Quando um conceito é inventado a partir de um olhar parcial ou
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Quando um conceito é inventado a partir de um olhar parcial ou
XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 GOVERNO ELETRÔNICO: O QUE SE DEVE E O QUE NÃO SE DEVE FAZER Roberval de Jesus Leone dos Santos _____________________________ Mención Honorífica INTRODUÇÃO A tecnologia da informação e da comunicação, o processo de difusão das novas mídias e as políticas de Governo Eletrônico em andamento ou que estão sendo planejadas pelos governos conduzem, primeiro, a uma profunda reflexão teórica sobre os conceitos que devem ser abandonados ou estabelecidos a partir do escasso material disponível sobre o assunto e dos insipientes resultados alcançados por algumas iniciativas governamentais e, segundo, conduzem, a partir dos primeiros marcos analíticos e empíricos disponíveis, a uma tentativa de listar recomendações elementares que deve o bom governo observar, se desejamos que o Estado faça o possível com os recursos limitados de que este dispõe e aumente ou diversifique a sua relação com a sociedade, promessa declarada pelos meios contemporâneos de interação eletrônica, notadamente a internet, mas sem garantias de se cumprir. Este ensaio, diante da natureza eminentemente nova do tema, pelo menos como é abordado nos debates que hoje tomam corpo, e diante das limitações dos materiais que circulam dentro e fora das academias, persegue esses dois pontos até onde conduzem os três elementos inicialmente mencionados, expondo as diferentes visões analíticas existentes, mas também optando pelo entendimento que parece mais razoável a partir da análise do fenômeno como um todo, sem, contudo, declarar fechadas as alternativas indicadas pelas análises existentes e pela boa vontade dos governos em relação às suas ambições, muitas delas inviáveis. O primeiro capítulo investiga as origens históricas e os condicionantes do Governo Eletrônico, bem como as categorias analíticas que geraram o uso do termo. Abordam-se, ainda, as causas que têm levado o Estado a incorporar formas de Governo Eletrônico, as opções que os governos têm de fazer e a situação dos projetos no mundo, em uma perspectiva sintética dos dados mais recentes. Finalmente, o capítulo discute o fundamento racional do Governo Eletrônico concernente aos ideais institucionais e administrativos que devem anteceder e dirigir os meios novos oferecidos pela tecnologia, bem como as variáveis que determinam o Governo Eletrônico ótimo. O segundo capítulo aborda as formas mais significativas de Governo Eletrônico, apontando os elementos institucionais que devem estar presentes junto às práticas particulares e os requisitos técnicos pertinentes, impossível de não serem relacionados, embora o contexto técnico em si seja o menos importante neste ensaio. O capítulo é ilustrado com casos brasileiros e estrangeiros, levando em conta mais o que não deu certo do que o que deu certo nas experiências, porque, neste assunto, o contra-exemplo parece ser mais útil do que o exemplo, pois é fácil entender que a natureza do Governo Eletrônico, pelos recursos vultosos de que necessita na implementação e pela redução de custos, economia de escala e aumento da qualidade que promete no âmbito do Estado em longo prazo, implica, por sua vez, grandes prejuízos nos desacertos1. O capítulo encerra-se com a descrição de três exemplos de boas práticas de Governo Eletrônico. Finalmente, o terceiro capítulo conclui o ensaio e lista algumas recomendações aos governos, derivadas de experiências já conhecidas de Governo Eletrônico e de orientações dos analistas. CAPÍTULO I – Fundamento histórico e racional do Governo Eletrônico 1. Conceito usual de Governo Eletrônico: um sucessor lógico do conceito usual de globalização Não é possível abordar Governo Eletrônico sem recorrer às polêmicas levantadas pelos termos do momento, como globalização e sociedade da informação, dentro das quais o papel do Estado – ou a capacidade que ele possui, baixa ou alta, esta é a questão –, como ente que reage às mudanças e aos interesses de inúmeros grupos é um dos temas centrais. A discussão estabelecida neste ensaio está, pois, XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 condicionada pela tensão provocada pela chamada globalização e pela chamada sociedade da informação. Quando um conceito é inventado a partir de um olhar parcial ou particular sobre a realidade recente ou a partir de dados sociais e econômicos que expressam um curto período de tempo, diferentemente de um conceito surgido da intervenção científica dos analistas a partir de dados validados pelo tempo ou surgido da análise histórica de longo curso, é natural que, se tornado hegemônico, resista à refutação e ao combate exaustivo. Assim ocorreu, por exemplo, com o conceito de globalização, predecessor e indutor do conceito usual de Governo Eletrônico, a qual é considerada para muitos, ainda hoje, uma novidade ou um movimento que supera em importância a própria base causal sobre a qual repousa e que não somente, na realidade, admite a certeza de que é um movimento antigo e próprio do capitalismo, como também admite a dúvida sobre a natureza que vulgarmente ou aparentemente lhe é atribuída em relação à sua natureza verdadeira, sobretudo quando se trata de mensurar a real capacidade do Estado quanto à relutância em sucumbir à nova ordem. Portador de uma visão cética em relação ao conceito usual, explica Batista Jr. (1998) que de um ponto de vista histórico, 'globalização' é a palavra da moda para um processo que remonta, em última análise, à expansão da civilização européia a partir do final do século XV. (...) Esse antigo processo de internacionalização e de criação de um mercado de alcance mundial foi lançado pela colonização, tendo resultado em ampliação das desigualdades entre os países colonizadores e os demais. Por outro lado, convergindo para um entendimento afinado com o discurso usual, explica Castells (2000), de modo categórico, que a capacidade instrumental do Estado-nação está comprometida de forma decisiva pela globalização das principais atividades econômicas, pela globalização da mídia e da comunicação eletrônica e pela globalização do crime, ao passo que, novamente, Batista Jr. (1999), ressaltando o perigo do uso continuado de conceitos diletantes, afirma que a ‘globalização’ é, em larga medida, um mito. Um exame detido dos dados macroeconômicos internacionais revela haver mais mito do que realidade na chamada globalização deste final do século XX. (...) A expansão internacional das atividades econômicas nos últimos 20 ou 30 anos não tem a abrangência, nem a novidade e nem a irreversibilidade que geralmente lhe são atribuídas, e mostra, a partir de dados consolidados, que a atuação do Estado, ao contrário, só tem aumentado (Batista Jr., 1998): o predomínio ideológico do chamado neoliberalismo (...) não chegou a modificar de maneira significativa e duradoura a dimensão do Estado na grande maioria das economias desenvolvidas. Não chegou sequer a interromper a tendência de aumento do peso do governo, medido por indicadores agregados, como a relação entre a despesa e a receita públicas e o PIB. Como se não bastasse, há, ainda, um meio termo sobre o entendimento do assunto, isto é, perante um momento de alta indefinição quanto à verdadeira essência das mudanças que se denominam globalização e de ignorância acerca das alterações tecnológicas e organizacionais que esta traria em seu bojo, talvez fosse o momento de em vez de questionar a “nova ordem”, sobretudo para os países que carregam o peso de vítimas das hegemonias, aproveitar o caráter “’indefinitivo’” dessas mudanças e “melhor integrar-se no mercado e na sociedade globais ainda em gestação, não como simples consumidor passivo e resignado, mas como parceiro respeitado, agente, autor e ator atuante” (Elhajji, 1999). Na mesma ordem de idéias, surge o conceito de sociedade da informação, abordado a seguir, que se reveste mais de inspiração de ideais e de especulações sobre a ordenação atual das formas de transmissão da informação e da comunicação mediante instrumental tecnológico, do que de uma realidade que invadiu e beneficiou a todos os integrantes da sociedade. 2. Sociedade da informação: pondo o conceito na arena Parece ser insensato falar de Governo Eletrônico sem falar de sociedade da informação. São categorias ou termos altamente correlacionados, de maneira que, de um lado, este está inserido naquela, donde Governo Eletrônico não se reduz, enquanto usuário de meios, somente à internet, mas também abrange formas de interação entre cidadãos e governantes ou entre sociedade civil e Estado, reforçando o controle social. Parece claro que sociedade da informação é um conceito que surgiu na década de 90 coincidindo com três fatos históricos fundamentais: primeiro, a extinção da dicotomia entre os Estados Unidos e a 2 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 União Soviética, elevando aquele país a orientador e responsável pela agenda geopolítica e econômica de um mundo cada vez mais interdependente e economicamente dividido; segundo, a reestruturação da economia capitalista no que respeita à “flexibilidade de gerenciamento”, diminuição do impacto dos já declinantes movimentos das forças produtivas e “diversificação cada vez maior das relações de trabalho”, com forte tendência à dependência de agentes não humanos na mediação da produção de mercadorias e, terceiro, desmonte final do Estado de bem-estar social tal como havia sido concebido, assumindo orientações e intensidades novas, mais adequadas às novas exigências do mercado e aos recursos obtidos junto à sociedade (Castells, 1999). Esses três fatos condicionaram de um modo geral a intensificação da construção de uma information infra-structure, da qual os Estados Unidos foram os pioneiros, no sentido de espalhar uma “plataforma de computação/comunicação e um conjunto de serviços genéricos de suporte a aplicações” (Brasil, 2000), de modo a viabilizar as ondas perturbadoras que decorreram desses fatos, isto é, o espalhamento na linha de produção de equipamentos e ferramentas de forma e conteúdo leves e baratos (meios de produção digitais), a fluidez da produção em nível mundial, a exploração de mercados antes incipientes nas décadas passadas, a gestão do capital, o fluxo de informações que carregam decisões de Estado e de mercado, bem como “a distribuição de palavras, sons e imagens” (Castells, 1999) das culturas hegemônicas, que, possivelmente, tendem a diluir ou eliminar as culturas que não têm como sobreviver ao impacto do ferramental novo das mídias que se manifestam nas redes interativas. Some-se a isso o fato de que até o ano de 1973 ter ficado bem claro que o modelo fordista, quanto à organização técnica da produção de mercadorias e de prestação de serviços, adotado amplamente pelas organizações produtivas e pelas instituições da administração pública, bem como o modelo keynesiano, o qual pressupõe forte intervenção do Estado nas políticas de curto prazo, não mais vinham conseguindo rearranjar, como vinham fazendo até ali, as “contradições inerentes do capitalismo”, conferindo cada vez mais rigidez ao invés de flexibilidade ao sistema como um todo. Esse problema material decorrente de uma alternativa que, embora tenha mantido a acumulação de maneira satisfatória até ali, não mais vinha doravante correspondendo aos “investimentos de capital fixo de larga escala e de longo prazo” evidentemente intensos, trazia à superfície “uma configuração indomável e aparentemente fixa de poder político e relações recíprocas que uniam o grande trabalho, o grande capital e o grande governo no que parecia cada vez mais uma defesa disfuncional de interesses escusos definidos de maneira tão estreita que solapavam, em vez de garantir, a acumulação do capital” (Harvey apud Lastres, 1999). Parece lógico, pois, concluir que a natureza de tratamento que veio sendo dada à informação e à comunicação, em relação a outros fatores da produção, é evidentemente semelhante à relevância que se deu a alguns fatores da produção por ocasião da revolução industrial (como a máquina a vapor, a absorção paulatina das tarefas manuais pelas máquinas ou as técnicas de padronização e refino dos procedimentos de produção de bens), os quais respondiam a demandas da acumulação, de modo que a revolução da informação parece ser uma “resposta encontrada pelo sistema capitalista para o esgotamento de um padrão de acumulação baseado na produção em larga escala de cunho fordista, utilização intensiva de matéria e energia e crescentes problemas ambientais”, conduzindo a um “regime de acumulação relativamente mais flexível, ou melhor, que se apóia em novas bases, as quais oferecem alternativas e possibilidades de crescimento”, transferindo-se “parte do trabalho do cérebro, e não dos músculos [(tarefa da revolução industrial)]” às “máquinas” (idem, 1999), embora a produção de mercadorias ainda hoje dependa fundamentalmente da força de trabalho humana. Além disso, essa revolução tem não só caráter setorial, como também se restringe bastante aos países desenvolvidos, pois ainda são os meios de produção herdados das décadas anteriores os responsáveis por boa parte do montante produzido no resto do mundo ou na maioria dos setores da produção: o trabalho duro, em vez de recuar, parece, amplamente, tornar-se ainda mais dramático; enquanto para uma menor parte dos trabalhadores é sempre possível produzir mais e melhor como menos horas trabalhadas, para muitos (...) é mister trabalhar ainda mais para obter ou manter os mesmos salários, cuja tendência de decréscimo é geral (Demo, 2000). Nesse contexto, o conceito fraco de sociedade da informação surge de uma “resposta da União Européia ao desafio lançado pelos Estados Unidos com a NII2 e, em seguida, com a GII”, consistente no 3 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 esforço que se devia fazer no sentido de tornar a infra-estrutura informacional um meio capaz de envolver “aspectos multiculturais e multilinguísticos com uso social da tecnologia”, isto é, a tecnologia como propulsora dos tráfegos e da distribuição de informações e como catalisadora das comunicações não deveria fugir a determinadas regras sociais, como originalmente desejavam os Estados Unidos, de acordo com sua ênfase, de tornar as aplicações “livres, irrestritas, do jeito que os usuários quisessem”, e nem mesmo deveria ser um fim em si mesma, mas fazer parte de um sistema no qual fosse mediadora da informação enquanto bem social e facilitadora da execução de políticas públicas (Brasil, 2000). O conceito fraco é bem captado por Phipps (2000) ao definir sociedade da informação como um “conjunto de meios pelos quais nos comunicamos e trocamos informações eletronicamente nas nossas modernas comunidades usando uma variedade de equipamentos em várias aplicações, [meios esses que] incluem o uso de telefones [fixos], telefones celulares, fax, computadores, internet, world wide web, email, comércio eletrônico, CD-ROM, multimídia, videoconferência, quiosques de informação touchscreen, smart cards, TV digital ou a cabo com caixa de controles set-top, a auto-estrada da informação” com fins sociais. Como se vê, o conceito fraco nasce já em um forte contexto ideológico, conseqüentemente contraditório, com o Estado, seja como indutor, seja como observador do mercado, no centro do debate, pois de um lado está o entendimento, próprio do mercado ou dos interesses da produção, de fortalecer a infra-estrutura independentemente do fim a que se propõe, sobretudo se essa infra-estrutura é absorvida por grandes compradores como o Estado3, acirrando, aí, a luta de interesses entre fornecedores, e, de outro lado, o entendimento político segundo o qual a tecnologia deve ser escrava do objetivo social da informação4. Assim, o conceito fraco admite uma tendência inicial de que a sociedade da informação tinha um forte viés econômico e que, hoje, possuiria, na realidade, um outro sentido, voltado para uma economia informatizada, mas com forte orientação social ou regulação por parte do Estado. No mesmo sentido é introduzido o termo sociedade do conhecimento, que muitos confundem com sociedade da informação, mas que tem dimensão mais ampla do que o primeiro. O termo repousa em uma problemática semelhante à do termo sociedade da informação no que se refere ao uso social do bem em questão, no caso, o conhecimento. De acordo com Gunther Cyranek, consultor regional da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO para a África Subsaariana na área de informática e telemética, a base de conhecimento para a futura economia do conhecimento está sendo desenvolvida, em grande escala, através de instrumentos de financiamento de natureza pública, como universidades e fundos de pesquisa, enquanto a aplicação do conhecimento para desenvolver produtos tornou-se, principalmente, uma preocupação da indústria privada. Embora seja verdade que indústrias realizam, cada vez mais, a pesquisa para seu próprio produto, é também verdade que as instituições públicas produzem os pesquisadores e que os institutos acadêmicos públicos continuam a ser fonte de conhecimento. Então, quem deveria ter posse sobre o conhecimento? (...) O desafio reside em definir novos conceitos e modelos para, ao mesmo tempo, promover o bem-estar público comum, incentivando as iniciativas privadas, e proteger os interesses econômicos corretos (Cyranek, 2001). De acordo com essas idéias, os governos devem fazer a regulação e implementar modelos administrativos que permitam o desmonte das barreiras políticas que ainda impedem a disseminação da informação e da comunicação. Os desafios estão menos ligados à própria tecnologia da informação e da comunicação em si, enquanto técnicas, do que às escolhas que devem ser feitas pelos governos, à captação inevitável das parcerias que devem fazer parte do processo, ao desafio de meditar sobre a quase irremovível exclusão social nos seus vários aspectos e ao arcabouço normativo que deve seguir aos consensos e à resolução provisória dos interesses envolvidos. Finalmente, o conceito fraco de sociedade da informação tem forte tendência otimista, porque admite a existência, de fato, de uma sociedade da informação, como entidade mesma, como uma categoria real que perpassaria, ainda que em tese, todas as camadas sociais e porque acredita no sentido libertador ou emancipável e, talvez, redutor de certos parâmetros sociais desagradáveis, das mídias novas, sobretudo se o Governo Eletrônico, de fato, toma a forma de ente garantidor do exercício da cidadania de forma mais capilar e universal. Um ponto de vista mais cético surge com o conceito forte de sociedade da informação, que, em 4 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 lugar de atingir a performance política e otimista do conceito fraco, bem como as esperanças quanto ao controle efetivo dos meios tecnológicos da informação e da comunicação mediante regulação do Estado, assimila imediatamente a problemática econômica, antes de qualquer supervalorização do aspecto tecnológico, uma vez que se deve reconhecer que o terreno no qual se contextualiza a discussão é e sempre será a formação social capitalista, com suas conhecidas capacidades ampliadas de assimetrias, distribuição multipolar de poder e sentido circular de produção e reprodução incessante de mercadorias para apropriação de excedentes, “ainda que [essa] dinâmica esteja marcada por outro momento histórico, no qual a produção e o uso intensivo de conhecimento se tornaram a mola mestra” (Demo, 2000). De acordo com Schwartz (2001), o conceito forte tem como premissa uma espécie de “pessimismo ou ceticismo teórico”, o qual já está presente na literatura sociológica e repousa na resolução das seguintes questões: há uma sociedade da informação ou essa é apenas uma categoria ideológica? Até que ponto, de fato, a sociedade da informação existe para todos com esse arsenal de possibilidades que todos dizem que ela possui? Na verdade, segundo o autor, essa análise mostra que a tecnologia da informação, como foram outras tecnologias, é apenas um conjunto de ferramentas que serve para reforçar o que já haviam encontrado. É por isso que tecnologia da informação em si mesma, de acordo com o autor, como material, quando colocada à disposição do público pelos governos, é inútil sem capacitação dos usuários potenciais5; sem que os governos se apropriem dos meios e dêem uso social aos mesmos e sem fazer a elite incorporar-se ao processo e disseminar a informação, que continua apropriada; do contrário, qualquer esperança de melhoria é frágil. O autor cita como exemplo as ações do governo federal brasileiro em relação à implementação do Governo Eletrônico, consideradas isoladas, onde cada agente público discute em seus nichos ações relacionadas com tecnologia da informação e da comunicação sem que haja integração, e com forte viés favorável aos interesses de empresas e corporações, como a introdução da televisão digital no Brasil, que vem sendo planejada pela Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, por trás da qual está um poderoso lobby6. Outro problema suscitado pelo conceito forte de sociedade da informação refere-se à desconfiança em relação à sua capacidade de favorecer utopias. Na verdade, dependendo do tipo de uso que dela se faz e do grau de regulação alcançado, o arsenal tecnológico, como a internet, a televisão digital etc. pode tanto facilitar quanto obstruir o aumento de interatividade entre os usuários ou diálogo autêntico, denotado por Schwartz (2001a) pelo termo de conectibilidade, nunca garantir que ocorra. E se não ocorrer, segundo o autor os indivíduos que usam os meios eletrônicos ou as mídias serão tão-somente seus escravos, cômputos de uma simples “planilha de marketing estratégico”, imersos em um sistema dirigido com finalidades incertas como personagens de cenários semelhantes aos de Orson Wells Schwartz (2001b). Não só o aspecto econômico está inserido no conceito forte antes apresentado, mas também uma reflexão sobre a informação em relação ao poder que ela efetivamente possui, sobretudo quando se trata de meios de acesso a ela, que podem fluir em canais privilegiados de gestão dos negócios públicos em função de interesses de mercado. Assim é que, de acordo com Cardoso, Bemfica e Reis (2000), focalizada a partir do acesso à informação governamental, a transparência/opacidade informacional requer que se considere a diversidade de possibilidades de formulação de demandas ao Estado pela sociedade civil. Se há, por um lado, cidadãos, ou grupos deles, que se encontram em posição privilegiada, seja em função de sua classe social, seja porque são representados por grupos fortemente organizados cujos integrantes dispõem de meios informais de acesso às esferas de decisão governamental, há, por outro, aqueles para quem o aparelho burocrático estatal é tão distante e complexo, que sequer se reconhecem como portadores de direitos e, em especial, do direito à informação. A sociedade da informação tal como está posta, portanto, necessariamente faz os analistas refletirem, em relação ao Estado como produtor contumaz de informação, mas também ente suscetível de abuso no uso deste valor, sobre a complementaridade maligna entre a “opacidade informacional”, que se transforma em um estratagema de poder que é pertinente à maneira pela qual os mecanismos da tecnocracia e da burocracia são ativados na gestão da informação, e sobre a apreensão da informação, resultante do sistema de comunicação informal paralelo ao sistema de comunicação oficial do governo ou 5 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 “das estruturas de gestão da informação permeáveis aos agentes com penetração política ou administrativa, constituindo uma transparência informacional diferenciada e restrita, internamente à máquina, aos diferentes setores e, externamente, aos grupos sociais privilegiados” (idem, 2000). Contudo, a certeza sobre a necessidade de se ter cautela em relação à promessa dos frutos que traria a sociedade da informação e a incerteza sobre o seu verdadeiro alcance ou impacto têm, pelo menos, a vantagem de dar aos governos uma oportunidade de investigação aprofundada da situação e criar condições novas que suportem os desafios envolvidos. 3. Conceito usual de Governo Eletrônico Como se depreende das análises acima elaboradas, a tensão provocada pelo conceito mais conhecido de globalização e pelo apelo mais otimista do conceito de sociedade da informação leva a que todos tenham idéia do conceito usual de Governo Eletrônico, porque, de um lado, a globalização, se efetivamente possui toda a força que muitos autores lhe conferem, de fato, obriga os Estados a terem de se ajustar a um momento crucial de redefinição do papel de cada um no plano global e no plano interno, determinando ajustes fiscais, aumento da presença formal junto aos cidadãos com menos espírito providencial do que indutor de ações; de outro lado, a sociedade da informação, tal como declara o seu conceito fraco, determina que o Estado aceite o desafio de assumir sua capacidade regulatória e ponha rédeas sobre os meios de comunicação e sobre os meios eletrônicos em benefício seu – para sua própria gestão – e em benefício do cidadão – aumentando o grau de satisfação dos governados no uso dos serviços e tornando possível o acesso a todos esses meios. O conceito usual de Governo Eletrônico foi concisamente elaborado por Gartner Group (2000): [Governo Eletrônico é] a contínua otimização de oferta de serviço, participação do eleitorado e governaça mediante transformação de relacionamentos internos e externos com uso da tecnologia, da internet e da nova mídia. Assim, esta definição amigável significa, o mais proximamente da realidade, longe, pois, das utopias, que Governo Eletrônico é o uso da tecnologia da informação e da comunicação para promover maior eficiência e maior efetividade governamental, facilitando o acesso aos serviços públicos, permitindo ao grande público o acesso à informação, e tornando o governo mais accountable para o cidadão. Porém, o Governo Eletrônico não é um atalho para o desenvolvimento econômico, o salvamento orçamentário ou a eficiência governamental. O Governo Eletrônico não é o Big Bang, um único evento que imediatamente e para sempre altera o universo do governo. O Governo Eletrônico é um processo – chamado evolução – e também um grande esforço que apresenta custos e riscos financeiros e políticos. Esse risco pode ser significativo. Se não forem bem conceituadas e implementadas, as iniciativas de Governo Eletrônico podem desperdiçar recursos, falhar em sua promessa de entrega útil de serviços e, assim, aumentar a frustração com a administração pública por parte do cidadão. Particularmente nos países em desenvolvimento, os recursos são escassos, de modo que o Governo Eletrônico pode ter como alvo áreas com alta chance para sucesso e produzir ganhos. Além disso, o Governo Eletrônico nos países em desenvolvimento pode acomodar certas condições únicas, necessidades e obstáculos (Pacific Council on International Policy, 2002). O Governo Eletrônico é reconhecido mediante formas, tipos de relacionamento e estágio de integração pelos quais se manifesta. As formas de Governo Eletrônico, algumas das quais comentadas no capítulo dois deste ensaio, são a manifestação mais explícita, porque concretizam os diferentes tipos de relacionamento que o Governo Eletrônico engendra, indo de um simples centro de atendimento ao cidadão (callcenter), passando por um portal corporativo governamental (workplace) até um quiosque de autoatendimento. Os tipos de relacionamento de Governo Eletrônico são cinco, de acordo com Hiller e Bélanger (2001): 1. Governo prestando serviços aos indivíduos (G2IS). Neste tipo de relacionamento o governo estabelece maneiras de prestação de serviços ou de benefícios para os cidadãos, quando, por exemplo, é requerido um direito na agência de seguro social ou quando é solicitada uma informação para processar um benefício; 6 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 2. Governo com os indivíduos como parte do processo político (G2IP). Esse é o relacionamento entre o governo e seus cidadãos como parte do processo democrático. A votação on-line e a participação em pesquisas durante um processo de regulação são alguns exemplos; 3. Governo com os negócios no portal de compras (G2BMKT) e diretamente com o cidadão (G2BC). Trata-se do relacionamento do governo com os fornecedores (pessoas físicas e jurídicas), no qual as oportunidades de negócios no âmbito do Estado são exploradas, e com cidadãos que podem pagar por serviços especiais, em que a iniciativa privada pode participar como intermediária para a oferta de serviços que podem ser cobrados dos cidadãos (concessões e permissões); 4. Governo com agentes públicos (G2E). Este relacionamento se dá entre as agências governamentais e seus empregados ou servidores. Isso pode ser feito, por exemplo, mediante uma intranet que provê informações para seus empregados; 5. Governo com governo (G2G). Trata-se do relacionamento entre agências do governo colaborando umas com as outras em nível central e local, bem como com governos estrangeiros. Segundo os autores (idem, 2001), o governo pode usar diferentes níveis de tecnologia de sofisticação no desenvolvimento potencial do Governo Eletrônico. Diante disso, têm sido identificados cinco estágios de Governo Eletrônico, adiante listados do nível menos evoluído para o mais evoluído: 1. Informatização. É o estágio mais rudimentar no qual pode estar o Governo Eletrônico em um ambiente governamental, em que o governo simplesmente põe informações em um website. Uma mudança neste estágio se estabelece quando as informações tornam-se acessíveis, acuradas e disponíveis durante todo o tempo; 2. Comunicação em duas vias. Nesta etapa, os sítios governamentais possuem um canal de comunicação com os governados por meio, por exemplo, de e-mail. A maioria dos países em desenvolvimento se encontra nesta fase, ainda longe de passar para o estágio de transação. 3. Transação. Neste estágio, o governo tem sítios mediante os quais é possível efetuar transações com os governados. Indivíduos interagem com o governo e fazem transações totalmente on-line, sobretudo em pontos de auto-atendimento. Esta é a fase para a qual tende o Brasil atualmente. Embora já possua um portal que integra os serviços e informações existentes7, com aproximadamente 1400 serviços e 21000 informações dos governos federal e estadual, nem todos os serviços encontram-se na forma de transações, logo nem todos estão integrados, meta que está sendo perseguida, mas que ainda não se cumpriu. 4. Integração. No estágio de integração, todos os serviços estão na forma de transação e estão integrados. Não somente entre as diferentes esferas de um mesmo poder, mas também entre os poderes, eliminando toda a cadeia formal que a estrutura hierárquica produz. Isso pode ser conseguido mediante um portal único pelo qual os governados podem ter acesso a todos os serviços já na forma de transação; 5. Participação. Nenhum país alcançou na plenitude tal estágio, exceto alguns governos locais de um mesmo país. Alguns sítios oferecem votação on-line ou formas interativas semelhantes que apenas mostram que o governo está na fase de comunicação em duas vias. Esta fase se caracteriza pela generalização dos procedimentos de participação política nas decisões por meios eletrônicos que oferecem privacidade e segurança ao cidadão. Um outro ponto de vista, adaptado da abordagem de Anátocles (2002), permite dividir os estágios de Governo Eletrônico em dois enfoques. O primeiro refere-se ao valor que é gerado com a oferta de serviços, o segundo refere-se ao grau de escopo dos serviços. Quando os serviços são simplesmente convertidos da forma convencional para a formal transacional, usando meios eletrônicos, ainda que leve em consideração a revisão de toda a cadeia do serviço para eliminar entraves e simplificar procedimentos, significa que o Governo Eletrônico está na fase básica, cujo pré-requisito é a informatização completa da administração (Protogoverno Eletrônico). O valor de cada serviço só começa a aumentar efetivamente, fazendo evoluírem os estágios, na medida em que o cidadão já possua perfil próprio e dados históricos armazenados nos sistemas e a interação entre os dois lados é conseguida, e na medida em que o retorno do demandante altera a performance do próprio serviço. Por outro lado, quando os serviços são oferecidos em meios eletrônicos, mas de forma desintegrada e sem levar em consideração a multiplicidade e correlação entre os serviços, o estágio do escopo dos serviços ainda é básico, sendo alcançado o nível de excelência quando todos os órgãos estão integrados 7 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 nas diferentes esferas e poderes da administração pública. Finalmente, quando o Governo Eletrônico atinge o ápice do valor e do escopo de serviços significa que ele está focado no cliente, personalizado para qualquer cidadão e indefinidamente apto a integrar novidades. 