O sucesso da educação em África: o desafio das línguas

Transcrição

O sucesso da educação em África: o desafio das línguas
AO SERVIÇO
DO FRANCÊS
E DA EDUCAÇÃO
NO MUNDO
Síntese da
conferência internacional
Esta conferência internacional foi organizada em parceria com:
■
Agence française de développement (AFD) (Agência Francesa de Desenvolvimento)
■
Agence universitaire de la Francophonie (AUF) (Agência Universitária da Francofonia)
■
■
■
Association pour le développement de l’éducation en Afrique (ADEA) (Associação para
o desenvolvimento da Educação em África)
Conférence des ministres de l’Éducation des États et gouvernements de la Francophonie
(CONFEMEN) (Conferência dos Ministros da Educação dos Estados e Governos da Francofonia)
Direction du développement et de la coopération de la Confédération suisse (DDC)
(Direcção do Desenvolvimento e da Cooperação da Confederação Suíça)
■
Ministério dos Negócios Estrangeiros
■
Organisation internationale de la Francophonie (OIF) Organização Internacional da Francofonia)
■
Partenariat mondial pour l’éducation (PME) Parceria Mundial para a Educação)
Com a participação de:
■
Banco Mundial
■
Comissão Europeia
CIEP - Serviço do Desenvolvimento e da Comunicação- Maio 2015
■
UNESCO
www.ciep.fr
O sucesso da educação em África: o desafio das línguas
CIEP, 27-28 Março de 2014
ÍNDICE
Introdução
2
Um olhar sobre a situação
linguística de África
4
Sistemas educativos
e multilinguismo
na África Subsariana
6
Língua e sucesso educativo:
exemplos de políticas linguísticas
8
A avaliação dos resultados
da aprendizagem
no ensino primário
10
A formação pedagógica e linguística,
inicial e contínua, dos docentes
para melhorar os desempenhos da escola
12
Como optimizar os financiamentos
para que a educação tenha sucesso
num contexto multilingue ?
14
Conclusão dos debates
16
Introdução
François PERRET, Director do CIEP
Anne-Marie DESCOTES, Directora-Geral da Globalização, do Desenvolvimento e das Parcerias,
Ministério dos Negócios Estrangeiros e do Desenvolvimento Internacional
n Vincent PEILLON, Ministro da Educação Nacional
n Abdou DIOUF, Secretário-Geral da Francofonie
n
©Eric Bureau
n
Numa altura em que têm início os debates
internacionais sobre a agenda “pós-2015”,
os primeiros balanços das políticas implementadas pelos Estados da África Subsariana testemunham, certamente, progressos
concretizados, mas também evidenciam o
caminho que ainda tem de ser percorrido,
uma vez que é plausível que o Objectivo
de Desenvolvimento do Milénio (ODM) da
Organização das Nações Unidas, ou seja, a
educação primária universal, ainda não tenha
sido totalmente alcançado. Além disto, neste
contexto de generalização do ensino básico, a melhoria da qualidade dos resultados
da aprendizagem, continua a ser, depois de
2015, o principal objectivo a assinalar em todos os níveis de ensino. Por último, as várias
políticas linguísticas dos Estados da África
Subsariana, implementadas ou a implementar, devem ter em consideração contextos
plurilingues, com prioridade para as abordagens pedagógicas, em particular bilingues,
e a formação dos docentes. Assim, a pluralidade linguística do ensino africano, longe de ser um obstáculo, deve ser um factor de sucesso escolar e
de desenvolvimento social e económico do continente.
2
©Philippe Devernay
Anne-Marie Descôtes afirma, na abertura, que “numa altura em que têm início os debates internacionais sobre a agenda pós-2015, e embora se assista
actualmente a um certo recuo relativamente aos esforços feitos há cerca
de dez anos pelos governos africanos em matéria de educação, nomeadamente em termos de acesso e de igualdade, esta conferência internacional
é uma oportunidade para falar sem tabus deste desafio importante que é a
educação em África e, mais especificamente, do ensino das línguas”. Ainda que o número de crianças escolarizadas tenha chegado aos 70% desde
2000, existem ainda cerca de 250 milhões de jovens que não dominam
competências fundamentais em leitura, escrita e matemática. No cenário
linguístico africano, que possui uma “riqueza excepcional”, um ensino de
qualidade passa, automaticamente, pelo domínio da língua de ensino ou
da língua de referência: "afigura-se fundamental que as políticas educativas
possam implementar estratégicas linguísticas”. Além disto, como explica
Anne-Marie Descôtes, a utilização fluente das línguas nacionais, regionais e
internacionais, é um desafio importante para a juventude africana, nomeadamente para o acesso a empregos dignos e qualificados. Com o apoio do
conjunto dos doadores do sector educativo, “os benefícios do plurilinguismo e a necessidade de colocar no centro da qualidade do ensino a formação dos docentes” são, segundo Anne-Marie Descôtes, os desafios, ou as
situações mais prementes, a realçar.
©Philippe Devernay
Discurso de abertura de
Vincent Peillon, Ministro da
Educação Nacional.
Anne Marie-Descôtes,
Directora-Geral da Globalização,
do Desenvolvimento e das
Parcerias, Ministério dos Negócios
Estrangeiros
pe Devernay
Discurso de abertura
27 de Março de 2014
“A escola e o conhecimento são os principais investimentos do futuro.”
Vincent Peillon
“O desenvolvimento do bilinguismo aparece como uma das alavancas
para a melhoria da qualidade da educação.”
Abdou Diouf
Vincent Peillon continuou o discurso de abertura e lembrou
que “o principal investimento do futuro, é a escola, o principal actor da eficácia económica, é a formação dos jovens”,
e que é, assim, necessário desenvolver uma oferta de ensino técnico e de formação profissional que seja adaptada
ao desenvolvimento económico e que responda às necessidades das empresas para mão-de-obra qualificada. Se a
educação continua a ser a principal alavanca do desenvolvimento económico, Vincent Peillon lembra que o domínio
das línguas – vernáculas, nacionais e internacionais – constitui também um factor de desenvolvimento pessoal porque
veiculam “um universo de pensamento, de representações,
uma cultura”. A terminar, Vincent Peillon faz um apelo a um
espaço e a uma lógica de “co-desenvolvimento” entre a França (na Europa) e o Continente Africano: “o nosso desenvolvimento, o nosso futuro, têm de ser escritos em conjunto” e
temos de ser “capazes de desenvolver um espaço educativo
franco-africano” para preservar valores ”que nos são caros”:
respeito, justiça, paz.
