análise de conjuntura temas de economia aplicada

Transcrição

análise de conjuntura temas de economia aplicada
Nº 351 Dezembro / 2009
FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS
issn 1234-5678
análise de conjuntura
José Francisco de Lima Gonçalves discute a recente manutenção da taxa Selic
em 8,75% a.a., o baixo crescimento do PIB no terceiro ante o segundo
trimestre de 2009 (1,3%) e as projeções para 2010, de alta da Selic
e de maior crescimento do PIB.
Simão Davi Silber avalia as mudanças em andamento na economia mundial,
dentre as quais a regulação do sistema financeiro, a correção dos
desequilíbrios macroeconômicos e a necessidade de a demanda por
reservas externas caminhar para um sistema híbrido.
temas de economia aplicada
Fernando Homem de Melo analisa as previsões de preços de produtos agrícolas no
primeiro semestre de 2010 e os impactos para os produtores.
Otaviano Canuto aponta que a retomada da Agenda de Desenvolvimento de Doha
ampliaria o acesso aos mercados e o crescimento ambientalmente responsável.
Acauã Brochado mostra que variáveis fiscais e exposição a crises internacionais
parecem ter efeito nulo sobre a condução do sistema de metas de inflação.
Diva Benevides Pinho destaca que a “África chinesa”, com investimentos
chineses em infraestrutura e indústrias, aumentou o comércio entre
os países e trouxe progresso.
Julio Lucchesi Moraes e Letícia Scretas David, em quarto artigo da série sobre
Economia da Cultura, avaliam a utilização da ideia de “classe criativa”
para estudá-la.
Nº 351
DEZEMBRO DE 2009
INFORMAÇÕES FIPE É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL
DE CONJUNTURA ECONÔMICA DA FUNDAÇÃO
issn 1234-5678
ANÁLISE DE CONJUNTURA
política monetária ........................................................................................................... 3
CONSELHO CURADOR
Hélio Nogueira da Cruz (Presidente)
Andrea Sandro Calabi
Juarez B. Rizzieri
Joaquim José Martins Guilhoto
Ricardo Abramovay
Simão Davi Silber
Vera Lucia Fava
José Francisco de Lima Gonçalves
setor externo ..................................................................................................................... 5
Simão Davi Silber
DIRETORIA
DIRETOR PRESIDENTE
Carlos Antonio Luque
TEMAS DE ECONOMIA APLICADA
8
........................................................... as perspectivas dos preços agrícolas em 2010
DIRETOR DE PESQUISA
Eduardo Haddad
Fernando Homem de Melo
11 ............................................................... the Doha trade round is worth fighting for
Otaviano Canuto
DIRETOR DE CURSOS
Cicely M. Amaral
13 .............................................................................. quem atinge as metas de inflação?
Acauã Brochado
PÓS-GRADUAÇÃO
Dante Mendes Aldrighi
16 .......................................................................... emergência de uma “África chinesa”
Diva Benevides Pinho
18 .................................................. Economia da Cultura: por um paradigma criativo?
SECRETARIA EXECUTIVA
Domingos Pimentel Bortoletto
Julio Lucchesi Moraes , Letícia Scretas David
PReparação de originais e revisão
Alina Gasparello de Araujo
EDITOR CHEFE
Gilberto Tadeu Lima
CONSELHO EDITORIAL
Heron Carlos E. do Carmo
Lenina Pomeranz
Luiz Martins Lopes
José Paulo Z. Chahad
Maria Cristina Cacciamali
Maria Helena Pallares Zockun
Simão Davi Silber
AS IDEIAS E OPINIÕES EXPOSTAS NOS ARTIGOS SÃO DE RESPONSABILIDADE
EXCLUSIVA DOS AUTORES, NÃO REFLETINDO A OPINIÃO DA FIPE
ASSISTENTE
Maria de Jesus Soares
PROGRAMAÇÃO VISUAL E COMPOSIÇÃO
Sandra Vilas Boas
análise de conjuntura
José Francisco de Lima Gonçalves (*)
política monetária
revisão do PIB, revisão do hiato, revisão de expectativas
O COPOM voltou a se reunir, pela última vez em
2009 e pela terceira vez desde a interrupção do ciclo
de redução da taxa Selic, entre janeiro e julho, para
os atuais 8,75%. O comunicado praticamente repetiu
o da reunião anterior (outubro), que, por sua vez, havia repetido o comunicado da reunião de setembro.
de produção diminuiu, e que o nível atual da taxa é
compatível com o crescimento não inflacionário da
economia.
Desde que a crise de crédito foi superada e a economia
brasileira voltou a crescer, ficou a dúvida a respeito de
novo ciclo de alta na Selic. Ainda que houvesse espaço
para nova redução à luz das informações disponíveis
até outubro, os analistas passaram a reconhecer que,
em que pese a trajetória benigna da inflação corrente,
da inflação esperada, da taxa de câmbio e dos preços
das commodities, bem como a redução da aversão a
risco nos mercados globais, o determinante principal
da inflação passara a ser o fechamento do hiato do
produto.
Pois bem, no dia em que este artigo foi escrito, o IBGE
divulgou os dados sobre o PIB do terceiro trimestre
junto com uma importante revisão dos dados referentes ao passado, com maiores mudanças no verificado
a partir de 2007. A revisão não é novidade, apenas explica por que tantos erraram tanto. Mas o importante
é para onde o dado aponta.
dezembro de 2009
A novidade foi informar que a ociosidade dos fatores
No mês de novembro e, entrando em dezembro, vários analistas e instituições financeiras e de pesquisa
revisaram suas expectativas para o crescimento do
PIB em 2010. Definiram, uns poucos, que a Selic teria
de ser elevada no início do ano, uns tantos que isso
ocorreria em meados do ano, e outros poucos (dentre
os quais o autor destas linhas) que a alta poderia ficar
para o fim do ano.
Não é lugar, nem há tempo, para entrar em detalhes
sobre tal revisão. O fato é que o crescimento do PIB
no terceiro trimestre contra o segundo trimestre de
2009, com base na série anterior do IBGE, era estimado
por nós em 2,1% (2% era a mediana das expectativas
colhidas por agências de notícias); o dado estabelecido
foi 1,3%. Na comparação com o trimestre homólogo
de 2008, a expectativa era de variação nula e houve
queda de 1,2%.
3
Há muita conta a ser feita para digerir a revisão da
série histórica, inclusive pelo comportamento diferente dos componentes da demanda, mas algumas
conclusões parecem difíceis de evitar.
O risco de alta importante na Selic em 2010 fica dependendo mais das bobagens de campanha e da alta
da taxa de juros nos EUA – o que também provavelmente fique para 2011 – do que das expectativas que
os contratos futuros de DI realimentam.
