análise de conjuntura temas de economia aplicada
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análise de conjuntura temas de economia aplicada
Nº 351 Dezembro / 2009 FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS issn 1234-5678 análise de conjuntura José Francisco de Lima Gonçalves discute a recente manutenção da taxa Selic em 8,75% a.a., o baixo crescimento do PIB no terceiro ante o segundo trimestre de 2009 (1,3%) e as projeções para 2010, de alta da Selic e de maior crescimento do PIB. Simão Davi Silber avalia as mudanças em andamento na economia mundial, dentre as quais a regulação do sistema financeiro, a correção dos desequilíbrios macroeconômicos e a necessidade de a demanda por reservas externas caminhar para um sistema híbrido. temas de economia aplicada Fernando Homem de Melo analisa as previsões de preços de produtos agrícolas no primeiro semestre de 2010 e os impactos para os produtores. Otaviano Canuto aponta que a retomada da Agenda de Desenvolvimento de Doha ampliaria o acesso aos mercados e o crescimento ambientalmente responsável. Acauã Brochado mostra que variáveis fiscais e exposição a crises internacionais parecem ter efeito nulo sobre a condução do sistema de metas de inflação. Diva Benevides Pinho destaca que a “África chinesa”, com investimentos chineses em infraestrutura e indústrias, aumentou o comércio entre os países e trouxe progresso. Julio Lucchesi Moraes e Letícia Scretas David, em quarto artigo da série sobre Economia da Cultura, avaliam a utilização da ideia de “classe criativa” para estudá-la. Nº 351 DEZEMBRO DE 2009 INFORMAÇÕES FIPE É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DE CONJUNTURA ECONÔMICA DA FUNDAÇÃO issn 1234-5678 ANÁLISE DE CONJUNTURA política monetária ........................................................................................................... 3 CONSELHO CURADOR Hélio Nogueira da Cruz (Presidente) Andrea Sandro Calabi Juarez B. Rizzieri Joaquim José Martins Guilhoto Ricardo Abramovay Simão Davi Silber Vera Lucia Fava José Francisco de Lima Gonçalves setor externo ..................................................................................................................... 5 Simão Davi Silber DIRETORIA DIRETOR PRESIDENTE Carlos Antonio Luque TEMAS DE ECONOMIA APLICADA 8 ........................................................... as perspectivas dos preços agrícolas em 2010 DIRETOR DE PESQUISA Eduardo Haddad Fernando Homem de Melo 11 ............................................................... the Doha trade round is worth fighting for Otaviano Canuto DIRETOR DE CURSOS Cicely M. Amaral 13 .............................................................................. quem atinge as metas de inflação? Acauã Brochado PÓS-GRADUAÇÃO Dante Mendes Aldrighi 16 .......................................................................... emergência de uma “África chinesa” Diva Benevides Pinho 18 .................................................. Economia da Cultura: por um paradigma criativo? SECRETARIA EXECUTIVA Domingos Pimentel Bortoletto Julio Lucchesi Moraes , Letícia Scretas David PReparação de originais e revisão Alina Gasparello de Araujo EDITOR CHEFE Gilberto Tadeu Lima CONSELHO EDITORIAL Heron Carlos E. do Carmo Lenina Pomeranz Luiz Martins Lopes José Paulo Z. Chahad Maria Cristina Cacciamali Maria Helena Pallares Zockun Simão Davi Silber AS IDEIAS E OPINIÕES EXPOSTAS NOS ARTIGOS SÃO DE RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DOS AUTORES, NÃO REFLETINDO A OPINIÃO DA FIPE ASSISTENTE Maria de Jesus Soares PROGRAMAÇÃO VISUAL E COMPOSIÇÃO Sandra Vilas Boas análise de conjuntura José Francisco de Lima Gonçalves (*) política monetária revisão do PIB, revisão do hiato, revisão de expectativas O COPOM voltou a se reunir, pela última vez em 2009 e pela terceira vez desde a interrupção do ciclo de redução da taxa Selic, entre janeiro e julho, para os atuais 8,75%. O comunicado praticamente repetiu o da reunião anterior (outubro), que, por sua vez, havia repetido o comunicado da reunião de setembro. de produção diminuiu, e que o nível atual da taxa é compatível com o crescimento não inflacionário da economia. Desde que a crise de crédito foi superada e a economia brasileira voltou a crescer, ficou a dúvida a respeito de novo ciclo de alta na Selic. Ainda que houvesse espaço para nova redução à luz das informações disponíveis até outubro, os analistas passaram a reconhecer que, em que pese a trajetória benigna da inflação corrente, da inflação esperada, da taxa de câmbio e dos preços das commodities, bem como a redução da aversão a risco nos mercados globais, o determinante principal da inflação passara a ser o fechamento do hiato do produto. Pois bem, no dia em que este artigo foi escrito, o IBGE divulgou os dados sobre o PIB do terceiro trimestre junto com uma importante revisão dos dados referentes ao passado, com maiores mudanças no verificado a partir de 2007. A revisão não é novidade, apenas explica por que tantos erraram tanto. Mas o importante é para onde o dado aponta. dezembro de 2009 A novidade foi informar que a ociosidade dos fatores No mês de novembro e, entrando em dezembro, vários analistas e instituições financeiras e de pesquisa revisaram suas expectativas para o crescimento do PIB em 2010. Definiram, uns poucos, que a Selic teria de ser elevada no início do ano, uns tantos que isso ocorreria em meados do ano, e outros poucos (dentre os quais o autor destas linhas) que a alta poderia ficar para o fim do ano. Não é lugar, nem há tempo, para entrar em detalhes sobre tal revisão. O fato é que o crescimento do PIB no terceiro trimestre contra o segundo trimestre de 2009, com base na série anterior do IBGE, era estimado por nós em 2,1% (2% era a mediana das expectativas colhidas por agências de notícias); o dado estabelecido foi 1,3%. Na comparação com o trimestre homólogo de 2008, a expectativa era de variação nula e houve queda de 1,2%. 3 Há muita conta a ser feita para digerir a revisão da série histórica, inclusive pelo comportamento diferente dos componentes da demanda, mas algumas conclusões parecem difíceis de evitar. O risco de alta importante na Selic em 2010 fica dependendo mais das bobagens de campanha e da alta da taxa de juros nos EUA – o que também provavelmente fique para 2011 – do que das expectativas que os contratos futuros de DI realimentam. Em primeiro lugar, quem usa o filtro HP sobre a série dessazonalizada para estimar o PIB potencial e, portanto, a trajetória do hiato do produto, vai rever ao menos o nível do hiato atual para menos pressão de demanda. Assim, o mesmo crescimento esperado para o PIB de 2010 será referido a uma ociosidade dezembro de 2009 maior dos fatores de produção. O hiato vai fechar mais devagar e mais adiante. Na hipótese de tal revisão implicar maior crescimento do PIB em 2010 pelo fato de a base de 2009 ser agora menor, não se segue que o hiato fechará na mesma velocidade antes estimada. Em segundo lugar, e por enquanto basta, os dados sugerem que o consumo das famílias e o consumo do governo estão crescendo mais lentamente do que parecia, enquanto a formação bruta de capital fixo está crescendo mais. Isto sugere que o PIB potencial está crescendo mais rápido e a demanda doméstica mais devagar. Um crescimento menor do PIB em 2009 e maior em 2010 parece ser o resultado. O corolário é que o ritmo em que a ociosidade dos fatores de produção se reduz parece ser mais lento. 