve the compatriots
with providing their jobs as a form of relief, on the other
hand, they tried to utilize the special environment of Macao
to invest money in developing the industry38. But failed to
realize the plans later. Not merely did the mode of production lag behind for the industry of Macao in wartime, but
296
the output declined day by day. Match manufactures in
Mainland and Hong Kong stopped producing due to the
war, so the market was in short supply. Then the ones in
Macao such as Changming, Big Guangliang and Dongxing
and etc, had batch process and made a rich profit39. But in
the beginning of September of 1941, every factory was
forced to stop making because match raw materials were
run out. Zhu Guanglan was a big enterprise of smoke in
Canton and Hong Kong. Zhu Chang, which was one of the
branches of Zhu Guanglan in Macao, was a local enterprise
with a considerable scale and produced in a large amount
to sell the smoke in other areas. But it closed down promptly since Guangzhou was occupied40; only could traditional
industries including incense, candle and paper materials
maintain the former appearance. It was because someone
with superstition always prayed to gods for blessing in the
hope of freeing when they had a hard life and social economy was in a tight corner.
Thirdly, the social parasitic stratum in Macao led a fast
life. Every industry above-mentioned was prosperous while
the moribund side in the society of Macao was completely
exposed. A correspondent reported, “Macao is much livelier at present than in the past”. The fact was that the persons
impelled the gambling house of Macao to liven up even
more, who gathered here to make a fortune from national
calamity or moved to reside here from Mainland. Some gambling crowds, who were rich and powerful people, were not
a bit stingy even if they wagered several hundred Macao
dollars on a game41. The situation of the Far East was
extremely tense when the Pacific Ocean War that Japan
planned to launch couldn’t but go ahead in the summer of
1940. “Masses Newspaper” in Macao made vivid portrayal
about a dissipated and befuddled life of upper citizens as
follows, “hotels and inns, leased nearly emptily; restaurants
and taverns, being as crowded as a marketplace and ten
times in peak selling period; tea houses and bars, thriving
and prosperous; among them did the Central Hotel livens up
even more particularly”. “The buildings of the hotels were
standing toweringly; and the entertainment undertakings
were gathered among them, lights being brilliantly illuminated and torches shining like daytime”. “Visitors were
bustling with activity. Man towing or women patting, the old
being supported and the young being taken, they hold
hands to walk shoulder to shoulder or rested on steps.
Sincerely, the beautiful scenery could make people linger on
297
at night”42. Contrast to the common people at the basic level,
two grades of the social life in Macao had split up and
shown forth in one’s writing!
Finally, general plebes’ life was very hardships. Macao is
one tiny peninsula and impossible to bear too much population for a long time. Its own goods as well as materials were
deficient, and the foreign traffic was repeatedly blockaded
by the Japanese aggressor troop, leaving daily goods and
materials such as grain, etc. difficult to supplement in time.
Therefore leading to the basic board and lodging of the
common people of the bottom of society also a problem.
Residents in Macao relied mainly on eating the foreign rice,
shipped by every port of Nan Yang more in the past. The
traffic was not smooth in wartime, and the rice was forbidden
to export again in the hinterland, so the sense was tense at
the time of staple food supply ever and again. But Macao
and Zhongshan County border on, reachable in a twinkle.
The inland grain price was cheap, after the autumn harvest,
many peasants shipped the surplus grain secretly to sell, so
although the population in Macao sharply increased, the
grain didn’t turn out the exhaustion. But the Yin rain of the
whole province of Canton was unbroken in summer of 1940,
causing disaster in the east, West River and coastal trials
and hardship, making the standing grain having waited to
cut for the first time being flooded, the harvest was reduced
greatly. Staple food supply was tight on day, by the first half
of 1941, the regional grain price rose suddenly and
sharply43.
This became the beginning of Canton grain problem
since the war of resistance. Because of absence of rice and
unprecedented high grain price, agitation of looting rice
arose everywhere, making Macao the problem, short of
food, also serious day by day. Folk adage speak food is god
for the people, a few years of initial stage such as war of
resistance the main average price of food doubled and
redoubled, (see 5 form) with 1941 particularly. The situation
produced heavy pressure very to low-income family.
In addition, the living conditions of a lot of citizens especially refugees were extremely unsatisfactory, hygiene and
health status were abominable. When the infestation of
malaria, plague and cholera occurred, streets were full of
bodies of the starved, extremely cruel. According to the statistical data at that time, various kinds of epidemic diseases
spread rapidly, the death toll rose suddenly, up to 12850
people and 10844 people respectively in 1940 and 194144.
298
Form 5: Prewar average prices of Macao
Unit: Macao currency
Year
Rice
(half
a kilo)
Vegetable
(half
a kilo)
Beef
(half
a kilo)
Pork
(half
a kilo)
Fish
(half
a kilo)
Fuel
(liter)
1939
0.8
0.05
0.40
0.60
0.70
0.20
1940
0.9
0.10
0.45
0.90
0.75
0.35
1941
0.18
0.30
1.30
2.00
1.10
0.70
Source: Macao and population evolvement for a century, edited by the department
of Statistic And general investigation of Macao, compiled and printed in 2000, p. 290.
IV. A strong strength abroad of national salvation
movement resisting against Japan
The earlier stage of anti-Japanese war was the crucial
moment for the development of Macao from depression to
prosperity. The economic society in Macao changed deeply,
which expressed that it had the stronger adaptive capacity.
It could make adjustment according to the need of the
domestic and international market to get its own existence
and development. Macao became a bearing center of economic-shift of hinterland, especially of Canton. A large
amount of human resources, fund, technology and equipment were poured into and even the enterprises were managed at off-site, which improved the economy and population structure, strengthened the economy, and thrived the
industry and the commerce. Moreover, it settled the favorable foundation for the national salvation movement of resisting against Japan of people.
As facing Chinese national unprecedentedly serious crisis since modern times, the economic society of Macao
became an important position for the national salvation
movement of resisting against Japan. Chinese national
consciousness of this port’s was greatly awakened. Through
various kinds of ways such as offering money, donating
thing, holding bazaars, giving benefit performances, buying
the liberty bond, and reliving refugees-a lot of referring
reports could be found on the newspaper at that timeChinese supported motherland to fight anti-Japanese war
actively and made a great contribution. The associations of
resisting against Japan and saving the nation from extinction
emerged, like the mushrooms after rain, in wartime. More
influential ones among them included “Macao All Circles
299
Disaster Relief” – being made up of the upper strata of business circles “Macao Four Circles Disaster Relief” which was
the biggest cultural salvation group at that time set up by the
conjoint world of academy, music, sport and theater
“Catholic Action”, “Macao Branch of Persuading Liberty
Bond”, “Macao Reliving Refugee” and “Macao Middle Age
and Youth Rescuing Group” – consisting of the Macao reliving branch and the Church Organization. Even the earthly
“woman singer” knows the hatred of being brought to the
knees, thus founded “Color Circle Disaster Relief”. Inspiring
the public, all the associations launched a series of activity
of salvation through many ways. All circles disaster relief, for
instance, had instituted the rule of long-lasting donating at
the beginning of establishment. It claimed various kind of
crafts to organize money-donation themselves, then
deposited in central government with Macao Bank of Canton
Ltd. to support the anti-Japanese war according to the
instruction account number. Furthermore, it also advocated
the firms concerned to set up donating boxes to raise the
contributions in the public places. At that time, industries
such as bank, joss stick, foreign goods, fresh fish and haircut organized their members to subscribe by themselves
regularly. And Western-style Clothes Disaster Relief agreed
that each member, a month, should either donate no less
than 1 yuan of Canton coin or the salary of one day45. It was
reported that all circles of Macao, at the earlier stage of antiJapanese war, carried on more than 400 -big or small collecting-salvation works, especially two “August · Thirteen”
activities in 1938 and 1939 respectively created the highest
record in history. Firms set up the great collecting stage with
masses of people crowded, while in each factory of main
industrial areas Taishan, Shagang, Xinxiao and Dangzai
Island, workers also responded warmly with donating equivalent to nearly 10,000 yuan46. For Macao, the year when
industry and commerce unflourished as well as population
was not large, that could not gainsay as a surprising figure.
The situation of initial phase of anti-Japanese war also
provided Macao and Hong Kong with an opportunity diverted from competence to cooperation. Owing to some
momentous coastal cities in south China such as
Guangzhou, Shantou and Haikou fell one after another, traditional main channel of commerce obstructed or not
cleared between the hinterland and Hong Kong and the
trade function of transferring was weakened. Therefore,
businessmen from Hong Kong had to strike out in another
300
direction. Macao, at good time, turned to be a significant
transportation-and-commerce pivot joint connecting Hong
Kong and the West Bank of Zhujiang River to the immense
hinterland. Furthermore, Macao was cumbered with the
duties of transferring personal consumption articles for
Hong Kong. In the initial phase of anti-Japanese war, as
Japanese warships always molested the south coast, the
supply of fruit and vegetable, fish, firewood, fuel, etc. to
Hong Kong affected. The supply should have been relied on
Zhujiang River Delta; however, as obstruction of the river
while input only by Canton-Kowloon trucks (relied mainly on
army-transporting in wartime) and Macao, the supply-quantity only reached 1/4 of the past, which lead to the price
going up. In October 1938, the situation of South China
changed suddenly. Japanese troop landed on Daya Gulf
and soon captured the places such as Guangzhou, thus, the
traffic between Hong Kong and hinterland was nearly totally
broken off and the giving material assistance of agriculture
byproduct turned to be a big problem. It is reported from the
newspaper of Hong Kong that, until November 1939, vegetable and fresh fish to Hong Kong are relied more on Macao
and other places from the hinterland. The supply was basically enough47. In March of 1940, Japanese aggressor troop
broke into Zhongshan County and blockaded Macao for a
time, which cause difficulty for the transport; however, it did
not block off the goods and agricultural byproducts from hinterland to Hong Kong in a steady stream by Macao. On 23rd
June, for example, besides a large amount of sundry goods,
about 200 picul fresh water fish, more than 100 picul vegetable and fruit as well as poultry and pork were not a small
number48. Hence, citizens in Hong Kong could maintain the
life during the hard time.
In a word, because of the same historical background
and opportunity in the initial phrase of anti-Japanese war,
the economic society of Hong Kong and Macao developed
to some extent. Two places cooperated with each other
dynamically and perfectly. Under the flag of saving the
nation resisting Japanese and foreign aggression, Macao
and Hong Kong compatriot contracted an alliance with
inland people jointly, tightly and strongly.
301
Notes
(1) Translated and edited by Shixiang Mo: “the compilation of the report
of Gongbei CIQ in modern times”, Foundation of Macao,1998 edition,
pp. 217, 248.
(2) “Annals of Guangzhou” Volume 18, 1996 issued by Publishing house
of Guangzhou, p. 403.
(3) Chengkang Fei “Four hundred of Macao” Shanghai People’s Press
1988 edition, p. 403.
(4) “Industrial and commercial Daily of Hong Kong” Oct 8, 1934 and Jan.
22, 1935.
(5) Translated and edited by Shixiang Mo: “the compilation of the report
of Gongbei CIQ in modern times”.
(6) “Overall statistics retrospect of Macao”, 1994 published by Macao
chop office.
(7) Chengkang Fei: “Four hundred of Macao”, 1988 issued by Shanghai
People’s Press, p. 413.
(8) Dazhang He, Hongji Miu: “1946 issued by Geography of Macao”,
Science and Liberal arts Institute of Canton Province.
(9) “News of Hong Kong”, “Hong Kong takungpao”, Oct. 24th 1938.
(10) “The important news of the south of China”, “Hong Kong Singtao
Daily”, Nov. 4th. 1938.
(11) “Hong Kong news”, “Hong Kong Singtao Daily”, Apr. 7th 1939.
(12) “the important news of each sect”, “Word Daily of China of Hong
Kong”. Jul. 25th.1939.
(13) “The important news of the south of China”, “Hong Kong Singtao
Daily”, Mar. 24th 1940.
(14) “Economic news”, “Hong Kong Singtao Daily”, Jun. 24th 1940.
(15) “Hong Kong news”, “Hong Kong Singtao Daily”, Mar. 26th 1940.
(16) “The important news of the south of China”, “Hong Kong Singtao
Daily”, Apr. 16th 1941.
(17) Edited by The Secretariat of Canton Government: “Canton almanac”,
1941 edition, volume 22 “the policy on salt”, chapter 2 “on-the-spot record of
salt in Canton”.
(18) Translated and edited by Shixiang Mo and so on: “the compilation of
the report of Gongbei CIQ in modern times”, Foundation of Macao,1998 edition, pp. 383,385-386.
(19) Edited by Economic research room of bank of Canton Province:
“Economic yearbook of Canton”, 1940 edition, chapter 4 “Economic history”,
p. 89.
(20) Translated and edited by Shixiang Mo: “the compilation of the report
of Gongbei CIQ in modern times”, Foundation of Macao,1998 edition, pp.
387-388.
(21) Macao: “overseas Chinese’s newspaper” Nov. 5th, 1938.
(22) Yinnin Li: “Commercial overview over one year of Macao”, “overseas Chinese’s newspaper”, Feb. 5th.1941.
(23) WenLin Chen: “native foreign dyestuffs’commerce managing”,
“industry and business historical data” the second part, Canton People
Publish House 1998.
(24) Li XuZhao, Feng ZhuoNan: “the undertaking overview of Guo
DeSheng”, “Zhong Shan literature and history” the 13th part published in
1987.
(25) Li Ming: “the passage of the successful undertaking of Chen
XingHai”, “Zhong Shan literature and history” the 13th part published in Nov.
1987.
302
(26) Chen LiJi Medicine competent advertisement, 1941, Hong Kong:
“Singtao Daily” Jun. 22nd.
(27) “Guang Zhou literature and history”, the 61st part, 2003. Canton
People Publish House, p. 62.
(28) He AiSheng: “Hong Kong business survey recording”, 1940. Hong
Kong: “Singtao Daily”, Jan. 18th.
(29) “HeXianLiang’s life”, “ZhongShan literature and history” the 19th part,
published in 1990, pp.12-13, 16.
(30) Chao Chun-liang arrange “Hong Kong voluminous dictionary”
GuangZhou Publish House, published in 1994, p. 671.
(31) “Outline history of several department stores”, Hong Kong and
Shanghai Banking Corporation arrange: “Century-old commerce” Hong Kong
GuangMing culture undertaking company, published in 1941.
(32) He AiSheng: “Hong Kong business survey recording”, 1940, Hong
Kong: “Singtao Daily” Jan. 18th.
(33) “Macao sketch”, 1938, Hong Kong: “Ta Kung Pao”, Oct. 29th.
(34) Huan QiChen: “Comprehensive history in Macao” Canton Education
Publish House, published in 1999, p. 336.
(35) “Hong Kong News”, Hong Kong: “Singtao Daily”, Dec. 25, 1939.
(36) “This port news”, 1937, “industrial and commercial Daily of Hong
Kong”, Oct. 27.
(37) “This harbour of news”, 1939, Hong Kong: “Ta Kung Pao” Mar. 28.
(38) “Hong Kong News”, 1939, Hong Kong: “Singtao Daily”, Apr. 7.
(39) “Hong Kong industrial history, money of China”, Hong Kong and
Shanghai Banking Corporation group “century-old commerce” into year,
Hong Kong light cultural undertakings Company arrange in 1941.
(40) “Historical accounts of past events of Guangzhou” The 21st part,
1980 edition of Canton People’s Press, pp. 200, 209.