4. Causas que têm levado o Estado a integrar formas de Governo Eletrônico O Estado, desde a década de 70, não vem conseguindo ser tão providencial em relação ao atendimento das demandas cada vez maiores e heterogêneas da sociedade (Banco Mundial, 1997). Não somente o contingente de exclusão vem aumentando, mas também a diversidade de interesses domésticos e a realidade dos interesses externos vêm sugando sua capacidade resolutiva, de maneira que parece razoável sustentar que o Governo Eletrônico nada mais é do que um movimento de absorção compulsória pelo Estado de uma série de mecanismos arrojados de re-oferta de serviços, interações sofisticadas com os grupos com os quais deve negociar e gestão interna de novo tipo, a fim de não somente melhorar a sua solvência, aumentar a sua presença formal e, pelo menos em tese, tornar mais rápida, capilar e densa a sua ação junto aos governados, mas também socorrer mediante subsídios ou incentivos, os agentes econômicos que ainda não possuem instrumental tecnológico para participarem de modo competitivo na venda de produtos e os agentes portadores desse instrumental, que dependem de modo substantivo da demanda dos governos por ferramentas eletrônicas ou por recursos humanos capacitados. Assim, o Estado vem integrando formas de Governo Eletrônico não de maneira original, voluntária ou como se partissem de si mesmo – prova disso é que as formas interativas surgiram originalmente no mercado, embora com forte esforço do Estado em termos de incentivo à pesquisa de inovação tecnológica e de trânsito da informação –, mas devido a razões necessárias semelhantes àquelas que, também, no passado, determinaram a integração ao seu escopo das formas de provisão do bem-estar, das formas de comunicação ou das formas de participação dos governados na escolha dos agentes do poder, como durante as ondas democráticas. O entendimento sobre tudo aquilo a que se chama atualmente de Governo Eletrônico não pode ser, pois, separado de uma análise de longo período do próprio Estado em relação à sua posição nas formações sociais dos últimos duzentos anos e de suas três tarefas imanentes: 1. dispor de uma máquina pública que preste serviço à sociedade, geralmente não toda ela, de modo não somente variegado, como também contraditório, devido aos interesses a que precisa submeterse na provisão de bens e serviços, na manutenção de consensos e na transmissão das diretrizes dos grupos de controle junto aos grupos subalternos; 2. representar a guarda e a distribuição dos direitos e deveres nominais dos governados; 3. prestar assistência à tensão permanente entre soberania e interesses externos. Essa origem peculiar do Governo Eletrônico, um pouco diferente da origem que normalmente lhe atribuem o senso comum e a percepção parcial da realidade, parece diminuir sua importância e desativar seu próprio surgimento. Muito ao contrário, antes o torna relevante, porque os aspectos que toca, como a posição do Estado em relação às mídias, o controle da sociedade em relação à intermediação de interesses junto às suas hierarquias decisórias e aspectos semelhantes obriga o tema a ser necessariamente integrante da agenda de todos os governos. A importância do tema e a preocupação que devem os governos ter com essa novidade são ilustradas por Eisenberg (2001) em relação à internet, o meio mais visível de Governo Eletrônico. De acordo com o autor, sem dúvida que ela produz e acentua a exclusão. Contudo, se em todos os locais não se refletir sobre essa mídia no que se refere a como fazê-la funcionar de modo público e universal pode acontecer o mesmo que ocorreu com a televisão, na década de 50 – quando o mundo não parou para refletir sobre suas conseqüências –, a qual, hoje, está monopolizada, pelo menos no Brasil e em boa parte dos países latino-americanos, que são reféns de uma única alternativa de mídia de entretenimento. É preciso, pois, de acordo com o autor, pensar como se apropriar da internet, sem abandonar os ideais de mercado e de democracia. Desse modo, a reflexão teórica sobre o Governo Eletrônico, não pode fugir da resposta às questões 8 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 levantadas por Eisenberg (2001): quais os problemas políticos dos atributos técnicos dos meios de informação e de comunicação? A tecnologia não é neutra, pois dela fazem uso diferentes grupos; como o Estado deve regular a manipulação das mensagens ou dos conteúdos disponíveis nas mídias que medeiam a prestação de serviços e que fixam o que deve ser percebido pelos consumidores? Não somente isso permeia a relevância do tema, mas também um aspecto do panorama recente, já que a história da internet e da democracia eletrônica é instrutiva e incita à prudência. Em boa medida, o entusiasmo e a esperança de novas formas de democracia e participação cidadã na vida pública recorda muito o transbordante entusiasmo a que deram lugar as possibilidades da televisão em seus primeiros anos. Ainda não sabemos se o potencial que oferece a internet será realidade ou não (Fundación COMNET-IT, 2000). Reforçando a posição de Eisenberg (2001), pergunta-se Fundación COMNET-IT (2000) se esta mídia não se transformará, como se transformou a televisão, em “um árido deserto com somente um pequeno oásis de excelência”. Essa é uma dúvida importante, pois há o risco de que a internet acabe dominada, se não já está, por interesses de umas poucas grandes corporações ou rebaixada a uma regulamentação oficial que censure ou bloqueie as liberdades que oferece a tecnologia nova. Além disso, como acentua Jordana (2000), não se deve deixar de reconhecer que ainda persiste um desconhecimento elevado sobre a real eficácia de muitas das possíveis intervenções de Governo Eletrônico, de modo que o nível de risco neste tipo de política é ainda muito grande, ainda que os ganhos de algumas medidas também possam ser elevados. Por fim, de acordo com Ferguson (2001) há pelo menos quatro reações em relação ao Governo Eletrônico. Duas delas são de ignorância e de isolamento, próprias, de um lado, dos neoludistas, que rechaçam pura e simplesmente a inovação sem discutir as possibilidades de mudança que podem trazer em seu bojo, se a inovação puder ser apropriada por uma ordem com alta capacidade de regular, a bem dos governados, os novos meios. De outro lado, há, na maioria dos Estados, agentes incapazes de compreender o que a tecnologia da informação e da comunicação oferece enquanto meio de uso público, e mesmo a simples operacionalização das ferramentas que a compõem. A terceira reação é própria dos tecnofílicos, que idolatram as possibilidades do Governo Eletrônico, as quais são evidentemente limitadas, sem medir as conseqüências das inversões e dos esforços desqualificados que já estão contaminando as ações de muitos governos, bem como se refere àqueles que acham que a internet teria alto conteúdo libertador ou emancipável por si mesma. A quarta reação é a ideal, conseqüentemente rara, dita de integração, que consiste, primeiro, num planejamento estratégico cuidadoso, depois na formação de uma rede sustentada entre o Estado e a sociedade civil, capaz de aproveitar as possibilidades que o ferramental interativo é capaz de oferecer. 5. Reflexões sobre as opções dos governos Abaixo dos conceitos que norteiam, nas idéias dos agentes envolvidos em Governo Eletrônico, os planos, está, obviamente, a ação ou a prática, e para meditar sobre uma ou outra ou para estabelecer diretrizes que combinem o reconhecimento da realidade dada com estratégias ambiciosas de subversão dos obstáculos que impedem a sua implementação, deve estar a certeza do analista de que não é possível falar de certos assuntos senão em termos ideais, abstraindo-se, na maioria dos casos, do fato de que o Estado não pode tudo e de que esse organismo que apenas aparentemente satisfaz o interesse geral da sociedade e que, embora não paire, suscita a ilusão de pairar acima da sociedade, tem graus significativos de intervenção. Além disso, é preciso ressaltar que normalmente sempre há uma escolha principal em relação às alternativas visíveis disponíveis, sobretudo ao se falar de recursos para investimentos. Geralmente os recursos disponíveis para investimentos em tecnologia da informação e da telecomunicação estão em contradição com os investimentos em áreas sociais. Conseqüentemente, os governos devem refletir que ao mesmo tempo em que não devem abandonar a área social, não podem evitar que suas nações insiram-se de maneira competitiva no mercado global e nas disputas regionais dentro dos blocos e se integrem ao conjunto modernizador que desenvolve e faz uso de aplicações e de infra-estrutura informacional e de telecomunicações quase que exclusivamente, não permitindo outra forma; a perda de inserção neste 9 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 processo, também, pode reduzir as chances de se diminuir o “gap tecnológico” nos países em desenvolvimento (Silveira, 2001). Na maioria dos países em desenvolvimento é crucial o critério de repartição orçamentária dos investimentos em relação ao nível de crescimento que se deseja alcançar, mas também em relação ao nível de pobreza que se espera ver diminuído. Assim, a dúvida entre o investimento em tecnologia da informação e da comunicação e o baixo ou quase nulo investimento em áreas cruciais, e mesmo primárias, para o bem estar social como saneamento básico e alfabetização sempre perseguirá a análise. Qual, pois, a justificativa social de se deixar de investir em áreas que beneficiem realmente os governados desfavorecidos para possibilitar o investimento em áreas pertinentes ao Governo Eletrônico, que, provavelmente, pelo menos em curto prazo e, sobretudo, nos países em desenvolvimento, beneficiará inicialmente apenas os governados já favorecidos8? Além disso, há de se ter claro que o Estado, neste momento em que opta pela sua presença na sociedade da informação como ente ativo, assume mais uma responsabilidade, possivelmente ideal, de ser um “agente capaz de evitar que a nova era agrave os desequilíbrios sociais e regionais hoje existentes, assim como [a responsabilidade de] assegurar o efetivo exercício da cidadania, garantindo a todos um tratamento igual em termos de oportunidades básicas de acesso aos recursos informáticos, resultando a diferenciação a partir da capacidade, do talento e dos esforços individuais” (idem, 2000), tal como está na raiz da divisa de qualquer formação social capitalista. O Estado tem, em tese, sua razão de ser completamente diferente da razão de ser da indústria ou do mercado, exercendo várias funções, dentre as quais a de regulador, incentivador e interlocutor do setor privado, de modo que o uso que os governos destinam à tecnologia da comunicação e da informação também deve ser distinto, devendo harmonizar esse uso com os fins ideais, isto é, “prestar serviço ao público, facilitar a informação e possibilitar a participação dos cidadãos na formulação das políticas e a democracia” (Fundación COMNET-IT, 2000). Seria mais desejável para os países em desenvolvimento que os investimentos em Governo Eletrônico fossem sucessores naturais de investimentos maciços em programas de combate ao analfabetismo, educação formal, saúde preventiva, pesquisas para o desenvolvimento e para a competição e modernização maciça das áreas atrasadas, sobretudo do campo. Porém, essa não é uma realidade conhecida dos países em desenvolvimento, os quais de tempos em tempos, premidos pelas novidades trazidas ou originárias dos países ricos, cujo destino intrínseco é cada vez mais se desenvolverem, vêm-se vacilantes entre a opção de seguir o transcurso de seu próprio destino, copiar, em baixo nível, as estratégias dos países ricos, pelo que pagam altos preços, ou tentar alcançar uma saída difícil de compreender. Mais uma vez essa premência atinge os países em desenvolvimento, agora na forma de Governo Eletrônico. 6. Situação do Governo Eletrônico no mundo Os quatro estudos mais recentes sobre a situação do Governo Eletrônico no mundo não trazem resultados muito promissores, evidenciando, ainda, de maneira unânime, um grau incipiente das práticas9 e um elevado número de Estados ainda vacilantes em relação à natureza do Governo Eletrônico ou, se assim for melhor pensar, prudentes em relação aos investimentos nesta área, sobretudo por parte dos países em desenvolvimento, os quais possuem o pior nível de aptidão para participar da era digital de acordo com um desses estudos. UNDP (2001) definiu e mediu um índice que indiretamente é capaz de indicar a capacidade ou habilidade dos países para participarem da chamada era digital. Quer dizer, o Índice de Realização em Tecnologia – TAI tem como objetivo captar como está um determinado país na criação e na difusão de tecnologia e como está na criação de uma base de habilidade ou capacitação humana para esse fim de modo a refletir sua capacidade para participar das inovações tecnológicas da era digital. O TAI não é uma medida de como o país está liderando globalmente o desenvolvimento tecnológico, mas atém-se ao fato de como o país está participando da criação e do uso da tecnologia, o que, obviamente, permite analisar a eficácia do Governo Eletrônico, a qual é dependente, além de outras coisas, da tecnologia dominada por um país (antiga e nova). Em outras palavras, deve-se imaginar que o TAI é altamente correlacionado com o grau do país para um Governo Eletrônico potencialmente bom, porque capacitação e aptidão para o uso 10 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 da tecnologia são elementos necessários para os empreendimentos voltados para o Governo Eletrônico. De acordo com UNDP (2001), o TAI possui quatro dimensões em sua composição. A primeira dimensão é a criação de tecnologia, a qual indica a capacidade de inovação tecnológica de um país, fundamentalmente dependente do capital intelectual possuído e das condições locais para a criação. Exemplos de índices adequados são o número de patentes e o número de licenças per capta. A segunda dimensão é a difusão de inovações recentes, mensurada a partir da difusão da internet, a qual é indispensável para a participação na sociedade em rede. A terceira dimensão é a difusão de inovações já consagradas, refletindo o quão difuso está a tecnologia já estendida ao hábito da economia como um todo e que reflete o estoque tecnológico, como a telefonia e a eletricidade. Finalmente, a quarta dimensão, talvez a mais sensível para o Governo Eletrônico, é a habilidade ou capacitação humana, que mede o nível de massa crítica apropriada pelo país para o uso e construção de tecnologia, fundamentalmente relacionado com educação formal, sobretudo em ciências, matemática e engenharia. Apesar de o relatório abranger em seu estudo 162 países, somente em 72 deles foi possível estimar o TAI com nível aceitável de qualidade, embora algumas de suas dimensões tenham sido calculadas para os países faltantes, quase todos em desenvolvimento. O relatório obteve um mapa de disparidades que classifica os países em quatro grupos com o TAI variando entre 0,066 (Moçambique) e 0,744 (Finlândia). Os países são assim classificados (Tabela 1): 1. Países líderes (TAI acima de 0,5). Aqui se encontram os países líderes da economia mundial, onde a inovação tecnológica é alto-sustentável e, conseqüentemente, o Governo Eletrônico apresenta as melhores formas e as maiores diversidades de tipos, como Singapura, Finlândia e Suécia. Isso, porém, não conduz necessariamente ao Governo Eletrônico ótimo, porque os Estados Unidos estão presentes no grupo, mas, como se verá mais adiante, possui dificuldades em relação aos sítios que oferecem serviços e informações (portais estaduais). Isso porque a medida é indiretamente de eficácia, não de efetividade; 2. Países com potencial de liderança (TAI entre 0,35 e 0,39). A maioria dos países assim agrupados tem investido alto em capacitação humana e difusão de tecnologias consagradas, mas baixa difusão de tecnologias inovadoras; 3. Países em adoção dinâmica (TAI entre 0,20 e 0,34). Esses países estão na dinâmica de uso de novas tecnologias. A maioria é composta de países em desenvolvimento com capacitação humana significativamente alta e indústrias importantes de alta tecnologia, mas com baixa difusão de tecnologia inovadora e de tecnologia consagrada, como o Brasil e a Índia; 4. Países marginalizados (TAI abaixo de 0,20). A difusão tecnológica e a capacitação são para esses países ainda um longo caminho a ser trilhado. Grande parte da população não é beneficiária da difusão de qualquer tipo de tecnologia. Uma observação interessante é que os países dos grupos três e quatro são justamente aqueles nos quais o Estado, que, embora não possa tudo, ainda é, ao fim e ao cabo, o grande indutor da tecnologia, sobretudo ao financiar capacitação, pesquisa e desenvolvimento – essa atuação do Estado está confirmada pelo estudo de Fundación COMNET-IT (2000) adiante comentado – tem maior dificuldade de atuar tanto em eficácia quanto em governança. Fundación COMNET-IT (2000) elaborou um estudo quase completo sobre a situação do Governo Eletrônico no mundo, a partir de um questionário enviado em meados de 1999 a comissões nacionais da UNESCO de cada país, onde esta possui representante (186 comissões). Do total de países (186), 62 responderam ao questionário (23 países industrializados e 39 países em desenvolvimento), dos quais 15 situados na Ásia e Pacífico, 21 na Europa e América do Norte, nove nos Estados Árabes, 10 na África e sete na América Latina. O questionário teve como objetivo uma análise quantitativa, com as limitações inerentes a este tipo de estudo, o qual será seguido por uma segunda fase, de análise qualitativa e mais detida, de acordo com o texto. O questionário foi dividido em quatro seções: a primeira respeitante a informações da situação da tecnologia da informação e da comunicação no país; a segunda pedia aos países para indicar a fase de desenvolvimento das aplicações de informação on-line postas à disposição do cidadão; a terceira versava sobre os serviços on-line prestados aos cidadãos e a quarta seção tratava da participação do cidadão no processo decisório e contemplava procedimentos como eleições e referendos on-line. Os questionários, também, foram enriquecidos com dados demográficos e indicadores agregados como PNB e indicadores 11 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 sociais, como níveis de alfabetização, número de acesso aos aparelhos de comunicação etc. De acordo com Fundación COMNET-IT (2000), o estudo possui limitações, porque a maioria das informações adveio das comissões nacionais da UNESCO ou de partes que não tinham acesso aos dados básicos, donde a proporção relativamente faltante de respostas em cada questionário, obrigando parcimônia na interpretação. Além disso, as respostas não foram validadas por nenhum tipo de procedimento. Assim, os resultados não podem – até pelo percentual de respondentes em relação ao número total de países (menos de um terço) – serem extrapolados para todos os países. O estudo informa que, apesar de quase todos os respondentes informarem que há iniciativas de Governo Eletrônico em seus países10, nos países em desenvolvimento a maioria dos sistemas de aplicação se segue centrado nas atividades de ‘gerência’ da administração pública, com escassa exploração dos serviços que possibilita a internet. Isso reforça ainda mais a necessidade de estudos e de experiências que permitam orientar tais países à fomentação do Governo Eletrônico, pois ainda não o tendo feito em nível de cidadania, poderão fazê-lo com acerto, se os estudos que estão sendo elaborados alcançarem um nível de estabilidade não só conceitual, mas também prático para as boas práticas de Governo Eletrônico. Outro ponto interessante levantado pelo estudo é o fato de que o Estado continua a ser o principal promotor das tecnologias, inclusive da informação e da comunicação, e curiosamente a presença do Estado é maior nos países industrializados do que nos países em desenvolvimento, pois afinal de contas tal tecnologia é, de qualquer forma, como foram outras até a década de setenta, no Estado keynesiano, um fator crucial do chamado bem-estar econômico, razão pela qual o Estado, aí, é muito atuante (Tabela 2). Além das características institucionais do Governo Eletrônico de cada país, o estudo procurou avaliar o nível das aplicações. Cerca de 90% dos países responderam que a administração pública tinha sítio oficial na rede, não necessariamente com conteúdo de serviços ao cidadão. Quanto a esse aspecto, deve-se ressaltar que a criação de sítios oficiais [pelos países] costuma considerar um exercício de relações públicas e não um meio de prestar serviços e muito menos de suscitar relações. (...) A maior parte dos sítios se encontra em uma fase embrionária e proporciona uma informação bastante limitada e de sentido único (idem, 2000). A insipiência em políticas de universalização de acesso (Tabela 3) é também alta, e parece que esta política, na maioria dos Estados, ao invés de preceder as próprias políticas de conversão dos serviços convencionais em serviços eletrônicos, quando ocorrem, as sucede, possivelmente devido à necessidade de alta inversão inicial e dos custos políticos que têm os governos de pagar. O último aspecto abordado pelo estudo refere-se às formas interativas entre cidadãos e entes governamentais ou as formas de democracia eletrônica, como as pesquisas de opinião, os referendos, as eleições digitais e o trânsito de informações enviadas diretamente pelos cidadãos, menos ainda absorvidas pela maioria dos Estados (Tabela 4). Infere-se do estudo que o serviço de interação mais comum é o envio direto de informações, predominantemente via correio eletrônico, e menos via internet, o que é, quanto à modalidade de participação, de fácil entendimento, porque os governos ficam não só na posição cômoda de dizer que têm canal com a sociedade, mas com a prerrogativa de responder ou não aos questionamentos, sem maiores conseqüências, raramente abordando questões delicadas, como abordam os referendos ou as eleições. Por fim, pelo que respeita ao conjunto das aplicações, os quiosques de informação e os sistemas de boletins eletrônicos são, uma vez mais, os dois meios menos utilizados (idem, 2000). O terceiro estudo sobre Governo Eletrônico11 foi realizado pela Accenture12 no ano de 2001 (Accenture, 2001), que faz uma crítica sobre a performance em Governo Eletrônico de 22 países, identificando o estágio atual, as características que permitem diferenciar os níveis de desenvolvimento da oferta on-line de serviços públicos e os pontos passíveis de melhoria. Questões como os ganhos obtidos com o desenvolvimento do Governo Eletrônico, as iniciativas nacionais para realização de suas metas e o perfil adequado para um país inserir-se entre as lideranças de Governo Eletrônico no mudo foram abordadas pelo estudo de 2001. A Accenture objetivava com seu estudo fornecer uma visão geral e atualizada da maturidade do Governo Eletrônico, para servir de subsídio ao tomador de decisão e aos diferentes níveis administrativos responsáveis pelas metas de Governo Eletrônico nos países. Surpreendentemente, de acordo com a Accenture, apesar de os países objeto de pesquisa terem 12 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 evoluído quanto às mudanças organizacionais, nenhum deles possui um nível de excelência em relação ao que a internet pode oferecer. Os próprios sítios ou portais, as formas mais evidentes de Governo Eletrônico para o cidadão, ainda não surgiram como modelos dominantes. De acordo com a pesquisa, o Governo Eletrônico está incluído no programa de governo de todos os 22 países, mas nenhum Estado ainda desenvolveu a capacidade de interagir e pôr na forma transacional os serviços de uma forma generalizada. Cada país tem algum potencial para definir o campo de atuação e as possibilidades do Governo Eletrônico, mas, de acordo com a pesquisa, a maioria dos países ainda tem muito para fazer. Mesmo nações como os Estados Unidos estão a menos de 50% da cobertura total de internet. Para construir o posicionamento de Governo Eletrônico dos países pesquisados, cem pesquisadores se passaram por cidadãos e visitaram, durante dez dias, serviços públicos on-line, os quais foram agrupados em categorias, depois em níveis (publicação, interativo e transacional, este último o mais alto nível em que um serviço pode ser oferecido), e cada nível, por sua vez, dividido em subníveis, de acordo com a maturidade atingida (muito baixa, baixa, marginal e moderada). O nível exprime o modo de comunicação entre o cidadão e o prestador de serviço público, e cada nível possui um grau de maturidade. O serviço está em nível de publicação, quando os cidadãos ainda não se comunicam eletronicamente com o prestador de serviço público, que se dá apenas pela publicação estática de informações on-line. O nível interativo ocorre quando os cidadãos podem se comunicar eletronicamente com o prestador, mas este não se comunica desse modo com o cidadão, como a solicitação de um serviço on-line via e-mail. Finalmente, o nível transacional é atingido quando os cidadãos já podem se comunicar eletronicamente com o prestador e vice-versa, cujo exemplo clássico é a solicitação de uma certidão pelo cidadão e o recebimento imediato da resposta (se deferida, a emissão certificada do documento; se indeferida, as razões da negação e o que fazer). Não somente a maturidade de cada nível foi medida, mas também a maturidade da própria prestação de serviço, investigada por atributos como os pontos de entrada, técnicas de gerenciamento com os cidadãos, recursos dos portais e serviços com valor agregado, resultando, combinando a primeira maturidade com a segunda, na maturidade total (maturidade de serviços mais maturidade de prestação de serviços), permitindo que cada país fosse indexado numa posição que mostrasse a sua classificação em relação à amostra. A Figura 1 mostra os resultados da pesquisa, segundo, ainda, as categorias de maturidade total, de acordo com a liderança de cada país: países construtores de plataformas (platform builders), que possuem baixos níveis de serviços on-line e grande potencial para desenvolver o Governo Eletrônico; países realizadores estáveis (steady achievers), que são aqueles que geralmente possuem uma certa amplitude de serviços e que apresentam significativa oportunidade de otimização do potencial de serviços on-line e da maturidade de prestação de serviços; países seguidores visionários (visionary followers), que demonstram estar no início de um acelerado crescimento, apoiados numa base sólida de serviços on-line e que mostra, em geral, uma certa evolução na maturidade da prestação de serviços; finalmente, os países líderes inovadores (innovative leaders), situados bem acima dos outros países, devido à oferta de grande número de serviços on-line com altos níveis de maturidade total, principalmente nos aspectos de desburocratização e sofisticação. De acordo com a pesquisa de 2001 da Accenture, a implementação do Governo Eletrônico é bem mais complicada e difícil do que a implementação, por exemplo, de comércio eletrônico em uma dada empresa, e a necessidade de uma mudança rápida do modo pelo qual os serviços públicos vêm sendo prestados geralmente não costuma levar em consideração a complexidade das questões sociais, regulatórias, políticas e, até, legais implicadas pela mudança. A mensagem final do estudo indica que, ainda que a maioria dos países tenha esboçado um cenário de Governo Eletrônico razoável, o casamento deste panorama com a vida cotidiana continua sendo um processo complexo. O quarto estudo é, também, da Accenture13, mas referente ao ano de 2002 (Accenture, 2002), seguindo metodologia semelhante à do ano anterior14, e prevê grandes mudanças nos próximos anos, devido à penetração da telefonia móvel. Os futuros serviços públicos, como em um exemplo citado no capítulo dois, não necessitarão de um PC, bastando o telefone celular. Alguns países, segundo a pesquisa, já vêm pondo em prática esta tendência: certos universitários de Tampere (Finlândia) matriculam-se por telefonia móvel, e em Singapura a Corte Suprema lembra por SMS aos cidadãos o dia e a hora de comparecer ao juizado. 13 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 O segundo estudo da Accenture com os serviços públicos de 23 (a única inclusão em relação ao ano anterior foi a da Dinamarca) países atinge varias áreas: 1. Emprego. Nos serviços on-line dedicados a aposentados, desempregados, pensionistas e famílias, a Accenture destaca os Estados Unidos (www.ajb.org) e a Austrália (www.jobsearcg.gov.au), cuja web permite enviar currículos e verificar ofertas e condições de trabalho. O Canadá tem um serviço para que os desempregados se registrem e cobrem auxílios. Também, destaca o serviço espanhol da Seguridade Social (www.seg-social.es), que, com certificado digital, dá acesso ao histórico da contribuição previdenciária. 2. Fisco. A líder destacada é a Espanha (www.aeat.es). O estudo acentua que todos os departamentos do fisco dos países são os primeiros a incorporar a tecnologia, o que é natural, devido à antiga rivalidade entre as áreas fiscal e social nos governos e, pelo menos nos países em desenvolvimento, a preocupação com a eficiência orçamentária exigida pelos organismos financiadores. 3. Correios. Os serviços de correios de todo o mundo estão experimentando, segundo a pesquisa, uma mudança sem precedentes. O e-mail, serviço mais popular de internet, é uma arma dirigida diretamente contra o correio tradicional, embora essa idéia seja pouco precisa, porque boa parte das correspondências no mundo são feitas em papel, mesmo com recursos tecnológicos: no Brasil, é possível compor uma carta pela internet e o destinatário receber na forma de papel pelos correios (www.correios.com.br). Os serviços postais em rede informam preços, tempo de envio de encomendas, seu rastreamento e permitem a mudança de direção. Os melhores são os Estados Unidos (www.usps.com), que por meio de uma página segura deixa pagar faturas a partir de qualquer lugar usando múltiplas contas de bancos. Na Finlândia (www.netposti.fi) podem ser enviados postais eletrônicos e SMS. 4. Educação. A Accenture destaca os serviços de Singapura e dos Estados Unidos, onde estão conectadas mais de 2.500 instituições educativas. O sítio americano www.fafsa.ed.gov inclui teste para que o estudante conheça suas possibilidades de receber uma bolsa e o envio eletrônico de solicitações. 5. Justiça. A Accenture vê que a internet poderia ser uma ferramenta fundamental para a agilização dos serviços de justiça das instituições penitenciárias. O sítio australiano (www.fedcourt.gov.au) é o melhor, seguido pelo de Singapura. 6. Seguridade Social. O sistema que ganha pontos na pesquisa é o do cartão inteligente. Em que pese o fracasso da Itália, a Malásia triunfa com um cartão com chip que dá acesso a muitos serviços públicos e do setor privado. Este cartão é do tipo quatro em um: carteira de identidade, carteira de motorista, acesso à rede e dinheiro eletrônico. O estudo do ano de 2002 alterou algumas definições quanto à maturidade total, mas preservando a metodologia, que passou a ter o seguinte significado: países líderes (innovative leaders), que são aqueles que estão à parte dos outros países, devido ao alto número de serviços maduros oferecidos on-line e que possuem um escore de maturidade total superior a 50%; países competidores visionários (visionary challengers), que são aqueles que têm uma sólida base de serviços on-line e estão mostrando algum desenvolvimento geral em customer relationship management – CRM, cuja maturidade total (escore) está entre 40% e 50%; países construtores de plataforma (emerging performers), que geralmente mostram uma larga amplitude de serviços, mas em níveis baixos de maturidade, e têm oportunidade para o desenvolvimento, sendo que o escore de maturidade total situa-se entre 30% e 40%; finalmente, os países construtores de plataforma (platform builders), geralmente com níveis baixos de serviços on-line, concentrados na posição final da curva de maturidade, abaixo de 30% em termos de escore. A Tabela 5 faz a comparação entre a situação dos países pesquisados pela Accenture entre os anos 2001 e 2002 e a Figura 2 mostra a situação atual. Quanto aos aspectos abordados no estudo de 2001 em relação à visão geral, não houve grandes mudanças no estudo de 2002, exceto no posicionamento entre os países, em que pese a substancial diminuição da retórica e aumento do pragmatismo. O estudo conclui observando que uma nova onda em Governo Eletrônico vem chegando, cuja ênfase é dada aos meios de comunicação e de tecnologias emergentes, como transmissão por rádio, televisão e voz dos serviços e informações em mídia internet. A unidade entre as mídias da nova tecnologia (internet) e as mídias de comunicação (rádio, telefone celular, televisão) deverá potencializar sem precedentes as possibilidades de transmissão. Um bom exemplo é a televisão interativa digital, mediante a qual os governos podem reduzir o custo de entrega de serviços. 14 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 7. Condições institucionais prévias para as boas políticas públicas de Governo Eletrônico 7.1. Grupos interferentes nas relações Estado/sociedade As relações Estado/sociedade devem estar fundadas em conceitos e mecanismos que possibilitem resposta a demandas da sociedade, avaliação da atuação do Estado como provedor de bens e serviços, fiscalização do uso dos recursos públicos e publicidade das ações. Esses conceitos e mecanismos podem tornar-se operacionalmente eficazes e custo-eficientes na medida em que estejam integrados ao uso intensivo de ferramentas de tecnologia da informação, dentro de parâmetros estabelecidos por essas relações. O Estado deve oferecer ao cidadão ferramentas que permitam o alcance universal e capilar das provisões, a perenidade do funcionamento do atendimento e a constância da resposta, no tempo e no espaço adequados às condições sociais do cidadão. Qualquer órgão da administração pública, ainda que a atribuição precípua restrinja-se à área meio, tem de responder às questões emanadas da sociedade, fazer saber de suas ações e se estas estão adequadas às demandas, publicar a forma e o modo pelo qual o uso dos dinheiros está sendo feito, mostrar como os ocupantes dos cargos e dos empregos públicos estão desempenhando as suas funções e verificar em que nível de satisfação o cidadão está recebendo o bem ou serviço e se o dispêndio efetivamente atendeu aos objetivos dos projetos. No entanto, nenhuma ferramenta tecnológica poderá facilitar o trânsito das relações Estado/sociedade se não levar em conta três grupos de interesse cuja ação interfere na plenitude dessas relações, viabilizando-a ou não: a burocracia, os políticos e a própria sociedade. A burocracia, devido à cultura e à estrutura mediante as quais se manifesta, tem seus próprios interesses que, em geral, obstruem a implantação de medidas capazes de facilitar as relações Estado/sociedade. É necessário adotar providências que diminuam a formação de cartéis, dentro dos quais as informações, todas públicas, são protegidas por um corpo e se transformam em black-box de uso exclusivo dos burocratas, impedindo que os cidadãos possam ter acesso aos seus próprios direitos. Isso pode ser conseguido mediante um ato de supremacia, que determine a priori a introdução em bases de dados acessíveis de todas as informações constantes dos arquivos e da memória das entidades públicas, num trabalho de inventário sério de todo esse material, exceto do protegido por lei, mas também mediante uma mudança cultural. Se tanto as informações quanto a própria expertise dos profissionais, esta última na forma escrita, tornarem-se disponíveis, é possível minimizar os efeitos dos cartéis. Nesta linha, existe, ainda, a possibilidade de ação de anéis burocráticos, que são formações específicas da burocracia que mantêm relações privilegiadas com o setor privado e que, muitas vezes, beneficiam um setor em detrimento do outro, devido ao livre trânsito de suas solicitações no âmbito administrativo e na apreciação das instâncias superiores, desfavorecendo o trânsito das relações Estado/sociedade. Um remédio eficaz parece residir na oferta de ferramentas criptografadas de denúncia da existência e formação desses grupos, com pronto atendimento, de maneira a habilitar um ouvidor que seja capaz de acionar mecanismos internos (procedimentos administrativos) de dissolução desses grupos, sendo que o início, evolução e desenvolvimento do processo devem ser públicos, mediante a fórmula uma denúncia gerando um procedimento gerando um resultado. A denúncia virtual somente deve ser extinta quando o denunciante receber o resultado. Finalmente, deve-se levar em consideração o fenômeno de reent-seek, que é a inclinação do servidor ou empregado público para manter privilégios ou buscar exacerbação de direitos e vantagens, bem como vencer incessantemente duelos políticos. Essa tendência faz o objeto do trabalho não se inclinar para o atendimento da sociedade da melhor maneira possível, mas para o atendimento dos interesses particulares, até mesmo em termos da própria imagem: a sociedade tende a enxergar a burocracia exatamente confundindo-a com essa disfunção. Cabe ao Estado combater esse problema oferecendo à burocracia baixa probabilidade de obter rendas sem mérito e de ter acesso às informações ou posições mediante negociações políticas enviesadas (clientelismo). Isso é minimizado mediante o controle social da burocracia: somente medindo a satisfação do cidadão-cliente, de forma singular, e combinando essa avaliação com os mecanismos de aumento de renda ou de vantagens por mérito do servidor ou do empregado público é possível fazer os objetivos do trabalho público corresponderem ao interesse público, 15 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 o que pode ser conseguido com base em ferramentas de acompanhamento e avaliação on-line. Os políticos interferem nas relações Estado/sociedade, em primeiro lugar, ao decidirem e, em segundo lugar, ao comportarem-se, no âmbito do poder Executivo, como canal para a intermediação de interesses, geralmente de grupos autônomos da sociedade. Tanto em um momento quanto no outro, é possível dotar o Estado de ferramentas que maximizem o ganho da sociedade e minimizem a concretização de favores. Para isso é preciso instrumentar todas as formas de participação da sociedade previstas na Constituição, quais sejam o sufrágio universal, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular, bem como dotar o Ministério Público de instrumentos tecnológicos que agilizem sua missão fiscalizadora e de apoio à justiça. É intolerável que, ainda hoje, o cidadão, para concretizar a sua vontade, tenha de ir a um local singular e endereçado para exercer esses direitos. As ferramentas atuais de segurança e análise de sistemas podem permitir o voto remoto e identificado, a abertura de fóruns onde os cidadãos e as entidades possam, em interlocução direta com as Casas Legislativas, propor seus projetos e indicar suas demandas, na forma da lei. Além disso, o controle social pode ser aumentado com a publicação dos procedimentos legislativos, tramitação das proposições legislativas e abertura de interlocução da sociedade com o poder Legislativo. A sociedade interfere nas relações Estado/sociedade pelo grau de exploração dos mecanismos institucionais de que dispõe para fazer chegar suas reivindicações ao Estado, bem como do grau de força que possui para estender os mecanismos presentes ou diminuir os constrangimentos que inibem esses mecanismos. Uma sociedade apática, mesmo com a presença de ferramentas da tecnologia da informação e da comunicação, não irá gerar benefícios políticos importantes. Em lugar disso, consolidará a conservação do estado de coisas existentes no âmbito do poder. É claro que, na maioria das sociedades, a participação depende da força dos grupos de interesse, geralmente proporcional à participação na propriedade dos meios de produção, mas é possível a extensão de certo nível de participação, também, de outros grupos, menos favorecidos, que dependerá do grau de trabalho que os intelectuais e os políticos fazem junto a esses grupos. 