Enilde Neres Martins - Universidade Católica de Brasília
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Enilde Neres Martins - Universidade Católica de Brasília
Pró-Reitoria de Graduação Curso de Direito Trabalho de Conclusão de Curso A DEFESA DO MEIO AMBIENTE NA INSTRUMENTALIDADE DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA Autor: Enilde Neres Martins Orientador: Dr. Antônio Souza Prudente Brasília - DF 2010 ENILDE NERES MARTINS A DEFESA DO MEIO AMBIENTE NA INSTRUMENTALIDADE DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Antônio Souza Prudente Brasília 2010 Trabalho de autoria de Enilde Neres Martins sob o título “A defesa do meio Ambiente na instrumentalidade da Ação Civil Pública”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, defendida e aprovada, em ______ de ________________ de 2010, pela Banca Examinadora constituída por: ___________________________________________________ Presidente: Prof. Dr. Antônio Souza Prudente Universidade Católica de Brasília ___________________________________________________ Integrante: Prof. Universidade Católica de Brasília ___________________________________________________ Integrante: Prof. Universidade Católica de Brasília Brasília 2010 Dedico a minha família, que é a razão de toda minha luta: Breno, Luísa, Gabriel, Benoni e minha querida irmã Zélia que me incentiva todos os dias. AGRADECIMENTOS Agradeço a “Deus” que é o grande inspirador da minha vida e guia principal desta jornada que busquei conquistar. Aos meus pais, que mesmo sendo analfabetos e não conseguirem alcançar a dimensão de uma conclusão de graduação em Direito, muito me ajudaram com sua sabedoria natural e experiência de vida. A minha querida e especial família, em especial ao Benoni, que agradeço a compreensão e palavras de incentivo nos momentos de fraqueza e incertezas emocionais, também em especial aos meus filhos: Breno, Luísa e Gabriel que mesmo com algumas reclamações, souberam suportar a minha ausência por longos períodos, trabalho e faculdade. A todos os professores do curso de direito, que de alguma forma contribuíram para minha formação intelectual, em especial ao professor: Dr. Antônio Souza Prudente (orientador), pela atenção, paciência e presteza no auxilio da conclusão deste trabalho, bem como o professor: M.sc. Mario Sérgio Ferrari, pelo esforço e dedicação na manutenção do campus Asa Sul, o que muito contribuiu para a conclusão do meu curso. Ao meu chefe Marcos Vinícius, que no momento que mais precisei de compreensão, soube tomar como sua, a minha pretensão, na época do estágio que realizei na Defensoria Pública da União - Categoria Especial. Aos meus familiares, irmãos e amigos que souberam suportar as minhas ausências. A todos os meus amigos da faculdade, companheiros e cúmplices de toda a minha trajetória acadêmica jurídica. A todos que de alguma forma me ajudaram, direta ou indiretamente contribuíram, pela minha conquista. RESUMO MARTINS, Enilde Neres. A defesa do meio Ambiente na instrumentalidade da Ação Civil Pública. 2010. 66 p. Monografia de graduação em Direito. Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010. Esse trabalho tem como objetivo geral analisar o caminho percorrido pelos legitimados em matéria ambiental para iniciativa de ação civil pública ambiental e os requisitos necessários até o resultado da pretensão judicial requerida, como forma de demonstrar a efetiva proteção ao meio ambiente equilibrado, amplamente defendido pela constituição federal de 1988. A abordagem do tema é importante para que evidencie a necessidade de uma maior atenção a esse assunto por parte dos atores processuais ambientais, para que seja possível a efetiva e necessária proteção do bem jurídico comum do povo. Neste contexto, o objetivo específico, compete demonstrar quão grande é o universo do direito ambiental brasileiro e quão difícil é abordar um tema de direitos difusos de terceira geração em que estão envolvidos direitos individuais homogêneos. Dentro do objetivo especifico cabe também a demonstração de como nasce o ação civil Pública, a legitimidade do cidadão brasileiro, do Ministério Público, das organizações não governamentais e associações legalmente organizadas. Palavras chave: Defesa ambiental. Ação Civil Pública, tutela. Homogêneos. Difusos. Processo. ABSTRACT This work has focused on General analyze system the path travelled by environmental legitimacy for public civil action initiative and environmental requirements until the outcome of judicial claim, as requested demonstrate effective environmental protection balanced, widely advocated by the Federal Constitution of 1988. The approach of the subject is important for showing the need for greater attention to this matter on the part of environmental procedural actors in order to allow effective and necessary protection and common legal people. In this context, the specific objective is to demonstrate how big is the universe of Brazilian environmental law and how difficult it is to address a topic of widespread third generation rights involving individual rights homogeneous. Within the specific objective is also the demonstration of how the Public civil action, the legitimacy of a Brazilian citizen, public prosecutors, non-governmental organizations and associations legally organized. Keywords: Defence Environmental, Environment. Action Civil Public, Process. Tutelage, Homogeneous, Fuzzy. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................9 1. CAPÍTULOS 1 – CONSIDERAÇÕES SOBRE A DEFESA AMBIENTAL E AÇÃO CIVIL PÚBLICA.............................................................................................13 1.1. DO MEIO AMBIENTE.....................................................................................13 1.2. CONCEITO E OBJETO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL .................18 1.2.1. Do Conceito...............................................................................................18 1.2.2. Do Objeto...................................................................................................19 1.3. AS ORIGENS DA LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA (LEI Nº7347/85) ...............20 1.4. TUTELA ESPECÍFICA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA ........................................22 1.4.1. A tutela de urgência nas demandas coletivas........................................25 1.4.2. Direitos e Interesses Difusos ou Coletivos ............................................27 1.4.3. Direitos Individuais Homogêneos ...........................................................29 2. 2.1. CAPÍTULO 2- LEGITIMIDADE NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL....31 ASPECTOS GERAIS DA LEGITIMIDADE .....................................................31 2.1.1. A legitimidade para agir nas ações de conhecimento...........................32 2.2. DO LITISCONSÓRCIO E ASSISTÊNCIA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA ...........35 2.3. A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO (MP) .....................................37 2.4. A LEGITIMIDADE DOS SINDICATOS E DAS ASSOCIAÇÕES CIVIS; .........40 2.5. A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA ............................................42 2.6. LEGITIMIDADE PASSIVA ..............................................................................43 2.7. FASE PRÉ-PROCESSUAL: O INQUÉRITO CIVIL E O MINISTÉRIO PÚBLICO...................................................................................................................45 2.7.1. Breve Histórico..........................................................................................45 2.7.2. Natureza jurídica .......................................................................................45 2.7.3. Fases do procedimento do inquérito civil: instauração, instrução e conclusão.................................................................................................................46 3. CAPÍTULO - ASPECTOS DA COMPETÊNCIA JURISDICIONAL E DA PROVA NAS LIDES AMBIENTAIS ..........................................................................51 3.1. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DO LOCAL DO DANO .......................................51 3.1.1. Peculiaridades do dano ambiental ..........................................................52 3.2. A PROVA NAS DEMANDAS COLETIVAS: ....................................................54 3.2.1. Do Conceito...............................................................................................55 3.2.2. Da Cognição e a prova na ação inibitória ...............................................57 3.2.3. Nexo de causalidade e prova nas ações ambientais: técnicas processuais de efetividade da tutela no âmbito do processo civil.....................58 4. 4.1. CAPÍTULO 4 - EFEITOS DA SENTENÇA E COISA JULGADA AMBIENTAL 60 NATUREZA DA COISA JULGADA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA .....................60 4.1.1. Coisa julgada em ação civil pública ........................................................62 4.1.2. Limites objetivos da coisa julgada nas demandas coletivas ................63 4.1.3. Limites subjetivos nas demandas essencialmente coletivas ...............65 5. CONCLUSÃO ................................................................................................67 6. BIBLIOGRAFIA..............................................................................................69 9 INTRODUÇÃO Abordar-se-á nesse trabalho o tema da defesa do meio ambiente na instância judiciária, utilizando como instrumento a ação civil pública na sistematização positivada existente até o momento. A abordagem do tema é importante para que evidencie a necessidade de uma maior atenção a esse assunto por parte dos atores processuais ambientais, para que seja possível a efetiva e necessária proteção do bem jurídico comum do povo. Prevenindo o dano e a ameaça ao meio ambiente por meio de mecanismos administrativos e instrumentos jurídicos. Nestas questões polemicas envolvendo um tema cada dia mais importante, em que as situações novas e catástrofes decorrentes da ação humana vão ocorrendo de forma cada vez mais acelerada. Dada a velocidade dos fatos, as normas vigentes sobre ação civil pública ambiental não conseguem abarcar todo o problema, porque as normas não são atualizadas no mesmo ritmo com que acontecem novos tipos de danos ambientais, a ponto de garantir a célere e efetiva proteção, podendo existir lacunas. O trabalho foi dividido em capítulos os quais irão seguir a seguinte ordem: No primeiro capítulo será feita uma breve explanação do conceito e objetivo da ação civil pública, as origens da lei da ação civil pública, bem como o processo e a técnica (instrumento) de tutelas jurídicas diferenciadas, tais como os direitos difusos e coletivos e os direitos individuais homogêneos. No segundo e terceiro capítulos, será exposto o os direitos a legitimidade pela iniciativa processual ambiental mais especificamente a legitimidade na ação civil pública, dentro deste contexto, a colaboração das partes envolvidas, para o processo de desenvolvimento e melhoramento do processo ambiental, dentro das possibilidades e limitações de um direito difuso e coletivo, como fatores desencadeadores do problema posto em discussão. Ainda no terceiro capítulo, terá enfoque na competência da lei de ação civil pública, bem como o papel do Ministério Público conjuntamente com o inquérito civil ambiental. Abordar a questão das provas e suas peculiaridades na lei de ação civil 10 pública, bem como à insuficiência de prova como fator impeditivo da formação da coisa julgada ambiental. Por fim no último capítulo abordar-se á os efeitos da sentença no processo ambiental (ação civil pública), assim como os resultados advindos da coisa julgada ambiental. O tema terá um enfoque apenas teórico e interpretativo das normas de processo civil ambiental dentro da sociedade brasileira. Não há nenhuma pretensão em esgotar o tema posto em vitrine, mas tem o objetivo de chamar atenção em especial para a ação civil pública, para uma melhor compreensão e exercício da cidadania, para que seja possível uma melhor estruturação legal e possibilite a resolução de conflitos sociais e ambientais de forma equitativa. Diante de todos esses argumentos, surge à necessidade social e jurídica de proteger o meio ambiente e por conseqüência proteger o ser humano e sua sobrevivência na terra. Dentre as várias ações de proteção ao meio ambiente (ação popular ambiental, mandado de segurança ambiental e mandado de injunção ambiental) como instrumentos processuais de defesa do meio ambiente em juízo, o instituto da Ação Civil Publica especialmente voltada para a tutela processual do meio ambiente e para o saneamento de danos ambientais é o cerne desse trabalho. Vários problemas poderiam ser destacados dentro da doutrina e jurisprudência disponível sobre a defesa do meio ambiente. Mas é sobre o caminho do processual ambiental da ação civil pública, desde a causa de pedir até a sentença com transito em julgado, percurso esse realizado pelos cidadãos brasileiros em busca da proteção ambiental que vamos debater. 