4 (*) Professor do EAE-FEA-USP e economista-chefe do Banco Fator. (E-mail: [email protected]). Simão Davi Silber (*) setor externo A segunda mudança em andamento na economia mundial refere-se à correção dos desequilíbrios macroeconômicos internacionais. O crescimento médio da economia mundial durante essa década (2000-2007) foi de 3,7% ao ano, graças ao excesso de demanda da economia americana e excesso de oferta da Ásia. Uma parte importante do dinamismo da economia mundial esteve ligada ao comportamento do consumidor americano. Ao longo dessa década a poupança pessoal dos americanos convergiu para zero, o endividamento aumentou para 150% de sua renda disponível e os gastos de consumo das famílias atingiram 70% do PIB americano, ou 19% da demanda mundial. Ou seja, 4,5% da população mundial consumia 19% da produção mundial. Uma explicação para a extensão da crise atual foi a rápida redução do consumo americano. Além da queda do consumo das famílias, houve o corte dos programas de investimento nas empresas. Com isso, a demanda do setor privado como um todo entrou em colapso. Se não fosse a ação agressiva das políticas monetária e fiscal nos países desenvolvidos, particularmente nos Estados Unidos, a extensão da crise seria devastadora. Portanto, a recuperação da produção mundial que se observou em 2009 dependeu dos estímulos monetários e fiscais que são transitórios. Em algum momento deverá ocorrer uma recuperação da demanda privada, pois a capacidade dos governos de financiar déficits fiscais elevados é limitada, já que a trajetória da dívida pública fica incontrolável. Essa é uma das dúvidas relevantes no cenário mundial atual. Vejamos a situação dos Estados Unidos: em 2009, a poupança das famílias americanas havia aumentado para 4,8% de sua renda, indicando uma queda de demanda de 3% do PIB americano. Como os investimentos privados caíram adicionais 2% do PIB, a demanda agregada do setor privado caiu 5% do PIB. Possivelmente, mesmo que passem os principais efeitos da crise, o consumo e o investimento privado não voltarão aos níveis de 2006 e 2007. O consumidor americano teve perdas patrimoniais importantes: o preço dos imóveis e das ações caiu e o seu nível de endividamento aumentou. Um aumento dezembro de 2009 Uma mudança relevante que se avizinha na economia mundial é do status atual de “laissez-faire” do mercado financeiro para um de maior regulação. Existem várias propostas de comissões internacionais e de países individuais em discussão, e as mudanças relevantes deverão ocorrer a partir de 2010. Ao se examinar a experiência dos anos trinta, pode-se inferir que a mudança não ocorrerá repentinamente. A mudança da regulamentação deverá ser gradual e se estender por vários anos. As principais propostas de mudança na regulamentação do mercado financeiro são: do Institute of International Finance, do Financial Stability Board, do Group of Thirty e do Tesouro dos Estados Unidos. As propostas têm alguns pontos em comum e podem-se destacar os seguintes: as instituições financeiras “grandes demais para quebrar” terão uma mudança radical de regulamentação para evitar alavancagem exagerada e exposição a riscos sistêmicos. Essas instituições terão uma supervisão governamental abrangente com definição de regras contáveis transparentes incluindo os riscos de operações com securitização, empresas de propósitos especiais e mercado de balcão para derivativos. Há proposta de nova regulamentação para derivativos e fundos hedge e do aumento da coordenação internacional para regulamentar e supervisionar o sistema financeiro internacional. Portanto, uma primeira característica da economia mundial que se delineia, depois da crise, é que o mercado financeiro será mais regulamentado e os lucros e bônus no mercado financeiro talvez sejam menores. 5 dezembro de 2009 6 da poupança é a reação natural para recompor o patrimônio e evitar a insolvência. Adicionalmente, a taxa de desemprego não deve diminuir até 2010. Com relação aos investimentos, as perspectivas não são de recuperação no curto prazo. O investimento imobiliário entrou em colapso e não deverá se recuperar nos próximos anos. A capacidade ociosa na indústria reduziu os investimentos das empresas. Portanto, a solução deverá vir da demanda externa. Aqui o papel de maior coordenação de política macroeconômica internacional ganha grande relevância. Se de um lado os americanos vão poupar mais, os asiáticos – particularmente a China – deverão consumir mais. Para isso, uma mudança da política cambial e fiscal do governo chinês é fundamental para reduzir os desequilíbrios mundiais. Em 2004, a China começou a flexibilizar a sua política cambial permitindo a apreciação do renmimbi, mas em 2008 o Banco do Povo voltou ao regime de câmbio fixo. Como a grande maioria das moedas se apreciou frente ao dólar, a moeda chinesa voltou a ficar desvalorizada, ameaçando o tênue equilíbrio da economia mundial. Não é adequada, nem para a China, nem para o mundo, uma política cambial tão agressiva. Com isto, a China continuaria comprando dólares indefinidamente. No final de 2009, as reservas internacionais do país já ultrapassavam os US$ 2 trilhões. Nesse ritmo, em alguns anos as reservas do Banco Central da China atingirão US$ 5 trilhões. Portanto, um redirecionamento do gasto público em áreas como educação e saúde poderia diminuir a propensão a poupar das famílias chinesas e estimular o consumo interno, que representa somente 35% do PIB. Uma expansão do crédito bancário para as empresas e famílias também levaria à redução da poupança e ao aumento da demanda interna. A apreciação da moeda chinesa completaria o quadro para reduzir os desequilíbrios macroeconômicos do mundo. Se essa mudança ocorrer, será diluída em muitos anos e deveremos presenciar a continuidade dos desequilíbrios macroeconômicos na economia mundial nos próximos anos. Com isso, será necessária a manutenção dos estímulos fiscais e monetários por mais tempo nos países desenvolvidos, acompanhados, no futuro, por