7.2. Condições prévias Não podemos ainda determinar todas as condições prévias para a implementação das políticas de Governo Eletrônico, até porque “por sua novidade, desconhecemos em boa parte qual o grau de efetividade e [qual] a estabilidade de cada instrumento, e sua eficiência em cada âmbito de atuação [,conduzindo a um] (...) grau de experimentação e de imaginação nas políticas públicas de promoção” do Governo Eletrônico “necessariamente muito elevado, o que seguramente está provocando na atualidade uma grande variedade de resultados” (Jordana, 2000). Evidentemente, essa situação pode ser custosa para um Estado em desenvolvimento que optou com excessos por essas políticas em detrimento de uma política voltada para uma área mais nobre de atuação, como a saúde e a educação tradicionais. Apesar disso, pelo menos duas condições mínimas estão bem claras e devem ser observadas pelos governos que ainda não iniciaram tais políticas ou, se iniciaram sem elas, deverão sofrer as conseqüências de sua não observância. A primeira condição parece óbvia: as políticas de Governo Eletrônico devem ser sucessoras naturais das políticas de reforma do Estado tal como foram preconizadas originalmente, no tempo em que ainda não era possível vislumbrar a potencialidade do instrumental da tecnologia da informação e da comunicação, e não o contrário15. Na expressão de Lawson (1998), “a mudança de como o governo opera e que serviços ele presta está de mãos dadas com a transformação de sua cultura, abordagem e estrutura”. Sem que tenha tal reforma se enraizado na máquina pública ou sem o lançamento de bases profundas para o seu início, corre-se o risco de os instrumentos tecnológicos servirem de elementos que aumentem ainda mais as disfunções da burocracia16. A falta de tal condição pode converter a “burocracia existente” em uma “burocracia digital” conforme acertada expressão de Coelho (s/d), isto é, a transferência direta dos procedimentos e processos burocráticos de pessoas para as máquinas, percorrendo-se o mesmo processo penoso das mediações, só que o interessado usará meios eletrônicos em lugar de atendentes humanos ou papel e tempos de espera frente a uma máquina em lugar de uma pessoa. Além disso, os serviços serão desenvolvidos de modo que tão-somente representarão o modelo histórico de prestação de serviços compartimentado na estrutura da organização, onde a preocupação está com o 16 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 tema (o órgão que cuida da saúde preocupando-se com assuntos de saúde, aquele que cuida da educação preocupando-se isoladamente sobre a educação) em lugar de haver preocupação com a política e com o grupo de serviços de acordo com os demandantes (crianças, aposentados, empregados etc. com suas respectivas políticas integradas), conforme ensina Anátocles (2002). Não só: existem Estados que sequer conheceram de maneira preponderante a burocracia nos moldes weberianos, que, portanto, gerenciam sua máquina mediante práticas patrimonialistas e que, finalmente, estão muito longe de assimilar qualquer prática de Governo Eletrônico de maneira sensata, porque, como se sabe, a condição necessária para a boa implementação da reforma gerencial é a existência de um Estado totalmente dominado por práticas burocráticas, mas não por práticas patrimonialistas. A razão desta condição prévia está politicamente afinada com uma famosa recomendação de Nicolau Maquiavel acerca dos governos obtidos não pela virtude ou pelo engenho, mas pela sorte ou surgidos de súbito, conseqüentemente mais difíceis de manter, porque todas as coisas da Natureza que muito depressa evoluem, não podem ter raízes nem membros em proporção, e, ao primeiro golpe do infortúnio, destroem-se; a não ser que [os governantes] (...) saibam como estar preparados para conservar o que a fortuna lhes depositou no regaço, e firmem solidamente os alicerces fundados antes por outros (Maquiavel, 1977). Assim, deve o bom governo ter certeza de que a reforma gerencial alcançou um grau satisfatório entre os seus agentes, firmou uma cultura nova de busca de resultados em lugar de produção e reprodução de processos, conseguiu fazer o Estado se desvencilhar de tarefas mais adequadas aos mercados do que ao seu escopo atual e diminuiu substancialmente a distância entre o Estado e a sociedade no que se refere à transferência de reivindicações e de reconhecimento dos direitos elementares da democracia possível nas formações sociais capitalistas. Sem essa condição prévia, o Governo Eletrônico pode ser não somente oneroso a cada encerramento de exercício, mas também um desastre para os novos governantes, que hão de tentar diminuir o caos. A segunda condição refere-se ao nível de governo alcançado pela distribuição de poder no que concerne à autonomia dos agentes e à autonomia dos governos locais para gerir sua própria máquina. Os Estados que atingiram um grau médio ou superior de descentralização e de autonomia de seus órgãos e agentes têm, certamente, melhores condições de empreender políticas de Governo Eletrônico, de modo que o governo central deve iniciar o processo, dar as grandes diretrizes mediante um amplo programa17, chamar os governos locais para a mobilização e distribuir as tarefas, sem o ônus de promover tudo. Ao governo central cabe a oferta dos serviços de cunho nacional aproveitando sua capilaridade e difusão territorial pelos pontos da rede, isto é, oferta de infra-estrutura, bem como a sua regulação, e aos governos locais a oferta de serviços que tenham grande proximidade com o cidadão, próprios dos bairros, bem como com a capacitação, envolvimento das comunidades nos projetos e desenvolvimento das peculiaridades possíveis de serem extraídas da tecnologia para a comunidade local. Assim, a difusão do Governo Eletrônico deve dar-se de maneira coerente com a distribuição constitucional de competências, bem como com o reconhecimento que as comunidades têm em relação às obrigações dos governos locais, geralmente mais próximos dos problemas cotidianos das comunidades, sem que o governo central tenha que absorver toda a implantação das ações, à parte do que já tem de fazer. Quando o governo é excessivamente centralizado, o custo de implantação das soluções eletrônicas é necessariamente alto18, o estabelecimento de parcerias com as organizações não-governamentais, fundamentais para o processo, é mais dispendioso e o arranjo de interesses internos e externos que precisa construir é muito mais complicado. O grau de desconcentração, concernente à precisão e autonomia de atuação de cada setor da máquina pública, também, deve estar em um nível satisfatório, de modo a evitar a reprodutibilidade de esforços e mitigar a concorrência desleal, mas estimular a concorrência saudável. Se um determinado órgão que tem muito claramente estabelecida a sua competência de atuação, não necessariamente conseguida pela norma, mas pela repetição da atuação naquele determinado escopo, certamente irá se concentrar em sua missão adequadamente, sem intrometer-se em missões estranhas, já de incumbência de outros órgãos, conseqüentemente não irá por à disposição dos interessados serviços semelhantes ao de 17 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 outros órgãos, mas um serviço específico e de qualidade própria. Além disso, as parcerias seriam facilmente identificadas, porque os objetivos já bem delimitados do órgão seriam necessariamente próximos aos objetivos dos parceiros, o que diminui a duplicidade de esforços. Um exemplo disso é o das agências reguladoras, que são órgãos desconcentrados por natureza. A luta entre as organizações de uma maquina pública desconcentrada e descentralizada será para exibir a melhor qualidade e não para exibir o melhor serviço, que seja igual ao de outro organismo. Os Estados com amplos territórios que são politicamente descentralizados, como afirma Jordana (2000), tendem a conseguir resultados mais harmonizados com as possibilidades de cada entorno territorial, porque sempre hão de surgir “fórmulas de relação intergovernamental entre os distintos níveis de administração, como conseqüência de uma emergente distribuição de funções nos processos de definição e implementação destas políticas de promoção”. Evidentemente essas duas condições mínimas são postas em tese, porque, como se sabe, a realidade interna dos governos é mais afeta à concorrência do que à convergência de interesses regionais e nem sempre a reforma do Estado verdadeiramente terá cumprido todos os seus desígnios iniciais, restando em partes da máquina pública uma burocracia ainda resistente às intervenções gerenciais e agressivas no que se refere à austeridade fiscal que lhe devia costurar o caminho para sempre. Por outro lado, a própria condição segunda é dependente da condição primeira, porque nada ajudará uma administração pública descentralizada e desconcentrada, se “os objetivos de impulsionar a sociedade da informação se convertem exclusivamente na finalidade de um núcleo especializado dentro da administração” (idem, 2000). É preciso, pois, que os setores especializados da administração estejam suficientemente sensibilizados pela cultura burocrática de novo tipo para não servirem de obstáculo à implementação das políticas de Governo Eletrônico. É claro que o Governo Eletrônico tem poucas chances de implementar a emancipação individual, como as práticas tradicionais possuem (por exemplo, educação formal ou saúde preventiva), mas, conservando o obstáculo, soluciona pontualmente problemas, e aí deve ser uma opção dos governos, pois estará adiando para o futuro resolução de problemas encontrados. É bem possível que um governo consiga colocar um autômato falante em pontos de uso gratuito por todo o território e este indicar a um semianalfabeto como fazer para se aposentar, obter determinado documento, adquirir algum direito, mas não vai dar-lhe o gozo do direito maior, que é o da educação formal e, conseqüentemente, a possibilidade de melhorar a condição de existência. Além dessas duas condições mínimas ou prévias, que na verdade não garantem o sucesso, mas permitem iniciar o processo com alta probabilidade de manutenção dos empreendimentos iniciais, existe uma condição adicional, esta, sim, decisiva para a manutenção daquilo que foi implantado com as políticas públicas de Governo Eletrônico, a qual assenta no Estado que já tem características predominantemente gerenciais, que é o bom nível de governança gerencial. Esse tipo de governança, conceituado por Mayntz (2001), caracteriza-se por “uma forma de governar mais cooperativa, diferente do antigo modelo hierárquico (...), e onde as instituições estatais e não estatais, os atores públicos e privados [(grandes firmas, sindicatos, associações empresariais etc.)] participam e cooperam na formulação e na aplicação de políticas públicas” e “onde o poder deve estar disperso na sociedade, mas não de maneira fragmentada e ineficiente”. A governança é quase um reconhecimento por parte do próprio Estado – premido pelas exigências dos grupos de controle da máquina pública no sentido de reduzir seus gastos e de otimizar seus recursos conciliando interesses nacionais com cláusulas irrenunciáveis dos organismos internacionais de financiamento, e premido pela incapacidade de atender a todas as demandas da sociedade – de que não pode fazer tudo sozinho, mas apenas na medida em que se inter-relaciona com outros agentes sociais. De acordo com Frey (2001), haveria um sentido de emancipação na governança moderna, segundo o qual a sua adoção pelos Estados conduziria a um “aumento de poder social, ou seja, a inclusão e o fortalecimento dos não-poderosos nos processos de tomada de decisão política”, sobretudo se a isso se juntam, segundo o autor, as possibilidades igualmente emancipáveis da tecnologia da informação e da comunicação, até mesmo despertando o engajamento político das pessoas. Por outro lado, Wilhelm (2000) não é tão otimista, ao afirmar que “à medida que a cultura da tela se torna mais e mais o ponto de referência familiar da vida cotidiana e os indivíduos mergulham no mundo digital, o engajamento cívico 18 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 tende a diminuir no que diz respeito aos problemas do ambiente físico que afetam as pessoas nas suas comunidades reais”. Se a cooperação ou pacto de interesses dentro do próprio governo é quase inatingível, ainda pior deve ser o nível de cooperação entre entidades extragovernamentais, donde, quando a cooperação é conseguida, as boas chances de sucesso do Governo Eletrônico, que precisa justamente de recursos, apoio logístico, disposição de meios modernos, ainda apropriados pelo mercado e pelas instituições não governamentais, devido à sua alta novidade. Parece que as boas práticas de Governo Eletrônico, embora subentendam a forte presença do Estado como financiador da infra-estrutura, necessitam de parcerias com organizações civis mais do que outros tipos de práticas, devido à forma inusitada e dos resultados inusitados que permitiriam, pois põem, em um único ambiente, cidadão, Estado e mercado em uma proximidade muito forte e até mesmo perigosa. Tratase de formação de rede, e não de corporativismo. No corporativismo, o Estado é cooptado ou coopta para criar ou fomentar entidades resignadas e cabisbaixas; na formação de redes, o elemento definidor é a parceria e ativa participação nas decisões por parte dos envolvidos. As condições que levam até a governança de novo tipo, fundamental para a implementação das políticas de Governo Eletrônico, são (Mayntz, 2001): 1. existência de uma democracia própria das formações sociais capitalistas; 2. autoridades públicas possuidoras de recursos suficientes para levar a cabo as decisões acordadas; 3. existência de uma sociedade civil forte, funcionalmente diferenciada e bem organizada. O autor admite que essas condições são difíceis de alcançar, e somente em alguns Estados-nação democráticos altamente desenvolvidos encontramos redes de políticas, associações público-privadas e uma auto-regulação. Nesses países, a cooperação entre os atores públicos e privados não só se dá ao nível do Estado-nação; em princípio pode ter lugar em qualquer nível onde existam autoridades públicas e atores privados corporativos (idem, 2001). A tendência mais comum é o estabelecimento de cooperação, sim, mas “cooperação antagonista”, sobretudo em um campo como o de Governo Eletrônico, onde é acirrada a disputa entre fornecedores de soluções tecnológicas para o Estado, onde a busca de renda pelos burocratas pode aumentar e onde a luta pelo sucesso (vaidades entre burocratas ou estrategistas) pode ser elevada, sem falar no aumento das barganhas políticas. De acordo com o autor, “uma cooperação antagonista deste tipo corre o risco de acabar em um completo bloqueio ou pode produzir soluções ao nível do mais baixo denominador comum - acordos débeis que não permitem resolver os problemas existentes”, mas criar novos. Prova da dificuldade é que, em nível internacional, são mais fortes, determinantes de comportamento e atuantes organizações como o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio do que uma organização internacional forte que represente os interesses dos trabalhadores de nível igual às anteriores (idem, 2001). Frey (2001) visitou algumas cidades européias que introduziram formas de governo eletrônico com forte uso de governança eletrônica (e-governance): Breman (Alemanha), Helsinki, Espoo e Tampere (Finlândia), Bologna (Itália), Newham e Birmingham (Inglaterra). Todas essas cidades têm, naturalmente, cidadãos dotados de uma cultura que dá valor ao conhecimento e de educação formal, além de um nível de renda elevado, o que conduz, segundo o autor, a vantagens fundamentais para implementar estratégias de e-governance. Ainda assim, uma ou outra experiência não foi satisfatória – em Breman, as experiências iniciais com terminais públicos multimídia não foram positivas, pois a população não utilizou o serviço de maneira aceitável e o custo de manutenção para o governo local era muito alto -, embora a maioria dos casos mostrasse um alto retorno social em termos de participação, de tomada de decisão pelos governados, de capacitação (não somente no uso da ferramenta, mas também no aproveitamento de suas potencialidades) e inclusão, até, de idosos no processo. O autor destaca quatro lições sobre os casos de e-governance nos governos locais europeus: 1. o governo eletrônico somente conduzirá a uma melhoria substancial dos serviços públicos se for visto no contexto indispensável da reforma administrativa pública; 2. a difusão de pontos eletrônicos com acesso gratuito aos benefícios do governo eletrônico e a capacitação da população no uso da tecnologia é que validam os investimentos em e-governance; 19 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 3. O engajamento dos cidadãos mediante ferramentas eletrônicas somente tem sentido se, de fato, influenciar no real processo de tomada de decisão pelos governos locais; 4. Dependendo da forma pela qual está regulada, é possível que a tecnologia e suas mídias juntem cidadãos ou vizinhos e fortaleçam laços sociais e o poder das comunidades locais. Também, poderão, nos bairros, contribuir para a geração de empregos e aumento da renda dos moradores. Conclui-se que os benefícios para os cidadãos trazidos pela tecnologia da informação e pelas mídias não dependem desse ferramental em si, mas das condições materiais de um dado país, sobretudo, e das opções políticas e econômicas dos governos. 8. O Governo Eletrônico ótimo A discussão anterior abordou as condições mínimas para a implementação de um Governo Eletrônico com alguma chance – mensurar parece impossível – de atingir a performance prometida pelos meios eletrônicos e de comunicação disponíveis e uma condição adicional para a manutenção das políticas já em implementação, mas insuficientes para atingir-se o Governo Eletrônico ótimo. Existe uma conformação ideal entre as variáveis envolvidas no processo sujeitas a certas condições que permite atingir o melhor Governo Eletrônico possível? Se imaginarmos que o Governo Eletrônico ótimo corresponde a resultados racionais – sem exageros ou utopias – que estejam obviamente vinculados à capacidade limitada do Estado em sua atuação, à situação da economia e das contas públicas e às condições materiais da sociedade como um todo, bem como às relações e condições internacionais, sim. Esse é um típico exemplo de problema de controle ótimo, no qual a função-objetivo que deve ser maximizada é o Governo Eletrônico, o qual é dependente de um número fixo de variáveis que mudam com o tempo e cujos parâmetros não são estacionários, o que torna o problema ainda mais difícil, porque também mudam com o tempo e com o foco, pois cada país possui um arranjo institucional diferenciado e uma condição econômica própria, embora a maioria repouse sobre a mesma formação social, geralmente a capitalista. No âmbito da gestão interna o Governo Eletrônico, quando encontra uma máquina administrativa que superou a burocracia como forma predominante de práxis e de cultura e atingiu a forma gerencial, implica imediatamente a diminuição do tempo de resposta de cada ação administrativa, diminui ao longo do tempo o custo de procedimentos (aumento da economicidade), retira pessoal de tarefas rotineiras e reforça o núcleo que efetivamente cuida da atuação do Estado para o fim público. O compartilhamento de informações e de conhecimento, o fluxo controlado, seguro e privativo de informações e a integração dos diversos sistemas permitem reforçar a possibilidade de a gestão interna seguir por si mesma, com baixa necessidade de controle humano e de previsibilidade conseguida por meios escritos, possibilitando o desvio dos recursos que sobram da diminuição do tamanho da gestão interna para a externa. O Governo Eletrônico ótimo, no âmbito da gestão interna, pois, atinge esse patamar na medida em que emprega menos tempo, menos recursos intelectuais, menos recursos materiais e menos ambientes físicos para a gestão da máquina administrativa em si, deslocando para a gestão externa – por exemplo, a gestão de políticas públicas – a maior parte dos esforços que daí sobrarem. Muitos governos ao assumirem seus mandatos, além da tarefa própria de realizar políticas públicas, administrar os conflitos com os agentes internacionais e regular o mercado ainda têm a tarefa adicional ou supérflua – porque a ordem natural das coisas seria sempre ter o Estado arrumado – de por ordem na própria máquina administrativa e isso pode consumir um mandato inteiro. O Governo Eletrônico ótimo tem chances grandes de perpetuar uma máquina administrativa que não mais necessitará de rearranjos constantes e de insolvências abruptas, porque ao atingir este nível dependerá muito pouco de agentes humanos, de tempo e de material palpável. No âmbito do benefício social, da regulação do mercado, do relacionamento com o exterior e em todas as outras atividades que dependem da gestão externa ou gestão dos resultados (políticas públicas, política econômica, política internacional etc.) o Governo Eletrônico atinge o estágio ótimo quando, em primeiro lugar, permite conferir ao público-alvo grau de satisfação igual ou superior à conferida por alguma ação efetuada na forma tradicional – por exemplo, a educação a distância deve conferir a mesma capacidade que confere a educação formal ao seu público-alvo –, quando, em segundo lugar, concentra serviços e provisões, diminuindo etapas para se atingir o fim efetivo e atinge, pelo menos, o mesmo 20 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 público-alvo anteriormente atingido, e, finalmente, quando melhora a performance do saber e o grau de capital intelectual, diminui o grau de imitação do país em relação a outros países com realidades diversas daquele e está disseminado em todas as políticas. No âmbito das relações Estado/sociedade, o Governo Eletrônico é ótimo em relação ao controle social, quando, pondo à disposição de todos meios diversos de transparência, publicidade e consultas periódicas, permite a identificação de responsabilidades e o processamento com conseqüências dos desvios do fim público das ações de Estado. É preciso lembrar, finalmente, que o Governo Eletrônico ótimo não tem por objeto a remoção de problemas cuja solução ainda depende de ações que precisam partir de movimentos que demandam mobilização social e da ação do Estado junto aos lugares nos quais pode e deve atuar, nem tem por ambição dar algum toque mágico para o desenvolvimento dos países sem a aplicação de decisões econômicas e políticas que atingem a expansão da ciência, o desenvolvimento tecnológico, o aumento e a diversificação da produção e a disseminação dos direitos sociais, embora possa servir de ajuda importante para o processo de desenvolvimento. O Governo Eletrônico ótimo por si mesmo não removerá a pobreza, não evitará isoladamente o declínio de certos grupos sociais em relação aos avanços de outros países e nem sozinho irá sanear a esfera fiscal do Estado. Porém, aumentando o nível geral de atuação do Estado certamente abrirá espaço para que este melhor invista junto àquilo a que lhe compete fazer. As variáveis de controle do Governo Eletrônico são exatamente aquelas que mais se relacionam com a própria atuação do Estado para os seus fins e para a sua própria solvência. A primeira é a capacidade do Estado, intimamente relacionada com os interesses internos dos grupos que têm maior possibilidade de concretizar suas reivindicações junto aos governos. A capacidade do Estado desdobra-se em três tipos: 1. capacidade regulatória, a qual, no caso do Governo Eletrônico, expressa como o Estado vem se desincumbindo da tarefa de livrar-se de atuações que não fazem parte de seus desígnios atuais – a quebra de monopólios e as privatizações relacionadas com o setor de telecomunicações e de informática – e como vem fiscalizando o mercado para manter a concorrência e permitir a universalização dos serviços de telecomunicação e como vem gerindo os fundos obtidos junto à taxação que o agente regulador aplica sobre as empresas. Essa capacidade pode ser medida por cinco indicadores básicos: o grau de universalização dos serviços de telecomunicações por habitante, o nível de rejeição ou de reclamações da população em relação aos grupos atuantes, a capacidade do agente regulador em processar as reclamações e fazer corrigir os prejuízos ao consumidor, o nível de sustentação do mercado (solvência das empresas concorrentes) e o nível de efetividade na aplicação dos fundos obtidos no mercado pelo agente regulador. 2. capacidade de governança, que varia conforme o grau de parcerias atingido para a difusão e implementação de políticas de Governo Eletrônico com o setor privado e com as organizações da sociedade civil, bem como com a performance atingida com relação aos pactos firmados e a capacidade de honrar os compromissos. A capacidade de governança foi amplamente discutida no item anterior e está relacionada com uma das condições mínimas anteriormente citada. A medida da capacidade de governança pode ser feita por vários indicadores: a relação entre pactos firmados e grupos efetivamente beneficiados com as medidas, recursos extra-orçamentários em relação aos recursos orçamentários (oriundos exclusivamente do Tesouro), número de parceiros por projeto etc. 3. capacidade indutiva. Essa capacidade está relacionada com o emprego de esforços por parte do Estado sem que haja necessidade de empreender os projetos, ficando esta tarefa sob a execução de outros agentes como as empresas, as organizações não-governamentais, as organizações que firmam contratos de gestão com o Estado (organizações públicas não estatais) etc. Essa variável pode ser estimada pelo número de contratos de gestão firmados, pelos resultados atingidos pelas organizações quando comparados com a atuação isolada do Estado e pela quantidade de imitação das experiências bem sucedidas por parte de outros governos. No âmbito do Governo Eletrônico são cruciais os institutos de pesquisa e de fomento à inovação tecnológica para a indução de ações. Um problema surge, de imediato, em relação ao controle dos três tipos de capacidades, evidentemente concorrentes: o aumento de uma tende a diminuir a outra, não apenas porque a capacidade total é limitada, mas também porque os interesses envolvidos são conflitantes. Quando o Estado aumenta a capacidade regulatória os mercados podem sofrer pressões de tamanha natureza que respondem com 21 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 ações que diminuem o número de pactos e de acordos com o Estado no âmbito da capacidade de governança e, por sua vez, a capacidade indutiva pode sofrer, porque ao repassar tarefas para organizações fora do controle direto, mediante contratos de gestão, o Estado está imaginando que o setor privado irá colaborar com essas organizações, em parte, cobrindo lacunas financeiras que ficarão em virtude da abdicação de atuar no setor, o que pode não vir a ocorrer devido ao primeiro fato. De outro lado, o aumento significativo da capacidade de governança pode relaxar em demasia o controle do Estado sobre o que pode recusar em relação aos interesses do mercado regulado. A capacidade indutiva pode, também, sofrer reflexos, na medida em que as organizações ganham autonomia sem responsabilização, devido à fragilidade do Estado em cobrar os resultados especificados nos contratos. Uma situação de soma constante dar-se-á, também, no caso de aumento ou diminuição descabida da capacidade indutiva. Neste sentido, deve-se buscar um equilíbrio entre as capacidades ou um aumento e diminuição entre as três de acordo com a ocasião e a análise conjuntural que o núcleo estratégico do Estado tenha desenvolvido. Parece que nas etapas precedentes à implementação do Governo Eletrônico, quando o Estado começa a transferir para o setor privado alguns nichos – como as telecomunicações – uma alta capacidade regulatória é requerida. Então, na medida em que o Governo Eletrônico começa a ser implementado, deve-se seguir um aumento da capacidade de governança e da capacidade indutiva, obviamente sem levar ao extremo cada variável, mas mantendo um equilíbrio. Em certo momento, porém, a capacidade regulatória deve ser novamente aumentada sob pena de colapso. O setor de telecomunicações brasileiro, após a instituição da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL e quebra do monopólio estatal do setor, triplicou a rede de telefonia no país: o número de aparelhos celulares saltou de cinco milhões para 30 milhões antes e depois; uma linha telefônica fixa que custava da ordem de R$ 5.000,00, há cinco anos, quando vendida pelo Estado, passou a ter custo de instalação de R$ 420 dólares e pode ser obtida em até 48 horas (Veja, 2002). Esse mesmo modelo, que teve sucesso19 graças ao aumento da capacidade regulatória e à retirada do Estado da prestação direta do serviço, porém, de acordo com dados encaminhados ao Banco Central do Brasil, está perto de entrar em uma profunda crise, justamente devido à atuação com pouco senso de realidade conjuntural da ANATEL em seu papel regulador. O documento chama à atenção para o fato de que a situação de solvência das operadoras de telefonia fixa e móvel está crítica, porque não somente estão endividadas como também estão tendo suas fontes de investimento diminuídas. Um exemplo é o das companhias de celular da chamada banda B, que tomam recursos no mercado financeiro e não conseguem honrar os compromissos. A falência de tais empresas pode levar o Brasil a se deparar com um monopólio privado, porque sobrariam as empresas da banda A na telefonia celular e três empresas de telefonia fixa (até o momento não houve sucesso em relação às empresas espelho), o qual é mais complexo de operar do que o monopólio estatal. A ANATEL fez vistas grossas à guerra de tarifas desenfreada entre as operadoras, que levaram as mesmas a grandes prejuízos e os casos de inadimplência e atraso no pagamento de contas por parte dos consumidores (de 47,8 milhões de linhas fixas instaladas 10 milhões estão bloqueadas por atrasos no pagamento), devido ao forte encolhimento da renda da população no período, têm levado à diminuição do retorno financeiro (Correio Braziliense, 2002). São inúmeros os fatos que evidenciam a dificuldade de manobra da capacidade regulatória neste setor crucial do Governo Eletrônico no caso brasileiro e que tem levado à suspeição da ANATEL quanto à sua missão. Citam-se dois: 31 empresas estão sob processo de investigação da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça por indícios de irregularidades no pagamento de contribuições sociais ao governo e sob suspeita de propaganda enganosa dessas contribuições nas contas dos clientes e o Tribunal de Contas da União acusa a ANATEL de não fiscalizar o aumento de tarifas dos consumidores, as quais têm exagerado nos reajustes dos preços das assinaturas (idem, 2002). O fato mais grave, porém, da crise do sistema de telecomunicações brasileiro tem lugar no chamado Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – FUST, o qual, de acordo com a lei que o instituiu, tem por “finalidade proporcionar recursos destinados a cobrir a parcela de custo exclusivamente atribuível ao cumprimento das obrigações de universalização de serviços de telecomunicações” (Ministério das Comunicações, 2002) e que, até o momento, não teve qualquer emprego no que respeita ao 22 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 financiamento de projetos que permitam difundir o uso de serviços de telecomunicações, segundo queixa do próprio ministro de Estado das Comunicações20. Não só: estudos do governo vislumbram a possibilidade de fazer retornar às companhias de telefonia os recursos por elas depositados no fundo e permitir que o orçamento da União cubra a instalação de linhas telefônicas a famílias de baixa renda e subsidie o pagamento de contas telefônicas. Cerca de R$ 453 milhões estão programados para ajudar as companhias, com cerca de 25% originários do FUST, o que constitui um desvio brutal de seus desígnios originais, pelo menos no que respeita ao uso dos recursos para a universalização dos serviços de telecomunicações (Correio Braziliense, 2002). A segunda variável de controle é o benefício social, a qual está intimamente relacionada com a oferta e a demanda de serviços e bens por parte do Estado. E, neste caso, esta é uma das peculiaridades do Governo Eletrônico em relação a algumas novidades do passado que melhoravam as provisões e prestações do Estado: devido ao fato de a mudança estar fundamentalmente ligada a meios e formas que dissolvem os meios e as formas convencionais de funcionamento da administração pública, o Governo Eletrônico pode converter praticamente todos os serviços convencionais e tipos de provisão de bens de Estado em meios digitais. O grande problema não reside, pois, isoladamente na oferta, mas na identificação da demanda e no ajuste entre ambas. Conforme esclarece Rodrigo (2001),existem ainda poucas análises detalhadas por parte dos governos sobre a demanda de administração eletrônica e que constituam um observatório evolutivo da mesma, aspecto este de vital importância para um enfoque pragmático e eficaz no momento de começar esta grande reforma organizativa e cultural na prestação de serviços públicos. Todos os cidadãos são demandantes potenciais de serviços e bens de Estado, mas este não pode manter-se sem recortar muito bem o público-alvo de cada política e o que cada pessoa atingida demanda segundo uma determinada escala de ofertas. Mesmo supondo uma situação ideal – certamente inatingível – em que a tecnologia (ou seus controladores) não aumente o potencial de pessoas excluídas ou sem acesso aos seus benefícios e em que, conforme escreve Rodrigo (2001), “a geometria na rede seja geograficamente uniforme”, ainda assim, o Estado terá de fazer essa identificação e, de certa forma, escolher racionalmente – premido, é verdade, pelos interesses envolvidos no processo –, bem como distribuir os bens e prestar os serviços. O Governo Eletrônico será ótimo na medida em que a quantidade não seja determinante da tomada de decisão, mas quando a qualidade da oferta, mesmo limitada, permita garantir a perenidade do resultado: a oferta de informatização de escolas pode ser diminuída se o planejamento qualitativo garantir que os clientes atingidos terão maior probabilidade de aumentar o capital intelectual do país do que uma oferta maior sem compromissos com metas educacionais, e os recursos que sobram podem servir a outros fins, uma vez que o benefício social como um todo dessa escolha pode superar a informatização indiscriminada, que pode ser frustrada em seus fins por despreparo dos professores no uso das ferramentas, por exemplo. Nem sempre a oferta homogênea garante o Governo Eletrônico ótimo, embora a oferta homogênea mínima deva ser perseguida para duas ações pelo menos: o acesso capacitado às redes eletrônicas do Estado e a interlocução permanente da sociedade com o Estado quanto às demandas. Existem três componentes do benefício social, as quais são conhecidas pelos nomes já consagrados de eficácia, custo-eficiência e efetividade. A eficácia é a componente material do benefício social e manifesta-se pela quantidade