ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO RIO GRANDE DO SUL

Transcrição

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO RIO GRANDE DO SUL
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO
RIO GRANDE DO SUL
PROJETO MEMORIAL DO LEGISLATIVO
51ª LEGISLATURA
2004
MESA DIRETORA
Presidente: Dep. Vieira da Cunha (PDT)
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Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul
Projeto: “MEMÓRIA PARLAMENTAR: História de vida
dos parlamentares gaúchos (1947-1966)”
Depoimento de
HONÓRIO PEREIRA SEVERO
Entrevistadores:
Ângela Flach
Claudira Cardoso
Daniel Roberto Milke
Porto Alegre, 06/01/2005
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APRESENTAÇÃO
Projeto: “Memória Parlamentar: História de vida dos parlamentares gaúchos”
O referido projeto faz parte de um conjunto maior de projetos que visa a concretização
do Memorial do Legislativo. O desenvolvimento do projeto “Memória Parlamentar” está
buscando resgatar as trajetórias político-sociais dos Deputados Estaduais de todas as
agremiações partidárias, eleitos a partir de 1947 para a Assembléia Legislativa do Rio Grande
do Sul. As entrevistas dão ênfase no período de atuação do deputado na legislatura ou
legislaturas para as quais foi eleito, contribuindo para reconstituir a memória institucional da
Assembléia Legislativa do Estado, a qual representa um importante locus da democracia na
sociedade ocidental.
Apoiando-se em metodologia de História Oral, visa contribuir para a ampliação da
memória histórico-política do Rio Grande do Sul, pautando-se na recuperação de aspectos da
história política do Estado, a partir da memória de ex-lideranças que atuaram em agremiações
políticas diversas, como por exemplo PTB, PSD, PL, PDC, PRP, PSP, PCB, MTR, PSB,
UDN e PR1. Objetiva, ainda a criação de um acervo de História Oral no Solar dos Câmara da
Assembléia Legislativa do RS, disponibilizando-o ao público interessado.
O projeto está sendo realizado em parceria entre a Assembléia Legislativa do Rio
Grande do Sul e o Centro de Documentação sobre a AIB e o PRP (Entidade de caráter
apartidário voltada à preservação da memória histórico-cultural). Os responsáveis pela
execução do projeto, desde o levantamento bibliográfico de cada depoente até a realização das
entrevistas, são os historiadores Me. Ângela Flach, Doutoranda Claudira Cardoso e Me.
Daniel Roberto Milke.
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A ordem colocada não representa critério de importância dos partidos.
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Honório Severo
[Início do lado A da fita 1]
- Sr. Honório, boa tarde. Nós iniciamos nossa entrevista, pedindo que o senhor fale um
pouco sobre algumas informações pessoais suas: a data de nascimento, seu nome completo,
cônjuge, local onde o senhor nasceu, cidade onde estudou, seus pais, algumas informações
pessoais de sua vida inicialmente.
- Em primeiro lugar, quero registrar a satisfação em prestar este depoimento. Aqui nesta
Casa, vivi um bom período da minha vida. Primeiro como deputado, depois como Diretor
Geral da Assembléia, depois como Procurador-Geral e, por fim, como Assessor Jurídico da
Bancada do PMDB, de onde saí em 1985 para o Governo Sarney. Nasci em Dom Pedrito, no
interior do município, numa noite invernosa de 21 de junho de 1929, na casa dos meus avós
maternos, e vivi, até 1940, no interior de Lavras do Sul, no 2º distrito, na localidade de Santo
Antônio, onde me criei. Me alfabetizei com um professor contratado pelo meu pai, eu e meu
irmão mais velho, Demétrio, já falecido. Meu pai contratou o professor Pedro Bueno… não
havia escola pública, a escola pública ficava a 30 ou 40 quilômetros de casa; um vizinho pôs
dois filhos e meu pai, a pedido de um compadre, um “preto velho”, muito boa gente, um
pequeno proprietário rural, o Léo, que criou esta gente como nosso irmão, se alfabetizou junto
conosco no interior de Lavras. Em 1940, fui para o Auxiliadora, no curso de pré-admissão e lá
cursei também o admissão, um ano cada um. Depois fiz o Ginásio, lá peguei a Reforma
Capanema: quatro anos de ginásio e três de científico. Fiquei em Bagé até 1948. Fui interno
durante o período de ginásio e externo, expulso por indisciplina [riso], porque não me
subordinava mais ao regime do internato. Expulso, propriamente, não, gentilmente convidado
a retirar-me, com uma carta muito elogiosa que tenho em meus arquivos [risos]. Com o
diploma da minha independência, passado pelos padres do Colégio Auxiliadora, em 1945…
não, foi um pouco antes, no final de 1944, deve ter sido… vim para Porto Alegre, fiz
vestibular de Direito na Pontifícia Universidade Católica, onde me classifiquei em primeiro
lugar e onde fiz o primeiro ano do curso de Direito da PUC. E, a convite do meu professor
José Salgado Martins, que era diretor na Federal, fui para a URGS. Ele assumiu a diretoria,
me convidou, e eu pedi a transferência, que me foi concedida. Bom, meus pais: meu pai era
pequeno fazendeiro, administrava a fazenda do meu avô, Demétrio Antônio Severo, irmão do
coronel Torquato Severo, uma figura histórica do Rio Grande do Sul. Aos 15, 16 anos, ele
fugiu de casa para ir à Guerra do Paraguai. Fez com que seu irmão mais velho, o Juca, José
Antônio, também fosse para acompanhar o menino e, não sei se lá no Paraguai, ele conquistou
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os galões de Coronel, mas creio que não, porque há documentos, por ocasião da eclosão da
Revolução de 1893, em que ele aparece como Major e, logo em seguida, como Coronel. Só
não obteve o galão de General, porque, por duas vezes, recusou. A primeira, quando morto
Gumercindo no combate do Carovi, em Santiago do Boqueirão, na reunião para escolha do
novo general que comandaria os revolucionários de 1893, empataram Torquato e Aparício
Saraiva. Torquato, que era muito amigo de Aparício, recusou o generalato e desempatou. O
General Comandante deveria ser Aparício… com a frase simples, ele era homem
extremamente simples, pequeno proprietário rural, extremamente simples, ele disse: “Não, o
General deve ser Aparício, que nasceu para ser general!” Isto está registrado no livro “Os
Voluntários do Martírio”, do Dr. Ângelo Dourado. E a segunda vez, no Uruguai, quando os
revolucionários se retiraram para o Uruguai e preparavam a invasão de 1895, esta comandada
pelo Aparício Saraiva e pelo Almirante Saldanha da Gama. Saldanha da Gama, nas suas
notas, descreve todos os comandantes da época, federalistas, descreve fisicamente, a
indumentária, o caráter, a bravura, enfim, traça um perfil de cada um. Ele diz que Torquato
rejeitou a sua designação para General do Segundo Corpo. O primeiro General do Segundo
Corpo foi escolhido Aparício para Comandante, e Torquato foi escolhido para comandar o
Segundo Corpo do Exército, com o título de General, e ele se recusava, permanecia como
Coronel, porque não queria separar-se do Aparício. Uma coisa muito bonita. Acabo de ler um
livro que foi recém-lançado sobre o General Joca Tavares, as memórias sobre o General Joca
Tavares, e lá o Torquato sai engrandecido no final de um episódio, entre vários episódios, um
que é extremamente importante, enaltecido até pela imprensa: a pedido do Aparício Saraiva,
em carta para o General Joca Tavares, de um repasse de 20 contos de réis, se não me engano,
era dinheiro arrecadado pelas tropas sob seu comando, que ele repassava para reforçar a
cavalhada, para reforçar a compra de cavalos e mantimentos para as tropas do Aparício. De
maneira que eu venho desta linhagem, desta linhagem maragata.
- Pelo que nós observamos então, já na própria família o senhor teria, digamos assim,
alguns elementos de motivação para entrar na vida política. Pelos dados que nós coletamos,
o senhor vai entrar na política na década de 60, mas, ainda nos anos 40, o senhor está
cursando Direito na URGS. É unicamente na década de 60 que o senhor ingressa na política
ou antes disso?
- Não, muito antes. Quando estava no curso científico, eu liderava minha turma. Eram
22 alunos, e eu tinha 21 sob minha liderança. Só tinha um, Jorge […], era comunista, o pai
dele era comunista e ele também era. Em 1947, antes da eleição de 1947, eu, que havia sido
convidado para ingressar na Ala Moça do PSD, da UDN, do PTB e do próprio Partido
Libertador, e recusara os convites, depois de analisar, refletir… programas de partidos,
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observar a conduta dos políticos dos partidos, fiz a minha opção pelo Partido Libertador. De
modo que, geneticamente, eu sou libertador, sou federalista. Exclusivamente, por minha
vontade, sou libertador. Costumo dizer que… tem um discurso meu aqui na Assembléia,
quando eu denunciei as cassações feitas aqui pelo regime militar para ganhar maioria e impor
o governo ao Rio Grande do Sul, a pessoa do Coronel Peracchi Barcellos, meu amigo, por
quem eu nutria grande admiração e amizade, eu comecei o discurso, dizendo: “Liberal do
Império”… minha família toda era do Partido Liberal. Do lado paterno, tenho parentesco com
o General Osório. Ambos descendemos da família de Jacinto Pereira… “Liberal do Império,
Maragato na Primeira República, Libertador da Segunda República em diante, trago sob
meus ombros a responsabilidade histórica de defender a liberdade e a democracia”. Isso está
nos anais da Assembléia, mais ou menos com essas palavras, foi que eu iniciei o discurso, um
dos mais duros discursos que eu pronunciei em toda a minha vida, um dos mais duros
discursos que foram pronunciados aqui na Assembléia, aqui no Rio Grande do Sul. Minha
opção político-estudantil eu já fazia. No final do Estado Novo, eu combati a República por ser
ditadora. Combati a ditadura de Vargas. Comecei, na verdade, a vida pública, disputando o
Primeiro Congresso Estudantil para a criação da União Gaúcha dos Estudantes Secundários,
eu era o Secretário Geral da entidade, em Bagé. Eu… participando do Congresso, fizemos
uma aliança ampla, inclusive com o Partido Comunista, na pessoa do Dr. Luís Carlos Pinheiro
Machado, que era acadêmico. Disputamos a eleição, e perdemos por um voto. O Luís Carlos
era nosso candidato… fizemos uma aliança contra o PSD. Não era filiado ao Partido
Libertador, mas era contra a ditadura de Vargas e contra tudo aquilo que a ditadura Vargas
tinha representado. Então, na verdade, a minha atividade política, do ponto de vista partidário,
nasceu em Bagé no ano de 1947, por ocasião da eleição para prefeito de Bagé.
- E o senhor veio para Porto Alegre cursar Direito?
- Vim para Porto Alegre em 1948.
- E retornou depois de formado para atuar?
- Não. No mesmo ano em que fiz vestibular, fiz um concurso para a Caixa Econômica
Federal do Rio Grande do Sul. Na época, cada Estado tinha a sua Caixa Econômica Federal.