aumento de carga tributária e das taxas de juros, já que a dívida do governo crescerá rapidamente nos próximos cinco anos. Projeções do FMI apontam que a relação dívida bruta/PIB desses países superará 100%, em 2014. O crescimento desses países será menor do que o observado durante a atual década, e o dinamismo da economia mundial dependerá, cada vez mais, dos países em desenvolvimento, que assumirão importância cada vez maior no mercado mundial. Um último aspecto relevante da economia mundial depois da crise financeira é o do papel do dólar como moeda de reserva no sistema monetário internacional. O dólar dominou o sistema monetário mundial no período pós-guerra ao se consolidar como o ativo financeiro que melhor desempenhava as funções de meio de troca, reserva de valor e unidade de conta. Era uma moeda aceita para liquidar a maioria das operações comerciais e financeiras, e ativos denominados em dólar preservavam seu poder de compra ao longo do tempo. Isso deu inúmeros privilégios aos Estados Unidos: primeiro, capturar o ganho de senhoriagem por ser o emissor da moeda de curso internacional; em segundo lugar, maior flexibilidade de política macroeconômica compatível com déficits crescentes fiscais e de balanço de pagamentos, e, finalmente, ganhos de capital associados à desvalorização do dólar, já que o passivo internacional dos Estados Unidos é denominado em dólar, e os ativos internacionais dos Estados Unidos em outras moedas. A partir de meados dos anos noventa, as crises cambiais recorrentes nos países em desenvolvimento fizeram com que a demanda por reservas aumentasse significativamente, para reduzir a vulnerabilidade de suas economias a choques externos. Entre 1995 e 2009, as reservas externas dos países em desenvolvimento cresceram de USD$ 1 trilhão para USD$ 6 trilhões. Adicionando-se as reservas dos países desenvolvidos, chega-se a um total de USD$ 8 trilhões. Desse total, 71% são reservas em dólar. Os efeitos da crise financeira indicaram os elevados custos em se basear o sistema de pagamentos internacionais em uma única moeda. Os detentores de ativos denominados em dólar tiveram perdas patrimoniais importantes, e o crescimento desordenado da dívida externa e do governo americano colocam dúvidas cada vez maiores na qualidade dos ativos financeiros americanos. A demanda por reservas externas deverá caminhar em direção a um sistema híbrido, no qual algumas moedas terão um papel compartilhado com o dólar para oferecer liquidez ao sistema monetário internacional. Os candidatos naturais são o Euro, o Yen e o Renmimbi. (*) Professor do Departamento de Economia da FEAUSP. (E-mail: [email protected]). Os artigos da seção Análise de Conjuntura foram escritos entre 1 e 10/12/2009. dezembro de 2009 7 temas de economia aplicada Fernando Homem de Melo (*) dezembro de 2009 as perspectivas dos preços agrícolas em 2010 8 Após o plantio da safra de grãos 2009/2010, praticamente concluída, as atenções (e preocupações) voltamse para os preços no período de colheita e comercialização no primeiro semestre do próximo ano. Até agora as condições climáticas estão entre razoáveis/ favoráveis e, portanto, fica mantida a última previsão da CONAB de uma produção (em tonelagem) em 2010 maior que a de 2009, a despeito de uma área plantada praticamente constante. O arroz no Rio Grande do Sul parece ter sido prejudicado pelo excesso de chuvas. principal grão não considerado é o arroz, produto menos transacionado internacionalmente. Entretanto, alguns comentários serão feitos ao final. Ainda que o setor de grãos seja importante no valor total da produção agrícola vegetal, pouco mais de 50% em 2009, é preciso analisar as perspectivas de preços para a outra metade da agricultura. Esta nota analisará as perspectivas para uma parte dessa outra metade, incluindo os produtos cotados em bolsas internacionais, a saber, café, suco de laranja, açúcar e cacau. Esses produtos e mais algodão, soja, trigo e milho constam de nosso acompanhamento diário desde 1989. Esses quatro produtos (não grãos) representaram quase 30% do valor da produção agrícola vegetal de 20 produtos em 2009, levantamento feito mensalmente por José Garcia Gasquez do Ministério da Agricultura. Portanto, nossa análise compreenderá cerca de 80% do valor da produção agrícola brasileira em 2009. O mostramos as médias do quarto trimestre de 2008, aparentemente o fundo do poço, com preços (em dólares) substancialmente menores para os oito produtos mostrados. É interessante notar que, mesmo nesse quarto trimestre de 2008, que chamamos de fundo do poço, os preços internacionais de soja, milho e trigo, os principais grãos utilizados nos vários programas de biocombustíveis, principalmente nos Estados Unidos e Europa, ainda ficaram bem acima das médias de 2003/2006. Em nosso entendimento, isso é explicado pela nova demanda por grãos para a produção de etanol e biodiesel. O açúcar (pelo álcool) também teve, nessa mesma comparação, preços maiores no quarto trimestre de 2008. A Tabela 1 mostra os dados (preços) para nossa análise. Lembramos que o ano de 2008 foi inteiramente atípico em termos de preços de grãos no mercado internacional. A euforia do primeiro semestre, com preços extremamente elevados em comparação aos anos anteriores, foi interrompida com a crise financeira/econômica de setembro de 2008. Por essa razão, tabela 1 – preços de produtos agrícolas nas bolsas internacionais durante 2003/2009 e previsões para o 1º semestre de 2010 (US$/t) PERIODO/ANO 2003/06 ALGODÃO SOJA TRIGO MILHO CAFÉ 1.200 238 128 92 1.946 SUCO DE LARANJA AÇÚCAR CACAU ÍNDICE TOTAL (1989 = 100) 2.260 214 1.559 85,2 2007 1.261 316 234 147 2.590 3.458 218 1.884 112,9 2008 1.403 451 294 207 2.915 2.337 267 2.554 140,7 1º S / 2008 1.577 499 343 226 3.078 2.663 262 2.597 151,6 4º T / 2008 1.005 328 201 150 2.467 1.730 256 2.241 110,2 1º S / 2009 1.097 381 205 154 2.591 1.731 303 2.443 129,1 2009/07 1.294 398 189 131 2.607 2.065 393 2.712 121,9 2009/08 1.292 409 179 129 2.823 2.156 478 2.861 138,8 2009/09 1.330 349 166 127 2.829 2.064 491 3.035 132,8 2009/10 1.443 355 183 147 3.030 2.375 501 3.252 140,5 2009/11 1.514 371 199 154 3.020 2.505 488 3.181 142,1 1º S / 2010 (est) 1.650 387 209 157 3.153 2.832 481 3.389 147,4 (1.320) (310) (167) (126) (2.522) (2.266) (385) (2.711) (117,9) Fonte: Bolsas de Nova York e de Chicago com base em dados diários. Nossa elaboração para o Índice Total. As estimativas são baseadas nos preços de 04 de dezembro nas referidas bolsas. A recuperação no segundo semestre de 2009 foi mais irregular. Ela continuou para algodão, café, suco de laranja, açúcar e cacau. De outro lado, não ocorreu nos casos de soja, trigo e milho. Apenas em novembro último os preços desses grãos, em