Em primeiro lugar, quem usa o filtro HP sobre a série dessazonalizada para estimar o PIB potencial e,
portanto, a trajetória do hiato do produto, vai rever
ao menos o nível do hiato atual para menos pressão
de demanda. Assim, o mesmo crescimento esperado
para o PIB de 2010 será referido a uma ociosidade
dezembro de 2009
maior dos fatores de produção. O hiato vai fechar
mais devagar e mais adiante.
Na hipótese de tal revisão implicar maior crescimento
do PIB em 2010 pelo fato de a base de 2009 ser agora
menor, não se segue que o hiato fechará na mesma
velocidade antes estimada.
Em segundo lugar, e por enquanto basta, os dados
sugerem que o consumo das famílias e o consumo
do governo estão crescendo mais lentamente do que
parecia, enquanto a formação bruta de capital fixo
está crescendo mais. Isto sugere que o PIB potencial
está crescendo mais rápido e a demanda doméstica
mais devagar.
Um crescimento menor do PIB em 2009 e maior em
2010 parece ser o resultado. O corolário é que o ritmo
em que a ociosidade dos fatores de produção se reduz
parece ser mais lento.
4
(*) Professor do EAE-FEA-USP e economista-chefe do Banco Fator.
(E-mail: [email protected]).
Simão Davi Silber (*)
setor externo
A segunda mudança em andamento na economia
mundial refere-se à correção dos desequilíbrios
macroeconômicos internacionais. O crescimento
médio da economia mundial durante essa década
(2000-2007) foi de 3,7% ao ano, graças ao excesso de
demanda da economia americana e excesso de oferta
da Ásia. Uma parte importante do dinamismo da
economia mundial esteve ligada ao comportamento
do consumidor americano. Ao longo dessa década
a poupança pessoal dos americanos convergiu para
zero, o endividamento aumentou para 150% de
sua renda disponível e os gastos de consumo das
famílias atingiram 70% do PIB americano, ou 19%
da demanda mundial. Ou seja, 4,5% da população
mundial consumia 19% da produção mundial. Uma
explicação para a extensão da crise atual foi a rápida
redução do consumo americano. Além da queda do
consumo das famílias, houve o corte dos programas
de investimento nas empresas. Com isso, a demanda
do setor privado como um todo entrou em colapso.
Se não fosse a ação agressiva das políticas monetária
e fiscal nos países desenvolvidos, particularmente
nos Estados Unidos, a extensão da crise seria devastadora. Portanto, a recuperação da produção
mundial que se observou em 2009 dependeu dos estímulos monetários e fiscais que são transitórios. Em
algum momento deverá ocorrer uma recuperação da
demanda privada, pois a capacidade dos governos
de financiar déficits fiscais elevados é limitada, já
que a trajetória da dívida pública fica incontrolável.
Essa é uma das dúvidas relevantes no cenário mundial atual. Vejamos a situação dos Estados Unidos:
em 2009, a poupança das famílias americanas havia
aumentado para 4,8% de sua renda, indicando uma
queda de demanda de 3% do PIB americano. Como
os investimentos privados caíram adicionais 2% do
PIB, a demanda agregada do setor privado caiu 5%
do PIB. Possivelmente, mesmo que passem os principais efeitos da crise, o consumo e o investimento
privado não voltarão aos níveis de 2006 e 2007. O
consumidor americano teve perdas patrimoniais
importantes: o preço dos imóveis e das ações caiu e o
seu nível de endividamento aumentou. Um aumento
dezembro de 2009
Uma mudança relevante que se avizinha na economia mundial é do status atual de “laissez-faire” do
mercado financeiro para um de maior regulação.
Existem várias propostas de comissões internacionais e de países individuais em discussão, e as
mudanças relevantes deverão ocorrer a partir de
2010. Ao se examinar a experiência dos anos trinta,
pode-se inferir que a mudança não ocorrerá repentinamente. A mudança da regulamentação deverá
ser gradual e se estender por vários anos. As principais propostas de mudança na regulamentação do
mercado financeiro são: do Institute of International
Finance, do Financial Stability Board, do Group of
Thirty e do Tesouro dos Estados Unidos. As propostas têm alguns pontos em comum e podem-se destacar os seguintes: as instituições financeiras “grandes
demais para quebrar” terão uma mudança radical de
regulamentação para evitar alavancagem exagerada
e exposição a riscos sistêmicos. Essas instituições
terão uma supervisão governamental abrangente
com definição de regras contáveis transparentes
incluindo os riscos de operações com securitização, empresas de propósitos especiais e mercado
de balcão para derivativos. Há proposta de nova
regulamentação para derivativos e fundos hedge
e do aumento da coordenação internacional para
regulamentar e supervisionar o sistema financeiro
internacional. Portanto, uma primeira característica
da economia mundial que se delineia, depois da
crise, é que o mercado financeiro será mais regulamentado e os lucros e bônus no mercado financeiro
talvez sejam menores.
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dezembro de 2009
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da poupança é a reação natural para recompor o
patrimônio e evitar a insolvência. Adicionalmente, a
taxa de desemprego não deve diminuir até 2010. Com
relação aos investimentos, as perspectivas não são de
recuperação no curto prazo. O investimento imobiliário entrou em colapso e não deverá se recuperar
nos próximos anos. A capacidade ociosa na indústria
reduziu os investimentos das empresas. Portanto, a
solução deverá vir da demanda externa. Aqui o papel
de maior coordenação de política macroeconômica
internacional ganha grande relevância. Se de um
lado os americanos vão poupar mais, os asiáticos –
particularmente a China – deverão consumir mais.
Para isso, uma mudança da política cambial e fiscal
do governo chinês é fundamental para reduzir os
desequilíbrios mundiais. Em 2004, a China começou a flexibilizar a sua política cambial permitindo
a apreciação do renmimbi, mas em 2008 o Banco do
Povo voltou ao regime de câmbio fixo. Como a grande
maioria das moedas se apreciou frente ao dólar, a
moeda chinesa voltou a ficar desvalorizada, ameaçando o tênue equilíbrio da economia mundial. Não
é adequada, nem para a China, nem para o mundo,
uma política cambial tão agressiva. Com isto, a China
continuaria comprando dólares indefinidamente.
No final de 2009, as reservas internacionais do país
já ultrapassavam os US$ 2 trilhões. Nesse ritmo, em
alguns anos as reservas do Banco Central da China
atingirão US$ 5 trilhões. Portanto, um redirecionamento do gasto público em áreas como educação e
saúde poderia diminuir a propensão a poupar das
famílias chinesas e estimular o consumo interno, que
representa somente 35% do PIB. Uma expansão do
crédito bancário para as empresas e famílias também
levaria à redução da poupança e ao aumento da
demanda interna. A apreciação da moeda chinesa
completaria o quadro para reduzir os desequilíbrios
macroeconômicos do mundo. Se essa mudança
ocorrer, será diluída em muitos anos e deveremos
presenciar a continuidade dos desequilíbrios macroeconômicos na economia mundial nos próximos
anos. Com isso, será necessária a manutenção dos
estímulos fiscais e monetários por mais tempo nos
países desenvolvidos, acompanhados, no futuro, por
aumento de carga tributária e das taxas de juros, já
que a dívida do governo crescerá rapidamente nos
próximos cinco anos. Projeções do FMI apontam que
a relação dívida bruta/PIB desses países superará
100%, em 2014. O crescimento desses países será
menor do que o observado durante a atual década,
e o dinamismo da economia mundial dependerá,
cada vez mais, dos países em desenvolvimento, que
assumirão importância cada vez maior no mercado
mundial.