11 Lista de Quadros Quadro 1 - Controle de Ação Civil Pública Cadastradas na 4º na CRR atualizado em: Março/2010 ...............................................................................................................40 Quadro 2 - Natureza do Interesse .............................................................................61 Quadro 3 - Resultado do Processo ...........................................................................62 12 Lista de Siglas e Abreviaturas Art. Artigo de lei CDC Código de Defesa do Consumidor CF Constituição Federal. CPC Código de Processo Civil HC Habeas Corpus LACP Lei da Ação Civil Pública PNMA Política Nacional do Meio Ambiente STF Supremo Tribunal Federal. STJ Superior Tribunal de Justiça. ONG Organização Não Governamental MPF Ministério Público Federal 13 1. CAPÍTULOS 1 – CONSIDERAÇÕES SOBRE A DEFESA AMBIENTAL E AÇÃO CIVIL PÚBLICA 1.1. DO MEIO AMBIENTE A Constituição Federal assegura a apreciação por parte do poder judiciário de toda e qualquer lesão ou ameaça a direito (art. 5°, XXXV). Daí o direito ambiental receber proteção constitucional, no plano instrumental, outorgando direito de agir em face de lesão ou ameaça ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (patrimônio genético da pessoa humana, meio ambiente cultural, meio ambiente artificial, meio ambiente do trabalho e meio ambiente natural).1 Por isso, a defesa do meio ambiente não é apenas um discurso ecológico em que a maior intenção é chamar atenção das pessoas para o problema. A defesa ambiental é uma necessidade, uma questão de sobrevivência da espécie humana. Isso porque, diante de catástrofes da natureza em que morrem muitas pessoas, sempre vem à tona a discussão da expansão urbana desordenada, o crescimento populacional e a degradação do meio ambiente, erros de planejamento urbano cometidos no passado que as conseqüências não tardam em aparecer. E a culpa pode ser da ambição desenfreada de desenvolvimento e infraestrutura feita sem planejamento, juntamente com o avanço humano sobre a natureza. Para melhor compreensão sobre patrimônio cultural, convém destacar a definição de patrimônio cultural publicada pelo site da Procuradoria Geral da República: O patrimônio cultural abrange bens móveis e imóveis, tomados isoladamente; conjuntos arquitetônicos, urbanísticos, históricos e paisagísticos; paisagens culturais que revelem uma combinação da ação do homem com a natureza; paisagens concebidas intencionalmente, como jardins e parques; paisagens associadas a fenômenos religiosos/simbólicos; patrimônio documental ou arquivístico; patrimônio cultural imaterial (formas de expressão, modos de criar, fazer e viver); patrimônios paleontológico e espeleológico; sítios arqueológicos e entorno de bens culturais.2 1 PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Cood. Direito Ambiental e Cidadania. Leme-SP: J.H.Mizuno, 2007.p. 63 2 Disponível em : http://www.pgr.mpf.gov.br/areas-de-atuacao/camaras-de-coordenacao-erevisao/meio-ambiente-e-patrimonio-cultural. acesso em: 16.05.2010. 14 Diante desses fatos surge à necessidade social e jurídica de proteger o meio ambiente e por conseqüência proteger o ser humano e sua sobrevivência na terra. Para Antunes, “Os direitos humanos vêm se ampliando, a cada dia que passa”. O autor complementa sua idéia dizendo que: “Este fato é uma resposta que a sociedade vem dando ao fenômeno da massificação social e às dificuldades crescentes para que todos possam vivenciar uma sadia qualidade de vida”, ainda que prevaleça a violação aos direitos humanos ao invés do respeito, desse fato denota-se que a norma foi violada ou desrespeitada. Ainda segundo Antunes, “Essa realidade desempenha um papel fundamental na conscientização de todos aqueles que subjetivamente, consideram que os seus direitos fundamentais foram violados”. Para o referido autor, “Hoje já se fala em uma nova geração de direitos humanos, direitos estes que não se limitam àqueles fruíveis individualmente ou por grupos determinados”.3 Nesse contexto tem destaque o pensamento de Norberto Bobbio ao se referir ao problema dos direito humanos de terceira geração, disse que: “o mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído”.4 Corroborando essa idéia, Antunes assim expõe sobre a importância do meio Ambiente: Uma conseqüência lógica da identificação do direito ao ambiente como um direito humano fundamental, conjugada com o princípio constitucional de dignidade da pessoa humana, é que no centro de gravitação do Direito Ambiental se encontra o Ser Humano. Entretanto, a concepção ora esposada encontra acirrada oposição em parte significativa do pensamento contemporâneo que tem buscado identificar uma igualdade essencial entre 5 todos os viventes. Assim, apesar do meio ambiente receber proteção explicita na constituição de 1988, essa benesse pode não ser tão real e efetiva quanto se deveria, na tratativa de um bem que ao não ser devidamente tutelado, causa prejuízos a todas as pessoas. Sendo a defesa do meio ambiente um direito plurisubjetivo, que não é tão fácil de por em prática a proteção constitucional, daí a necessidade de bem explicar 3 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental.12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.p.16 BOBBIO, Norberto apud ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 17. 5 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 17. 4 15 o que vem a ser meio ambiente, para que fique bem claro o que se pretender proteger com a técnica da Ação Civil Pública. Por isso, faz-se necessário recorrer a algumas considerações primárias e introdutórias de meio ambiente. Neste contexto chama-se a baila o conceito de Alvarenga sobre o termo meio ambiente: Como objeto da disciplina ecológico, a palavra ambiente ou meio ambiente ou simplesmente meio significa o lugar, o espaço, o sítio, o recinto que envolve os organismos vivos ou as coisas, expressando ainda a acepção do 6 patrimônio natural e suas relações com os seres vivos. Já na explanação do professor Farias, sobre a conceituação do meio ambiente, é importante destacar que “A conceituação de ‘ambiente’ é problemática por duas razões fundamentais: a primeira, pela abrangência; a segunda, pela grande diversidade de significados”.7 Por isso, convém demonstrar o seguinte detalhamento do termo ambiente, pois “engendra uma variedade de significados, conforme o aspecto em que é considerado” 8, corroborado pelo pensamento bem definido pelo grande estudioso do assunto, José Afonso da Silva, que define ambiente como sendo a “esfera, o círculo, o âmbito que nos cerca, em que vivemos”.9 Em seqüência de idéias Farias, em citação à lição de José Afonso da Silva, meio ambiente é “a interação do conjunto de elementos naturais artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas” 10. A definição do meio ambiente feita pelo mestre Beltrão, traz um enfoque importante sobre as formas de expressar a palavra em termos de lingüísticos, assim a como a abrangência do termo in verbis: A expressão meio ambiente, que historicamente passou a ser utilizada no Brasil, é claramente redundante. “Meio” e “Ambiente” são sinônimos, designam o âmbito que nos cerca, o nosso entorno, onde estamos inseridos 6 ALVARENGA, Paulo. Inquérito Civil e a Proteção Ambiental. Leme-SP: BH Editora e Distribuidora, 2001. p .37. 7 FARIAS, Paulo José Leite. Competência Federativa e Proteção Ambiental. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1999. p. 203. 8 Idem. p. 203. 9 SILVA, José Afonso da apud FARIAS, Paulo José Leite. Competência Federativa e Proteção Ambiental. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1999. p. 203. 10 Idem. p. 203. 16 e vivemos. De fato, “meio” significa, entre outras acepções, “conjunto de elementos materiais e circunstanciais que influenciam um organismo vivo”. “ambiente”, por sua vez, consiste no “que rodeia ou envolve por todos os lados e constitui o meio em que se vive; tudo que rodeia ou envolve os seres vivos e/ou as coisas; recinto, espaço, âmbito em que está ou vive” (HOUAISS, António. Dicionário eletrônico da língua portuguesa. Rio de 11 Janeiro: Objetiva, 2006. 1 CD-ROM. Produzido por multimídia. A definição acima deixa claro que o meio ambiente é um complexo de elementos naturais que se tem como ponto base á vida, inserida num contexto amplo, em que fazem parte “a ordem biológica, química e todas as espécies, animais e vegetais” como um todo, abrangendo todas as formas, “não apenas a humana”.12 A classificação dos elementos do meio ambiente fica assim exposta de forma didática pelo mestre Beltrão: Dessa forma, o meio ambiente não corresponde apenas ao ambiente natural, abrangendo também outras perspectivas em que esteja inserida a vida. Assim, tradicionalmente classifica-se o meio ambiente a partir de três aspectos: o meio ambiente natural ou físico, o meio ambiente artificial e o meio ambiente cultural. O meio ambiente natural ou físico Constitui-se pelo ar, atmosfera, água, solo, subsolo, fauna, flora e biodiversidade. Corresponde, portanto, aos elementos naturais que são tradicionalmente associados ao meio ambiente. A expressão meio ambiente surgiu para designar tais elementos naturais. Existem independentemente da ação do homem, embora possam, por obvio, sofrer a conseqüência daquela. O meio ambiente artificial “Compreende o espaço urbano construído, abrangendo o conjunto de edificações (espaço urbano fechado) e equipamentos públicos, tais como ruas, avenidas, praças e espaços livres em geral (espaço urbano aberto). O meio ambiente cultural Consiste nas investigações humanas, materiais ou imateriais, que possuem um especial valor cultural, referente à identidade, a ação, a memória dos diferentes grupos formadores da nacionalidade ou sociedade brasileiras. Abrange, portanto, o patrimônio histórico, artístico, paisagístico, 13 arqueológico, ecológico, etc. A constituição Federal em seu art. 216, expressa de forma clara a proteção ao meio ambiente cultural, de forma expressa: 11 BELTRÃO, Antonio F.G. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense / São Paulo: Método, 2009. p.25. 12 BELTRÃO, Antonio F.G. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense / São Paulo: Método, 2009. p. 25. 13 Idem. p. 25. 17 Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, 14 arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. A administração racional dos recursos naturais e dos sistemas ecológicos. O desenvolvimento sustentável acaba sendo o principal objetivo do direito ambiental, é o que se entende da definição universal dada pela Comissão Brundtland, consiste naquele que “satisfaz as necessidades do presente sem pôr em risco a capacidade das gerações futuras de terem suas próprias necessidades satisfeitas”. 15 O relatório final da comissão, chamado de Nosso futuro comum, pronto em 1987, Propôs que o desenvolvimento econômico fosse integrado à questão ambiental. Esse documento, que reduziu o tom crítico à sociedade industrial dos documentos anteriores – e por isso foi bem aceito pela comunidade internacional _ proponham uma conciliação entre crescimento econômico e preservação. Construiuse assim o conceito de desenvolvimento sustentável, como o “desenvolvimento que atende às necessidades do presente, sem comprometer as necessidades das gerações futuras”.16 Sobre o tema, precisa é a lição do mestre Benjamim, in verbis: Os problemas ambientais são produto de uma série de comportamentos humanos historicamente arraigados. Entre eles convém citar uma certa predisposição do ser humano para agir a curto prazo (=atuação imediatista), para auxiliar apenas aqueles com quem se relaciona pessoalmente, em especial os familiares e amigos próximos, negando assistência a terceiros desconhecidos (=atuação individualista), e para se ver em permanente antagonismo com a natureza que o cerca, buscando, por isso mesmo, debravá-la, transfoma-la e domina-la (=atuação degradadora). O direito Ambiental visa, em síntese, mudar tais traços comportamentais todos 14 BRASIL. Constituição Federativa do Brasil - de 05 de outubro de 1988 – art. 216. Brasília: Senado Federal, 2007. 15 BRUNDTLAND, apud SÁ, Maria Célia Delduque Nogueira Pires de. Conflitos Socioambientais do Cerrado Brasileiro: o Meio Ambeinte na Instância Judiciária. Dissertação de mestrado em Planejamento e Gestão Ambiental. Brasília: Universidade Católica de Brasília, 2005. Disponível: em: <http://www.bdtd.ucb.br/tede/tde_busca/arquivo.php? codArquivo=355>. Acesso em: 13/05/2010. 16 Idem. 18 ambientalmente nefastos. Não espanta, pois, que, em relação ao paradigma jurídico tradicional, o Direito Ambiental seja considerado “profundamente 17 herético”. Portanto, nessa evolução e procura pelo entendimento do que vem a ser meio ambiente, o art. 3º lei nº 6938/81 - PNMA (Política Nacional do Meio Ambiente) define legalmente e definitivamente o meio ambiente como o ”conjunto de condição, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em 18 todas as suas formas . Como os direitos á vida a ao meio ambiente, “seja na dimensão individual, seja na dimensão coletiva/difusa, são indisponíveis por natureza, qualquer ação ambiental terá como causa imediata a efetivação da proteção desses direitos; isso torna a ação ambiental indisponível, por buscar a proteção dos direitos à vida e ao meio ambiente.”19 1.2. CONCEITO E OBJETO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL 1.2.1. Do Conceito Para Machado, “A ação civil pública foi elaborada pela lei 7347, de 24.7.1985. A ação judicial é denominada “civil” porque tramita perante o juízo civil e não criminal”. Acentua o referido autor que “no Brasil não existem tribunais administrativos”. Segundo o entendimento do autor “A ação é também chamada “pública” porque defende bens que compõem o patrimônio social e público, assim como os interesses difusos e coletivos, como se vê do art.129,III,da CF/88”. 