Salvo lá no Norte, em que não existia a Caixa Econômica Federal. Nesse concurso, eu
conquistei o primeiro lugar, entre 252 candidatos e, conquistando o primeiro lugar, conquistei
o direito de escolher aonde queria trabalhar. Fiquei trabalhando em Porto Alegre e aqui
terminei meu curso. Em 1950, fui eleito Presidente da Ala Moça do Partido Libertador aqui
no Estado. A partir de 1949, passei a trabalhar junto com o secretário particular do Dr. Décio
Martins Costa, que era o presidente do Diretório Estadual do Partido Libertador. Eleito
presidente da Ala Moça do Partido em 1950, passei a integrar a Comissão Executiva do
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Partido Libertador. A Comissão Executiva era constituída de vários membros titulares e
alguns suplentes, não me lembro agora quantos, tenho que revisar o estatuto partidário para
lembrar deste detalhe. E fazia parte também da Comissão Executiva, o líder da bancada da
Assembléia, que era o deputado Paulo Brossard de Souza Pinto. Nessa condição, ele
integrava a Comissão Executiva do Partido. Logo depois de formado, fui eleito… o Secretário
Geral era o deputado Solano Borges e, por circunstâncias que não me recordo, o deputado
Solano Borges saiu da Secretaria Geral e eu passei a ser o Secretário Geral do Partido, que era
quem comandava a máquina partidária do Estado. De modo que, muito cedo, antes mesmo
dos trinta anos, eu já fazia parte da direção do Partido. Naquela época, os partidos eram
comandados pelo Executivo. Os deputados eram meros porta-vozes dos partidos na
Assembléia. Quem mandava nos partidos eram os dirigentes, quase todos […]. Não havia essa
coisa de hoje. Hoje, os parlamentares dominaram o partido. Os deputados eram porta-vozes
dos partidos.
- E antes da sua eleição, em 1962, o senhor foi candidato, antes, em alguma outra
disputa política?
- Eu cheguei a ser indicado, me incluíram na chapa dos deputados antes, mas eu não
aceitei. A Convenção me escolheu, mas eu não aceitei, achei que não estava preparado. Só
aceitei depois de ter sido Presidente da Caixa Econômica Federal do Rio Grande do Sul, para
a qual eu fui nomeado pelo Jânio Quadros, em março de 1961.
- O senhor se mantém na Caixa Econômica Federal até antes de assumir como
deputado?
- Eu me mantive na Caixa até me aposentar, com 32 anos de tempo de serviço e com 52
anos de idade. Depois de deputado, voltei à Caixa. Em 1947, voltei à Caixa e fiquei vários
anos lá, onde chefiava a parte contenciosa, por escolha de meus colegas. Como eu era hostil à
ditadura militar dominante na época, eu era o único chefe do contencioso da Caixa no Brasil,
que não tinha função gratificada, era por escolha dos meus 28 colegas, que me escolheram
para chefiá-los.
- O senhor mencionou que foi nomeado no governo de Jânio Quadros.
- Fui integrante da comissão que chefiou a campanha de Jânio Quadros aqui no Rio
Grande do Sul. O Secretário Geral era o Coronel Walter Peracchi Barcellos. Cada um dos
partidos que apoiavam a candidatura de Jânio tinha dois representantes na Comissão Central
da campanha: o deputado federal Coelho de Souza, do Partido Libertador, e eu
representávamos o PL.
- Eu gostaria de lhe perguntar justamente isso: como o Governo Jânio Quadros foi
curto, teve logo em seguida, em agosto de 1961, a renúncia e o episódio da Legalidade. Eu
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gostaria que o senhor colocasse como que o seu Partido se posicionou em relação a essa
questão. O que o senhor recorda dos acontecimentos aqui no Estado em relação à
Legalidade?
- A renúncia do Jânio foi para mim uma surpresa completa. Eu senti que havia um
problema, já três ou quatro dias antes da renúncia, o presidente do Conselho Superior das
Caixas Econômicas, que depois foi deputado federal, Max da Costa Santos, o presidente da
Caixa Econômica Federal do Rio de Janeiro, que tinha sido Secretário Geral do movimento
popular pró-Jânio Quadros, um representante da Caixa Econômica Federal de São Paulo […]
e eu fomos a uma audiência com o presidente Jânio no dia 20 ou 21 de agosto, ao que me
consta. Foi exatamente no dia em que o presidente recebia a delegação norte-americana que
vinha à Conferência de Punta del Este. O presidente não nos pôde atender, ele demorou-se
recebendo a delegação americana, e depois, na parte brasileira que ia à Conferência de Punta
del Este, chefiada pelo Ministro Fernandes Marian, Ministro da Fazenda. Mas eu senti,
naquele dia, um panorama muito estranho, porque eu tinha muita intimidade com todas as
pessoas que constituíam a assessoria mais imediata ao presidente, inclusive com o tão jovem
advogado Saulo Ramos, que era o oficial de gabinete que trabalhava diretamente com o
presidente. Senti um clima de nervosismo no Palácio, de tensão e comentei à noite, com o
Max da Costa Santos, que achava estranho, um clima muito tenso no Palácio. Mas ninguém
fazia a menor idéia… havia um debate político, é claro, com aquele episódio com o Lacerda,
aquelas coisas todas, mas eu fui surpreendido, coincidentemente, com a renúncia do
presidente, que me foi levada pelo Flávio Alcaraz Gomes, que era o meu chefe de imprensa,
quando estava recebendo em audiência, nada mais, nada menos, que o ex-governador Ildo
Meneghetti. Estava me levando um projeto dele para uma fábrica de papelão, de papelão
corrugado, eu não sabia o que era papelão corrugado [riso], que ele estava querendo construir
em Gramado ou Canela, uma coisa assim, quando o Flávio bateu na porta, abriu a porta,
entrou e me disse: “Presidente, perdoe-me a interrupção, mas o Presidente Jânio acaba de
renunciar”. Levamos um susto. No mesmo dia, passei um telegrama para o substituto, pondo
os dois cargos, que eu tinha mandato por cinco anos em cada um, o cargo de Presidente e o de
Diretor á disposição do novo substituto. Fui confirmado pelo Presidente João Goulart e pelo
Primeiro-ministro Tancredo Neves em setembro e, surpreendentemente, no dia 30 de
novembro, eu ouço na Voz do Brasil, que tinha sido aceita a minha demissão, depois de ter
sido confirmado, fui demitido pela Voz do Brasil do cargo de Presidente. Imediatamente,
renunciei ao cargo de Diretor, no qual tinha mandato de cinco anos. Isso foi uma surpresa
para mim. Fui demitido pela Voz do Brasil. Aí fiz uma reunião da Executiva do PL e disse:
“Olha, meu cargo é de confiança do Governo, mas cargo de confiança, a confiança é
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recíproca, é preciso que se confie no Governo”. O presidente não queria minha demissão,
nem o Primeiro-ministro.
[Pausa na gravação]
- O senhor poderia comentar conosco a respeito da sua saída da Presidência da Caixa
Econômica Federal e a sua renúncia da Diretoria?
- Vou contar um episódio mais delicado. Eu fui confirmado no… assumiu o Ministério
da Fazenda o embaixador Walter de Moreira Sales, substituindo o ministro Clemente Mariani.
Eu fui a Brasília para participar do ato de transmissão do cargo, entregar meu cargo ao
ministro que assumia, o Moreira Sales, e me despedir do ministro Clemente Mariani, mas o
ministro Moreira Sales preferiu tomar posse no Rio de Janeiro, então a transmissão do cargo
se deu no Rio de Janeiro. Voltamos para o Rio de Janeiro, Max e eu, e na solenidade de posse,
ao cumprimentar o ministro Moreira Sales, Max e eu pedimos uma audiência, que nos foi
concedida para o dia seguinte. Max entregou o cargo, eu também, e o ministro Moreira Sales
nos disse que pretendia conservar toda a equipe do ministro Mariani, tanto que convidaram o
Chefe de Gabinete do ministro Mariani para permanecer, ele não quis permanecer. É um
eminente jurista baiano, que vive até hoje no Rio de Janeiro. E Max reafirmou que não
desejava permanecer. Eu levava para o ministro um cartão do Senador Mem de Sá, me
apresentando ao ministro. Eu entreguei o cartão, e o ministro disse: “Dr. Severo, eu não sei
quais foram os compromissos que o ministro Tancredo Neves assumiu, constituindo o
Ministério, mas…” eu antes disso fiz um relato para ele do que estava fazendo. “No que
depender de mim, o senhor está confirmado como Presidente da Caixa. Só esse entendimento
eu não sei, porque tenho que conversar com o Primeiro-ministro. O Senhor toque em frente
sua administração, que, por mim, o senhor está confirmado”. Me agradeceu e: “Aguarde,
evidentemente com discrição, aguarde a confirmação oficial”. O meu colega de diretoria, que
vinha da administração da época do Juscelino ainda, que era do PSD, adversário, Rafael Peres
Borges, pleiteava o meu cargo com o apoio do Hélio Carlomagno, que era o presidente da
Assembléia, deputado Hélio Carlomagno. E viajou e espalhou na imprensa, que ele ia assumir
o cargo. Eu fiquei numa posição assim durante vários dias. Os jornais, noticiando que o
Rafael estava em Brasília, e que ia ser nomeado Presidente. Eu fui… aquilo foi subindo, até o
momento que eu cheguei até o Dr. Cilon Rosa, que era também meu adversário, que era o
Presidente da Caixa quando eu assumi como mero funcionário, assumi meu carguinho lá na
Caixa em 1949, de Oficial Administrativo. E depois, foi meu companheiro de diretoria, eu
presidente e ele diretor, quando ele voltou do Banco do Brasil, onde ele era diretor e voltou
para assumir o cargo dele na Caixa. Eu disse: “Dr. Cilon, eu não estou pleiteando
permanecer na Presidência. Eu não vou ficar numa situação de humilhação, mas estou
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oficiosamente confirmado como Presidente. Mas eu não vou ficar numa situação
constrangedora, porque está o Dr. Rafael a plantar notícias de que vai ser o Presidente, e eu
não posso… eu não estou agarrado ao cargo”. Até porque eu sou adversário político do
Cilon. “Eu vou a Brasília decidir essa questão”. O Dr. Cilon disse: “Você faz muito bem. Eu
lhe dou o meu pleno apoio”. Ele me dava total apoio. Gerava um grande ciúme dos outros
dois companheiros, que eram do PSD, companheiros dele do PSD. Mas quando ele viajava,
eu tinha o meu voto como diretor e o meu voto de desempate como Presidente, voto de
qualidade, e eu sempre exprimia: o voto dele sempre era o meu voto. Quando ele estava
ausente das sessões da diretoria da Caixa ele dizia: “O meu voto é o voto do Presidente”.