de serviços e de bens que o Estado oferece a determinados clientes em determinado tempo e espaço. Antes das pressões que se sobrepuseram ao Estado para que revisasse o seu papel na sociedade e o seu comportamento em relação aos demais agentes sociais era a componente mais significativa, até porque o envolvimento do Estado com atuações nos grandes monopólios e em áreas hoje consideradas estranhas ao seu escopo eram a palavra de ordem: a medida de sua ação resultava em prover quantidades imensas de bens com pouca preocupação com o resultado efetivo. Decorre dessa herança a dependência dessa componente de três medidas capazes de indicar o grau de eficácia do Estado: a capilaridade, que mede o quanto, no caso das políticas de Governo Eletrônico, a administração pública penetra nas localidades e o grau segundo o qual atuam em rede ou em colaboração (penetração da infra-estrutura, logística, disponibilidade de equipamentos e organização de estoques, integração de sistemas etc.); a densidade, que, quanto mais uniforme, mais tende a aumentar o benefício social, e consiste na medida do volume físico do Estado por cliente (de acordo com a renda, a riqueza ou 23 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 outro critério econômico ou social que indique o grau comparativo de exclusão) ou por área, sendo o volume relacionado a bens públicos (quiosques de atendimento, redes de telecomunicações, computadores etc.) ou a serviços prestados pelo Estado, como quase todos que podem ser colocados em forma de transação eletrônica; permanência ou perenidade, a qual mede o tempo durante o qual o Estado mantém a prestação de serviço e indica o grau de continuidade administrativa ao longo dos governos em relação a cada política. Esse aspecto pode ser mensurado de vários modos: o número de vezes que determinado sítio ficou fora do ar (ou o tempo) em certo período de tempo, o tempo de interrupção do fornecimento de certo bem para a continuidade de algum projeto de Governo Eletrônico, a quantidade de projetos mantida ao longo de vários governos etc. A segunda componente, custo-eficiência, mede a performance do Estado em relação ao aumento da prestação de serviços com recursos certamente cada vez menos suficientes ou, em outras palavras, mede a capacidade do Estado em manter um déficit aceitável sem o prejuízo de sua capacidade no atendimento às demandas da sociedade. Essa componente, pelo menos nos países em desenvolvimento, é a que vem mais sendo objeto de ataques dos organismos financiadores no que respeita à repressão fiscal que vem sendo imposta aos países por esses organismos, que têm muita esperança no Governo Eletrônico no sentido de este ajudar fortemente o equilíbrio das contas públicas, o que poderia garantir o saldo em dias dos endividamentos e a atração de capitais dos países hegemônicos para os países pobres, nos quais encontram mão de obra barata, incentivos fiscais, às vezes exorbitantes, e liberdade de imposição de interesses junto ao núcleo estratégico do Estado, como no Brasil. A componente custo-eficiência pode, de fato, ser a mais fiel contribuinte para o benefício social, pelo menos em um aspecto: se o que se puder ganhar em custo-eficiência não for desperdiçado indiscriminadamente com a amortização de dívidas públicas, pagamento de juros, desvio de finalidade e políticas irracionais de Governo Eletrônico, mas usado em investimento e políticas sociais que permitam diminuir, pelo menos nos países desenvolvidos, os índices que mais os afastam dos países desenvolvidos e para o aumento de oportunidades. Essa componente tem sua mensuração estabelecida por inúmeros critérios, geralmente relacionados com o déficit público, situação da dívida pública e fluxos do Tesouro, mas fundamentalmente, em relação ao que pode implicar o Governo Eletrônico, a medida pode ser expressa pela quantidade de recursos que se pode obter por outras fontes para o financiamento das políticas de meios digitais (parcerias com o mercado e com as organizações não-governamentais), redução de custos na manutenção da gestão (sobretudo a gestão interna) sem prejuízo da obtenção dos mesmos resultados com custos superiores, diminuição de desperdícios etc. Finalmente, o outro aspecto da componente custo-eficiência, com igual importância que tem o controle e monitoramento do custo para o Governo Eletrônico ótimo, é a performance de funcionamento da máquina pública em si, isto é, a capacidade que tem a máquina pública de produzir o efeito desejável sem descontrole dos custos projetados. Um exemplo pitoresco de como se pode ser eficiente com meios digitais e de telecomunicações é o procedimento rotineiro dos policiais civis do estado do Paraná, no Brasil. Durante uma abordagem, o policial inicia uma chamada telefônica a partir de seu telefone celular, a qual permite a identificação da pessoa e do veículo mediante tecnologia WAP. É possível saber se a pessoa tem algum antecedente criminal ou mandado de prisão, permitindo a detenção de algum foragido e, no caso de veículo, pode ser conferida a numeração do chassi, indicação de furto e regularidade tributária. A mobilidade e rapidez da operação não têm precedentes e o próprio papel institucional da polícia, bem como a segurança da população, é aumentado, com o aumento que se aplicou na eficiência para um procedimento administrativo que poderia demorar um tempo infindo, usar material vário e necessitar de inúmeras pesquisas (Ortolani, 2002). As componentes do benefício social são trigêmeas, mas cada uma delas tem um peso diferente determinado pelos interesses que permeiam o Estado ou pelo grau que se pretende sobrelevar no Governo Eletrônico. No entanto, a otimização é mais fácil de alcançar quando é dado maior peso à terceira componente, a efetividade. Um governo que se preocupa mais com a eficácia do que com a efetividade certamente poderá endividar-se indefinidamente e prover educação superior à distância para todos aqueles que tenham concluído o ensino médio, mas não há garantia de que haja qualquer aumento real no benefício social, se não verificar o ajuste da oferta à demanda e a retaguarda que deve estar nesta opção. 24 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 Se o governo preocupa-se mais com a redução de custos ou com uma política fiscal altamente restritiva na área social e com baixo investimento em pesquisa e desenvolvimento tecnológico não estará visando o longo prazo, mas garantindo a sobrevivência de seus credores. A efetividade mede o quão determinado comportamento é alterado mediante determinada ação do Estado junto ao cliente ou qual a contribuição ou impacto dessa ação na constituição integral do cliente (renda, capacidade intelectual, gozo dos direitos, participação civil etc.), indicando se a razão entre o resultado obtido pela ação e o resultado esperado pelo cliente foi maior que a unidade, em termos numéricos. Enquanto a primeira variável de controle do Governo Eletrônico deve ser manipulada segundo um equilíbrio, porque a relação entre as partes pode conduzir a grandes prejuízos para o Governo Eletrônico, o benefício social é obtido a partir da soma ponderada de suas três componentes, e maximizado para se obter bons resultados nas políticas. As duas últimas variáveis que interferem no Governo Eletrônico ótimo são a fluidez e a dependência externa. A fluidez desmembra-se em dois aspectos: a práxis administrativa e a cultura das organizações do Estado, exprimindo aquela como estão distribuídos – e obtendo quais resultados com os recursos de que dispõe – os recursos humanos existentes, o grau de descentralização e desconcentração, o grau de alinhamento, difusão e resposta às informações, a velocidade e a celeridade das decisões etc. e esta exprimindo o grau de compatibilidade entre a realidade administrativa ou que se espera ter e os interesses que os grupos da máquina administrativa defendem. A mudança cultural é um aspecto fundamental em todas as etapas de implementação do Governo Eletrônico, razão pela qual sempre deve suceder às mudanças culturais já empreendidas por ocasião da modernização administrativa (mudança da administração burocrática para a administração gerencial) e é fase necessária para a dissolução de vaidades, desconcentração (embora não possa diminuir) de interesses e quebra de padrões. O mesmo espírito de reforma do Estado que visa à valorização dos servidores das carreiras típicas de Estado mediante aplicação de critérios de mérito, à quebra de cartéis e de anéis burocráticos e ao combate de nichos clientelistas ou patrimonialistas deve permanecer no Governo Eletrônico para alcançar bases novas de integração e de compartilhamento de tarefas, de ideais e de informações. Por outro lado, como foi dito anteriormente por ocasião do comentário às condições mínimas para o Governo Eletrônico, a desconcentração e a descentralização são aspectos imprescindíveis de suas políticas. Note-se que a práxis administrativa e sua cultura são (talvez necessariamente) contraditórias, mas o Governo Eletrônico é ótimo somente quando se consegue tornar esta contradição menor do que a encontrada anteriormente. A dependência externa é a variável de controle do Governo Eletrônico mais difícil de manipular, porque se relaciona com o grau de liberdade que o país tem em implementar suas políticas internas sem prestar contas aos outros países, o que é difícil para um mundo que, hoje, possui graus diversos de reciprocidade, inter-relacionamento, lutas de interesses entre blocos e países etc. Não só: esse problema é ainda mais difícil de resolver quando se trata de países em desenvolvimento, sabidamente dependentes de tomadas de decisões dos países ricos. Quando um governo de um país dependente procura soluções de acordo com sua situação interna sem imitar procedimentos de outros países que certamente operam com realidade diferente e usa até onde se pode ir a resistência à adesão de medidas determinadas pelos países ricos ou pelas organizações muitilaterais que não estão de acordo com o benefício social, certamente está minimizando a dependência e maximizando o Governo Eletrônico, quando toca nas questões de elaboração de seus próprios recursos humanos de pesquisa e tecnologia, hardware, software, telecomunicação etc. O governo deve ter grau suficiente de sensatez para analisar com racionalidade e visão interna as recomendações feitas pelos países não-dependentes e produzir suas próprias visões. Capítulo II – Formas de Governo Eletrônico O Governo Eletrônico possui três princípios fundamentais, que devem permear o planejamento de todas as formas pelas quais se manifesta. Parece indispensável inculcar na cabeça dos tomadores de decisão esses três princípios, aliás, já implicitamente presentes na maioria dos conceitos basilares de 25 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 qualquer administração gerencial: 1. Universalidade Esse princípio significa que toda e qualquer informação não protegida por lei tem de estar disponível nos sítios governamentais, de modo “fidedigno, exaustivo, facilmente acessível e atualizado” (Rodrigo, 2001). Se as informações não estão na forma adequada para ingressarem no mundo virtual, devem ser assim convertidas, obedecendo-se à diversidade entre o meio convencional (escrito) e o meio eletrônico (visual). Do mesmo modo que a informação, como bem provido pelo Estado, os serviços prestados aos cidadãos têm de ter seu análogo de maneira digital. Esse princípio, também, significa permitir que, na prática, o Estado esteja efetivamente presente, a qualquer momento, em todos os lugares simultaneamente, reduzindo custos e simplificando procedimentos. Dentro desse princípio é que deve ser criado um banco de dados unificador do registro de cada cidadão, de acordo com o seu perfil, com uma única identificação. Esse banco de dados universal deve alimentar um sistema capaz de emitir, on-line ou convencionalmente, questionamentos do governo sobre os assuntos pertinentes à gestão das ações de governo e sobre a satisfação da sociedade. Ou seja: é preciso mapear e identificar, em um único local, aqueles que, ao menos potencialmente, receberam determinada provisão para, no futuro, ser feita a verificação. Por fim, não é possível levar à sociedade ferramentas tecnológicas sem que esta esteja preparada para usar da melhor maneira possível os seus avanços. As ferramentas devem ter uma arquitetura interna e uma forma de penetração tal que respondam às seguintes questões: como adensar, e com qual logística, no Território Nacional, pontos de acesso à internet pública? Como alfabetizar a população para o uso das ferramentas que serão postas à disposição? Quais os locais mais adequados para a fidelidade do público ao exercício da cidadania? Como deve ser construída essa infinda biblioteca de serviços e de informações de forma a que o cidadão acesse imediatamente o que deseja? Que outros meios, além da internet, podem ser usados para fazer com que o cidadão esteja presente no controle do governo? Se essas perguntas não forem corretamente respondidas, os obstáculos não serão superados, e a própria sociedade será um empecilho para o trânsito das relações, e, assim, a oferta dos serviços não será universal. 2. Unicidade É ponto pacífico que, atualmente, a internet não possui um sentido de ordem ou uma arquitetura capaz de sustentar a oferta de informações e de serviços de acordo com a expectativa dos usuários, pois o tempo de obtenção do produto e o número de mediações para alcançá-lo podem ser infindos. O Estado, que deve ater-se, hoje, à oferta custo-eficiente de bens e serviços para a sociedade, pode dar ordem e sentido às coisas, se conseguir que os mecanismos de trânsito das relações Estado/sociedade estejam em um único local virtual, conhecido como portal. Tal como o próprio nome indica, o cidadão deve ter uma única porta mediante a qual possa ter acesso a tudo aquilo que corresponda às suas demandas e à sua participação no controle dos atos de governo e da própria máquina pública. Não se pretende extinguir as páginas oficiais. Em vez disso, é preciso criar uma política que regule o seu funcionamento e obrigue as entidades a disponibilizar, em um único portal, todos os serviços e informações. A unicidade quebra o problema antigo, existente mesmo nos ambientes físicos das repartições públicas, de remessa das pessoas a dezenas de locais para exercer a cidadania. Não só: todos os órgãos de todos os poderes em todas as esferas de governo devem escoar as suas informações e serviços para esse local único, o que deve demandar aprimoramento do portal e sustentação do mesmo independentemente do governo que esteja exercendo atualmente o poder. Além disso, é crucial que os sistemas tecnológicos estejam unificados, mediante a fórmula múltiplas entradas uma única saída, tanto em nível externo ou privado (do cidadão para o Estado), quanto em nível interno (do Estado para o próprio Estado). Não pode haver diferença entre uma solicitação de um título de eleitor, de um boletim de ocorrência ou de formalização de uma denúncia. Os objetivos são diferentes, mas o sentido de trâmite é o mesmo. 3. Integralidade A informação e o serviço, em si mesmos, não são nada se não estiverem sendo oferecidos de maneira integral. É preciso determinar que as ferramentas sejam seguras, constantemente acessíveis e nunca tenham tempo de espera para resposta maior do que a esperada, em média, pela sociedade. Além disso, integralidade significa que os fóruns, os callcenters, as bibliotecas, enfim, todos os espaços que 26 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 permitam a participação do cidadão, bem como todas as comunicações emitidas pelo Estado, devem ser feitos de forma a que um único responsável seja identificado e que tudo que seja oferecido seja indubitável: o cidadão não tem de ficar retornando ao local virtual ou mesmo ficar entrando em contato novamente com o órgão para fazer novas perguntas ou para reiterar uma denúncia. O mesmo vale para os programas de governo. É desejável que a avaliação e o monitoramento dos programas de governo possam estar disponíveis e possam ser discutidos diretamente com os responsáveis, que as consultas públicas sejam abertas on-line previamente às tomadas de decisão em relação ao projeto definitivo, o que é perfeitamente possível, se no próprio local de publicação do andamento das ações estiver disponível espaço de participação do cidadão. Sem exaurir as formas existentes de Governo Eletrônicas, a seguir são listadas as principais, que permitem aumentar substancialmente os ganhos sociais prometidos pelas políticas, quando implementadas de modo correto. 1. Endogoverno Eletrônico: a gestão interna mediada pelas tecnologias Se o Estado, pelo menos no que respeita à sua própria solvência, vem incorporando o imperativo econômico de cada vez mais buscar mecanismos que minimizem o desperdício, que permitam a sua atuação crescente com recursos limitados e que possibilitem tornar ágil, máxima e flexível a gestão de seus próprios negócios, fica bem claro que a tecnologia da informação e da comunicação, apropriada pelo Estado para sua própria gestão interna, somente pode favorecer o atendimento deste imperativo, porque os órgãos da administração pública “como grandes organizações burocráticas” que são estão correlacionados com fatores do tipo produtividade, em certo sentido, e com a busca de ferramentas que diminuam as disfunções próprias da burocracia, mas também, quando direcionados por uma visão gerencial, objetivam a efetividade ou mudança de hábito de seus próprios recursos humanos na área. É certo que o adiamento desta incorporação, se a opção for a de reverter os recursos escassos em investimentos relevantes para a sociedade como saneamento, educação e saúde, não conduz necessariamente o Estado ao colapso, mas o bom governo deve verificar se a opção dupla, ainda que limitando a primeira, não é menos onerosa do que uma delas para a sociedade como um todo, pois, de fato, a falta de opção por um mínimo de tecnologia, devido à atual conjuntura global, que põe os Estados numa pletora confusa de concorrência e de possível esmagamento da soberania, pode levar a que o Estado veja “seus esforços (...) escassamente recompensados, produzindo-se uma dinâmica interna das administrações públicas isoladas do conjunto da economia, desconectada da realidade de seu contexto territorial mais próximo” (Jordana, 2000) Existem três soluções usuais de Governo Eletrônico que, em nível ideal, atendem à variável fundamental de solvência do Estado, que é a custo-eficiência. Trata-se do portal corporativo (workplace), do portal de compras do governo (marketplace) e do fluxo/gerenciamento eletrônico de documentos (workflow/GED). 1. 1. Portal corporativo As palavras básicas que ajudam a definir o conceito dos portais corporativos são compartilhamento e integração. Esses dois elementos comparecem igualmente quando os integrantes da organização têm acesso, mediante um único ponto, a todos os recursos redutíveis ao formato de informações disponíveis nas instituições: conhecimento, materiais, perfis de pessoas e decisões. Nenhum portal corporativo pode alcançar êxito sem uma mudança na própria cultura organizacional e na forma pela qual os conhecimentos serão doravante geridos. No primeiro caso, a idéia é reduzir cartórios, disseminar conhecimentos, estimular discussões e compartilhar recursos; no segundo caso, tratase de organizar os conhecimentos existentes sem restrições quanto ao trânsito das informações existentes, eliminando os efeitos diferenciais próprios dos conhecimentos que ficam protegidos por níveis variados da burocracia. De acordo com Dias (2001), o benefício prometido pelos portais corporativos, que pode ser resumido na acessibilidade às informações que fluem nos diferentes sistemas, arquivos e bases de dados das instituições, é muito dependente da forma de “interação dos usuários com sua interface”. Neste sentido, os atributos de acessibilidade e de usabilidade no âmbito dos portais corporativos, 27 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 antes mesmo de se pensar em estruturas e formas de fluidez do conhecimento, devem levar em conta, respectivamente, os seguintes fatores: 1. Negociação prévia. É preciso que os empreendedores do portal corporativo consigam inserir na ferramenta o máximo possível de informação disponível, mas informação relevante, a qual ainda se mantém apropriada por núcleos protegidos da administração pública, cuja difusão facilitará a gestão dos programas e dos projetos do governo. Esse aspecto está intimamente ligado ao poder de decisão do núcleo estratégico de uma administração pública gerencial, que geralmente está em choque com os interesses antiquados daqueles que precisam manter as disfunções burocráticas. Além disso, a unificação dos sistemas, interação e conversação entre bancos de dados, facilidade do trânsito de materiais e de pessoas (bancos de materiais e de talentos), permutação de experiências etc. devem ser medidas viáveis de serem realizadas, pois do contrário o portal corporativo perde suas duas principais características conceituais, relacionadas com o compartilhamento e com a integração. Esse é o fator determinante para o sucesso do portal corporativo, uma vez que o outro aspecto, usabilidade, embora dependente do nível cultural da organização e da disposição dos corpos burocráticos em participarem do processo de mudança, depende, predominantemente, da maneira pela qual o meio tecnológico será arquitetado para facilitar o trabalho dos agentes públicos. 2. Facilidade de uso, aprendizado e satisfação dos usuários. Esses são os fatores levantados por Dias (2001) a respeito da usabilidade dos portais corporativos, que é um atributo implicado com a qualidade do software que será utilizado, e consiste na capacidade que tem um produto de ser usado por agentes específicos para se alcançarem objetivos especificados de custo-eficiência e de qualidade em qualquer contexto particular de uso. Os portais corporativos seguramente agregam melhorias à performance administrativa dos governos, porque, pelo menos a um núcleo restrito de usuários, permite: auxiliar ou dar suporte à tomada de decisões, se o excesso de informações for detido por uma estruturação lógica do conhecimento, cortando repetições, informes amadores e bases frágeis de dados, e se houver investimento em informação que acrescente valor; transferir para a máquina tarefas que consomem o tempo dos agentes, a partir de um único ponto, com visão geral dos assuntos mediante preparação e confecção de mapas, relatórios e gráficos; acesso não somente a recursos materiais, mas às pessoas, favorecendo o fluxo de idéias, embora isso possa causar um desperdício de tempo, se não for usada alguma ferramenta de gerenciamento e limitação dos excessos. Todas essa possibilidades são favoráveis à eficiência e efetividade do Estado, porque, no primeiro caso, diminui substancialmente custos ao compartilhar materiais, estabelecer um único fluxo de armazenamento de materiais, permitir a troca de pessoas, permitir o uso integrado de aplicativos tecnológicos como os softwares e estabelecer um nível único de segurança da informação e porque, no segundo caso, retira da organização o excesso de controle sobre a área meio, agora compartilhada com as máquinas, aumentando a dedicação para com a área-fim, a qual necessita de maior apoio humano do que de máquinas e que geralmente está ligada à efetividade das políticas públicas. Contudo, o bom governo deve observar alguns problemas estratégicos relacionados com a adoção de portais corporativos, não só em termos de custo da solução, mas também em termos de operacionalização: 1. Quais agentes ou hierarquias devem ter acesso a quais informações? Essa questão está intimamente relacionada com a fluidez dos negócios, com a segurança dos dados e com a viabilidade do portal, porque, por exemplo, o acesso de todos os agentes a um mundo incompreensível de informações necessariamente levará a administração ao caos. Além disso, a permissão de facilidades inúteis no cotidiano de certos agentes levará à diminuição de produtividade, como o uso indiscriminado do correio eletrônico. 2. É preciso que o bom governo compreenda que o portal corporativo é fundamentalmente diferente do portal público no que respeita ao seu fim. No primeiro caso, tem-se uma mídia como outra qualquer, a qual, no caso do Estado, serve para a prestação de serviço público e provimento de bem (informações) e, em relação à sociedade, de instrumento de controle social e de transparência, ao passo que o portal corporativo tem como fim suportar o trabalho do cotidiano da máquina pública e servir de instrumento para os objetivos estratégicos da administração, peculiaridades que lhe devem conferir 28 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 sobriedade, uso parcimonioso e profissional. 3. O portal corporativo não pode ser pior do que as ferramentas convencionais no que respeita à adequação entre processo e usuário. Isso significa que o bom governo deve permitir que os portais sejam adaptáveis ao usuário, de acordo com a sua personalidade institucional, pois a grande quantidade de informação que carrega e o arsenal indefinido de funcionalidades podem deter o agente pouco familiarizado com a novidade. Não só: deve o portal privilegiar os aspectos de simplicidade, baixa recorrência a mediações para a obtenção de um dado e ter capacidade de resposta útil. Somente o que for interessante a cada usuário deve ser apresentado àquela interface. 4. O portal corporativo deve ser um ambiente de publicidade, mas com fim diferente da propaganda ou do marketing oficiais. Se alguma medida de melhoria da máquina é anunciada, por exemplo, não se deve usar personalismo ou uma comunicação espalhafatosa, mas a impessoalidade e a moralidade. O portal não deve ser usado para fazer propagandas pessoais ou de ações politiqueiras, mas, sim, para a utilidade da máquina pública segundo os princípios administrativos de publicidade, moralidade e economicidade. Por fim, existem duas características técnicas notáveis que não devem ser deixadas de lado na construção dos portais corporativos, as quais afetam o desempenho da ferramenta, que são, de acordo com Eckerson (1999): 1. Conectividade total aos recursos de informática. Qualquer recurso de informática deve poder ser acessado pelo portal, suportando “conexão com sistemas heterogêneos, tais como correio eletrônico, bancos de dados, sistemas de gestão de documentos, servidores web, groupwares, sistemas de áudio, vídeo etc. Por isso, deve ser capaz de gerenciar vários formatos de dados estruturados e não estruturados”; 2. Segurança. Para proteger as informações institucionais e evitar acesso não autorizado, o portal deve ter um bom serviço de segurança, “como criptografia, autenticação, firewalls etc.”. Deve permitir, também, “auditoria dos acessos a informações, das alterações de configuração etc.”. De acordo com Dias (2001), espera-se de um portal corporativo um “aumento de produtividade, redução de custos e aumento de competitividade” saudável entre os órgãos da administração pública na gestão de seus meios. Cardoso, Bemfica e Reis (2000) analisaram um caso interessante de integração de informações no âmbito do Estado. A experiência não é exatamente a construção de um portal corporativo, tampouco de um workflow, comentado mais adiante, mas um misto embrionário de ambos, cujos “pontos de estrangulamento” do projeto apenas exemplificam o quão difícil é o sucesso de um portal corporativo propriamente dito, o qual abrange toda a administração pública em seus variados setores. Para os autores, a implantação de procedimentos automatizados e a difusão de equipamentos eletrônicos no setor público têm sido conduzidas, em muitos casos, sem levar em consideração pré-requisitos como a revisão crítica dos fluxos e processos da estrutura administrativa nem o estágio de ‘alfabetização tecnológica’ dos seus quadros operacionais e de suas populações, ocasionando resistências e fracassos que, ao estabelecerem um círculo vicioso, acabam obstruindo justamente a eficiência e a modernização almejadas. O caso estudado refere-se a um projeto que desenvolveu e implantou um sistema informatizado que objetivava a melhoria do fluxo de informações sobre política pública municipal de assistência social para crianças e adolescentes carentes, tentando estabelecer uma rede inter-relacionada e integrada de informações de uso comum pelos órgãos municipais de gestão das políticas de assistência social tãosomente para extração, organização e processamento unificado e disponível das informações originárias dos agentes, suportadas por máquinas e aplicativos adquiridos com recursos internacionais. De acordo com os autores, após o esgotamento dos recursos e um ano depois de implantado o projeto, toda a instalação tecnológica estava concluída, mas “a pretendida rede integrada de informações não havia sido constituída e o processo de capacitação de pessoal estava cumprido apenas em parte, apesar dos esforços feitos pela equipe responsável para superar os entraves burocráticos”. Os pontos sensíveis que provavelmente determinaram o fracasso do projeto foram listados pelos autores: falta de precisão sobre estratégias e modos mediante os quais os objetivos deveriam ser atingidos; falta de interação entre as instâncias decisórias e o corpo que detinha o conhecimento técnico e operacional; falta de diálogo entre os participantes sobre a determinação da política; conservação da cultura organizacional e conhecimento parcial do próprio processo em si pelos setores (idem, 2000). 29 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 A conclusão dos autores, que serve de lição para empreendimentos semelhantes, é de que na implantação e no desenvolvimento do projeto os agentes públicos “como reféns do contexto conservador e excludente em que atuam” teriam ficado impossibilitados “de conduzir ações reformadoras efetivas do aparelho de Estado” (idem, 2000). 1.2. Portal de compras governamental O portal de compras governamental consiste de uma solução que, usando intensivamente recursos de tecnologia da informação, visa a tornar integrais as compras governamentais e as contratações de obras e serviços, permitindo que, num único ambiente seguro, fornecedores, sociedade civil e governo interajam segundo seus interesses declarados: a dos primeiros, obter informações e serviços que permitam oferecer produtos de acordo com as normas de licitação do Estado, a da segunda, exercer controle social sobre o governo, aproveitando os caracteres de publicidade, moralidade e transparência e a do terceiro, adquirir os produtos de uma forma econômica e satisfatória para a administração pública. De acordo com Maza (2001), a aquisição pelos governos de bens, obras e serviços no mercado representa cerca de 10 e 15 % do PIB da nação, excluindo defesa. Muitos governos vêm efetuando uma descentralização sem estratégia, perdendo eficiência, que dá maiores oportunidades à corrupção – a qual elevaria em 20%, em média, o preço final das aquisições -, e o poder Judiciário, que deveria estar exercendo eficazmente o controle da legalidade, não o vem fazendo, muito menos as entidades de auditoria externa, como os tribunais de contas. As aquisições são percebidas pela maioria dos governos como simples processo de compras e não como uma política. Quando esses aspectos são detidos por um processo integral de aquisições e de sistemática de licitação mediante sistemas eletrônicos e o setor público começa, por uma interface, a trabalhar muito próximo ao setor privado para introduzir novas técnicas de aquisições a tendência é de que todos os setores ganhem e de que o controle social aumente. De acordo com o autor, os ideais perseguidos por um portal desta natureza são (idem, 2001): 1. gerenciamento integral do processo de aquisições, incluindo associações estratégicas e responsabilidade dividida; 2. agregação de demanda, melhores preços mediante economias de escala, gerenciamento financeiro adequado, informação e visibilidade para todos de todo o processo e em tempo real, gerenciamento de inventário e entregas de acordo com as necessidades; 3. melhoria na relação do Estado com a sociedade; 4. diminuição de antagonismos entre provedores e Estado; 5. negociações que visem ao benefício de todos. A implementação de um portal de compras parece exigir menos etapas institucionais a serem vencidas do que a de um portal corporativo, porque os obstáculos existentes são mais pertinentes às normas que emperram os procedimentos de licitação em si e à situação dos sistemas administrativos que executam os processos de aquisição do que à criação de rotinas eletrônicas que permitam agilizar os processos e dar publicidade aos mesmos. Assim, deve o bom governo observar que a implementação de um portal de compras é quase que uma opção política e não um trabalho de convencimento dos seus quadros funcionais, ainda que a tentativa decorra das estratégias de reforma do Estado. A primeira providência parece residir na revisão dos atos administrativos e das leis existentes acerca das licitações, no sentido de eliminar normas conflitantes, entendimentos casuísticos e procedimentos evasivos. Não é desejável o afrouxamento da norma quanto aos ritos próprios da moralidade e da publicidade, mas a flexibilidade de procedimentos de acordo com o tipo de aquisição e com o tipo de serviço, bem como com sua situação junto ao mercado, adequando o processo não apenas ao interesse público e ao princípio da isonomia, mas também ao fim a que se destinam os produtos e os serviços em relação ao fim que cumprirá no programa ou no projeto. Um bom exemplo de mudança incorporada como serviço de portal é o pregão eletrônico introduzido pelo governo federal do Brasil comentado mais adiante, que persegue justamente a agilidade de procedimentos e a publicidade quase instantânea. Porém, essa iniciativa é exemplar para o bom governo que deseje seguir inovação semelhante, pois a introdução dessa modalidade de licitação requereu 30 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 esforços de capacitação. Esse é um tipo de situação induzido pela própria tecnologia, porque leilões sempre existiram, mas somente as características eletrônicas do portal conferiram ao leilão uma inovação. O bom governo deve, pois, investir em formas que permitam adaptar os procedimentos tradicionais que funcionam bem e convertê-los em formas eletrônicas. Os três requisitos técnicos fundamentais dos portais de compras são segurança, capacitação de pessoal e integração de banco de dados entre as corporações envolvidas. A segurança permite certificar o acesso dos usuários, garantido que quem acessou o portal de compras foi o portador da senha e que este prestou e recebeu do portal informação, sem retratação de nenhum dos lados. De outro lado, a segurança certifica o usuário do módulo de gestão do portal, permitindo o registro das alterações e de quem as fez. Essa característica do portal de compras é a mais sensível, porque uma das maiores queixas dos usuários de portais que lidam com negócios é a dúvida sobre a segurança de acesso. A capacitação de pessoal visa a garantir um quadro de mantenedores do serviço para o atendimento ao usuário, quando houver questionamentos sobre procedimentos e instrumentos normativos, bem como para responder à sociedade sobre questões de interesse do controle social. Um suporte ininterrupto ao cliente estabiliza ou aumenta a credibilidade do serviço e confere tranqüilidade aos envolvidos no processo. É notório que o processo de licitação, na fase de habilitação e qualificação formal, exige a lisura dos participantes quanto às suas obrigações junto ao fisco, à previdência, aos fundos sociais etc. Essas informações, geralmente na forma de certidões, são originárias de inúmeras corporações ou órgãos da administração pública, de modo que um banco de dados integrado aos outros bancos facilitará o processo, diminuindo a quantidade de documentos a serem autenticados. Finalmente, a interface de navegação deve ser obviamente favorável ao usuário, com leiaute próprio de um sítio de serviços (minimização das mediações para a efetuação de transações) e busca rápida e precisa às