bolsa, aproximaram-se das respectivas médias do primeiro semestre deste ano. Certamente, são muitas as variáveis, micro e macroeconômicas, que afetam os preços internacionais, a começar pela safra norte-americana de grãos, as condições climáticas, as demandas para consumo humano e para biocombustíveis, juros e câmbio. Disso resulta a importância da formação de preços futuros nas bolsas de Chicago e Nova York com suas imensas quantidades de operações diárias e fluxo de informações. A última linha da Tabela 1 mostra, para cada um dos oito produtos, dois valores. O primeiro, sem parên- teses, é a média prevista nas bolsas para os respectivos preços em dólares em 04 de dezembro último para o primeiro semestre de 2010. O segundo, entre parênteses, resulta da multiplicação desse primeiro preço pelo fator cambial de 0,80. Esse fator cambial representa a apreciação do real (valores abaixo de 1) ou a depreciação de nossa moeda (valores acima de 1) entre dois períodos. Em nosso caso, estamos trabalhando com uma apreciação do real de 20% entre o primeiro semestre de 2010 e o mesmo período de 2009 (fator cambial de 0,80). Em 04 de dezembro último o pregão da BMF/BOVESPA previa uma taxa média de R$ 1,752/US$ para o primeiro semestre de 2010. Vale dizer que esse fator cambial é menor no primeiro trimestre de 2010 (significando maior apreciação) do que no segundo trimestre do próximo ano. dezembro de 2009 No quarto trimestre de 2008, o Índice Total foi praticamente igual à média de 2007 e bem superior à média de 2003/2006 (valores nominais). Passada essa fase (quarto trimestre de 2008), os preços começaram a melhorar no primeiro semestre de 2009. Nesse período, os preços médios de todos os oito produtos foram maiores que os do crítico quarto trimestre de 2008. Vamos, agora, às conclusões para 2010. Com uma apreciação média cambial prevista de 20%, os preços internacionais dos diversos produtos precisariam ser, em 2010, pelo menos 25% maiores que os do primeiro semestre de 2009. O preço FOB estimado em reais (Px. E) resulta da multiplicação do preço internacional Px, em US$/t da Tabela 1, pela taxa de câmbio, E, R$/US$ (apreciada em 20%). Subtraindo os custos de comercialização, chega-se aos preços aos produtores 9 nas diversas regiões. Desse modo, pode-se afirmar, de início, que os preços em reais (FOB) seriam, pela apreciação cambial, 20% menores na média do primeiro semestre de 2010. Vejamos, agora, com os dados da Tabela 1, as variações dos preços internacionais (Px) previstas entre o primeiro semestre de 2010 e o mesmo de 2009, assim como as variações do preço FOB em reais (Px.E): dezembro de 2009 √ Algodão Δ Px (%) Δ Px. E (%) 50,4 20,3 √ Soja 1,6 - 18,6 √ Trigo 2,0 - 18,5 √ Milho 1,9 - 18,2 √ Café 21,7 - 2,7 √ Suco de Laranja 63,6 30,9 √ Açúcar 58,7 27,1 √ Cacau 38,7 11,0 √ Índice Total 14,2 - 8,7 Apesar de todos os oito produtos terem estimativas de maiores preços internacionais no primeiro semestre de 2010, apenas algodão, suco de laranja, açúcar e cacau superam o limite de 25% para terem maiores preços FOB em nossa moeda, um ótimo resultado. O café quase chega lá. Esses dados indicam, ainda que de forma preliminar, que os maiores problemas de preços aos produtores no primeiro semestre de 2010 ficarão com soja, trigo (colhido ao final de 2009) e milho, com preços cerca de 18% menores relativamente ao primeiro semestre de 2009. O Índice Total deverá ter uma redução pouco abaixo de 10% (em reais). O arroz, sem cotações em bolsa, teve uma relação de 17,5% no preço de importação da Argentina nos últimos 12 meses. Isso não é uma boa indicação para 2010. 10 É essa uma situação grave? Certamente não para a totalidade da agricultura e do agronegócio. Poderia ser para a parte principal do setor de grãos (soja, arroz, milho e trigo). A resposta definitiva depende das variações de custos de produção. Recente estudo da CONAB, por Estados, revela o seguinte para custos variáveis: a) algodão: 0,8% a 13,5%; b) soja: - 14,1% a – 26,7% e c) milho: - 21,1% a 22,7% (excluindo Mato Grosso, pouco importante). As reduções de custos variáveis desses dois grãos atenuarão, em muito, as previstas reduções em preços aos produtores. Em resumo, não deverá ser um ano esplendoroso em termos de rentabilidade para todas as culturas, mas, por enquanto, não se justifica uma argumentação de crise e de ajuda governamental. (*) Professor Titular do Departamento de Economia da FEA-USP e Pesquisador da FIPE – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas. (E-mail:- [email protected]). Otaviano Canuto (*) the Doha trade round is1 worth fighting for November 2009 marks the eighth anniversary of the Doha Development Agenda– the first multilateral trade negotiation under the auspices of the World Trade Organization. But what started as a real opportunity to help poor countries prosper through trade, for some it has now become a lost cause. But Doha doesn’t have to be a metaphor for failure. We can still save it and make it work. After all, if we can’t fix Doha, how can we hope to address much greater challenges that confront us, such as climate change? In terms of improved market access, the modalities under consideration – even taking into account likely exceptions for sensitive products – will generate increased trade that in turn could produce an additional US$160 billion in real global income, as new World Bank research shows Are we really in such good economic shape that we can do without the extra stimulus? For some, the proposals now on the table do too little to reduce average levels of protection. The average farm tariffs that exporters face would fall to 12 per cent (from 14.5 percent), and the tariffs on exports of manufactures to less than 2.5 per cent (from about Beyond the additional market access gains, Doha will restrain governments from resorting to protectionism. President Barack Obama in the U.S. and his counterparts in the EU all face pressure to protect their domestic interests. But in a world with new emerging powers like China or Brazil, it’s no longer possible for the industrial nations to have the only and last word. Especially, when the interests of very poor countries not represented in the G8 or G20 are at stake. On the environmental front, a conclusion of Doha will also help. Agricultural support programs have produced a lot of pollution and devastation. Over 75 percent of global fish stocks are over-exploited, with a resulting annual loss for the world economy of US$50 billion. A Doha deal could phase out fishery subsidies, benefiting many small island states and poor coastal regions in developing countries that rely on fisheries for livelihood and food security. Similarly, removing policies that restrain trade in efficient environmental goods and services could foster a greener quality of growth. dezembro de 2009 For many, lowering subsidies and tariffs appears to be a tough sell for their domestic constituencies. They say a Doha deal is not worth the costs because it will not generate enough market access opportunities. But as we gear up for the upcoming World Trade Organization’s (WTO) ministerial meeting in Geneva on Nov. 30, we have to stress an unequivocal fact: the conclusion of the Doha round is worth fighting for. It will give the world economy a boost when it is most needed, reduce the scope for governments to resort to protectionism, and bolster the prospects for cooperation in other critical areas like the environment. 