Então, eu tinha três votos, sempre ele me acompanhava [riso] quando presente, ou eu votava
por ele quando estava ausente. Bom, ao chegar em Brasília, eu fui informado, pelo senador
Mem de Sá, que na véspera o Dr. Raul Pilla, Presidente do Partido Libertador, tinha sido
chamado pelo Presidente da República, e que ao final da audiência, o Presidente João Goulart
levantou o problema: “Dr. Pilla, eu tenho a informação de que o senhor tem interesse na
permanência na Presidência da Caixa Econômica Federal do Rio Grande do Sul, do
presidente do cargo”. Não mencionou meu nome. E o Dr. Pilla disse, com a sobriedade que
lhe era característica, ele disse: “Sim, trata-se de um moço que está servindo a contento”.
Esse foi o contato com o Senador Mem de Sá. De maneira que eu estava confirmado. Eu
disse: “Bom, então agora eu vou falar com o Dr. Pilla”. Ele disse: “Mas você não vai dizer”.
Eu disse: “Não, evidentemente não”. À maneira do Getúlio, que sempre ouvia as coisas como
se ouvisse pela primeira vez, porque as versões dos fatos nunca eram iguais, conforme o
interlocutor variava. Eu disse: “Eu vou falar com o Dr. Pilla e não vou falar nada”. E lá se
foi. Quando o Dr. Pilla me disse: “Olha, Severo…”
[Fim do lado A da fita 1]
[Início do lado B da fita 1]
- … o Dr. Pilla só não foi ministro naquele gabinete do Jango, no Ministério, porque o
PDC, que tinha mais deputados que o Partido Libertador, pleiteou o ministério para o Franco
Montoro, para o deputado federal Franco Montoro. E ele foi então nomeado Ministro da
Educação, não, Ministro do Trabalho. O Dr. Pilla, se tivesse ido para aquele ministério, ele
queria ser Ministro da Educação. Eu ainda disse no final da conversa: “[…] eu não vou com
você.” […]. O Dr. Pilla disse: “Não, eu não vou com você, convide o Coelho”. Coelho de
Souza, nosso deputado federal. Eu convidei o Coelho, e ele disse: “Ao Tancredo eu vou, ao
primeiro-ministro eu vou, mas ao presidente não, ao presidente tu vai sozinho.” Fomos ao
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Ministério, Tancredo Neves, o primeiro-ministro, confirmou, o juramento estava mantido e
me pediu o seguinte: “O senhor não declare em público que está confirmado, porque há um
problema político com a bancada do PSD. O deputado Hélio Carlomagno pleiteia deixar o
cargo para o Dr. Rafael Peres Borges e nós temos que resolver esse problema político com o
PSD.” O Tancredo era do PSD, e eu respondi ao primeiro-ministro: “Ministro, o juiz, na
oportunidade do anúncio de minha confirmação como presidente, é o senhor e o presidente
da República, conjuntos, de maneira que eu tocarei em frente minha administração, darei
continuidade às atividades que estou fazendo, mas aos senhores, que são os administradores,
cabe anunciar publicamente a minha confirmação.” Encerrada a audiência, o Coelho: “Bom,
agora tu vê com quem que tu vai ao Jango, que é o presidente”. Trabalha como pretendente o
Dr. Neves da Fontoura, sobrinho do Dr. João Neves da Fontoura, era oficial de gabinete, e eu
fui ao Neves da Fontoura, era no Palácio mesmo, e disse: “Olha, preciso de uma audiência
com o presidente.” “O presidente não marca audiência para gaúcho. Amanhã tem audiência
com o CGT, com os líderes sindicais de São Paulo e tu vem aqui, que tal hora, às 15 horas, tu
fica de lado quando eles chegarem, quando acabar a audiência, eu te aproximo do
Presidente.” Bom, eu, com grande espanto, vi os líderes sindicais de São Paulo baterem na
barriga do presidente como jamais alguém fez com Jânio ou com Getúlio, pelo menos, e os
outros, essa intimidade e chamando o presidente de “Janguinho”. Fiquei espantado e disse:
“Mas esse negócio não vai dar certo.” [riso] Eu tinha muito boas relações pessoais com o
presidente, mas o Jango eu não conhecia, nunca tinha estado pessoalmente com ele, e esse
tratamento fugia a todos os padrões de comportamento que eu conhecia na vida pública. “Isso
aí vai dar porcaria!” [riso] Mas, quando disseram a sentença, eu me aproximei, o Fontoura
me aproximou do presidente, eu me apresentei, e o Jango disse: “Olha Dr. Severo, eu
realmente confirmei o seu nome”. E ele tinha dito uma coisa que eu esqueci de contar, disse:
“Olha, eu não conheço o Dr. Honório Severo pessoalmente, mas tenho dele as melhores
informações”. Depois, fez um comentário a respeito do Dr. Rafael que eu me permito não
reproduzir. Isso guardei comigo, são pessoas íntimas e a referência a que me refiro é meu
colega de diretoria e um amigo pessoal. Em respeito à nossa amizade, eu não repito o que o
presidente disse. Eu disse ao presidente: “Presidente, eu agradeço a confirmação, já disse ao
primeiro-ministro que sei das dificuldades políticas que o governo está tendo com o PSD. O
que disse ao primeiro-ministro, digo ao senhor: o senhor e o primeiro-ministro é que são os
juizes que devem anunciar minha confirmação.” E o presidente comentou comigo: “Eu
realmente ficarei absolutamente discreto, à espera do […]. Realmente, discrição é o
comportamento adequado às circunstâncias”. Ele se despediu muito cordialmente, de modo
que foi uma grande surpresa quando ouvi, pela Voz do Brasil, que estava sendo acolhido meu
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pedido de demissão, a pedido da Presidência, e o Dr. Rafael, nomeado presidente. Eu,
imediatamente, pedi uma reunião do gabinete executivo do Partido e formalizei o apoio da
executiva, saiu nota do Partido a respeito, e encaminhei oficialmente um telegrama e mandei
um portador levar a carta de demissão a Brasília. Isto foi em 30 de novembro. No dia 15 de
dezembro, último dia de funcionamento do Congresso, o Dr. Pilla, indignado com o silêncio
do governo em relação à minha dispensa da direção, da minha renúncia à direção, foi ao
encontro do ministro Tancredo Neves, foi esperá-lo na entrada do Plenário da Câmara, e lá
disse ao ministro que estava querendo fazer um protesto, porque fazia 15 dias que eu tinha me
demitido do cargo, e o meu ato de demissão não tinha sido ainda baixado, e que eu estava
numa situação constrangedora, porque eu era um funcionário de carreira da Caixa,
concursado, e estava numa situação em que o governo não concedia minha demissão. E
também, eu não queria abandonar o cargo de diretor para não ser depois aberto um processo
de abandono de cargo, que poderia ser usado como pretexto político. O ministro Tancredo
prometeu providências. Na verdade, meu ato de desligamento só saiu dia 6 de janeiro do ano
seguinte. O Dr. Rafael, diga-se de passagem, muito elegantemente, me pediu que eu
aguardasse o ato no seu gabinete de diretor, na carteira de título, onde eu fiquei com meus
assessores me dando assistência e um garçom. [risos] Durante esse período, tomei bastante
cafezinho e fiquei muito bem guardado. Agora, para encerrar esse capítulo da Caixa
Econômica, só quero dizer o seguinte: eu mudei completamente o sistema de operação da
Caixa, assumi a Caixa deficitária e a entreguei superavitária. Em 7 meses de administração, eu
a entreguei superavitária.
- Nas eleições de 1962, quando o senhor se elege como deputado, inclusive com 6.429
votos, o PL fez seis deputados com o senhor, e o Sr. Paulo Brossard foi o mais votado. O
senhor lembra como foi sua campanha, a campanha do Partido naquele período?
-Foi uma campanha difícil, não para mim, mas difícil para o Partido Libertador, no
tocante à vice-presidência, dividia seu eleitorado. Nosso candidato, oficialmente, era o
senador Milton Campos. Mas, o senador Milton Campos não quis fazer campanha no Rio
Grande do Sul e eu próprio, como Secretário Geral do Partido, viajando em companhia do
senador Mendes Sá e de um filho do Senador João Cândido, de Brasília para cá, porque ele
veio dar uma entrevista na Pontifícia Universidade Católica. Eu disse a ele: “Dr. Milton,
vamos organizar concentrações regionais do Partido com rádio – não havia televisão no
interior – para sua campanha a vice-presidente.” E ele disse: “Não, eu só vou ao Rio Grande
para dar essa entrevista. Sou candidato para ajudar a eleição do Jânio. No Rio Grande,
quero deixar o campo livre para o Fernando Ferrari.” O que aconteceu foi isso: aqui, o
eleitorado libertador, em grande parte, acompanhou Fernando Ferrari, e eu trabalhava pelo
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Milton Campos. Quando chegou na eleição de governador, de novo, o eleitorado se dividiu.
Eu tive grandes dificuldades. Fiz a campanha toda, tendo Dom Pedrito como base principal.
Em torno de Dom Pedrito, Bagé era do Brossard, mas eu tinha um pedaço, em Livramento eu
tive uma parte, Rosário, outro, São Gabriel, outro, Lavras do Sul, também, Pinheiro Machado,
tinha alguma coisa… lá era um reduto. Outro reduto importante foi Porto Alegre e a região de
Osório, porque eu tinha um núcleo forte com o apoio de… eu era professor da PUC, então eu
tive ali o apoio de setores ligados ao clero. Depois, meu grande núcleo eleitoral foi São Sepé,
Santa Maria tinha um pedaço do Partido Libertador, um pouco de Cacequi, em Jaguari tive
um apoio grande, Santiago do Boqueirão, um setor do Partido em São Borja, São Luiz
Gonzaga, aquela região onde depois se desmembraram vários municípios. Meu segundo
maior núcleo depois de Dom Pedrito, era Tupanciretã, onde fui o mais votado candidato a
deputado estadual.
- Seu Partido, nesse momento, fez parte da Ação Democrática Popular, a chamada
ADP. Então, o apoio seria a Ildo Meneghetti ao governo?
- Sim. Ildo Meneghetti era nosso candidato a governador. Garreado do Ferrari [riso]…
aliás, do Michaelsen, porque o Ferrari ficou em terceiro.
- Pelo que o senhor comenta, Fernando Ferrari fez votos de gente do PL…
- Muitos votos. Na minha família, fez votos do meu pai e outros. Não consegui nem o
voto do meu pai, para ver a dificuldade que eu tive.
- Pouco depois das eleições de 1962, se discute a questão do plebiscito que ocorreu em
janeiro de 1963.
- Ali, nós tomamos posição francamente contra o plebiscito, fomos contrários ao
plebiscito, e se tivesse sido mantido o parlamentarismo, o Jango não teria caído. O grande
erro político do Jango, foi exatamente embarcar na história do plebiscito, um dos grandes
erros políticos dele.
- O senhor lembra como se deu essa discussão? Foi bastante movimentada?