informações, se possível com serviço de assinatura: o usuário deve poder escolher o que deseja receber de acordo com o porte de seu negócio com o Estado. Um portal de compras deve ser auto-sustentável, no sentido de cobrar pelos serviços restritos (assinatura para recebimento de avisos e editais de licitação, legislação selecionada, lista de preços, estatísticas de compras e serviços etc.) e de diminuir o impacto de sua manutenção junto ao dispêndio do governo. O governo federal brasileiro possui, na modalidade acima descrita, talvez um dos melhores portais de compra governamental existentes no mundo21, que vem sendo implementado desde 1998, visando a progredir a administração nas ações de logística governamental e, também, a atingir, segundo sua concepção institucional, uma maior amplitude, divulgação e transparência nas compras e contratações do governo federal. O portal divulga avisos e editais, suas diversas modalidades e, ainda, resumos dos contratos firmados pela administração pública. As funcionalidades disponíveis permitem aos interessados acessarem as áreas de legislação, publicações, fornecedores, serviços de livre acesso, serviços por assinatura e o Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais – SIASG, que consiste de solução informatizada para viabilizar as ações de controle e gerenciamento das compras governamentais, consideradas excessivamente burocráticas. A área de legislação permite o acesso aos atos administrativos e às leis referentes às compras e contratações governamentais. A área de publicação permite o acompanhamento do Informativo Comprasnet, onde se encontram informações sobre os gastos com custeio nos itens referentes à manutenção da administração pública. Na área de serviços de livre acesso estão disponíveis, dentre outras, as seguintes aplicações: Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores – SICAFWEB, que tem por objetivo cadastrar e habilitar pessoas físicas ou jurídicas interessadas em participar de licitações promovidas pelos órgãos integrantes do sistema e, também, por aqueles pertencentes aos demais poderes, que a ele aderirem, pregão eletrônico (modalidade inovadora de licitação que permite a aquisição de bens e serviços comuns e onde os participantes disputam lances efetuados eletronicamente), que dá opções específicas de acesso ao pregoeiro, aos fornecedores e à sociedade em geral e permite consulta aos 31 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 resultados de licitações e aos contratos. Na área reservada aos serviços por assinatura, o fornecedor recebe e-mail sobre as licitações de seu interesse, listas classificadas e podem fazer download das linhas de materiais e serviços. Essas facilidades são postas à disposição dos interessadas em forma segura e conectada a uma base integrada de dados das principais corporações envolvidas no processo. De acordo com Braga (2001), responsável pelo portal, o contexto permanente de contenção do déficit público impõe medidas de racionalização de gastos, que requerem formas criativas e inovadoras de gerir a máquina administrativa. A propalada premissa de fazer mais com menos passa pelo reordenamento dessas práticas. Dentro das limitações de gastos com custeio existentes, e de sua significativa margem de manobra, não se pode deixar de ressaltar a importância que o melhor gerenciamento, a eficácia dos mecanismos de avaliação de resultados representam. Portanto, o Portal de Compras [do governo federal do Brasil] é uma realidade fática no gerenciamento do gasto público e da globalização, corroborando para uma revisão e re-ordenamento nos papéis do governo, dos fornecedores e da sociedade em geral. Nesse sentido, o Brasil, a exemplo de outros países, está se estruturando e iniciando a mudança do paradigma na gestão das compras governamentais.Porém, não é de transparência que vive o portal Comprasnet, em que pese o uso intensivo de tecnologia da informação para o fato realmente constatado de redução de custo nos procedimentos e de publicidade das aquisições e dos serviços contratados22. A transparência não se simplifica em colocar à disposição da sociedade as informações sobre as compras – isso é publicidade –, mas colocá-las em forma compreensível para toda a sociedade. Embora não seja tarefa própria do portal, dever-se-ia encontrar formas de tabular os dados e estruturar os resultados de forma clara para a sociedade, em harmonia com os resultados do controle interno e do controle externo, bem como com a assessoria econômica que cuida da aplicação da responsabilidade fiscal, passo que ainda não se cumpriu. O bom governo deve observar que a transparência somente se realiza se o usuário compreende e age em relação à publicidade, somente até onde chega o portal. Um outro problema do portal é não ter contemplado, ainda, o setor de obras públicas para permitir a implementação e o acompanhamento do uso do dinheiro público nas reformas, nas instalações e no crescimento patrimonial do Estado. Sabe-se que os recursos envolvidos em obras são uma das maiores vítimas da corrupção no Brasil23, cujo exemplo maior foi o fato que virou símbolo do país, abordado em um discurso do Presidente da República (Brasil Transparente, 2002): o prédio inacabado do Tribunal do Trabalho de São Paulo virou símbolo de uma crise que põe em questão o funcionamento das nossas instituições republicanas. A União enterrou dezenas de milhões nessa obra. Grande parte do dinheiro foi furtada. Se o prédio estivesse pronto, se nenhum centavo tivesse sido desviado, o custo exorbitante seria assim mesmo uma afronta aos contribuintes, em especial aos trabalhadores. O mais grave é que tamanha sangria de dinheiro público aconteceu durante oito anos, diante dos olhos dos três poderes da República. 1.3. Fluxo e gerenciamento eletrônico de documentos O progresso da tecnologia da informação, apanhando o desenvolvimento de hardware e de software já em uma acelerada fase de difusão e barateamento, sempre dá a falsa impressão de que os papéis estão se acabando. Em lugar disso, a emissão de documentos impressos ou sua circulação só fez aumentar ou, ainda melhor, aumentou em utilidade e diversificação. De acordo com dados recentes, só os Estados Unidos geram um bilhão de páginas de papel diariamente e cerca de 95% das informações mundiais trafegam ainda na forma tradicional de papel24. Sendo o Estado, pela contumácia e inerência em produzir informações, deve possuir uma forte participação neste universo. Desta maneira, os documentos em mídia papel – seja por razões jurídicas, já que o direito está sempre atrás das novidades, seja por razões inerentes aos procedimentos ainda utilizados, já que a facilidade de impressão termina favorecendo o fluxo de papéis – ainda continuarão existindo por longo tempo, suscitando, porém, algumas dificuldades, como o custo decorrente da aquisição de matéria prima, do armazenamento e da preservação, bem como a alta tendência à deterioração. Esses problemas não atingem somente o papel (fax, processos, correspondências etc.), mas também outros documentos em meio magnético e ótico, como e-mail, arquivos eletrônicos, dados etc. De acordo com Musafir (2001), o desafio está em armazenar, gerenciar e recuperar todas essas 32 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 informações de forma segura e ágil, reduzindo o volume de papel e simplificando os procedimentos usados na sua manipulação, o que proporcionará, no âmbito da administração pública, aumento de produtividade e de ganho de tempo. A forma de Governo Eletrônico que se propõe resolver os problemas gerados por esses meios é o gerenciamento eletrônico de documentos (GED), o que nada mais é do que a automatização das tarefas, decisões e direcionamento dos documentos aos diversos postos de trabalho no sentido de melhorar a qualidade e a produtividade, logo a eficiência administrativa, donde a necessidade de sistemas de fluxo de documentos (workflow) como solução. Enquanto o gerenciamento eletrônico de documentos se define como uma tecnologia que permite armazenar, localizar e recuperar informações no formato digital, estruturadas ou não, durante todo o seu ciclo vital de maneira fácil, controlada e distribuída, o workflow – uma vez organizada a informação – permite que se conheça o fluxo do processo, conferindo automação e controle ao fluxo dos processos, funcionando como aglutinador das ações pontuais de cada uma das etapas do processo, sendo, desta maneira, um gerenciador do fluxo de processos que permite o controle automático de tarefas, eventos e prazos, para que a administração atinja o fim visado (idem, 2001). A autora vê pelo menos três atuações do GED e nove no workflow. O GED pode gerenciar imagens, transformando documento em papel em uma imagem digital e manipulável; pode gerenciar relatórios corporativos, evitando que os relatórios sejam impressos no todo, pois permite consultas pontuais e escolhidas em todas a s direções e locais da mídia; e pode gerenciar documentos propriamente ditos, controlando o armazenamento de documentos produzidos por softwares, fazendo uso de bibliotecas que permitem o controle das diversas versões de um documento. O workflow, por sua vez, cujo foco reside em informar quem fez determinada parte de um trabalho em que ordem e sob quais condições e que necessita que a tramitação de documentos esteja completamente sistematizada, atua nas seguintes classes: na produção, na coordenação das atividades de um grupo de pessoas, nos processos administrativos de baixo valor agregado, nos processos eventuais com regras e fluxos de baixo grau de estruturação, no controle da seqüência de execução das diversas atividades do processo, no controle de tempo, na oferta de caminhos alternativos de execução das tarefas, na atribuição de papéis ou perfis, isto é, re-direcionamento de uma ação para um perfil de usuário, quando uma condição é satisfeita ou um prazo se esgota e no monitoramento, facilitando o acompanhamento da situação das tarefas e do trâmite das ações tomadas no processo. A implantação tanto de um sistema quanto do outro requer uma análise rigorosa do fluxo tradicionalmente existente. Os sistemas entram não apenas para otimizar o fluxo atual, mas também, uma vez implantado, pela visão localizada e, ao mesmo tempo, generalizada que dá a todo o processo, permitem melhorar os nós ou pontos críticos, bem como evitar gargalos existentes, que só se mostram quando as ferramentas são introduzidas e começam a funcionar. Uma das maiores vantagens, pois, dessa tecnologia, quando bem implementada, é justamente evidenciar o quanto se pode voltar sobre o próprio sistema para cada vez mais melhorá-lo e agilizar o andamento dos processos. Ambas as tecnologias são, talvez, a forma de Governo Eletrônico mais perigosa, quando implementada sem o cumprimento de requisitos que, às vezes, não têm qualquer relação com os sistemas, mas uma vez implantada começa a apresentar disfunções próprias do não atendimento desses requisitos. A administração pública, pois, antes de implantar os sistemas deve: 1. esclarecer o cenário de seu próprio negócio e os fins perseguidos; 2. analisar de maneira crítica seu próprio ambiente operacional e melhorar, com as ferramentas que possui, o que for possível, antes da implantação; 3. projetar os sistemas (arquitetura, volume, complexidade, ambiente operacional e funcionalidade) em consonância com os projetos e processos existentes para um determinado horizonte; 4. integrar seus macro-sistemas alimentadores e seus bancos de dados; 5. existência de ferramental e regras de segurança e privacidade, especialmente a certificação digital; 6. possuir um inventário crítico dos processos existentes, fluxos atuais, sistemas legados, arquivos etc. 2. Universalização do acesso aos serviços e informações em meios digitais 33 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 Assim como os meios escritos disponíveis são inúteis sem que exista capacitação por parte do usuário para, primeiro assimilar, depois compreender as mensagens, meios eletrônicos que publiquem informações ou permitam a disponibilidade de serviços eletrônicos são inúteis sem educação digital.25 Não só: a tecnologia da informação e da comunicação, como outros tipos de tecnologia, da forma como surgem e como encontram os países, sobretudo aqueles em desenvolvimento, contribuem ou reforçam a exclusão da maioria dos governados do usufruto de suas facilidades26. E exclusão, neste enfoque, é um conceito crucial para os empreendedores de políticas públicas, quando relacionado com pobreza. A exclusão digital é um conceito que é absorvido pelo conceito de exclusão social, o qual é mais forte ou abrangente que o conceito de pobreza. A pobreza está definida pelo nível de renda do indivíduo e pelo modo como determinada sociedade distribui sua riqueza em relação a cada integrante, de modo que é um conceito material e palpável, facilmente mensurável. A exclusão social, embora inclua a pobreza como seu componente econômico, abrange outros tipos de carência, é bem verdade, condicionados pela carência material, mas não necessariamente, como o isolamento ou a exclusão do indivíduo do usufruto de bens próprios das formações sociais capitalistas, desfrutados por alguns, a exemplo do exercício pleno da participação política, dos processos sociais, do poder e dos benefícios gerados pela sociedade ou pelo Estado, como, no caso em tela, as facilidades da tecnologia27. Neste sentido, a falta de uma política que implique difusão de tecnologia para pessoas previamente capazes não acentua exatamente a pobreza, mas a exclusão social, provocando, neste caso, mais uma polarização, além das existentes, entre os que possuem e os que não possuem determinados bens. Como bem comenta Fundación COMNET-IT (2000), os pobres carecem pura e simplesmente de recursos de tecnologia da comunicação e da informação. Em um planeta onde 80% da população não têm acesso a sistemas de telecomunicações confiáveis e onde uma terça parte desta carece de provisão de eletricidade, não é nada surpreendente que a internet chegue muito pouco aos pobres. Além disso, a metade da população dos países de reduzido ingresso é analfabeta, e ainda é maior a proporção de pessoas incapazes de ler em inglês28, que é o idioma dominante na informação digital. De acordo com Sicsú e Melo (2000), o quadro geral é de contraste: nos Estados Unidos, estima-se que entre 1995 e 1998 as indústrias de Tecnologias da Informação - TI responderam por mais de 1/3 do crescimento do PIB no período. Na Espanha, entre 1997 e 1998 o setor cresceu cerca de 18%. (...) [Não obstante], observa-se uma tendência de potencial exclusão, com o surgimento de um novo divisor - entre os que têm acesso e aqueles que não o têm. Uma clivagem potencial que, ao guardar uma relação direta com a renda e nível educacional, quando agregada ou adicionada àquelas herdadas ou acumuladas ao longo da história, proporcionarão desequilíbrios sociais absolutamente intoleráveis. A situação da tecnologia da informação, como problemática para a universalização de acesso à prestação de serviço estatal, além de polarizar, concentra a infra-estrutura, a qual é uma forma de riqueza, correspondendo mais ou menos à distribuição de riqueza total entre países ricos e países pobres e, em cada um desses, à distribuição de riquezas entre as classes. Segundo Gunther Cyranek, consultor regional da UNESCO para a África Sub-saariana, na área de informática e telemética não somente a carestia da internet e sua restrição aos centros urbanos são obstáculos para a universalização, mas também, no caso da tecnologia avançada, o backbone da internet de alta velocidade e os potentes nós de redes construídos ao longo do tempo conduziram a uma esmagadora concentração da internet em um país, os EUA. Atualmente, até mesmo para redes intra-européias, os provedores de serviço de internet (Internet Service Providers - ISP) locais utilizam o Estado da Virgínia como eixo internacional da Internet, e a maioria dos IPS nos países desenvolvidos está conectada a operadores de base americana para tráfego intra-regional e, às vezes, até mesmo nacional. Na maioria dos casos, ISP fora dos EUA devem pagar o custo integral dessas conexões de duas vias e, nestas circunstâncias, ironicamente, até mesmo os países mais pobres são obrigados a subsidiar os provedores de internet e usuários dos Estados Unidos (Cyranek, 2001). A universalização, embora dependa da disponibilidade de hardware, na verdade depende de outros elementos, até mais relevantes, como o envolvimento dos governos locais e da comunidade na transferência efetiva da tecnologia (capacidade de usar os equipamentos), conceito preciso da interface a ser adotada nos equipamentos, que deve estar de acordo com o nível intelectual dos indivíduos – quando se sabe que na maioria dos países em desenvolvimento dificilmente a erradicação do analfabetismo ou da 34 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 educação de baixo nível de aproveitamento, ocorrerá antes da penetração dos novos meios eletrônicos – e conteúdo da comunicação e da informação, de acordo com o público que terá acesso (deficientes físicos, idosos etc.). Por sua vez, quando se aborda o tema capacitação no âmbito do uso da tecnologia, o ideal seria imaginar o treinamento de pessoas já portadoras de um nível mínimo de educação formal, mas não é o que ocorre na maioria dos países, como dito acima. Pode muito bem ocorrer uma espécie de atropelamento: capacitação para uso da internet sem superação das condições de analfabetismo e de semi-analfabetismo. Isso é fundamental ao se pensar, como esclarece o Livro verde brasileiro, que o conceito de universalização, absorvendo o conceito de capacitação, não abrange apenas a oferta de meios de acesso à internet e capacitação de indivíduos para tornarem-se usuários da mídia, mas também a possibilidade de que os governados atuem como editores ativos do conteúdo circulante na rede, em favor dos interesses individuais, mas, também, dos interesses da comunidade, com “responsabilidade e senso de cidadania” (Brasil, 2000). Há muito a se fazer em relação à universalização do acesso à internet em todo o mundo. O processo deve ser conduzido e induzido pelo Estado, mas este não tem a menor condição de sozinho empreender essa tarefa, como o fez em relação a outras ações no passado. Como recomenda o Livro verde brasileiro (idem, 2000), os parceiros devem, entre outras ações, com a predominância de um ou de outro em cada ação: 1. Aumentar significativamente a capilaridade do acesso à internet no país; 2. Produzir e ofertar ao mercado dispositivos de baixo custo (hardware e software); 3. Promover a implantação de serviços de acesso público à internet; 4. Oferecer mecanismos de avaliação e oportunidades de treinamento básico em informática em larga escala; 5. Criar e utilizar, na forma indutiva, um fundo de universalização para financiar os esforços; 6. Promover alfabetização digital maciça da população; 7. Criar e manter banco de equipamentos desusados com fins de doação. A forma mais conhecida de universalização de serviços de Governo Eletrônico tem sido a de terminais de auto-atendimento, semelhantes aos equipamentos bancários, que permitem comandos manuais e emissão de resposta por uma tela e por uma impressora. A maior luta dos executores de políticas é encontrar um modelo de equipamento que atenda, pelo menos, a seis requisitos: 1. Adequação do terminal às condições físicas, ambientais e culturais do local de implantação; 2. Interface amigável e conceitualmente adequada a cada usuário; 3. Manuseio adequado a cada usuário, independentemente das deficiências de que seja portador; 4. Garantia de qualidade, segurança e fé pública (certificação digital) quanto aos serviços prestados e documentos emitidos; 5. Controle absoluto on-line da gestão de conteúdo, leiaute e configuração de hardware e de software; 6. Aproveitamento dos equipamentos existentes para introdução da interface de navegação (conteúdo e leiaute), bem como da gestão do equipamento; 7. Funcionamento ininterrupto e presença permanente de suporte. Seppälä (2001) descreve um caso interessante de portal de serviços e informações que converte boa parte da oferta de bens e serviços do Estado na forma eletrônica, na cidade de Tampere, na Finlândia. Mediante a internet, a prestação de serviço é feita 24 horas por dia, sendo que a prefeitura distribuiu terminais nas escolas, bibliotecas e em um web cafe. Os serviços disponíveis são, dentre outros, fórum de discussão para o planejamento urbano e orçamento, loja virtual, quadro de horário de ônibus por meio da tecnologia wap, mapas e fotos aéreas com a localização dos serviços e, ainda, informações sobre turismo e conferências. Mesmo numa cidade de um país rico, o autor detecta que o uso dos serviços digitais ainda é restrito, devido ao limitado acesso à internet e à falta de conhecimento em informática, tanto entre os moradores quanto entre os integrantes da administração municipal. Somente 50% da população adulta da Finlândia têm acesso à internet e apenas um terço a usa diariamente (idem, 2001). O governo federal brasileiro está implementando projetos de universalização de acesso à internet, 35 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 mas de uma forma que não deve ser imitada por nenhum governo, pelo menos em alguns aspectos: a falta de unidade e de integração entre as diferentes iniciativas, isto é, múltiplos órgãos despejam equipamentos ou iniciam processo de aquisição sem juntar esforços, mas duplicando-os. A despreocupação prática com a falta de capacitação dos governados para o uso da internet, bem como o isolamento dos governos locais e, até, das organizações não-governamentais no processo soa como alarme para outros governos. A iniciativa que mais efeitos práticos teve até o momento foi a dos Quiosques Rede Governo29, cujo projeto está na fase piloto, embora não haja, de acordo com a avaliação feita sobre o projeto pelo autor deste ensaio, que entrevistou o técnico responsável pela execução, nenhuma rotina de testes junto ao público-alvo, própria de uma fase de verificação. O que está havendo é uma avaliação de alternativas de tecnologia, de logística, de infra-estrutura, de comunicação e uma relação de entendimento com parceiros e fornecedores. De acordo com a entrevista concedida pelo técnico (Godinho, 2002), os diferenciais dos Quiosques Rede Governo em relação a outros pontos de auto-atendimento com acesso à internet são a autosustentação e a sinergia entre as partes envolvidas: gestor, fornecedor e usuário. As dificuldades de implementação do projeto acontecem mais no campo da articulação do que no campo técnico. Por exemplo, o projeto está sendo executado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, mas os recursos disponíveis estão alocados no Ministério das Comunicações, que é detentor de uma outra iniciativa chamada de Governo Eletrônico-Serviço de Atendimento ao Cidadão – GESAC, que já está em fase de licitação, a qual não se sabe se incluirá, pelo menos conceitualmente, o projeto dos quiosques, pelo menos quanto ao conceito de interface, porque há, segundo o técnico, incompatibilidade em muitos pontos, ficando difícil a fusão sem que um deles seja extinto. De acordo com o técnico entrevistado, o quiosque, procurando atender a objetivos distintos, como o de navegação livre na internet e o de oferta de serviços pelo governo federal, foi desenvolvido obedecendo ao conceito de segmentação. O equipamento, pois, possui diversas configurações, definidas de acordo com o público-alvo a ser atingido e com os equipamentos existentes. Isso quer dizer que o quiosque pode ter formato de um totem, de um desktop ou de um telefone celular que usa tecnologia wap. Em algumas formatações o acesso à internet é livre; em outras é restrito. Dependendo da situação, a navegação dar-se-á com a utilização de trackball, em outras com botões e funções ou mouse. Alguns terminais são conectados à rede local, outros usam o satélite, cada uma das alternativas dependente, segundo o técnico, da relação custo/benefício entre a tecnologia e os resultados esperados. Nos terminais já disponíveis foi desenvolvida uma interface derivada do portal oficial de acesso aos serviços ou às informações do governo federal, seguindo regras de acessibilidade e de navegabilidade, facilitando o manuseio por parte do cidadão que não tem familiaridade com esse tipo de tecnologia. Os serviços estão agrupados de acordo com sua relevância e agrupados segundo temas como emissão de certidões ou nada-consta, direitos do cidadão, taxas e impostos etc. e sempre no sentido daqueles de maior demanda por parte dos usuários. Mediante uma interface amigável, é possível acessar qualquer serviço ou informação com no máximo cinco toques no mouse. 3. Portal de serviços e informações O primeiro aspecto que deve ser lembrado ao se abordar um site oficial de serviços e informações é, sem dúvida, o conteúdo, porque, como asseveram Barboza, Nunes e Sena (2000), a construção é feita por arquitetos anônimos e multidisciplinares que precisam disseminar informações acuradas a um público muito diverso30. Gant e Gant (2002) captam bem esse aspecto ao afirmarem que o valor de um portal que oferece serviços e informações ao cidadão depende de sua habilidade de dar acesso a conteúdo relevante, devendo-se notar que o que pode ser importante para um cidadão pode não o ser para outro, de maneira que as páginas oficiais, com a facilidade com a qual chegam até o cidadão, devem estar adequadas ao perfil de cada um deles – o que é extremamente complicado –, como um ato de reconhecimento da diversidade da audiência da internet. A seguir, deve ser analisado o aspecto ergonômico, que significa a oferta da informação ou do serviço contemplando formas de conteúdo e de navegação compatíveis com qualquer usuário em termos de compreensão e de conforto de comunicação. A variável que mede a ergonomia é a usabilidade, definida 36 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 pela ISO 9241 como “a extensão em que um produto pode ser usado por usuários específicos para alcançar objetivos específicos com eficácia, eficiência e satisfação num contexto específico de uso” (ISO, 1998). Finalmente, deve-se levar em conta o leiaute e sua performance junto a um público tão diverso. Esses aspectos são todos derivados de um conceito próprio para as páginas da web e para os portais, que atinge nível crítico quando se trata de conteúdo e de leiaute produzidos pelo Governo Eletrônico: a funcionalidade. De acordo com Gant e Gant (2002), a construção, manutenção e avaliação de portais governamentais demandam o cuidado com três níveis de complexidade: publicação da informação e direcionamento para as páginas oficiais existentes, transações por meio de uma única agência e necessidade de integração entre múltiplas agências. Esses níveis determinam o conceito de funcionalidade, que se baseia na observação do cumprimento de pelo menos quatro requisitos: 1. Abertura. Refere-se ao prazo durante o qual um website oferece informações e serviços compreensíveis e mantém comunicação oportuna com todo o público; 2. Adequação a cada cliente. Refere-se à habilidade para se criar conteúdo, leiaute e interface específica para determinado usuário; 3. Usabilidade. Refere-se ao conforto com o qual os usuários podem acessar e navegar pelo portal; 4. Transparência. Indica o grau de tranqüilidade com a qual o usuário pode assegurar-se da legitimidade ou lisura do conteúdo do portal. Os autores avaliaram os portais de todos os estados norte-americanos aplicando os critérios de funcionalidade a cada um deles, segundo uma escala de notas e extraíram um escore final para cada um deles. O maior escore (72,7) foi para o estado da Califórnia e o menor escore (0.0) para os estados de Nevada e Tennessee. É surpreendente como apenas vinte e dois estados ficaram acima da média dos escores (28,4). As piores notas foram para a adequação ao cliente, seguido do quesito transparência, depois abertura e, finalmente, funcionalidade. Como se vê, o pior desempenho refere-se justamente ao conteúdo, uma vez que os outros quesitos estão mais relacionados com leiaute, capacidade da infraestrutura e estrutura da navegação. O conteúdo disponível e a arquitetura da informação ou do serviço são aspectos essenciais na web governamental. Barboza, Almeida e Sena (2000) selecionaram nove sítios do governo federal brasileiro, alguns classificados como prestadores de informação, outros como prestadores de serviços de informação. O exame contemplou três parâmetros: ergonomia, qualidade e comunicação. De acordo com os autores, embora todos os sítios tenham preenchido mais de 50% dos subitens dos critérios de avaliação conteúdo e leiaute, com exceção de um deles, todos necessitam de revisão quanto ao critério ergonômico. A maioria dos sítios oficiais não tem o hábito de estudar e detalhar os procedimentos e as etapas que levam ao serviço convencional antes de convertê-lo em serviço digital, ignorando os caminhos críticos, o que pode ser reavaliado e o que precisa ser corrigido antes de entrar para a internet e se necessitam ou não de terem alguma etapa híbrida (parte do serviço ser convencional). O mesmo ocorre com a informação. Esta não fica disponível na web em uma forma diferenciada da forma convencional (como a fixada em um aviso em alguma repartição ou em algum pequeno manual impresso), explorando pouco as potencialidades da tecnologia exatamente pela falta de planejamento e visão do executor da política. A capacidade que tem o portal de serviços e informações de desafogar a procura pelos balcões e guichês e tornar inteligível, clara e didática a informação fica prejudicada pela precipitação dos governos. O mesmo se dá com a arquitetura dos sítios, a qual não privilegia a navegação concisa, aplicando um número indefinido de mediações para que o cidadão tenha acesso ao serviço ou à informação. Em outros casos, serviço e informação – aquele geralmente interativo, esta geralmente estática – não são complementares, mas concorrentes, de modo que o usuário fica perdido em uma estrutura desfavorável em todos os aspectos. Para que os sítios que prestam serviço e produzem informações de uso público consigam cumprir as promessas da tecnologia da informação e se afastem dos exemplos acima mencionados, é essencial traçar estratégias ex-ante e cumprir um ritual de planejamento e mensuração de resultados que dêem um norte aos executores da política de implementação das páginas. Cohen e Eimicke (2001) traçam onze pontos a serem cumpridos em seqüência, os quais avançam sobre a avaliação dos custos e dos benefícios, os elementos mais lembrados ao se introduzirem 37 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 ferramentas tecnológicas na prestação de serviços: 1. Criação de uma estratégia para a web; 2. Identificação, descrição e análise dos passos operacionais da prestação de serviço via web; 3. Comparação dos indicadores de desempenho (benchmark) para serviços semelhantes em outras jurisdições ou organizações; 4. Desenvolvimento de um projeto piloto a fim de testar o uso da web em uma localidade ou em um dos segmentos do serviço; 5. Análise dos resultados do projeto piloto; 6. Desenvolvimento de opções com o objetivo de instituir a prestação de serviço por meio da web em larga escala; 7. Realização de uma análise do custo-benefício das alternativas de piloto; 8. Seleção de uma opção; 9. Desenvolvimento de um sistema de coleta de dados relativo ao desempenho operacional do serviço, seus custos e benefícios; 10. Análise dos dados de desempenho, custos e benefícios; 11. Realização de revisões regulares da prestação do serviço e então modificação do formato e operação web. Com exceção de raríssimos órgãos que não surpreendem os cidadãos com mudanças de página sem um período de disponibilidade para críticas e sugestões pelos internautas (o máximo que se viu até hoje), nenhum sítio de órgão público brasileiro cumpre o ritual acima descrito e somente agora começou a ser orientada a normalização e padronização dos sítios oficiais com recomendações acerca da efetividade e da eficiência na prestação de serviço on-line31. Além disso, como se sabe, os órgãos integrantes da administração pública, na maioria dos países, constroem separadamente seus próprios sítios, algumas vezes sem rigores normativos ou critérios de qualidade como os mencionados acima, razão pela qual surgiu a idéia de se conceber um portal de serviços e informações, para o qual seja direcionado todo o conteúdo que circula na rede oficial, de modo que o cidadão possa ter acesso ao que deseja mediante uma única porta de entrada ou, no caso de estar utilizando algum quiosque, ter acesso a alguma derivação deste portal, personalizada na forma de serviços. Os portais, embora necessários, não são suficientes. Eles são importantes para a organização e provimento de informações e serviços de forma centralizada, sob direta coordenação de um órgão de serviço de governo, mas não são completos, porque: o usuário que tem acesso a portais faz parte de alguma elite, principalmente funcionários públicos; as informações locais (como as linhas de ônibus para um determinado bairro ou seus horários) geralmente são dispostas em ramificações de uma estrutura e não com destaque central; o jargão e a forma de interação nem sempre são adequados para audiências específicas; não se aproveita o potencial de difusão e amplificação de veículos adicionais/alternativos, especialmente do setor privado e de alcance local (Brasil, 2000). Deste modo, a aliança entre o portal e as formas mediante as quais suas derivações são espalhadas pelo país, como os quiosques de uso público, é fundamental. O portal atende a necessidades menos imediatas e mais individualizadas. Um portal de serviços e informações necessita de muitos requisitos técnicos, que contemplam a infra-estrutura necessária, o pessoal de manutenção e de gestão, os sistemas que são acionados e os bancos de dados disponíveis. A política do portal deve preocupar-se, no mínimo, com os seguintes aspectos: 1. Segurança e privacidade. Os requisitos internacionais de segurança de rede e de sítios devem estar todos presentes (barreiras contra invasores, acesso identificado e autenticado, informações irretratáveis), bem como a garantia de que o cidadão não terá seus dados revelados ou comercializados (política de privacidade); 2. Estabilidade. É inadmissível que todo momento os sítios tenham seus endereços alterados por conveniências políticas ou administrativas ou por simples capricho de seus gestores, algo que ocorre com muita freqüência nos sítios federais do Brasil. A gestão das páginas deve estar em poder de servidores de carreira que se preocupem mais com questões de Estado do que com questões de governo para evitar a troca indefinida de leiaute e a perda de identidade por parte do usuário; 3. Gestão do portal. O portal deve possuir um módulo de gestão capaz de carregar as informações e os serviços e manter atualizada a massa de links, bem como editar a nomenclatura de cada serviço ou 38 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 informação de acordo com o que o cidadão entende e não de acordo com o jargão dos burocratas; 4. Atendimento 24X7. O portal deve funcionar durante todo o dia em cada dia da semana. Isso, porém, não é suficiente, porque o funcionamento do portal na verdade depende das páginas para as quais aponta, geralmente de responsabilidade de diferentes órgãos da administração. Deve haver, portanto, um comitê gestor que fiscalize a manutenção das páginas, evitando a saída freqüente ou momentânea do ar. Finalmente, deve-se lembrar que para que um portal consiga oferecer ao cidadão informação fidedigna (não pode ser pior do que a informada na forma convencional pelos agentes), preserve as informações fornecidas aos bancos de dados solicitados pelo serviço, complete ou dê transcurso à informação ou serviço em parte efetivados na forma convencional e cumpra os quatro itens acima listados não há impedimento tecnológico. Há inúmeras ferramentas que permitem fazer isso. O problema é mais tático ou político do que técnico. Esse e outros problemas levam à dificuldade de se definir efetivamente o que é um portal de serviços e informações sem o risco de se fazer uso indevido do termo ou deixar de delimitar realmente as suas características básicas. É preferível, pois, assinalar as exigências mínimas que devem conter, conforme assinala Rodrigues (2001): 1. A finalidade básica é ser uma porta de entrada para serviços e produtos da rede, não sob o conceito de simples mediador, mas agregando valor à pesquisa, selecionando e estruturando a informação; 2. Criação de comunidades virtuais com interesse comum, proporcionando mecanismos que permitam a participação das mesmas em foros, serviços de correio eletrônico, bate-papo, pesquisas etc.; 3. Oferta de serviços integrados proporcionados em distintos sítios da rede mediante correspondentes acordos com os prestadores individuais. De acordo com o autor a construção de um portal desta natureza deve ser paulatina e incorporar progressivamente funcionalidades em cada um dos seus âmbitos de atuação, mas em cada momento manter a oferta de uma porta principal amigável de entrada para o cidadão em sua relação com toda a administração pública, proporcionar serviços comuns que simplifiquem a relação do cidadão com a informação ou a transação e oferecer um guia orientado de pesquisa da informação e encaminhamento do trâmite, permitindo a personalização de conteúdos e serviços complementares (idem, 2001). 