Sua Excelência Abdou Diouf afirma que o desafio da qualidade
implica, necessariamente, o desenvolvimento de estratégias
linguísticas de ensino bilingue nas políticas educativas. Ainda
que tenham sido implementadas várias iniciativas de bilinguismo escolar, o Secretário-Geral da Francofonia sublinha
que “na ausência da sua inscrição nos planos sectoriais ou de
uma definição concreta de políticas linguísticas educativas,
(...) permanecem sem futuro”. Numa lógica de acompanhamento dos países
na implementação de políticas linguísticas escolares, o desenvolvimento do
bilinguismo aparece como uma das alavancas para a melhoria da qualidade
da educação. Na verdade, “língua materna e língua internacional de ensino
encontram o seu lugar legítimo, a sua razão de expansão em conjunto para
se tornarem num factor activo do desenvolvimento” porque “longe de ser
um obstáculo aos objectivos de sucesso escolar, o ensino do francês num
contexto plurilingue é um trunfo”. Este bilinguismo, para ser introduzido
nas salas de aula, deve ser, necessariamente, dominado pelos docentes,
cuja formação é um desafio fundamental para a melhoria da qualidade da
aprendizagem. Para terminar, Abdou Diouf conclui que a expansão e a “força” do ensino bilingue impõem-se como “garantia da paz social”: “o ensino
público como condição de uma resposta à pobreza inscreve-se na mesma
problemática do desenvolvimento para todos. É à escala de todo o Continente Africano, onde se vê em toda a parte o futuro a ganhar forma, com
as aspirações e as necessidades expressas pela sua juventude, que a acção
educativa nos exige que não poupemos esforços” n
Sua Excelência
Abdou Diouf,
convidado de honra.
[re]ouvir o discurso
de abertura
3
Um olhar sobre a situação
linguística de África
n
Louis-Jean CALVET, Professor Emérito, Universidade de Aix-Marseille
A distribuição geográfica das línguas varia grandemente de um
continente para outro. A África
é um continente rico em línguas: 30%
das línguas do mundo são faladas neste
continente (cerca de 2000 línguas) em
comparação com os 4% na Europa.
No entanto, o número de falantes destas
línguas é muito variável: cerca de 1/3 da
população fala 50% das línguas do continente. As línguas não têm, assim, todas a
mesma importância e não são utilizadas
nos mesmos contextos. Para desenvolver uma política linguística escolar, é necessário saber como medir a importância relativa das línguas e as relações que
mantêm entre elas.
Louis-Jean Calvet desenvolveu várias
abordagens e ferramentas que permitem
efectuar diferentes classificações das
línguas segundo as necessidades. Estas podem ser utilizadas pelos governos
para avaliar a situação dos seus países e
elaborar as suas políticas linguísticas.
Entre estas ferramentas, o Senhor Calvet desenvolveu um “modelo gravitacional das línguas” que apresenta o resultado linguístico da globalização e os efeitos do bilinguismo ou ainda um
“barómetro das línguas domundo” (http://wikilf.culture.fr/barometre2012/)
que permite efectuar uma classificação das línguas segundo 11 factores
pertinentes. Relativamente às línguas de escolarização em África, a análise
que efectuou a partir da tipologia das línguas propostas pelo sítio Web
www.ethnologue.com é particularmente rica em ensinamentos.
O professor
Louis-Jean
Calvet apresenta
a situação
linguística
de África.
Estão presentes no Continente Africano 6 tipos de línguas:
n língua com estatuto oficial nacional (A);
n língua com estatuto oficial regional (B);
n língua veicular (C);
n língua endógena padronizada utilizada no ensino (D);
n língua utilizada diariamente por uma comunidade linguística
e transmitida de geração em geração (E);
n língua ameaçada que não é transmitida (F).
De uma forma geral, verifica-se que 0,9% das línguas africanas são de tipo
A e que são faladas apenas por 10% dos habitantes. 85 línguas de tipo C representam 3,8% das línguas africanas e são faladas como primeira língua
por 30% da população. As línguas de tipo E representam 79% do conjunto
das línguas e são faladas por 34% da população.
4
Representantes de
24 países de África
assim como de várias
instituições bilaterais
e multilaterais,
francesas e
internacionais.
Conferência inaugural
27 de Março de 2014
"Para desenvolver uma política linguística
escolar, é necessário estabelecer uma
tipologia de línguas locais, que permita
conhecer a importância relativa das línguas
e as relaçõaes que mantêm entre elas."
A partir desta tipologia, foram identificados para 38 países africanos 3 perfis
funcionais dominantes do ponto de vista linguístico.
➜ Os países do perfil A são países onde existe apenas uma língua com estatuto oficial nacional e onde o problema da língua de ensino não se coloca
(Ruanda e Cabo Verde).
➜ Os perfis A, C e E, países onde coabitam uma ou duas línguas oficiais
nacionais, algumas línguas veiculares e um grande número de línguas vernaculares, caracterizam 11 países, quer sejam francófonos, anglófonos ou
lusófonos (Angola, Benim, Burquina Faso, Congo, Costa do Marfim, Gâmbia, Libéria, Uganda, Serra Leoa, Chade e Togo).
➜ Um outro perfil é dos países A, C, D e E, onde uma políticalinguística
transformou a situação, tornando uma língua E numa língua D (língua de
ensino). Esta situação afecta 11 países: Botsuana, Gana, Guiné, Maláui, Mali,
Moçambique, Namíbia, Níger, Senegal, Zâmbia e Zimbabué.
Esta tipologia permite comparar as situações linguísticas dos países a fim de
se contemplar políticas linguísticas comuns que aproximem países que podem parecer diferentes. Por exemplo, Angola e Moçambique,os dois países
lusófonos, mas com perfis diferentes, não podem, provavelmente, desenvolver as mesmas políticas linguísticas.
No entanto, tratam-se apenas de ferramentas de
apoio à decisão e cabe aos governos elaborar a
sua própria política e planificação linguísticas:
os linguistas propõem e os políticos aplicam n
[re]ver as entrevistas
dos participantes
5
Sistemas educativos e multilinguismo
na África Subsariana
Moderador: Bruno MAURER, Professor, Universidade Paul Valéry Montpellier 3
n
n
Boureima Jacques KI, Secretário-Geral da CONFEMEN
Hassana ALIDOU, Directora do Gabinete da UNESCO, Abuja
“Em África, o multilinguismo é uma
realidade social mas não uma realidade escolar”: Bruno Maurer refere que
se o ensino é feito oficialmente numa única
língua (muitas vezes aquela herdada da colonização), isto não significa, de todo, que o
espaço das salas de aula africanas seja monolingue. O multilinguismo ao qual não abrimos
a porta nos programas entra, muitas vezes,
pela janela no espaço das salas de aula, sendo
mais imposto do que desejado, sentido como
um inconveniente, enquanto poderia ser visto
talvez como uma oportunidade.