- Não, foi uma massa publicitária fantástica. O José Magalhães Lins, que era um
banqueiro, sobrinho do Magalhães Pinto, em Minas, “derramou” muito dinheiro para
sustentar o plebiscito, porque alguns setores da área econômica queriam a volta do
presidencialismo. Então, houve um “derrame” enorme de dinheiro, [ainda mais por parte] do
governo, um derrame muito grande e uma campanha publicitária muito forte. E o comando
era do José Lins Magalhães.
- Na Assembléia Legislativa, os deputados do PTB faziam manifestações de apoio ao
plebiscito, os demais deputados dos outros partidos…
14
- Não, o PTB era todo a favor do plebiscito. A ARS, tanto quanto me lembro, a
esquerda, a ARS era um deputado… o PSD era dividido.
- O senhor é do período em que as sessões da Assembléia ocorriam no prédio antigo,
não nesse de agora. O senhor tem lembrança de como era? Pode comentar conosco um
pouco?
[Pausa na gravação]
- Plena lembrança. Na época, na legislatura a que eu pertenci, os deputados novos, o
Getúlio2 já era deputado em outro mandato, o Gudbem acho que se elegeu. Além de mim,
Gudbem Castanheira e Dario Beltrão. Foi um período muito difícil, porque nós começamos
em 1963, um ano muito agitado, muito agitado, politicamente. E a tensão política foi se
intensificando.
- Mas fale um pouco, antes disso, do prédio antigo da Assembléia, como eram as
sessões, os espaços que vocês tinham?
- A bancada maior era do PTB, que tinha 23 deputados. A nossa tinha 6, o PSD tinha
16, era a segunda, e a nossa, a terceira bancada. E o MTR, 3, a UDN, 3 e a ARS, 1. O PDC
também teve dois deputados. E toda a vida dos deputados se passava, praticamente, no
plenário, porque havia salas de bancadas, duas salas maiores, evidentemente, a maior era do
PTB e depois o PSD. Cada bancada tinha só três funcionários, deputados não tinham seus
secretários, eram funcionários da bancada, depois se aumentou: nós tínhamos dois
inicialmente, depois passou para três, e o deputado não tinha espaço nenhum, não tinha
gabinete, não tinha nada. Tudo era no Plenário. Então, era coisa muito interessante, por quê?
Porque todos os deputados estavam sempre em Plenária, do começo ao fim da sessão
praticamente. Eu confesso que, às vezes, fugia lá para a sala da Comissão de Finanças, onde
havia a única máquina elétrica da Assembléia. Eu, quando a coisa estava muito
“desimportante” ou desinteressante para mim, pegava um livro, estava preparando um
concurso para a Caixa, na Faculdade de Direito, levava um livro, às vezes até em latim. Eu
observava as coisas e descia para a Comissão de Finanças para fazer ficha das coisas que eu
tinha marcado, que interessavam para a tese que eu estava escrevendo… a teoria da
[remarcação]. As deliberações na Assembléia eram dominadas pela Comissão de Finanças.
Na Comissão de Finanças, estavam os líderes de todas as bancadas, menos a do Partido
Libertador. Porque eu nunca disputei liderança de bancadas e nem Presidência de Comissão.
O líder era o Paulo Brossard, é natural, era a figura mais brilhante da bancada, sem dúvida
nenhuma, longe dos demais. O Solano3, se interessava pela Comissão de Constituição e
2
3
Getúlio Mancantônio.
Francisco Solano Borges.
15
Justiça, e o Getúlio Marcantônio pela Comissão de Desenvolvimento Econômico. A mim
então, restava somente a Comissão de Finanças, que era justamente a que dominava a
Assembléia. E, na Comissão de Finanças, eu era o voto decisivo, para o lado que eu pendesse
ia o parecer, de maneira que eu tinha uma posição privilegiada na Comissão, o meu voto era o
parecer da Comissão. E ia para o Plenário e aprovava. Ali estavam os vinte. E eu tinha, como
ex-Presidente da Caixa, quando assumi a Presidência da Caixa, minha formação era
inteiramente jurídica, mas, a partir do momento em que me flagrei na Presidência da Caixa,
passei a ler sobre economia. Naquela época, a questão do desenvolvimento econômico, trouxe
vários livros publicados sobre Teoria do Desenvolvimento. Houve um grande interesse no
aprofundamento da economia, e eu formei uma boa biblioteca sobre economia. E li muito
sobre economia e finanças. Trabalhei muito em todos os projetos que diziam respeito à
matéria fiscal, e aí findava no meu ponto de vista, eu era como sendo o voto de desempate, e a
luta, por isso, era muito acirrada. Aumento de imposto, por exemplo, para passar lá tinha que
passar sobre meu cadáver, não passava assim… não era qualquer coisa que a gente aceitava,
derrubei, com meu voto na Comissão, dois projetos que o governo considerava de
importância, e eu considerava injusto, iníquo. Agora, tudo se passava no Plenário, e havia
uma coisa extremamente interessante: havia deputados que falavam um dialeto colonial, não
era bem a língua portuguesa, e eram ouvidos, discutiam os assuntos todos que interessavam às
suas regiões e… do português que tinham aprendido a falar. Depois, os discursos eram postos
em gramática pelos redatores de debates. Poucos deputados, o Paulo Brossard era um deles,
eu era outro, que, toda vez que falávamos, nós pedíamos que levassem o discurso para nós
próprios fazermos a correção. Os demais, eram os redatores de debate que corrigiam. Não me
recordo de outros, mas deveria haver. Era uma equipe de bons redatores, que punham um
pouco de português e bastante gramática na oratória dos parlamentares. Dos erros de
português que estão em meus discursos, quase todos são de minha responsabilidade, porque
eu não revisei na hora [riso]… está lá: “discurso revisto pelo orador”, no final da
comunicação…
- E este serviço funcionava na Casa antiga?
- Funcionava tudo lá. E o prédio da Assembléia não era só o “Casarão”, era o prédio
anexo que vinha da Secretaria da Agricultura, o prédio do lado. O “Casarão” histórico é a
metade do espaço disponível para a Assembléia. A outra metade é o prédio, que era uma
dependência da Secretaria da Agricultura, que, naquele tempo, já tinha sido cedido à
Assembléia. Ali que estavam as salas de partido, porque antes a Assembléia não tinha nem
sala para partido. Em 1948, quando comecei a freqüentar a Assembléia, 1947… quando foi a
eleição, 1948 foi a comemoração da Constituição. Eu vinha muito aqui, porque passei no
16
vestibular de Direito e o concurso da Caixa que se realizou no segundo semestre. Eu fiz dois
concursos: um para a Caixa e outro para o Tribunal Eleitoral. Nos dois eu conquistei o
primeiro lugar e optei pela Caixa. Doze anos depois, eu era o Presidente da Caixa. Acho que
fiz uma opção correta. Fiz essa opção orientado pelo Dr. Henrique Fonseca de Araújo, que foi
deputado constituinte pelo Partido Libertador, em 1947, depois foi Procurador Geral da
República no governo militar, e foi Promotor de Justiça e Procurador Geral do Estado duas
vezes, Procurador Geral da República e depois trabalhou conosco no Ministério do deputado
Brossard. E morreu advogado em Brasília, onde montou um escritório de advocacia. O
Henrique me aconselhou, ele disse: “Vai para a Caixa. Porque lá tu tens mais oportunidades.
Se tu fores para o Tribunal, quando te formares vais para Dom Pedrito advogar. E se tu fores
para a Caixa, tu não vais para Dom Pedrito”. Realmente, eu não fui para Dom Pedrito, a não
ser fazer política lá em Dom Pedrito, participar de todas as campanhas políticas municipais
etc. e, efetivamente, isso proporcionou que doze anos depois, eu passasse de funcionário a
Presidente da Caixa.
- O senhor estava comentando que sua atuação como deputado foi em um período
muito difícil. O que foi essa tensão, essa dificuldade?
- Muito tenso. A tensão política era muito grande, apreensão, porque, primeiro, havia
uma situação internacional de bipolarização, segundo, porque foi um período de grande
tensão política todo o governo do Jango…
[Fim do lado B da fita 1]
[Início do lado A da fita 2]
- … debates muito vibrantes na Assembléia. Naquela época, os deputados é que
faziam discurso, não liam os discursos feitos por outros… havia um só deputado, […] que
fazia… lia discurso escrito, encomendado. Todos os demais falavam. Depois o relator do
debate punha, como se dizia, em linguagem. E os debates eram muito vivos, muito vivos, e às
vezes muito violentos, teve debates violentos. Mas muito ricos, porque cada um trazia sua
experiência, sua vivência, etc.
- Daria para se dizer que a conjuntura de1964, que vai desencadear o golpe militar
no final de março, início de abril…
- Conjuntura de 1963. Começou a luta ali.
- Exato, essa relação que eu quero fazer.
- Conjuntura de 1963. É, começou a luta ali.
17
- Então, dá para se dizer que, a partir do ano de 1963, essa coisa era bem clara a
partir das discussões que ocorriam na Assembléia?
- A partir de meados de 1963, a coisa se acirrou. O episódio da mudança do primeiroministro, aqueles episódios, quando muda o primeiro-ministro, sai o Tancredo – o Tancredo
renuncia – a partir dali, se acirrou. Houve aquele problema de Auro de Moura Andrade, de
Francisco Brochado da Rocha. O Francisco foi o último que assumiu4. Ali houve grande…
houve um momento em que… eu estou em dizer que, se, naquele episódio da mudança do
primeiro-ministro, “sai” primeiro-ministro o Santiago Dantas, não teria havido o golpe.
- Por quê?
- Porque o Santiago era um homem, primeiro, extremamente inteligente. Uma
inteligência privilegiada. Extremamente preparado e com muito bom trânsito em outras áreas,
ao passo que o Francisco Brochado da Rocha, com quem eu me dava, era um homem muito
apaixonado. Primeiro, presidencialista desses fanáticos pelo presidencialismo; segundo, o
Brizola exercia sobre ele uma influência muito grande. Tinha sido secretário do Brizola,
secretário daquela prefeitura, quando o Brizola era prefeito, e ele era muito da linha brizolista.
E na bancada do PTB, havia uma nítida divisão na bancada do PTB: havia uma bancada do
Jango e uma bancada do Brizola. A do Jango era uma bancada mais contemporizadora,
negociadora, a bancada do Brizola era mais exaltada. O Brizola, ao mesmo tempo em que
apoiava o Jango, disputava com o Jango o comando do PTB. E, na verdade, quem derrubou o
Jango foi o Brizola. Os outros levaram as glórias, mas quem derrubou foi o Brizola, o Brizola
exacerbou a coisa foi a tal ponto que… aí surgiu o golpe de 64.
- E quando acontece esse golpe, como é que foi a reação na Assembléia, de que
maneira os deputados se posicionaram em relação a essa intervenção militar?