3 percent). But this is misleading because the small average cuts hide large reductions in peak tariffs. For millions of workers and farmers in poor countries, tariff and subsidy cuts will make a big difference. A Doha deal would mean tariff declines from 32 to 6 percent for the tennis shoes manufactured in Bangladesh and exported to the U.S. And removing all cotton subsidies and tariffs would increase real incomes in Sub-Saharan Africa by US$150 million per year. Last but not least, there will be greater economic opportunities for very poor countries as a result of enhanced market access, the implementation of the “duty free and quota free” proposal, and an agre- 11 ement to take concrete actions to facilitate trade, such as lowering red tape type border crossing costs, and significant reductions in tariff escalation (tariff peaks). Standing in the way of success are differences over the design of certain agricultural safeguards, and whether there should be a movement to free or freer trade in specific sectors, among other things. These issues should not hold up a Doha agreement. There is already a significant deal on the table. At a time that dezembro de 2009 the global economy struggles to leave the recession behind, we cannot afford to say no to this opportunity to boost growth, jobs and incomes. 12 1 Originally published at http://blogs.worldbank.org/growth/ doha-trade-round-worth-fighting. (*) Vice President and Head of the Poverty Reduction and Economic Management (PREM) Network, World Bank, and former economics professor at FEA-USP (E-mail: [email protected]). The views expressed herein are those of the author and do not necessarily reflect the views of the World Bank Group. Acauã Brochado (*) quem atinge as metas de inflação?1 O sistema de metas de inflação é considerado por muitos o regime monetário mais moderno em prática no mundo, um dos pilares fundamentais da política macroeconômica atual. Esse regime pode ser definido como: Como esse regime monetário vem sendo adotado por diversos países (28 até o momento), seu entendimento é cada vez mais relevante. Assim, surgem perguntas importantes. Esse regime é melhor que os outros? Se a resposta é sim, como ele deve ser implementado? Quando ele está em vigor, quais são os determinantes do seu sucesso? E embora essas três questões sejam cruciais, a última ainda carece de pesquisas empíricas e que tentem ligar o desempenho do regime a variáveis macroeconômicas específicas. Esse é o espaço que buscamos preencher aqui. Mais especificamente, além da política monetária, o que afeta a chance de que a inflação se mantenha próxima à meta? Será que o banco central de um país Um estudo empírico desse tipo é importante pelo seu potencial de uso como guia para os formuladores de política econômica daqueles países que adotam ou pretendem adotar o sistema de metas de inflação; a partir dele, poder-se-ia identificar ações práticas necessárias à melhoria do desempenho da política monetária, tais como diminuição da dívida do governo, aumento da abertura comercial e acumulação de reservas internacionais. Todas essas características devem ser importantes sob qualquer regime monetário, mas talvez algumas sejam mais ou menos influentes sob o sistema de metas. 1. possíveis determinantes Neste artigo nos concentramos em testar algumas das proposições de Mishkin (2000, p. 106). Essas proposições são amplamente aceitas na literatura econômica e resumem várias recomendações isoladas de diferentes autores: a influência da situação fiscal do governo e da vulnerabilidade a crises financeiras internacionais sobre o desempenho do sistema de metas. dezembro de 2009 [...] uma estratégia de política monetária que concilia cinco elementos principais: 1) o anúncio ao público de alvos numéricos de médio prazo para a inflação; 2) um comprometimento institucional com a estabilidade de preços como objetivo primordial de política monetária, ao qual outros objetivos são subordinados; 3) uma estratégia de informação inclusiva na qual muitas variáveis, e não só os agregados monetários ou a taxa de câmbio, são usados para decidir os ajustes dos instrumentos da política; 4) elevada transparência da estratégia de política monetária através de comunicação com o público e os mercados sobre os planos, objetivos e decisões das autoridades monetárias; e 5) elevada responsabilidade do banco central em atingir seus objetivos de inflação. (MISHKIN, 2000, p. 105). com situação fiscal melhor e menos exposto a crises internacionais tem mais chances de ser bem-sucedido na condução do regime de metas? Procuramos responder a essa questão analisando empiricamente quais características macroeconômicas fazem com que esse regime funcione melhor em determinado país, ou seja, quais variáveis ajudam (ou atrapalham) a atuação do banco central. Mishkin argumenta que a responsabilidade fiscal é uma questão-chave para o controle da inflação e, portanto, também para o cumprimento das metas. Isso porque se o desequilíbrio fiscal e a dívida forem muito grandes, em algum momento o governo será forçado a monetizá-la (“imprimir” dinheiro para pagar a dívida) 13 e abandonar a meta de inflação. Portanto, a dívida pública e o resultado fiscal do governo são candidatos naturais a determinantes do sucesso do regime. Outra característica muito importante seria o nível de exposição a crises financeiras internacionais. Um país muito vulnerável a esse tipo de choque pode sofrer uma grande fuga de capitais, com depreciação cambial e inflação, mesmo que o motivo da crise não seja local. E mesmo que essa fuga de capitais não dependa do banco central, isso também acabaria por deteriorar dezembro de 2009 a sua credibilidade, já que a inflação provavelmente fugiria da meta, dificultando ainda mais a ação da autoridade monetária. Para diminuir os efeitos de crises externas, Mishkin sugere aumentar o grau de abertura comercial do país. Ele argumenta que com um comércio exterior mais abrangente, mesmo que as empresas tenham dívidas em