(41) “Macao sketch”, 1938, Hong Kong: “Ta Kung Pao”, Oct. 29.
(42) “This Macao business in population increases furiously”, “newspapers of masses” of Macao, July 7, 1940.
(43) Du Tong-jing: Analysis of the grain price in Canton of wartime, quarterly of bank of Canton Province, roll 1 issue 4, December of 1941.
(44) The cultural bureau and museum of Macao edit: materials of Macao
of period of the war of resistance, 200, p. 55.
(45) -----, Macao: “Vikio Daily”, 22nd October 1937 and 15th to 16th,
January 1938.
(46) -----,1990, “The Men and Women of Haojiang”, Macao: Xingguang
bookshop, pp. 44, 46.
(47) -----,1939, “Hong Kong news”, Hong Kong: Singtao Daily, 23rd
November.
(48) -----,1940, “Economy News”, Hong Kong: Singtao Daily, 24th June.
303
ANNA CARLETTI
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
China e Vaticano.
Etapas de preparação para um encontro histórico
cuja data ainda não foi definida
1. Breve introdução sobre a origem
do cristianismo na China
O cristianismo chega em terra chinesa em 635, durante
a dinastia Tang. O bispo persa, Alopen, que guiava uma
delegação de Bagdá, representante da Igreja do Oriente,
foi recebido pelo imperador Taizong, da dinastia Tang, em
Changan, a então capital da China. Uma das suas primeiras atividades foi a tradução dos livros que ele havia trazido
consigo, para difundir a mensagem cristã. Depois de três
anos, o cristianismo recebeu a aprovação do monarca.
Essa primeira fundação da Igreja na China foi testemunhada pela estela de Si-Hgan-fu que, entre outras coisas, reproduz o edito do imperador Tcheng-Kuan (638) que autorizava a difusão do cristianismo.
A expansão da Igreja cristã continua durante e depois
da dinastia Tang. Período considerado riquíssimo pela pluralidade das culturas e religiões existentes, no qual também
o budismo encontrou terreno favorável para a sua difusão.
Em 845, a acumulação de riquezas pelos mosteiros
budistas suscitou a inveja do imperador. Por isso, uma grande perseguição abateu-se sobre todas as religiões presentes naquele período, do budismo ao cristianismo.
O cristianismo retomou a sua vitalidade na época da
dinastia Yuan (1206-1368) com o imperador mongol Gengis
Kahn, cuja esposa era cristã. Esta circunstância favoreceu
os contatos entre os católicos romanos e a China, que recomeçaram no século XIII, quando Papa Inocêncio IV (1234-1254) enviou, como seu embaixador, o frei Giovanni da Pisa
del Carmine (1182-1226). Em 1253 foi enviado um outro
305
franciscano, Guglielmo de Ruysbroeck que conseguiu
encontrar o Gran Kahn, mas sem obter sucessos diplomáticos.
Nesse mesmo período chegaram na China os irmãos
Nicoló e Matteo Polo que receberam uma boa acolhida na
corte de Kambalik (Pequim), onde reinava o neto de Gengis
Kahn, Kubilai Kahn, fundador da dinastia Yuan. Eles contaram com o apoio do monarca que fez deles os seus embaixadores em Roma. O Imperador confiou-lhes placas de
ouro e uma mensagem para o Papa através do qual pedia
que lhe fossem enviados “100 doutores, especialistas nas
setes artes”1. O Papa Clemente X já tinha morrido e Matteo
e Nicoló Polo foram acolhidos por um legado que pouco
depois foi eleito Papa, Gregorio X (1271-1276). Ao regressarem a China, Nicoló e Matteo Polo levaram com eles o filho
de Nicoló, Marco, que conquistará fama, tornando-se o
homem de confiança do imperador.
Em 1294, chegou a China o franciscano Giovanni da
Montecorvino, enviado diretamente pela Santa Sé. Ele conseguiu ser admitido na corte chinesa e construiu uma igreja. A sua chegada acelerou o desenvolvimento da Igreja
Católica na China. Em 1307, o Papa Clemente V nomeou-o
arcebispo de Pequim e metropolita da China. Mas a difusão
do cristianismo foi bloqueada pela dinastia Ming. A dinastia
Ming surgiu de uma insurreição popular e não via com bons
olhos os mongoís, considerando-os como estrangeiros. Por
isso, quando esta dinastia tomou o poder, começou imediatamente uma reação contra todos os estrangeiros, incluindo
os missionários cristãos.
No século XVI chegaram à China os primeiros sacerdotes da Companhia de Jesus. O celebre Matteo Ricci, jesuíta italiano, da cidade de Macerata (1552-1610) chegou na
China em 1583, e mergulhou imediatamente no estudo da
língua chinesa, ao contrário dos outros missionários, que
usavam, até então, o método da assimilação cultural dos
povos evangelizados. Antes de entrar em Pequim, passou
21 anos no interior da China, procurando aprender a língua,
as tradições locais, fazendo-se “chinês com os chineses”,
vestindo o hábito confuciano. Mudou o seu nome para Li
Madou. Inculturou-se, valorizando a cultura chinesa, os
seus valores e as suas tradições, colocando em luz o que
mais os aproximava.
Infelizmente, a Questão dos Ritos rompeu esta feliz amizade entre um representante da Igreja Católica e a corte
chinesa. A Igreja Católica considerava os Ritos aos ances306
trais como atos supersticiosos, inaceitáveis para quem queria se converter ao catolicismo. Matteo Ricci, profundo conhecedor da cultura chinesa, tentou esclarecer que esses
Ritos eram um simples e amoroso tributo aos pais e ascendentes defuntos, conseqüência da virtude filial ensinada
aos chineses por Confúcio e que nada tinha a ver com
superstição. Mas ninguém quis escutá-lo.
Um outro período crítico da história do cristianismo na
China se estende entre a Guerra do Ópio e a Guerra dos
Boxers (1842-1900). É nesse período que a China deve
enfrentar a invasão da cultura do ópio, vendido pela
Companhia Britânica, que omitia os arrasadores efeitos produzidos nos seus consumidores. A China tentou barrar essa
venda e, por isso, a Inglaterra declarou-lhe guerra.
Derrotada, a China foi obrigada a assinar o primeiro dos
assim chamados “Tratados Desiguais”, que prostrará o país,
ficando à mercê das potências estrangeiras que, uma
depois da outra, se instalaram no território chinês, dividindo-o em porções de propriedade estrangeira. Depois da
Inglaterra, seguiu-se o tratado com a França que, entre
outras coisas, obrigou a China a reconhecer o protetorado
sobre as Missões. O mesmo fizeram a Alemanha, a Itália e a
Rússia. Até àquele momento, os missionários tinham chegado na China por conta própria, separados dos outros estrangeiros. Agora, aos olhos chineses, eram considerados iguais
aos estrangeiros que os dominavam, numa posição que não
era certo conveniente para quem tinha o objetivo de servir e
não o de desfrutar o povo chinês.
Essa situação desencadeou um ódio indiscriminado
para com todos os estrangeiros, que originou a Guerra dos
Boxers. Os conflitos tiveram início em 1898 e concluíram-se
em 1901. Dirigidos às potências estrangeiras, acabaram se
abatendo contra quem era mais fraco, como os missionários e os numerosos cristãos chineses. Todavia, os exércitos
estrangeiros conseguiram derrotar a insurreição, aumentando a humilhação da China.
Depois da Guerra do Ópio, a Santa Sé, com a intenção
de subtrair as Missões do Protetorado das Potências
Coloniais, propôs à China de enviar um Núncio Apostólico,
criando as premissas para enlaçar relações diplomáticas
com a China. O responsável chinês das relações diplomáticas propôs enviar, por sua vez, um seu representante à
Santa Sé. A oferta foi aceite pelo então Papa Leão XII. Mas
a França se opôs a essa nomeação, ameaçando interromper as relações diplomáticas com a Santa Sé. O Papa,
então, recuou.
307
Em 1922, o Papa Pio XI nomeou um delegado apostólico na China: Mons. Costantini (1876-1958). Ele se estabeleceu fora do bairro das delegações estrangeiras, com o deliberado intento de manter distância delas. Os Europeus o
acolheram friamente. A primeira das suas tarefas foi convocar o Concílio Plenário da China. Quatro anos depois, em 28
de Outubro de 1926, Pio XI consagrou, em Roma, os primeiros 6 bispos chineses.
No entanto, a China foi invadida pelos japoneses, que
constituíram na região da Manchuria, o Estado do
Manchukuo. Com a intenção de proteger os missionários da
fúria japonesa, a Igreja reconheceu este estado fantoche,
nomeando ali um seu representante oficial. Essa infeliz
decisão nunca será perdoada pelos comunistas que chegarão ao poder em 1949.
Para facilitar as relações com a China, a Igreja Católica
retornou à Questão dos Ritos e autorizou o seu uso, mesmo
se com um atraso de séculos.
Em 1946 a Santa Sé nomeou um Internúncio chinês,
Monsenhor Riberi, junto do governo da China, e nomeou o
primeiro cardeal chinês: Mons. T’ien. Foram instituídos 20
arcebispados e 79 dioceses. A Igreja chinesa se tornou
finalmente autóctone.
Em 1947, porém, iniciou a guerra civil entre os comunistas de Mao Tse-tung e os nacionalistas de Chiang Kai-shek,
que favorecerá mudanças significativas nas relações entre
a China e o Vaticano.
2. A República Popular Chinesa e a Igreja Católica
Em 1949, com o advento da República Popular Chinesa,
começa uma nova fase das relações entre Santa Sé e
China. Em 1 de Outubro de 1949 foi proclamada por Mao
Tse-tung a República Popular Chinesa. No dia 1 de Julho do
mesmo ano, um decreto do Santo Ofício condenava o
comunismo e qualquer tipo de colaboração entre os católicos e os comunistas.
A Revolução Chinesa tinha o claro propósito de livrar a
China de qualquer relação política, econômica ou religiosa
de submissão a potências estrangeiras. Mao Tse-tung,
porém, buscou integração com os católicos, mas segundo
o princípio das três autonomias: financeira, administrativa e
apostólica. O Internúncio não aceitou. Começaram, assim,
as prisões dos primeiros missionários estrangeiros.
308
Em 1951, Chou En-lai cria o Bureau dos Assuntos
Religiosos. No mesmo ano, alguns bispos tentam evitar uma
ruptura aceitando as três autonomias, mas sob a autoridade espiritual e religiosa do Papa. Todavia, o Internúncio condenou todos aqueles que participariam no movimento das
três autonomias. O governo chinês tentou expulsar o
Internúncio, que tinha recebido do Papa a ordem de permanecer até quando fosse possível. Mas, o governo chinês já
o considerava como um estrangeiro incômodo.
Em 1952, o Papa Pio XII confirmou as decisões do
Internúncio, não aceitando uma Igreja separada da Sede
Apostólica e, logo em seguida, reconheceu formalmente a
China Nacionalista de Formosa (Taiwan), onde Mons. Riberi
se estabeleceu depois da expulsão da China Popular.
No entanto, na China, em 1957, o governo cria a
Associação Patriótica dos Católicos Chineses (APCC), e
constitui uma Igreja patriótica com bispos eleitos pelo povo
e consagrados pelos bispos patrióticos, suspendendo
assim toda comunicação com a Santa Sé.
Não obstante as várias perseguições e guerras, os missionários permaneceram em terra chinesa até ao momento
da chegada dos comunistas. O ano de 1951 marcou a
expulsão de todos os missionários estrangeiros, muitos dos
quais se refugiaram em Hong Kong, Macau e Taiwan. Foi
naquele momento que as relações diplomáticas com o
Vaticano terminaram. O Vaticano reconheceu a soberania
nacional de Taiwan, mas continuou e continua até hoje a
olhar a China Popular com o vivo desejo de reatar relações
com este País.
A Igreja na China, a partir desse momento, se encontrou
como dividida em duas. De um lado, a Igreja “patriótica”,
guiada pela Associação Patriótica dos Católicos Chineses,
ou seja, pelo governo comunista, rejeitando qualquer
ligação com Roma. Por outro lado, a Igreja “clandestina”, ou
“escondida”, formada por aqueles bispos, sacerdotes, religiosos e leigos que não aceitaram o rompimento com o
Papa e, portanto, com toda a Igreja Católica, e foram obrigados a se esconder para sobreviver, suportando longos
anos de dura prisão e torturas.
3. Período de abertura
A partir dos anos 80, o governo chinês adotou uma nova
política de abertura em relação às religiões. No que diz res309
peito à Igreja Católica, numerosas igrejas foram reabertas.
As que tinham sido destruídas durante a Revolução Cultural
foram reconstruídas e, em Outubro de 1982, foi reaberto o
primeiro seminário católico de Shanghai. As igrejas ficaram
logo lotadas. Teve-se a impressão de que finalmente a liberdade tivesse voltado a fazer parte da vida da Igreja Católica
na China. Mas logo as prisões de bispos, sacerdotes e leigos católicos que se recusavam a aderir à Associação
Patriótica negaram essa esperança.
Os dirigentes do Partido Comunista prepararam um
documento sobre a Questão da Religião, que foi enviado
para discussão às províncias em vista da preparação do
próximo congresso do Partido. Este documento, chamado
Documento 19, com data de 31 de Março de 1982, foi o
texto-base da política religiosa de Deng Xiao-ping e, depois
de vinte anos, é considerado ainda como um ponto de
referência para a questão religiosa na China. Mesmo valorizando o fator religioso, na parte final do documento, a
posição oficial do governo chinês em relação aos grupos
clandestinos era assim apresentada:
[...] Devemos manter uma grande vigilância e observar atentamente as
formas religiosas hostis provenientes do exterior que organizam comunidades
dixia e outras organizações ilegais. Devemos esmagar com firmeza estas
organizaões, as quais, com a desculpa da religião, praticam espionagem
destrutiva.2
Foi nesse período que o Papa, assistindo impotente aos
sofrimentos de muitos filhos da Igreja, decidiu escrever uma
carta a todos os bispos do mundo inteiro, pedindo orações
para a “Igreja perseguida da China”. Este convite gerou
profunda irritação ao governo de Pequim que acusou o
Papa de difundir calúnias sobre a realidade da Igreja na
China.
Dois anos antes, em 1980, já tinha sido criada, pelo
governo comunista a Conferência dos Bispos da Igreja
Católica Chinesa, o que deteriorou ainda mais as relações
com o Vaticano.
Durante todo este tempo, até ao início do ano 2000,
aconteceram vários encontros extra-oficiais entre o governo
de Pequim e o Vaticano, sugerindo uma possível retomada
das suas relações diplomáticas.
310
4. Relações diplomáticas entre Pequim e a Santa Sé
Para que as relações diplomáticas entre o Vaticano e a
China recomecem, o governo de Pequim apresentou duas
condições:
1) O Vaticano deve romper relações diplomáticas com
Taiwan e reconhecer a República Popular Chinesa como
única representante de toda a China.
2) O Vaticano não deve utilizar a religião para intervir nos
assuntos internos da China.