- Não, de imediato houve um racha. PSD, UDN e PL, e o PDC, todos apoiaram essa
intervenção, todos os partidos. PTB… PSP tinha deputado também, tinha um, ARS tinha um,
MTR, três. PTB, MTR… esses três mais o PTB: contra. Bom, a Assembléia rachou ali. Já
vinha, começou desde o episódio do estado de sítio, que foi pedido estado de sítio pelo Jango
– da Revolta dos Sargentos em Brasília, ele pediu estado de sítio – já estava dessa maneira.
Aliás, o estado de sítio foi uma coisa muito interessante, porque, quando o Jango pediu o
estado de sítio, imediatamente o Brossard, eu, não me lembro se o Guazzelli também,
imediatamente nós nos inscrevemos e passamos a combater o estado de sítio. Porque víamos
no estado de sítio já o início do golpe para derrubar o Lacerda e o Adhemar. Esse era o plano.
Bom, a esquerda propriamente dita, a ARS e os deputados mais à esquerda, ficaram sem saber
4
Após a renúncia de Francisco Brochado da Rocha do cargo de primeiro-ministro em 14 de setembro de 1962,
Hermes Lima assume, de forma interina, até o retorno do regime presidencialista.
18
o que fazer, porque naquela época uma ligação telefônica demorava horas. E a partir de
determinado momento, nós percebemos nitidamente que a esquerda passou a combater
também o estado de sítio, quando receberam os telefonemas de Brasília com a previsão de que
o estado de sítio era o começo de um golpe do Jango. Houve uma nítida divisão, isso se
refletiu até no comportamento dos parlamentares.
- E em relação às cassações, o senhor tem lembrança? Como isso ocorria? Quais
eram as justificativas?
- Bom, as cassações… eu vou contar um episódio que só eu posso contar, porque o
outro companheiro faleceu há muito tempo, que era o deputado Coelho de Souza.
Imediatamente depois do 31 de março, eu fui na eleição da escolha do Castelo, quando foi
escolhido depois de todos aqueles episódios com o Lacerda, daquela reunião com os militares,
o Adhemar, o Lacerda, o Meneghetti. Eu fui… como secretário geral do partido, eu fui a
Brasília para relatar ao Dr. Pilla, para o senador Mem de Sá e Coelho de Souza, e para a
direção nacional do partido, enfim, como tinha sido, como tinham ocorrido as coisas aqui e
trazer uma orientação. De maneira que, no dia da eleição… eu cheguei na véspera, e fui direto
ao apartamento do senador Mem de Sá, no qual eu entrei pala porta da cozinha, porque,
naquele momento, o Mem de Sá estava esperando a visita do Alckmin, José Maria Alckmin,
tinha pedido uma audiência para pedir o voto do Mem. Quando eu bati lá ele disse: “Olha,
entra pela porta da cozinha, porque está subindo no outro elevador o Alckmin que vem aqui
pedir o meu voto”. Eu fiquei na cozinha aguardando, e dali eu ouvi a conversa, parte da
conversa, do Alckmin pedindo o voto do Mem. Mas no dia seguinte, quando foi a eleição, eu
assisti à eleição do Castelo na Câmara dos Deputados. E o Juscelino, da posição em que eu
estava, enxerguei o Juscelino no fundo do plenário, o pessoal com mapas lá, […] o Juscelino
apoiou o Castelo, o Castelo prometeu que… pediu o apoio do Juscelino. Depois não cumpriu,
depois não cumpriu o compromisso que tinha com o Juscelino. Mas houve um episódio muito
interessante, eu tinha ouvido um chamado “escândalo do uísque a meio dólar”, que envolvia o
Alckmin como Ministro da Fazenda e um comerciante lá do Rio, um importador… como era
o nome dele, não me recordo agora. E então quando eles chamaram… e o Alckmin candidato
à vice-presidência, então alguns tinham votado no Alckmin, outros não. E quando eles
chamaram: “Deputado Aliomar Baleeiro”… era meu amigo, grande figura, grande
parlamentar, grande jurista, professor de finanças, uma figura extraordinária, depois foi
Ministro do Supremo. E o Alckmin era daquela turma, da banda de música da UDN, era um
dos deputados da chamada banda de música da UDN. O Baleeiro disse, com uma voz cantante
de baiano, disse… como era o nome dele… ele, em vez de dizer o nome do… agora me
lembrei: “Antônio Sanches Galviano!” Antônio Sanches Galviano era esse importador que
19
tinha uma acusação de uma importação de uísque a meio dólar, a cinqüenta centavos de dólar,
envolvendo a gestão do Ministro da Fazenda, do Alckmin, quando Ministro da Fazenda do
Juscelino. “Antônio Sanches Galviano”. Foi um frisson! [o depoente indica agitação,
burburinho] E o presidente: “Vai votar o Aliomar Baleeiro”. E ele repetiu [pausadamente]:
“É Antonio Sanches Galviano!” [risos] Desse episódio eu não esqueci como também a
imagem do Juscelino, com quem eu fui travar relações mais tarde, depois que ele tinha sido
cassado. E me causou uma grande impressão pessoal no nosso encontro, na nossa conversa.
Mas eu assisti à eleição e depois, no dia seguinte viajei para o Rio e, a convite do Coelho de
Souza, Deputado Coelho de Souza, que era muito amigo do General Gustavo Cordeiro de
Farias – foi Secretário de Educação quando o Cordeiro foi interventor no Rio Grande do Sul –
me convidou para ir no apartamento do Cordeiro. Eu me dava bem com o Cordeiro, de quem
eu tinha me aproximado, pela mão do Mem de Sá e do Coelho de Souza, durante o governo
do Jango, quando o General Cordeiro era chefe do Estado Maior, do exército. E o Cordeiro
era um daqueles generais políticos, que os nossos generais, tinha muitos deles que eram
generais políticos, o Cordeiro era um deles. Revolucionário desde 1923, o Cordeiro esteve em
todos os episódios. E foi Interventor do Rio Grande do Sul e depois foi governador eleito em
Pernambuco no regime da Constituição de 1946. Eu tinha muito boa amizade com o Cordeiro,
tinha feito amizade graças ao Mem e ao Coelho. E o Coelho me convidou para ir ao General
Cordeiro. O General Cordeiro, contei para ele alguns episódios, ele perguntou como tinham
ocorrido as coisas aqui, como foram, como não foram… num determinado momento, ele
levantou-se, virou, abriu uma gaveta, tirou uma lista e me deu. Tinha 15 nomes, 14 ou 15
nomes, uma lista grande, dos deputados daqui da Assembléia, cuja cassação o governador
Meneghetti havia pedido através do Chefe da Casa Civil, Dr. Plínio Cabral. Eu li atentamente
e disse: “Bom, General, o senhor é gaúcho de Jaguarão, o senhor conhece bem o Rio
Grande. O senhor sabe que aqui nesta lista tem nomes que, segundo costumava dizer o Dr.
Joaquim Francisco de Assis Brasil, tem nomes substantivos e nomes adjetivos. Ou seja, tem
nomes de pessoas que têm importância e tem outros que não têm nenhuma importância. Tem
aqui pessoas que, se houver cassações e não forem cassadas, vão sentir-se humilhados,
porque a sua não inclusão na lista de cassação é um atestado da sua ‘desimportância’
política, da sua insignificância política. E outros, que não têm nenhuma significação e que
vão ser transformados em heróis, em mártires. A meu juízo – não sei se estou errado, se estou
errado me corrija – a cassação visa a afastar por um tempo da vida pública, pessoas que
comprometem a democracia, ou porque defendem outro tipo de governo, governo autoritário,
ditadura, que seriam os subversivos, ou por corrupção. E nessa lista tem figuras aí que… o
senhor sabe muito bem que no Rio Grande – eu ainda disse para ele – o Rio Grande não é a
20
Bahia. O senhor lembra do episódio da Câmara de Vereadores de Salvador, onde o prefeito
tinha 20 votos em 21, e foi cassado por 20 votos contra um, por ordem do comando militar,
do General Agostino. […] O Rio Grande não é a Bahia, o Sr. sabe bem disso, o senhor é
gaúcho, governou o Rio Grande, sabe bem disso. Então, esses que forem cassados vão voltar
no fim, quando retornarem à vida pública, vão retornar como mártires. Agora, há um caso
que, mais do que injustiça, é burrice cassar. Um nome aí de um deputado, que mais do que
injustiça, sua cassação representará um ato de burrice. Um indesculpável e inexplicável ato
de burrice. É o deputado Wilson Vargas da Silveira. O deputado Wilson, compadre do
Brizola, foi Secretário de Energia do Brizola, é o único, ao que sei, é o único deputado líder
do PTB que enfrenta o Brizola nas reuniões do diretório. Nem o deputado Heuser, que é o
presidente e que foi Secretário de Fazenda do Brizola, ousa enfrentar o Brizola. É um
deputado muito respeitado, professor da universidade, aquela coisa. Agora, o Wilson não, o
compadre Wilson enfrenta o Brizola. Então, como é que vai deixar o PTB sem líder no Rio
Grande do Sul, cassando as lideranças todas? É preciso que tenha um líder, e de preferência
que seja um líder da corrente contra o Brizola. O Wilson é ligado ao Brizola, mas também é
ligado ao Jango, porque o Wilson é homem de bem, homem honrado.”. Quando eu terminei
de falar, o Coelho disse: “General, eu não contei ao Honório da nossa conversa de ontem”.
Quer dizer, a minha reação foi uma reação espontânea. Eu disse: “Eu não vou defender
ninguém, agora, burrice eu não posso aceitar. Isso é um erro grave, sem falar em injustiça,
pessoas honradas, pessoas de bem, que não têm nada a ver”. Aí o Cordeiro me disse: “Não
Severo, devolvi a lista ao Meneghetti para que ele forme processo de cassação
individualizado”. Por isso mesmo as cassações aqui, no começo, não foram… as cassações
aqui depois se agravaram, quando foi o episódio da formação de uma maioria para eleger o
Peracchi. Houve cassações, houve no Rio Grande do Sul.
- Mas nas primeiras cassações, até inclusive, em maio de 1964… tem um registro até
de os deputados que foram presos, os deputados cassados.
- Foram, foram vários presos, cassados e presos.
- Inclusive o senhor, e mais Paulo Brossard e alguns deputados da UDN foram visitálos na prisão.