4. Democracia eletrônica (e-democracy) Uma das melhores aplicações dos meios eletrônicos em prol da facilitação do exercício dos direitos políticos nas formações sociais capitalistas parece residir na conversão dos processos tradicionais, como o voto em urnas ou as consultas singulares, em processos automáticos. Não faz mais sentido mobilizar uma estrutura imensa como a Justiça Eleitoral com vultosos recursos para preparar periodicamente os mesmos mecanismos. Esses podem estar aptos a, de modo permanente, serem acionados para servir ao exercício dos direitos políticos por parte do povo. A Justiça Eleitoral deve estar preocupada com o controle da legalidade, com a fiscalização e a apuração dos resultados dos pleitos, bem como com a conduta dos candidatos e não com a montagem periódica das mesmas estruturas de participação da sociedade. A literatura tem informado que o exercício das formas diretas de participação dos cidadãos nas ações do governo, mediante o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular podem tornar-se muito mais usuais do que o do estágio em que hoje se encontram, se a tecnologia da informação puder agir livremente nesse campo e se os cidadãos tiverem ao mesmo tempo educação cívica e capacitação para usar os meios eletrônicos. Por outro lado, devem ser criados mecanismos de responsabilização dos políticos: é preciso que as Casas Legislativas encontrem formas de tornar públicas as ações dos parlamentares e a possibilidade de eles serem cobrados pelos eleitores. Uma maneira exemplar de isso ser conseguido é mediante a informação do andamento das pautas e das votações. Como é inviável, em princípio, fazer saber a um cidadão sobre isso, esse mecanismo deveria estar disponível de maneira virtual para as entidades da sociedade civil: qualquer organização civil regularizada deveria ter o direito de inscrever-se mediante um formulário on-line e solicitar esse serviço, o qual seria remetido pelas secretarias das Casas Legislativas, informando acerca de uma proposição de interesse da entidade, desde o seu nascimento, assinado por um parlamentar ou por quem tem o direito de propor, até a sanção ou rejeição. Os interesses da sociedade canalizados pelos políticos junto ao poder 39 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 Executivo deveriam, também, estar presentes nessa forma de transmissão das informações. De acordo com Phipps (2000), porém, a democracia deliberativa e participativa e o refinamento de escolha difíceis e complexas podem não se prestar para uma transferência para as novas tecnologias digitais e 'instantâneas' que possibilitam apenas respostas simples de 'sim/não'. (...) Além da democracia baseada em plebiscitos, percebe-se que as alternativas para a democracia representativa incluem a 'teledemocracia' (...) - televotação deliberativa baseada em consultar participantes selecionados aleatoriamente. Além desse aspecto, o bom governo deve levar em conta que e-democracy não significa apenas participação direta, mas também disposição de serviços on-line na forma que vem sendo descrita neste ensaio. O Brasil possui um dos melhores sistemas eleitorais com uso intensivo de tecnologia da informação e da telecomunicação do mundo, tendo gastado, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral – TSE, entre os anos de 1998 e 2000, inclusive nas eleições municipais, totalmente informatizadas, mais de 500 milhões de dólares. Oliveira (2001) estudou esse caso brasileiro de democracia eletrônica, apontando os pontos fortes e os pontos fracos do sistema. A implantação do sistema visava à redução das possibilidades de fraude, a aumentar a rapidez do processo de apuração, à diminuição de pessoal recrutado e à redução de erro nas apurações e na totalização. O autor sustenta que o fato de democracias mais consolidadas (...) não utilizarem processos de votação totalmente informatizados pode ser um indicativo da necessidade de maior acompanhamento e verificação por parte da sociedade em relação a todo o processo eleitoral. (...) No caso brasileiro, podese afirmar que todo o processo e todos os intervenientes, com destaque para os recursos informáticos, não foram suficientemente aprovados e aditáveis no sentido de garantir que o processo é isento de falhas, ou que os procedimentos de segurança adotados são aqueles aceitos universalmente. Os principais problemas levantados por Oliveira (2001) foram: 1. a modernização das eleições não foi acompanhada por uma adequação da legislação à nova realidade eleitoral; 2. a impressão do voto, paralelamente ao processo de recepção pela máquina de votar foi suprimida em 1996. Este fato impossibilita a qualquer cidadão ou candidato pedir uma recontagem de votos na urna. Desta forma, os pedidos de recontagem e impugnação baseados na possibilidade de existência de qualquer erro são imediatamente indeferidos pelos juízes eleitorais, eliminando totalmente o benefício da dúvida; 3. com a votação realizada na máquina de votar implementou-se um mecanismo de liberação da mesma que exige a digitação do número do título eleitoral em um micro-terminal que transmite a informação para a urna. Esse processo permite, depois de armazenada a ordem de votação em cada seção eleitoral, que qualquer programador faça a leitura dos dados gravados na urna e estabeleça uma identificação do voto de cada eleitor pela seqüência de eleitores e votos armazenados. O baralhamento dos votos, que é comum em urnas largas como as utilizadas antigamente, não foi reproduzido nas urnas eletrônicas. Essa vulnerabilidade fere o dispositivo constitucional que garante o sigilo do voto a todo eleitor; 4. não é dado o direito aos representantes partidários de verificarem todos os programas que fazem parte do processo eleitoral. O prazo dado legalmente para verificação é exíguo e não existe nenhum mecanismo que garanta que o que está sendo verificado é mesmo aquilo que estará sendo colocado nas urnas algumas semanas depois. A inobservância da utilização de programas considerados abertos (software livre) no processo eleitoral acirra a questão do obscurantismo do processo. Nem os próprios técnicos do TSE conhecem os programas do processo eleitoral; 5. consolida-se a impossibilidade de qualquer perícia técnica, porque ao se encerrar a votação às 17 horas do dia da eleição, pode-se ter encerrado o processo espúrio e não previsto que estava sendo realizado. É do conhecimento de qualquer técnico de informática que a possibilidade de um programa executar em determinados períodos do dia e depois deixar de existir é conseguida através de simples comandos executados pelo poderoso computador que abriga a máquina de votar; 6. o vácuo de legislação adequada provoca o aumento do poder dos juízes eleitorais, que determinam como e o que deve ser aceito para julgamento; 40 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 7. o volume de investimento pode não ser justificável, pois a substituição de máquinas a cada quatro anos de uso parece inevitável e não existe nenhum indicativo do TSE no sentido de utilizar software livre, o que evitaria a aquisição de máquinas novas nas eleições presidenciais de 2002. Como se vê, e como alerta o autor, nem sempre o uso de tecnologia da informação e da comunicação, como argumentos para a democracia eletrônica, conduz necessariamente o Estado a praticála, isto é, a ausência de tais recursos não necessariamente diminui o exercício da democracia, e a sua utilização não é uma garantia de seu aumento. Se o processo passar para outras mídias, como a internet, menos garantias ainda pode-se ter acerca de sua inviolabilidade e confiança, conseqüentemente da vontade da maioria, a qual não está totalmente garantida pelo sistema antes descrito. Esses aspectos são resultantes da preponderância dos governos ao implementarem suas iniciativas sem a participação da sociedade como um todo, a parte mais interessada, e da decisão dos órgãos integrantes do Estado em fazer cumprir suas determinações mediante normas indiscutíveis, pensando estar efetivamente praticando a e-democracy. De acordo com o estudo de Oliveira (2001), não se pode colocar a frágil democracia de um país nas mãos de condições tecnológicas que não atendem minimamente requisitos de normas internacionais, como a norma ISO 15.408, tão decantada pelo TSE, mas não aplicada por aquele mesmo órgão em diversos quesitos essenciais à confecção de um projeto de informática. Se queremos serviços, tecnologias modernas e redes de computadores que sejam confiáveis, que se adotem critérios de auditoria e certificação internacionalmente aceitos. Que se utilizem programas que sejam de domínio público. O estudo, ao final, lista uma série de recomendações para uma melhoria no processo e uma diminuição da vulnerabilidade, relativamente à auditoria, eliminação de mecanismos que permitam mapear o voto do eleitor, revisão da legislação, uso de software proprietário somente na impossibilidade de não haver software livre e uso mais extensivo de criptorafia. 5. Centrais de Atendimento ao Cidadão Como é sempre lembrado pelos autores ao abordarem Governo Eletrônico, não é a internet o meio único pela qual se podem ofertar os serviços do Estado na forma digital; as centrais de atendimento ao cidadão ocupam, junto com a internet, um meio potente, quando utilizadas com tecnologia da informação e da comunicação, de ajuda ao cidadão no gozo de seus direitos. As centrais de atendimento ao cidadão, como um simples guichê ou uma simples central telefônica, sempre foram historicamente os maiores exemplos de falta de efetividade dos governos ao responderem às demandas, bem como os maiores estereótipos de serviço público ruim. É bem provável que a tecnologia usada nas centrais, se não atender aos objetivos iniciais, como a satisfação do usuário e a eficiência da máquina administrativa, termine consolidando ainda mais esse estereótipo e criando uma espécie de cérebro autônomo da administração capaz de difundir e procriar as disfunções burocráticas: atendimento eletrônico por telefone com menus intermináveis, painéis digitais de organização de filas que não funcionam, mistura de procedimentos eletrônicos com procedimentos tradicionais em um mesmo processo, pessoal sem treinamento para atendimento personalizado ao usar as ferramentas tecnológicas, como os sistemas previdenciários, fiscais e orçamentários informatizados. Alguns governos pensam que basta adquirir tecnologia e implantar os sistemas e esses fariam todo o trabalho por si mesmos, esquecendo-se de dar qualificação prévia aos servidores, muitos dos quais não têm a menor familiaridade com ferramentas até simples, mas inicialmente difíceis de compreender (como o script de um atendimento exibido na tela do computador) e se esquecem de fazer a manutenção dos sistemas. O que se vê é a inauguração de centrais de atendimento aparentemente perfeitas e que funcionam bem no início, e depois verificamos operadores desesperados correndo de um lado para o outro, socorrendo tanto funcionários inexperientes como pessoas para dar informações, painéis quebrados, falta de informação dos próprios agentes quanto às rotinas operacionais etc., mostrando uma face do sistema que ele não possui em si, mas própria da falta de condições prévias capazes de manter a inovação. A tecnologia da informação, se bem utilizada, promete trazer os seguintes benefícios, tanto para a máquina pública, quanto para o cidadão, de acordo com Endler (s/d): 41 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 1. Redução de gastos com infra-estrutura e recursos humanos, pois os custos de manutenção de infra-estrutura no formato do guichê tradicional são bem mais elevados; 2. Sincronia de processo propiciada pelo uso intensivo da tecnologia da informação; 3. Redução de perdas (chamadas, transporte de material, fluxo de informações), uma vez que a tecnologia da informação permite o armazenamento compartilhado e monitorizado; 4. Diminuição do tempo de espera ou, pelo menos, previsão do tempo de espera, uma vez que nos guichês tradicionais o atendimento é quase totalmente dependente da disciplina individual dos agentes e dos problemas do atendido. Com a injeção de tecnologia da informação, tem-se uma grande sala de controle, na qual a previsibilidade aumenta; 5. Eliminação ou diminuição drástica das filas, devido à possibilidade de se tornarem os horários elásticos e flexíveis, até mesmo com agenda prévia de atendimento; 6. Fácil implementação de controles estatísticos e simulação de cenários; 7. Automação das etapas de operação e de inspeção. 6. Privacidade e segurança da informação: a certificação digital Embora um dos aspectos da burocracia, que é o excesso de normas e a preocupação com a predição das situações, seja prejudicial na maioria das formas de Governo Eletrônico no âmbito da gestão, no caso da política de privacidade e segurança da informação no âmbito do Estado, a formalização das regras e a difusão do que se deve observar é um dos pré-requisitos para o sucesso da política, quando essa decisão é incorporada pela alta cúpula da administração. A certificação digital e os fundamentos da criptografia são o ferramental básico de qualquer sistema aberto que surge em decorrência da tendência de se lhe conferir segurança e confiabilidade, tanto nas aplicações internas de governo – o portal corporativo, por exemplo – quanto na prestação de serviços e provimento de informações, como nos portais públicos. De acordo com Netto (1999), trata-se de reconhecer uma classe de serviços nova fundamentada em escrita digital codificada ou cifrada, utilizada até pouco tempo atrás apenas nos meios acadêmicos ou em organismos de inteligência oficiais, a qual é possibilitada por uma infra-estrutura de chaves públicas – public key infra-structure(PKI) –, cujos conceitos nascem dos mesmos fundamentos da criptografia. Os níveis de segurança mínimos a que se devem submeter os serviços e as informações providas pelo Estado são seis, ainda que nem tudo na rede mundial ou nas redes internas requeira a aplicação de regras seguras e confiáveis (idem, 1999 e Portugal, 2002): 1. Confidencialidade ou sigilo: é a garantia de que apenas os agentes ou organizações habilitadas envolvidas na comunicação podem obter, utilizar e interagir com as informações transmitidas eletronicamente pela rede. Terceiros ficam impedidos de ter acesso às informações que lhes são vedadas. A técnica utilizada é a criptografia combinada com as chaves; 2. Autenticação: é a certeza de que a organização ou o agente habilitou-se e está realmente envolvido com a comunicação, cujo acesso fica identificado. Assim, não há como um terceiro se passar por outro, isto é, a pessoa que interage terá certeza de que o interlocutor é quem ele pensa que é. A técnica usada é a certificação digital. 3. Integridade: é a garantia de que o conteúdo de uma informação ou ato de comunicação, bem como uma consulta, não será alterada durante o tráfego. Em resumo: a informação mantém-se em estado original em todos os momentos nos quais assim deve estar. A técnica utilizada é a criptografia. 4. Irretratabilidade: é a certeza de que o agente ou organização emissora da informação ou do ato de comunicação ou de certa transação não poderá ter como negar a autoria do fato uma vez que se tenha realizado. Não é possível negação de efetivação de transação uma vez que a mesma tenha sido executada por quem estava habilitado. 5. Referência e documentação: é o armazenamento das datas e do registro das transações de modo inequívoco e não fraudável. 6. Auditoria: capacidade de reconstruir, a qualquer tempo, toda a série de eventos relacionados com a transação, comunicação, assinatura de documentos, tal como ocorreu. De acordo com o autor (Netto, 1999), a combinação de técnicas de criptografia (codificação)32 e o conceito de assinatura digital (chaves)33 são necessários na utilização das aplicações de internet, mas 42 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 insuficientes para garantir que a assinatura digital, de fato, pertença a quem imaginamos pertencer. Isso dá lugar a um problema que é solucionado pela certificação digital. Os certificados digitais são construídos a partir de um par de chaves pública e privada, possibilitando a autenticação de informações, acessos e serviços a partir de uma assinatura digital resultante de seu uso. A certificação viabiliza a identificação das partes e ainda serve de mecanismo de responsabilidade civil – desde que o sistema esteja normalizado – para que se tenham relacionamentos eletrônicos autenticados e reconhecidos pelas entidades. Ainda assim, conforme salienta Sêmola (2001), o uso de certificação digital em si mesmo não garante a proteção dos agentes, pois há a necessidade adicional de verificar a certificação do próprio sítio, a credibilidade da organização e se foi emitido pelo o sítio verdadeiro. A certificação eletrônica mais comum, de acordo com Blum (2001), é aquela que se dá por meio da utilização de chaves públicas (assinatura digital por criptografia assimétrica), que permite codificar, garantir e conferir atribuição por uma terceira pessoa (certificador), representada por um certificado (software) que identifica a origem e protege o documento de qualquer alteração sem vestígios. Fica, então, pela presença do certificador, preliminarmente resolvido o problema levantado por Netto (1999). Por isso, aqueles órgãos da administração que possuem assinatura digital com certificação podem efetuar troca de documentos e informações pela rede com a devida segurança física e jurídica. A autoridade certificadora (certificador) tem como papel criar ou possibilitar a criação de um par de chaves criptografadas (a chave pública, de conhecimento geral, e a chave privada, de conhecimento somente do seu proprietário ou signatário) para o usuário, além de atestar a identidade do mesmo, conferindo, minuciosamente, sua identidade física pelos meios tradicionais. A autoridade emite um certificado contendo a chave pública do usuário e esse certificado acompanhará os documentos eletrônicos assinados, conferindo as características essenciais da integridade e da autenticidade (Blum, 2001). Assim, enquanto a certificação digital trata da emissão dos certificados digitais e, em conseqüência, do par de chaves a eles associados, as assinaturas digitais lidas com essas chaves são usadas para permitir funções como a realização da assinatura propriamente dita (autorização e aprovação), a verificação da identidade dos signatários e dos seus poderes para fazê-lo (procuradores) e da integridade do conteúdo que estiver sendo visualizado em relação ao que foi assinado. O Brasil possui instrumento normativo sobre o assunto, mas encontra-se, ainda, em fase insipiente quanto à implantação e difusão dos elementos previstos pela lei que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICPBRASIL, a qual garante a comunicação com os órgãos públicos por meios eletrônicos, disciplinando a questão da integridade, autenticidade e validade dos documentos eletrônicos. Dentre as principais disposições da norma destaca-se a instituição da autoridade certificadora raiz das autoridades de registro e certificação da cadeia, bem como o gerenciamento do sistema por um comitê ao qual compete dispor sobre licenciamento, homologação, auditagem, fiscalização, regras operacionais, níveis de certificação das autoridades raízes e aprovação de regras de cooperação internacional (idem, 2001). Vários órgãos da administração pública federal brasileira – como a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, que emite a certidão negativa de dívida pública, imprescindível, por exemplo, para a habilitação jurídica dos licitantes nas compras governamentais – emitem documentos eletrônicos com presunção de fé, mas qualquer um pode simular a autenticidade, porque não possui nenhuma autoridade certificadora em funcionamento que dê segurança física (níveis de segurança) e jurídica ao documento, ainda que aceito em todos os lugares. Só mais recentemente começou a sistemática de credenciamento de autoridades certificadoras (AC) e de autoridades de registro (AR), entre as quais o Serviço Federal de Processamento de Dados – SERPRO, o qual possui o sistema que emite boa parte desses documentos. A primeira instituição no Brasil beneficiada com o credenciamento foi o Banco Central do Brasil – BC, responsável pelo primeiro caso prático de assinatura digital em larga escala no país, o chamado Sistema de Pagamento Brasileiro – SPB, onde as mensagens com ordens de pagamentos enviadas entre bancos, casas de compensação especializadas e o próprio BC têm certificação digital emitida pelo SERPRO com base na ICP-BRASIL anteriormente citada. Espera-se que cerca de 50 milhões de clientes dos principais bancos brasileiros possam utilizar, dentro de um ano, assinatura digital em suas transações financeiras (até aqui o SPB está disponível apenas para transações de grande vulto). 43 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 Dentro do sistema brasileiro, o Estado não é detentor da certificação. A norma prevê a livre iniciativa do mercado no sentido de, também, deter essa função. De acordo com Portugal (2002), o Estado não está limitando a liberdade de atuação de empresas no mercado de certificação, uma vez que qualquer empreendedor pode sem uma AC, desde que cumpra os requisitos exigidos pela legislação e as orientações do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação – ITI, AC raiz, ao qual compete emitir, expedir, distribuir, revogar e gerenciar a lista de certificados emitidos, revogados e vencidos. As técnicas de privacidade e segurança da informação, bem como os níveis até os quais devem ser elevadas as informações e serviços não são, porém, quase nada, se o Governo Eletrônico não se orienta segundo o que se convencionou chamar política de segurança da informação, a qual difere necessariamente de organização para organização e deve refletir critérios do contexto, os desafios da organização e as estratégias utilizadas nas demais políticas e não se confundem com as normas de segurança, pois estas visam à conformidade das técnicas à situação encontrada, mas não exploram – e nem poderiam, devido à disciplina universal a que visam, substituir a política – geralmente de conhecimento do corpo técnico. As normas de segurança são apenas um instrumento da política, como também o é o aparato técnico de pessoal e de recursos tecnológicos e de infra-estrutura e não pode ser atributo da área de tecnologia da informação a disposição sobre segurança da informação, sob pena de o bom governo ficar a mercê do estreitamento das decisões, quando a segurança da informação necessita ter um olhar claro sobre a administração como um todo. A política de segurança da informação é formada por diretrizes que devem expressar os ideais da parte estratégica da administração pública sobre o uso da informação por parte daqueles que a ela têm acesso, atingindo não apenas as formas digitais, como também as formas convencionais (o papel, por exemplo), desde a fabricação, armazenamento, circulação até a rejeição (destruição). Qualquer política desta natureza deve: ser única (válida para todos) e auto-aplicável, o mais coerente possível com as ações da organização; ser completada com a existência de recursos; ser sintética, simples e inteligível, sem se confundir com um manual de procedimentos na proteção da informação; ser patrocinada pela alta administração; ter baixa probabilidade de se desatualizar. 7. Boas práticas de Governo Eletrônico em três esferas do governo brasileiro34 7.1. Governo local: Orçamento Participativo O governo municipal de Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul, no Brasil, vem adotando uma das formas mais elogiadas35 de participação da população no emprego dos recursos arrecadados e no exercício da democracia quase direta, onde quem decide o destino do orçamento público é a população, por meio do Orçamento Participativo, implantado em 1989. Até 2001, 45 mil pessoas em média a cada ano reuniram-se em 32 plenárias regionais e 12 temáticas. A principal inovação é a possibilidade de a população participar da tomada de decisões pela internet, cadastrando-se no endereço web36 do Orçamento Participativo. Atualmente as plenárias regionais resultam da divisão da cidade em 16 setores, onde a população define investimentos e serviços localizados. Nas plenárias temáticas são definidas as diretrizes globais de investimentos e políticas setoriais e específicas. Na internet, como na participação direta, as sugestões de demandas podem ser enviadas de 15 de março a 15 de maio. Pela internet a população sugere demandas para região ou para uma temática e, se desejar, para ambas. Essas sugestões são examinadas nas reuniões de deliberação dos fóruns de delegados no período de maio a julho. As datas destas reuniões são enviadas para o e-mail cadastrado. É possível conhecer a linguagem do orçamento pela internet37, mas é bem provável ser de pouca utilidade para os que não possuem acesso e, mesmo para aqueles que têm acesso, pode não ter igualmente utilidade devido à falta de educação formal para fazer uma boa leitura. 7.2. Governo intermediário: Cidade do Conhecimento A Universidade de São Paulo – USP, instituição autônoma do governo estadual de São Paulo, mantém uma experiência inovadora de Governo Eletrônico. Trata-se da Cidade do Conhecimento38, a qual é mantida pelo Instituto de Estudos Avançados da USP desde agosto de 2000. O núcleo do projeto é a criação de uma rede de comunicação voltada à produção compartilhada ou cooperativa de conhecimento. De acordo com Schwartz (2001b), a Cidade do Conhecimento “tem uma dimensão teórica, que consiste na 44 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 revisão crítica da literatura sobre as tecnologias de informação e comunicação” e uma “dimensão prática”, voltada para a “construção de uma rede de comunicação que expresse e sirva de ‘campo de provas’ para as visões, conceitos e recomendações examinadas na atividade teórica”. A Cidade do Conhecimento é uma rede de comunicação e cooperação on-line entre estudantes (ensino médio, graduação e pós-graduação) e trabalhadores de diferentes áreas e níveis, incluindo profissionais desempregados e aposentados39. O mundo escolar e o mundo do trabalho, como nos termos usados pelo coordenador do projeto, Gilson Schwartz, encontram-se tendo como meio a tecnologia da informação e da comunicação. Para que isso seja possível, a Cidade do Conhecimento organiza-se como uma rede que combina três atividades simultâneas e articuladas entre si: capacitação, formação de comunidades e pesquisa sobre internet cooperativa. Para mobilizar essas comunidades, houve um intenso trabalho de articulação de parcerias e vários projetos foram realizados. Um exemplo disso é a parceria com a IBM do Brasil, com quem a Cidade organizou e avaliou o programa e-voluntários, do qual participaram alunos de ensino médio da Escola de Aplicação da USP, de uma escola pública do Rio de Janeiro e de escolas associadas ao Centro de Divulgação Científica e Cultural (CDCC) do campus da USP em São Carlos, além de crianças e adolescentes de outro projeto. Segundo o coordenador do projeto, a Cidade do Conhecimento já constrói “diálogos entre o mundo das escolas e o mundo das organizações. A melhor maneira de fazer isso é participando ativamente de projetos que envolvam a capacitação e o redesenho de culturas nos dois mundos”, e “o aspecto fundamental tem sido a oportunidade de avaliação de metodologias voltadas ao trabalho colaborativo e à formação de comunidades entre estudantes e trabalhadores”. Um dos exemplos mais interessantes de capacitação para a compreensão esclarecida da era digital na temática do trabalho é o Dicionário do Trabalho Vivo, o qual “é uma fonte de informação sobre as tendências do mercado de trabalho elaborada por estudantes e trabalhadores. Atualizado permanentemente, este dicionário surge a partir da produção de hipertextos numa rede colaborativa” (Universidade de São Paulo, 2002). O projeto é uma mistura de laboratório e de observatório, onde é possível construir um espaço de qualificação profissional de seus participantes e de seus pesquisadores. O estudante ou trabalhador que participa do projeto discute e pesquisa tendências do mercado de trabalho por meio de tecnologias da informação e da comunicação. A capacitação no uso dessas tecnologias já é, assim, para cada um, um ganho de qualificação profissional. As ferramentas utilizadas são, dentre outras, modelos obtidos de softwares que permitem operar sobre várias disciplinas: gestão de projetos, redação, mecanismos de indexação e de busca, salas de bate-papo, listas de discussão, educação a distância, gestão do conhecimento e processamento de documentos em várias mídias e editoração. Para Shwartz (2001b), as novas tecnologias criam novas possibilidades de vida e novas oportunidades de ação política. O resultado maior que se espera desse projeto é contribuir para a formulação de estratégias e políticas de inserção ativa da economia brasileira no espaço competitivo global, por meio do aumento do grau de inteligência associado ao nosso sistema econômico, político e social. 7.3. Governo central: portal Rede Governo As informações e os serviços do governo federal brasileiro são oferecidos aos cidadãos em um semnúmero de sítios dos órgãos da estrutura administrativa, mediante a internet, sem a menor preocupação com a usabilidade ou a ergonomia durante o acesso à rede ou com a inteligibilidade da mensagem. São inúmeros os problemas decorrentes da ausência do cumprimento mínimo desses critérios: 1. o cidadão, ao acessar um sítio em busca de um serviço ou informação, necessita navegar por um número excessivo de páginas e passar por informações não desejadas até encontrar, depois de muita persistência, sob muitas camadas, o serviço ou informação procurados; 2. os serviços e informações oferecidos na internet pelo governo não são adequadamente classificados pelos órgãos responsáveis pela publicação, uma vez que há confusão de definição entre esses elementos; 3. a dificuldade de obtenção do serviço ou informação termina impedindo o uso da internet pelo cidadão que naturalmente resiste à inovação, justamente porque a navegação imposta não favorece a rapidez do acesso, suscitando a recorrência às formas tradicionais, como a visita ao órgão, necessitando da 45 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 mediação de seres humanos e de papéis (o guichê físico), precisamente o que a tecnologia da informação se propõe evitar; 4. os órgãos têm mais preocupação com oferecer um leiaute esteticamente agradável e uma série de efeitos visuais ou funcionais de primeira linha do que ordenar, proteger e tornar claros os serviços e informações disponíveis; 5. a nomenclatura de muitos serviços ou informações é muitas vezes inconveniente, porque segue o jargão burocrático, que, muitas vezes, é desconhecido pelo cidadão; 6. muitos ministérios têm maior preocupação com publicar e divulgar as intenções dos programas de governo do que com exibir e com disponibilizar de modo mais rápido alguns serviços já lançados e que vêm dando certo, e, muitas vezes, pelo fato de estarem fora de um local que reúna todos eles, são desconhecidos pelas pessoas que potencialmente os utilizariam; 7. muitas ferramentas de busca nos sites utilizam as consagradas pela internet, adotadas pelo órgão mediante algum contrato. O maior problema é que essas ferramentas não vasculham o banco de dados do próprio órgão, sendo um tormento o resultado obtido pela quantidade de inutilidade que é obtida. O projeto Rede Governo visou à instituição de um portal que permitisse superar esses obstáculos decorrentes da falta de ordem e da falta de normalização ou regulação das páginas oficiais. O projeto desenvolvido possui dois objetivos: 1. Oferecer ao cidadão de maneira rápida, segura, inteligível e custo-eficiente informações e serviços virtuais produzidos pelos órgãos da administração central e local em todos os poderes; 2. Reunir em um único sítio todas as informações e todos os serviços virtuais disponíveis nos órgãos da administração central e da administração estadual. A inovação está caracterizada por três aspectos fundamentais: a separação radical, na concepção institucional do portal, de Estado e de governo enquanto conceitos. Tendo isso em vista, o portal Rede Governo procura oferecer ao cidadão a provisão de serviços e de informações independentemente das intenções dos governos, das articulações políticas que elegem este ou aquele motivo para um determinado sítio governamental e da obrigação do cidadão ficar visitando páginas que, sutilmente, exibem orientações de governo e não de Estado. Isso é conseguido porque, uma vez alcançado o grupo da informação ou serviço, o cidadão alcança um e outro, respectivamente, com um clique e, no máximo, dois toques no mouse, sendo exibido na barra de rolagem apenas o nome do órgão que, singularmente, é responsável pelo serviço ou pela informação. Não há necessidade de visitar as páginas dos ministérios, das secretarias ou das entidades vinculadas para, daí em diante, descer ao órgão mais distante. Isso pode parecer banal, mas nem mesmo portais de países desenvolvidos como França40, Austrália41, Estados Unidos42 ou Inglaterra43 perceberam esse aspecto da navegação. Outro aspecto é a classificação dos produtos. Uma análise criteriosa dos sítios governamentais mostra a confusão entre os elementos virtuais. Para os gestores do portal Rede Governo, serviço é qualquer produto virtual que faça o cidadão interagir com a máquina, seja enviando dados ou manipulando elementos de navegação, geralmente pertinente à emissão de alguma certidão, consulta a um banco de dados, envio de mensagem, download etc.; informação é o produto virtual complementar, ou seja, tudo aquilo que não exige nenhuma interação da máquina com o usuário. O portal distingue com muita clareza esses elementos, facilitando a vida do cidadão. Outra característica inovadora é a integração. É a primeira vez na qual os serviços e informações virtuais do governo estão disponíveis em um único local, mediante uma única navegação. A partir de uma única ferramenta de busca, uma vez que ela varre um único banco de dados, evita-se o lixo, chegando somente os serviços e informações restritos aos órgãos públicos de interesse do cidadão. E não só: os destaques de ações realmente implementadas são semanalmente renovados, divulgando muitas ações ignoradas pelo cidadão. Esses destaques levam em consideração a sazão, as demandas da mídia e a possibilidade de efetivamente ser um serviço ou informação efetivo, ou seja, que seja capaz de alterar o comportamento ou atitude do cidadão em seu próprio benefício. Finalmente, o conteúdo disponível nos sites governamentais está eivado, no todo ou em parte, de jargões burocráticos e, às vezes, de termos obscuros, que não interessam ao cidadão, de maneira que muitos nomes de serviços ou informações não trazem uma terminologia adequada ao nome corriqueiro, o que foi introduzido no portal Rede Governo. Além disso, está sendo colocado um apelido vinculado a todo 46 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 serviço, pois muitas vezes o cidadão menos informado conhece o mesmo por seu vulgo e não pelo seu nome técnico. Um mecanismo fundamental de transparência e accountability é o serviço disponível no portal chamado Fale Conosco, que sinaliza a responsabilidade da equipe. Trata-se de um formulário on-line no qual o próprio cidadão pode orientar o destino do portal, sugerir alterações e detectar erros. Sistematicamente, o portal recebe mensagens dessa natureza e emite resposta rápida e precisa, o que tem levado a uma melhoria do portal e a uma atenção mais integrada da equipe. Capítulo III – Recomendações e conclusões Como vem sendo reiterado desde o início deste ensaio, não há, ainda, dados estatísticos de longo período, literatura científica vasta e experiências promissoras em grande número para permitir que se possa recomendar aos governos medidas prévias que os guiem com acerto ao planejarem e implementarem suas políticas de Governo Eletrônico. Parece haver uma multiplicidade de tentativas neste sentido, como se a ousadia de uns e o excesso de parcimônia de outros fossem os critérios escolhidos (ou determinados pelas injunções) para dotar o Estado de uma feição afinada com soluções já em plena utilização em vários ramos da produção e da prestação de serviço privada, embora poucos sejam aqueles que realmente podem adquirir os benefícios que o mercado é capaz de oferecer. Não resta dúvida que o Estado continua a ser o grande financiador e o grande indutor das iniciativas e dos empreendimentos necessários à implementação e desenvolvimento da infra-estrutura de telecomunicação e de informação, bem como da capacitação que deve se antepor a essa infra-estrutura, mas todo projeto de Governo Eletrônico que não leve em consideração que o Estado tem outras demandas ou outras dívidas que se superpõem à modernização da prestação de serviço, pelo menos nos países em desenvolvimento, poderá ter resultados frustrantes, daí, mais do que nunca, a necessidade de financiamentos não exclusivamente estatais e de esforços oriundos de diferentes parcerias, como a do mercado e das organizações não-governamentais. O próprio conceito de Governo Eletrônico ainda é ambíguo, ainda que se tenha certeza de que a penetração da tecnologia da informação e da comunicação nos Estados seja uma realidade inelutável, devido aos fatores listados anteriormente, dentre os quais a pressão da sociedade pela busca de melhoria da prestação de serviço e da exigência do mercado de que o Estado seja menos perdulário e mais atento em relação aos vários interesses que sobre ele pesam e que ele mesmo manifesta. Assim, as recomendações abaixo comentadas advêm de análises recentes e pontuais de experiências bem ou mal sucedidas de Governo Eletrônico, bem como da escassa literatura sobre o assunto, haurida dos últimos três anos, mas que podem servir de norte - nunca de diretriz autêntica, pois cada Estado tem suas peculiaridades e tende a seguir opções muitas vezes diferentes daquelas que mais razoavelmente atendem ao maior número dos governados – para a concepção, implementação e avaliação das boas políticas de Governo Eletrônico. 