Durante a primeira década do século XXI,
as posições dos ministérios africanos, assim
como dos parceiros técnicos e financeiros
da educação, evoluíram. O multilinguismo
escolar era muitas vezes considerado como
sinónimo de aumentde despensas, de dificuldades cognitivas, e o interesse
nem sempre era percebido. Depois de dez anos, estas instituições reconhecem que a utilização das línguas africanas pode, eventualmente, ser um
meio de reforçar a diversidade cultural e de valorizar o património, mas
também um meio para melhorar a qualidade do ensino porque, como sublinha Hassana Alidou, “não podemos aprender sem compreender”.
No entanto, se observamos, por um lado, esta tomada de consciência, por
outro, são ainda raros os países a optar pelo multilinguismo escolar em
todas as suas escolas. É evidente que existe ainda um determinado número
de desafios a ultrapassar antes de se poder introduzir as línguas nacionais
nos programas.
O primeiro desafio é político e ressalta do próprio estatuto das línguas nacionais. Ainda que utilizadas no ensino informal, estas línguas são muitas
vezes mal definidas pelos governos do ponto de vista da sua legislação,
da sua função ou da sua utilização. Desta forma, não beneficiam de um
reconhecimento suficiente.
O segundo desafio diz respeito à aceitação pelas populações das línguas
nacionais como línguas de ensino. Muito poucos países da África Subsariana
possuem políticas linguísticas que valorizam a utilização das línguas nacionais. Apesar de algumas experiências no sistema formal para introduzir as
línguas nacionais (escolas bilingues, escolas satélite, escolas franco-árabes,
etc.), estas iniciativas não beneficiam de uma difusão e de um reconhecimento suficientes para convencer as populações.
O terceiro desafio resulta da didáctica. Os docentes nem sempre possuem
todas as competências suficientes na língua de escolarização para ensinar
6
Bruno Maurer,
Hassana Alidou e
Boureima Jacques Ki.
Mesa redonda
27 de Março de 2014
“Em África, o
multilinguismoé uma
realidade social
mas não uma
realidadeescolar.”
Bruno Maurer
Um programa centrado
no tema do sucesso
da educação num
contexto plurilingue.
os alunos nessa língua, e nem sequer possuem todas as competências pedagógicas para ensinar na sua língua materna. As condições de aprendizagem não são, assim, propícias à aquisição de conhecimentos pelos alunos.
130 participantes
assistiram à conferência.
O último desafio é a ordem pedagógica. Mesmo se certas línguas nacionais foram codificadas e transcritas, não estão suficientemente instrumentalizadas (o material pedagógico, como os programas ou os manuais, não
existem nas línguas nacionais) para serem aplicadas no âmbito do ensino.
Se ultrapassar estes desafios é uma condição prévia para a introdução das
línguas nacionais no ensino, a implementação de uma política de multilinguismo escolar também levanta um certo número de questões sobre as
quais os países devem previamente reflectir.
Boureima Jacques Ki mencionou algumas:
n Em que medida podemos fornecer o ensino e a aprendizagem na ou nas
línguas nacionais a nível do sistema formal preservando a coesão social e a
unidade nacional e evitando cultivar e exacerbar o regionalismo?
n Os Estados possuem recursos (humanos e financeiros) suficientes para
implementar as ditas reformas linguísticas?
n Que estratégias devem ser desenvolvidas para garantir a adesão das comunidades à utilização das línguas nacionais no sistema educativo formal?
n Para além do seu valor cultural, a língua é um dos meios que permite ou
facilita o acesso a empregos dignos tanto a nível nacional como internacional. As línguas nacionais dos países da África Subsariana estão actualmente
preparadas para cumprir esta função e preparar os jovens para conseguirem um emprego digno no contexto da globalização?
Se todos estão de acordo em afirmar que a introdução das línguas nacionais nos sistemas educativos diz respeito a uma vontade dos países e a uma
necessidade de melhorar a qualidade do ensino e da empregabilidade, as
políticas linguísticas devem, contudo, ser suficientemente planificadas para
garantir o seu sucesso n
7
Língua e sucesso educativo:
exemplos de políticas linguísticas
Moderador: Jean-Marie Ahlin BYLL CATARIA, ex-Secretário Executivo da l’ADEA
Mauritânia
Como explica Nebghouha Mint Mohamed Vall, ex-Ministra da Educação, o francês e o árabe concorriam
no sistema educativo da Mauritânia. Antiga colónia francesa, este país teve de início uma escola em
francês. Quando o país se tornou independente, perante asreivindicações maioritariamente arabófonas, os
dirigentes introduziram o árabe e o ensino religiosona escola. Esta primeira reforma linguística foi massivamente
rejeitada pelo resto da população. Em 1979, foi feita uma tentativa de reconciliação introduzindo as 3 outras línguas
nacionais (fula, soninquê e uolof) no ensino. Isto teve como resultado uma divisão do sistema escolar: a escola
arabófona e a escola francófona integrando esta última depois as línguas fula, soninquê e uolof. Este sistema vai
durar 20 anos e o ensino nas línguas nacionais permaneceu
assim num estado de experimentação. Numa procura pela
unificação do sistema educativo, o governo lançou em 1999 uma
reforma para a introdução do bilinguismo. Foram então feitos
esforços importantes para o recrutamento, a formação dos
Depois do período colonial, e até
docentes e a adaptação do material pedagógico. Contudo,
1976, a política linguística do Quénia
enquanto algumas escolas públicas souberam estabelecer um
conheceu uma forte instabilidade,
ensino bilingue de qualidade, a maioria delas não teve sucesso
como explica David Njeng’ere
na implementação desta reforma e muito poucas crianças são
Kabita, Director Assistente Séniorno
bilingues. A reforma do bilinguismo foi mal interpretada e os
Kenya Institute of Curriculum
recursos financeiros e humanos qualificados eram insuficientes.