- Não, da UDN não sei. O Brossard, com relação ao Brossard e eu é correto. O
Brossard era Secretário de Justiça já, e eu, deputado, e num sábado o Brossard disse: “Olha,
vamos visitar, ver como estão os nossos colegas, vamos visitar os nossos colegas”. Então
fomos, eles estavam presos no quartel da brigada, numa sala enorme, digamos o dobro desse
espaço aqui. Quando chegamos lá, formaram-se dois grupos. Eu me dava com todos; o
Brossard tinha relações tempestuosas. Tinha amigos, como o Wilson, que era muito amigo
21
dele, o Caruso tinha boas relações com ele, e outros deputados. E havia o grupo dos deputados
que não tinham relações, alguns tinham relações cortadas com ele. O Justino Quintana, por
exemplo, estava de relações rompidas com o Brossard – tinha sido por agressões brutais ao
Brossard lá em Bagé. Por sinal, quando ele foi cassado, foi preso… eu era muito amigo do
Justino. Nós éramos membros do mesmo Grêmio Estudantil do Colégio Auxiliadora, nós
formamos uma amizade forte. O colega dele, Quintino, era meu colega de aula, e tínhamos
muita ligação. E quando eu vi no jornal que o Justino tinha sido cassado… eu morava no
Santa Tecla. Naquela época, telefone em Porto Alegre era muito escasso, em Santa Tecla
muito poucos tinham telefone, mas havia um telefone na portaria, imediatamente desci e
liguei para o Brossard: “Eu estou lendo que o Justino foi requisitado pelos militares para ser
inquirido em um IPM em Bagé. Estou te ligando para falar com os nossos amigos, para te
propor que tu fales como os nossos amigos lá de Bagé, para que não façam nenhuma
violência. Não cometam nenhuma violência e para que tratem o Justino como um preso
político, um ex-secretário do Estado, nosso colega e ex-secretário do Estado, com o respeito
devido a alguém do nível dele.” Aí o Brossard… os companheiros de Bagé tinham horror do
Justino pelas coisas que ele tinha feito com o Brossard, e o Brossard tinha muita mágoa. Aí o
Brossard me disse: “Não, já falei com o Darci…” o Darci Barcellos, era um líder libertador.
“Já falei com o Darci – que era muito amigo dos militares lá – ele vai falar como o general
Furlan, para que o Justino seja respeitado”. O Justino ficou sabendo. Então, quando nós
fomos visitar o Justino na prisão, visitar os deputados na prisão, o Justino chegou e disse:
“Honório, quero falar contigo…” na presença de vários deputados, o Visintainer5, e outros
deputados… o Brossard estava numa roda com o Wilson Vargas, o outro…
- Caruso6.
- O Caruso. E o Justino disse: “Eu quero que tu transmitas… eu tenho
constrangimento de falar com o Brossard, tu sabes que as nossas relações estão rompidas,
mas eu quero que tu agradeças a ele o que ele fez por mim, a atitude dele”. E eu fiquei assim,
fiquei assim. Disse: “Olha, Justino, transmitirei… agora, fica tranqüilo. O Brossard fez o que
achou que era do dever dele fazer. Ele fez, eu sei porque eu telefonei para ele, já tinha feito,
pedi que nada fosse acontecer contigo, que não acontecesse nenhuma violência, mas eu vou
transmitir a ele”. Depois de algum tempo ali fora – isso na rua – aí eu entrei para dentro do
recinto em que eles estavam presos, e o Justino se encorajou e veio atrás de mim, eu nem
tinha notado. Quando vi o Justino chegou assim e disse: “Brossard!” O Brossard virou-se:
“Quero te agradecer…” Aí o Brossard ficou extremamente emocionado, constrangido. “Eu
5
6
Antônio Visintainer.
João Caruso.
22
fiz o que tinha que fazer” e tal, ficaram horas conversando lá. O Wilson estava de cara
inchada, estava com um problema num dente e não estava recebendo assistência médica. Nós
saímos direto de lá para a Secretaria de Segurança para conversar com o coronel Léo
Etchegoyen, nosso amigo, para o Etchegoyen mandar um dentista ou mandar o Wilson para
um dentista imediatamente. E foi feito, isso foi feito. Estava, primeiro, preso, e ninguém gosta
de estar preso; segundo, preso num tipo internato assim [riso], num ambiente, num recinto
pequeno, tinha dez ou doze camas, ali eles dormiam. É verdade. Eu não sei… deputados de
outra bancada não tenho notícia também, não devem ter visitado, agora, o Brossard e eu
visitamos, confirmo a informação.
- Em outubro de 1965, se dá o fechamento dos partidos e são criados a Arena e o
MDB. O senhor participou do processo de criação…
- O Brossard e eu decidimos não nos filiar em nenhum partido. Porque, naquele
momento, nós já estávamos com a idéia de ver se achava uma solução com a eleição, com a
eleição indireta pela Assembléia, nós já estávamos com a idéia de achar uma solução não
partidária, que pacificasse o Rio Grande. Que, a nosso juízo, primeiro, nós contribuíssemos
para acabar com aquela luta: PTB de um lado e PSD de outro, e com partidos satélites tendo
que acompanhar ou o PTB ou o PSD. Segundo, nós achávamos que deveríamos buscar uma
solução que facilitasse a retomada do processo democrático. Mas acima de tudo, nós não
aceitávamos o fechamento dos partidos, e especialmente o fechamento do Partido Libertador,
que era um partido histórico. E deliberamos que não entraríamos de cara… não teríamos…
achamos que… “Acabou, vamos para casa!” Nós não concordamos em… eu cheguei a
assistir uma reunião na Assembléia em que se cogitou a formação da ARENA, mas declarei
desde logo que não me filiava, continuava… acompanhava a ARENA, o Brossard até, ao que
me lembro, se recusou a ir a essa reunião. Mas eu fui, fui à reunião, participei da reunião, mas
já declarando que não integraria o grupo.
- E, além de vocês dois, mais ex-deputados do PL não ingressaram no Partido?
Porque alguns ingressaram na ARENA.
-Todos os demais ingressaram na Arena. Todos os demais ingressaram, só nós dois
que não.
- Mas a posição do Partido, quando ocorre o fechamento?
- A posição oficial do Partido foi dada pelo Dr. Pilla numa carta, que eu tenho, em que
ele libera todos, os libertadores podem considerar-se liberados para tomarem o caminho que
quiserem, e ele renunciou ao mandato de deputado federal.
[Pausa na gravação]
- Bem, o senhor estava comentando que não ingressou no MDB…
23
- Não, não ingressamos em partido nenhum. Nosso propósito era ir para casa no final
do mandato, iríamos cumprir o mandato.
- E, posteriormente, em 1966, tem o episódio a eleição do Peracchi Barcellos.
- Exatamente. A Candidatura Cirne Lima, foi antes… quem fez a candidatura Cirne
Lima? A candidatura Cirne Lima nós fizemos num determinado momento, o nome do Dr. Rui
cresceu muito. E num determinado momento, eu conversando… o Brossard e eu conversando,
nós resolvemos trabalhar para achar uma solução. O plano era nós começarmos… eu, nesse
momento, em sessenta e… eu representava a Assembléia do Rio Grande do Sul na União
Parlamentar Interestadual, eu era conselheiro, representando a Assembléia. E na UPI havia se
formado um núcleo de resistência democrática. Eram deputados, por exemplo: Bernardo
Cabral, mais tarde foi Ministro do Collor e foi secretário, foi relator da Constituição… o
Bernardo, deputado novo, um jovem da minha idade, do Amazonas. O Deputado Antônio
Neves, de Pernambuco. O Deputado de São Paulo, como é o nome dele, foi vice-governador
depois que era do partido do Adhemar, agora me foge o nome, do PSP… que depois foi vicegovernador junto com o Paulo Egídio. Tem que dar um olhada… foi vice-governador com o
Paulo Egídio, primeiro ele entrou na ARENA.
[Final do lado A da fita 2]
[Início do lado B da fita 2]
- … democrática do conselho da União Parlamentar Interestadual. Como eu tinha
relações pessoais com o Adauto Luiz Cardoso, que era o Presidente da Câmara, também fiz
uma conexão. Nós trabalhávamos para que, entre outros amigos que tinha na imprensa etc…
nós trabalhávamos para que o Castelo não fizesse nenhuma cassação nas Assembléias. O
argumento era o de que a Assembléia tinha sido transformada em colégio eleitoral, e que
qualquer intervenção do Governo Federal, cassando mandatos em função da eleição para
governador, representaria uma mutilação do colégio eleitoral. A coisa era muito complicada,
porque tinha complicação no Rio Grande do Sul. E, em Pernambuco, onde o General
Andrade… General Murici queria a todo pano forçar a candidatura dele. Aqui, antes, o
comandante do 3º Exército, Justino Alves Bastos tentou… com o apoio dos associados, onde
ficou famoso o discurso lá na granja dos associados, está contado no livro – isso é muito
interessante – no livro do Élio Gaspari, contado esse episódio lá. Ali tem um capítulo
interessante sobre esse momento em que os militares daqui vão ser convidados para forçar sua
candidatura. Nós trabalhávamos para que não houvesse cassação, e eu tinha despontado,
naquele momento, como candidato a Presidente da Assembléia. Bom, o PTB aceitava o meu
24
nome, o MTR aceitava o meu nome, a ARS aceitava o meu nome. Bom, eu então trabalhei
para que se formasse uma aliança em torno do meu nome, na minha candidatura para
Presidente da Assembléia, em que nós teríamos a maioria na Mesa: PTB, MTR, ARS,
entrariam com os votos e com dois deputados para a Mesa. O presidente seria eu, o Guazzelli,
da UDN, que apoiava esse movimento, seria o primeiro vice-presidente, o Marchezan, o
segundo, Sanseverino seria o secretário geral e o PTB entraria com o Carlos Santos como
segundo secretário. E o terceiro secretário, não está me ocorrendo agora quem era, no
momento não me lembro de quem seria o terceiro secretário. Ora, o Carlos Santos, em
primeiro lugar, era o único deputado negro na Assembléia. Ele vinha da Liga Eleitoral
Católica, vinculada à Igreja, insuspeito de qualquer eiva de comunismo, um homem
absolutamente honrado, de primeira grandeza, um homem insuspeito. O outro candidato do
PTB, agora não me lembro quem era, também era um homem acima de qualquer suspeita.
Então o plano era esse, porque, na medida em que reforçava minha posição como Presidente
da Assembléia – e tendo em vista que o que estava sendo feito pelos outros estados era pelos
outros, e também a nossa ligação com o Presidente da Câmara – eu cresceria de importância
numa negociação política para que não se mexesse na Assembléia. Esse era o plano, plano
operacional. A meta era eleger uma candidatura que fosse assimilada pelo regime militar,
fosse uma candidatura não vinculada ao PTB à esquerda, e que fosse uma candidatura que
trabalhasse pela redemocratização do país. Em janeiro, o Mem de Sá foi nomeado Ministro da
Justiça. Nós fomos, o Brossard e eu, fomos à posse, estivemos na posse. Foi o único contato
pessoal que eu tive com o Castelo foi nessa ocasião, única vez que me aproximei dele,
assim… nunca mais estivemos um diante do outro, nunca mais tive contato pessoal com ele.