dólar, uma maior parcela delas carregará também ativos nessa moeda, diminuindo o impacto econômico de uma depreciação cambial. Cita também que uma abertura maior diminuiria a depreciação necessária para se estabilizar o balanço de pagamentos em um momento de crise e, mesmo que o setor de bens não comercializáveis tivesse dificuldades, a economia como um todo sofreria menos. E, embora Mishkin não cite explicitamente, um alto nível de reservas internacionais também atuaria como amortecedor para a depreciação cambial decorrente de uma crise internacional. Um exemplo claro de relações entre essas variáveis que podem influenciar no desempenho do regime monetário pode ser encontrado no artigo de Favero e Giavazzi (2004). Nesse estudo, os autores mostram que uma depreciação cambial, provocada por um aumento da aversão ao risco dos investidores internacionais, eleva as expectativas de inflação e o nível da dívida pública indexada ao dólar. Para conter as expectativas o banco central eleva a taxa de juros, o que aumenta os encargos da dívida. Se a política fiscal não reagir para manter a dívida em trajetória não explosiva, o prêmio de risco do país sobe, o câmbio deprecia ainda mais, as expectativas de inflação continuam a deteriorar, o banco central tem que subir mais os juros e assim por 14 diante. Nesse caso, a política monetária não consegue conter a inflação e a dívida explode. Portanto, parece ser crucial para o regime de metas que a política fiscal seja compatível com uma trajetória estável da dívida pública. Além disso, uma exposição menor a crises cambiais também parece ser importante para o desempenho do sistema de metas. 2. os dados e o modelo De acordo com as proposições acima, deveríamos encontrar relações entre o sucesso do regime de metas e algumas variáveis macroeconômicas que sejam diretamente definidas ou, ao menos, correlacionadas com as características tidas como adequadas para a sua implantação. Mais especificamente, usamos como indicadores da situação fiscal de um país o nível da dívida pública e o resultado fiscal do governo num determinado ano, ambos em relação ao PIB. E para indicar a exposição a crises internacionais usamos o grau de abertura comercial, medido como a soma das exportações e importações divididas pelo PIB, e o nível das reservas cambiais em relação às importações. Assim, foi montado um painel de dados que contém a dívida, o resultado fiscal do governo, o nível de abertura comercial e o estoque de reservas internacionais, para os diversos países que utilizam ou utilizaram esse regime, durante o período de adoção em cada um deles. Então, será que um país com uma relação dívida/PIB menor tem mais facilidade para conduzir a política monetária? Será que o resultado fiscal do setor público tem influência no resultado do SMI? Será que uma economia mais aberta ao comércio exterior tem mais chances de ser bem-sucedida sob esse regime? Um maior nível de reservas cambiais ajuda um banco central a cumprir a meta de inflação? O teste empírico foi feito usando a diferença da inflação em relação à meta como medida de (in)sucesso do SMI (uma escolha para lá de óbvia, eu sei...). O exercício é feito imaginando-se que o desvio da inflação em relação à meta é uma função das variáveis citadas acima, o que nos dá o modelo que é representado pela seguinte equação: desi ,t = b 0 + b 1desi ,t −1 + b 2 pibi ,t −1 +b 3 divi ,t + b 4 sup ervti ,t + b 5 abcomi ,t +b 6 reservi ,t + b 7 d 91 + + µ i + υ i ,t onde des é nossa medida de sucesso do regime, pib é o crescimento do PIB, div é a dívida pública, supervt é o resultado fiscal do governo, abcom é a abertura comercial e reserv é o nível de reservas internacionais. Além disso, os desvios anteriores apresentaram, esses sim, uma influência significativa e positiva nos desvios da inflação em relação à meta de um determinado ano. Ou seja, os desvios se mostraram persistentes, em linha com a ideia de inércia inflacionária, já bastante discutida na literatura econômica. Assim sendo, podemos indicar aos formuladores de política econômica que a autoridade monetária (banco central) deve manter o seu foco apenas e totalmente em seus instrumentos de política, como a determinação da taxa de juros. E deve fazê-lo com rigidez, já que quando a inflação se desvia da meta, seu retorno é mais custoso. Com esse modelo em mente, buscamos o método mais referências adequado para calcular estatisticamente o valor dos coeficientes b3, b4, b5 e b6 . Ou seja, queremos saber, ARELLANO, M.; BOVER, O. Another look at the instrumental variable estimation of error-components models. Journal of Econometrics. [S.l.:s.n.], v.68, p. 29-51, 1995. por exemplo, se a relação entre a dívida e o desvio da inflação existe (ou seja, se b3 é diferente de zero) e qual é o sentido dessa relação (se b3 é positivo ou negativo). FAVERO, C. A.; GIAVAZZI, F. Inflation targeting: lessons from Brazil. Cambridge, Mass.: National Bureau of Economic Research, 2004. (NBER Working Paper Series Nº 10390). Disponível em: http://www.nber.org/papers/w10390. Acesso em: 11 jun. 2008. MISHKIN, F.S. Inflation targeting in emerging market countries. The American Economic Review. Pitsburg: [s.n.]. v. 90, n. 2, p. 105-109, 2000. 3. resultados e conclusões Apesar de aparentemente consolidadas na literatura econômica, as ideias expostas acima não foram confirmadas pelos resultados empíricos. 1 Artigo baseado na dissertação de mestrado intitulada Quem atinge as metas? – determinantes do sucesso das metas de inflação, defendida em novembro de 2009 junto ao Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. Segundo os cálculos realizados, as variáveis que representam a situação fiscal do governo (dívida e superávit fiscal) e a exposição a crises internacionais (abertura comercial e reservas) parecem não ter nenhuma (ou muito pouca) influência sobre a condução da política monetária no sistema de metas. 2 Ou seja, ao contrário 2 Ou seja, apenas o coeficiente b1 apresentou um valor diferente de zero e positivo. Todos os outros coeficientes (incluindo os que nos interessavam – b3 , b4, b5 e b6 ) não puderam ser considerados estatisticamente diferentes de zero. do que indicavam os artigos teóricos, essas características macroeconômicas não ajudam nem atrapalham o banco central a manter a inflação na meta. dezembro de 2009 Como o banco de dados utilizado tem uma estrutura chamada de “painel” (cada variável medida para vários países em vários anos), os cálculos econométricos foram feitos utilizando-se o método chamado de System GMM, proposto por Arellano e Bover (1995). BROCHADO, A. Quem atinge as metas? – determinantes do sucesso das metas de inflação. São Paulo, 2009. 