Development. A partir desta data, o
Ainda hoje, a maioria dos docentes ditos “bilingues” não
governo adoptou uma posição firme, ainda
dominam nenhuma das 2 línguas de ensino. Além disto, a
actual, que defende a utilização do inglês, do suaíli
ausência de concertação prévia com a população e a sociedade
e das línguas nacionais no ensino. Oficialmente,
civil resultou na rejeição desta reforma n
cada uma destas línguas é tanto ensinada como
utilizada como vector de instrução, conforme as
zonas geográficas. No entanto, a população tem
as suas reticências quanto ao ensino nas línguas
vernaculares, temendo que as mesmas não
sejam suficientemente desenvolvidas para poder
Narciso Benedito, Secretário de Estado
transmitir certas noções científicas, tecnológicas,
para a Formação e o Ensino Técnico
sociológicas, etc. Apesar das campanhas de
Profissional, explica que Angola é
sensibilização realizadas juntos das populações,
um país composto por vários grupos
subsiste uma tensão entre as línguas nacionais, que
etnolinguísticos, na sua maioria de
participam na preservação da identidade regional
origembantu. A língua portuguesa está
e da coesão social,e as línguas internacionais, que
presente em Angola há mais de 5 séculos. O ensino, oficializado
permitem a continuação dos estudos e a integração
em 1845, dirigia-se maioritariamente aos europeus e aos seus
económica e social. O objectivo é então encontrar
descendentes. No primeiro quarto do século XX, quando a
o equilíbrio certo entre estas línguas para melhorar
presença colonial se expandiu a todo o território, uma grande
a qualidade da aprendizagem, porque, como
parte da população nunca tinha tido contacto com a língua
revela um estudo realizado em 2009, ainda que
portuguesa. Em 1961, o governo português desenvolveu uma
os alunos sejam melhores na leitura em inglês,
rede de escolas primárias em toda a extensão do território para
possuem uma melhor compreensão oral nas
promover e difundir a língua e a cultura portuguesas. Em 1973,
línguas nacionais.Depois deste estudo, e partindo
o número de alunos no ensino primário tinha aumentando
da constatação de que os docentes não possuem
bastante, apesar dos abandonos serem frequentes. Com base
as capacidades necessárias para ensinar a leitura,
em várias declarações internacionais que defendem o direito
foi implementado um projecto-piloto em 2012 que
de todos a viver e a ser educado na sua própria cultura, a
enfatiza a formação dos professores, a elaboração
reforma actual do sistema educativo angolano visa utilizar as
de fichas pedagógicas em leitura e a utilização
línguas nacionais como vector de transmissão de saber como
de materiais na sala de aula. Este projecto, ainda
disciplina de estudos. Está actualmente em execução um
a decorrer, produziu resultados positivos, ainda
projecto-piloto. Foram iniciados trabalhos de estruturação de
que tenha sido criticado por alguns docentes
8 línguas,entre as 200 presentes em Angola, de produção de
que o acusam de ser demasiado normativo n manuais e de formação dos docentes em línguas nacionais n
Quénia
Angola
8
Mesa redonda
27 de Março de 2014
Burquina Faso
Winson Emmanuel Goabaga, SecretárioGeral no Ministério da Educação
Nacional e da Alfabetização, lembra quea
utilização das línguas nacionais como
línguas de ensino está consagrada na
Constituição do Burquina Faso desde 1997.
Recentemente, os estados gerais sobre
a educação lembraram a necessidade da sua
utilização na educação como vector de valores socioculturais.
Os objectivos da educação bilingue são parte integrante dos
objectivos gerais da política educativa do Burquina Faso. Tratase de tornar o sistema educativo mais coerente e adaptado
às necessidadesdo desenvolvimento socioeconómico e
cultural do país, introduzindo a aprendizagem da língua
materna e das actividades culturais do ambiente próximo.
Além disto, o objectivo é aumentar a oferta do ensino básico
e reduzir as desigualdades entre os sexos, entre as regiões
geográficas e entre as situações socioeconómicas dos alunos.
O ensino bilingue representa também um ganho de tempo
na escolarização uma vez que 5 anos são suficientes para
os alunos adquirirem os conhecimentos do ciclo primário
(em vez dos 6 anos no ensino clássico) e os resultados nos
exames escolares são melhores. Por último,a aprendizagem
na língua local aproxima os pais da escola dos seus filhos e
permite-lhes fazer parte e participar na sua escolaridade. No
entanto, para um ensino bilingue em grande escala, têm ainda
de ser feitos mais esforços para se obter a adesão de todos
a este sistema de aprendizagem, para ensinar determinadas
línguas depois do ensino primário e para formar os docentes.
A título de exemplo, no Burquina Faso, das 7 escolas nacionais
de formação de professores, apenas uma oferece formação
nas 9 línguas reconhecidas para a escolarização bilingue n
Madagáscar
Pascal Pierrot Rabetahina, SecretárioGeral do Ministério da Educação Nacional,
explica que a situação linguística de
Madagáscar é menos complexa do que a
dos países da África Subsariana. Igualmente
uma antiga colónia francesa, Madagáscar
soube criar o seu próprio sistema linguístico
com a implementação de uma política firme de
“malgaxização”. Assim, a partir de 1975, o francês como língua
de ensino foi então substituído pelo malgaxe.O ensino em
malgaxe teve resultados muito bons. Todas as noções e todos os
conceitos a ensinar podem ser expressos nessa língua. Contudo,
a escolarização em malgaxe é amplamente criticada e não
foi seguida nas escolas privadas,que continuaram a fornecer
o ensino em francês, gerando uma desvalorização do ensino
público. Para atenuar esta dificuldade, um projecto de lei que
estipula que o malgaxe é a língua de educação, de ensino e da
administração, será apresentado às autoridades do país. Este
demonstra avonta de do governo em optar por uma posição
firme sobre a situação linguística do país. A lei será aplicada
de forma progressiva na educação, nomeadamente para a
formação dos docentes e adaptação do material pedagógic n
ELAN África
A relação entre a língua nacional e o
sucesso educativo sempre esteve no centro
das políticas linguísticas dos países. Alguns
países experienciam este dilema há mais
de 25 anos (Níger, Mali, etc.) sem poder
generalizar o ensino nas línguas nacionais
porque esta questão, na sua dimensão
política, é extremamente complexa
e delicada e afecta a sensibilidade ea
identidade das pessoas, segundo Amidou
Maïga, coordenador da iniciativaEscola
e Línguas Nacionais
(ELAN África).O programa
ELAN, nascido da
colaboraçãode 4 operadores francófonos
(OIF, AUF, AFD e o MNE),e apoiado pela
PME, está operacional
desde 2012 em8 países de África para o
desenvolvimento do ensino bi-plurilingue.