Um último aspecto relevante da economia mundial
depois da crise financeira é o do papel do dólar como
moeda de reserva no sistema monetário internacional. O dólar dominou o sistema monetário mundial
no período pós-guerra ao se consolidar como o ativo
financeiro que melhor desempenhava as funções de
meio de troca, reserva de valor e unidade de conta.
Era uma moeda aceita para liquidar a maioria das
operações comerciais e financeiras, e ativos denominados em dólar preservavam seu poder de compra
ao longo do tempo. Isso deu inúmeros privilégios
aos Estados Unidos: primeiro, capturar o ganho de
senhoriagem por ser o emissor da moeda de curso
internacional; em segundo lugar, maior flexibilidade
de política macroeconômica compatível com déficits
crescentes fiscais e de balanço de pagamentos, e,
finalmente, ganhos de capital associados à desvalorização do dólar, já que o passivo internacional
dos Estados Unidos é denominado em dólar, e os
ativos internacionais dos Estados Unidos em outras
moedas.
A partir de meados dos anos noventa, as crises cambiais recorrentes nos países em desenvolvimento
fizeram com que a demanda por reservas aumentasse
significativamente, para reduzir a vulnerabilidade
de suas economias a choques externos. Entre 1995 e
2009, as reservas externas dos países em desenvolvimento cresceram de USD$ 1 trilhão para USD$ 6
trilhões. Adicionando-se as reservas dos países desenvolvidos, chega-se a um total de USD$ 8 trilhões.
Desse total, 71% são reservas em dólar. Os efeitos
da crise financeira indicaram os elevados custos em
se basear o sistema de pagamentos internacionais
em uma única moeda. Os detentores de ativos denominados em dólar tiveram perdas patrimoniais
importantes, e o crescimento desordenado da dívida
externa e do governo americano colocam dúvidas
cada vez maiores na qualidade dos ativos financeiros
americanos. A demanda por reservas externas deverá
caminhar em direção a um sistema híbrido, no qual
algumas moedas terão um papel compartilhado com
o dólar para oferecer liquidez ao sistema monetário
internacional. Os candidatos naturais são o Euro, o
Yen e o Renmimbi.
(*) Professor do Departamento de Economia da FEAUSP.
(E-mail: [email protected]).
Os artigos da seção Análise de Conjuntura foram escritos entre 1 e 10/12/2009.
dezembro de 2009
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temas de
economia aplicada
Fernando Homem de Melo (*)
dezembro de 2009
as perspectivas dos preços
agrícolas em 2010
8
Após o plantio da safra de grãos 2009/2010, praticamente concluída, as atenções (e preocupações) voltamse para os preços no período de colheita e comercialização no primeiro semestre do próximo ano. Até
agora as condições climáticas estão entre razoáveis/
favoráveis e, portanto, fica mantida a última previsão
da CONAB de uma produção (em tonelagem) em 2010
maior que a de 2009, a despeito de uma área plantada
praticamente constante. O arroz no Rio Grande do Sul
parece ter sido prejudicado pelo excesso de chuvas.
principal grão não considerado é o arroz, produto
menos transacionado internacionalmente. Entretanto,
alguns comentários serão feitos ao final.
Ainda que o setor de grãos seja importante no valor
total da produção agrícola vegetal, pouco mais de
50% em 2009, é preciso analisar as perspectivas de
preços para a outra metade da agricultura. Esta nota
analisará as perspectivas para uma parte dessa outra
metade, incluindo os produtos cotados em bolsas
internacionais, a saber, café, suco de laranja, açúcar e
cacau. Esses produtos e mais algodão, soja, trigo e milho constam de nosso acompanhamento diário desde
1989. Esses quatro produtos (não grãos) representaram
quase 30% do valor da produção agrícola vegetal de 20
produtos em 2009, levantamento feito mensalmente
por José Garcia Gasquez do Ministério da Agricultura.
Portanto, nossa análise compreenderá cerca de 80%
do valor da produção agrícola brasileira em 2009. O
mostramos as médias do quarto trimestre de 2008,
aparentemente o fundo do poço, com preços (em dólares) substancialmente menores para os oito produtos
mostrados. É interessante notar que, mesmo nesse
quarto trimestre de 2008, que chamamos de fundo do
poço, os preços internacionais de soja, milho e trigo,
os principais grãos utilizados nos vários programas de
biocombustíveis, principalmente nos Estados Unidos
e Europa, ainda ficaram bem acima das médias de
2003/2006. Em nosso entendimento, isso é explicado
pela nova demanda por grãos para a produção de
etanol e biodiesel. O açúcar (pelo álcool) também teve,
nessa mesma comparação, preços maiores no quarto
trimestre de 2008.
A Tabela 1 mostra os dados (preços) para nossa análise. Lembramos que o ano de 2008 foi inteiramente
atípico em termos de preços de grãos no mercado
internacional. A euforia do primeiro semestre, com
preços extremamente elevados em comparação aos
anos anteriores, foi interrompida com a crise financeira/econômica de setembro de 2008. Por essa razão,
tabela 1 – preços de produtos agrícolas nas bolsas internacionais durante 2003/2009 e previsões para o 1º semestre de 2010
(US$/t)
PERIODO/ANO
2003/06
ALGODÃO
SOJA
TRIGO
MILHO
CAFÉ
1.200
238
128
92
1.946
SUCO DE
LARANJA
AÇÚCAR
CACAU
ÍNDICE
TOTAL
(1989 = 100)
2.260
214
1.559
85,2
2007
1.261
316
234
147
2.590
3.458
218
1.884
112,9
2008
1.403
451
294
207
2.915
2.337
267
2.554
140,7
1º S / 2008
1.577
499
343
226
3.078
2.663
262
2.597
151,6
4º T / 2008
1.005
328
201
150
2.467
1.730
256
2.241
110,2
1º S / 2009
1.097
381
205
154
2.591
1.731
303
2.443
129,1
2009/07
1.294
398
189
131
2.607
2.065
393
2.712
121,9
2009/08
1.292
409
179
129
2.823
2.156
478
2.861
138,8
2009/09
1.330
349
166
127
2.829
2.064
491
3.035
132,8
2009/10
1.443
355
183
147
3.030
2.375
501
3.252
140,5
2009/11
1.514
371
199
154
3.020
2.505
488
3.181
142,1
1º S / 2010 (est)
1.650
387
209
157
3.153
2.832
481
3.389
147,4
(1.320)
(310)
(167)
(126)
(2.522)
(2.266)
(385)
(2.711)
(117,9)
Fonte: Bolsas de Nova York e de Chicago com base em dados diários. Nossa elaboração para o Índice Total. As estimativas são baseadas
nos preços de 04 de dezembro nas referidas bolsas.