A primeira condição é facilmente aceitável pelo
Vaticano. Do ponto de vista chinês, Taiwan é considerada
uma província chinesa. Do ponto de vista internacional, é
importante ressaltar que Taiwan é reconhecida por pouquíssimos Estados. A própria ONU reconhece a República
Popular Chinesa como única representante da China. Em
uma entrevista do dia 31 de Maio de 1999, um representante do Vaticano expôs a posição do Papa em relação à
comunidade católica de Taiwan. Ele afirmou que o Papa
João Paulo II, animado pela preocupação pastoral, e não
movido por interesses políticos, deseja fazer todo o possível
para restabelecer plena comunhão com a Igreja Católica na
China Popular. Segundo João Paulo II, as circunstâncias
futuras, ligadas à realidade chinesa, irão requerer – no
momento oportuno – um novo estudo sobre a presença da
Santa Sé em Taipei. O Papa deseja que a comunidade católica de Taiwan possa entender a conduta que a Santa Sé
adotará, e que será seguida somente para o bem da Igreja
na China. Ao mesmo tempo, ele deseja que tudo isso não
seja de alguma maneira interpretado como uma falta de
consideração para a comunidade de Taiwan por parte da
Santa Sé.
A segunda condição imposta por Pequim é aquela que
cria mais dificuldade. O Papa é considerado pelo Governo
de Pequim não como um chefe espiritual que exerce uma
autoridade moral, mas como um chefe político de um
Estado estrangeiro. O governo de Pequim não aceita que
um outro chefe de Estado viole a soberania nacional da
China interferindo nos seus assuntos internos. Mas o que se
entende por assuntos internos da Igreja Chinesa? Muitas
vezes, especialmente nas relações entre culturas diferentes, se esquece que uma palavra possa ter um significado
muito claro para uma das partes, mas não se pensa que,
311
para a outra parte, o significado seja totalmente oposto.
Para o Papa, o fato de nomear os próprios bispos, que irão
guiar o povo que forma a Igreja da China não é uma interferência. Mas o governo chinês entende isto como interferência e exige que seja a Conferência dos Bispos
Chineses a nomear os próprios Bispos. O problema é que a
Conferência dos Bispos não possui autonomia, já que é
chefiada pela Associação Patriótica que, por sua vez, é um
órgão do Governo, cuja função é, de acordo com o já citado Documento 19
[...] ajudar o partido e o governo a pôr em prática a sua política religiosa, a assistir as massas dos crentes na sua atenção ao patriotismo e ao
socialismo. Todas as organizações religiosas patrióticas devem aceitar a
guia do Partido e do Governo [...]3
O Vaticano, procurando ir ao encontro do Governo de
Pequim, já deu a entender de estar pronto a escolher cada
novo bispo entre um leque de candidatos “agradáveis” às
autoridades chinesas. Mas, em compensação, gostaria que
também Pequim, quando empossasse os bispos da Igreja
“patriótica”, pedisse a aceitação prévia de Roma.
O Governo de Pequim reconhece a separação entre
Igreja e Estado, mas, os fatos o demonstram, de forma unilateral. A religião não pode interferir na conduta do Estado
e na sua legislação, porém, não é verdade o contrário. O
Estado, em nome da defesa da sua soberania nacional,
pode e deve intervir nas questões religiosas.
A China declara que a liberdade religiosa é protegida
pela lei, mas a legislação reconhece somente aqueles grupos que realizam atos de culto legalmente reconhecidos
pelas autoridades religiosas dirigidas pelo Governo. Os
outros, mesmo realizando simples atos de culto, são considerados abusivos e, portanto, puníveis pela lei que, não os
acusa de violar normas religiosas, mas de ir contra a ordem
pública.
Em Janeiro de 2000, o governo chinês tomou a decisão
de nomear cinco bispos chineses, sem o consentimento do
Papa, declarando assim a própria independência. Muitos
bispos, seminaristas e leigos católicos da própria igreja “oficial” se recusaram, porém, a participar na consagração dos
bispos declarando assim a sua vontade de reunificação
com a Santa Sé.
A questão é somente política, não religiosa. A fé professada pelos católicos “oficiais” é a mesma professada pela
Igreja clandestina. A própria Santa Sé reconheceu a teolo312
gia ministrada nos seminários da Igreja “oficial” como ortodoxa. Existe, portanto, uma só Igreja, desmembrada por
motivos políticos, que não consegue reunir-se devido aos
erros cometidos pelas duas partes que, muitas vezes, perderam a possibilidade do encontro que a história lhes tinha
preparado, com novos motivos de divisão.
Em 1 de Outubro de 2000, o Papa proclamou a beatificação de 120 mártires chineses mortos durante a Guerra
dos Boxers, ou seja, antes da chegada do Partido
Comunista ao poder. Mas o Governo de Pequim considerou
como uma ofensa pessoal o fato que o Papa escolheu como
data para esta beatificação o aniversário da República
Popular Chinesa. Um porta-voz do Ministério das Relações
Exteriores chinês declarou:
Esperamos que o Vaticano tome ato da história e não faça novamente
coisas que ofendam os sentimentos dos chineses. A história registra que o
colonialismo e o imperialismo usaram os missionários como instrumentos
para invadir a China. Servindo-se dos Tratados Desiguais, causaram graves
danos à China e aos chineses, desencadeando a raiva do povo e a oposição
das massas.4
A Santa Sé, respondendo a esta declaração, afirmou
que não era absolutamente intenção do Vaticano ofender a
China e que a data foi escolhida porque o dia 1 de Outubro
é a festa de Santa Teresa do Menino Jesus, patrona das
Missões. Pena que ninguém tenha lembrado que era o dia
da Proclamação da República Popular Chinesa.
Ainda em 2000, o Cardeal Roger Etchegaray, presidente do Comitê Central do Jubileu, realizou uma viagem a
Pequim para participar no Congresso sobre “Religiões e
Paz” (14-16 de Setembro). Ele foi acolhido pela Igreja “oficial”, que o acompanhou durante toda a viagem. Pode celebrar uma missa no Santuário “Sheshan”, na periferia de
Shanghai. O Vaticano, através de seu porta-voz, Joaquim
Navarro Valls, declarou que a viagem do Card. Etchegaray
realizava-se a título pessoal e que ele não ia a China como
negociador. Logicamente, o Card. Etchegaray encontrou
durante a sua viagem numerosas personalidades importantes da Igreja “oficial”, como o bispo jesuíta, Alois Jin Luxian,
da diocese “oficial” de Shanghai e Mons. Michel Fu Tieshan,
arcebispo “oficial” da diocese de Pequim, que se queixou
do acidente diplomático ocorrido em 1 de Outubro. Do
ponto de visto chinês, em todo caso, a visita do cardeal foi
declarada um sucesso, o que representou um passo em
avante para os dois lados.
313
Em Outubro de 2001, realizou-se simultaneamente em
Roma e Pequim um duplo congresso para comemorar o aniversário dos quatrocentos anos da chegada na China, em
1601, do jesuíta Matteo Ricci.
Por ocasião deste Congresso o Papa pronunciou uma
importante mensagem intencionado a lançar uma nova
ponte entre o Vaticano e a China. Segundo João Paulo II
[...] A história nos lembra que a ação dos membros da Igreja na China
não foi sempre isenta de erros e foi condicionada por situações difíceis, ligadas a acontecimentos históricos complexos e a interesses políticos contrastantes. Em alguns períodos da história moderna, uma certa “proteção” por
parte de potências políticas européias não poucas vezes revelou-se limitativa para a própria liberdade de ação da Igreja [...].5
Sobre a Questão dos Ritos o Papa pronunciou o mea
culpa da Igreja:
[...] Sinto profundo sofrimento pelos erros e limites do passado e sinto
muito que eles tenham gerado em não poucas pessoas a impressão de uma
falta de respeito e de estima da Igreja Católica para como povo chinês, induzindo-os a pensar que ela estivesse movida per sentimentos de hostilidade
em relação aos chineses. Por tudo isso, peço perdão e compreensão a quantos tenham-se sentido, de qualquer maneira, feridos por tais formas de ação
dos cristãos [...].6
E concluiu dizendo que:
[...] A Igreja Católica tem o vivo propósito de oferecer, mais uma vez, um
humilde e desinteressado serviço para o bem dos católicos chineses e de
todos os habitantes do país. A Sé Apostólica deseja a abertura de um
espaço de diálogo com as autoridades da República Popular Chinesa, para
superar as incompreensões do passado e trabalhar juntos para o bem do
povo chinês e pela paz no mundo”.7
O governo de Pequim reagiu com cautela à mensagem
do Papa. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores
reafirmou a vontade de retomar os contatos com o Vaticano
e declarou que estão estudando a posição do Vaticano.
Poucos dias antes da visita do presidente americano
George W. Bush a Pequim, no mês de Fevereiro de 2002,
sete documentos reservados do governo chinês foram
publicados pelos Estados Unidos, exatamente pelo Comitê
Americano das Investigações para a Perseguição Religiosa
na China (Ciprc). Eles revelam as intenções de Pequim de
reprimir os grupos religiosos não registrados e documentam
toda uma série de iniciativas para verificar a “infiltração” do
Vaticano e dos grupos religiosos do exterior.
314
No segundo documento encontra-se um discurso classificado como “confidencial”, do vice-diretor do
Departamento de Segurança Pública, Sun Jaixin, da província de Anhui, na China Oriental. O documento revela que as
autoridades locais começaram a procurar, instruir, converter, explorar e controlar algumas figuras-chave da Igreja
Católica clandestina desde que China e Vaticano retomaram os colóquios em vista da normalização dos relacionamentos.
Alguns funcionários da Segurança Pública chinesa
tomaram a decisão de violar a imposição do silêncio, constatando como o governo, mesmo proclamando a própria
intenção de querer tutelar os grupos religiosos chineses,
dava ordens secretas de perseguir uma grande parte
deles.8
5. Conclusões
Ao interno do Partido Comunista se discute muito, procurando entender qual é o papel da religião na “nova”
China. De 10 a 12 de Outubro de 2001, de fato, aconteceu
em Pequim uma conferência sobre o tema da religião.
Participaram numerosos dirigentes e personalidades políticas do Partido Comunista.
O presidente Jiang Zemin falou aos dirigentes chineses
do impacto da religião sobre a vida política e social do
mundo. Ele deu início ao seu discurso dizendo:
Nós temos que reconhecer o fato que as religiões existirão ainda por
muito tempo sob o regime socialista. Não devemos utilizar o poder da administração para destruir as religiões, mas, ao mesmo tempo, não temos que
utilizá-lo para desenvolvê-las [...].9
O grupo de Jiang Zemin convidou as comunidades religiosas a fazerem o próprio registro junto ao Estado, sem ter
que passar obrigatoriamente pelas associações religiosas
já autorizadas. Este convite garante um controle mais estreito por parte do Estado, mas, ao mesmo tempo, oferece uma
oportunidade de maior liberdade seja para as Igrejas
Protestantes que para aquelas Católicas que vivem na clandestinidade.
O Bureau dos Assuntos Religiosos quer levar a religião
a se adaptar sempre mais à sociedade socialista, para que
ela, gradualmente, assimile elementos da moralidade e da
racionalidade comunista.
315
O presidente Jiang Zemin explicou que pedir que a religião se adapte ao socialismo não quer dizer pedir aos fiéis
de abandonar a sua fé. Significa convidá-los a acolher o sistema socialista e a guia do Partido Comunista, seguir as
regras e regulamentos do País e contribuir com a sua unidade étnica e nacional.
Muitos pesquisadores de diversas universidades chinesas estão produzindo trabalhos científicos sobre o fenômeno religioso. Esses trabalhos poderão oferecer uma informação menos preconceituosa aos dirigentes do Partido.
Em Junho de 2001, o Centro de Pesquisas e de
Desenvolvimento do Conselho para os Assuntos de Estado
convidou professores e especialistas de diferentes áreas a
preparar uma avaliação do papel da religião na China de
hoje. Logo em seguida, a Sociedade de Estudos Religiosos
da China realizou o seu 6º Congresso Nacional em Pequim.
Muitos sinólogos consideram que uma das soluções
para superar as contradições entre as duas partes seja uma
vasta operação cultural que permita à China compreender
as reais intenções do Vaticano, e à Santa Sé, encontrar
soluções que lhe permitam trabalhar lado ao lado com o
povo chinês, seguindo o iluminante exemplo do único
estrangeiro contemplado nos anais chineses, e aceite como
um deles, ao ponto de merecer a sua sepultura entre os
muros da cidade imperial: Matteo Ricci.
O crescimento econômico da China nesses últimos anos
é um evento incomum na história dos países em via de
desenvolvimento. A entrada da China na Organização
Mundial do Comércio e a sua candidatura para os jogos
olímpicos de 2008 a ajudaram a consolidar sua posição no
cenário internacional.
Nesses últimos anos, a China abriu as suas portas às
empresas multinacionais, tornando-se uma das maiores e
mais promissoras potências econômicas do mundo.
Ao mesmo tempo ela enfrenta multíplices problemas
internos, como a corrupção, o desemprego crescente, e a
difusão de uma ideologia caraterizada pelo mero pragmatismo econômico. Neste contexto, o incremento das
relações entre o estado do Vaticano e o Estado chinês
poderia se dar por meio de um intercâmbio cultural que
colocasse em evidência os valores humanos presentes na
tradição histórica destes dois estados.
316
Notas
(1) Laurentin, René. Cina e Cristianesimo, al di là delle occasioni mancate. Roma: Città Nuova Ed. 1981, p. 105.
(2) B. Leung. Sino-Vatican Relations. Problems in conflicting Authority
1976-1986. Cambridge 1992, p. 361.
(3) Religion in the people’s Republic of China apud Lazzarotto, Angelo.
Des progres dans la politique religieuse de la Chine? In Eglise d’Asie N. 353.
Agence d’Information des Missions Etrangers de Paris, Mai 2002, p. 5.
Disponível em: http://eglasie.mepasie.org Acesso em: 20 Fev. 2003.
(4) Propaganda Fides (Org.) Cina R.P. – Condannate Pechino: nessun
rispetto dei diritti umani. N. 3363 – 3 Mar. 2000, p. 25.
(5) Giovanni Paolo II. Messaggio in occasione del quarto centenario
dell’arrivo a Pechino del grande missionario e scienziato Matteo Ricci, s.j. ai
partecipanti del Convegno Internazionale su “Matteo Ricci: per un dialogo tra
Cina e Occidente” (Roma, 24-25 Ottobre 2001), p. 1.
(6) Ibidem, p. 2.
(7) Ibidem, p. 3.
(8) Os documentos citados estão disponíveis no site Internet:
www.freedomhouse.org/religion.
(9) South China Morning Post. 13 Dez. 2001 apud Lazzarotto, Angelo.
Des progres dans la politique religieuse de la Chine? In Eglise d’Asie N. 353
Agence d’Information des missions Etrangers de Paris, Mai 2002, p. 5.
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319
BARRY CARR
“La Trobe University”
Melbourne
El pasado, presente y futuro de los estudios
sobre América Latina en Australia
El surgimiento de los estudios
latinoamericanos en Australia
Aunque tanto Australia como América Latina pueden
considerarse como regiones de la cuenca del Pacífico,
compartiendo una gama de rasgos similares, los estudios
académicos sobre América Latina son fenómenos bastante
recientes en Australia. La falta de intercambio comercial (la
apertura de los canales de Suez y Panama destruyó los primeros contactos trans-Pacíficos establecidos entre la costa
oriental de las colonias australianas y la costa del Pacífico
de Chile y Perú), pocas o casi nulas comunicaciones marítimas y aéreas, relaciones diplomáticas limitadas y la poca
presencia de inmigrantes latinoamericanos (en cambio sí
había un flujo modesto de inmigrantes de España que llegaron a Australia en los años treinta a raíz de la guerra civil en
España) – todos estos factores contribuyeron al bajo nivel
de contactos culturales y político-económicos entre
Australia y los países de América Latina antes de los años
sesenta.