Partindo da constatação de que uma
grande parte dos alunos escolarizados
não apresenta conhecimentos de base, a
abordagem do ELAN visa a melhoria das
competências dos alunos, nomeadamente
em leitura e escrita, e espera, desta
forma, contribuir para a diminuição da
interrupção e do abandono escolares. Os
ministérios da educação que inscreveram
o desenvolvimento do ensino biplurilingue na sua política beneficiam
de um acompanhamento da OIF para a
implementação do projecto através do
apoio à elaboração de planos de acção,
à produção de ferramentasdidácticas,
à formação, ao acompanhamento
e aconselhamento pedagógicos, à
sensibilização dos actores e à pesquisa
de terminologia e de neologismos
para a instrumentalização das línguas.
Paralelamente, desenvolve-se um
dispositivo internacional de competências,
de capitalização, de defesa de causas e
de reforço das capacidades no serviço do
ensino bi-multilingue. A experiência ELAN
teve início com a implementação em cada
país de 10 escolas bilingues (francês – língua
nacional). Está prevista uma avaliaçãopara
2015 para se comparar os resultados com
os das avaliações realizadas anteriormente
e demonstrar a eficácia do projecto. No
futuro, está previsto enfatizar a formação
inicial dos docentes com a introdução
de um módulo bilingue e acompanhar
os países na sua reforma curricular n
9
A avaliação dos resultados
da aprendizagem no ensino primário
Moderador: Isabelle NOCUS, Professora Adjunta, Universidade de Nantes
Jacques MALPEL, Coordenador do Programa de Análise dos Sistemas Educativos da CONFEMEN (PASEC)
T
oziba MASALILA, Directora do Consórcio da África Austral e Oriental para o Controlo da Qualidade da Educação
(SACMEQ)
n S
ébastien GEORGES, Psicometrista, CIEP
n
n
As práticas educativas centradas nas avaliações dos alunos
apresentam um desenvolvimento espectacular. Isabelle Nocus
lembra que várias ferramentas e dispositivos de avaliação permitem, assim,
controlar a aquisição de conhecimentos pelos alunos e de os certificar mas,
sobretudo, compreender melhor os obstáculos à sua aprendizagem, com
vista a melhorar as práticas pedagógicas e o funcionamento dos sistemas
educativos. A importância que a escola dá à avaliação das competências escolares está directamente associada ao facto de que a melhoria da formação
dos alunos, a redução do insucesso escolar e, de forma mais geral, a formação de indivíduos capazes de se adaptarem às evoluções da sociedade,
serem prioridades educativas para os Estados. Os sistemas de educação precisam de estar dotados de instrumentos que lhes permitam ajudar a avaliar
os objectivos que definiram e a implementar medidas mais capazes para que
os possam concretizar.
O programa de análise dos sistemas educativos da CONFEMEN é um bom
exemplo. Como explica Jacques Malpel, o PASEC permite avaliar os desempenhos dos alunos e identificar os factores de eficácia e de equidade
para o ensino básico. Esta avaliação é feita com base em indicadores que
são comparáveis no espaço e no tempo. Até 2012, as avaliações do PASEC
eram executadas de forma nacional a pedido dos países. Actualmente, as
avaliações são conduzidas a nível internacional, por grupos de países. A
este objectivo de avaliar, junta-se o de reforçar as capacidades das equipas
nacionais de avaliação em cada país. As avaliações realizadas mostram que
a situação dos sistemas educativos na África Subsariana degradou-se, em
particular no que respeita ao francês. Os resultados da aprendizagem estão
relacionados com três tipos de factores: o contexto escolar (o que se passa
na escola), o meio social de onde o aluno é oriundo e o contexto familiar
(língua falada em casa, apoio familiar).
O domínio da língua é um factor importante para o conjunto da aprendizagem. De uma forma geral, quando os alunos dominam mal o francês,
dominam também mal a matemática. A língua é, assim, um factor essencial,
apesar de, por si só, não explicar os baixos desempenhos observados. Mesmo os países que optaram por uma língua nacional têm de gerir a transição
entre a aprendizagem na língua materna e aquela na língua internacional.
O programa SACMEQ, apresentado por Toziba Masalila, visa avaliar as
condições escolares e o nível de aprendizagem dos alunos em relação
aos programas implementados no país. Os testes são realizados junto dos
alunos e dos docentes para avaliar as suas competências em matemática,
leitura e língua de escolarização. A avaliação dos docentes permite determinar se possuem o nível de competências exigido na língua de ensino
para poderem ensinar. Estes programas vão evoluindo de forma a considerarem os melhores critérios susceptíveis de ajudar os dirigentes dos países
10
Toziba Masalila
e Jacques Malpel,
representantes
dos dois principais
programas de
avaliação da
aprendizagem
em África.
Sébastien Georges,
Jacques Malpel,
Toziba Masalila
e Isabelle Nocus.
Mesa redonda - 28 de Março de 2014
“A língua é um
factor essencial
ainda que, por si
só, não explique os
desempenhos dos
alunos.”
Jacques Malpel
A avaliação dos resultados
escolares, um desafio
central para melhorar a
qualidade do ensino.
a tomarem decisões em matéria de política educativa. O primeiro projecto,
realizado entre 1995 e 1998, demonstrou que existiam lacunas nas informações recolhidas e que os docentes não foram suficientemente envolvidos. No âmbito do segundo projecto, estas observações foram tidas em
consideração e a avaliação em matemática foi integrada. Relativamente ao
terceiro projecto, a avaliação focou-se num maior número de pessoas e
foi geograficamente alargada. Foram introduzidos critérios sociais, como
a consideração do impacto da SIDA. Graças a estas evoluções, os ministérios da educação possuem dados consistentes para definir as suas políticas
educativas e estabelecer uma planificação a partir dos mesmos. Além disto,
em alguns países foram feitas reformas de programas escolares com base
nos resultados destas avaliações. Assim, os resultados do SACMEQ permitiram formular estratégias educativas regionais.
Os programas de avaliação como o PASEC e o SAQMEQ são, por isso, ferramentas preciosas de controlo e podem servir de base à elaboração de
reformas para melhorar a qualidade da educação. Vários factores podem
ser a causa destas baixas taxas de sucesso dos alunos, nomeadamente o
nível linguístico dos docentes.