A recuperação no segundo semestre de 2009 foi
mais irregular. Ela continuou para algodão, café,
suco de laranja, açúcar e cacau. De outro lado, não
ocorreu nos casos de soja, trigo e milho. Apenas em
novembro último os preços desses grãos, em bolsa,
aproximaram-se das respectivas médias do primeiro
semestre deste ano. Certamente, são muitas as variáveis, micro e macroeconômicas, que afetam os preços
internacionais, a começar pela safra norte-americana
de grãos, as condições climáticas, as demandas para
consumo humano e para biocombustíveis, juros e
câmbio. Disso resulta a importância da formação de
preços futuros nas bolsas de Chicago e Nova York
com suas imensas quantidades de operações diárias
e fluxo de informações.
A última linha da Tabela 1 mostra, para cada um dos
oito produtos, dois valores. O primeiro, sem parên-
teses, é a média prevista nas bolsas para os respectivos preços em dólares em 04 de dezembro último
para o primeiro semestre de 2010. O segundo, entre
parênteses, resulta da multiplicação desse primeiro
preço pelo fator cambial de 0,80. Esse fator cambial
representa a apreciação do real (valores abaixo de 1)
ou a depreciação de nossa moeda (valores acima de
1) entre dois períodos. Em nosso caso, estamos trabalhando com uma apreciação do real de 20% entre o
primeiro semestre de 2010 e o mesmo período de 2009
(fator cambial de 0,80). Em 04 de dezembro último o
pregão da BMF/BOVESPA previa uma taxa média de
R$ 1,752/US$ para o primeiro semestre de 2010. Vale
dizer que esse fator cambial é menor no primeiro
trimestre de 2010 (significando maior apreciação) do
que no segundo trimestre do próximo ano.
dezembro de 2009
No quarto trimestre de 2008, o Índice Total foi praticamente igual à média de 2007 e bem superior à
média de 2003/2006 (valores nominais). Passada essa
fase (quarto trimestre de 2008), os preços começaram
a melhorar no primeiro semestre de 2009. Nesse período, os preços médios de todos os oito produtos foram
maiores que os do crítico quarto trimestre de 2008.
Vamos, agora, às conclusões para 2010. Com uma
apreciação média cambial prevista de 20%, os preços
internacionais dos diversos produtos precisariam ser,
em 2010, pelo menos 25% maiores que os do primeiro
semestre de 2009. O preço FOB estimado em reais
(Px. E) resulta da multiplicação do preço internacional Px, em US$/t da Tabela 1, pela taxa de câmbio, E,
R$/US$ (apreciada em 20%). Subtraindo os custos de
comercialização, chega-se aos preços aos produtores
9
nas diversas regiões. Desse modo, pode-se afirmar,
de início, que os preços em reais (FOB) seriam, pela
apreciação cambial, 20% menores na média do primeiro semestre de 2010.
Vejamos, agora, com os dados da Tabela 1, as variações dos preços internacionais (Px) previstas entre o
primeiro semestre de 2010 e o mesmo de 2009, assim
como as variações do preço FOB em reais (Px.E):
dezembro de 2009
√ Algodão
Δ Px (%)
Δ Px. E (%)
50,4
20,3
√ Soja
1,6
- 18,6
√ Trigo
2,0
- 18,5
√ Milho
1,9
- 18,2
√ Café
21,7
- 2,7
√ Suco de Laranja
63,6
30,9
√ Açúcar
58,7
27,1
√ Cacau
38,7
11,0
√ Índice Total
14,2
- 8,7
Apesar de todos os oito produtos terem estimativas de
maiores preços internacionais no primeiro semestre
de 2010, apenas algodão, suco de laranja, açúcar e
cacau superam o limite de 25% para terem maiores
preços FOB em nossa moeda, um ótimo resultado. O
café quase chega lá. Esses dados indicam, ainda que de
forma preliminar, que os maiores problemas de preços
aos produtores no primeiro semestre de 2010 ficarão
com soja, trigo (colhido ao final de 2009) e milho,
com preços cerca de 18% menores relativamente ao
primeiro semestre de 2009. O Índice Total deverá ter
uma redução pouco abaixo de 10% (em reais). O arroz,
sem cotações em bolsa, teve uma relação de 17,5% no
preço de importação da Argentina nos últimos 12
meses. Isso não é uma boa indicação para 2010.
10
É essa uma situação grave? Certamente não para a
totalidade da agricultura e do agronegócio. Poderia
ser para a parte principal do setor de grãos (soja, arroz, milho e trigo). A resposta definitiva depende das
variações de custos de produção. Recente estudo da
CONAB, por Estados, revela o seguinte para custos
variáveis: a) algodão: 0,8% a 13,5%; b) soja: - 14,1%
a – 26,7% e c) milho: - 21,1% a 22,7% (excluindo Mato
Grosso, pouco importante). As reduções de custos
variáveis desses dois grãos atenuarão, em muito, as
previstas reduções em preços aos produtores. Em
resumo, não deverá ser um ano esplendoroso em
termos de rentabilidade para todas as culturas, mas,
por enquanto, não se justifica uma argumentação de
crise e de ajuda governamental.
(*) Professor Titular do Departamento de Economia da
FEA-USP e Pesquisador da FIPE – Fundação
Instituto de Pesquisas Econômicas.
(E-mail:- [email protected]).
Otaviano Canuto (*)
the Doha trade round is1
worth fighting for
November 2009 marks the eighth anniversary of the
Doha Development Agenda– the first multilateral trade negotiation under the auspices of the World Trade
Organization. But what started as a real opportunity
to help poor countries prosper through trade, for
some it has now become a lost cause. But Doha doesn’t
have to be a metaphor for failure. We can still save it
and make it work. After all, if we can’t fix Doha, how
can we hope to address much greater challenges that
confront us, such as climate change?
In terms of improved market access, the modalities
under consideration – even taking into account likely
exceptions for sensitive products – will generate increased trade that in turn could produce an additional
US$160 billion in real global income, as new World
Bank research shows Are we really in such good
economic shape that we can do without the extra
stimulus?
For some, the proposals now on the table do too little
to reduce average levels of protection. The average
farm tariffs that exporters face would fall to 12 per
cent (from 14.5 percent), and the tariffs on exports of
manufactures to less than 2.5 per cent (from about
Beyond the additional market access gains, Doha
will restrain governments from resorting to protectionism. President Barack Obama in the U.S. and his
counterparts in the EU all face pressure to protect
their domestic interests. But in a world with new
emerging powers like China or Brazil, it’s no longer
possible for the industrial nations to have the only
and last word. Especially, when the interests of very
poor countries not represented in the G8 or G20 are
at stake.