Quando voltamos lá da posse do Mem, nos entendimentos com o deputado Siegfried Heuser,
o Heuser me disse: “Honório…” O Heuser era muito amigo do Mem, tinha muita admiração
pelo senador Mem de Sá. O Heuser me disse: “Honório, dentro desse nosso entendimento,
peço que tu transmitas ao Mem, estás autorizado a transmitir ao Mem, que nós estamos
dispostos a votar num candidato a governador que não nos persiga e nos respeite. E estamos
dispostos a apoiar o professor Rui Cirne Lima, o Mem, o João Leitão de Abreu – que era
chefe de gabinete do Mem, depois foi Ministro do Neves, depois foi ministro do Supremo – o
Orlando da Cunha Castro”… o Dr. Orlando, que era presidente […]. “Todos esses nomes,
qualquer um desses nomes, civis, estamos dispostos a votar. E, se for questão fechada do
Governo Federal, que seja um militar, nós não temos condições de votar no General
Adalberto Pereira dos Santos”. Que foi quem… esse foi um dos que se sublevou aqui contra
o governo do Jango, se sublevou em Cruz Alta. “Não podemos apoiar o Coronel Léo
Etchegoyen, sem nenhum do dois, vamos respeitar, mas não temos condições políticas de
25
votar em ninguém”. Bom, então eu fui ao Mem de Sá, fui ao Rio, e lá no apartamento dele
pedi uma reunião com Mem, João Leitão, Henrique Fonseca de Araújo – que estava
trabalhando junto com o João Leitão no gabinete do Ministro Mem de Sá, um era o chefe do
gabinete e o outro, subchefe, o Henrique subchefe – e transmiti o recado: “Olha, estou
autorizado em nome do PTB, e eles votando, possivelmente, venha o MTR, até a própria ARS,
vem porque nós estamos entendidos. Então podemos dar uma solução alta para o Rio Grande
do Sul, para superar esse problema, constituir um governo que não é nem o velho PSD nem o
PTB, essa é a solução possível.” O Mem ouviu, mas o Mem, naquela altura, estava… já tinha
aderido à hipótese da entrada na ARENA. Procuramos o senador Daniel Krieger, uma
conversa com o Daniel Krieger, e essa conversa se deu no gabinete do genro dele, o Dr.
Maggio, da Secretaria de Obras, no mês de fevereiro. E o senador Daniel Krieger foi…
redondamente disse, ao Brossard e a mim: “O Rui jamais será governador”. Eu não sei quais
eram os motivos, por que não podia ser o Rui o governador. O presidente Castelo veio ao Rio
Grande do Sul, e o Peracchi, num encontro casual com o Brossard no elevador do prédio ali
da esquina, defronte à da catedral, onde morava o Brossard, perguntou se o Brossard tinha
recebido convite para um almoço ou jantar, uma coisa assim, com o presidente Castelo, e o
Brossard disse: “Não, não fui convidado, mas gostaria de dar uma palavra com o
presidente”. O Peracchi providenciou e o Castelo mandou um convite ao Brossard, e eles
tiveram uma longa conversa, onde o Brossard expôs… isso está narrado pelo Brossard num
livro sobre ele que foi lançado. O Brossard teve uma longa conversa com o Castelo, e o
Castelo, quando voltou, transmitiu ao Ministro, excelentíssimo Ministro da Justiça Mem de
Sá, que tinha tido muito boa impressão do Brossard, mas que achou que o Brossard era
ingênuo, estava sendo ingênuo ao pensar que o PTB, o MTR… porque havia intriga. Era
ingênuo em pensar que o PTB fosse colaborar com a solução. Havia intriga de duas naturezas:
havia intriga do grupo do Tarso – o grupo do Tarso disputava a maioria da ARENA com o
Peracchi – e do próprio Peracchi, que era Ministro do Castelo. O Peracchi, de quem eu tinha
me tornado muito amigo durante a campanha do Jânio, mesmo depois, me convidou para um
almoço. Ele, Ministro do Trabalho, eu, deputado, no Rio de Janeiro, ele me convidou e eu
almocei com ele na boate Night of Day, no Hotel Serrador, havia lá… na parte do teatro
funcionava um restaurante. E nesse almoço o Peracchi me disse: “Honório, preciso do teu
apoio, como o do Brossard”. Eu disse: “Olha, Peracchi, tu sabes o quanto eu gosto de ti,
somos amigos. O episódio da consecução, do governo do Jânio, quando eu estava indicado
para ser Diretor da Caixa Econômica – Te lembra muito bem disso deves te lembrar bem do
episódio – e o Jânio não te nomeou, para grande surpresa nossa e revolta tua, convidou para
o Ministério o deputado Dr. Alves Pestana. Tu deves te lembrar que eu te procurei e te disse:
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‘Não, o cargo mais alto da administração federal no Rio Grande do Sul é a presidência da
Caixa Econômica Federal. Eu venho te entregar a presidência da Caixa, tenho indicação de
todos os partidos, resolvi te entregar, eu fico diretor e tu ficas na presidência, que é o cargo
mais relevante federal no Rio Grande do Sul. Eu acho que tu deves ficar nessa posição.’”
Nossa amizade era muito nesse nível. Mas eu disse a ele: “Olha, Peracchi, eu infelizmente
não posso te acompanhar. Não posso por duas razões. Primeiro, porque eu estou
comprometido em outro projeto, que já avançou muito, e que vai ser uma renovação na
política do Rio Grande. Primeiro, porque pacifica, um nome insuspeito, pacifica o Rio
Grande, retira o pretexto para o agravamento da situação política em nome do temor da
volta do Brizola, do Jango, etc. E segundo, porque grande parte do Partido Libertador, nós
já estamos cansados. Eu particularmente, estou cansado de votar em nome do PSD, engolir,
em nome do PSD, para evitar a eleição do PTB. Vocês nunca se lembraram de convidar, de
oferecer a cabeça de chapa ou para a UDN, que era o terceiro maior partido, ou para o
Partido Libertador, que era o segundo. Vocês sempre querem o governo do Estado, em
primeiro lugar. Em segundo lugar, Peracchi, eu acho, tu lembras, tu sabes muito bem, que
quando tu foste candidato a governador, tu sofreu a maior derrota política que já sofreu um
candidato ao governo do Rio Grande. Tu tiveste quase 200 mil votos, o Brizola te derrotou
por quase 200 mil votos. Eu acho que tu tens todo o direito de aspirar ao governo do Rio
Grande, tens todo o merecimento para ser o governador do Rio Grande do Sul. Mas acho
que, como teu amigo, como teu eleitor que fui, eu acho que tu tens que buscar o governo do
Rio Grande do Sul pelo voto popular. Não fica bem para a tua biografia, tu querer chegar ao
governo contra 200 mil, uma maioria de 200 mil votos, uma maioria até então inédita para o
Rio Grande do Sul. Não fica bem, não fica bem para a tua biografia, isso. E,
lamentavelmente, eu não posso te apoiar, não conta comigo, não conta com o Brossard
também, pelos mesmos motivos”. Bom, isso foi antes, ainda, da eleição da mesa. Quando foi
na eleição, nós fomos para a eleição, e no dia da eleição houve uma reunião da bancada e, ao
que me contou o deputado Fontourinha7 – era um outro deputado do PTB – na reunião da
bancada houve um setor que… surgiu uma resistência ao meu nome da parte do deputado
Cândido Norberto. Isso me foi dito pelo deputado Fontourinha na presença do deputado
Taborda, Wilmar Taborda.
- Mas isso já era a bancada do MDB nesse momento?
- Era a bancada do MDB. Já estava constituída a bancada do MDB. Mas houve uma
reunião conjunta da bancada do MDB, MTR, ARS. Em conjunto ou separado, isso é
irrelevante, mas parece que foi uma reunião conjunta; nas negociações em bancada, isso aí é
7
Hélio Ricardo Carneiro da Fontoura.
27
um detalhe que pouco importa. O Fontourinha e o Wilmar Taborda me disseram: “Olha, há
uma resistência ao teu nome, e o deputado Cândido Norberto disse: ‘Por que o Honório e
não eu?’” E eu respondi: “Olha, muito bem. Por que eu e não ele? Posso eu também
perguntar. Lamento, porque todas as congraças, todos os entendimentos, são no sentido de
que… e eu acho que eu tenho uma contribuição a dar para que esse processo eleitoral que
nós estamos, essa solução eleitoral que nós estamos buscando, chegue a contento”. Eu, digase de passagem, mantinha relações muito cordiais com o General Golbery, então eu também
confiava que eu pudesse… que eu tinha diálogo muito freqüente com o General Golbery e
com o… o seu companheiro, o seu companheiro de SNI [riso], que era o capitão… o capitão,
como era o nome dele? Agora me fugiu. Fugiu o nome dele. Porque o gabinete do Golbery,
tanto no Palácio Guanabara quanto lá em Brasília, era o meu gabinete na realidade. Eu ia para
o Gabinete dele, fazia o que tinha que fazer e passava todo o resto do dia ali. O homem do
arquivo… o que cedeu o arquivo ao Gaspari… o… fugiu agora. Daqui a pouco me vem, o que
guardou todos os papéis… o Heitor Aquino. O Heitor Aquino era… eu tinha relações muito
cordiais com o Heitor e muito cordiais com o Golbery. O Brossard tinha relações cordiais,
porque ele me apresentou ao Golbery, ou melhor, eu me apresentei dizendo que era amigo do
Brossard, e ficamos, ficamos numa relação muito boa. Continuou depois, com o Governo
Geisel, quando eu assumi a direção geral da Assembléia. Então eu tinha diálogo, e eu tinha
relações, eu tinha uma interlocução muito boa com o General Adalberto Pereira dos Santos,
que era o comandante do 1º Exército, com o General Lira Tavares, que era cunhado do João
Leitão de Abreu. O General Adalberto estava por dentro de toda essa articulação também. E
eu sei, não só por… eu sei de ciência certa, disso, e eu ouvi a confirmação do próprio… do
próprio General Costa e Silva, depois do Costa e Silva ser escolhido o presidente. Isso é outro
episódio que mais adiante vou contar, acho que num outro depoimento. Ele me confirmou: o
General Adalberto defendia a candidatura do Rui Cirne Lima, como também defendia a
candidatura do Rui Cirne Lima o general Aragão. O General Aragão convidou, ao Brossard e
a mim, para uma conversa política que se deu ali defronte, na residência dele, defronte ao
Parque Farroupilha, que começou as dez da noite e terminou as duas da madrugada… em que
ele manifestou a preferência pelo nome do Dr. Rui Cirne Lima. E disse… nos autorizou a
dizer ao Dr. Rui para ele trabalhar. Que havia um núcleo militar aqui que queria a solução
civil, que entendia que era a melhor solução para o Rio Grande do Sul, que estimulava a
candidatura de Rui Cirne Lima, e com o qual nós nos relacionávamos. E nesse sentido, eu
tinha diálogo com oficiais amigos, tanto no Conselho de Segurança Nacional como no próprio
SNI.
28
- E o fato de a candidatura Rui Cirne Lima não ter se efetivado, porque o andamento
das questões levou à candidatura Peracchi Barcellos.