1. Recomendações mínimas para boas práticas de Governo Eletrônico A comunicação social do governo não deve limitar-se ao conhecimento da agenda do núcleo estratégico e político do Estado e ao enfoque da divulgação de conteúdo efêmero. A comunicação social deve ser dotada de um aparelho e de uma equipe que conheçam profundamente as ações de cada setor do governo, e os serviços que estão sendo produzidos. Deve dar conhecimento à sociedade sobre os assuntos de interesse público, preocupando-se mais com trazer à superfície dos portais os serviços que, muitas vezes, ficam sob várias camadas dos websites. Além disso, deve ser expert do próprio governo enquanto máquina, isto é, do escopo de atuação de cada engrenagem da administração, mantendo uma memória que permita a resposta às dúvidas do cidadão mediante serviços do tipo fale conosco, de modo a simplificar a transferência da mensagem a outros órgãos do governo e minimizar o script utilizado, pois a experiência tem mostrado que o desconhecimento do cidadão pode ser facilmente resolvido por expertos, mesmo que estes não estejam diretamente ligados à área-fim de interesse. 47 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 Não se deve consolidar o desequilíbrio econômico no acesso aos serviços públicos. O exemplo da Receita Federal do Brasil deve ser evitado: aqueles que não têm acesso à internet ou a ferramentas computacionais, e conseqüentemente não podem entregar suas declarações de imposto de renda ou declarações de isenção na forma digital, pagam, respectivamente, R$2,50 e R$4,50 (moedas locais). Quem não tem acesso às facilidades digitais recebe uma espécie de pena. A solução é a universalização, que subentende, para o cidadão, apenas o custo de ligações ou de provimento, não incluídos os impostos. Além disso, as pessoas que entregam a declaração no formato convencional, em papel, recebem por último a restituição, mesmo levando-se em consideração, como ressalta Silveira (2001), que “apenas 2,5% dos brasileiros têm computador, e não há programas implantados de quiosques públicos com acesso à rede - pelo menos não na quantidade que possibilite o acesso potencial dos ‘sem-tecnologia’, sem contar a necessidade de um mínimo de treinamento para utilização”. Antes de implantar soluções de Governo Eletrônico, que, muitas vezes, tendem a minimizar o custo do serviço para o próprio Estado, deve-se verificar e avaliar o risco de negligência na oferta do serviço de maneira completa. Todos os anos, no Brasil, a Receita Federal exige a colocação do e-mail do declarante no formulário eletrônico da declaração de imposto de renda, mas nunca envia notificação eletrônica da possível data de pagamento da restituição. Esse é um exemplo de serviço muito bem engendrado, mas que não se completa, apesar de ter todas as condições necessárias para isso, não explorando os próprios dados existentes e possibilidades da tecnologia já adicionada ao serviço. Além disso, a Receita Federal, na verdade, permite apenas que o usuário declare ou confesse sua “dívida” com o arrecadador, mas não assegura o pagamento no ato, porque não possui um sistema seguro de pagamento universal (cartões de crédito, débito em conta de qualquer banco etc.) mediante o qual o contribuinte pode já ali saldar sua “dívida”. A resolução política dos conflitos de estabelecimento de uma infra-estrutura padronizada, unificada e controlada, bem como a formação de bancos de dados que se inter-relacionem e conversem entre si, sob uma mesma plataforma ou sob plataformas compatíveis, é pressuposto fundamental para o equilíbrio e a estabilidade das soluções adotadas. Normalmente os órgãos possuem suas próprias redes e formam bancos de dados que não são compatíveis com as de outros órgãos, porque em épocas anteriores o planejamento assegurou a construção isolada e espontânea dessa infra-estrutura ou porque visava tão-somente à confiabilidade própria ou à segurança nacional; outras vezes para manter (ou terminando por manter), ao longo do tempo, o poder na forma de feudos ou ilhas impenetráveis (cartéis). O bom governo deve dissolver essas ilhas e conciliar os interesses de maneira a unificar os bancos de dados e os protocolos, bem como estabelecer mecanismos que, mesmo mantendo as redes separadas, torne-as conectadas, diminuindo a reprodução de informação fornecida pelo cidadão e melhorando o fluxo das informações, se possível aproveitando as próprias redes já estabelecidas pelos governos locais. A escolha das aplicações deve ser acertada, porque pode ser a última escolha. Conforme o Livro verde brasileiro, “aplicações governamentais necessitam de escolha judiciosa de tecnologias, combinando opções consagradas pelo mercado e que duram gerações com novas tecnologias que garantam a contemporaneidade dos sistemas e sua adequação a novas demandas e possibilidades” (Brasil, 2000), donde o bom governo deve, neste caso específico pelo menos, sobrelevar, nas licitações, o aspecto da técnica e da performance tecnológica de mercado em relação ao aspecto do menor preço. Adicionalmente, o bom governo deve explorar, de forma criteriosa e esperta, os nichos nos quais pode ser adotado software livre; não somente porque isso diminui o dispêndio, mas também porque permite a diminuição do domínio da máquina pública por um único fornecedor de software proprietário. Santos (s/d) lista vários mitos que cercam o uso ou a adoção do software livre, decorrentes de falta de informação: 1. Incompatibilidade entre software livre a software proprietário. Na verdade, os principais produtos dos aplicativos livres são integráveis aos aplicativos comerciais, aliás, uma das exigências da concessão de sua licença; 2. Software livre nos países em desenvolvimento. Os códigos dos aplicativos comerciais, como se 48 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 sabe fechados, eram inacessíveis pelas comunidades científicas dos países pobres. Com a instituição do software livre, tem-se a quebra desse paradigma, permitindo que países em desenvolvimento se beneficiem com a transferência da tecnologia e que os mesmos acompanhem e ajudem a construir tais aplicativos, enriquecendo seus conhecimentos; 3. Insegurança. A falta de segurança do software livre é o mito mais difundido. Esse entendimento, contudo, é errôneo, pois, se, de um lado, no caso do sistema operacional proprietário apenas os detentores dos direitos têm acesso ao código fonte, ficando, por exemplo, os administradores das redes e outros técnicos da segurança de mãos atadas para a resolução de problemas maiores como o combate aos invasores (hakers), de outro lado, no caso dos aplicativos cujos códigos são abertos, todos podem acessar o código, de modo que quando algum descuido na segurança é percebido, imediatamente se divulga, com maior chance de ser saneado antes que seja identificado pelos invasores (hakers); 4. Elevado custo total de propriedade. Evidentemente, o custo de um software não se resume à sua aquisição em si, o qual, no caso dos aplicativos livres, é zero. O custo total de propriedade pode ser maior do que o de aquisição e está relacionado com a vida do sistema. Em relação ao software livre, alguns argumentam que esse custo total de propriedade seria elevado, pois demandaria administração e configuração para as quais a mão-de-obra é altamente qualificada. Porém, deve-se lembrar que se os governos geralmente possuem uma comunidade acadêmica boa e sustentada, o problema é solúvel, pois tal comunidade é altamente especializada neste tipo de software. Além disso, as interfaces gráficas dos aplicativos livres atuais são bem melhores do que as iniciais. De acordo com o autor, que é diretor da IBM do Brasil, o emprego do software livre pelos governos locais - como as prefeituras - é uma forma importante de redução de custo, continuidade das ações e estabilidade de padrões. No entanto, essa opção de adoção de software livre pelos governos locais deve ter forte apoio da comunidade acadêmica e técnica do país, geralmente vinculada ao governo central, bem como do intercâmbio de conhecimentos (idem, s/d). Outro aspecto fundamental relacionado com o tema é a incorporação da solução adotada na escolha do modelo tecnológico pelas aplicações legadas, isto é, aquelas aplicações que não têm preparo suficiente para harmonizar-se com a internet, as quais vinham sendo desenvolvidas ao longo do tempo, precedendo uma tecnologia nova, mas que, dependendo do arranjo e de sua arquitetura, pode ter seu código reutilizado pelo novo ambiente, que é a internet. Não somente a economia está sendo visada neste procedimento, mas também o fato de que essas aplicações, mesmo ultrapassadas, podem ser cruciais para a gestão de alguns organismos da administração, e o bom governo, para evitar treinar novamente pessoal técnico, já adaptado às aplicações legadas, e manter o nível de sucesso na utilização das mesmas, deve reordenar os ambientes. O uso de alternativas mais baratas e menos dependentes do que dita o mercado deve ser observado quanto à aquisição de software. De acordo com Seitz (2000), “as novas indústrias de alta tecnologia e de serviços dos Estados Unidos já definem o crescimento da economia; somente a produção de hardware da indústria da informação é maior que a produção da indústria automobilística”; fatalmente, pois, os países em desenvolvimento, e mesmo certos países europeus44, que não têm capacidade de mudar sua estrutura produtiva atual para uma estrutura voltada para a indústria de computação e de meios de informação e de comunicação, são altamente susceptíveis, por ocasião da aquisição desses meios, à imposição do mercado americano, de modo que uma única empresa de software e de hardware tende a monopolizar todas as compras governamentais, satisfazendo seus interesses e os nichos burocráticos do próprio Estado, que se beneficiam desses interesses. O bom governo deve estar atento à tensão existente entre essas áreas e lutar por alternativas menos lesivas aos cofres públicos em dois sentidos: escolhendo licitamente a melhor alternativa tecnológica a um preço satisfatório com o mínimo de gasto político e administrativo (intromissão dos burocratas nas escolhas objetivas). É preciso por à disposição de todos, de forma planejada, antes de se pensar em criar novas infraestruturas, a infra-estrutura existente nas próprias repartições públicas ou órgãos e nos organismos de controle estatal ou de outros entes federativos. Além disso, a aquisição dos equipamentos da tecnologia deve seguir o caminho das parcerias, da capacitação prévia, do bom conteúdo e da boa interface. Esse procedimento é barato, porque aproveita a estrutura e alocação natural dos próprios órgãos em termos de infra-estrutura, mas deve ser precedido de capacitação dos diferentes níveis da população no 49 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 uso da nova linguagem. De acordo com Fundación COMNET-IT (2000), “os governos e os organismos doadores tratam de proporcionar os recursos patentes, mas, vendo as coisas com realismo, os mais desfavorecidos não possuem as tecnologias da comunicação e da informação e terão poucas possibilidades de dominá-las ou de utilizar em proporção considerável suas aplicações práticas em um futuro previsível. Por conseguinte, a principal estratégia [deve consistir] em prover tecnologias da comunicação e da informação a instituições intermediárias, por exemplo, organismos oficiais, organizações não governamentais e organizações comunitárias”. A iniciativa privada, também, deve ser chamada, porque ao mesmo tempo em que divulga seus produtos, beneficia o cidadão com o uso da máquina (quiosques na forma de comodato). No caso dos portais, a forma do equipamento ou os requisitos que devem cumprir em um primeiro momento são menos importantes do que a interface que vai ser adotada e o conteúdo que será incluído. A maioria dos quiosques de auto-atendimento tem requisitos mínimos (como os quiosques dos bancos estatais). Deve-se pensar na forma de navegação, lembrando que provavelmente a maioria da população nunca teve acesso à internet e não tem sequer conhecimentos básicos em aplicativos e, também, nas pessoas que ensinarão, isto é, nos auxiliares. A seguir, a infra-estrutura nova deve cobrir os desequilíbrios regionais, sanando os gaps existentes entre as regiões e as diferentes esferas de governo, no que se refere à presença nos próprios órgãos parceiros e na existência de infra-estrutura, podendo isso ser conseguido com recursos de fundos especiais que privilegiem o combate às assimetrias regionais da própria presença do Estado. Só, então, em um último momento, deve-se pensar em um plano que implemente infra-estrutura nova. Finalmente, deve o bom governo “intensificar a capilaridade das redes, propiciando uma crescente articulação entre fornecedores/produtores/clientes, bem como entre produtores e entre esses e as instituições de apoio, das diferentes cadeias de valor, tendo por base a busca de uma maior competitividade dos segmentos produtivos identificados como de maior potencial” (Sicsú e Melo, 2000). Um exemplo inusitado de parceria é o relatado por Cohen e Eimicke (2001), conseguida no estado de Indiana, nos Estados Unidos. O governo local criou um sítio que oferece aos moradores acesso a mais de 175 serviços interativos, desde declaração de imposto de renda até renovação de carteiras de instituições de classes. A parceria entre o governo e a iniciativa privada não gerou custos de aquisição de ativo permanente e de desenvolvimento para o estado norte-americano. A tecnologia e o conhecimento foram fornecidos pelo parceiro privado, cujos custos foram recuperados pelos serviços cobrados – cerca de 5%, que já eram cobrados antes da implementação. Cerca de 95% das informações ou serviços disponíveis são gratuitos e, apesar de o parceiro do mercado ter fornecido gratuitamente parte essencial do material necessário – na verdade, como foi dito, obviamente que esse custo está sendo recuperado ao longo do tempo –, o governo detém plenos poderes para administrar o conteúdo e as taxas cobradas. Como se vê, quando o Estado consegue firmar boas parcerias o ganho pode ser bom para a sociedade, na medida em que não abra mão de sua capacidade regulatória. Deve-se avaliar com parcimônia a substituição da educação convencional pela educação a distância. Os Estados que perderam a oportunidade histórica de prover os governados de um sistema de ensino superior capaz de lançar as bases do país no cenário de uma era de competição, em termos científicos, tecnológicos e de performance do saber, não devem precipitar-se em converter seus sistemas de ensino tradicional em sistema de ensino a distância, exceto em caráter suplementar ou supérfluo, enfatizando ramos do saber que não exijam do discente média ou alta performance intelectual prévia, como os cursos práticos de curta duração, cursos profissionalizantes, divulgação de receitas e manuais, cursos de especialização sem fins científicos diretos etc. A educação a distancia exige um vultoso investimento inicial, porque requer equipamentos mais onerosos do que os de escolas convencionais, além de material audiovisual e de comunicação, como rádio, televisor, satélite, vídeos, além da indispensável logística na alocação dos recursos demandados, sem falar que todos os envolvidos, desde o pessoal de apoio até o pessoal da área fim, deve ter muita familiaridade com as tecnologias novas, e, embora ao longo do tempo tenda a ocorrer “uma redução dos custos por aluno”, flexibilização e alargamento dos conhecimentos nos diversos campos disciplinares, dispensando a 50 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 dedicação exclusiva tanto dos docentes quanto dos discentes e torne menos rígidos os currículos atuais (Faria, Rondelli e Leite, 2000), é preciso observar que a natureza deste tipo de ensino só tem êxito possivelmente se o sistema universitário herda alunos bem formados nos graus inferiores e têm alta capacidade de volição e até tendências autodidatas e disciplina. O quadro atual do ensino infra-universitário é sabidamente crítico nos países em desenvolvimento, de modo que tende a enfraquecer a autotutela do aluno em relação à pura interação com as máquinas, mesmo na forma de conferências ao vivo, sendo ainda, nos Estados que não têm um sistema universitário sem crises e voltado para a produção efetiva de saber, uma opção perigosa. O uso intensivo da tecnologia da comunicação e da informação, nesta situação, pode ser até pior do que inicialmente se imagina, pois não somente poderá causar vieses incorrigíveis em alunos despreparados, como também poderá trazer para o sistema profissionais não capacitados nesta modalidade peculiar de ensino. O bom governo deve, portanto, procurar integrar suas instituições de pesquisa e de tecnologia em rede para benefício próprio e para colocar à disposição dos usuários regulares o uso das redes inteligentes e interligadas para as pesquisas na forma tradicional, e usar o ensino não presencial em caráter suplementar, nunca com o fim de sanar o déficit de matrículas em ensino superior existente na forma tradicional, substituindo-o pela oferta na forma de ensino a distância, pois as metodologias destas últimas necessitam de requisitos mais sofisticados do que o daquelas. Uma iniciativa de cerca de sessenta instituições públicas na Brasil, a UNIREDE45, financiadas por recursos do Estado, intentaram um grande desafio, o de ajudar a atender “à meta estabelecida pelo Plano Nacional de Educação [brasileiro] que propõe a elevação da taxa de escolarização da população de 19 a 24 anos dos níveis de 12,7% em 1996 para 30% até 2008”, porque “dificilmente o sistema de ensino público conseguirá atender esses 17,3% se continuar adotando apenas o ensino presencial” (Faria, Rondelli e Leite, 2000). Porém, de acordo com informações do próprio sítio da UNIREDE, tal objetivo sequer aparece no horizonte porque, talvez felizmente, dos 119 cursos de seu catálogo de oferta, quase todos pagos e na modalidade de extensão, aperfeiçoamento ou pós-graduação lato sensu, portanto sem qualquer caráter formativo como os cursos de graduação ou os cursos de pós-graduação no sentido estrito, apenas dois cursos aventuram-se como proposta de cursos de graduação. Banco Mundial (1999) mostra, mediante um exemplo, a inexistência de tempo suficiente para uma análise mais acurada de iniciativas de educação a distância nos países em desenvolvimento. Trata-se da Universidade Africana Virtual, com sede em Nairobi, cuja “finalidade (...) é aumentar o número de alunos matriculados nos centros universitários e melhorar a qualidade e pertinência dos cursos de administração de empresas, ciências e engenharia em todo o continente africano. Em cada país participante se seleciona, mediante concurso, uma instituição local para que se encarregue da supervisão das atividades. Esta instituição proporciona aos alunos equipe e programas de computador para que possam participar dos cursos interativos, se encarregar de matriculá-los, supervisionar os programas de estudo etc.”. A universidade conta com 27 terminais receptores de satélite em toda a África e tem estabelecido uma biblioteca digital para compensar a escassez de documentação científica nas universidades africanas. Porém, “é demasiado cedo para fazer uma avaliação dos resultados” e “estas iniciativas permitem” somente “abrigar a esperança de que a nova tecnologia contribua em grau significativo para reduzir as diferenças de conhecimento”. A prestação de serviços eletrônicos dirigidos a um público-alvo especializado, que faz uso particular da informação que carrega valor agregado, deve ser cobrada pelo Estado. Os serviços on-line que são de uso imprescindível de parte dos governados que têm atividades específicas e que tenham alto retorno na utilização desses serviços devem ser cobrados pelo prestador, de maneira a dar sustentação ao serviço e subsidiar outros serviços que tenham de se submeter às peculiaridades regionais ou níveis de renda. Exemplos clássicos são os serviços de assinatura de licitações e consulta a processos nas altas instâncias judiciárias (cuja ação não advenha de defensores públicos) etc. Os recursos obtidos podem servir de pagamento de serviços eletrônicos que necessitem de etapas híbridas, como a entrega de correspondência pelos correios a um cidadão distante que requereu a situação de seu processo de seguro ou aposentadoria pela internet. 51 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 Os sítios oficiais relativos à prestação de serviços e ao provimento de informações devem ser regulados e normalizados de acordo com critérios internacionalmente aceitos e que visem à gestão por resultados. Os sítios oficiais não devem ser criados sem critérios aprovados por comitês que disciplinem a qualidade a que devam se submeter e nem devem ser criados apenas com o fim predominante de relações públicas com a população, mas com o fim de prestar serviço aos governados. O bom governo deve formatar suas soluções de design e de conteúdo de modo a privilegiar serviços e a diminuir a carga informativa, convertendo esta em meio de se obter o serviço eletrônico, isto é, aqueles que demandam transações ou demandam interação do usuário com a máquina. Deve, ainda, o bom governo atentar para o fato de que os sítios oficiais devem contemplar conteúdo regionalizado (informação regionalmente ou localmente contextualizada) e condizente com o interesse das comunidades, respondendo ao que necessita, e com cultura de prestação de contas. A performance dos países em desenvolvimento em conhecimento científico e em produção de tecnologia deve ser alterada. Resultados de Fundación COMNET-IT (2000) mostram, de acordo com análise de dados de questionário realizada em vários Estados, que os principais obstáculos levantados por esses Estados para o avanço dos serviços estatais on-line eram a falta de recursos, a inexistência de infra-estrutura e os baixos níveis de conhecimentos básicos sobre tecnologia da informação. Isso significa que, se não houver uma alteração da performance de capacitação em pesquisa e em conhecimento científico nos países em desenvolvimento, e se não for encontrada uma maneira de acertar a inversão dos escassos recursos em uma política de sustentação de criação de suas próprias tecnologias, eles continuarão escravos das tecnologias externas, e, ainda pior, não saberão como usá-los, pois não há pessoal capacitado. Parece que, mesmo antes de disponibilidade de recursos e de existência de infra-estrutura, a palavra-chave é capacitação, de modo que o bom governo não deve excluir da dinâmica do processo as academias e os institutos de pesquisa. Não pode permitir que as universidades cheguem a um nível crítico de absoluta anarquia de seus corpos e de colapso de investimentos como vem acontecendo no Brasil, pois é daí que surgem os cérebros; não os cérebros que vão reinventar a roda, mas os que, pelo menos, saberão utilizar, de maneira eficiente, o que tenha de importar inevitavelmente. Não só: “a universidade pode ser uma das últimas instituições que fazem a ponte entre o presente e a história, tanto em termos de memória reconstruída quanto em termos de imaginação utópica. A universidade é uma comunidade de conhecimento, forma de que as empresas precisam se apropriar cada vez mais. Finalmente, a universidade pode ser um dos mais intensos e permanentes laboratórios de vida pública na trajetória das pessoas. Se as universidades conseguirem preservar esses papéis de ponte histórica, de produção de conhecimento e de vivência pública, podem se tornar o mais importante antídoto contra o excesso de informação inútil e a infantilização lúdica das redes de comunicação” (Schwartz, 2000), de modo que o bom governo deve chamá-la a participar na construção teórica do conteúdo de suas redes, diminuindo o volume de informações grotescas, e aumentando o número de informações bem estruturadas, inteligíveis e capacitantes, em lugar de informações desconexas, incompreensíveis e reprodutoras dos enlaces e entraves próprios das disfunções burocráticas. Esse tipo de profissional, que conhece as tecnologias novas e sabe explorar os seus benefícios, geralmente declinam de fazer parte do governo, porque o setor privado os demanda em quantidade, oferecendo melhores salários. Assim, para esses profissionais, deve o bom governo instituir carreiras próprias e criar maneiras de fixação, evitando o uso de consultorias efêmeras que não preservam a memória, uma vez que o fim do Estado difere do fim privado, pelo menos em tese. De acordo com Banco Mundial (1999), “não será fácil eliminar as diferenças de conhecimento” entre países industrializados e países em desenvolvimento, porque aqueles têm alta capacidade de geração de conhecimento, mais até do que de conhecimento efetivamente disponível, ao passo que estes se distanciam cada vez mais desta inversão em capacitação: enquanto alguns países industrializados gastam da ordem de 218 dólares por habitante em pesquisa e desenvolvimento, alguns países em desenvolvimento chegam a gastar 1 dólar por habitante neste setor. Banco Mundial (1999) recomenda que “os países em desenvolvimento não têm que reinventar a roda nem os computadores, nem redescobrir o tratamento do 52 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 paludismo. Em vez de tornar a descobrir o que já se sabe, os países mais pobres têm a possibilidade de adquirir e adaptar grande parte dos conhecimentos já disponíveis nos países mais ricos”, usando a tecnologia como meio rápido e direcionado de transmissão. Como os custos das comunicações caem a um ritmo vertiginoso, a transferência de conhecimentos agora é mais barata do que nunca”, mas a absorção é impossível sem um corpo qualificado. Por outro lado, se sabe quanto os países industrializados, devido a razões econômicas, fecham os seus mercados ou protegem seus conhecimentos, fazem inversões nos países em desenvolvimento não com o fim de elevar o nível de conhecimento nestes, mas de extrair recursos a partir de mão-de-obra barata, e quanto cobram elevado pelas licenças ou concessões de tecnologia. Deve, pois, o bom governo usar parte de sua pauta de exportação como arma para obtenção de conhecimentos ou tecnologias de interesse, protegendo-a se for preciso, barganhando com outros países. Deve ainda verificar a alternativa de utilização de conhecimentos livres (como os softwares livres46) para diminuir a demanda sobre a compra de licenças, mas novamente, aí, necessitam de pessoal qualificado. O próprio Banco Mundial recomenda aos bons governos que participem “ativamente nas negociações em curso sobre” os direitos de propriedade intelectual em relação às tecnologias de informação e de comunicação “para por de manifesto sua preocupação de que o endurecimento dos direitos de propriedade intelectual pode inclinar a relação de forças em favor de quem gera a informação” (Banco Mundial, 1999). O inventário que vem sendo acumulado sobre boas e más experiências em políticas de Governo Eletrônico, deve ser compartilhado entre os países. A pior prática é a imitação de realidades distintas da realidade interna de cada país. O bom Governo deve não só compartilhar seus próprios dados já existentes em relação a bons resultados ou fracassos de práticas de Governo Eletrônico, mas também procurar estudar e entender iniciativas semelhantes de compartilhamento já em prática, como a da OCDE, que está “desenvolvendo informação complementar sobre a medição da penetração das tecnologias informáticas na administração pública de seus membros” e como a das instituições de abrangência mundial que têm procurado a UNESCO para formar parcerias neste sentido (Fundación COMNET-IT, 2000). Deve, também, observar suas próprias limitações para não seguir a maneira fácil de imitar inferiormente, como aconteceu e vem acontecendo com práticas desastrosas de reforma gerencial de Estado, que apenas importaram o estilo e a concepção de outras realidades, sem preocuparem-se com a peculiaridade doméstica, levando os Estados a obterem resultados totalmente incompatíveis com as linhas modernas de efetividade e de eficiência da gestão administrativa. As metas fixadas pelos governos para as ações de Governo Eletrônico devem ter ambição moderada pela capacidade existente. O bom governo não deve fixar metas ambiciosas do tipo colocar em prazo curto 100% dos serviços na internet, pois nem terão capacidade de cumprir (a maioria tem baixo e-enablement, isto é, baixa capacidade eletrônica e sequer conhece bem as ferramentas ou possuem articulação com os seus próprios órgãos componentes e seus agentes para fazerem isso) nem darão a mesma qualidade a todos os serviços. O bom Governo deve estabelecer metas que se cumpram por etapas: primeiro inventariar todos os serviços, para descrever todo o mapa de ofertas e as demandas por público-alvo; depois, classificar os serviços em transacionais ou não transacionais. A seguir, deve fazer uma crítica dos procedimentos, converter os serviços mais críticos para a forma on-line, preservar um saldo residual na forma convencional e, somente depois, começar a elaborar planos de extensão aos outros serviços, inclusive os híbridos. O governo do Reino Unido fixou objetivos ambiciosos para a entrega universal de serviços on-line. Alguns departamentos estão levando a sério esta ambição, trabalhando no programa. As ambições podem não alcançar, porém, 100% da população, pois, de fato, uma dívida digital foi criada. A oferta de serviço em meio eletrônico não significa que todas as pessoas podem ou desejarão ter acesso aos serviços desse modo. Alguns departamentos vêm notando isso e não estarão criando um ambiente exclusivamente eletrônico. Para esses que desejam ter acesso ao serviço on-line, mas que lhes faltam as habilidades ou confiança para entrarem em um ambiente de aprendizagem tradicional, oportunidades estão crescentemente disponíveis (Sladen, 2002). 