On the environmental front, a conclusion of Doha
will also help. Agricultural support programs have
produced a lot of pollution and devastation. Over 75
percent of global fish stocks are over-exploited, with a
resulting annual loss for the world economy of US$50
billion. A Doha deal could phase out fishery subsidies,
benefiting many small island states and poor coastal
regions in developing countries that rely on fisheries
for livelihood and food security. Similarly, removing
policies that restrain trade in efficient environmental
goods and services could foster a greener quality of
growth.
dezembro de 2009
For many, lowering subsidies and tariffs appears to
be a tough sell for their domestic constituencies. They
say a Doha deal is not worth the costs because it will
not generate enough market access opportunities.
But as we gear up for the upcoming World Trade
Organization’s (WTO) ministerial meeting in Geneva
on Nov. 30, we have to stress an unequivocal fact: the
conclusion of the Doha round is worth fighting for. It
will give the world economy a boost when it is most
needed, reduce the scope for governments to resort to
protectionism, and bolster the prospects for cooperation in other critical areas like the environment.
3 percent). But this is misleading because the small
average cuts hide large reductions in peak tariffs. For
millions of workers and farmers in poor countries,
tariff and subsidy cuts will make a big difference. A
Doha deal would mean tariff declines from 32 to 6
percent for the tennis shoes manufactured in Bangladesh and exported to the U.S. And removing all cotton
subsidies and tariffs would increase real incomes in
Sub-Saharan Africa by US$150 million per year.
Last but not least, there will be greater economic
opportunities for very poor countries as a result of
enhanced market access, the implementation of the
“duty free and quota free” proposal, and an agre-
11
ement to take concrete actions to facilitate trade,
such as lowering red tape type border crossing costs,
and significant reductions in tariff escalation (tariff
peaks).
Standing in the way of success are differences over
the design of certain agricultural safeguards, and
whether there should be a movement to free or freer
trade in specific sectors, among other things. These
issues should not hold up a Doha agreement. There is
already a significant deal on the table. At a time that
dezembro de 2009
the global economy struggles to leave the recession
behind, we cannot afford to say no to this opportunity
to boost growth, jobs and incomes.
12
1 Originally published at http://blogs.worldbank.org/growth/
doha-trade-round-worth-fighting.
(*) Vice President and Head of the Poverty Reduction and Economic
Management (PREM) Network, World Bank, and former economics
professor at FEA-USP (E-mail: [email protected]). The
views expressed herein are those of the author and do not necessarily
reflect the views of the World Bank Group.
Acauã Brochado (*)
quem atinge as metas de inflação?1
O sistema de metas de inflação é considerado por
muitos o regime monetário mais moderno em prática
no mundo, um dos pilares fundamentais da política
macroeconômica atual. Esse regime pode ser definido
como:
Como esse regime monetário vem sendo adotado por
diversos países (28 até o momento), seu entendimento
é cada vez mais relevante. Assim, surgem perguntas
importantes. Esse regime é melhor que os outros? Se
a resposta é sim, como ele deve ser implementado?
Quando ele está em vigor, quais são os determinantes
do seu sucesso? E embora essas três questões sejam
cruciais, a última ainda carece de pesquisas empíricas
e que tentem ligar o desempenho do regime a variáveis macroeconômicas específicas. Esse é o espaço
que buscamos preencher aqui.
Mais especificamente, além da política monetária,
o que afeta a chance de que a inflação se mantenha
próxima à meta? Será que o banco central de um país
Um estudo empírico desse tipo é importante pelo seu
potencial de uso como guia para os formuladores de
política econômica daqueles países que adotam ou
pretendem adotar o sistema de metas de inflação;
a partir dele, poder-se-ia identificar ações práticas
necessárias à melhoria do desempenho da política
monetária, tais como diminuição da dívida do governo, aumento da abertura comercial e acumulação de
reservas internacionais. Todas essas características devem ser importantes sob qualquer regime monetário,
mas talvez algumas sejam mais ou menos influentes
sob o sistema de metas.
1. possíveis determinantes
Neste artigo nos concentramos em testar algumas das
proposições de Mishkin (2000, p. 106). Essas proposições são amplamente aceitas na literatura econômica e
resumem várias recomendações isoladas de diferentes
autores: a influência da situação fiscal do governo e
da vulnerabilidade a crises financeiras internacionais
sobre o desempenho do sistema de metas.
dezembro de 2009
[...] uma estratégia de política monetária que concilia cinco elementos principais: 1) o anúncio ao
público de alvos numéricos de médio prazo para
a inflação; 2) um comprometimento institucional
com a estabilidade de preços como objetivo primordial de política monetária, ao qual outros objetivos
são subordinados; 3) uma estratégia de informação
inclusiva na qual muitas variáveis, e não só os agregados monetários ou a taxa de câmbio, são usados
para decidir os ajustes dos instrumentos da política;
4) elevada transparência da estratégia de política
monetária através de comunicação com o público e
os mercados sobre os planos, objetivos e decisões das
autoridades monetárias; e 5) elevada responsabilidade do banco central em atingir seus objetivos de
inflação. (MISHKIN, 2000, p. 105).
com situação fiscal melhor e menos exposto a crises
internacionais tem mais chances de ser bem-sucedido
na condução do regime de metas? Procuramos responder a essa questão analisando empiricamente quais
características macroeconômicas fazem com que esse
regime funcione melhor em determinado país, ou seja,
quais variáveis ajudam (ou atrapalham) a atuação do
banco central.
Mishkin argumenta que a responsabilidade fiscal
é uma questão-chave para o controle da inflação e,
portanto, também para o cumprimento das metas. Isso
porque se o desequilíbrio fiscal e a dívida forem muito
grandes, em algum momento o governo será forçado a
monetizá-la (“imprimir” dinheiro para pagar a dívida)
13
e abandonar a meta de inflação. Portanto, a dívida
pública e o resultado fiscal do governo são candidatos
naturais a determinantes do sucesso do regime.
Outra característica muito importante seria o nível de
exposição a crises financeiras internacionais. Um país
muito vulnerável a esse tipo de choque pode sofrer
uma grande fuga de capitais, com depreciação cambial
e inflação, mesmo que o motivo da crise não seja local.
E mesmo que essa fuga de capitais não dependa do
banco central, isso também acabaria por deteriorar
dezembro de 2009
a sua credibilidade, já que a inflação provavelmente
fugiria da meta, dificultando ainda mais a ação da
autoridade monetária.
Para diminuir os efeitos de crises externas, Mishkin
sugere aumentar o grau de abertura comercial do país.