20 17 BENJAMIN, Antonio Herman apud BELTRÃO, Antonio F.G. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense / São Paulo: Método, 2009. p. 28. 18 Lei 6938 de 31 de agosto de 1981 - PNMA (Política Nacional do Meio Ambiente) - publicado no D.O.U. de 2.9.1981. 19 PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Coor. Direito Ambiental e Cidadania. Leme-SP: J.H.Mizuno, 2007.p.100 20 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 381. 19 Na busca do objetivo da ação civil pública, leciona Machado que “as finalidades da ação civil pública são: cumprimento da obrigação de fazer, cumprimento da obrigação de não fazer e/ou a condenação em dinheiro”.21 Corroborando o entendimento de Machado, Mancuso dispõe sobre a importância do art.3° da lei 7347/85: “Ação civil p oderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer’. “Resulta Claro, nesse enunciado, que o pedido imediato terá, em geral, natureza condenatória, lato sensu”.22 De acordo com Alvarenga, “trata-se de lei que ostenta caráter predominantemente processual, uma vez que objetiva disciplinar e ofertar os instrumentos processuais eficazes à proteção em juízo, dos interesses difusos reconhecidos nos textos substantivos ou nas normas de direito material”23. 1.2.2. Do Objeto Para Alvarenga, até a promulgação da lei da ação civil pública o nosso ordenamento jurídico usava a sistemática tradicional do código civil que “se dedicava basicamente a harmonizar os conflitos entre grupos delimitados de pessoas”24, nesse contexto o autor reforça a necessidade de estender a abrangência da proteção legal a interesses maiores, situados no campo superior ao das relações entre indivíduos em caráter subjetivo, justificando sua idéia, assim expressa: Todavia na sociedade marcadamente industrial, influenciada fortemente pelo fenômeno de massa e, sobretudo pela globalização, surgiu a necessidade de se dispensar proteção legal a interesses maiores, situados em patamar superior aos conflitos meramente interindividuais.”Surge a 25 necessidade de conciliar ou equacionar os conflitos plurisubjetivos”. 21 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 381. 22 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública – Em defesa do Meio Ambiente, do patrimônio Cultural e dos Consumidores. 9. ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2004. p.23 23 ALVARENGA, Paulo. Inquérito Civil e a Proteção Ambiental. Leme-SP: BH Editora e Distribuidora, 2001. p. 92. 24 Idem. p. 93. 25 Idem. p. 93. 20 Ainda de acordo com Alvarenga, in verbis: [...] no início da década de 1980, em face justamente desta sensível transmigração do individual para o coletivo e da tendência global verificada na ordem internacional da coletivização e universalização da jurisdição, com conseqüente socialização do processo como instrumento de solução rápida e simultânea dos interesses comuns de grupos indeterminados ou classes ou categorias de determináveis de pessoas, ou ainda de toda coletividade 26 [...]. Com base nessa linha de raciocínio, Alvarenga justifica a atitude do Governo Federal em promulgar a Lei nº 7347/85, visto que “modernizou e verdadeiramente revolucionou a ordem jurídica brasileira, na medida em que o processo passou a servir como instrumento de defesa dos direitos metaindividuais ou sociais indisponíveis e individuais homogêneos”.27 Uma boa conclusão sobre o objetivo da ação civil pública é feita por Mancuso, ao afirmar que: [...] a respeito desse aspecto terminológico, parece-nos a seguinte: a ação da lei 7347/85 objetiva a tutela de interesses metaindividuais, de início compreensivos dos difusos e dos coletivos em sentido estrito, aos quais na sequência se agregaram os individuais homogêneos (lei 8078/90, art.81, III, c/c os arts. 83 e 117). Para mais, trata-se de locução já consagrada em vários textos legais, inclusive na Constituição Federal (art.129,III), sendo que a jurisprudência e a doutrina especializada empregam normalmente levando-nos a crer que esse nomem júris – ação civil pública – já está 28 assentado na experiência jurídica brasileira. 1.3. AS ORIGENS DA LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA (LEI Nº7347/85) Alvarenga enfatiza como “verdadeira conquista e grande avanço legislativo na área de proteção ao meio ambiente”, a evolução legislativa a inclusão da lei Federal nº 7347/85 em nosso ordenamento jurídico, “que disciplinou o exercício da ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente”.29 26 ALVARENGA, Paulo. Inquérito Civil e a Proteção Ambiental. Leme-SP: BH Editora e Distribuidora, 2001. Idem. p. 93. 27 Idem. p. 93 28 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública – Em defesa do Meio Ambiente, do patrimônio Cultural e dos Consumidores. 9. ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2004. p. 23. 29 Idem. p. 92 21 Aproveitando a oportunidade de comentar sobre o nascedouro da lei n 7347/85, lei essa com predomínio quase total de regras processuais, a inspiração para a criação de uma lei processual ambiental. Convém colacionar a lição de Marcelo Abelha em demonstrar as origens instrumentais e processuais da lei de ação civil pública como “a origem histórica da lei de ação civil pública tem as suas raízes fincadas na lei da Política Nacional do Meio Ambiente, porque pioneiramente foi idealizado para regulamentar o § 1º do art.14 do referido diploma geral do meio ambiente”30. “Artigo esse que fala em ação de responsabilidade civil por danos causados, e a partir daí tenha surgido à proposta da LACP”. Porém como todo projeto de lei ao ser analisado, surgem algumas modificações que fogem da idéia da proposta inicial. De acordo com Rodrigues: Hoje, a LACP é uma lei eminentemente processual, é verdade, mas serve á tutela precípua de qualquer direito supraindividual ( e não só o meio ambiente), e além disso, como instrumento para impor soluções para todo e qualquer tipo de crise jurídica (conflitos de interesses supraindividuais), sejam elas de descumprimento, de certeza jurídica ou de obtenção de uma nova situação jurídica.31 Para Rodrigues é possível levar em consideração “a existência de três tipos de crises jurídicas (certeza descumprimento de conduta e de situações jurídicas)”, assim afirma “é certo que a ação civil pública constitui um remédio adequado para impor soluções do direito material que sejam aptas a debelar por completo a crise ocorrida”.32 Com essa afirmação, Marcelo Abelha quer-se dizer e até advertir que a lei de ação civil pública não se limita a ser um instrumento técnico. Alvarenga assim explica as particularidades da ação civil pública: Inúmeras são as particularidades, incontáveis os aspectos e bem assim as controvérsias que despontam e gravitam em torno de aludidos instrumentos existentes no ordenamento jurídico pátrio, à disposição de pessoas físicas e jurídicas para a tutela administrativa ou jurisdicional do meio ambiente, dentre outros interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, cumprindo realçar e relembrar que uma abordagem minudente e mais detida de cada singularidade ou de cada aspecto controvertido desses RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.p.19 31 Idem.p.19 32 Idem.p.19 22 mecanismos e medidas judiciais escapa ao propósito da presente pesquisa e aos limites do trabalho que, conforme preambularmente enfatizado, tem por assunto central e objeto nuclear o inquérito civil como procedimento preparatório da ação civil pública ambiental, sendo que esta última medida judicial (ação civil pública) será também perifericamente abordada. Escopo diverso exigiria a construção de alentado e invencível trabalho doutrinário, diante de abundância dos elementos e discussões que desabrocham em profusão de precitados mecanismos gerais de proteção ambiental e, principalmente, dos aspectos Polêmicos que despontam da ação civil pública, tal a amplitude de seu campo de incidência protetiva e de sua larga 33 utilização nos dias correntes. Na espera civil, a medida judicial de maior uso e eficácia na defesa do meio ambiente tem sido indubitavelmente, a ação civil pública, cuja abordagem está a demandar também, neste estudo, prévias e breves referências a respeito das demais medidas judiciais de natureza civil de possível utilização na proteção ambiental, tendo em conta as suas relações, afinidades e contrastes, e, sobretudo tendo em vista as conclusões finais envolvendo o emprego do inquérito civil”.34 1.4. TUTELA ESPECÍFICA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA Para a proteção do meio ambiente há dois tipos de ação, conforme Moreira de Paula explica: A proteção ambiental poderá ser preventiva ou repressiva. Será preventiva ao cometimento do ato ilícito, a fim de evitar que a ameaça à ocorrência de um ato ilícito se converta em lesão. Neste aspecto, a ação ambiental deverá ser proposta em busca da tutela inibitória contra a prática do ilícito e consistirá essencialmente na imposição de uma obrigação de não fazer – o 35 prosseguimento da atividade que poderá resultar em poluição. Nesse debate “o meio ambiente conta com instrumentos de proteção tato no campo administrativo (tombamento, estudo prévio de impacto ambiental, multa, etc.) e no âmbito penal (ação penal pública, transação penal), como na esfera civil (ação popular constitucional, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção, ação direta de inconstitucionalidade, direito de petição e ação civil pública)”.36 33 ALVARENGA, Paulo. Inquérito Civil e a Proteção Ambiental. Leme-SP: BH Editora e Distribuidora, 2001. p. 82. 34 Idem. p.82. 35 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública – Em defesa do Meio Ambiente, do patrimônio Cultural e dos Consumidores. 9. ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2004. p. 131. 36 ALVARENGA, Paulo. Inquérito Civil e a Proteção Ambiental. Leme-SP: BH Editora e Distribuidora, 2001. p. 81. 23 Na concepção de Mancuso, o processo civil tradicional é “um instrumento de tutela de posições jurídicas individuais, é natural que, ordinariamente, coincidam numa mesma pessoa as figuras do titular do interesse e do legitimado (= aquele a quem a norma confere o poder de agir)”.37 Para Rodrigues não se aplica as ações coletivas tal estrutura, “visto que não vai encontrar o titular do interesse tutelado, porque são várias pessoas. “Esse fenômeno se explica pela impossibilidade do fracionamento do objeto, que é de todos, e também por causa da chamada indeterminação dos sujeitos.”38 Para Rodrigues: As crises de certeza acerca da existência ou inexistência de relação jurídica; de cumprimento ou adimplemento, em que alguém deve a outro alguém mas recusa-se a cumprir sua responsabilidade; de situação jurídicas, em que alguém faz valer em juízo seu direito modificação de uma situação jurídica são crises jurídicas que podem se dar no âmbito do processo individual ou coletivo. Assim tanto nas lides individuais, quanto nas lides que são instrumentalizadas pelas técnicas jurisdicionais coletivas, estarão presentes, sob a ótica do resultado do processo, as tutelas declaratórias, 39 condenatórias e constitutivas . Vale ressaltar que “tanto a tutela coletiva quanto a individual pode ter sob a ótica do resultado advindo á parte, forte relação com o tipo de crise debelada, podendo ser tipificadas como preventivas, de reparação de dano ou sanções. “Na verdade, a tutela vai se diferenciar da individual menos pelos tipos de resultados e mais por aspectos abstratos relacionados aos princípios regentes e influenciadores das técnicas coletivas”40. Ainda de acordo com Rodrigues, “Daí decorre uma diferenciação básica de todo o conjunto coletivo em relação ao individual, visto que o processo coletivo busca o atendimento de interesses supra-individuais, o que aumenta substancialmente a fase inquisitorial do processo.”41 Para Rodrigues, há uma necessária proximidade entre os atos procedimentais do Estado juiz com a proteção do direito material do meio ambiente, como forma de 37 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública – Em defesa do Meio Ambiente, do patrimônio Cultural e dos Consumidores. 9. ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2004. p. 131. 38 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p. 163. 39 Idem. p. 163 40 Idem. p. 163. 41 Idem. p. 163. 24 construir o habitat natural de desenvolvimento da tutela específica. “Isso porque a Constituição Federal estabelece a imposição de deveres de fazer ou não fazer, da coletividade e do Poder Público, com vistas à obtenção do equilíbrio ecológico“.42 De acordo com Rodrigues há uma distinção entre a tutela específica e a tutela reparatória específica, sendo desta forma explicada: Quando se fala em tutela jurisdicional específica, isso significa a busca do dever positivo ou negativo previsto na lei e que deveria ser espontaneamente cumprido por todos os membros da sociedade. (coletividade e Poder Publico). É que a tutela especifica pressupõe que o processo imponha exatamente o mesmo resultado que se teria caso fosse espontaneamente cumprida a obrigação, enquanto a reparação específica já dá a idéia de concretização da crise de descumprimento, de uma conduta antijurídica que já ignorou o dever positivo ou negativo e que causou um dano que deve ser ressarcido, cuja solução deverá ser uma reparação não 43 pecuniária (especifica ou equivalente). Cumpre ressaltar a idéia de Rodrigues no que diz respeito à importante distinção acima descrita, por constituir ganhos “incomensuráveis de economia e efetividade do processo ambiental. A maior de todas as ‘economias’ diz respeito ao manejo das provas”. É que, havendo tutela para a abstração da má conduta ou o seu impedimento, ou ainda para prevenir o dano, não raramente “toda discórdia deve recair sobre quaestio iuris (com possibilidade de julgamento antecipado da lide – art. 330, I, do CPC), enquanto nos casos de tutela ressarcitória há a necessidade de se provar o nexo entre a conduta e o dano causado, para se ter a responsabilidade fixada”.44 Ressaltando o entendimento sobre a tutela específica Rodrigues assim dispõe ipis literis: Se houve o dano, deve-se buscar uma tutela sancionatória que vise a obtenção de um ressarcimento específico (reparação in natura). È o caso, por exemplo, de destruição de área de preservação permanente com degradação do meio ambiente, quando então se deverá requerer em juízo a obtenção de uma solução ressarcitório do dano causado. É, pois, uma tutela para o passado. Essa solução deve ser sempre mais próxima da situação do meio ambiente anterior ao dano, daí por que há sensível privilégio das 45 formas específicas de reparação. 