Sébastien Georges explica que o CIEP desenvolve, em parceria com os
países africanos francófonos, ferramentas de avaliação e de certificação
de competências linguísticas com base no Quadro Europeu Comum de
Referência para as Línguas (CECR). O CIEP está também apto a oferecer
o Teste de conhecimento de francês assegurando a gestão administrativa, pedagógica e científica. Estes testes permitem determinar o nível dos
docentes em francês e, assim,disponibilizar informações objectivas que podem ser utilizadas para adaptar as acções de formação dos docentes. De
uma forma geral, são avaliadas quatro competências: as compreensões oral e escrita, e as produções oral e escrita.
➜ No Burundi, por exemplo, foi feito um teste específico junto
de 1400 docentes. Os resultados indicam que apenas uma pequena proporção dos mesmos alcançou o nível B2 (intermédio
avançado) em francês, e que as competências dos docentes
eram melhores na produção do que na compreensão. Por
outro lado, parece não existir uma relação forte entre os níveis
de estudos e da língua. Foram também observadas grandes
disparidades geográficas: em algumas zonas a maioria dos
docentes situa-se aquém do nível de independência definido
pelo CECRL.
➜ Na República Democrática do Congo, cerca de 300 pessoas
distribuídas por 4 locais passaram no Teste de conhecimento de francês. Foram observadas disparidades nos resultados,
nomeadamente segundo o sexo dos candidatos: 3 dos 4 locais revelaram melhores classificações para os homens do que
para as mulheres.
➜ No Senegal, os resultados obtidos no Teste de conhecimento de francês revelaram que os docentes possuem um nível
mais elevado na expressão do que na compreensão. Foram
também observadas grandes disparidades: por exemplo, os docentes com
uma formação inicial científica obtiveram melhores resultados nos testes
linguísticos do que os docentes com formação inicial literária.
Quer se destinem aos alunos ou aos docentes, as ferramentas de avaliação
padronizadas e elaboradas segundo uma metodologia apoiada nas normas
internacionais são verdadeiros instrumentos de monitorização dos sistemas
educativos. É assim aconselhável, a partir deste momento, acompanhar os
países no desenvolvimento dos seus próprios dispositivos de avaliação a
fim de sistematizar a recolha de dados e de proceder aos ajustamentos necessários para melhorar as políticas educativas n
11
A formação pedagógica e linguística,
inicial e contínua,
dos docentes para melhorar
os desempenhos da escola
Moderador: Ma-Umba MABIALA, Director da Educação e da Juventude, OIF
n
n
n
n
Maurice MAZUNYA, Director do CELAB, Universidade de Bujumbura, Burundi
Kadir Abdelkader GALY ADAM, Director do Instituto de Formação em Alfabetização e Educação Informal (IFAENF),
Niamey, Níger
Pierre DUMONT, , Especialista da OIF e da AUF, membro do Grupo de Especialistas da IFADEM e Coordenador do
Comité Científico e Internacional da Iniciativa ÉLAN-África
Manuela FERREIRA PINTO, Responsável do Departamento de Língua Francesa, CIEP
Os docentes estão “no centro do processo do ensino e da
aprendizagem”, refere na abertura Ma-Umba Mabiala. Contudo, no
contexto africano, observamos que existem poucos docentes funcionários
do Estado formados nas escolas superiores de educação. Com a melhoria
do acesso à educação, a necessidade de docentes foi colmatada com o
recrutamento de professores comunitários ou contratados: não receberam
qualquer preparação para o cargo de docente, muitas vezes não possuem
o nível de conhecimentos mínimos para ensinar e não dominam a língua de
escolarização. Neste contexto, parece complexo pedir-lhes que ensinem
matérias numa língua que não falam nem compreendem. A formação dos
docentes aparece então como uma das principais alavancas de melhoria da
qualidade da escola em África, mas não é suficiente. É também urgente implementar, segundo Pierre Dumont, “sistemas educativos bilingues ou multilingues de elevado desempenho” baseados nas línguas realmente faladas
pelos docentes, mas também pelos alunos, para melhorar a qualidade da
aprendizagem. Manuela Ferreira Pinto sublinha que “melhor formados, os
docentes saberão adaptar-se aos contextos específicos, ao plurilinguismo
e aos seus desafios. Aprenderão a considerar a diversidade das línguas na
sala de aula.”
À semelhança do Burundi ou do Níger, alguns países desenvolveram reformas de forma a enfatizar a formação pedagógica e linguística dos docentes.
➜ NoNiger, como em muitos outros países, o desenvolvimento de uma política linguística ao serviço da
educação foi primeiro aplicado ao sector informal.
Kadir Abdelkader Galy Adam explica que o IFAENF é
a única instituição na África francófona que fornece
formação nas línguas nacionais para o ensino nessas
mesmas línguas. Com base nessa experiência, o país
pretende agora aplicar estas técnicas de formação em
línguas ao sector formal. Trata-se de promover“uma
formação de docentes consistente e contínua para
que possam ensinar na língua materna mas também
em francês, língua que, necessariamente, não dominam”. A concretização deste objectivo passa pela
Maurice Mazunya
criação de novas escolas superiores de educação, a
apresenta o caso
melhoria dos programas e a utilização das TICE para a
do Burundi e
formação. Estas escolas deverão poder oferecer dois
Ma-Umba Mabiala.
tipos de formação: inicial e contínua.
12
Manuela Ferreira Pinto,
Kadir Abdelkader Galy Adam,
Maurice Mazunya, Ma-Umba
Mabiala, Pierre Dumont.
Mesa redonda - 28 de Março de 2014
“Era uma vez uma
escola em língua
estrangeira.”
Kadir Abdelkader
Galy Adam
➜ No Burundi, afirma Maurice Mazunya, foram adoptados uma nova política linguística e um novo plano de formação contínua dos docentes no
âmbito da reforma do ensino básico (9 anos de escolaridade para todos os
alunos – da primária ao ensino secundário – em relação aos 6 anos do sistema anterior). A política linguística do Burundi foi determinada pelo triplo
desafio de revalorizar a língua nacional (o kirundi) para fazer da mesma um
vector do desenvolvimento cultural do país, de instaurar um multilinguismo
funcional e de estar em conformidade com os compromissos e as recomendações internacionais. Para preparar melhor esta política e garantir o
seu êxito, o governo prevê, numa primeira fase, organizar os estados gerais
sobre o ensino simultâneo ou diferido das línguas. Depois, será necessário
definir claramente o perfil dos docentes da escola básica (monovalência
ou bivalência) e as novas formações iniciais que lhes serão propostas. Por
último, será preciso clarificar a utilização das línguas e as medidas de acompanhamento a fim de se caminhar no sentido da uniformidade na utilização
das línguas de escolarização (no público e no privado).