Ele argumenta que com um comércio exterior mais
abrangente, mesmo que as empresas tenham dívidas
em dólar, uma maior parcela delas carregará também
ativos nessa moeda, diminuindo o impacto econômico
de uma depreciação cambial. Cita também que uma
abertura maior diminuiria a depreciação necessária
para se estabilizar o balanço de pagamentos em um
momento de crise e, mesmo que o setor de bens não
comercializáveis tivesse dificuldades, a economia
como um todo sofreria menos. E, embora Mishkin
não cite explicitamente, um alto nível de reservas
internacionais também atuaria como amortecedor
para a depreciação cambial decorrente de uma crise
internacional.
Um exemplo claro de relações entre essas variáveis
que podem influenciar no desempenho do regime
monetário pode ser encontrado no artigo de Favero e
Giavazzi (2004). Nesse estudo, os autores mostram que
uma depreciação cambial, provocada por um aumento
da aversão ao risco dos investidores internacionais,
eleva as expectativas de inflação e o nível da dívida
pública indexada ao dólar. Para conter as expectativas
o banco central eleva a taxa de juros, o que aumenta os
encargos da dívida. Se a política fiscal não reagir para
manter a dívida em trajetória não explosiva, o prêmio
de risco do país sobe, o câmbio deprecia ainda mais,
as expectativas de inflação continuam a deteriorar, o
banco central tem que subir mais os juros e assim por
14
diante. Nesse caso, a política monetária não consegue
conter a inflação e a dívida explode. Portanto, parece ser crucial para o regime de metas que a política
fiscal seja compatível com uma trajetória estável da
dívida pública. Além disso, uma exposição menor a
crises cambiais também parece ser importante para
o desempenho do sistema de metas.
2. os dados e o modelo
De acordo com as proposições acima, deveríamos
encontrar relações entre o sucesso do regime de metas e algumas variáveis macroeconômicas que sejam
diretamente definidas ou, ao menos, correlacionadas
com as características tidas como adequadas para a
sua implantação.
Mais especificamente, usamos como indicadores da
situação fiscal de um país o nível da dívida pública e
o resultado fiscal do governo num determinado ano,
ambos em relação ao PIB. E para indicar a exposição
a crises internacionais usamos o grau de abertura
comercial, medido como a soma das exportações e
importações divididas pelo PIB, e o nível das reservas cambiais em relação às importações. Assim, foi
montado um painel de dados que contém a dívida,
o resultado fiscal do governo, o nível de abertura
comercial e o estoque de reservas internacionais,
para os diversos países que utilizam ou utilizaram
esse regime, durante o período de adoção em cada
um deles.
Então, será que um país com uma relação dívida/PIB
menor tem mais facilidade para conduzir a política
monetária? Será que o resultado fiscal do setor público tem influência no resultado do SMI? Será que
uma economia mais aberta ao comércio exterior tem
mais chances de ser bem-sucedida sob esse regime?
Um maior nível de reservas cambiais ajuda um banco
central a cumprir a meta de inflação?
O teste empírico foi feito usando a diferença da inflação em relação à meta como medida de (in)sucesso do
SMI (uma escolha para lá de óbvia, eu sei...). O exercício é feito imaginando-se que o desvio da inflação
em relação à meta é uma função das variáveis citadas
acima, o que nos dá o modelo que é representado pela
seguinte equação:
desi ,t = b 0 + b 1desi ,t −1 + b 2 pibi ,t −1
+b 3 divi ,t + b 4 sup ervti ,t + b 5 abcomi ,t
+b 6 reservi ,t + b 7 d 91 +  + µ i + υ i ,t
onde des é nossa medida de sucesso do regime, pib é
o crescimento do PIB, div é a dívida pública, supervt
é o resultado fiscal do governo, abcom é a abertura
comercial e reserv é o nível de reservas internacionais.
Além disso, os desvios anteriores apresentaram, esses
sim, uma influência significativa e positiva nos desvios da inflação em relação à meta de um determinado
ano. Ou seja, os desvios se mostraram persistentes, em
linha com a ideia de inércia inflacionária, já bastante
discutida na literatura econômica.
Assim sendo, podemos indicar aos formuladores de
política econômica que a autoridade monetária (banco
central) deve manter o seu foco apenas e totalmente
em seus instrumentos de política, como a determinação da taxa de juros. E deve fazê-lo com rigidez, já
que quando a inflação se desvia da meta, seu retorno
é mais custoso.
Com esse modelo em mente, buscamos o método mais
referências
adequado para calcular estatisticamente o valor dos
coeficientes b3, b4, b5 e b6 . Ou seja, queremos saber,
ARELLANO, M.; BOVER, O. Another look at the instrumental
variable estimation of error-components models. Journal of
Econometrics. [S.l.:s.n.], v.68, p. 29-51, 1995.
por exemplo, se a relação entre a dívida e o desvio
da inflação existe (ou seja, se b3 é diferente de zero)
e qual é o sentido dessa relação (se b3 é positivo ou
negativo).
FAVERO, C. A.; GIAVAZZI, F. Inflation targeting: lessons from
Brazil. Cambridge, Mass.: National Bureau of Economic
Research, 2004. (NBER Working Paper Series Nº 10390).
Disponível em: http://www.nber.org/papers/w10390. Acesso
em: 11 jun. 2008.
MISHKIN, F.S. Inflation targeting in emerging market countries.
The American Economic Review. Pitsburg: [s.n.]. v. 90, n. 2, p.
105-109, 2000.
3. resultados e conclusões
Apesar de aparentemente consolidadas na literatura
econômica, as ideias expostas acima não foram confirmadas pelos resultados empíricos.
1 Artigo baseado na dissertação de mestrado intitulada Quem
atinge as metas? – determinantes do sucesso das metas de inflação,
defendida em novembro de 2009 junto ao Departamento
de Economia da Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade da Universidade de São Paulo.
Segundo os cálculos realizados, as variáveis que representam a situação fiscal do governo (dívida e superávit
fiscal) e a exposição a crises internacionais (abertura
comercial e reservas) parecem não ter nenhuma (ou
muito pouca) influência sobre a condução da política
monetária no sistema de metas. 2 Ou seja, ao contrário
2 Ou seja, apenas o coeficiente b1 apresentou um valor diferente
de zero e positivo. Todos os outros coeficientes (incluindo
os que nos interessavam – b3 , b4, b5 e b6 ) não puderam ser
considerados estatisticamente diferentes de zero.
do que indicavam os artigos teóricos, essas características macroeconômicas não ajudam nem atrapalham
o banco central a manter a inflação na meta.
dezembro de 2009
Como o banco de dados utilizado tem uma estrutura
chamada de “painel” (cada variável medida para vários países em vários anos), os cálculos econométricos
foram feitos utilizando-se o método chamado de System GMM, proposto por Arellano e Bover (1995).