42 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.p.163. 43 Idem p.183. 44 Idem.p.185 45 Idem.p.184. 25 Fechando o entendimento sobre a inspiração para a essência da ação civil pública na tutela jurisdicional dos direitos, Mancuso expõe: É que nas class actions, prioriza-se a eficácia da reparação do bem coletivo lesado, antes que o mero “acolhimento” do pedido do autor, até porque o interesse concerne a um número mais ou menos definido de indivíduos, e não exclusivamente ao autor da ação. Assim é que v.g., no caso de um posto de gasolina que praticava sobrepreço na venda do produto, a ação movida por um dos prejudicados foi acolhida, mas para fim de que o dono do estabelecimento fosse compelido a fornecer gasolina,gratuitamente, a todos aqueles que o procurassem, até atingir a exata quantidade que 46 vendera acima da tabela fixada. 1.4.1. A tutela de urgência nas demandas coletivas Para Rodrigues, a tutela jurídica para ser entregue, demanda tempo, fato esse que às vezes quando chega a ser entregue não atinge o fim proposto por causa da demora. “E justamente porque a atividade jurisdicional se exerce e se desenvolve durante um dado lapso temporal que, a cada minuto que passa, mais longe e fora da realidade que motivou a busca da solução jurisdicional fica a tutela debeladora da crise”.47 Ainda de acordo com Rodrigues, “a tutela de urgência, aplicada para imunizar dos efeitos devastadores que o tempo causa ao processo (instrumento) ou ao seu conteúdo (direito material), constitui plataforma firme dotada de técnicas processuais que devem ser rápidas, sob pena de não servir ao direito pleiteado.” “Essas formas de tutela são realizadas por intermédio das medidas cautelares e das antecipações de tutela de mérito. O signo comum entre ambas é, sempre, a urgência, e o seu traço diferenciador é o objeto que será precipuamente protegido dos desgastes provocados pelo fenômeno temporal.”48 46 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública – Em defesa do Meio Ambiente, do patrimônio Cultural e dos Consumidores. 9. ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2004. p. 231. 47 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p. 166. 48 Idem. p.167. 26 “Em dois dispositivos trata alei 7347/85 sobre a tutela cautelar dos interesses difusos. Dá-lhes ação cautelar, propriamente dita, no art.4° e prevê a possibilidade de concessão de mandado liminar, ‘com ou sem justificação prévia’, no art. 12”.49 Na explanação de Mancuso: [...] é como se o juiz adiantasse uma certa credibilidade às alegações do autor, raciocinando por um critério de plausibilidade; dá a tutela de urgência, na convicção de que, se o fizer a final, o provimento poderá não mais ter utilidade, ante a modificação dos fatos ou a consumação do evento 50 temido. Na complementação de sua fala, Mancuso cita Pontes de Miranda, “a cautela é concedida pelo receio em se considerar que algo mal vai ocorrer, ou é provável que ocorra.” “A probabilidade é elemento necessário; não se pode recear o que não é possível, nem mesmo o que dificilmente aconteceria. O grau do provável é examinado pelo juiz, mas se ele mesmo tem dúvida, deve deferir o pedido de medida cautelar”.51 È importante frisar o que diz Mancuso, sobre a diferença entre medida cautelar e processo cautelar: Medida cautelar é espécie, de que “processo cautelar” é gênero, ou seja “medidas” (= providências) de ordem cautelar são geralmente concedidas no seu instrumento ou veiculo precípuo, que é o processo cautelar. Mas “ medidas cautelares” existem que podem ser pedidas em outros processos, que não o cautelar. [... Por outro lado, não há confundir “liminar “ com “cautelar”. Este último é tipo de processo, a que o Código de Processo Civil destina um livro específico(III), tendo por pressuposto a tutela urgente (ainda que provisória) de uma situação emergencial envolvendo coisa, pessoa ou situação jurídica. A “liminar”, em certos casos, pode se apresentar sob color de antecipação de tutela, incidente ao início da lide, como o nome já o indica, podendo apresentar índole executiva, como se dá 52 nas liminares em mandado de segurança e nas possessórias. A aplicação subsidiaria do código de Processo Civil é expressamente prevista no art. 19 da lei 7347/85, de sorte que será perfeitamente utilizável no campo da ação civil pública essa antecipação de tutela. 49 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública – Em defesa do Meio Ambiente, do patrimônio Cultural e dos Consumidores. 9. ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2004. p. 252. 50 Idem. p. 255. 51 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública – Em defesa do Meio Ambiente, do patrimônio Cultural e dos Consumidores. 9. ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2004. p. 255. 52 Idem. p. 253. 27 De acordo com Beltrão, a medida liminar busca prevenir danos ao ambiente que estejam na iminência de ocorrer e tem por fundamento os princípios da prevenção e da precaução.53 Para Marinoni, “Considerando-se a natureza, compreendida como uma tutela inibitória, compreendida como uma tutela voltada essencialmente para o futuro, não é difícil perceber a efetividade dessa tutela dependerá, em casos não raros, da possibilidade de sua antecipação.”54 1.4.2. Direitos e Interesses Difusos ou Coletivos Interesses metaindividuais Para Raul Canosa Usera, “O meio ambiente é um bem coletivo de desfrute individual e geral ao mesmo tempo. [...] O direito ao meio ambiente é de cada pessoa, mas não só dela, sendo ao mesmo tempo ‘transindividual”55. “Por isso, o direito ao meio ambiente entra na categoria de interesse difuso, não se esgotando numa só pessoa, mas se espraiando para uma coletividade indeterminada”.56 No caso dos coletivos, Rodrigues pondera que “pertencem ao sujeito enquanto participe de um grupo, categoria ou classe de pessoas bem definida por uma relação jurídica base”. Já para o caso dos difusos, também definidos como transindividuais pelo legislador.”57 O autor, citando Grinover, coloca que “tais interesses não encontram apoio em uma relação base bem definida, reduzindo-se o vínculo entre as pessoas a fatores conjunturais ou extremamente genéricos, a dados de fato freqüentemente acidentais e mutáveis: habitar a mesma região, consumir o mesmo produto, viver 53 BELTRÃO, Antonio F.G. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense / São Paulo: Método, 2009. p.380. 54 MARINONI, Luiz Guilherme – Tutela Inibitória, 3º edição- Revista dos Tribunais – São Paulo 2003. p.180 55 USERA, Raúl Canosa apud. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 127. 56 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 127. 57 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p. 46. 28 sob determinadas condições empreendimentos etc.”. socioeconômicas, sujeitar-se a determinados 58 De acordo com Alvarenga, convém lembrar que os denominados interesses transindividuais ou supra-individuais ou pluraindividuais ou ainda metaindividuais são aqueles que transcendem e vão além do indivíduo ou de uma determinada pessoa59. Ainda segundo Alvarenga, “diante de um conflito plurissubjetivo, o processo se socializa e deixa de ser unicamente o instrumento de solução de litígios entre particulares ou entre sujeitos perfeitamente identificados”60 Alvarenga em citação a Édis Milaré esclarece que, “Numa sociedade como essa – uma sociedade de massa – há que existir igualmente um processo civil de massa”61. O Código de Defesa do Consumidor (lei 8078/90) define em seu art. 81, parágrafo único, que os direitos difusos são os transindividuais, de natureza indivisível de, que sejam titulares pessoas indeterminados e ligadas por circunstâncias de fato (inciso I). Na explicação de Beltrão fica assim disposta “Transindividual porque ultrapassa a esfera tradicional do indivíduo para contemplar uma coletividade. Indivisível porque sua titularidade não pertence exclusivamente a alguém, mas a todos, indistintamente.” 62 Nesta seqüência o autor cita um exemplo, “todos têm direito a um ar limpo; e havendo poluição atmosférica, não se estará atingindo apenas o direito de João e de Maria, mas o direito de todos de respirar um ar limpo.” 63 58 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p. 46. 59 ALVARENGA, Paulo. Inquérito Civil e a Proteção Ambiental. Leme-SP: BH Editora e Distribuidora, 2001. p. 49. 60 Idem. p. 49. 61 MILARÉ, Edis. Ação Civil Pública ou Nova Ordem Constitucional. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. p. 3. Apud. Alvarenga.2001,p.50.. 62 BELTRÃO, Antonio F.G. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense / São Paulo: Método, 2009. p. 22. 63 Idem p. 22. 29 E conclui que, “encontramos a terceira características do direito difuso: a titularidade indeterminada [...] Todos estes indivíduos estão ligados pela circunstância de fato de terem sofrido uma violação do direito de respirar ar puro.”64 Direito coletivos stricto sensu “Os direitos coletivos stricto sensu também são transindividuais e de natureza indivisível (art. 81, parágrafo único, II do Código de Defesa do Consumidor). Entretanto, a sua titularidade é determinável, pertencente a algum “grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base” Beltrão, (2009 p.22). Corroborando essa idéia, Fiorillo esclarece que “ainda que inicialmente não seja possível determinar todos os titulares, estes podem vir a ser identificados”.65 1.4.3. Direitos Individuais Homogêneos Para Édis Milaré “É sabido que a grande novidade do código de Defesa do Consumidor, em termos de tutela jurisdicional, foi a criação da categoria dos interesses ou direitos individuais homogêneos, que são na verdade direitos subjetivos tradicionais, passiveis, ainda hoje, de tratamento processual individual, mas também ,agora,de tratamento coletivo,em razão de sua homogeneidade e de sua origem comum”66. Entre as ações civis públicas em defesa de direitos individuais homogêneos, a ação prevista nos art. 91 a 100 do CDC, “destinada à reparação de danos individuais sofridos, foi denominada ‘ação de classe brasileira’, por encontrar seu precedente nas class actions for damages do sistema Norte-Americano.67 64 BELTRÃO, Antonio F.G. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense / São Paulo: Método, 2009. p. 22. 65 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito Ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva 2001. p. 8. 66 MILARÉ, Edis. Ação Civil Pública. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 19 67 Idem.p.19 30 A Lei 8078/1990 define direitos individuais homogêneos como ”os decorrentes de origem comum” (art. 81, parágrafo único, III).68 Para Beltrão, os direitos individuais homogêneos são assim definidos: “Consistem em direitos divisíveis, de titularidade determinada, tais quais os direito subjetivos clássicos; contudo, por serem comuns homogêneos a diversas pessoas, podem ser tutelados coletivamente.” Conclui que “Portanto são direitos que podem ser levados a juízo individualmente, mas que, dada a sua natureza comum, podem ser tratados de forma coletiva”.69 Para Rodrigues, os interesses individuais homogêneos devem ser analisados sob o ângulo qualitativo e outro quantitativo. Assim explica “A homogeneidade é um conceito relacional. Só se é homogêneo em relação de similitude, afinidade, ligação com outros direitos individuais”70. O ator reforça seu ponto de vista acerca dos direitos homogêneos ao colocar que: [...] os direitos individuais homogêneos podem ser tutelados de forma coletiva, a saber, com fulcro no sistema processual coletivo, se e quando a dimensão do direito individual lesado for de tal forma extensa que a demanda coletiva seja efetivamente supra-individual, onde sequer seja possível, num primeiro momento, identificar os titulares dos interesses 71 individuais homogêneos”. 68 Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de defesa do Consumidor - publicado no D.O.U. de 12.9.1990 - Retificado no DOU de 10.1.2007. (Art. 81.paragráfo único, III) 69 BELTRÃO, Antonio F.G. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense / São Paulo: Método, 2009. p. 23. 70 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p. 52. 71 Idem. p. 52. 