La ‘pre-historia’ de los estudios académicos sobre
América Latina empezó en el periodo 1962 a 1968 cuando
se establecieron programas de enseñanza de los idiomas
español y portugués y de sus respectivas literaturas en cuatro universidades – la University of New South Wales en
Sydney, las universidades de La Trobe y Monash en la ciudad de Melbourne (estado de Victoria) y la Flinders
University ubicada en la ciudad de Adelaide (en South
Australia).1 Llama la atención el hecho de que las universidades pioneras en el campo de los estudios sobre América
Latina eran casi todas las llamadas “universidades de la tercera ola”, universidades fundadas en los años 60. En contraste las antiguas universidades decimonónicas (producto
de la epoca colonial) permanecieron firmemente al margen
321
de estos acontecimientos. Claro que había casos excepcionales-académicos distinguidos pero muy aislados tales como el especialista en historia económica de Australia e
Argentina, John Fogarty (ya muerto), de la Universidad de
Melbourne y el geógrafo Gilbert Butland de la University of
New England en Armidale. Pero estos fueron casos excepcionales.
La enseñanza de los dos idiomas (español y portugués)
coincidieron claramente con la llegada de lo que sa ha llamado ‘el boom’ en la literatura latinoamericana que asociamos con la producción literaria de autores como Gabriel
García Márquez, Mario Vargas Llosa y Carlos Fuentes. No
obstante eso el hecho de que los dos idiomas español y
portugués eran simultáneamente los idiomas de la península ibérica y de las Américas significó que el mero establecimiento de programas exclusivamente de lengua no pudo
crear una base adecuada para el fomento de estudios interdisciplinarios sobre América Latina.
Entre 1970 y 1972 tres universidades australianas, La
Trobe University, the University of New South Wales y
Flinders University se comprometieron firmamente a la creación de programas de estudios en el área latinoamericano
mediante la contratación de profesores e investigadores en
disciplinas como historia, sociología y ciencia política.2 La
enseñanza del español y de la literatura española y latinoamericana se expandió enormamente en los años 80 y 90
con el establecimiento de programas de español en universidades en casi todos los estados (en la Universidad de
Queensland en Brisbane3, en Griffith University (también en
Brisbane Queensland)4, en la Universidad de Canberra5, en
la Universidad de Wollongong (al sur de Sydney)6, en
Victoria University (en Melbourne)7, y en Edith Cowan
University (en Perth, Western Australia).8 No obstante eso
las universidades de La Trobe y New South Wales y, en menor escala, Flinders University en Adelaide, mantuvieron su
papel de polos hegemónicos en el campo de los programas
interdisciplinarios sobre América Latina hasta fines de los
años 90. En los ultimos cinco años ha habido también una
expansión notable de estudios del idioma español y, hasta
cierto punto de estudios latinoamericanos anclados en disciplinas como estudios culturales y antropología en dos
universidades de reciente creación – la University of
Western Sydney (UWS) y la University of Technology en
Sydney (UTS) en su Institute of International Studies.9
Ha habido tres iniciativas para crear una cubertura y
322
coordinación interdepartamental en el campo de estudios
latinoamericanos. En 1975 se creó un Instituto de Estudios
Latinoamericanos en la universidad La Trobe en Melbourne.
Sigue funcionando.10 Nuestros estudiantes pueden cursar
cursos con énfasis en estudios latinoamericanos o con
especialización en estudios latinoamericanos (es decir un
‘major’). Hace dos años se creó un centro latinoamericano
en la University of West Sydney junto con una licenciatura
con especialización en estudios latinoamericanos.
Finalmente la Australian National University (ANU) en
Canberra, nuestra capital federal, acaba de crear un centro
latinoamericano – Australian National Centre for Latin
American Studies (ANCLAS). Sin embargo la Australian
National University, a pesar de su gran peso académico y
prestigio internacional, no ha dedicado recursos para fomentar los estudios academicos sobre América Latina. No
tiene un programa de enseñanza de español y solamente
tiene un especialista (un arqueólogo) que se dedica exclusivamente a la investigación latinoamericanista.
El marco político-económico dentro del cual evolucionó
el estudio académico de América Latina en Australia experimentó algunos cambios cruciales en los 1970s y 1980s.
Como consecuencia del golpe militar en Chile en 1973 y del
autogolpe uruguayo del mismo año, y a raíz de la desastrosa situación interna en Argentina, Australia empezó a recibir
miles de inmigrantes latinoamericanos, muchos de ellos refugiados políticos o refugiados económicos. La gran
mayoría de estos nuevos inmigrantes latinoamericanos se
dirigió a las principales ciudades de la costa oriental, principalmente Sydney y Melbourne, pero también en menor
escala a Brisbane y Adelaide. En los años 80 la guerra civil en El Salvador estimuló la inmigración de unos 7,000 inmigrantes salvadoreños bajo la cobertura de un programa
bilateral firmado entre Australia y el gobierno de El Salvador.
En 2002 la población de habla hispana y portuguesa en
Australia había llegado a la cifra de 110,000, de los cuales
más del 80% era de origen latinoamericano. Es decir que
hoy en Australia los inmigrantes de habla hispana más importantes vienen de Chile, Argentina, Uruguay y El Salvador.
Hay pequeños núcleos de inmigrantes de los países andinos, de Brazil y núcleos pequeñisimos de mexicanos, cubanos, guatamaltecos y nicaraguenses. Para un observador
acostumbrado al perfil cultural y geográfico de los inmigrantes hispanoparlantes en los Estados Unidos y Canada llama
la atención la falta de inmigrantes mexicanos, cubanos, do323
minicanos. La llegada de decenas de miles de inmigrantes
de América Latina ha estimulado enormamente los estudios
académicos sobre América Latina, sobre todo en los programas de idiomas.
Pero es también un hecho significativo que el interés por
parte del público general en temas latinoamericanos también creció enormamente durante este periodo, alimentado
por acontecimientos artísticos y culturales (el boom y posboom literarios arriba citados, el movimiento de la Nueva
Canción Chilena en los 70s, la popularidad del nuevo cine
cubano, brazileño y argentino) y estimulado por una fascinación que raya en la obsesión con la fama de América
Latina como un laboratorio de experimentos sociales radicales y violencia de estado y un lugar donde nacieron nuevos paradigmas – como la teoría de la dependencia en los
70s y más tarde en los 90, la explosión de pensamiento y
prácticas neoliberales. No ha habido investigaciones científicas del fenómeno pero mis proprias experiencias y las de
muchos de mis colegas me llevan a pensar que el enorme
crecimiento de interés estudiantil por temas latinoamericanos en los años 70 y 80 tuvo mucho que ver con el compromiso político con las campañas de solidaridad con los pueblos chileno, argentino y uruguayo y posteriormente el
apoyo a movimientos de liberación en América Central (El
Salvador, Guatemala y Nicaragua). Ya que el ciclo de revoluciones en América Latina se ha cerrado, según parece,
creo que el interés general por América Latina ha sufrido algunos cambios importantes. Hay menos compromiso político y más interés por fenómenos en el campo de la cultura
popular (cine, música) y del mundo indígena en América
Latina.
A diferencia de lo que ha pasado en otras áreas de estudio regional, sobre todo en el campo de los estudios de Asia
(estudios asiáticos) el interés por parte del gobierno australiano en fomentar las conexiones económicas, políticas y
culturales con América Latina tardó mucho tiempo en surgir.
Un parteaguas importante llegó en 1991 cuando un comité
del senado australiano (el Comité de Asuntos Exteriores,
Defensa y Comercio del Senado de Australia) lanzó una investigación sobre el estado de las relaciones entre Australia
y los países de América Latina. El informe final, emitido por
el comité del Senado en 1992, fortaleció considerablemente el perfil público de América Latina en Australia.11 Claro
que el propósito fundamental del comité del senado fue encontrar mecanismos para fomentar la inversión australiana
324
en América Latina y estimular las exportaciones australianas. Pero el informe también reconoció en varios párrafos la
importancia de promover las actividades en los campos
académico y cultural, estrechando las relaciones académico-culturales entre instituciones australianas y sus contrapartes en América Latina.
Uno de los beneficios inmediatos, producto del trabajo
del comité del senado, fue una decisión del gobierno federal de donar fondos para apoyar una nueva iniciativa académica en el campo de los estudios latinoamericanos, la
AILASA, Asociación de Estudios Ibéricos y Latinoamericanos
de Australasia (hay que recordar que el término Australasia
es empleado en Australia y Nueva Zelanda para referirse a
estos dos países de las antípodas; no tiene nada que ver
con Asia).12 En los años 70 hubo algunos intentos de crear
una asociación profesional capaz de agrupar a los pequeños núcleos latinoamericanistas dispersados a través
del enorme continente australiano, pero todo los projectos
de crear una red académica fracasaron rotundamente.
Estas tempranas iniciativas fracasaron porque no lograron
desarollar una cobertura nacional genuina, porque descuidaron las necesidades y preocupaciones de los académicos que trabajaban en el campo de la enseñanza de los
idiomas y literaturas tanto de España y Portugal como de
América Latina, y porque nunca lograron extenderse a
Nueva Zelanda.
La creación de AILASA en 1989 y 1990 no resolvió todos
estos problemas, pero si respondió a los principales retos
que afrontábamos en las antípodas. La AILASA desde sus
primeros días subrayó su carácter de institución binacional
(Australia y Nueva Zelanda) y incorporó a profesores y investigadores dedicados tanto a estudios ibéricos como a estudios de América Latina. AILASA se convirtió rápidamente en
el foco principal de los estudios latinoamericanos en
Australia y Nueva Zelanda. La Asociación ha organizado
cinco reuniones binacionales (en Sydney, Brisbane,
Auckland, Melbourne y otra vez en Sydney) con asistentes
de Australasia y de América Latina, Norteamérica y de
Europa. Desgraciadamente la asistencia de especialistas
de los países asiaticos ha sido casi nula. Creo que la culpa
es nuestra; nuestra atención se ha dirigido principalmente a
las Américas y a Europa y no hemos hecho esfuerzos suficientes para establecer contactos con nuestros colegas
asiáticos (claro que ha habido algunas excepciones).
En 1995 AILASA inció la publicación de una revista tri325
lingue (JILAS~ Journal of Iberian and Latin American
Studies) que sale dos veces cada año.13 El saldo académico de esta iniciativa ha sido muy positivo. No obstante eso
queda mucho que hacer; tenemos que incrementar la circulación y tiraje de la revista, sobre todo a nivel internacional,
y tenemos que alentar la colaboración de autores asiáticos
y fomentar el intercambio inter-institucional. Ojalá que esta
reunión y la creación de una red o asociación de académicos
latinoamericanistas de Asia y Oceanía pueda ayudamos en
este proceso. Debo añadir que en Australia actualmente se
publican cuatro revistas dedicadas exclusivamente o parcialmente a temas latinoamericanos. La revista Antípodas
sale cada año (esta revista se inció en Auckland; ahora tiene su sede en La Trobe University). La revista Tahuintinsuvo
es una revista bilingue dedicada a temas de antropología,
arqueología y historia andina y se edita en Canberra. La revista Ixquic es publicada en la Monash University en
Melbourne.
AILASA también ha lanzado un boletín de noticias
(Newsletter) que se reparte entre los miembros, ha creado
un sitio web (que todavía requiere mucho trabajo) y está al
punto de lanzar una iniciativa para crear un directorio de
especialistas latinoamericanistas y hispanistas en Australia
y Nueva Zelanda. Nos hace mucho falta tener una visión actualizada de lo que está pasando en nuestro proprio mundo
académico. Con frecuencia no circulan noticias importantes
(como nuevos nombramientos, nuevos cursos, materiales
adquiridos) aún entre el pequeño número de gente que
comparte intereses académicos parecidos.
Áreas de solidez y alto significado internacional
Los marcos organizativos dentro de los cuales los estudios latinoamericanistas han evolucionado en Australia han
sido diversos. En La Trobe, donde se estableció el primer
programa con especialización latinoamericana, se integró el
estudio de las culturas y sociedades latinoamericanos dentro de Ia estructura fundacional de la nueva universidad. El
eje del programa latinoamericano está ubicado en tres departamentos: historia, sociología y español-portugués, y en
el Instituto de Estudios Latinoamericanos (ILAS) fundado en
1975 con la ayuda de una aportación financiera considerable de la Myer Foundation. El Instituto ILAS emprende una
variedad de actividades que incluye la organización de
326
congresos (20 hasta la fecha), la coordinación de visitas de
distinguidos académicos latinoamericanistas de las
Américas y de Europa. Además de la edición de la revista
JILAS, los académicos de La Trobe se encargan de editar la
segunda revista internacional, Antípodas. Un total de 10
académicos enseña o investiga en el área de estudios latinoamericanos.
En La University of New South Wales el departamento de
Español cambió de nombre a escuela de Español y
Estudios Latinoamericanos en 1972 con el nombramiento
de dos historiadores con un interés especial en la historia
de Argentina. La Escuela (ahora un departamento dentro de
una gran Escuela de Estudios en Lenguas Modernas) ha
establecido contactos estrechos con la extensa comunidad
latinoamericana en Sydney, ha organizado numerosas reuniones y congresos y fue la primera universidad en lanzar
una revista dedicada a temas latinoamericanos y hispanos,
Anales. La UNSW también organizó una maestría en estudios latinoamericanos por cursos. El equipo de latinoamericanistas consiste en cinco profesores e investigadores.14
El español fue una de las lenguas fundacionales en
Flinders University cuando se estableció a mediados de los
60. Pero no fue hasta 1991 que se creó un programa interdisciplinario de estudios latinoamericanos con base en los
departamentos de español y portugués, historia y ciencia
política, con la participación de seis profesores e investigadores. Un programa de pre-grado con especialización en
estudios latinoamericanos se ofrece como parte de la licenciatura en Artes, Comercio e Estudios Internacionales.15
Puntos Fuertes
A pesar del tamaño pequeño y crecimiento desorganizado y caótico de los programas de estudios latinoamericanos
en Australia, hemos presenciado el surgimiento de varios
núcleos en un determinado área de interés que se han
convertido en áreas particularmente fuertes. A fines de los
60 y en los 70 y 80 un grupo de académicos – entre ellos,
John Fogarty, Tim Duncan (Universidad de Melbourne), Jim
Levy y Peter Ross (UNSW) y Donald Denoon (ANU), promovieron (fueron verdaderos pioneros) estudios comparativos
de Australia y Argentina, tomando como punto de partida la
literatura académica sobre zonas de poblamiento reciente.16
Se organizaron varias reuniones internacionales sobre la
327
comparación Australia y Argentina. La historia y sociología
de las relaciones entre Estados Unidos y América Latina ha
atraído la atención de un grupo de especialistas, entre ellos
Morris Morley (Macquarie University), Mark Berger
(University of New South Wales) y Steve Niblo (La Trobe
University).17 Los trabajos de varios especialistas que investigan movimientos sociales han tenido una aceptación internacional importante – entre ellos Rowan Ireland (La Trobe,
cuyas investigaciones se han centrado sobre movimientos
religiosos y sociales en Recife y São Paulo), Yvonne
Corcoran-Nantes y Martin Scurrah (ambos de Finders
University)18, Geraldine Pye (Flinders), investigadora de los
deportes en Cuba19 Greg Teal (University of Western
Sydney), especialista en temas dominicanos, Robert Austin
(University of Sydney), especialista en historia de la educación en Chile y Cuba, y Barry Carr (La Trobe University), historiador dedicado a la historia de movimientos campesinos
y obreros y la izquierda en América Latina.20 El estudio de la
historia argentina y de la historia comparativa de Australia e
Argentina ha figurado en los trabajos de Jim Levy y Peter
Ross, ambos de la University of New South Wales. La Dra
Inga Clendinnen (ahora jubilada) del departamento de historia de La Trobe ha publicado dos libros importantes sobre
el imperio azteca y el contacto cultural en Yucatán que se
han convertido ya en clásicos.21 La historia etnográfica figura también en los trabajos importantes del historiador David
Cahill (University of New South Wales).22
Un pequeño grupo de arqueólogos latinoamericanistas
se ha creado a través de los años – entre ellos Peter
Matthews (La Trobe University) y Ian Farrington (de la
Australian National University).23 En el campo de los estudios culturales y estudios literarios llama la atención el trabajo de especialistas como los expertos en comunicaciones, radio y televisión, John Sinclair (Victoria University)24 y
Penny O’Donnell (UTS), Jeff Browitt (literatura latinoamericana y estudios sobre Colombia) y Stuart King (ambos de
Monash University),25 Diana Palaversich26, John Brotherton
(estudios cubanos)27 y Steve Gregory (los tres de la
University of New South Wales), Roy Boland (La Trobe)28,
Estela Valverde, Hugo Hortiguera (Griffiths University), Paul
Allatson (UTS)29 y Alfredo Martínez Exposito (University of
Queensland).30
328
Debilidades y el futuro
A diferencia de otras áreas de estudio (estudios de Asia
por ejemplo), la base disciplinaria de los estudios universitarios de Latinoamérica es extremedamente dispareja. Los
latinoamericanistas están actualmente basados en departamentos de historia, español y literatura y, en menor escala,
ciencia política, sociología e arqueología. Actualmente no
hay economistas que se dedican especialmente a la enseñanza y investigación de Latinoamérica, otra verguenza
nacional. Aunque hay un número pequeño de especialistas
en portugués hay una marcada falta de académicos en
Humanidades que tengan un intéres especial en el Brasil, el
país más grande de América Latina.