65 pg. Dissertação (Mestrado), Departamento de Economia, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo. (*) Economista, com mestrado em Teoria Econômica pelo IPE-FEA-USP. (E-mail: [email protected]). 15 Diva Benevides Pinho (*) emergência de uma “África chinesa” 1. que significa a atual “África chinesa”? dezembro de 2009 Significa a recente soma de esforços, trabalho e capital de dois mundos diferentes – de um lado, países pobres da África subsaariana, pouco povoados e assolados pela seca e pela AIDS; e, de outro lado, a emergente e rica China, país de dimensão continental, com a maior população do planeta1 e que desponta como membro do G-2, ao lado dos EUA. Em outros termos, é o encontro do continente africano “esquecido” pelo mundo rico ocidental e que agora se apoia na China em ascensão para seu reerguimento e integração na economia mundializada. E a China, nova potência econômica, precisa de terras para assentar e alimentar parte de sua crescente população, apesar da drástica política de redução da natalidade; precisa, também, da riqueza africana do solo e do subsolo (petróleo, gás, metais, urânio, madeiras, florestas, entre outras). Tais argumentos justificam o “porquê” do financiamento do desenvolvimento de países da África pela China. Aliás, somente na Guiné, a China está investindo cerca de US $ 7 bilhões em troca de acesso a recursos naturais. Mas há outras explicações, em especial a fragilidade da África pobre diante da recente crise financeira internacional, sua incapacidade para lutar contra a recessão global de 2008 devido ao aumento da volatilidade dos preços das commodities, que são a base de sua economia; e o cumprimento dos objetivos chineses de assegurar relações econômicas de longo prazo e de transferir tecnologias a seus novos parceiros africanos. 16 E assim, enquanto os países ocidentais ricos continuam ignorando a África, preocupados com seus próprios problemas de reequilíbrio financeiro e econômico, a “nova China-África” vai se expandindo com os investimentos, a transferência tecnológica e o intenso trabalho dos chineses, esses resistentes “quaserobôs”, que ganham parcos salários e impressionam a população nativa. E assim, a África “redescoberta por Pequim” vive, atualmente, um “boom” econômico sem precedentes e um clima de grandes mudanças: africanos e chineses trabalham na construção e/ou ampliação de autoestradas, de ferrovias, hidrelétricas e prédios para as autoridades públicas africanas. Multiplicamse diversos tipos de empreendimentos com capital e mão de obra chineses. Muitos desses empreendimentos são novos, outros são a recuperação de atividades empresariais abandonadas ou decadentes. Assim, por exemplo, nos arredores de Lagos (Nigéria) o chinês Y.T.Chu reergueu uma decadente usina de biscoitos Newbisco, fundada em 1960 por um britânico e revendida sucessivas vezes. Erguem-se hidrelétricas com recursos dos chineses, campos são cultivados por chineses e africanos sem adequada compensação financeira; centros urbanos recebem mais matérias-primas para transformação e mais alimentos para consumo. Espalham-se cartazes em língua local e chinês; nas rodovias e nas vilas e cidades, crianças africanas saúdam em chinês. As principais transformações na economia e na vida quotidiana da África são relatadas por dois repórteres no livro Chinafrique (com o subtítulo Pequim à conquista do Continente negro, Paris: Hachette, 2009) - Serge Michel (correspondente do jornal francês Le Monde) e Michel Beuret (do Hebdo suíço), que percorreram 15 países africanos. Desde o início dos anos 2000, ambos observaram grandes progressos em países como Angola, Senegal, Costa do Marfim, Serra Leoa, entre outros, e registraram dados sobre a intensificação desse progresso com o aumento da presença da China na África, inclusive o aumento, entre 2000 e 2006, do comércio bilateral entre ambos – passou de 10 a 55 bilhões e se aproximou de 100 bilhões em 2009. Mas essa África progressista ainda convive com a “outra” África de graves conflitos étnicos, violentas disputas tribais, secas, escassez de alimentos e populações famélicas (cujas fotos, principalmente das crianças desnutridas, emocionam o mundo). 1 Um quinto do total mundial, isto é, mais de 1 bilhão e 350 milhões de habitantes, distribuídos entre a República Popular da China e Taiwan (esta com cerca de 20 milhões de habitantes). (*) Professora Emérita da FEA-USP, economista e advogada. (E-mail:[email protected]). dezembro de 2009 17 Julio Lucchesi Moraes (*) Letícia Scretas David (**) Economia da Cultura: por um paradigma criativo? dezembro de 2009 1. introdução Em quarto artigo da série sobre Economia da Cultura, pretendemos analisar a maneira pela qual os temas da assim denominada “Economia criativa” vêm sendo incorporados à discussão. Nosso roteiro básico iniciarse-á por um breve resgate histórico da questão, para em seguida analisarmos uma das vertentes desse tópico, a questão das chamadas “classes criativas”. Tentaremos analisar os limites e potencialidades de tal abordagem dentro do subcampo da Economia da Cultura. 2. histórico e tentativa de delimitação do objeto Se o conceito “Indústria cultural” discutido no último artigo já demonstrava ser de difícil manejo, a ideia de “Indústrias criativas” é ainda pior. De fato, se o primeiro termo, ainda que problemático, conseguia se referir a um leque relativamente restrito de bens (os bens culturais produzidos dentro de moldes industriais), o conceito de “indústrias criativas” pode expandir-se para um espectro virtualmente total da produção de bens e serviços (Guzman, 2009). Embora existam diversas maneiras de adentrar no tema, optamos por destacar aqui uma única abordagem, que são as discussões sobre as chamadas “classes criativas”. O termo é um bordão presente, via de regra, em textos de urbanistas e/ou de autores ligados ao pósmodernismo, mas que vem ganhando espaço dentro das pesquisas de Economia da Cultura. O livro The Rise of the Creative Class, de Richard Florida, é talvez a grande referência sobre a questão. 