31 2. CAPÍTULO 2- LEGITIMIDADE NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL 2.1. ASPECTOS GERAIS DA LEGITIMIDADE De acordo com Rodrigues, “o processo é uma entidade complexa, formada por sujeitos, objeto, pressupostos e finalidade próprios. Justamente por ser complexo, dinâmico e dialético, o procedimento animado pela relação jurídica processual atribui a estes sujeitos faculdades, ônus, obrigações, deveres e poderes ante uma determinada situação jurídica que os envolva”.72 O autor também coloca que “o sujeito processual só estará credenciado a atuar na posição jurídica processual respectiva se possuir legitimidade para tanto”.73 Ainda de acordo com Rodrigues, “quando se fala em legitimidade ad causam (ordinária) ou legitimidade extraordinária, apenas se está especificando a legitimidade a partir de elementos da demanda, cujo aspecto de abrangência, por ordem lógica, está inserido numa legitimidade dos sujeitos do processo”74. Vale ressaltar que a legitimidade aqui enfocada está relacionada apenas com a demanda, “e bem sabemos que sujeitos da demanda não se confundem com sujeitos do processo. Alias, bem por isso é que existe a legitimidade para demandar e a legitimidade para praticar atos jurídicos no processo”75. É nesse contexto que vale a pena a lição de Rodrigues: O fato de não raras vezes o sujeito do processo, legitimado a praticar determinado ato processual, ser também o sujeito da demanda não nos permite criar uma regra ou premissa igualando as duas figuras. Não fosse assim, não teríamos como explicar, por exemplo, o fenômeno de se permitir ao juiz suscitar o incidente de uniformização de jurisprudência. Podemos dizer que o Juiz possui legitimidade porque é sujeito do processo, 76 embora obviamente não a possua para a demanda. 72 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009p. 71. 73 Idem. p. 71. 74 Idem. p. 72. 75 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p. 72. 76 Idem. p. 72. 32 2.1.1. A legitimidade para agir nas ações de conhecimento O entendimento da tutela dos interesses difusos e coletivos “sempre deixou a desejar até 1985, justamente por causa da dificuldade, fruto de uma concepção individualista, sem ter condições de identificar o titular do direito material difuso e, assim, atribuir-lhe a titularidade do poder de agir na tutela desses direitos.”77 “A lei de ação civil pública representou, portanto, uma superação dessa dificuldade, na medida em que reconheceu a determinados entes a representação adequada dos titulares dos interesses difusos na perseguição em juízo desses valores”.78 Há de se verificar um grande avanço do pensamento do legislador, quando se leva em conta a análise do art. 5º da lei 7347/85 e o art. 82 da lei nº 8078/90- Código de Defesa do Consumidor, ao atribuir a tais entes (associações, sindicatos, Ministério Público, União, Estados, Municípios, Defensoria Pública etc.) a legitimidade para ir a juízo em busca da proteção dos interesses transindividuais. Rodrigues tem a teoria de que “essa legitimidade, como bem diz que tem uma índole processual, e chama a legitimidade ordinária e extraordinária de tradicional e individualista.” Na explanação de Marcelo Abelha a assim enfoca a questão da legitimidade ordinária e extraordinária: É que essa dicotomia clássica parte do pressuposto de que se identifique o sujeito do direito material a ser tutelado, para então poder dizer que a legitimidade é do tipo ordinária (quando houver coincidência no plano material e processual), ou extraordinária (quando o suposto titular do direito material não for o mesmo do direito de agir). Deve ficar bem claro ao leitor que, nas ações coletivas para a defesa de direitos metaindividuais, o eixo de análise deixa de ser a titularidade do direito material e passa a ser o reconhecimento da adequada representação, no processo, para proteger e 79 tutelar esses direitos. 77 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p. 73. 78 Idem. p. 73. 79 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p. 74 33 Assim, Rodrigues esclarece que “a legitimidade é autônoma, um tertium genus, e que, aprioristicamente, não deve ser classificada como ordinária ou extraordinária”80. E fundamenta seu entendimento afirmando que: Não é ordinária porque o atingido pela coisa julgada não é titular do direito de ação, ainda que se dissesse que o ente com representatividade adequada tenha por finalidade institucional a defesa desses direitos. Não é extraordinária nos moldes clássicos porque não se identifica o substituído e, 81 portanto, não se sabe quando seria ordinária. E assim arremata o autor ao dizer que: [...] a legitimidade prevista é do tipo coletiva, porque vários entes a possuem (especificamente previstos na norma); do tipo exclusiva porque não precisam de anuência um do outro para proporem a demanda; e por fim taxativa porque só os entes arrolados na lei é que receberam a atribuição de representantes adequados para a tutela dos interesses coletivos lato 82 sensu. Noutra corrente Moreira de Paula, sobre a legitimidade ordinária ambiental assim diz: “concebe-se a primeira questão do devido processo formal acerca da legitimidade pela iniciativa processual de se promoverem ações ambientais.” O autor adverte que “Nesse aspecto, é preciso advertir que não se pode adotar como critério de averiguação de legitimidade a partir dos efeitos subjetivos da sentença; deve o critério pautar-se pelo que a ação em si se propõe a tutelar”.83 Conseqüentemente, podem ser visualizados os seguintes aspectos: a) ação em que se busca a tutela de direitos individuais; b) ação em que se busca a tutela de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.84 No entendimento de Moreira de Paula, “no primeiro aspecto, tem-se a legitimidade ordinária, eis que o autor, em nome próprio, procura tutelar a defesa de 80 Esse sentido pode ser extraído das conclusões de Arruda Alvim, op.cit.,p.360, e Donaldo Armelin. Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro, p.115. Apud..Abelha, M. (2009). P.74 81 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009p. 74 82 Idem. p. 75 83 PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Coord.Direito Ambiental e Cidadania. Leme-SP: J.H.Mizuno, 2007. p. 95. 84 Ibidem. p. 95 34 um direito ambiental próprio. Neste caso, o autor é vítima de uma atividade poluente”. 85 Portanto, o autor promove a ação porque se encontra numa pretensa relação de adequação com o direito subjetivo material – por isso, o autor age porque “tem” direito material, e não apenas interesse em tutelar o meio ambiente. Age em nome próprio para a tutela de um direito próprio86. Assim: Por ser vítima de uma atividade poluente, o autor somente poderá ser pessoa física, eis que esta é a condição natural para sentir os efeitos da poluição. Logo, a legitimidade ordinária na que tutela direito ambiental 87 individual somente poderá ser exercida por pessoa física. Ao ponderar sobre a questão, Moreira de Paula coloca “que a legitimidade ordinária para a tutela do meio ambiente advirá quando a Administração Pública praticar ato lesivo ao meio ambiente, mediante o exercício da ação popular (CF, art. 5º, LXXIII)”. E nesse caso conclui que “o cidadão, por ser “co-proprietário” de um bem de uso comum – isto é, por estar juridicamente diluído no conceito de comum – é vítima desse ato lesivo, e assim terá legitimidade para exercer a ação popular para a tutela do meio ambiente”.88 Assim enfoca o fortalecimento da cidadania através do incentivo a “legitimidade ordinária nas ações ambientais como forma de efetivação do princípio da participação no seu âmbito processual”.89 De acordo com Moreira de Paula quanto à legitimidade Extraordinária Ambiental, assim escreve: “caso ação declaradamente afirmar que visa tutelar direitos difusos, coletivos ambientais ou individuais homogêneos, pode-se dela perceber que o móvel de sua legitimidade não é a tutela de um interesse próprio, mas, isto sim, deinteresse alheios.” Esta situação somente ocorrerá quando o legitimado não estiver envolvido no direito subjetivo material que fundamenta a ação 85 PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Coord.Direito Ambiental e Cidadania. Leme-SP: J.H.Mizuno, 2007.p. 95 86 Idem. p. 95 87 PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Coord.Direito Ambiental e Cidadania. Leme-SP: J.H.Mizuno, 2007.p.95. 88 Idem. p. 96 89 Idem. p. 96 35 ambiental – noutras palavras, “o legitimado não participa diretamente na relação ambiental, seja na qualidade de vítima da poluição, seja na qualidade de “coproprietário” do bem ambental”.90 Consequentemente o autor acima complementa seu entendimento “sendo assim, tem-se a chamada legitimidade extraordinária, visto como um fenômeno processual em que o legitimado age para a tutela de inteesses alheios – difusos, coletivos ou individuais homogêneos”. Assim constata que a legitimidade extraordinária se faz no exame da ação. “Se reconhecidamente se busca a tutela de direitos difusos, coletivos ou indivicuais homogêneos, a qual o legitimado materialmente não integra, ter-se-á a legitimidade extraordinária”.91 Diante disso, “importa dizer que a legitimidade extraordinária sempre será definida por lei, para atribuir funções as instituições públicas (p.ex.Ministério Público), ou por estatuto, para atribuir funções às ONGs.” “Trata-se, pois, de uma legitimação processual, eis que derivada expressamente de uma lei ou de um estatuto para tutelar processualmente direitos ambientais coletivos ou difusos”.92 2.2. DO LITISCONSÓRCIO E ASSISTÊNCIA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA Segundo Mancuso, “Chama a atenção o fato de o par. 2º do art. 5º da lei 7347/85 ter facultado ao Poder Público a ás associações habilitarem-se como “litisconsortes de qualquer das partes”, sem fazer referência à possibilidade de fazêlo como assistentes”.93 Referindo-se ao pensamento de Milaré, Mancuso assim expõe: De todo modo, a fórmula já constava assim no par 2º, do art.4º do Projeto de Lei 3.034/84. Na justificação se dizia: “Foi na Lei brasileira da ação popular (Lei 4.717 de 29.06.1965) que se buscou inspiração para uma série de controles contra os riscos decorrentes de abusos (...); o litisconsórcio, inclusive por parte do Poder Público, que no pólo ativo, quer no pólo passivo, com a possibilidade de outras associações e o Ministério Público 90 PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Coord.Direito Ambiental e Cidadania. Leme-SP: J.H.Mizuno, 2007. p. 97 91 PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Coord.Direito Ambiental e Cidadania. Leme-SP: J.H.Mizuno, 2007 p. 97 92 CENTOFANTI, Nicola apud. PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Direito Ambiental e Cidadania. Leme-SP: J.H.Mizuno, 2007. p. 97 93 Idem. p. 230. 36 interporem recursos de decisões e tomarem a posição de autor, na hipótese 94 de desistência e abandono da causa (...)”. Para Mancuso, quanto ao pólo ativo, o Litisconsórcio é do tipo facultativo, sendo fundado normalmente no incs.I eII do art, 46 do CPC “comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide”; “os que direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito”.95 Assim descreve Mancuso que: é por que a legitimidade é “concorrente e disjuntiva”, podendo os colegitimados agir em conjunto ou separadamente, mas não estando obrigados a essa ação “em bloco”. Ademais de facultativo, esse litisconsórcio, sob o prisma da legitimidade para agir, afigura-sedo tipo 96 simples ou comum. Em seqüência o autor chama a atenção para a possibilidade de litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados, conforme o art. 5º, § 5°, da lei 7347/1985. 97 Contudo sobre a assistência assim escreve: “Apesar de o art. 5°, § 2°, não se referir expressamente a essa figura, estamos em que no âmbito da ação civil pública ela comporta, em principio, as modalidades ‘simples/adesiva’ ou ainda, litisconsorcial/qualificada”.98 Já no entendimento sobre assistência de Édis Milaré, assim: “Os colegitimados à ação civil pública que quiserem participar de processo intentado por outro, aparecerão na relação processual na qualidade de assistentes 99 litisconsorciais[...]” Mancuso salienta que “Entretanto, para evitar eventual tumulto no processo [...]– caberá ao juiz recusar eventual intervenção de lesados, se abusiva, ou se, pela sua excessiva quantidade, inviabilizar o andamento da ação civil pública ou coletiva”. Fechando a discussão Mancuso diz: Ainda no tocante ao cidadão, em se cuidando de ação que envolva interesses individuais homogêneos (CDC, art. 81,III), é-lhe assegurado o 94 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública – Em defesa do Maio Ambiente, do patrimônio Cultural e dos Consumidores. 9. ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2004. p. 284. 95 MANCUSO, 2004.p.289 96 MANCUSO, 2004.p.290. 97 Beltrão, A. F. 2009.p.373 98 MANCUSO, 2004.p.293. 99 MILARÉ, Edis. Ação Civil Pública. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 19 37 ingresso como litisconsorte (art. 54) pela boa razão de que o direito 100 discutido nos autos da ação coletiva é também seu. Ainda sobre litisconsórcio no pólo passivo assim dispõe Mancuso: “Não se pode negar a possibilidade de litisconsórcio no pólo positivo, mesmo porque o § 2°, do art. 5°, fala que o Poder P úblico e as associações podem habilitar-se sob aquela qualidade em relação a “qualquer das partes”, o que abrange a situação subjetiva da lide em seus dois pólos.” Porém o autor ressalta que “com relação ação subjetivo dos réus na ação civil pública, há que se considerar uma particularidade própria das ações 101 que objetivam a tutela dos interesses difusos.” 