Tal vez el mayor reto que enfrentan los latinoamericanistas australianos es la falta de una estrategia nacional para
el desarrollo de recursos humanos y de investigación en el
área. La dispersión geográfica de académicos latinoamericanistas, la disparidad en números entre las disciplinas y la
falta de seguridad para nuevos nombramientos en el área
hacen que sea urgente el establecimiento de un plan nacional y la consiguiente asignación de fondos apropriados. El
establecimiento de un centro clave para los estudios latinoamericanos (compartido entre las tres principales universidades con un compromiso histórico en estudios latinoamericanos) puede ser el principal vehículo a través del cual
la coordinación y asignación estratégica de recursos podría
llevarse a cabo.
Finalmente hay que subrayar la importancia de la fundación de una nueva red o consejo de estudios sobre América
Latina en los países de Asia y Oceanía. CELAO, fundada en
Osaka en Septiembre de 2003, tendrá su primera reunión en
Melbourne en Julio de 2005.
329
Notas
(1) Para el programa de Hispanic Studies en Monash
http://www.arts.monash.edu.au/spanish/
(2) R.W. Thompson fue el pionero de los estudios hispánicos y latinoamericanos en La Trobe. El chileno, Claudio Veliz, fue, durante muchos años,
profesor de sociología en la misma universidad.
(3) http://www.arts.uq.edu.au/slccs/romlang.html
(4) http://www.gu.edu.au/school/lal/
(5) http://www.ce.canberra.edu.au/slie/spanish.htm
(6) http://www.uow.edu.au/arts/languages/spanishintro.html
(7) http://w2.vu.edu.au/foa/spanish/
(8) http://www.ecu.edu.au/ses/iccs/cware/spanish/
(9) http://www.iis.uts.edu.au/about/index.html
(10) Ver la página web de ILAS:
http://www.latrobe.edu.au/latinamerican/ilas.html
(11) El informe, emitido en 1992, de más de 420 páginas, fue la culminación del más detallado análisis que se ha realizado, respecto de las relaciones de Australia con América Latina. Durante la investigación, el Comité recibió 120 propuestas y presidió 12 audiencias públicas.
(12) http://www.ssn.flinders.edu.au/politics/ailasawebpage/
ailasahomepage.htm
(13) Ver la página web http://www.his.latrobe.edu.au/jilas/index.html
(14) http://www.arts.unsw.edu.au/languages/spanish/spanish.html
(15) http://www.flinders.edu.au/courses/ugrad/majors/last.htm
(16) John Fogarty & Tim Duncan, Australia and Argentina: On Parallel
Paths.
(17 ) Mark Berger, Under Northern Eyes: Latin American Studies and U.S.
Hegemony in the Americas, 1898-1990; Morris Morley, Imperial State And
Revolution: The United States And Cuba, 1952-1986, Washington, Somoza
and the Sandinistas: State and Regime in US Policy Towards Nicaragua,
1969-1981, Unfinished Business: America and Cuba after the Cold War, 19892001; Stephen Niblo, War, Diplomacy, and Development: the United States
and Mexico, 1938-1954; Mexico in the 1940s: Modernity, Politics, and
Corruption.
(18) Martin Scurra actualmente reside en Lima donde dirige el programa
para América Latina de Oxfam-America.
(19) Geralyn Paye, Sport in Cuba: the Diamond in the Rough.
(20) Rowan Ireland, Kingdoms Come: Religion and Politics in Brazil;
Barry Carr, Marxism and Communism in Twentieth Century Mexico, The Latin
American Left: From the Fall of Allende to Perestroika, The Cuba Reader.
(21) Inga Clendinnen, Ambivalent Conquests: Maya And Spaniard In
Yucatán, 1517-1570; Aztecs: An Interpretation.
(22) David Cahill, Habsburg Peru: Images, Imagination and Memory.
(23) Peter Mathews, The Bodega of Palenque, Chiapas, Mexico, The
Code of Kings: the Language of Seven Sacred Maya temples and Tombs.
(24) Jeff Browitt, Contemporary Cultural Theory.
(25) John Sinclair, Latin American Television: a Global View.
(26) Diana Palaversich, Latin America: Literal Territories, Silencio, voz y
escritura en Eduardo Galeano.
(27) John Brotherton, Learning to Die: The Poetry of Pablo Armando
Fernández, Shifting Scenes: Cuban Theatre Since 1959.
330
(28) Roy Boland, Mario Vargas Llosa: Oedipus and the “Papa” State: a
Study of Individual and Social Psychology..., From La ciudad y los perros, to
Historia de Mayta, Culture and Customs of El Salvador.
(29) Paul Allatson, Latino Dreams: Transcultural Traffic in the U.S.
National Imaginary.
(30) Alfredo Martínez Exposito, Gay and Lesbian Writing in the Hispanic
World/ Literatura gay y lesbiana en el mundo Hispano.
331
ZHANG BAOYU
Professor do Instituto da América Latina
Universidade de Pequim
Relações entre a China e o Brasil Estudo sobre o Brasil na China
1. O Brasil é um “Laboratório de racas”. Europeus,
negros, índios estão na base genética dos 170 milhões de
habitants do país. Hoje, mais de 60% dos que se julgam
“brancos” tem sangue índio ou negro correndo nas veias.
Embora assim, o Brasil é um país Latino. Isso nao so por
causa de se usar o português em todo o pais. A razão principal é exatamente como o estudioso brasileiro António
Carlos Mazzeo disse na sua obra entitulada Burguesia e
Capitalismo no Brasil: Os primeiros colonizadores portugueses trouxeram todo um arcabouço cultural existente na
Europa. O Brasil transformou-se de certa forma, num prolongamento da vida europeia, sob o sol dos trópicos, acrescido de alguns traços culturais indígenas e africanos, mas
que não alteraram, substancialmente, o aspecto europeu de
sua cultura.
2. O grande navegador Cristóváo Colombo atravessando
o oceano Atlântico e finalmente aportou na terra Americana,
assim como Vasco da Gama descobriu o caminho marítimo
para a India. Fez com que se formou o caminho marítimo
mundial. O modo tradicional do contacto humano tinha acontecido uma série das mudanças, surgindo comércios internacionais de signifição global. Nesse contexto histórico, a
China e o Brasil comecaram a contactar mutuamente.
3. O Brasil fez relações diplomáticas com a China mais
cedo que os outros países da América Latina. No ano de
1881, a China e o Brasil assinaram o Tratado de Amizade,
Comércio e Navegação Sino-Brasileiro, estabelecendo
relações diplomáticas entre os dois países. Dentro os países
da América Latina, só Peru estabeleceu relações diplomáticas com a China mais cedo que o Brasil, isso aconteceu no
ano de 1875. Porém, os contactos extra-oficiais entre a
China e o Brasil foram mais cedo que contactos oficiais.
A vinda de chineses para o cultivo de chá no Brasil, marcou o início do contacto entre os dois países. Os chineses
333
foram os primeiros imigrantes estrangeiros que chegaram
ao Brasil no século 19 para trabalhar na agricultura. Esta foi
a conclusão da pesquisa realizada pela Sociedade das
Florestas do Brasil na Bilioteca Nacional e no Arquivo
Nacional, em 1994. Uma colónia de chineses foi trazida de
Macau para o Rio de Janeiro pelo Governo Real Português
entre 1812 e 1819 para introduzir a cultura do chá no Brasil.
Em 1812 chegaram ao Rio de Janeiro mudas e sementes de
chá vindas de Macau no navio Vulcano. O pintor austríaco
Johannes Moritz Rugendas, durante sua primeira viagem ao
Brasil, entre 1821 e 1825, documentou a plantação chinesa
de chá no Jardim Botánico do Rio de Janeiro, publicando a
gravura em seu livro Viagem Pitoresca Através do Brasil,
cujo texto fez referência a uma colónia de 300 chineses no
Rio de Janeiro. O famoso mirante da Vista Chinesa, no
Parque Nacional da Tijuca, próximo do Horto Florestal do
Rio de Janeiro, no Vale do Rio dos Macacos, e o marco da
presença dos pioneiros chineses no Brasil no início do
século 19.
Houve duas características no contacto oficial de início
entre os dois países, que devemos sublinhar. Primeiro, o
Brasil tomou a iniciativa de estabelecer relações diplomáticas com a China (Dinastia Qing). Isso resultou no Brasil, da
falta de mão-de-obra agrícola na época que tem começado
do meio do século 19. No Brasil, a expansão da lavoura
cafeeira pela Baixada Fluminense e Vale do Paraíba, assim
como a abolição do tráfico negreiro, em 1850, acentuaram
o problema da mão-de-obra. As barreiras impostas pela
Inglaterra ao trafico negreiro e a crescente necessidade de
mão-de-obra no setor agricola acirraram o debate em torno
da questao sobre imigração chinesa, culminado com o
envio de uma missão especial brasileira à China em 1879.
Por fim, os dois países assinaram o tratado em 3 de Outubro
de 1881. Embora o tratado sino-brasileiro nao incluia nenhuma referência á emigração, mas o artigo primeiro garantia aos súditos chineses e brasileiros a liberdade de transitar, residir e comerciar no outro país. Segundo, o tratado
sino-brasileiro de 1881 foi um tratado desigual. Em 1880, a
China e o Brasil assinaram um tratado, mas o imperador
brasileiro D. Pedro II recusou-se a ratificá-lo, porque o tratado apresentava algumas diferenças com os demais tratados desiguais firmados entre a China e as potências ocidentais. As negociações foram retomadas, numa tentativa
de efetuar modificações em certas cláusulas para atender
às exigências brasileiras, resultando na assinatura de um
334
Segundo Tratado, em 3 de Outubro de 1881. Através do
princípio de “nação mais favorecida” e da extraterritorialidade, o tratado também concedia ao Brasil privilégios
semelhantes aos das potências imperialistas.
4. As origens do relacionamento sino-brasileiro se
encontram no comércio marítimo português. O estabelecimento de um entreposto em Macau, em meados do século
16, permitiu aos portugueses consolidar um lucrativo
comércio nos mares da China. As naus procedentes do
Oriente a caminho de Portugal ocasionalmente reabasteciam em portos brasileiros, marcando, assim, o início da
comunicação entre Macau e o Brasil. Após a descoberta de
reservas auríferas nas Minas Gerais por volta de 1690, as
escalas de reabastecimento tornaram-se mais constantes,
intensificando o contrabando de mercadorias orientais em
troca de ouro e tabaco. Diversas foram as tentativas
frustradas de Macau, durante o século 18, em receber da
metrópole autorização para estabelecer o comércio livre e
direto com o Brasil. Portugal não demostrava nenhum entusiasmo nessa possibilidade. Todavia, as embarcações
provenientes do Oriente continuavam a atracar nos portos
do Rio de Janeiro e do Nordeste, carregando artigos chineses como sedas, porcelanas e chá; da mesma forma, a
batata, a mendioca, o abacaxi, o caju, a goiaba, a mamoa,
o tabaco e demais produtos brasileiros foram para a Ásia.
A rota comercial ao mesmo tempo e uma via de transmitir a cultura. O intercâmbio comercial reforça inevitavelmente o intercâmbio de cultura. Por que o comércio é “carregador” da cultura. Através de Macau, chegaram a esta
terra nova muitas coisas chinesas e ficaram até hoje, quase
em todo o Brasil. A penetração da China na sociedade colónial brasileira extrapolava a esfera das trocas comerciais,
influenciando o caráter da cultura brasileira através da
absorção da cultura chinesa. A influência cultural chinesa
no Brasil mostra-se nas várias áreas.
– Na área da vida cotidiana. Como o estudioso
brasileiro, professor José Roberto Teixeira Leite disse, um
observador pouco atento diria que o Brasil sofreu, em sua
formação, somente influências culturais europeias, indígenas e africanas. Tal impressão não corresponde à verdade.
O costume de jogar arroz nas noivas, o uso de fogos de
artifício, a submissão das mulheres aos maridos, o fetiche
pelos pés pequenos das mulheres, o jogo do bicho, o uso
de leques pelas mulheres, certas práticas de medicina, etc,
demostram uma vísivel influência chinesa na cultura brasileira.
335
– Na arquitetura brasileira, a influência chinesa se revela
de várias maneiras, segundo estudo do professor José
Roberto Teixeira Leite. A influência chinesa existe no desenho ornamental, no estilo exterior de algumas construções,
assim como algumas construções são “edificadas sobre
plataformas de pedra, técnica comum na China desde tempos imemoriais”.
– Na área de fortalecer a saúde. Taijiquan (um tipo de
boxe chinês tradicional) e Kung Fu chinês, estão na moda
no Brasil. Quado eu trabalhava no Rio de Janeiro como cônsul chinês, sempre vi uma cena que os brasileiros praticavam Taijiquan e Kung Fu na praia Botafogo.
– Na medicina. A acupunctura chinesa e a medicina tradicional chinesa já foram aceite por uma parte dos brasileiros.
Eu visitei uma clínica que está em Niteroi. Essa clínica se
usa a acupuntura chinesa a tratar algumas doenças. Os
médicos foram brasileiros. A gente disse, o Presidente Lula
tem um proprio acupunturista, chama-se Gu Hanghu.