BROCHADO, A. Quem atinge as metas? – determinantes do
sucesso das metas de inflação. São Paulo, 2009. 65 pg. Dissertação (Mestrado), Departamento de Economia, Faculdade
de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade
de São Paulo.
(*) Economista, com mestrado em Teoria Econômica pelo
IPE-FEA-USP. (E-mail: [email protected]).
15
Diva Benevides Pinho (*)
emergência de uma “África chinesa”
1. que significa a atual “África chinesa”?
dezembro de 2009
Significa a recente soma de esforços, trabalho e capital
de dois mundos diferentes – de um lado, países pobres
da África subsaariana, pouco povoados e assolados
pela seca e pela AIDS; e, de outro lado, a emergente e
rica China, país de dimensão continental, com a maior
população do planeta1 e que desponta como membro
do G-2, ao lado dos EUA.
Em outros termos, é o encontro do continente africano
“esquecido” pelo mundo rico ocidental e que agora se
apoia na China em ascensão para seu reerguimento
e integração na economia mundializada.
E a China, nova potência econômica, precisa de terras para assentar e alimentar parte de sua crescente
população, apesar da drástica política de redução da
natalidade; precisa, também, da riqueza africana do
solo e do subsolo (petróleo, gás, metais, urânio, madeiras, florestas, entre outras).
Tais argumentos justificam o “porquê” do financiamento do desenvolvimento de países da África pela
China. Aliás, somente na Guiné, a China está investindo cerca de US $ 7 bilhões em troca de acesso a
recursos naturais.
Mas há outras explicações, em especial a fragilidade
da África pobre diante da recente crise financeira
internacional, sua incapacidade para lutar contra a
recessão global de 2008 devido ao aumento da volatilidade dos preços das commodities, que são a base
de sua economia; e o cumprimento dos objetivos
chineses de assegurar relações econômicas de longo
prazo e de transferir tecnologias a seus novos parceiros africanos.
16
E assim, enquanto os países ocidentais ricos continuam ignorando a África, preocupados com seus
próprios problemas de reequilíbrio financeiro e
econômico, a “nova China-África” vai se expandindo
com os investimentos, a transferência tecnológica e o
intenso trabalho dos chineses, esses resistentes “quaserobôs”, que ganham parcos salários e impressionam
a população nativa.
E assim, a África “redescoberta por Pequim” vive,
atualmente, um “boom” econômico sem precedentes
e um clima de grandes mudanças: africanos e chineses trabalham na construção e/ou ampliação de
autoestradas, de ferrovias, hidrelétricas e prédios
para as autoridades públicas africanas. Multiplicamse diversos tipos de empreendimentos com capital e
mão de obra chineses.
Muitos desses empreendimentos são novos, outros são
a recuperação de atividades empresariais abandonadas ou decadentes. Assim, por exemplo, nos arredores
de Lagos (Nigéria) o chinês Y.T.Chu reergueu uma
decadente usina de biscoitos Newbisco, fundada em
1960 por um britânico e revendida sucessivas vezes.
Erguem-se hidrelétricas com recursos dos chineses,
campos são cultivados por chineses e africanos sem
adequada compensação financeira; centros urbanos
recebem mais matérias-primas para transformação e
mais alimentos para consumo. Espalham-se cartazes
em língua local e chinês; nas rodovias e nas vilas e
cidades, crianças africanas saúdam em chinês.
As principais transformações na economia e na vida
quotidiana da África são relatadas por dois repórteres
no livro Chinafrique (com o subtítulo Pequim à conquista do Continente negro, Paris: Hachette, 2009) - Serge
Michel (correspondente do jornal francês Le Monde)
e Michel Beuret (do Hebdo suíço), que percorreram 15
países africanos.
Desde o início dos anos 2000, ambos observaram
grandes progressos em países como Angola, Senegal,
Costa do Marfim, Serra Leoa, entre outros, e registraram dados sobre a intensificação desse progresso com
o aumento da presença da China na África, inclusive
o aumento, entre 2000 e 2006, do comércio bilateral
entre ambos – passou de 10 a 55 bilhões e se aproximou
de 100 bilhões em 2009.
Mas essa África progressista ainda convive com a
“outra” África de graves conflitos étnicos, violentas
disputas tribais, secas, escassez de alimentos e populações famélicas (cujas fotos, principalmente das
crianças desnutridas, emocionam o mundo).
1 Um quinto do total mundial, isto é, mais de 1 bilhão e 350
milhões de habitantes, distribuídos entre a República Popular
da China e Taiwan (esta com cerca de 20 milhões de habitantes).
(*) Professora Emérita da FEA-USP, economista e advogada.
(E-mail:[email protected]).
dezembro de 2009
17
Julio Lucchesi Moraes (*)
Letícia Scretas David (**)
Economia da Cultura: por um
paradigma criativo?
dezembro de 2009
1. introdução
Em quarto artigo da série sobre Economia da Cultura,
pretendemos analisar a maneira pela qual os temas
da assim denominada “Economia criativa” vêm sendo
incorporados à discussão. Nosso roteiro básico iniciarse-á por um breve resgate histórico da questão, para
em seguida analisarmos uma das vertentes desse
tópico, a questão das chamadas “classes criativas”.
Tentaremos analisar os limites e potencialidades de
tal abordagem dentro do subcampo da Economia da
Cultura.
2. histórico e tentativa de delimitação do objeto
Se o conceito “Indústria cultural” discutido no último
artigo já demonstrava ser de difícil manejo, a ideia de
“Indústrias criativas” é ainda pior. De fato, se o primeiro termo, ainda que problemático, conseguia se referir
a um leque relativamente restrito de bens (os bens
culturais produzidos dentro de moldes industriais),
o conceito de “indústrias criativas” pode expandir-se
para um espectro virtualmente total da produção de
bens e serviços (Guzman, 2009).
Embora existam diversas maneiras de adentrar no
tema, optamos por destacar aqui uma única abordagem, que são as discussões sobre as chamadas “classes
criativas”. O termo é um bordão presente, via de regra,
em textos de urbanistas e/ou de autores ligados ao pósmodernismo, mas que vem ganhando espaço dentro
das pesquisas de Economia da Cultura. O livro The
Rise of the Creative Class, de Richard Florida, é talvez a
grande referência sobre a questão.
18
Nesta obra, Florida expõe o conceito de criatividade
como a “habilidade em criar idéias e métodos mais eficientes de se fazer algo” (Florida, 2004, p. xii).1 O autor
afirma que a criatividade humana é o fator principal
que move a economia e a sociedade atual, tornando-se
uma fonte geradora de bem-estar. Florida analisa, em
seu livro, os fatores que levaram a criatividade a alçar
um papel preponderante na atualidade, expondo as
razões e os mecanismos que propiciaram tal modificação no panorama econômico.