2.3. A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO (MP) A ação civil pública não é a única ação civil promovida pelo Ministério Público no campo do processo civil, mas de todas é talvez a mais importante. O Ministério Público age como fiscal da lei e também como titular do direito de propor a ação civil pública. Possui, ainda, o poder de realizar investigações prévias à própria propositura da ação judicial, mediante a instauração de inquérito civil. Tais atribuições fazem com que, ipso iure, o Ministério Público seja a presença mais marcante no que se refere à defesa dos interesses difusos. Atualmente, a concepção de que o processo penal é o ‘reino do Ministério’ é 102 um pouco menos verdadeira. Neste contexto vale destacar a área de abrangência das ações promovidas pelo Ministério Público Federal: As ações do para a defesa do equilíbrio ambiental e dos bens culturais; visam proteger o meio ambiente e abrangem temas como licenciamento ambiental para construção de empreendimentos que causem significativo impacto ambiental; modificação genética de alimentos e de animais; preservação de áreas especialmente protegidas; combate à biopirataria e ao tráfico de animais silvestres; saneamento básico e saúde pública – 103 poluição por esgoto, lixo doméstico e industrial, destinação de resíduos. Todo bem cultural deve ter preservadas suas características essenciais. Quando isso não é respeitado, o MPF entra em ação, na esfera judicial ou fora dela. Atua, por exemplo, para coibir projetos de obras e construções que descaracterizem o bem protegido, para promover a recuperação dos 100 MANCUSO, 2004.p.294. MANCUSO, 2008.p.295. 102 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2009. p. 796. 103 Disponível em : http://www.pgr.mpf.gov.br/areas-de-atuacao/camaras-de-coordenacao-erevisao/meio-ambiente-e-patrimonio-cultural. acesso em: 16.05.2010. 101 38 bens em estado de deterioração, para declarar o valor cultural de um 104 determinado bem. Na área ambiental, são resultados da atuação do MPF: interdição de empresas, obras e atividades por não obedecerem às normas de segurança ambiental; reparação vegetal; regulamentação de ecoturismo; proibição de determinados agrotóxicos; suspensão de licenças irregulares; condenação judicial de agentes públicos e de particulares por danos ao meio ambiente. É muito comum o MPF conseguir que irregularidades ambientais sejam sanadas sem a necessidade de entrar com ação na Justiça. Nesses casos, os responsáveis assinam termo de ajustamento de conduta em que se 105 comprometem a regularizar a situação. As ações civis públicas são o principal instrumento de ação do Ministério Público no âmbito da jurisdição civil ambiental. É interessante observar que, apesar de a lei conferir uma amplíssima legitimação ativa para a propositura das ações civis públicas, tem sido o Ministério Público o maior ajuizante deste tipo demandas judiciais. Contamse em algumas centenas os números de ações civis públicas propostas 106 perante os diversos juízos existentes em nosso país. Para Antunes, a Lei n° 7347/85 teve a grande virtu de de ampliar os vínculos entre a sociedade e o Ministério Público. Assim é na medida em que os membros do parquet, que se têm dedicado à proteção jurídica do meio ambiente e de outros interesses difusos, têm logrado obter o respeito e a consideração da população que, não sem pouca freqüência, acorre às curadorias e procuradorias em busca de 107 auxílio. Assim, de acordo com o artigo 5°, § 1°, da Lei n° 7347/85, o Ministério Público intervirá em todas as ações nas quais não tenha sido o autor. No caso de ser obrigatória a sua intervenção, a sua não-realização implica nulidade do processo. De acordo com Antunes: A intervenção do Ministério Público é material e não apenas formal. Isto é, serão tidas por inexistentes as intervenções que se limitem a manifestações lacônicas, tais como: “Nada a requerer”; “Ciente, pelo prosseguimento”. 104 Disponível em : http://www.pgr.mpf.gov.br/areas-de-atuacao/camaras-de-coordenacao-erevisao/meio-ambiente-e-patrimonio-cultural. acesso em: 16.05.2010. 105 Disponível em : http://www.pgr.mpf.gov.br/areas-de-atuacao/camaras-de-coordenacao-erevisao/meio-ambiente-e-patrimonio-cultural. acesso em: 16.05.2010. 106 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2009. p. 796.. 107 Idem. p.796. 39 Nestes casos, o magistrado deverá fazer com que os autos retornem ao Ministério Público para que este se manifeste fundamentadamente sobre o 108 ponto em que a controvérsia se encontre. A intervenção do Ministério Público como custos legis implica que este seja intimado das provas a serem produzidas pelas partes. “Deverá ser intimado dos documentos e perícias constantes dos autos. Deverá, também, ser intimado das assentadas, das decisões interlocutórias e da sentença. Ou seja, o Ministério Público deverá ter conhecimento de tudo aquilo que consta dos autos.” 109 De acordo com Antunes, o Ministério Público, “na função de custos legis, será responsável pela execução da decisão condenatória, quando a associação vencedora não o tenha feito em até 60 dias após o trânsito em julgado da sentença (artigo 15 da Lei n° 7347/85)”. 110 À respeito do Ministério Público, Machado esclarece que foi a ação civil pública que consagrou essa instituição, valorizando seu papel de autos em prol dos interesses difusos e coletivos. Para Machado “O Ministério Público saiu do exclusivismo das funções de autor no campo criminal e da tarefa de fiscal da lei no terreno cível, para nesta esfera passara exercer mister de magnitude social.” E o autor assim justifica “Além das inovações no direito de ação e no próprio curso da ação, procurou-se possibilitar a propositura rápida da ação, com a criação do inquérito civil e com a criminalização da não informação do Ministério Público”.111 Com este mesmo entendimento, Rodrigues assim explica: O Ministério Público teve suas funções completamente revisitadas e modificadas com o advento do texto constitucional. A Constituição explicita que visem à tutela do patrimônio público, meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Essa legitimidade não lhe é exclusiva, podendo a lei estendê-la a outros legitimados. Assim o fizeram a Lei 7347/85 (recepcionada pela CF/88) e o art. 82 do CDC. Mas se com relação aos interesses difusos e coletivos não paira dúvida sobre a legitimidade do parquet, porque expressa e quase didaticamente exposta na CF/88 (art. 129,§ 1º, III), o mesmo não se diz com relação aos interesses individuais homogêneos, já que, tendo uma índole individual, só poderiam ser tutelados 108 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2009p. 798 Ibidem p.798. 110 Ibidem.p. 798 111 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 381 109 40 caso fossem de interesse social ou disponíveis, para dar rendimento á regra 112 do art. 127, caput, do texto constitucional. Abelha, 2009 p.78 Para complementar a boa atuação do Ministério Público, convém ressaltar um quadro demonstrativo dessa atuação em âmbito federal: Quadro 1 - Controle de Ação Civil Pública Cadastradas na 4º na CRR atualizado em: Março/2010 Fonte: Disponível em : http://www.pgr.mpf.gov.br/areas-de-atuacao/camaras-de-coordenacao-erevisao/meio-ambiente-e-patrimonio-cultural. acesso em: 16.05.2010. 2.4. A LEGITIMIDADE DOS SINDICATOS E DAS ASSOCIAÇÕES CIVIS; De acordo com Machado, a ação da lei 7347/85 abriu as portas do Poder judiciário ás associações que defendem os bens e interesses coletivos e difusos, considerando no plano da legitimação uma extraordinária transformação.113 112 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p. 78 41 Já para Mancuso, “Hoje se admite que as ações coletivas, quando exercitadas por uma associação, que assim se coloca como uma longa manus, da coletividade interessada, pressupõe uma legitimidade que deve ser tida como ordinária”.114 Já para Beltrão, “No caso de associação. Faz-se necessário o preenchimento concomitante dos seguintes requisitos legais: a) constituição há pelo menos um ano nos termos da lei civil; b) inclusão, entre suas finalidades institucionais, da proteção ao meio ambiente, ao consumidor, á ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estático, histórico, turístico e paisagístico.”115 Em explanação sobre a legitimidade das associações, Mancuso assim explica: É ainda possível, se se quiser um maior apuro terminológico, distinguir a legitimidade ativa das associações à ação civil pública, conforme o tipo de interesse metaindividual nela objetivado: se for difuso ou coletivo em sentido estrito (CDC, art..81, parágrafo único, I e II), sua tutela judicial se dá em dimensão genuína e essencialmente coletiva (sujeitos indeterminados e objeto indivisível), de sorte que aí a associação exerce legitimidade ordinária (= é a ela mesma que a lei confere o poder de agir, como “ adequada portadora” do interesse); já no concernente aos interesses individuais homogêneos, como eles são apenas tratados coletivamente, remanescendo individuais em sua essência (CDC, art. 81, parágrafo único, III), a associação aí atuaria como substituta processual (dos individuais, titulares dos interesses pessoais homogeneizados pela origem comum), nos 116 termos do art. 6º do CPC. Rodrigues afirma que, “Com relação aos sindicatos, não se deve confundir a sua atuação na propositura de demandas coletivas onde esteja em jogo direito supra-individual com os casos em que o mesmo atua como mero substituto processual, nos modelos tradicionais do direito processual civil.”“Enquanto no primeiro caso a sua legitimidade decorre do sistema processual coletivo (Título do CDC + LACP, arts. 82 e 5º, respectivamente) por força do art.129,§ 1º, III, da CF/88, 113 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 381. 114 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública – Em defesa do Maio Ambiente, do patrimônio Cultural e dos Consumidores. 9. ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2004. p. 227. 115 BELTRÃO, Antonio F.G. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense / São Paulo: Método, 2009. p.380. 116 Idem. p. 229. 42 no segundo é aplicação direita do art.8º, III da CF/88, que por sua vez, também endossa a legitimidade para a primeira hipótese.”117 Rodrigues assim explica: Na propositura de ação coletiva nos moldes do que se está falando, o sindicato atua na proteção e defesa de direitos supra individuais, Nesse caso, segue o rito e regras do “sistema processual coletivo. Por outro lado, quando atua para perseguir situações particulares dos sindicalizados, está defendendo direito individual puro em típico caso de substituição processual concorrente, oriundo diretamente do art. 8º,III as CF/88. Cuida-se, nestas 118 hipóteses, de mero cúmulo objetivo de pretensões. 2.5. A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA A respeito da legitimidade da Defensoria Pública para a propositura de demandas coletivas, houve um grande avança as alterações trazidas ao art. 5º pela lei nº 11.448/2007, ampliando os legitimados e assim ampliando o acesso ao judiciário. Mas ainda há muita discussão sobre o assunto e, por isso, Rodrigues expõe que: Parece-nos que a situação permanece a mesma, ou seja, trata-se de uma espécie autônoma de legitimidade. Seguindo essa mesma corrente, como acerto, colocam-se Wambier e Garcia Medina para quem após afirmar a incongruência de se sustentar tanto a posição pela legitimidade ordinária quanto a extraordinária: “Em nosso entender a situação é mesmo daquelas em que não se pode buscar apoio nos conceitos aplicáveis ao processo civil tradicional. Rigorosamente se trata de buscar em novo ‘modelo’ de legitimação, sendo pertinente, a nosso ver, sua caracterização como legitimidade autônoma, O mesmo se há de dizer da legitimação da Defensoria Pública, cuja legitimação é institucional, decorrendo da incumbência que lhe foi conferida pela Constituição Federal(art.134). A rigor, parece óbvio e ulutante a necessidade de justificar a legitimidade da 119 Defensoria Pública para postular interesses coletivos dos necessitados. Assim, a aferição, em concreto da legitimidade da Defensoria Pública depende de se perquirir no caso concreto se existe pertinência entre a atuação da 117 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p. 80 118 Ibidem p. 80. 119 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p. 83. 43 Defensoria na busca da tutela coletiva e o seu fim institucional de auxílio e assistência dos necessitados.120 2.6. LEGITIMIDADE PASSIVA A Legitimidade passiva, nas ações civis públicas, coloca algumas particularidades, decorrentes do fato da natureza metaindividual dos interesses que compõem o objeto da ação. Tudo numa expressiva amplitude da legitimação passiva nas ações voltadas à tutela de interesses individuais.121 Também nesse sentido, o pensamento de Vigliar é relevante: Não há nenhuma condição especial para que alguém (seja pessoa física, seja pessoa jurídica, ou ente dotado de personalidade jurídica) se encontre na posição de legitimado passivo ad causam para as ações civis públicas. Basta que essa pessoa realize, ou ameace realizar uma conduta que cause 122 lesão a quaisquer dos interesses transindividuais. Para Moreira de Paula, “a legitimidade passiva se configurará no pólo passivo de ação ambiental que busque a cessação de atividade poluente a pessoa, física ou jurídica, definida como poluidor”123. Continuando a explicação, o autor esclarece que, para melhor compreensão, a lei 6938/81, que estabelece a Política Ambiental Nacional, define no artigo 3º, III, como poluição a degradação da qualidade ambiental resultante de atividade que direta ou indiretamente: a) b) c) d) e) 120 Prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; Criem condições adversas as atividades sociais e econômicas Afetem desfavoravelmente a biota Afetem as condições estáticas ou sanitárias do meio ambiente; Lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais 124 estabelecidos. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p. 83 121 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública – Em defesa do Meio Ambiente, do patrimônio Cultural e dos Consumidores. 9. ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2004. p. 227 122 VIGLIAR, José Menezes apud MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública – Em defesa do Meio Ambiente, do patrimônio Cultural e dos Consumidores. 9. ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2004. p. 227. 123 PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Coord. Direito Ambiental e Cidadania. Leme-SP: J.H.Mizuno, 2007. p. 98. 124 PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Coord. Direito Ambiental e Cidadania. Leme-SP: J.H.Mizuno, 2007.. p. 99. 44 E o poluidor é definido no artigo 3º. IV, da mesma lei, como sendo a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental. “Por isso, tanto o poluente direto como o indireto são suscetíveis de compor o pólo passivo de qualquer ação que se pretenda a reparar danos ambientais”. 125 E, seguindo essa orientação: [...] decidiu o STJ pela composição de pólo passivo, em ação ambiental, de uma empresa, por ser poluidora direta, e litisconsórcio em Estado Federativo e Município, por serem estes co-responsáveis objetivamente, ante a ausência de eficiente fiscalização e pelo fato de o Estado Federativo ter repassado a verba ao Município para a realização e pelo fato de o Município, em litisconsórcio com herdeiras de um empreendimento, em razão de não ter havido a regularização de loteamento, porque em tal caso houve violação de normas de preservação ambiental, seja do município porque aprova projeto danoso, seja do empreendedor porque executa tal 126 projeto. O autor complementa sua idéia colocando que, “por ser responsabilidade ambiental objetiva, figurarão no pólo passivo da ação ambiental pessoas que não causaram diretamente o dano ambiental, mas que mantêm a situação de degradação” 127. E cita como exemplo: [...] do novo adquirente de imóvel rural que deverá responder pelo dever de recompor área de reserva florestal legal, eis que assume a propriedade do imóvel com o ônus de preservar a área de reserva, e assim haveria nexo de 128 causalidade entre a sua conduta e a permanência da poluição. Na enfática conclusão de Mancuso, tem-se que, “via de regra, qualquer um poderá, desde que lese ou ameace causar lesão a algum interesse transindividual, estar legitimado passivamente para ação civil pública”.129 125 PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Coord. Direito Ambiental e Cidadania. Leme-SP: J.H.Mizuno, 2007. p. 99. 126 Idem. p. 99. 127 Idem. p. 99 128 Idem. p. 99 129 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública – Em defesa do Maio Ambiente, do patrimônio Cultural e dos Consumidores. 9. ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2004. p. 230. 45 2.7. FASE PRÉ-PROCESSUAL: O INQUÉRITO CIVIL E O MINISTÉRIO PÚBLICO 2.7.1. Breve Histórico Conforme entendimento de Beltrão, “O inquérito civil, inspirado na nomenclatura e forma do inquérito penal, tem por objeto a coleta de elementos de convicção para interposição de ação civil coletiva”130. Trata-se, pois, de procedimento administrativo que poderá servir de base para ajuizamento de ação judicial de tutela de direitos transindividuais. Já para Mancuso, “O inquérito civil deve, pois, servir como uma válvula de segurança, permitindo exercer um controle prévio – prudente e razoável – sobre os fatos sindicados, podendo assim prevenir o ajuizamento, porventura imaturo ou adoçado, da ação civil pública”. Daí se compreende o informado por João Batista de Almeida, de que “é maior o número de inquéritos civis, se comparado com o número de proposituras”. 131 Complementa Mancuso que “alguns são arquivados por falta de fundamentação e outros porque atingem, na via extrajudicial, o objetivo colimado, com o enquadramento à legalidade, o ajustamento de conduta e a correção de irregularidades, tornando despiciendo o recurso à via judicial”.132 2.7.2. Natureza jurídica No entendimento de Beltrão: O inquérito consiste em um instrumento administrativo, portanto não jurisdicional, exclusivo do Ministério publico, que tem por fim compendiar provas e evidências para a formação do convencimento do juiz do parquet, quanto á necessidade de ou não de instauração de ação civil coletiva. Não 133 possui, portanto, natureza criminal. 130 BELTRÃO, Antonio F.G. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense / São Paulo: Método, 2009. p. 367. 131 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública – Em defesa do Meio Ambiente, do patrimônio Cultural e dos Consumidores. 9. ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2004. p. 179. 132 Idem, p.179. 133 BELTRÃO, Antonio F.G. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense / São Paulo: Método, 2009. p.367 46 Beltrão também admite que, por se tratar de procedimento administrativo, não jurisdicional sua instauração não implica em acusação, não podendo, conseqüentemente, cominar sanções ou restrições de direitos de espécie alguma, Outrossim, não são aplicáveis os princípios do processo ao inquérito civil, razão pela qual não se obedece ao princípio do juiz e do promotor natural (art. 6º CF).134 Por fim, ressalte-se que os elementos de prova colhidos ao longo do inquérito civil também podem subsidiar a instauração de ação penal pelo Ministério Público, podendo o inquérito penal ser dispensado caso haja elementos mínimos de convicção concernentes a materialidade e a autoria (HC 93.829/BA-STF).135 2.7.3. Fases do procedimento do inquérito civil: instauração, instrução e conclusão. Na interpretação do art. 7,§ 1º, da lei 7347/85, Beltrão explica que “o vocábulo poderá, o que significa que a instauração do inquérito civil pelo parquet consiste em faculdade, e não numa obrigatoriedade”136. O autor complementa dizendo que: Caso haja elementos de convicção, o Ministério Publico pode ingressar com ação civil pública independentemente de haver instaurado inquérito civil; ou, caso já tenha sido instaurado, decidir por seu arquivamento. De fato, “sendo um instrumento preparatório, que se submete à convicção da entidade, cabe ao MP decidir pela sua instauração ou se arquivamento, caso já tenha 137 sido iniciado. O autor também explica que “a instauração do inquérito civil “tem por pressuposto a necessidade de investigação de fato determinado, de interesse 134 BELTRÃO, Antonio F.G. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense / São Paulo: Método, 2009. p. 370 135 Supremo Tribunal Federal, 1º turma, HC 93.829/BA, Rel. Ricardo Lewandowski, j.10.06.2008, DJ 27.06.2008, decisão unânime: “Recurso extraordinário. Penal.Processual penal. Ministério Público. Oferecimento de denúncia com base em inquérito civil público. Viabilidade. Recurso desprovido.1. Denúncia oferecida com base em elementos colhidos no bojo de Inquérito Civil Público destinado à apuração de danos ao meio ambiente. Viabilidade. 2. Ministério público pode oferecer denúncia independentemente de investigação policial, desde que possua os elementos mínimos de convicção quanto à materialidade e aos indícios de autoria, como no caso (artigo 46, § 1º., do CPP).3 Recurso a que se nega provimento”. Apud. Beltrão, A. F. 2009.p.371. 136 Idem p. 372 137 Idem. p. 372 47 coletivo, transindividual, tutelado pelo Ministério Público. Assim, se se tratar de interesse individual, não é o caso de inquérito civil”.138 Já Alvarenga assim define o inquérito civil: Já no seu conceito real, o inquérito civil pode ser concebido como um procedimento investigatório inquisitivo, de natureza administrativa e que se desenvolve extrajudicialmente instaurado e presidido pelos órgãos de execução Ministério Público, com a finalidade de buscar fundamentos para o ajuizamento da ação civil pública, por meio da apuração prévia da ocorrência, extensão e autoria de fatos considerados lesivos aos interesses 139 difusos e coletivos ou a qualquer outro interesse transindividual. Para Alvarenga, “o inquérito se instaura e se movimenta pelo desejo ou querer contínuo de buscar procurar incessantemente informações sobre a ocorrência e autoria de um ilícito”. Assim, o inquérito é um processo que se inicia no primeiro momento do procedimento de investigação. ”A base do vocábulo inquérito é o latim quaeritare, de querer, e quem quer procura, busca continuadamente, querer é “andar sempre buscando”.140 Portanto, o inquérito é instaurado a fim de colher provas para levar adiante o processo; todos os meios que constituem provas podem ser utilizados, como explica Beltrão: A instrução consiste na coleta de provas, essência do inquérito civil. Todos os meios de prova, desde que, naturalmente, lícitos, podem ser utilizados pelo Ministério Público, tais como: perícias, depoimentos, testemunhas, 141 inspeções, requisição de informações e documentos etc. Sobre a coleta de provas Beltrão assim entende: Tal coleta de evidencias deve ser feita de forma imparcial, no intuito único de se buscar a verdade dos fatos. Assim, o inquérito civil “não poder ser ‘dirigido” pelo promotor, de modo que tal órgão possa manipular o inquérito e só instruí-lo com elementos que desemboquem num único caminho: a propositura da ação civil.(...) Não há nenhum mal, nem vexame, se o membro do parquet reconhece que as provas colhidas firmaram-lhe a 142 convicção de que não se faz necessária a propositura da ação civil. 138 BELTRÃO, Antonio F.G. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense / São Paulo: Método, 2009 p. 372 139 ALVARENGA, Paulo. Inquérito Civil e a Proteção Ambiental. Leme-SP: BH Editora e Distribuidora, 2001. p. 104. 140 Idem. p.104. 141 Idem. p. 372 142 Idem. p. 373 48 Caso alguma prova seja considerada ilícita, isto é, tenha sido produzida contrariando as garantias constitucionais, as demais provas licitamente obtidas não serão contaminadas, continuando válidas. Conseqüentemente, as demais provas, produzidas licitamente, podem ser suficientes para o convencimento do Ministério Público.143 O Ministério Público quando encerrar o inquérito civil, de acordo com o seu entendimento proporá ação civil coletiva; ou precederá ao seu arquivamento. Para Beltrão o Ministério Público deverá assim agir: Caso o membro do Ministério Público esteja convencido da inexistência de fundamento para a propositura da ação civil, deverá promover, de forma fundamentada, o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas, os quais deverão ser remetidos, no prazo de 3 (três) dias,ao 144 conselho Superior do Ministério publico, para homologação ou rejeição. O Ministério Público do local onde ocorrera o dano deve suprir a omissão da lei 7347/1985, que não prevê prazo algum para a conclusão do inquérito civil, fixando assim o prazo máximo. Assim: Independentemente da fixação de prazo determinado, considerando que a demora em sua finalização pode acarretar prejuízos aos investigados, é importante que seja concluído em tempo razoável, de forma diligente, conforme impõe o princípio da eficiência previsto pelo art. 37, caput, da 145 constituição da República. O inquérito civil também é analisado por Mancuso, que destaca: Como instrumento destinado a possibilitar uma triagem das denúncias que chegam ao conhecimento do Ministério público: somente as que resultarem fundadas e relevantes acarretarão, por certo, a propositura da ação, de todo modo, a conclusão a que chegue o Ministério Público não é vinculante para 146 a entidade denunciante. Mancuso também explica que “o inquérito civil se destina a investigar fatos que tenham importância para a atuação processual do Ministério público na esfera 143 BELTRÃO, Antonio F.G. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense / São Paulo: Método, 2009p. 374 144 Idem. p. 374 145 Idem p. 374 146 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública – Em defesa do Maio Ambiente, do patrimônio Cultural e dos Consumidores. 9. ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2004. p. 105. 49 civil, como órgão agente, servindo de base propositura da denominada ação civil pública”.147 A nossa constituição em vigor em seu art. 129, III, deixa claro que constitui função do Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. É importante a ressalva feita por Alvarenga “para buscar evitar o emprego da equivocada expressão inquérito civil público, uma vez que inexiste em nosso ordenamento positivo privado, ao reverso do que acontece em relação à ação civil pública e ação civil privada.”148 “O Inquérito civil é uma criação original do legislador pátrio, surgindo ineditamente com edição da lei nº 7347/85, sendo logo depois consagrado na constituição federal de 1988 e, em seguida, aparecendo em vários outros diplomas infraconstitucionais.”149 Sendo assim, segundo o pensamento de Alvarenga, “a criação do inquérito civil se inspirou se em outros instrumentos investigativos prévios e formalmente disciplinados pela lei, todos com o intuito de colher informações necessárias para o ajuizamento das medidas judiciais cabíveis nas diferentes esferas do Direito, ou indispensáveis à adoção de providências ou soluções administrativas”150. Alvarenga também explica que, “Cuida-se de procedimento porque a investigação se sucede metodicamente, de maneira disciplinada, organizada e criteriosa, revelando-se ordenada a busca, sendo os elementos probantes coligidos documentados em autos”.151 Sobre o processo administrativo Alvarenga reforça: O procedimento administrativo se presta a decidir interesses ou controvérsias, com possível cominação de penalidades concernentes ao poder decisório da administração, já o inquérito civil serve para, por meio da 147 ALVARENGA, Paulo. Inquérito Civil e a Proteção Ambiental. Leme-SP: BH Editora e Distribuidora, 2001. p. 105. 