– Na filosofia e religião. Taoísmo é uma religião tradicional chinesa, ele nasceu na China antiga. Agora no Brasil,
há vários grupos que estuda Taoísmo e pratica-o. Um artigo
editado na revista do Clube Militar Brasileiro considera: As
mulheres podem desfrutar inúmeros e valiosos benefícios
com exercício segundo as regras do Taoísmo. O Taoísmo
oferece condições de eliminarem problemas relacionados
com o período menstrual. I CHING (o livro das mutações), a
obra famosa antiga da China, é mais conhecida no Brasil.
Esta obra tem várias edições que estão nas livrarias do
Brasil. Outros exemplos tais como: a “Porta da China”, na
Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Sabara, Minas
Gerais; a imagem de um monge chinês no Mosteiro de São
Bento, em São Paulo.
Além disso, arte culinária chinesa, as artes marciais,
horóscopo chines e muitas outras também são comportamentos culturais chineses que estão na moda no Brasil.
Sobre a influência da China para o Brasil, o ministro atual da
Cultura do Brasil, Gilberto Gil disse na Palestra no Núcleo de
Cultura Brasileira na Universidade de Pequim, 11 de Outubro
de 2004: Trata-se de uma presença sutil, sofisticada, (a seda,
os bordados, a porcelana, os leques perfumados) que vem
construindo bases profundas de sustentaçao para as convergências entre o Brasil a China no presente, permitindo-nos antever o povo brasileiro e o povo chinês percorrendo
largos caminhos comuns no futuro. Não é só pela extensão
territorial que os dois países convergem. O Brasil tem um
336
grande poder de absorção cultural e sempre houve no
Brasil algo de oriental contrastando com suas características
ocientais.
5. Por outro lado, a cultura brasileira tem difundido adequadamente na China. Segundo professor Sun Chengao,
do Instituto de Literatura Estrangeira da Universidade de
Línguas Estrangeiras de Beijing, desde década de 50 do
século passado, as obras literárias brasileiras foram traduzidas em chinês, publicando na China. A editora Ping Ming
de Shanghai publicou um romance de Jorge Amado, a
primeira obra brasileira, a ser traduzida na China em 1954.
Os Sertões de Euclides da Cunha e uma antologia da poesia de Castro Alves foram traduzidas em chinês um após
outro. Entretanto, deve-se ressaltar que as obras foram
traduzidas do inglês, francês ou russo, ao invés do português, pois, naquela época, a China nao formava tradutores de língua portuguesa. A partir da década 80, com a
formação de um grupo de tradutores chineses, especializados no português, iniciou-se a tradução de obras diretamente desta língua para o chinesa, criando maior proximidade entre a versão original e a chinesa. Nas décadas de
80 e 90, foram lançadas traduções de grande número de
obras literais de escritores brasileiros, tais como Bernardo
Guimarães, Machado de Assis, Lima Barreto, Monteiro
Lobato, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Erico
Veríssimo, Ribeiro Couto, Guimarães Rosa, Orígenes Lessa,
Sérgio Porto, Herberto Sales, Fernando Sabino, José
Jacinto Veiga, Lygia Fagundes Telles, Dalton Trevisan, Jose
Sarney e Chico Anísio. As principais obras da literatura
traduzidas para o chinês são as seguintes:
– A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães.
– A Trilogia de Ilusão Desvanecida, de Machado de
Assis.
– Vidas seca, de Graciliano Ramos.
– Incidente em Antares, de Erico Veríssimo.
– O Senhor Embaixador, de Erico Veríssimo.
– Norte das Águas, de José Sarney.
– O Silencio da Confissao, de Josué Montello.
Jorge Amado é o escritor brasileiro mais conhecido pelo
público chinês. Ele alcançou uma proeza: treze de suas
obras foram traduzidas para o chinês, fato inédito para um
escritor brasileiro.
Nos últimos anos, a cultura brasileira está difundido mais
depressa na China. Isso resultou do desenvolvimento das
relações económicas e comerciais entre os dois países. Os
337
brasileiros consideram que “mudar a imagem do Brasil, é
muito importante para se diversificar a pauta de exportaçoes”. Por isso, o Brasil transmite activamente a sua cultura
no exterior. A atriz brasileira Lucélia Santos é um trunfo para
a venda no mercado chinês. Há duas décadas ela ficou
famosa na China por protagonizar novela Escrava Isaura,
que teve grande sucesso no país. Lucélia ja começou a produzir uma minissérie em parceria com TV Sichuan da China,
chamada “O amor do outro lado da Terra”. Essa minissérie
tem a ver com as vendas do café no mercado chinês. Ela vai
contar a história de amor entre uma brasileira, filha de cafeicultores portugueses, e um imigrante chinês. A narrativa,
que se passa no Brasil entre 1932 e 2005, pretende familiarizar os chineses com a cultura do café e, com isso, incentivar um maior consumo do produto brasileiro na terra do chá.
O churrasco e carne assada na brasa, comida tipica no
Brasil. Churrascaria e restaurante cuja especialidade são os
churrascos. Agora, as cidades chinesas foram invadidas
por churrascarias no estilo brasileiro – muito apreciados por
chineses.
As técnicas e táticas do futebol do Brasil são avançadas
no mundo inteiro. Agora, é uma moda no cículo de futebol na
China, aprender futebol com os brasileiros no Brasil.
Atualmente, onze jovens jogadores chineses de futebol, com
idade entre 13 e 17 anos, estão em Belo Horizonte do Brasil
para aprender futebol. Esses estudantes são o terceiro
grupo a sair da China para aprender futebol com os pentacampeões do esporte. Além disso, vários jogadores e técnicos brasileiros nesse esporte, trabalhavam ou estão trabalhando com os colegas chineses na China. O público chinês
conhece bem os jogadores brasileiros famosos mundialmente, tais como Pelé, um maior mito do futebol do Brasil.
Café Pelé, tradicional marca de exportação da Cia. Cacique,
por ter nome de Pelé, está entrando no mercado chinês.
As novelas brasileiras são muito populares na China e
divulgam um pouco do modo de vida brasileiro. Os chineses também gostam de MPB – musica popular brasileira. A
dupla caipira Milionário e José Rico faz muito sucesso na
China, os Shows deles são lotados. Samba, dança popular
brasileira, com fortes influências do batuque africano, é um
símbolo da cultura brasileira. Ela é muito famosa na China
como futebol brasileiro.
6. Em 15 de Agosto de 1974, a China e o Brasil estabeleceram as relações diplomáticas. Desde então, as
relações entre ambos vem registrando um desenvolvimento
estavel e contínuo.
338
– Na área de comércio bilateral. O volume do comércio
bilateral em 1974, quando se estabeleceram as relações
diplomáticas, foi de US$17, 42 milhões. No último ano da
década de 70, ele ja subira 12 vezes, passando para
US$216 milhões. Na decada de 80, o valor atingiu US$755
milhoes anuais; na decada de 90, US$1,494 bilhão. Em
2001, chegou a US$3,698 bilhões. Em 2003, o comércio
bilateral alcançou quase US$8 bilhões. Em 2004, essa cifra
podia ultrapassar US$10 bilhões. Os impressionantes
avanços do comércio bilateral fizeram a China atingir, no
ano de 2003, o terceiro lugar entre os principais destinos
das exportaões brasileiras. Atualmente, os governos da
China e do Brasil consideram a outra parte um dos mercados importantes para a concretização da diversifição de
seus mercados. Isso dá um futuro brilhante para desenvolver comércio bilateral.
– Na área da cooperação económica e a tecnológica,
assim como os investimentos mútuos. Cerca de 60 empresas chinesas de várias províncias ja estabeleceram representações de comércio ou criaram joint-ventures no Brasil.
Com o desenvolvimento sustentado da economia chinesa,
empresas chinesas com grande poderio nos setores de
processamento de madeira, eletrodomésticos, mineração e
telecomunicação, entre outros, investem no Brasil, contribuindo para o desenvolvimento da economia, a introdução de tecnologia e a geração de emprego no País. Ao
mesmo tempo, grandes empresas brasileiras, tais como a
CVRD, a CBMM, a Embraer e a Embraco, participam de
operações na China com parceiros locais que trazem benefícios mútuos. Os avanços da cooperação em ciência e técnologia, em particular na área espacial, constituem o mais
bem sucedido exemplo de cooperacao Sul-Sul baseado em
alta tecnologia. Na questão dos transportes, uma parceria
sino-brasileira para a recuperação e a expansão do sistema
ferroviário brasileiro permitirá que as exportações agrícolas
brasileiras cheguem à China em maior volume, com
menores custos. Outros setores em que a parceria é promissora são software e energia, em especial a exploração conjunta de poços de petróleo em terceiros países e a cooperação na produção de etanol.
Em 1993, os dirigentes dos dois países decidiram estabelecer uma parceria estratégica de longo prazo, estável e
capaz de trazer benefícios mútuos, o que constituiu um
novo marco na história das relações sino-brasileiras.
Durante esses anos, com as frequentes visitas de alto nível,
339
as relações de cooperação amistosa desenvolveram-se
constantemente. Em importantes questões internacionais,
os dois países compartilham pontos de vista idênticos ou
têm posições similares, e em fóruns multilaterais como a
ONU e a Organização Mundial do Comércio (OMC) têm trabalhado em colaboração estreita, apoiando-se mutuamente
e estabelecendo cooperações frutíferas. Segundo o estudioso brasileiro Luiz Vita, nos anos 1970 e 1980, durante
votação nas Nações Unidas e em outros fóruns internacionais, 95% das posições brasileiras coincidiam com as
chineses e vice-versa.
Em Maio de 2004, o Presidente do Brasil Luiz Inácio Lula
da Silva visitou a China. Em Novembro do mesmo ano, o
Presidente da China Hu Jintao visitou o Brasil. Duas visitas
de Estado num único ano conferem o brilho merecido ao
ániversario de 30 anos do estabelecimento de relações
diplomáticas entre a China e o Brasil. As visitas dos dois
Presidentes aumentaram o conhecimento e a confiança
mútuos entre a China e o Brasil e promoveram o contínuo
desenvolvimento da cooperação económico-comercial e
científico-tecnológica. E também aprofundaram e consolidaram a parceria estratégica sino-brasileira, o que corresponde aos interesses fundamentais dos povos dos dois
países e favorece a salvaguarda da paz e o desenvolvimento de suas respectivas regiões e do mundo. E, ao mesmo
tempo, desempenhará um papel decisivo no sentido de
aumentar o poderio dos países em desenvolvimento em
geral e de promover o estabelecimento de uma nova ordem
internacional política e económica mais justa e razoãvel.
Com características próprias nas estruturas de recursos
e indústrias, a China e o Brasil dispõem de grande complementariedade econõmica. O presidente brasileiro Lula
disse, o que nos queremos, é uma politica chamada de
complementariedade. Após visitas dos dois Presidentes
dos dois países váo ampliar relações bilaterais. É possível
alcançar uma relação comércial da ordem de 20 bilhões de
dólares nos próximos trés anos. Também os dois países
avançam em relação aos investimentos chineses na infraestrutura brasileira, em particular na recuperação da malha
ferroviária, na reforma de portos e em projetos siderúrgicos
e de produção e transmissão de energia. Na área da cultura
e do turismo, aos intercâmbios entre duas partes serão
dados ênfase. A intensificação dos contatos entre nossas
sociedades será um passo essencial na ampliação do conhecimento mútuo e no aprofundamento de relações bilaterais.
340
7. Agora vamos falando do Estudo sobre o Brasil e a
América Latina na China. O povo chinês valoriza a
importância de estudar. Para Confúcio, é uma grande alegria estudar e rever. O governo chinês tem prestado
atenção ao desenvolvimento das relações com o Brasil e
com a América Latina. Sob as instruções do Presidente Mao
Tsetong, o Instituto da América Latina que pertence a
Academia de Ciências Sociais da China, foi criado em
1961. A tarefa principal do Instituto da América Latina da
China é pesquisar e estudar os problemas económicos,
políticos, sociais, culturais, assim como de relações exteriores e de história, em toda a América Latina. Os seus trabalhos foram suspensos no meio da década de 60 até
primeiros anos de 70, no século passado, pela caótica
Grande Revolução Cultural, e somente retomados a partir
de Maio de 1976.
Atualmente o Instituto divide-se em 4 seções: Seção de
Política e História; Seção de Economia; Seção de
Sociedade e Cultura; Seção de Estudos sobre Países latino-americanos. Além disso, há uma secretaria, uma biblioteca, um centro de informações. No Instituto ainda há uma
faculdade de estudos sobre a América Latina, para a formação de alunos de pós-graduação.
O Instituto de América Latina da Academia de Ciências
Sociais da China tem uma revista Estudos Latino-Americanos, em chinês, publicada bimensalmente. Trata-se da revista mais importante na China sobre os estudos
da América Latina. Além disso, sai ILAS Working Paper em
espanhol ou inglês, sem prazo fixo.
O Instituto conta com vários métodos a promover os
estudos da América Latina.
– Os pesquisadores podiam aproveitar os livros colecionados na biblioteca, para conhecer os problemas latino-américanos. Esses livros são comprados no exterior, e
alguns são oferecidos pelas Embaixadas dos países de
América Latina em Beijing, pelos órgãos e individuais dos
países de América Latina e do outros países.
– A biblioteca assina vários jornais, revistas dos países
da América Latina, dos órgãos internacionais, dos Estados
Unidos, da Inglaterra, da Rússia etc. Por exemplo, os
seguintes jornais e revistas brasileiros foram e são assinados pela biblioteca do Instituto: Jornal do Brasil, O Estado
de São Paulo, Veja, Exame, Manchete, Conjuntura
Económica, Boletim do Banco Central do Brasil, Revista de
Economia Política, etc.
341
– Toda a gente do Instituto da América Latina tem computador, por isso podia usar internet a conseguir informações.
– Os pesquisadores do Instituto sempre são enviados
para os países da América Latina, os Estados Unidos,
Espanha, Portugal, e Rússia, a fim de pesquisar os problemas latino-americanos em parceria com os professors
estrangeiros, ou aprender idioma.
– O Instituto, cada ano, convida alguns professores dos
países da América Latina ou de outros países, a visitar o
Instituto. Além disso, algumas personagens estrangeiras
também sempre visitam o Instituto exprimindo opiniões
sobre a situação atual e histórica da América Latina.
Desde a criação até agora, o Instituto conquistou
grande desenvolvimento no trabalho de estudos e
pesquisas sobre a América Latina. As publicações mostram
melhor os esforços e êxitos dos estudiosos chineses nos
seus estudos latino-americanos. Foram publicados centenas de livros e milhares de artigos sobre assuntos latino-americanos. Os mais importantes são, por exemplo:
Enciclopédia da História da América Latina, Enciclopédia
Concisa da América Latina e Caribe, História Geral da
América Latina, A Economia da América Latina, História de
Relações Sino-Americanas, Estudos sobre a Estratégia de
Desenvolvimento dos Países Latino-Americanos, O
Desenvolvimento do Capitalismo na América Latina,
Estudos da Política dos Países da América Latina, As
Relações entre os Países da América Latina e os Estados
Unidos, Problemas das Nacionalidades na América Latina,
Comentário sobre a História da Ideologia dos Países da
América Latina, Sobre a Reforma de Pensão na América
Latina, Escolha sobre Estratégia da Modernização e
Relações Internacionais: As Experiências na América
Latina, Educação da América Latina, Movimento do
Comunismo na América Latina, Estudo sobre Modelos de
Deselvolvimento na América Latina, América Latina e as
Relações sino-américa-latinas: Situação atual e futuro,
Desenvolvimento Económico e Problemas Sociais: Situação
na América Latina, Estudo sobre Dívida Externa na América
Latina, etc. As obras principais sobre o Brasil são seguintes:
Brasil, Economia do Brasil, Estudo sobre a Modernização
no Brasil, Desenvolvimento Económico e Problemas
Sociais: Situação no Brasil, além dos artigos que se tratam
economia, sociedade, política, história, cultura do Brasil. As
principais obras de tradução são: Desenvolvimento da
342
Economia América-Latina, de Celso Furtado, Documentos
de Simón Bolivar, Sete Ensaios de Interpretação da
Realidade Peruana, de José Carlos Mariategui,
Imperialismo e Dependência, de Teotónio dos Santos,
Capitalismo Periférico: Crise e Transformação, de Paul
Prebisch, e Cambridge História da América Latina, etc.