Para preparar e acompanhar os governos nestas reformas linguísticas, os
parceiros mobilizaram-se tanto a nível da investigação como da implementação de projectos. Pierre Dumont precisa que, inscrito na continuidade
do projecto LASCOLAF (As línguas de escolarização no ensino básico na
África Subsariana francófona), o programa ELAN trabalha, nomeadamente,
nas práticas pedagógicas, nas ferramentas metodológicas, nos currículos,
nos programas de formação e na avaliação dos docentes. Além disto, o
programa IFADEM (Iniciativa francófona para a formação à distância dos
professores) visa a melhoria das competências dos professores primários
em pedagogia e didáctica das disciplinas linguísticas e não linguísticas. Por
último, segundo a abordagem da alternância das línguas na sala de aula,
Manuela Ferreira Pinto expõe os métodos de acompanhamento dos professores para ensinar em francês propostos pelo CIEP. Entre outros, são
desenvolvidas abordagens baseadas nos princípios do francês como língua
estrangeira, a pedagogia dita EMILE (Ensino de uma disciplina através da integração de uma língua estrangeira) ou
o dispositivo de formação à distância denominado PRO
FLE para apoiar a formação contínua dos professores de
francês com uma abordagem pragmática que dá prioridade ao trabalho na sala de aula.
O sucesso das políticas linguísticas de escolarização
passará, inevitavelmente, pela formação pedagógica e
linguística dos docentes nas línguas nacionais, mas também em francês (ou qualquer outra língua internacional
de escolarização) para responder a uma “exigência de
qualidade, [para] reforçar o desempenho dos alunos, mas
também [para] contribuir para a diversidade linguística e
cultural do mundo e para um melhor entendimento entre
todos” (Manuela Ferreira Pinto) n
Intervenções de grande
qualidade enriqueceram
os debates e as trocas
de opiniões entre os
participantes.
13
Como optimizar os financiamentos
para que a educação tenha sucesso
num contexto multilingue?
Moderador: Roger PILHION, Director Adjunto do CIEP
n Luis RIERA FIGUERAS, Director, Desenvolvimento Humano e da Sociedade, Comissão Europeia
n A
glaia ZAFEIRAKOU, Especialista Sénior em Educação e Desenvolvimento Humano, PME
n
Adama OUEDRAOGO, Especialista Sénior em Educação, Banco Mundial
n
Christian BARRIER, Director do Desenvolvimento Humano, AFD
n Mary-Luce FIAUX NIADA, Conselheira Regional da DDC
Há mais de 10 anos, os doadores internacionais do sector da
educação para alcançar a educação primária universal em 2015. Infelizmente, este objectivo é muitas vezes concretizado em detrimento da qualidade. Por isso, aspecto constitui o principal objectivo pós-2015 a alcançar.
Em vista das várias experiências bem-sucedidas, a introdução de línguas
nacionais no ciclo primário aparece como um factor que influencia de forma positiva a qualidade da aprendizagem. São vários os doadores que já
comprometeram financiamentos para a implementação de projectos-piloto neste domínio e que desejam continuar a sua acção para além das
experimentações. Adama Ouedraogo afirma que “os países que desejam
implementar uma política de multilinguismo devem reflectir com os parceiros sobre uma estratégia global, limitada no tempo e financeiramente
sustentável. É preferível optar por uma abordagem global em vez de experiências ou projectos-piloto aos quais não é dada continuidade. Assim que
exista co-desenvolvimento e consenso sobre uma política, os doadores,
entre eles o Banco Mundial, estão preparados para investir e acompanhar
os países na sua reforma.” No âmbito da complementaridade da ajuda, os
doadores esforçam-se por financiar as acções respeitando as contribuições
de cada um e a capacidade de gestão dos ministérios. Por esta razão, as
suas abordagens podem variar.
A Parceria Mundial para a Educação (PME) financia grandes projectos em
vários países, que incluem componentes ligadas à melhoria da aprendizagem através das línguas nacionais ou oficiais. Aglaia Zafeirakou referiu que
para além do financiamento destes projectos, a PME impulsiona e coordena
acções comuns executadas com os seus parceiros (USAID, DFID, AFD, etc.).
Em conjunto, organizam encontros entre países africanos que partilham
esta vontade de utilizar as línguas vernaculares para melhorar a aprendizagem dos alunos.
A PME também financia acções de investigação no domínio do ensino em
línguas vernaculares. Como tal, foram atribuídos 33 milhões de dólares a
vários projectos, entre eles o ELAN, para produzir e partilhar o saber sobre a
questão da melhoria da qualidade da aprendizagem. A PME também apoia
a iniciativa da USAID para o desenvolvimento de uma rede de partilha de
experiências e de capitalização das acções eficazes para a melhoria da qualidade da aprendizagem e a utilização das línguas nacionais.
A União Europeia financia actualmente programas de política linguística
na África Subsariana e acompanha os actores que reflectem sobre estas
questões, como a Associação para o Desenvolvimento da Educação em
África (ADEA). Luis Riera Figueras explica que para o período 2014-2020,
serão investidos 4,5 mil milhões de euros em iniciativas ou projectos de
14
Os parceiros técnicos e
financeiros exprimiram a posição
das suas instituições sobre o
financiamento da educação num
contexto multilingue.
lí
Mesa redonda
A introdução das
línguas nacionais nos
sistemas educativos
deve inscrever-se
numa abordagem
sectorial.
28 de Março de 2014
educação e de formação profissional que integrem a ligação entre a escola
e a empregabilidade dos jovens e nos quais a questão das línguas seja tida
em consideração.
A abordagem da cooperação suíça (DDC) consiste em promover as iniciativas locais para que influenciem as políticas e que sejam integradas nos
orçamentos nacionais. Assim, Mary-Luce Fiaux Niada explica que a DDC
apoia em vários países de África as reformas do bilinguismo no sistema
educativo, em particular formal, através de apoios aos ministérios e às estruturas descentralizadas. Ao nível regional, o apoio é feito, em particular,
em prol das escolas superiores de educação e das direcções regionais da
educação para garantir a integração do bilinguismo nas estratégias de formação e para melhorar o acompanhamento pedagógico. A DDC contribui
também com um apoio considerável às organizações da sociedade civil que
conceberam ofertas de educação informal utilizando de forma sistemática
as línguas nacionais, tendo algumas destas experiências inspirado reformas
curriculares da educação formal em vários países da África Ocidental.
A Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) acompanha as políticas de
educação e tem em consideração a questão das línguas, apoiando a iniciativa ELAN. A AFD interessa-se, em primeiro lugar, pela aquisição de competências e pela inserção socioeconómica. Christian Barrier explica que a
questão do multilinguismo não se resume à problemática do domínio das
línguas locais e à sua utilização no início do ensino primário. Diz respeito
também, nos países francófonos, ao domínio do francês, tanto a nível dos
docentes como dos alunos, porque o objectivo primordial visado é a melhoria da qualidade da aprendizagem. Este problema também se verifica a
nível das empresas, que exigem soluções rápidas e concretas para contratar
pessoal qualificado que possa compreender orientações em francês, língua
de trabalho. A constatação é a mesma nos domínios da formação profissional e da inserção dos jovens no mercado de trabalho em geral.
Christian Barrier, Adama
Ouedraogo, Aglaia Zaferakou,
Roger Pilhion, Mary-Luce Fiaux
Niada e Luis Riera Figueras.
Por seu lado, o Banco Mundial, pode atribuir financiamento para o desenvolvimento do bilinguismo, apenas se o sector da educação constituir um
eixo prioritário da estratégia nacional de desenvolvimento do país e se o
desenvolvimento do bilinguismo se inscrever numa abordagem holística de
melhoria do sistema educativo no seu conjunto. Os investimentos do Banco Mundial na educação são também orientados pelo seu quadro estratégico (denominado “Aprendizagem para todos: investir nos conhecimentos
e competências das pessoas para promover o desenvolvimento”) que repousa sobre três princípios de acções:
investir antecipadamente, investir de
forma inteligente e investir para todos.
A introdução das línguas nacionais nos
sistemas educativos é uma iniciativa que os doadores estão preparados
para apoiar. Aglaia Zafeirakou sublinha
que estão disponíveis financiamentos
para apoiar os países no desenvolvimento do seu sistema educativo na
condição de que estes recursos permitam aos vários actores trabalhar em
conjunto para implementarem as actividades que funcionam e para obter
resultados concretos para a melhoria
da qualidade da aprendizagem n
15
Conclusão dos debates
François PERRET, Director do CIEP
n A introdução das línguas africanas nos sistemas educativos é uma vontade política e uma necessidade para melhorar a qualidade da educação
e para garantir a coesão social. Foi a esta conclusão que chegaram os
130 participantes oriundos de 24 países de África e as várias instituições de
cooperação francesas e internacionais presentes durante
estes dois dias de conferência.
Na direcção do
desenvolvimento de políticas
linguísticas nos sistemas
educativos.
Os vários exemplos de políticas linguísticas implementadas nos países africanos mostraram que esta vontade
não é nova e que já foi objecto de vários projectos-piloto
que produziram resultados muito satisfatórios. No entanto, uma vez que permanecem num estado experimental,
estes projectos ainda não foram alargados a nível nacional.
Estes dois dias de conferência permitiram trocar opiniões,
nomeadamente sobre os factores de sucesso das políticas
linguísticas e educativas realizadas à escala nacional. François Perret sublinhou que a criação de um ambiente letrado favorável, a exigência da formação linguística e pedagógica para os docentes, a adaptação dos programas,
dos conteúdos de ensino e da formação, e as modalidades de avaliação
dos alunos são factores a ter em consideração para garantir o sucesso das
políticas linguísticas e para melhorar o sistema em geral.
Os efeitos da educação primária universal já são visíveis. As proporções do
acesso à educação aumentaram de forma considerável e colocam-se hoje,
no ensino primário e pós-primário, questões importantes sobre a qualidade e a integração socioprofissional. De facto, as
avaliações dos alunos que iniciaram aaprendizagem
numa língua de empréstimo não tiveram resultados
convincentes. Por outro lado, aquelas conduzidas nos alunos de turmas bilingues demonstraram
que iniciar o ensino numa língua nacional é, pelo
contrário, um factor de sucesso.
Tendo em vista estes resultados, cabe aos governos elaborarem uma estratégia à escala do país para
a introdução das línguas nacionais no seu sistema
educativo. A implementação desta política poderá
ser objecto de financiamento externo. Na verdade,
os parceiros internacionais, que já concederam a
sua assistência às iniciativas no domínio do ensino
bilingue, estão preparados para reiterar o seu apoio
caso constitua uma prioridade para o país e se se
inscrever numa estratégia global de desenvolvimento. O sucesso desta reforma depende de um grande
número de factores e deve integrar-se num conjunto político e social mais alargado, não se limitando
ao sector da educação.
François Perret refere que não se deve limitar a
questão das línguas apenas ao domínio do educação, mas que devem ser consideradas como um
meio de desenvolvimento, como um factor não apenas de melhoria da
aprendizagem mas também de integração e de coesão social n
16
Discurso de encerramento,
François Perret.
AO SERVIÇO
DO FRANCÊS
E DA EDUCAÇÃO
NO MUNDO
Síntese da
conferência internacional
Esta conferência internacional foi organizada em parceria com:
■
Agence française de développement (AFD) (Agência Francesa de Desenvolvimento)
■
Agence universitaire de la Francophonie (AUF) (Agência Universitária da Francofonia)
■
■
■
Association pour le développement de l’éducation en Afrique (ADEA) (Associação para
o desenvolvimento da Educação em África)
Conférence des ministres de l’Éducation des États et gouvernements de la Francophonie
(CONFEMEN) (Conferência dos Ministros da Educação dos Estados e Governos da Francofonia)
Direction du développement et de la coopération de la Confédération suisse (DDC)
(Direcção do Desenvolvimento e da Cooperação da Confederação Suíça)
■
Ministério dos Negócios Estrangeiros
■
Organisation internationale de la Francophonie (OIF) Organização Internacional da Francofonia)
■
Partenariat mondial pour l’éducation (PME) Parceria Mundial para a Educação)
CIEP - Serviço do Desenvolvimento e da Comunicação - Maio 2015
Com a participação de:
■
Banco Mundial
■
Comissão Europeia
■
UNESCO
www.ciep.fr
O sucesso da educação em África: o desafio das línguas
CIEP, 27-28 Março de 2014

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