18 Nesta obra, Florida expõe o conceito de criatividade como a “habilidade em criar idéias e métodos mais eficientes de se fazer algo” (Florida, 2004, p. xii).1 O autor afirma que a criatividade humana é o fator principal que move a economia e a sociedade atual, tornando-se uma fonte geradora de bem-estar. Florida analisa, em seu livro, os fatores que levaram a criatividade a alçar um papel preponderante na atualidade, expondo as razões e os mecanismos que propiciaram tal modificação no panorama econômico. A necessidade econômica por criatividade registrouse no surgimento de uma nova classe, a qual o autor chama de classe criativa. Essa classe, em sua argumentação, engloba trabalhadores que se afastam dos comportamentos tradicionais, isto é, do controle, do consumo padronizado e da submissão às regras formais de trabalho, adotando uma postura de maior flexibilidade e autonomia. Ao eleger a criatividade como fator central de atuação, Florida está abarcando um espectro profissional que se estende de músicos a engenheiros. A principal diferença entre a classe criativa e as outras classes está naquilo que cada integrante é pago para fazer. Enquanto na working class e na service class os trabalhadores são pagos para seguir determinado plano e rotina, na creative class os trabalhadores se atêm a um exercício de produção que não esta limitada a modelos predeterminados (ibidem¸ p.8). Para o autor, o novo way of life é a característica dessa classe criativa, a qual valoriza um estilo de vida “relaxado”, sem sistemas hierárquicos de controle e autogerenciamento do trabalho e onde o uso do fator tempo é intensificado, uma vez que a criatividade não pode ser plugada e desplugada a qualquer momento (ibidem, p.14). Além disso, a classe criativa busca um ambiente estimulante que priorize diferenças, favorecendo a individualidade de cada agente. A gestão desse novo modo de vida implicaria um processo de tomada de decisões autônomas, valorizando a individualidade e promovendo o desenvolvimento de cada agente. A proposta de Florida caminha no sentido de abarcar ao veio teórico certas reconfigurações sociais, ante a emergência de uma suposta nova classe e de novos valores. Estaríamos, de acordo ele, entrando numa sociedade “powered by creativity” (ibidem, p.4), na qual a classe criativa possuiria um papel de destaque como agente destas transformações. 3. críticas à noção das classes criativas e limites a um paradigma criativo O acadêmico Terry Clark vai mais longe, vendo nos textos de Florida uma simplificação desmesurada do conceito de cultura, com uma “sobrevalorização dos rendimentos e fatores econômicos” em detrimento dos elementos de especificidades locais. Embora também Clark releve as parcelas criativas na contemporaneidade, o potencial de capitalização e de generalização em escala internacional desses grupos fica relativizado (CLARK, 2008). sentido, em se tratando de nosso objetivo de pesquisas dentro do campo da Economia da Cultura, ainda que seja possível a incorporação de certas considerações da argumentação de Florida (como o maior enfoque dado aos setores criativos), há grandes riscos de seu enquadramento ser restrito em termos de tempo e espaço. Por outro lado, já o dissemos, a discussão da Economia criativa certamente não se encerra na proposta de Florida, e seus desdobramentos teóricoanalíticos podem, e devem, seguir muito adiante. 4. conclusão O artigo analisou uma das possíveis relações estabelecidas entre as pesquisas do subcampo da Economia da Cultura com as pautas da chamada “Economia criativa”. Dada a abrangência, optamos por nos concentrar apenas na abordagem das chamadas “classes criativas”. Sobre ela discorremos à luz do livro The Rise of the Creative Class, do pesquisador norte-americano Richard Florida. dezembro de 2009 Não são poucas as críticas feitas ao trabalho de Florida. Mike Featherstone, por exemplo, acusa Florida de promover certa generalização indevida, confundindo padrões sociais e pessoas do “estilo de vida” de uma parcela da sociedade – as classes criativas – com um suposto novo paradigma social e analítico (Jameson, 2006, p.82). Até que ponto a reduzida classe estaria efetivamente formando (e conduzindo) uma nova estrutura de valores e – talvez mais importante – serão estes novos valores suficientemente fortes a ponto de desbancar os laços e mediações do capitalismo tradicional? (idem, ibidem). Tais considerações apontam algumas das fragilidades do discurso a respeito das classes criativas. A constatação empírica de uma mudança no perfil dos profissionais ligados às áreas culturais em meados dos anos 1960 e 1970 parece-nos uma evidência insuficiente para que se possa falar num novo paradigma analítico, baseado nas (e conduzido pelas) “classes criativas”. Ao centrar-se nos méritos de uma pequena parcela da sociedade, a análise parece não dar conta de certos elementos globais determinantes. Como negligenciar, por exemplo, a capacidade e o perfil adaptativo das grandes firmas, grupos e corporações – taxados por Florida como os grupos pertencentes ao mundo “tradicional” – ante o surgimento dessa nova classe?2 Nesse A despeito da possibilidade da inclusão de certos tópicos de sua discussão às pautas de Economia da Cultura, não nos parece ser possível propor, com base única e exclusivamente nas chamadas “classes criativas”, algo como um novo paradigma. Por outro lado, queremos crer que a relação entre Economia da 19 cultura e Economia criativa não se esgota aí, sendo a referida relação altamente promissora. referências CLARK, Terry. Nova escola de Chicago: convite para um debate. In: CABRAL, Manuel Villaverde; SILVA, Filipe Carreira; SARAIVA, Tiago (org.). Cidade e cidadania: governança urbana e participação cidadã em perspectiva comparada. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2008. FLORIDA, Richard. The rise of the creative class: and how it’s transforming work, leisure, community and everyday life. New York: Basic Books, 2004. 434 p. GUZMAN, Carlos. Economía de la cultura e industrias creativas. In: Anais do II Congresso de Cultura Ibero-Americana, São Paulo, 2009. Anais. São Paulo: SESC, 2009. dezembro de 2009 JAMESON, Fredric. A virada cultural: reflexões sobre o pósmoderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. 1 Cabe perguntar-se até que ponto essa “criatividade” (pós)moderna diferencia-se da criatividade que moveu a economia mundial ao longo de todos os outros séculos da História humana. A esse respeito, Richard Florida discorre sobre diversas mudanças que ocorreram no modo de produção ao longo da história e como a criatividade foi essencial para promovê-las. O surgimento da agricultura, o advento da produção em larga escala e a especialização das funções são exemplos de aprimoramentos técnicos frutos da “criatividade humana”. Porém, na visão do autor, hoje, mais do que nunca, a criatividade assume papel central e privilegiado na vida econômica e atua como propulsora da produtividade. O termo continua sendo, contudo, problemático. 2 As críticas serão ainda maiores se enquadrarmos a discussão, e sobretudo o vocábulo “classe”, dentro de uma crítica de viés marxista como o faz Fredric Jameson em alguns de seus ensaios sobre a pós-modernidade apontados nas referências. 20 (*) Graduado em Economia pela FEA-USP, mestrando em História Econômica pela FFLCH-USP e pesquisador da FIPE. (E-mail: [email protected]). (**) Graduanda em Economia pela FEA-USP e auxiliar de pesquisa da FIPE. (E-mail: [email protected]).