8. Na China, os estudos e as atividades académicas
sobre a América Latina tem sido realizados principalmente
no Instituto de América Latina subordinado à Academia de
Ciências Sociais da China. Além disso, existem outros
núcleos que estudam os problemas sobre América Latina.
Tais como: Centro de Estudos Latino-Americanos da
Universidade de Nankai, na cidade Tianjin é o principal
deles. Ele foi criado em 1964, agora conta com cerca de
dez pesquisadores e professores. Esse núcleo publica
Boletim de Estudos Históricos Latino-Americanos, uma
revista semestral. Publicam-se nessa revista teses sobre a
história latino-americana, seleções de traduções de dados
históricos, informações sobre as pesquisas, tanto na China
como no exterior, resenhas de livros e revistas. Outro núcleo
chama-se Centro de Estudos sobre a História da América
Latina da Universidade de Hubei. Criado em 1964, naquela
altura chamava-se Seção de Pesquisa sobre História
Brasileira. Os pesquisadores desse Centro traduziram
muitos dados históricos sobre o Brasil e outros países latino-americanos, num total de 3,5 milhões de caracteres chineses, e ao mesmo tempo compilaram o Dados Históricos
do Brasil. Além disso, foram publicados muitos artigos em
várias revistas académicas. Em 1984, a Seção de Pesquisa
sobre a História do Brasil mudou de nome para Seção de
Pesquisa sobre a Historia Latino-Americana. Os intercâmbios do Centro com orgãos académicos estrangeiros estão
muito activos. Muitos professores famosos da América
Latina, dos Estados Unidos visitaram o Centro. Ainda há
Centro de Estudos sobre a História da América Latina, da
Universidade de Fudan, Shanghai; Seção de Estudos
Latino-Americanos do Instituto de Relações Internacionais
Contemporâneas da China; Seção de estudos sobre a
História da América Latina do Instituto de Estudos históricos
Mundiais da Academia Chinesa de Ciências Sociais. Além
do mais, alguns funcionários do Ministério dos Negócios
Estrangeiros, Departamento de Ligação Internacional do
Comité Central do Partido Comunista da China, assim como
da Agência de Notícias Xinhua, também estudam os problemas da América Latina.
343
ARTUR TEODORO DE MATOS
Universidade Nova de Lisboa
Tradição e inovação na administração
das ilhas de Solor e Timor: 1650-1750
1. A história de Timor, feita com o recurso a documentos
escritos, apenas começa com a chegada dos portugueses.
No entanto, como os povos letrados que, atraídos pelo
comércio do sândalo, visitaram a ilha deixaram alguns testemunhos escritos, há entre o período pré-histórico e o
histórico uma zona de penumbra ou período proto-histórico,
que se estende do século XIII ao XVI. O sândalo, que só se
dá em climas com uma estação seca bem marcada, é
espontâneo nas ilhas da Pequena Sonda, abundando
sobretudo em Timor e em Sumba. Embora, ao que parece,
o seu cultivo tivesse sido introduzido no Sul da Índia nos primeiros séculos da nossa era, continuava a ser Timor o seu
principal produtor, e isso atraiu para a ilha as atenções do
comércio internacional, como sucedeu também em Maluco
devido ao cravo e em Banda graças à noz-moscada. É na
literatura chinesa, onde o sândalo tinha enorme procura,
que ocorrem as mais antigas e mais extensas alusões a
Timor, como o demonstrou Roderich Ptak.
É, de facto, através da documentação portuguesa que
conhecemos razoavelmente a organização social e política
de Timor à chegada dos europeus. Sabemos, assim, que os
timorenses, à semelhança da maioria dos povos autronésicos, estavam organizados em chefaturas hierarquizadas, e
que no caso de Timor a sua hierarquia comportava quatro
níveis.
O primeiro nível, constituído por um pequeno grupo de
famílias, é o que em Timor se costuma designar por povoação, o que não significa que as casas formem de facto
povoados compactos, pois, excepto na ponta Leste e nas
terras baixas onde predomina a orizicultura intensiva, como
Suai e Manatuto, as casas estão dispersas pelos montes,
em pequenos agrupamentos de não mais de meia dúzia.
345
Os chefes de povoação formavam tradicionalmente uma
espécie de baixa nobreza, a classe dos timungões ou
tumungos; mas este termo caiu praticamente em desuso
em português moderno. Várias povoações formam um suco
sob a autoridade de um chefe de suco ou dato, i. e. “nobre”.
O suco é a unidade fundamental de organização social
timorense. Vários sucos formam um reino ou regulado, sob
a autoridade de um chefe invariavelmente designado nos
antigos textos portugueses por rei; chama-se-lhe em tétum
liurai termo que passou também ao português.
Em finais do século XVI, quando surgem as primeiras
descrições detalhadas da organização social timorense, a
ilha dividia-se em dois impérios ou confederações de reinos: o dos Belos, correspondente ao actual Timor Leste
mais a faixa fronteiriça de Timor indonésio, e o do Servião,
correspondente ao resto de Timor indonésio mais o actual
enclave de Oé-cússi.
Os textos portugueses designam por “imperador dos
Belos” o suserano dos liurais dos Belos, que residia em Bé-Háli ou Uai-Háli, na planície da costa sul de Timor, hoje do
lado indonésio mas relativamente próximo da fronteira. Na
metade ocidental da ilha, dita “Província do Servião” (provavelmente de Sorbian, nome de um pequeno porto de mar
sito imediatamente a Oeste do enclave de Oé-Cússi), habitada pelos baiquenos, havia paralelamente um outro imperador, o Senobai, que residia em Oenam, no interior da ilha,
um pouco ao Sul da actual fronteira de Oé-Cússi. Havia,
contudo, uma diferença importante entre as duas metades
da ilha: enquanto que os povos do Servião falavam praticamente todos a mesma língua (o baiqueno, a que os holandeses chamaram timoreesch), os Belos falavam uma boa
vintena de línguas e dialectos diferentes, nem todos de origem austronésica, servindo-se do tétum (a língua de Bé-Háli) apenas como língua veicular e, portanto, como
segundo idioma. A fragmentação política era também maior
do lado dos Belos, onde por volta de 1700 se contavam ao
todo 46 reinos, ao passo que no Servião havia apenas 16.
A sucessão dos régulos e chefes de suco é semi-hereditária semi-electiva: morto um chefe, o povo pronuncia-se
sobre a sucessão (outrora eram só os datos quem se pronunciava), podendo confirmar o filho do defunto ou eleger
outro membro da linhagem real; o direito de primogenitura
não é estrito, e é frequente que a escolha recaia sobre um
filho segundo, ou mesmo um sobrinho paterno ou um primo.
Em caso de morte ou impedimento do liurai o poder ou é
346
entregue à rainha viúva ou a uma junta de cinco datos
designada por parlamento; esta era a solução obrigatoriamente adoptada quando um régulo era deposto por qualquer motivo, pois o costume vedava que enquanto fosse
vivo se procedesse à eleição de um sucessor.
Abaixo da nobreza, constituída pelos datos, uma segunda classe era tradicionalmente constituída pelos timungões
ou chefes de povoação, a que aludimos já. Segue-se-lhe o
comum do povo, designado muitas vezes, pejorativamente,
por cuda-reinu, «cavalos do reino», nome que indica a sua
sujeição aos chefes e os trabalhos humildes em que se
ocupa. Abaixo dele havia, outrora, os escravos, ditos em
tétum ata, cuja situação não era, aliás, muito desfavorável:
eram considerados parte da família e designados por ôan-cáruc, “filhos da mão esquerda”, sendo facilmente alforriados por seus amos, ficando nesse caso a pertencer à
mesma classe social que estes; apenas os libertos dos liurais se não podiam tornar liurais.
2. Os primeiros missionários a instalar-se na Insulíndia
foram os jesuítas, que mantiveram missões em Maluco a
partir de 1546. Mais tarde (1615-1682) tiveram-nas também
em Macaçar e, episodicamente, em outras ilhas em redor.
Logo em 1559, treze anos apenas após a sua chegada ao
arquipélago, os jesuítas de Maluco formaram o projecto de
enviar a Solor ou a Timor uma expedição missionária; no
ano seguinte um rei cristão da ilha, que não podemos identificar, certamente um dos convertidos de Frei António
Taveira – um dominicano que aí desembarcara em 1556,
baptizando então umas cinco mil almas, ignora-se em que
região – insistia com eles para que lhe mandassem padres
“para fazer seu reino cristão”; mas, por falta de pessoal, não
foi possível atender ao seu pedido. Foram assim os dominicanos, que em 1554 haviam iniciado a construção de um
convento em Malaca, os primeiros a abordar Timor, razão
por que o brasão de Timor Português incluía ao lado das
quinas o emblema da ordem de S. Domingos.
Em 1558 foi criado o bispado de Malaca, de que foi primeiro bispo um dominicano, D. Frei Jorge de Santa Luzia,
que a partir de 1561 passou a enviar regularmente missionários seus confrades para Solor, esperando certamente
que, aproveitando o transporte que lhe facultavam os tratantes, daí irradiassem a sua acção evangelizadora para as
ilhas circunvizinhas. Um dos primeiros dominicanos a
seguir para Solor foi Frei António da Cruz, que em 1562 fun347
dou aí um convento e, para o proteger de qualquer ataque,
ergueu à sua volta uma tranqueira (paliçada de troncos de
palmeira); a tempo o fez, pois dois anos mais tarde Solor era
atacada por uma flotilha de jaus, a que a pequena comunidade cristã pôde assim resistir com sucesso, com o auxílio
de um galeão português surto no porto.
Foi só por volta de 1590 que Frei Belchior da Luz desembarcou em Timor, estabelecendo-se no reino de Mena, que
os portugueses frequentavam já por causa do sândalo,
onde ergueu uma igreja. O filho do rei local foi educado em
Malaca e baptizado com o nome de D. Lourenço. Mas tampouco esta segunda tentativa de evangelização teve continuidade.
O estabelecimento definitivo dos dominicanos em Timor
deve-se a Frei Cristóvão Rangel, que em 1633 fixou morada
no reino de Silabão, no extremo Noroeste da Província dos
Belos. Em Timor, os missionários buscaram converter primeiramente os régulos e a classe dirigente em geral, partindo do princípio que a massa do povo os seguiria; a aristocracia converteu-se, de facto, assaz rapidamente, mas a
cristianização do povo foi muito mais lenta, só vindo a consumar-se em nossos dias. Também o hinduísmo e o budismo se haviam difundido no Sueste Asiático a partir das cortes e das aristocracias locais.
Os primórdios da conversão de Timor ao catolicismo
são contemporâneos da cristianização das Filipinas, conquistadas pelos espanhóis entre 1565 e 1571. Há, contudo,
uma diferença importante: as Filipinas converteram-se na
sequência da conquista, que fazia do cristianismo a religião
do poder, e dos cristãos a classe dominante; em Timor a
aristocracia converteu-se espontaneamente, cerca de um
século antes de desembarcar em Timor o primeiro governador português. Quando este chegou, em 1702, como se vê
pela lista das entidades que presenteou, já pelo menos
dezassete régulos e mais alguns caudilhos militares tinham
nome cristão e sobrenome português, o que mostra bem que
estavam já cristianizados e, de certo modo, lusitanizados.
O cristianismo penetrou assim em Timor do mesmo
modo que o hinduísmo, o budismo e mais tarde o Islão
penetraram na Ásia do Sueste: não na sequela de uma conquista militar, mas como uma consequência do comércio,
que facultou a importação de letrados e mestres religiosos
de regiões culturalmente mais desenvolvidas.
Entre 1597 e 1600 o número de alunos andava pelos 50;
mas não sabemos quantos eram oriundos da ilha de Timor.
348
3. Não se sabe exactamente de quando data o costume
dos régulos que se convertiam ao catolicismo se declararem vassalos del-rei de Portugal; mas, seja como for, é claro
que antes do terceiro quartel do século XVII tal vassalagem,
a existir, era sobretudo simbólica e honorífica, pois continuava a não haver qualquer autoridade portuguesa permanente em Timor.
Apenas em Solor residia desde 1585 um capitão português, que comandava a guarnição do forte erguido pelos
dominicanos, intitulado a partir de começos do século XVII
“capitão das ilhas de Solor e Timor”; mas mesmo esse,
embora muitas vezes formalmente nomeado pela chancelaria régia ou pela do vice-rei da Índia, não era normalmente
escolhido no Reino nem em Goa, mas um casado de
Malaca ou de Solor, designado por acordo entre os frades e
o capitão de Malaca. Quando, na década de 1630, D. Filipe
III enviou para Solor um capitão de sua escolha os dominicanos expulsaram-no. O capitão não vencia qualquer ordenado do erário público, vivendo de prois e precalços, isto é,
de facilidades de que desfrutava para o comércio, emolumentos que cobrava às partes para lhes administrar justiça,
multas que aplicava, etc. A esses rendimentos, as mais das
vezes pagos em sândalo, juntava-se o tutai, pensão em
cestos de arroz e porcos, fornecidos pelos reis locais.
Como no século XVI acontecera no golfo de Bengala e
nos mares da China, a quase ausência de autoridade portuguesa favorecia o estabelecimento de aventureiros. Os
que se radicaram em Timor eram sobretudo topazes, termo
cuja significação explicámos já. Os holandeses chamavam-lhes Zwarte Portugezen, “portugueses pretos”, e os ingleses Black Portuguese. Os topazes agiam por sua conta e
risco, quer se dedicassem ao trato comercial, quer à guerra, com hostes de apaniguados que armavam e mantinham;
de começo estariam como mercenários ao serviço dos frades ou de potentados nativos, mas cedo começaram a tornar-se por seu turno em potentados locais, talhando para si
domínios em que ditavam a lei e desenvolviam a sua própria
política.
As mais célebres famílias de topazes são os Costas, vindos de Larantuca, nas Flores, e os Hornays, descendentes
de um trânsfuga holandês convertido ao catolicismo, que
desposou uma mulher timorense (que por seu turno ao
enviuvar casou em segundas núpcias com um macaísta,
mestiço de português e china). Ora aliadas ora rivais,
ambas as famílias vieram a estabelecer-se no Oé-Cússi,
349
desempenhando um papel importante na história de Timor.
Parece que acordaram governar alternadamente o território,
cruzando-se ao mesmo tempo entre si. No entanto a actual
linhagem reinante de Oé-Cússi usa o sobrenome Costa.
Enquanto os missionários iam, paulatinamente, evangelizando Timor, desenhavam-se em toda a região importantes transformações políticas, que acabariam por se reflectir
na nossa ilha, cada vez menos isolada e mais envolvida por
uma conjuntura internacional complexa. Os dois factos
capitais para Timor são a chegada dos holandeses e o despertar de Celebes.