53 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 Os serviços oferecidos na forma convencional devem ser mantidos para pessoas que ainda não desejam usar meios eletrônicos ou não confiam em suas funcionalidades e nível de segurança até que as gerações futuras eliminem essas disparidades, como aconteceu com o uso já quase universal dos caixas bancários eletrônicos para recebimento de benefícios com cartão magnético e senha. As normas que regem o uso e os benefícios ou vícios decorrentes do emprego das tecnologias da informação e da comunicação devem ser conseqüência da instalação do processo, e não o contrário. Cada Estado deve adotar um arcabouço normativo adequado às suas próprias tradições legislativas, sem copiar tendências de outros Estados, de modo a evitar casuísmos e insegurança jurídica fáceis de ocorrer pela novidade que essas tecnologias ensejam. A orientação para o bom governo é, inicialmente, aplicar o arcabouço existente. Por exemplo, para prestação de serviço público ou e-commerce as normas de defesa do consumidor existentes, para a privacidade da informação a política civil de inviolabilidade da privacidade etc., e somente num segundo momento, quando os contratos estiverem ajustados à realidade do mercado e os serviços tiverem alcançado um nível de difusão razoável, criar normas sobre proteção à privacidade de dados, padrões de qualidade, controle da divulgação de informações e autenticação/segurança de documentos e de transações. O bom Governo deve evitar a instituição de normas antes da concretização do processo, a fim de evitar engessamento das soluções alternativas, como ocorreu com a implantação dos serviços convencionais, que sucumbiram ao excesso de normas próprias das disfunções burocráticas, sobretudo em relação à exigência de padrões técnicos e de qualidade inatingíveis na prática, em um primeiro momento, até porque esse é o caminho natural. Um exemplo familiar, no âmbito das mudanças tecnológicas, de que é quase natural o fato de que a legislação não precede, mas é decorrente das mudanças culturais versa sobre o direito de propriedade. Como esclarece Simon (2000), “à medida que o progresso da tecnologia amplia as facilidades de fazer cópias [como a internet], a legislação é alterada para levar em conta a nova realidade tecnológica” e para tentar “manter um equilíbrio entre os incentivos à produção intelectual, a pressão da facilidade de fazer cópias e o interesse da sociedade de ser bem suprida de bens de informação essenciais.” A escolha e adoção de indicadores de desempenho e a avaliação de resultados das políticas de Governo Eletrônico devem ser medidas indispensáveis de análise dos programas. Cohen e Eimicke (2001) contataram cinqüenta organizações americanas com websites considerados bem desenvolvidos e com capacidade boa de oferecer serviços diretos aos cidadãos. Porém, menos de 15% das organizações do governo possuíam dados sobre a eficiência (custos e benefícios) da utilização da internet como meio de oferta de serviços públicos e, ainda pior, poucas dessas organizações analisaram a performance do projeto antes de lançarem as páginas na rede. Se as políticas convencionais, que têm baixa recorrência a meios tecnológicos ou de comunicação, têm baixo grau de avaliação de seus impactos em termos efetivos, não somente em termos de eficácia ou de eficiência, a situação das políticas de Governo Eletrônico têm, ou deverão ter, menos ainda o hábito de sofrerem rigorosa avaliação, uma vez que se trata de uma política nova que usa instrumental novo e que dialoga com uma nova forma de exclusão social: a exclusão digital. Tais políticas, pois, devem levar em conta critérios novos no que respeita ao desenvolvimento de modelos que pretendem mensurar o seu impacto, sobretudo quando tais políticas desejam minimizar a exclusão social. Quanto a esse último aspecto, decisivo para os países em desenvolvimento, Phipps (2000) lista quatro critérios que devem nortear o exame dos impactos: 1. integração cívica, que exprime o grau de poder que o cidadão tem numa sociedade democrática e que pode ser medida pelo aumento da participação dos grupos excluídos na toma de decisão, observandose a diversidade da participação de idosos confinados em casa, minorias étnicas etc.; 2. integração econômica, que exprime o fato de o beneficiado possuir uma atividade ou uma função econômica valorizada, a qual pode ser medida pelo impacto da ação sobre a taxa de desemprego e sobre a confiança sentida pelo cidadão nas suas habilidades e capacidades; 3. integração social, que exprime o grau de acesso do indivíduo ao suporte do Estado, sem estigma de qualquer espécie, a qual pode ser medida pelo usufruto dos benefícios, redução do nível de pobreza, mas também em termos da utilidade percebida para projetos do setor público, tais como os que transmitem habilidades em tecnologia da informação, os que oferecem ensino à distância ou acesso remoto a serviços 54 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 baseados em tecnologia da informação e da comunicação; 4. integração inter-pessoal - essa variável responde à pergunta: os indivíduos e grupos excluídos sentem-se mais conectados? Os indicadores de desempenho ou de acompanhamento devem ser previstos para medir o impacto de cada linha de ação do programa de Governo Eletrônico com métricas que cubram a infra-estrutura, a produção e uso dos bens e os serviços diretamente relacionados com a tecnologia da informação e da comunicação. De acordo com Mansell e Wehn (1998), a análise de desempenho de políticas de uso e produção da tecnologia da informação não pode prescindir da relação entre experiência e competência: esta funciona, na produção e consumo dos meios, como um empurrão na criação de conhecimento, ao passo que aquela se faz presente como um empuxo, porque nem produção nem consumo, tomados independentemente, convertem infra-estrutura e experiência em criação de conhecimento. A dificuldade maior reside na coordenação entre o empurrão da experiência e o empuxo da competência para garantir um resultado satisfatório. São os conhecimentos tácitos e a capacidade organizacional mobilizados em grande parte pelos gestores que são os responsáveis pelo equilíbrio dessas forças. Finalmente, há ainda a infraestrutura, que necessita de indicadores mais afinados com a eficácia. O bom governo deve, portanto, organizar suas avaliações segundo as métricas estabelecidas para os três indicadores fundamentais de ações de Governo Eletrônico: indicadores de infra-estrutura, que permitem avaliar o grau de solidez ou fragilidade do sistema físico (eficácia), sobre o qual repousa a experiência (produção de bens e serviços de tecnologia da informação e da comunicação), cujos indicadores refletiriam a eficiência da política e, finalmente, o salto qualitativo cujos indicadores revelam o desenvolvimento da competência, isto é, o uso dos bens e serviços da tecnologia da informação e o grau de alteração do comportamento do beneficiado. A Lista Indicativa de Indicadores do eEurope 2002 detalha vários indicadores de consumo e de produção dentro dos tipos listados pelos autores citados, dos quais se destacam (Brasil, 2000): 1. Infra-estrutura: penetração da internet e preço de acesso; 2. Experiência: número de computadores por pessoa, número de meios na educação formal, percentual da força de trabalho que tem acesso aos computadores, número de terminais de acesso público e distribuição geográfica; 3. Competência: aceleração do comércio eletrônico, melhoria na qualidade de vida, aumento do número de sistemas inteligentes. O bom governo não deve privilegiar certos organismos do Estado na dotação de meios tecnológicos e de comunicações em detrimento de outros, acirrando a luta de interesses entre a área fiscal e a área social ou incentivando as escolhas que refletem critérios semelhantes aos usados no mercado. De acordo com Cardoso, Bemfica e Reis (2000), a discussão sobre a informatização dos diferentes setores da administração pública (endogoverno eletrônico) é guiada pela constatação de que o investimento tecnológico privilegia órgãos que assumem maior poder no gerenciamento dos recursos orçamentários, como a Fazenda e o Planejamento, em detrimento de órgãos que lidam diretamente com o setor social do governo, como as áreas de política social (saúde, educação etc.). Quando estas últimas áreas recebem esse tipo de investimento, o recurso destina-se à sua integração com a área orçamentária (gestão e controle dos recursos) e não com fins de manutenção administrativa do setor para seus próprios fins, reforçando o entendimento segundo o qual o conhecimento e a informação seriam mercadoria ou artigo de comércio, onde se visa à utilidade, mas também os mecanismos do mercado (negociações, barganhas etc.), de modo que, se não obedecem a requisitos próprios da lógica lucrativa os recursos não devem ser aplicados em um dado setor da administração, sobretudo naquelas áreas normalmente encaradas como “o avesso daquelas destinadas ao aumento de eficiência” e que perdem geralmente o privilégio dos recursos de informática e de capacitação para o uso de tecnologia. O bom governo deve observar que o destino de recursos para aquisição de meios eletrônicos que permitam integrar e facilitar a implantação de suas políticas sociais, bem como suportes de apoio à mensuração da efetividade dessas políticas, não podem estar limitados pelo uso desses mesmos recursos na modernização do Fisco ou das estratégias de planejamento e gestão de seu dinheiro, porque o fim ideal 55 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 do Estado é exatamente ligado à área social, antes de sua própria solvência. É preciso esclarecer o conceito e os limites, no âmbito da democracia eletrônica, da democracia direta e da democracia indireta. O bom governo deve incentivar formas de participação cívica por meio de mídias modernas e de meios eletrônicos, como alguns exemplos mostrados neste ensaio, mas é preciso esclarecer diferenças que estão na raiz do conceito de democracia direta e de democracia indireta. No primeiro caso, a identificação do responsável pela intervenção é dificultada pelo alto grau de difusão, de maneira que o impacto das mudanças e os aspectos diferenciais que poderão trazer junto às gerações futuras não podem recair sobre um grupo, sobre uma elite ou mesmo sobre um partido. No segundo caso, o grau de precisão e controle é maior, porque a responsabilidade dos políticos fica claramente registrada em suas decisões, sobretudo no âmbito parlamentar. De acordo com Seppälä (2001), “não devemos nunca ter a ilusão de que a participação digital pode ser mais influente que outros meios de participação. Participação cívica direta pode ser uma fonte de poder para os órgãos representativos do governo e deve ser percebida como uma forma essencial de diálogo no período eleitoral, bem como uma fonte de informação para formar as bases do processo de tomada de decisão. O problema central é, no entanto, a questão da responsabilidade: na democracia direta, não existe ninguém que assuma a responsabilidade por processos complexos de tomada de decisão da mesma maneira que aqueles que foram eleitos especificamente para suportar tal responsabilidade”. As formas de Governo Eletrônico não devem se limitar à prestação de serviço e ao provimento de informações via internet. Um dos maiores gargalos administrativos e uma das formas mais evidentes de descaso com o cidadão são o atendimento ruim em balcão ou guichê e a precariedade na prestação de esclarecimentos ao cidadão. Esse tipo de serviço tem sido a causa de boa parte dos prejuízos e dos desconfortos dos governados. Em relação às centrais de atendimento personalizadas, é preciso que o bom governo crie um único número telefônico apontador a partir do qual, usando um menu, o cidadão possa ter acesso ao serviço desejado, em qualquer que seja a esfera de governo ou poder, sendo que o tempo de espera deve ser decrescentemente informado até que ele seja atendido. Além disso, se, eventualmente, o atendente não possuir a informação, deve caber ao Estado levá-la até o cidadão, uma vez que este não pode pagar o ônus da espera. No caso de centrais virtuais, é preciso por à disposição nos pontos de acesso à internet pessoas capazes de obter a informação ou serviço para o cidadão que não consiga fazê-lo sozinho. Para as centrais de atendimento não-personalizadas, em que o atendimento é feito sem intermediação humana, mediante a internet, o mesmo procedimento deve ser aplicado ao e-mail, que deve ser único, ainda que se possa, internamente, encaminhá-lo a outros órgãos. É preciso extinguir a proliferação de endereços eletrônicos institucionais com o fim de atendimento central. Ao contrário, deve haver um único endereço eletrônico mediante o qual o cidadão possa usá-lo de acordo com o escopo: se o Ministério Público possui uma central de atendimento para denúncias e a Polícia Federal, também, o escopo é denúncia, de forma que os endereços eletrônicos devem ser os mesmos, sendo redirecionados de acordo com o tipo de denúncia para o órgão competente. Os formulários não podem ser livres: é preciso capturar minimamente o perfil do cidadão, com autorização deste, além de ser desejável que cada formulário seja o mesmo para cada escopo tratado. É inconcebível que, por força de norma, o cidadão adquira personalidade civil com o nascimento com vida e não possa, desde já, receber informações desejadas. É preciso instituir um e-mail de nascimento, que o cidadão carregará por toda a sua vida, mantido pelo Poder Público, para o qual, e somente para o qual, devem ser remetidas as informações emanadas dos governos. Se o cidadão precisa saber sobre o trâmite de dado processo ou a resposta para determinado assunto, necessitará acessar o email de nascimento. Esse e-mail deve estar vinculado à identificação única do cidadão. Uma vez que o cidadão dê entrada em algum procedimento administrativo ou declare algo ao Poder Público que resulte em uma resposta, ele deve ser informado sobre a chegada da ação a quem compete dar prosseguimento, identificação dos elementos, trâmite e resultado, independentemente de requerer novas etapas, ir ao local de atendimento ou fazer consultas mediante a internet. Isso pode ser conseguido mediante a unificação dos sistemas e dos bancos de informação e individualização das pessoas mediante 56 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 um número e um endereço únicos. O bom governo deve ter muito clara a diferença entre Protogoverno Eletrônico e Governo Eletrônico A simples informatização da administração pública é apenas um estágio que se insere no contexto natural de eficiência da máquina e de conversão generalizada das estruturas arcaicas por estruturas modernas, em cujo desenvolvimento e implantação tiveram importância fundamental as empresas de processamento de dados, desde a década de setenta, como nos países em desenvolvimento. Isso é apenas um Protogoverno Eletrônico e o bom governo deve saber a diferença e a ordem em que cada processo deve chagar. Neste contexto é que reside uma das maiores discrepâncias em desenvolvimento doméstico da própria máquina, pois enquanto geralmente o governo central tem aumentado substancialmente a informatização, algumas prefeituras sequer possuem recursos mínimos de hardware, e, até, lidam ainda com a máquina de datilografar, como no Brasil. A diminuição, pois, do gap histórico em termos de informatização entre o governo central e os governos locais deve ser diminuído sob a liderança do governo central. 2. Conclusões Poucas eras, como a chamada era digital, enfrentaram tamanho paradoxo entre os dois elementos chaves do processo: informação e conhecimento como bens e fluxos sociais. A falta de informação sobre o que é efetivamente esta era e sobre os meios de que ela faz uso ou a existência farta de informação baseada em opiniões pouco fundamentadas e distorcidas, parece ser um dos componentes mais frágeis do sistema. Se fosse possível difundir nos governos uma palavra sobre Governo Eletrônico, a escolhida seria cautela. A maioria dos estudos conclusivos sobre as vantagens do Governo Eletrônico é absolutamente inconclusa sobre resultados palpáveis das experiências e os estudos que efetivamente comprovam absoluto insucesso em práticas de Governo Eletrônico mostram o quanto o Estado ainda é dependente de escolhas, as quais, muitas das vezes, são absolutamente restritas, sem falar na possibilidade de haver somente uma entre duas: acertar ou errar em definitivo. Boa parte dos Estados publicou planos ambiciosos em um Livro verde, que atende perfeitamente ao rigor acadêmico e aos requintes da ousadia, bem como às melhores recomendações sobre o bom controle das políticas na era digital, mas ainda não temos elementos firmes para verificar se as metas efetivamente se cumpriram. Muitos vêm considerando a tecnologia da informação e da comunicação como uma panacéia ou como um sopro redentor das assimetrias, dos desequilíbrios e das contradições inerentes às nossas formações sociais. Isso é evidentemente um equívoco, sobretudo quando é alimentada a esperança de que o Estado sozinho seria capaz, com insumos tecnológicos, de conduzir a sociedade à superação dessa realidade. Uma operação grosseira já elimina a chance: basta uma simples contabilidade entre o que o Estado arrecada e o que os socialmente excluídos demandam para saber que isso não é possível. Temos uma grande quantidade de laboratórios entre os países, cada um dos quais, porém, desfalcado das características de um ambiente completo que permita a obtenção confiável de um resultado: em alguns faltam o planejamento e a visão estratégica, que em outros sobram; há laboratórios que sequer possuem mecanismos de mensuração dos resultados obtidos e nem mesmo preocupam-se em catalogar dados sobre o assunto ou compartilhar os existentes; outros, ainda, adotam hipóteses falsas, até utópicas, sobre as possibilidades da tecnologia da informação e da comunicação, esquecendo-se de coisas já provadas: a melhor opção ainda reside, nos países pobres, em fortes investimentos em educação convencional, saúde preventiva e conhecimento. E há, ainda, laboratórios que pesquisam o mesmo objeto, dentro de um mesmo país; não conversam entre si e concorrem uns com os outros numa atitude predadora desenfreada, em lugar de conquistar parcerias, manter intercâmbios e juntar esforços. Outros, ainda, invertem recursos para redescobrir a roda. A tecnologia da informação e da comunicação, como qualquer outra, é um triângulo. De um lado, pode quase tudo quanto se queira como meio para empreender tudo aquilo que cai dentro de seu universo 57 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 de solução. De outro lado, pode ser um ambiente altamente desconhecido, portador de poder mistificador e ameaçador para o leigo (geralmente o tomador de decisão) e para o beneficiado (geralmente o cidadão), razão pela qual, até, este ensaio evitou sempre abusar no uso dos jargões próprios da matéria, detalhamentos técnicos desnecessários e idealizações deste mundo, mas somente um entendimento simples das principais formas de Governo Eletrônico, ilustradas com alguns casos desastrosos ou não. De outro lado, ainda, é extremamente dependente, pelo menos quanto ao uso que dela é feito para o Governo Eletrônico, das estratégias tradicionais da perfeição das escolhas, do bom gerenciamento, da política que a orientará e da base material que sustenta o Estado. Sem que os outros dois lados estejam em um patamar satisfatório, a tecnologia pode servir de meio potente de desperdício de recursos, desarmonia de ações, aumento de entraves para procedimentos até simples e barreira intransponível para o exercício da transparência, da publicidade, da moralidade e da economicidade dos negócios públicos. O que é, então, possível? Certamente usar a tecnologia não como um fim, mas como uma mediadora para a redução de um grande número dos problemas enfrentados pelos governos ao implementar os seus projetos e ao concretizar as suas opções, uma vez que cada governo quer queira, quer não, está submetido a uma série de interesses que precisa atender. A tecnologia, se realmente apropriada de forma racional, compromissada com resultados e visando à eliminação das disfunções próprias da burocracia, certamente servirá de incremento poderoso para as políticas de bem estar. A melhor lição parece residir nas palavras de Cohen e Eimicke (2001): Da mesma maneira que as livrarias atualmente se beneficiam do fato de possuírem tanto lojas virtuais quanto físicas, os governos devem considerar que clientes com diferentes tipos de necessidade devem receber diferentes tipos de tratamento. Mesmo que a prestação de serviços governamentais via web não fosse uma boa idéia, muitos governos deveriam explorá-lo devido à demanda da população. Felizmente, há evidências claras de que a internet pode representar uma ajuda valiosa para o governo. É importante assegurar o cuidadoso planejamento dos serviços e a constante avaliação de seus custos e benefícios. (...) A internet é uma ferramenta e não uma panacéia. 58 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 TABELAS Tabela 1 – Categoria de Índice de Realização em Tecnologia – TAI Países líderes (TAI acima Países com potencial de Países em adoção de 0,5) liderança (TAI entre 0,35 dinâmica (TAI entre 0,20 e 0,39) e 0,34) Espanha Uruguai Finlândia Itália África do Sul Estados Unidos República Tcheca Tailândia Suécia Hungria Trindade e Tobago Japão Eslovênia Panamá República da Coréia China (Hong Kong) Brasil Holanda Eslováquia Filipinas Reino Unido Grécia China Canadá Portugal Bolívia Austrália Bulgária Colômbia Singapura Polônia Peru Alemanha Malásia Jamaica Noruega Croácia República Islâmica do Irã Irlanda México Tunísia Bélgica Chipre Paraguai Nova Zelândia Argentina Equador Áustria Romênia El Salvador França Costa Rica República Dominicana Israel Chile República Árabe da Síria Egito Zimbabwe Indonésia Honduras Sri Lanka Índia Fonte: UNDP (2001) Tabela 2 – Participação de setores da sociedade na promoção de TIC (62 países) Região Governo (%) Indústria privada (%) Ásia e Pacífico 87 60 Europa e América do 95 60 Norte Estados Árabes 86 57 África 70 40 América Latina e Caribe 86 71 Geral 86 58 Fonte: Fundación COMNET-IT (2000) Países marginalizados (TAI abaixo de 0,20) Nicarágua Paquistão Senegal Gana Quênia Nepal União das Repúblicas da Tanzânia Sudão Moçambique Universidade (%) 27 45 57 50 57 44 Tabela 3 – Ampliação do acesso à TIC (62 países) Forma de ampliação de Quiosques Acesso à internet Aquisição de Outros acesso à TIC subsidiado pelo computadores Estado subsidiada pelo Estado Países (%) 27 19 18 25 Fonte: Fundación COMNET-IT (2000) Tabela 4 – Nível de desenvolvimento da participação do cidadão (62 países) Tipo de O serviço não O serviço está O serviço está O serviço existe 59 Sem resposta XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 participação existe em fase de em fase piloto cidadã planejamento Enquête de 48% 9% 11% opinião Eleições e 54% 9% 3% referendos Informação 33% 8% 7% enviada pelo cidadão Fonte: Fundación COMNET-IT (2000) 19% 13% 18% 16% 39% 13% Tabela 5 – Comparação do posicionamento em Governo Eletrônico (23 países) País Maturidade total Posicionamento em Posicionamento em 2002 2001 Austrália Competidor 4 5 visionário Bélgica Executor emergente 16 16 Brasil Construtor de 19 18 plataforma Canadá Líder inovador 1 1 Dinamarca Competidor 5 visionário Finlândia Competidor 7 6 visionário França Competidor 12 12 visionário Alemanha Competidor 9 15 visionário Hong Kong Competidor 8 10 visionário Irlanda Competidor 10 13 visionário Itália Construtor de 21 21 plataforma Japão Executor emergente 17 17 Malásia Construtor de 20 19 plataforma México Construtor de 23 22 plataforma Países Baixos Competidor 11 7 visionário Nova Zelândia Executor emergente 14 9 Noruega Competidor 13 4 visionário Portugal Construtor de 18 14 plataformas Singapura Líder inovador 2 2 África do Sul Construtor de 22 20 plataforma Espanha Executor emergente 15 11 Reino Unido Competidor 6 8 visionário Estados Unidos Líder inovador 3 3 Fonte: Accenture (2002) *Para cada país, a taxa de penetração da internet foi calculada usando o número total por país e a população total do país. 60 Penetração da internet (%)* 58 29 7 58 46 56 20 25 39 31 21 31 8 4 45 40 57 8 47 5 21 40 66 de usuários da internet XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 FIGURAS Figura 1 – Posicionamento de 22 países na performance de Governo Eletrônico (2001) Fonte: Accenture (2001) Figura 2 – Posicionamento de 22 países na performance de Governo Eletrônico (2002) Fonte: Accenture (2002) NOTAS 1 De acordo com um levantamento feito por Cohen e Eimicke (2001) a partir de facilidades oferecidas aos cidadãos pela internet por alguns estados americanos, “o impacto da rede na prestação de serviços governamentais será gradativo e incremental, 61 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 resultando em melhorias graduais e de pequena escala nos serviços. (...) Em alguns casos [estudados nos Estados Unidos], o custo da prestação de serviço diminuía; por outro lado, quando ocorreram erros ou quando foram oferecidos pontos adicionais de acesso a fim de agradar aos cidadãos [isto é, sem qualquer planejamento], o custo da prestação de serviço aumentou”. 2 “Incialmente voltado para o avanço da tecnologia de redes e computação nos EUA e com um viés basicamente acadêmico, expandiu-se a partir de 1993/94 para incluir a iniciativa da National Information Infra-structure (NII), impulsionada pela administração de Clinton/Gore, com foco na abordagem de desafios concretos da economia e sociedade americana. A chamada NII foi o mote inicial a partir do qual, em 1994, os EUA lançaram a idéia da Global Information Infra-structure (GII) como um desafio mundial a ser enfrentado por todos os governos” (Brasil, 2000). 3 De acordo com o Livro verde brasileiro, o Estado “é o maior comprador/contratador de bens e serviços em tecnologias de informação e comunicação em um país” (idem, 2000), pelo menos potencialmente. 4 “Em documentos do governo norte-americano, encontramos em destaque expressões como ‘American technological leadership’ e ‘open, global trade’”, ao passo que “documentos da União Européia dão grande ênfase a expressões como ‘job creation’” (idem, 2000). 5 O que adianta colocar milhões de máquinas nas escolas e os usuários não saberem usar essas máquinas nem explorar a tecnologia, pergunta-se o autor (Schwartz, 2001). 6 “Quem espera a chegada da televisão digital no mercado brasileiro não faz idéia do poderoso lobby que está por trás dessa novidade. Três grupos - americanos, europeus e japoneses - disputam a oportunidade de exportar a tecnologia para o Brasil, em um negócio bilionário que envolve US$ 10 bilhões de investimentos dos fabricantes nos próximos dez anos, além de US$ 1,7 bilhão das emissoras” (Araripe e Komatsu, 2002). 7 Website: www.redegoverno.gov.br. 8 A disparidade entre a quantidade de investimento em tecnologia feita pela minoria dos países em relação à maioria dos países, de um lado, indica, obviamente, desequilíbrio entre a quantidade de países ricos (minoria) e países pobres (maioria), mas também cautelas destes últimos. De acordo com Nações Unidas (1999), apenas 55 países são responsáveis por cerca de 99% dos gastos mundiais em tecnologia da informação. Além desse aspecto, é fartamente conhecida a política de austeridade imposta aos países em desenvolvimento pelos principais organismos financiadores internacionais no que respeita à garantia do pagamento em dia dos juros, sob política fiscal regrada e restrições orçamentárias, tanto para que os países continuem com o recebimento de novos financiamentos, quanto para a não interrupção de entrada de capital estrangeiro, o que consome boa parte dos recursos orçamentários para a aplicação em investimentos sociais, que se dirá em tecnologia da informação e da comunicação. 9 Mesmo para aqueles projetos existentes e, até, concluídos, ainda falta um modelo adequado de avaliação do impacto, que se preocupe menos com o aspecto descritivo e contábil, sobretudo em relação aos agentes financiadores, e se preocupe mais com a efetividade da ação. Segundo Phipps (2000), “os modelos de impacto, em sua maioria, preocupam-se com descrever como a estrutura do projeto foi desenvolvida, (...) enfocada a partir do ponto de vista dos fornecedores e organizadores, em vez dos usuários”. Os projetos, por usarem instrumentos de um novo tipo e por se defrontarem com conceitos novos do tipo exclusão digital trazem necessariamente outras variáveis que devem ser mensuradas, de modo a “avaliar o impacto potencial e real das novas TIC nos grupos mais carentes” (idem, 2000). Cohen e Eimckle (2001), por sua vez, são bastante sensatos ao frisarem o grau ainda delicado e incipiente (ou de experimentação?) das práticas digitais, mesmo fora do governo: “os tipos de serviços que podem ser oferecidos através da web ainda estão sendo idealizados ou organizados tanto pelos governos quanto pelo setor privado. Podemos prever uma grande quantidade de experimentos e aprendizagem organizacional nessa área durante a próxima década”. 10 Entre os países em desenvolvimento, 85% responderam sim, 10% responderam não, 5% não responderam à pergunta; entre os países industrializados, 96% responderam sim e 4% não responderam à pergunta (Fundación COMNET-IT, 2000). 11 Para um bom resumo comentado do estudo ver Ribeiro e Rocha (2001). 12 Website: http: //www.accenture.com. 13 Para um bom resumo comentado do estudo ver Martín (2002). 14 As modificações estão incluídas em parágrafo seguinte. 15 Entre outras ações que convencionalmente se chamam reforma do Estado, destacam-se: similaridade entre os regimes de emprego do mercado e o regime de emprego do setor público para os agentes que não exercem funções estratégicas; regime estatutário com prerrogativas de estabilidade ou de expectativa de conservação de proventos de aposentadoria iguais ao da ativa somente para agentes típicos de Estado; criação de agências que permitam a regulação de setores do mercado e supervisionem as ações de privatização pelo Estado; criação ou fomento de organizações que tenham com o Estado contrato de gestão para exercer atividades que o Estado não deseja executar, mas apenas financiar; difusão da prática administrativa mediante uso de indicadores de desempenho, com cobrança de resultados, controle social e auditoria; fortalecimento do núcleo estratégico do Estado e recrutamento periódico de pessoal típico de Estado. Esses e outros pontos são abordados profundamente por Pereira (2000). 16 Talvez se deva ao caráter de experimentação da reforma do Estado no Brasil a dificuldade que se observa na implementação das políticas de Governo Eletrônico, atropeladas ou atravessadas por vieses próprios de um projeto que não atingiu os seus desígnios originais de transformação de uma administração burocrática para uma administração gerencial. Esse caráter é analisado com forte sensibilidade por Pinto (2001). 17 Tais diretrizes, porém, devem ser, pelo menos em tese, consensuais. Como afirma Jordana (2000), ao exemplificar a iniciativa de Governo Eletrônico na Catalunha, “incentivar o debate público sobre os objetivos das políticas mediante planos estratégicos participativos (...) pode ser uma via especialmente indicada, não somente como mecanismo para alcançar um amplo consenso social sobre os objetivos a prosseguir, mas também pelos próprios efeitos de caráter relacional, entre os atores implicados, que geram este tipo de iniciativa”. 62 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 18 Embora os retornos possam ser generosos: de acordo com Silveira (2001), “o custo de transações via internet, de fato, é bastante reduzido em relação ao custo daquelas realizadas por meios tradicionais”. Assim, serviços de mensagem via internet pelos governos podem reduzir substancialmente os serviços de comunicações telefônicas, de fax e de transações com papéis ou boletos. De acordo com o mesmo autor, também, citando dados da Agência Nacional de Telecomunicações, “a multiplicidade de redes de telecomunicações mantidas pelos diversos órgãos de governo, (...) gera custos que poderiam ser reduzidos, se houvesse maior integração entre as redes”. 19 Sucesso no aspecto de aumento da oferta de serviços, não exatamente no uso proveitoso dos recursos obtidos. Quanto à arrecadação do Estado durante o leilão das empresas públicas, em 1998, sabe-se que “rendeu R$ 22 bilhões”, “dinheiro usado integralmente para amortizar a dívida pública”, o qual, porém, foi consumido em apenas dois meses devido à taxa de juros da época da ordem de 31% ao ano (Correio Braziliense, 2002). 20 “Ao comentar as ações futuras da ANATEL, o ministro das Comunicações, Juarez Quadros, pediu que a Agência tomasse ações imediatas em relação ao Fundo de Universalização das Telecomunicações. ‘Oriento os conselheiros a dedicarem maior atenção a esse tema, pois, até agora, não houve êxito na implementação dos programas em questão’, ressaltou” (Rodrigues, 2002). 21 O portal Comprasnet recebeu o selo de Boa Prática de Governança Eletrônica da Comunidade Econômica Européia em 2001. 22 Website: http://www.comprasnet.gov.br/publicacoes/boletim.stm. 23 É isso o que revela a posição do Brasil no Índice de Percepções de Corrupção/2001 compilado pela Transparência Internacional (TI). Em 2001, o país recebeu a “nota” 4,0 (3,9 em 2000 e 4,1 em 1999), posicionando-se na 46ª posição entre 91 países (49ª entre 90 países em 2000, e 45ª entre 99 em 1999). No Índice de 2001, deixaram de comparecer oito países que constavam da edição de 2000; por outro lado, nove países ausentes em 2000 foram incluídos em 2001 (Transparência Brasil, 2002). 24 Fonte: Info Exame, no 175, outubro de 2002. 25 Como escreveu o mecenas da Cidade do Conhecimento adiante abordada: “quem não sabe perguntar, quem não sabe o que perguntar, o que fará com a torrente de informações potenciais que as redes eletrônicas lhe podem oferecer? É soltar um analfabeto na Biblioteca do Congresso de Washington” (Bosi, 2001). 26 De acordo com o Relatório de desenvolvimento de 2001, o uso da internet é claramente concentrado. Primeiro, a internet está localizada em certas regiões, sobretudo urbanas; segundo, têm acesso geralmente aqueles que são educados e têm nível satisfatório de renda ou riqueza; terceiro, os usuários são jovens e, finalmente, quarto, os usuários são em boa parte do sexo masculino (UNDP, 2001). 27 Esses conceitos são detalhados por Parkinson (1998) e Room (1995). 28 De acordo com Nações Unidas (1999), cerca de 80% dos sítios e interfaces o inglês é a língua mais utilizada, ao passo que não mais de 10% da população do mundo é versada neste idioma. De acordo com Cyranek (2001), “interfaces multilinguais da internet estão sendo desenvolvidas em ritmo acelerado, mas nem sempre oferecem soluções para línguas de países em desenvolvimento”, como a dos países africanos. 29 Essa é uma iniciativa do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Uma outra iniciativa para um projeto semelhante está em fase de licitação no Ministério das Comunicações (Ministério das Comunicações, 2002). Os dois órgãos estão em tentativas de entendimento para absorção dos esforços por um único projeto, mas até o momento não houve consenso. 30 De acordo com Ataíde (1997), “a internet permite a disponibilidade de dados e informações a qualquer momento e por qualquer pessoa ou instituição. Este fato ocasiona um mundo de informações colocadas de forma desorganizada e conseqüentemente de difícil compreensão ou recuperação. Possibilita ainda que grupos possam juntar-se e criar sites com informações (...) disponíveis a quem puder pagar por elas”. Contudo, sendo o Estado contumaz provedor de informações, devido à sua própria natureza, deve dar o melhor exemplo de capacidade de ordenamento, tornando inteligível e confiável a informação. 31 Website: http://www.governoeletronico.gov.br. 32 Criptografia é a utilização de uma senha (chave) para embaralhar (cifrar ou codificar) um resumo (hash) da forma original de um documento e de uma senha distinta (chave) para desembaralhar (decifrar) o resumo (hash), que é comparado (após ser decifrado) ao documento enviado, permitindo, assim, auferir, com segurança, a origem e a integridade do documento (Blum, 2001). 33 Assinatura digital são as chaves geradas ou usadas por ocasião da criptografia (ver nota anterior), na verdade um número, resultando de uma complexa operação matemática que tem como variáveis o documento eletrônico e a chave, detida pelo signatário com exclusividade. A assinatura digital de uma mesma pessoa será diferente para cada documento assinado, evitando que uma mesma assinatura seja utilizada para outros documentos. A assinatura digital somente não é suficiente, necessitando, de uma autoridade certificadora, que reunirá os dados necessários para identificar cada portador de chaves (idem, 2001). 34 Nenhuma das três experiências, apesar de promissoras, possui avaliação de impacto ou mesmo uma simples contabilidade estatística da participação do público-alvo, pelo menos é o que se pode inferir da visita aos sítios de cada uma delas, nos quais não há nada a respeito. Ainda pior: nem o e-mail da Cidade do Conhecimento, nem o e-mail do Orçamento Participativo indicados em suas páginas funcionam, porque foram feitos questionamentos sobre o assunto aos projetos e, até a conclusão deste ensaio, não houve resposta. Isso é o pior indicador de relacionamento em uma página da internet. 35 Para compreensão do assunto do ponto de vista analítico ver Tonollier (1999). 36 Website: http://www.portoalegre.rs.gov.br/op/participacao/cadastro.asp 37 Website: http://www.portoalegre.rs.gov.br/op/linguagemop.asp 38 Website: http://www.cidade.usp.br 39 Website: http://www.cidade.usp.br/home.htm 40 Website: http://www.service-public.gouv.fr/. 41 Website: http://www.fed.gov.au. 42 Website: http://www.firstgov.gov. 63 XVI Concurso de Ensayos y Monografías del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Gobierno Electrónico". Caracas, 2002 43 Website: http://www.open.gov.uk. “O atraso da Alemanha e da Europa em relação às novas indústrias 'gera temor'” (Seitz, 2000). 45 Website: http://www.unirede.br. 46 Como se sabe, o fundamento de mercado e, até, ético, dos aplicativos livres baseiam-se não somente, na prática, em um desafio à predominância dos aplicativos comerciais e à sua voracidade junto aos grandes consumidores como os governos, mas também no fato de que sua licença tem peculiaridade em relação à licença dos aplicativos comerciais. Esta se baseia no conhecido mecanismo de copyright, ao passo que aquela se baseia no mecanismo de “’copyleft’”, a qual “visa a assegurar que um programa de software possa ser livremente copiado, distribuído e alterado [e] visa também a impor restrições para garantir que esta cadeia não possa ser interrompida", mediante o total acesso ao programa fonte.” (Simon, 2000). 44 BIBLIOGRAFIA ACCENTURE. Rhetoric vs reality – closing the gap. Accenture, 2001. 64p. 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