- No dia em que foi lançada a candidatura Rui Cirne Lima, no dia 26 de junho, se não
me engano. Nesse dia, enquanto aqui estava sendo lançada a candidatura Rui Cirne Lima, em
Brasília, eu e o professor Galeano Lacerda estávamos em audiência com o Ministro Golbery
do Couto e Silva, discutindo a candidatura do Rui Cirne Lima [riso]. Mas eu percebi nesse
dia, nessa conversa com o General Golbery, eu percebi que ele estava infenso […]. E o Costa
e Silva, o General Costa e Silva, numa conversa em julho, depois das cassações feitas aqui no
estado, numa conversa longa de 45 minutos, na presença do General Jaime Portela, que ouviu
tudo atentamente sem dar uma palavra, e do Andreazza, do Coronel Mário Andreazza, o
Costa e Silva me confirmou isso. Ele foi ao presidente Castelo, num determinado momento e
disse: “Castelo, os nossos camaradas no Rio Grande acham que a solução melhor, uma
solução que convém aos interesses da Revolução, é a eleição do professor Rui Cirne Lima,
que é um homem sem partido político, um homem absolutamente respeitado, preparado, etc.”
E você sabe, aí ele me disse: “Você sabe, Severo, o que o Castelo me respondeu?” Ah, antes
disso ele me disse: “Eu levei o nome do Dr. Rui Cirne Lima, a quem eu não conheço, e disse
ao Castelo que não o conhecia pessoalmente, e que o nome dele me foi trazido por um amigo
comum, nosso amigo comum, que você sabe quem é”. E não nominou. Me chamou muito a
atenção, e fiquei… achei significativo o fato de que ele não nominou o General. Na hora, eu
não compreendi o porquê. Evidentemente que o Andreazza sabia, porque eu já tinha tido uma
conversa com o Andreazza meses antes na casa, na residência do Ministro da Guerra, na
residência do Costa e Silva, naquela casa que tem lá no parque, no Rio de Janeiro, depois uma
reunião na UPI8, no Conselho da UPI, foi quando eu conheci o Costa e Silva pessoalmente,
tive uma longa conversa com o Andreazza. O Costa e Silva me disse, quando eu me
apresentei, fui o último a me apresentar: “Deputado Honório Severo, Assembléia do Rio
Grande do Sul”. “Ah, Severo, você e o Brossard são as figuras decisivas na Assembléia.
Como é que está o problema lá?” Eu disse: “Ministro, a solução sucessória do Rio Grande
do Sul é mais fácil do que parece, do que muita gente pensa que seja”. E ele me perguntou:
“Mas o Daniel não é uma boa solução?” E eu disse: “Olha, o Senador Daniel Krieger é uma
excelente figura, tem uma grande projeção nacional. No Rio Grande, é uma figura
respeitada, mas ele não tem trânsito político. Ele tem muito mais projeção nacional do que
no estado. A UDN é um partido menor do que o Partido Libertador, menor do que o MTR,
mas o senador Daniel não…” Ele disse: “Mas então conte o milagre para o Andreazza”. E
ficou atendendo os outros parlamentares, eram todos os estados, representantes, conselheiros
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da UPI, mais o presidente da UPI, e eu fui para uma sala ao lado e fiquei… foi quando disse
ao Andreazza: “A situação está assim e assim…” quando saímos de lá eu disse: “Olha,
General, o Andreazza está com a fórmula, o Coronel Andreazza está com a fórmula”. Aí
conversamos, e voltamos a conversar, lá depois das cassações dos deputados, e ele me disse:
“Fizeram no Rio Grande do Sul, Severo, o que sempre quiseram fazer desde o início. Depois
eu falei ao Castelo (em nome do Senhor Presidente), que a solução era o professor Rui Cirne
Lima, que eu não conhecia, o camarada lá, e o Castelo me respondeu que no Rio Grande
havia uma disputa entre o Peracchi e o Tarso, pela candidatura da ARENA, e o que ganhasse
seria o governante, sem dúvida nenhuma”. E aí repetiu: “Fizeram o que desde o começo
queriam fazer”. Bom, nesta conversa com o General Costa e Silva, já então Presidente
putativo do Brasil, estava escolhido, que foi imediatamente seguinte ao adentrar o aeroporto
de Recife, eu lhe fiz umas provocações, depois de ele ter me contado isso. Ele me disse:
“Severo, eu preciso que você e o Brossard se inscrevam na ARENA. Vai ser reaberto o prazo
para inscrição em ambos os movimentos, os partidos – não se falava em partidos – ambas as
organizações eleitorais e…”
[Final do lado B da fita 2]
[Início do lado A da fita 3]
- “… eu não vou falar pelo Brossard, embora acredite que ele tenha o mesmo
pensamento que eu, mas eu não posso aceitar a candidatura, eu não posso sair da ARENA,
de maneira nenhuma. Nós decidimos entrar na vida pública e não posso entrar na ARENA
por uma razão: é que teria que passar por cima do cadáver político de sete deputados a quem
eu convenci que esta era uma solução boa. Brossard e eu somos os autores, somos os
articuladores disso… eu não posso passar por cima do cadáver político de sete colegas a
quem nós convencemos. Se fizesse isso, eu me sentiria como que mergulhado numa banheira
de fezes. Seria a coisa mais degradante”. Fiz assim, cara de nojo. E ele disse: “Compreendo e
lamento”. Aí eu fiz uma provocação para ele, porque eu estava a par de que, embora lançada
a sua candidatura a presidente pela ARENA, continuavam os movimentos em que estavam
envolvidos amigos meus, da área civil e da área militar, no sentido de se afastar […]. E aí eu
usei um artifício para provocá-lo. Disse: “General, os seus amigos do Rio Grande estão
preocupados com uma série de movimentos que denotam a intenção ainda de afastar a sua
candidatura”. E os movimentos eu sabia quais eram e quem estava na movimentação. E
comecei a declinar os fatos: isso, aquilo, e aquele outro… e ele começou a ficar tenso, na
8
União Parlamentar Interestadual.
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cadeira, assim, começou a ficar cada vez mais tenso [riso], e eu dizendo, olhando no olho
dele. Um olhando no olho do outro, num determinado momento ele avançou assim e disse:
“Mas só se eu for traído!” E eu olhei fixo no olho dele, olhando um no olho do outro,
espantado, o Andreazza, e eu era aquele moleque, trinta e poucos anos, falando com o
General, futuro Presidente da República, sempre com aquela franqueza, e… “Só se eu for
traído”. E eu lhe disse: “General, o senhor só não será traído, veja bem, só não será traído
se o senhor mantiver a sua candidatura nos termos em que ela surgiu”. Usei essa expressão
textual: “nos termos em que ela surgiu”, ou seja, como uma reivindicação dos seus
companheiros de ala. Ele aí descontraiu, descontraiu completamente, sorriu, disse: “Não
Severo, eu ainda agora, por esse giro que eu fiz no Nordeste, eu tenho o apoio dos meus
companheiros”. A minha conversa, eu tinha… me encontraram, eu estava passeando ali na
[…] com minha mulher, e tinha dito, pedido ao Andreazza: “Dá um abraço no Velho”.
Chamavam o Costa e Silva de velho, “Dá um abraço no Velho”. Aí ele disse: “Não, você vai
dar o abraço pessoalmente”. Aí subimos, tinha lá uma lista enorme de audiências: senador,
deputados, deputados… e ele botou o meu nome em primeiro lugar. Quando ele botou o meu
nome em primeiro lugar, o meu “desconfiômetro” ligou, não é? Digo: “Que história é essa?”
E a minha conversa, que era uma conversa de meros cumprimentos, acabou durando quase
uma hora. Muito bem, vamos continuar num outro dia?
- Só, rapidinho, duas coisas. [Riso] Então, para a gente dar uma fechada, duas coisas
que a gente acha interessante que o senhor pudesse comentar. Então o senhor encerra o seu
mandato, final de 1967…
- Eu perco a eleição, eu só perdi a eleição, eu disputei na sublegenda do MDB para
deputado estadual. E eu só perdi a eleição, porque foi publicado no Diário de Notícias quinze
dias antes da eleição, que seriam cassados o Brossard – ele quase perdeu também – o
Sanseverino, o Marchezan, o Dario Bertrão, eu e vários outros. Essa notícia então me tirou a
votação, me tirou a votação, o Capitão Sommer de Azambuja, que era um dos integrantes da
sublegenda, essa eleição me tirou, só na minha terra, dois mil votos, mais de dois mil votos.
Então eu fui o mais votado da legenda estadual e não consegui quociente. E o Brossard
entrou, fez menos votos do que o Collares, por exemplo, mas a sublegenda federal, o MDB2 –
que foi constituído com a presença deles, e mais o Luiz Fernando Cirne Lima, que integrava,
o filho do Dr. Rui, que assinavam junto. Que é um documento muito interessante que nós
temos, eu vou pegar esse documento para passar para vocês, da formação da sublegenda do
MDB2, com as assinaturas inclusive, eu tenho cópia desse documento. Então por isso que eu
saí da deputação, perdi a eleição, porque não consegui me reeleger para deputado estadual. O
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Brossard conseguiu se eleger para deputado federal, para o mandato, o único mandato que ele
teve na Câmara.
- Mas o senhor se mantém posteriormente na Assembléia Legislativa?
- Não, eu saio da Assembléia, reassumo na Caixa Econômica em 1967, e só volto para
cá dez anos depois, em primeiro de janeiro. Aí cedido, pelo Governo Geisel, à Assembléia,
trazendo meus vencimentos de lá, numa cedência que foi feita através de uma conversa minha
com o General Golbery. Foi quando eu retomei a conversa, o contato com o Golbery.
- Teria mais alguma coisa que o senhor gostaria… para a gente fechar, que o senhor
pudesse encerrar, mencionar alguma coisa em relação à sua participação na vida política no
Rio Grande do Sul.
- Bom, depois disso, eu continuei na vida política no Rio Grande do Sul, aqui na
Assembléia. Fui membro da direção do Diretório do PMDB, trabalhando na Assembléia, seja
como Diretor-Geral, seja como Procurador-Geral da Assembléia, seja como assessor do
PMDB, eu fui do grupo de Assessores. Como Diretor-Geral, criamos uma assessoria técnica
aqui na Assembléia, chamamos o Dr. Alcides Saldanha, que depois foi suplente do Simon,
por indicação minha e do Brossard, candidato a suplente, eu fiquei na vida… participei do
Partido até ir para o governo federal. Eu praticamente me afastei da militância política quando
fui para o governo federal.
- Isso ocorre em que ano?
- Fui em 1985, com o Governo Sarney, e fiquei… fui em 1985 e fiquei até 1987. Aí eu
me afastei da vida política, da vida partidária. Desde então não tive mais militância, embora
filiado até hoje ao PMDB, mas sem mais militância política.
- Então, Sr. Honório, a gente agradece sua disponibilidade de vir nos dar essa
entrevista aqui hoje.
- Muito Obrigado.
- Eu que agradeço a oportunidade e estou pronto para falar sobre o que foi a
Assembléia, como era a vida, se houver oportunidade, quando voltarmos a ter oportunidade,
como era o trabalho legislativo, parlamentar naquela ocasião.
- Isso, a gente depois faz um novo contato com o senhor.
- Estou à disposição.
- Muito obrigado.

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