Os holandeses chegaram à Insulíndia em 1596; foi em
1613 que pela primeira vez apareceram na zona de Timor,
atacando o forte de Solor de que se apoderaram ao cabo
de três meses de cerco. Retiveram-no dois anos, após o
que o abandonaram por não dar lucro que justificasse
mantê-lo; mas em 1618 ocuparam-no de novo, para o evacuarem e arrasarem em 1629. Os dominicanos desinteressaram-se, contudo, da pequena ilha de Solor e em 1636
mudaram a sua sede para Larantuca, no extremo oriental
das Flores; abandonada pelos portugueses, Solor veio a ser
definitivamente incorporada nas possessões da VOC
(Vereenigde Oostindische Compagnie, a Companhia
Holandesa das Índias Orientais) em 1646. Apesar disso os
portugueses continuaram até ao século XIX a empregar a
expressão “ilhas de Solor e Timor” para designar o conjunto dos seus estabelecimentos na região. Em 1661 foi assinada uma paz entre Portugal e a Holanda, o que permitiu
aos portugueses comerciarem com Batávia; mas em Timor
poucos resultados efectivos veio a ter, pois os agentes
locais da VOC, ignorando-a na prática, continuaram a
desenvolver uma política expansionista e hegemónica.
Receosos dos holandeses, os portugueses decidiram
estabelecer-se no Cupão, que possuía a baía mais vasta e
mais abrigada da ilha, o golfo de Babau. Frei António de
São Jacinto foi mais uma vez o negociador: o rei e a rainha
do Cupão foram baptizados com os nomes de D. Duarte e
D. Mariana, e a 29 de Dezembro de 1645 assinaram um
termo de sujeição a Portugal.
O estabelecimento dos holandeses no Cupão veio complicar ainda mais a situação de Timor, pois logo começaram
a atrair régulos ao seu partido e a ameaçar os reinos fiéis
aos portugueses. É certamente essa a razão por que os
capitães-mores de Solor e Timor deixam em meados do
século XVII Larantuca e passam a residir nesta ilha, sedian350
do-se em Lifau, no Oé-Cússi; tal parece ser já o caso de
Francisco Carneiro de Sequeira, c. 1651, e seguramente o
de Simão Luís (c. 1662-1664).
É pela mesma razão que se torna cada vez mais vultosa a presença de topazes larantuqueiros em Timor, sobretudo no Servião, a zona mais rica em sândalo e mais ameaçada pelos holandeses, a partir do seu forte do Cupão.
Seria fastidioso enumerar as peripécias de tais lutas; basta
notar que foi assim que, por volta de 1655, Mateus da Costa
e António Hornay vieram para Timor à testa das suas companhias de larantuqueiros, participando c. 1659 numa
expedição punitiva contra o rei de Amaneci que se mancomunara com os holandeses. Daí até a finais do século, através de sucessivas usurpações, ora meramente toleradas,
ora confirmadas, à falta de melhor, pelo governo de Goa e
mesmo por Lisboa, Costas e Hornays monopolizaram a
capitania-mor de Timor: António Hornay (1666-1669),
Mateus da Costa (1671-1673), António Hornay (c. 1673-1693), Francisco Hornay (1694-1696), Domingos da Costa
(1697-1702). Os interlúdios foram curtos: a capitania de
Fernão Martins da Ponte (1669-1670), expulso por um levantamento em que tomaram parte os frades, e a de Manuel da
Costa Vieira, eleito pelo povo à morte de Mateus da Costa
(1673), mas logo demitido pela força por António Hornay.
Um capitão-mor enviado por Goa na década de 1680, João
Antunes Portugal, não conseguiu sequer desembarcar, por
este lho impedir.
Os sucessivos capitães topazes resistiram eficazmente
aos holandeses, e é essa uma das razões por que Goa os
tolerou; mas promoveram uma exploração intensiva do sândalo que nalgumas regiões quase o levou à extinção.
Sobretudo, não o negociavam, segundo tudo leva a crer,
através de Macau, o que exasperou os macaístas.
A evangelização dos Belos veio a ser prosseguida pelos
dominicanos, com especial relevo para Frei Manuel de
Santo António, dominicano natural de Goa, chegado à ilha
em 1698. Fugindo do conturbado Servião, pressionado
pelos holandeses e assolado pelas lutas pelo poder, preferiu ir missionar entre os Belos, estabelecendo-se no reino de
Luca; convertido este, partiu a catequizar os reinos vizinhos. Um dos seus convertidos, D. Mateus da Costa, régulo
de Viqueque, tomado de uma espécie de espírito de cruzada, empreendeu uma série de campanhas a submeter as
regiões limítrofes e persuadi-las a aceitar a suserania portuguesa e a fé cristã. A este surto de conversões e vassala351
gens não foram provavelmente estranhos os rumores que
corriam, de que os macaçares se preparavam para conquistar o País dos Belos.
Entretanto a precária situação do Servião causava preocupação em Macau, porta da China, que era, como sabemos, o destino principal do sândalo. Em certos períodos
(como entre 1672 e 1678) o comércio do sândalo entre
Timor e Macau fez-se em navios do Estado, em que os mercadores tomavam bague, isto é, quinhão; noutros deu-se a
todos os moradores de Macau liberdade para armar para
Timor. Em qualquer dos casos o Leal Senado de Macau,
que representava os habitantes, tinha grande interesse
nesse trato. Foi de Macau que partiram as mais acerbas
queixas contra os capitães topazes de Timor. Goa começou
a pensar em enviar contra eles uma expedição militar, como
o bispo de Cochim sugerira em 1690. Um governador,
nomeado pelo poder central, substituiria daí em diante os
capitães-mores locais.
A primeira tentativa teve lugar em 1696, e o governador
escolhido foi António de Mesquita Pimentel, um fidalgo de
Macau; mas o comportamento tirânico que adoptou levou
Goa a demiti-lo no ano imediato, o que se tornara desnecessário, pois já Domingos da Costa, filho bastardo de
Mateus da Costa o expulsara, apossando-se do poder. O
seu sucessor designado, André Coelho Vieira, igualmente
macaense, não chegou sequer a Timor, pois Domingos da
Costa deteve-o em Larantuca e reenviou-o para Macau.
Foi nessas circunstâncias que em 1701 o vice-rei
António da Câmara Coutinho decidiu empreender uma nova
tentativa, nomeando o secretário-geral do Estado da Índia,
António Coelho Guerreiro, para governador de Timor.
António Coelho largou de Goa com armas e munições e 50
homens de guerra, a que em Macau juntou mais 32. À chegada a Larantuca, Domingos da Costa, que se encontrava
aí, pôs-lhe as suas condições para o deixar desembarcar:
el-rei de Portugal podia intitular-se rei das ilhas de Solor e
Timor, mas não interferiria nos seus negócios internos, deixando-as governar-se como república autónoma, meramente aliada dos portugueses. Coelho Guerreiro não aceitou
tais condições e tentou forçar o desembarque; mas foi repelido às bombardadas, e decidiu rumar a Lifau. Aí assistia
como lugar-tenente do capitão-mor Domingos da Costa um
macaense seu cunhado, Lourenço Lopes; Coelho Guerreiro
negociou com ele, graças à mediação de Frei Manuel de
Santo António, oferecendo-lhe a patente de tenente-gene352
ral, foro de escudeiro ou de fidalgo e mesmo um hábito da
Ordem de Cristo. Lourenço Lopes acabou por ceder, e a
resistência dos seus companheiros foi dominada.
Assim, a 20 de Fevereiro de 1702, na capela de Santo
António em Lifau, foi António Coelho Guerreiro empossado
por Frei Manuel de Santo António como primeiro governador
português de Timor. Entretanto, sem que em Timor se soubesse, Frei Manuel fora escolhido por D. Pedro II para bispo
de Malaca com a residência em Lifau, vindo contudo a
receber a sagração episcopal em Macau apenas em 1705.
O novo vice-rei da Índia, Caetano de Melo e Castro
(1702-1707), resignara-se já a contemporizar mais uma vez
com os topazes caso Coelho Guerreiro tivesse entretanto
fracassado, fazendo-o regressar a Goa a pretexto de ter
exorbitado das ordens recebidas. Assim, foi sem que em
Goa ou em Lisboa se houvesse dado por tal, que a história
de Timor entrou em nova fase.
4. António Coelho Guerreiro foi um governador assaz
activo que, além de ter lançado as bases da organização
política e militar por que Timor se regeria por dois séculos,
empreendeu a fortificação de Lifau. Ao mesmo tempo construiu fortificações em outros portos da costa, nomeadamente em Batugadé, que era um dos principais portos do País
dos Belos.
Os liurais estavam contentes com o seu governo e pediram a El-Rei que o reconduzisse no cargo. Foi sobretudo às
manobras de D. Frei Manuel de Santo António, bispo-eleito
de Malaca, que se deveu o seu embarque para a Índia ao
fim do primeiro triénio de governo, a despeito de ter sido
reconduzido para um segundo: em 1705, aproveitando-se
das instruções ambíguas do vice-rei, Frei Manuel forçou o
seu embarque para Goa, após o que assumiu interinamente o governo; não conseguiu, contudo, chegar a acordo
com Domingos da Costa que o pretendia igualmente. Dias
depois, todavia, tendo recebido a confirmação papal à sua
nomeação como bispo de Malaca, partiu para Macau a
receber a sagração. Utilizando uma provisão com o nome
do provido em branco que lhe dera o vice-rei, entregou o
governo a Lourenço Lopes, cunhado de Domingos da
Costa, conferindo-lhe o posto de capitão-mor.
De regresso a Timor o bispo recomeçou as suas brigas
com os sucessivos governadores, até que em 1722 António
de Albuquerque Coelho – um mestiço brasileiro, filho bastardo de um governador do Maranhão, que governara já
353
Macau – inaugurou a sua governação expulsando da ilha o
bispo. D. Frei Manuel de Santo António veio a falecer em
1734 sem ter regressado a Timor.
5. António Coelho Guerreiro lançou os fundamentos de
uma organização que, apenas com ligeiros retoques, iria
vigorar durante dois séculos, até ao governo de Celestino
da Silva (1894-1908); alguns dos seus elementos, como a
organização militar baseada nas companhias de moradores, durariam mais ainda, atingindo os nossos dias, para só
desaparecerem com a ocupação indonésia. Regulamentou
a matrícula das tropas; construiu diversas tranqueiras ao
longo da costa; criou os lugares de secretário do governo e
ministro da justiça; elaborou o primeiro orçamento de Timor;
e redigiu regimentos para o secretário do governo, para o
ouvidor e para o escrivão da matrícula, deixando assim
regulamentados os principais cargos da administração central.
A administração local não existia, uma vez que os régulos continuavam a governar seus reinos sem interferência
do poder central. Os seus deveres limitavam-se a pagar-lhe
um tributo ou finta, fixado por acordo entre cada reino e o
governador, a fornecer-lhe homens de armas e um certo
número de auxiliares, homens escalados por turnos para
serviço do governo e execução das obras públicas que se
tornassem necessários. É interessante notar como este sistema se mesclou às tradições e à cultura local: a finta ou tributo pago pelos vários reinos ao governador português,
que representava El-Rei, veio a ser conhecida por siripinão.
A masticação de bétele e areca é em Timor, como em toda
a Insulíndia, elemento importante dos rituais sociais, em que
tem um significado de fraternidade e comunhão ritual. Esse
pormenor mostra a assimilação da relação vassálica dos
régulos de Timor para com a Coroa portuguesa ao tradicional universo cultural timorense, em que a vassalagem era
considerada um acto sagrado e o tributo uma prestação
semi-religiosa, envolvendo um rito de fraternização.
Coelho Guerreiro projectava organizar um efectivo militar de seiscentos e tal homens, compreendendo um corpo
de 60 artilheiros. Como vimos já, em Goa só recebeu 50
homens a que em Macau pôde juntar ainda 32. Foi provavelmente essa dificuldade em recrutar fora da ilha tropas
para Timor que o levou a empreender a sua obra mais original e mais duradoura: a militarização das estruturas tradicionais de Timor.
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Atribuiu ao imperador do Servião o posto de brigadeiro,
aos régulos patentes de coronel, aos regentes de reino de
tenente-coronel, aos datos e timungões de sargentos-mores
e capitães, conforme a sua importância. Passadas em
nome del-rei de Portugal, essas cartas-patentes foram frequentemente vistas como detentoras de um certo poder
mágico-religioso, razão porque ainda hoje se encontram
muitas depositadas nas uma-lúlic (repositório dos paládios
de cada reino e outros objectos sagrados) dos diferentes
reinos e sucos. Em caso de guerra, enquadrando os arraiais
de moradores dos vários reinos, esses graduados acorriam
ao chamado do governador, que assim escapava à
dependência dos topazes, tantas vezes renitentes, podendo mesmo contrapor às suas outras forças militares.
O comando supremo desses contingentes foi confiado a
um tenente-general, escolhido de entre os régulos; abaixo
dele havia três capitães-mores, também escolhidos pelo
governador de entre os liurais, um para os Belos, outro para
o Servião e outro para Larantuca e demais reinos vassalos
das Flores.
O sistema assim criado por António Coelho Guerreiro,
que iria durar dois séculos, apresenta, pois, nitidamente o
carácter de um compromisso ou simbiose entre as instituições lusas e as tradições nativas. O consenso a que se
chegara parecia satisfatório, e em Agosto de 1703 vinte e
três dos vinte e cinco reis que haviam aceitado a suserania
portuguesa escreviam ao rei manifestando o seu contentamento com a actuação de Coelho Guerreiro, pedindo-lhe
que o mantivesse no posto durante pelo menos mais seis
anos.
O carácter consensual e simbiótico da consolidação da
presença portuguesa em Timor está, porém, longe de implicar que as relações entre os diversos poderes fossem um
mar de rosas. Na distribuição de patentes Coelho Guerreiro
ignorara, por certo deliberadamente, as prerrogativas de
Camenaça e Luca, considerando os seus liurais vassalos
da Coroa portuguesa ao mesmo nível dos demais. É possível que esse nivelamento tenha provocado ressentimentos
e que esteja na origem do pacto de Camenaça, uma espécie de conspiração anti-portuguesa, que, urdida em 1719
só veio a ter efeitos práticos com a guerra de Cailaco em
1725-1726.
Há que notar, por outro lado, que a suserania portuguesa não foi de imediato aceita por todos os reinos de Timor.
O chamado “partido real” era, em Setembro de 1703 segui355
do por 25 reinos, dos cerca de 62 que havia na ilha: 21 da
Província dos Belos, onde se contavam ao todo 46 reinos, e
apenas 4 do Servião, onde eram ao todo 16. Embora a capital continuasse em Lifau, no Servião, eram já então sobretudo os Belos, mais fragmentados politicamente e menos
auto-suficientes, a sustentar os portugueses – o que prenunciava já a futura divisão da ilha.
A conflitualidade era endémica: como um antigo governador de Timor, Afonso de Castro, resumiria admiravelmente em 1867, “as rebelliões em Timor teem sido successivas,
podendo dizer-se que a revolta é ali o estado normal e a
tranquilidade o excepcional”. Seria no entanto erróneo pintar a história de Timor como uma imensa rebelião das populações locais contra o domínio português, como notava o
mesmo autor.
Seja como for, a presença portuguesa em Timor, tão tardia quando comparada com o que se passou em Goa,
Malaca, Maluco ou Macau, e de origens tão especiais, acabou por se mostrar mais duradoura do que em regiões onde
parecia mais solidamente firmada, e por permanecer estável praticamente até aos nossos dias.
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