A necessidade econômica por criatividade registrouse no surgimento de uma nova classe, a qual o autor
chama de classe criativa. Essa classe, em sua argumentação, engloba trabalhadores que se afastam dos
comportamentos tradicionais, isto é, do controle, do
consumo padronizado e da submissão às regras formais de trabalho, adotando uma postura de maior
flexibilidade e autonomia. Ao eleger a criatividade
como fator central de atuação, Florida está abarcando
um espectro profissional que se estende de músicos
a engenheiros. A principal diferença entre a classe
criativa e as outras classes está naquilo que cada
integrante é pago para fazer. Enquanto na working
class e na service class os trabalhadores são pagos para
seguir determinado plano e rotina, na creative class
os trabalhadores se atêm a um exercício de produção
que não esta limitada a modelos predeterminados
(ibidem¸ p.8).
Para o autor, o novo way of life é a característica dessa
classe criativa, a qual valoriza um estilo de vida “relaxado”, sem sistemas hierárquicos de controle e autogerenciamento do trabalho e onde o uso do fator tempo
é intensificado, uma vez que a criatividade não pode
ser plugada e desplugada a qualquer momento (ibidem,
p.14). Além disso, a classe criativa busca um ambiente
estimulante que priorize diferenças, favorecendo a
individualidade de cada agente. A gestão desse novo
modo de vida implicaria um processo de tomada de
decisões autônomas, valorizando a individualidade e
promovendo o desenvolvimento de cada agente.
A proposta de Florida caminha no sentido de abarcar
ao veio teórico certas reconfigurações sociais, ante a
emergência de uma suposta nova classe e de novos
valores. Estaríamos, de acordo ele, entrando numa
sociedade “powered by creativity” (ibidem, p.4), na qual
a classe criativa possuiria um papel de destaque como
agente destas transformações.
3. críticas à noção das classes criativas e limites a
um paradigma criativo
O acadêmico Terry Clark vai mais longe, vendo nos
textos de Florida uma simplificação desmesurada do
conceito de cultura, com uma “sobrevalorização dos
rendimentos e fatores econômicos” em detrimento
dos elementos de especificidades locais. Embora também
Clark releve as parcelas criativas na contemporaneidade, o potencial de capitalização e de generalização
em escala internacional desses grupos fica relativizado
(CLARK, 2008).
sentido, em se tratando de nosso objetivo de pesquisas
dentro do campo da Economia da Cultura, ainda que
seja possível a incorporação de certas considerações
da argumentação de Florida (como o maior enfoque
dado aos setores criativos), há grandes riscos de seu
enquadramento ser restrito em termos de tempo e
espaço. Por outro lado, já o dissemos, a discussão
da Economia criativa certamente não se encerra na
proposta de Florida, e seus desdobramentos teóricoanalíticos podem, e devem, seguir muito adiante.
4. conclusão
O artigo analisou uma das possíveis relações estabelecidas entre as pesquisas do subcampo da Economia
da Cultura com as pautas da chamada “Economia
criativa”. Dada a abrangência, optamos por nos concentrar apenas na abordagem das chamadas “classes
criativas”. Sobre ela discorremos à luz do livro The Rise
of the Creative Class, do pesquisador norte-americano
Richard Florida.
dezembro de 2009
Não são poucas as críticas feitas ao trabalho de Florida. Mike Featherstone, por exemplo, acusa Florida de
promover certa generalização indevida, confundindo
padrões sociais e pessoas do “estilo de vida” de uma
parcela da sociedade – as classes criativas – com um
suposto novo paradigma social e analítico (Jameson, 2006, p.82). Até que ponto a reduzida classe
estaria efetivamente formando (e conduzindo) uma
nova estrutura de valores e – talvez mais importante
– serão estes novos valores suficientemente fortes a
ponto de desbancar os laços e mediações do capitalismo tradicional? (idem, ibidem).
Tais considerações apontam algumas das fragilidades
do discurso a respeito das classes criativas. A constatação empírica de uma mudança no perfil dos profissionais ligados às áreas culturais em meados dos anos
1960 e 1970 parece-nos uma evidência insuficiente
para que se possa falar num novo paradigma analítico,
baseado nas (e conduzido pelas) “classes criativas”. Ao
centrar-se nos méritos de uma pequena parcela da
sociedade, a análise parece não dar conta de certos
elementos globais determinantes. Como negligenciar,
por exemplo, a capacidade e o perfil adaptativo das
grandes firmas, grupos e corporações – taxados por
Florida como os grupos pertencentes ao mundo “tradicional” – ante o surgimento dessa nova classe?2 Nesse
A despeito da possibilidade da inclusão de certos
tópicos de sua discussão às pautas de Economia da
Cultura, não nos parece ser possível propor, com
base única e exclusivamente nas chamadas “classes
criativas”, algo como um novo paradigma. Por outro
lado, queremos crer que a relação entre Economia da
19
cultura e Economia criativa não se esgota aí, sendo a
referida relação altamente promissora.
referências
CLARK, Terry. Nova escola de Chicago: convite para um debate. In: CABRAL, Manuel Villaverde; SILVA, Filipe Carreira;
SARAIVA, Tiago (org.). Cidade e cidadania: governança urbana
e participação cidadã em perspectiva comparada. Lisboa:
Imprensa de Ciências Sociais, 2008.
FLORIDA, Richard. The rise of the creative class: and how it’s
transforming work, leisure, community and everyday life.
New York: Basic Books, 2004. 434 p.
GUZMAN, Carlos. Economía de la cultura e industrias creativas.
In: Anais do II Congresso de Cultura Ibero-Americana, São
Paulo, 2009. Anais. São Paulo: SESC, 2009.
dezembro de 2009
JAMESON, Fredric. A virada cultural: reflexões sobre o pósmoderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
1 Cabe perguntar-se até que ponto essa “criatividade” (pós)moderna diferencia-se da criatividade que moveu a economia
mundial ao longo de todos os outros séculos da História humana. A esse respeito, Richard Florida discorre sobre diversas
mudanças que ocorreram no modo de produção ao longo da
história e como a criatividade foi essencial para promovê-las.
O surgimento da agricultura, o advento da produção em
larga escala e a especialização das funções são exemplos de
aprimoramentos técnicos frutos da “criatividade humana”.
Porém, na visão do autor, hoje, mais do que nunca, a criatividade assume papel central e privilegiado na vida econômica
e atua como propulsora da produtividade. O termo continua
sendo, contudo, problemático.
2 As críticas serão ainda maiores se enquadrarmos a discussão,
e sobretudo o vocábulo “classe”, dentro de uma crítica de viés
marxista como o faz Fredric Jameson em alguns de seus ensaios sobre a pós-modernidade apontados nas referências.
20
(*) Graduado em Economia pela FEA-USP, mestrando em História
Econômica pela FFLCH-USP e pesquisador da FIPE.
(E-mail: [email protected]).
(**) Graduanda em Economia pela FEA-USP e auxiliar de
pesquisa da FIPE. (E-mail: [email protected]).

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