148 Idem. p. 107. 149 Idem. p. 107. 150 Idem p. 109. 151 ALVARENGA, Paulo. Inquérito Civil e a Proteção Ambiental. Leme-SP: BH Editora e Distribuidora, 2001. p.115 50 coleta organizada de informações ou de dados probatórios, construir a convicção do órgão de execução do Ministério Público sobre a viabilidade ou não da propositura da ação civil pública, conclusão positiva ou negativa que traduz simples deliberação interna corporis, até então gerando efeitos apenas no âmbito interno da instituição, sem afetar os demais colegitimados 152 quem não estarão impedidos de ingressar com a ação civil pública. Continuando com o entendimento acima Alvarenga assim escreve: é um procedimento inquisitivo por não se aplicar ao inquérito civil norma constitucional que impõe a necessidade de observância do contraditório e da ampla defesa (art. 5º,LV,CF), justamente porque não há acusação e defesa; por não haver litigantes; por não ser punitivo e por não ser admitida a participação dinâmica dos interessados na realização das diligencias ou colheita de provas, e tampouco permitido o acesso às informações reservadas ou sigilosas e indispensáveis ao aclaramento dos fatos em 153 apuração. Para Alvarenga “é procedimento administrativo porque a instauração, o desenvolvimento e o encerramento do inquérito civil acontecem no âmbito interno do Ministério Público, sucedendo-se extrajudicialmente a investigação, destinada a preparar a eventual atuação processual do órgão ministerial.”154 Portanto, “é por meio de deliberações administrativas que o inquérito civil conhece a sua origem e o seu fim.”155 Importante destacar a explanação de Alvarenga, “a informalidade é outro traço marcante, uma vez que na coleta dos elementos esclarecedores o promotor que não está adstrito a uma conduta investigativa rigorosamente seqüenciada, inexistindo uma disciplina legal prévia estabelecendo um roteiro ordenado de investigação a ser formalmente acatado, podendo livremente o órgão ministerial atribuir primazia e preferência a determinada diligencia ou modalidade de prova a ser coligida, segundo a conveniência e oportunidade da investigação inicialmente proposta. Não há normas rígidas disciplinando o tramite do 156 inquérito civil. Sobre a instauração do processo assim dispõe Alvarenga: O inquérito civil é instaurado com a finalidade de buscar fundamentos para a propositura responsável da ação civil pública, mas eventualmente poderá 152 ALVARENGA, Paulo. Inquérito Civil e a Proteção Ambiental. Leme-SP: BH Editora e Distribuidora, 2001. p.116 153 Idem. p.117. 154 Idem p.118. 155 Idem p.118. 156 ALVARENGA, Paulo. Inquérito Civil e a Proteção Ambiental. Leme-SP: BH Editora e Distribuidora, 2001. p.118 51 servir como mecanismo de prevenção e até de reparação extrajudicial de danos aos interesses metaindividuais, o que ocorre na hipótese de lavratura, em seu corpo, de uma transação ou de um compromisso de ajustamento de conduta, assunto que será objeto de oportuna análise um pouco à frente. Eventualmente, poderá o inquérito civil ser aproveitado como mera peça de informação e servir para alicerçar o ajuizamento de 157 uma ação penal, cumprindo aqui uma finalidade secundária. Notadamente o autor conclui suas considerações sobre o inquérito civil: A finalidade maior do inquérito civil, contudo, e que certamente motivou a sua instituição legal e imediata constitucionalização, é a de ser o instrumento de investigação conduzido diretamente pelo ministério público que, dele se valendo, exerce o seu poder-dever de apurar adequadamente a ocorrência de situações lesivas aos interesses transindividuais, dentre eles o meio ambiente, avaliando todas as circunstâncias relativas a sua responsabilidade, extensão, natureza, etc., formando com fulcro nos elementos probantes reunidos, uma conclusão positiva ou negativa para o 158 ajuizamento da ação civil publica. Portanto, o inquérito civil é um instrumento de investigação que é conduzido pelo Ministério Público, com a finalidade de dar embasamento ao ajuizamento. 3. CAPÍTULO - ASPECTOS DA COMPETÊNCIA JURISDICIONAL E DA PROVA NAS LIDES AMBIENTAIS 3.1. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DO LOCAL DO DANO Para Beltrão, caso o dano seja de [...] âmbito microrregional (comarcas de um mesmo Estado), regional (comarcas de mais de um Estado) ou mesmo nacional, o inquérito poderá ser instaurado pelo representante do Ministério Público do Estado de qualquer daquelas circunscrições onde se tenha manifestado o impacto 159 ambiental, instaurados. Entretanto, o autor faz a seguinte ressalva: “vários inquéritos, devem ser reunidos e conduzidos perante o órgão ministerial que primeiro atuou, salvo regra própria das leis locais de organização do Ministério Público”.160 157 Idem. p. 119 Idem. p. 119 159 BELTRÃO, Antonio F.G. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense / São Paulo: Método, 2009. p. 373 160 BELTRÃO, Antonio F.G. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense / São Paulo: Método, 2009 p. 373 158 52 O art. 2º da lei nº7347/85 “preceitua que a ação civil pública deve ser ajuizada no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar, cujo juízo será competência funcional para processar e julgar a causa.”161 No entendimento de Alvarenga: Trata-se, pois de competência absoluta, porquanto atribuída ao juízo do local do dano, entendendo acertadamente o legislador que o juiz local é que melhor poderá sopesar e apreciar todas as circunstancias desencadeadoras do fato lesivo ao interesse transindividual (dano ambiental), além da natural facilidade no juízo do local do dano ou da ameaça de lesão de se coletar os 162 elementos de prova necessários ao julgamento da demanda. Importante ressaltar a fala de Alvarenga sobre o assunto: No caso de um dano ambiental que produza conseqüências nocivas no território de duas comarcas, poderá acontecer a instauração simultânea de dois inquéritos civis, Mas a competência para ação civil pública será 163 determinada pelo critério da prevenção. Na hipótese de um dano ambiental regional, que atinja o território de várias comarcas, competente será o foro da Capital do Estado, podendo ocorrer a atuação única e integrada de mais de um membro do Ministério Público.164 3.1.1. Peculiaridades do dano ambiental Segundo Beltrão, “O dano ambiental possui características próprias que o diferem do dano historicamente tratado pelo direito, de natureza individual, com vitimas determinadas, em um dado espaço geográfico”. E assim o autor continua a sua explanação sobre a importância de entender o problema, pois segundo ele, “Compreendê-las é fundamental para tentar superar o enorme desafio que a disciplina jurídica do dano ambiental impõe, rompendo-se conceitos e institutos tradicionais do direito na busca de novas soluções”.165 161 ALVARENGA, Paulo. Inquérito Civil e a Proteção Ambiental. Leme-SP: BH Editora e Distribuidora, 2001. p. 135 162 Idem. p. 135 163 Idem. p. 136 164 ALVARENGA, Paulo. Inquérito Civil e a Proteção Ambiental. Leme-SP: BH Editora e Distribuidora, 2001. p. 136 165 BELTRÃO, Antonio F.G. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense / São Paulo: Método, 2009. p. 208. 53 Ainda sobre o dano ambiental Beltrão assim escreve: A responsabilidade civil, por meio de obrigação de indenização pecuniária, consiste em uma das formas jurídicas mais antigas para solução do dano. Entretanto, a mera indenização inoperante. Ressalvados alguns casos em que a reparação integral do ambiente é possível, razão pela qual se deve também impor ao infrator os seus custos, dificilmente a reparação feita pelo homem conseguirá resgatar integralmente a qualidade que o ambiente 166 apresentava anteriormente. Concluindo esse pensamento, Beltrão aponta que, “Logo, faz-se fundamental a previsão legal de medidas preventivas, sistematizadas, de cunho coletivo, pelo que os princípios da prevenção e da precaução são essenciais no direito ambiental”. 167 Já sobre as características do dano ambiental, Beltrão coloca que, “Outra característica do dano ambiental consiste na indeterminação das vitimas, dada a sua natureza de direito difuso. Assim, sempre difícil a tarefa de identificar os sujeitos que sofreram os efeitos de determinada degradação ambiental“168. Ainda, caracteriza-se também por ser “transfronteiriço, ou seja, não respeita as fronteiras geopolíticas erigidas artificialmente.pelo homem, o que também gera sérias dificuldades para sua tutela jurídica” 169 Beltrão também revela alguns exemplos sobre as peculiaridades do dano ambiental para justificar sua tese: Outra peculiaridade do dano ambiental consiste na dificuldade de valoração. O ar limpo é gratuito; não se paga nada para respirá-lo.Como então calcular a indenização devida para uma determinada comunidade que foi afetada por uma emissão de gases, proveniente da industria X, superior aos limites previstos no respectivo licenciamento ambiental? [... Outro exemplo: imaginemos que a madeireira Y devastou ilegalmente milhares e hectares de floresta. Como valorar este dano ambiental? Pode-se estimar a indenização a partir simplesmente do valor de mercado da madeira retirada. Mas , e quanto ao valor da diversidade biológica, das espécies da fauna e da flora que foram atingidas pelo desmatamento, e do ecossistema como um todo, nada é devido? Como estimá-lo, então? São questões complexas 166 BELTRÃO, Antonio F.G. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense / São Paulo: Método, 2009.p.209 167 Idem. p. 210 168 BELTRÃO, Antonio F.G. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense / São Paulo: Método, 2009. p. 210. 169 PIGRETTI, Eduardo A. apud BELTRÃO, Antonio F.G. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense / São Paulo: Método, 2009. p. 210. 54 que certamente exigirão cada vez atenção do legislador e dos aplicadores 170 do direito. Por fim o Superior Tribunal de Justiça já possui entendimento consolidado quanto á responsabilização do novo proprietário de imóvel por dano ambiental resultante de desmatamento realizado pelo proprietário anterior, por entender, corretamente, que há uma perpetuação da lesão ao meio ambiente.171 3.2. A PROVA NAS DEMANDAS COLETIVAS: Nas considerações sobre a prova, Rodrigues esclarece que a prova é um dos instrumentos decisivos no alcance da paz social e assim continua a argumentar: Ora, se a coisa julgada é fenômeno político de pacificação social, fruto de uma verdade jurídica que, muitas vezes, não corresponde à realidade dos fatos – e ás vezes por isso se diz que é fenômeno criador de direitos -, não se pode negar que a prova no processo tem força capital, qual seja, de único instrumento legitimador da coisa julgada ou, em outras palavras, é a prova e especialmente a convicção que dela resulta formal que servem como real elemento para a coincidência da verdade formal e da verdade real (ainda que esta esteja sendo vista como uma utopia), tornando-se, 172 portanto legitimadora do fenômeno da coisa julgada. O autor justifica suas explanações com o seguinte argumento: De fato, não é a coisa julgada que traz a paz social. Além do escopo político que pode existir, é certo que a coisa julgada só será legitima no sentido de alcançar o escopo social do processo, se ela for assentada em elementos de convicção que sejam os mais próximos da realidade histórica conflituosa que foi levada ao Estado-juiz. Quando isso ocorre há, por assim dizer, um reconhecimento inato da sociedade e dos próprios litigantes, independentemente de serem vencidos ou vencedores, porque sabem, à 173 evidência das provas, que se fez justiça. Destarte, deve ficar claro que a busca desse resultado de justiça trazido com as provas só é possível se o Estado permite aos litigantes igualdade de armas e de 170 BELTRÃO, Antonio F.G. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense / São Paulo: Método, 2009. p. 210 171 Idem. p. 210 172 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p. 198 173 Idem. p.198 55 chances no manuseio dos instrumentos processuais, especialmente os 174 probatórios. Esclarecendo ainda mais o assunto, Rodrigues argumenta que: Como é sabido, não basta que as partes ”lutem com as armas” de que disponham, sob a fiscalização de um juiz preocupado exclusivamente em prevenir ou reprimir as eventuais infrações das regras da “disputa”. Decididamente, o juiz deve assumir um papel ativo no processo. Ao juiz cabe fomentar a participação efetiva dos interessados no curso inteiro do procedimento. Somente assim poderá ser reduzida, quiçá suprimida, a desigualdade entre as partes. Ao poderes do juiz, portanto, integram e disciplinam o princípio do contraditório no sentido da promoção da igualdade entre os interessados. O autor também traz os argumentos de Sérgio Luis Wetzel de Mattos para corroborar seu pensamento: (...) No tocante as iniciativas do juiz incorporam-se e coordenam o principio do contraditório no sentido da mitigação da desigualdade entre as partes. Portanto, somente pela via do principio do contraditório, pode a iniciativa do juiz em matéria de prova contribuir para a obtenção da igualdade entre as 175 partes, no processo civil. (. Prova cível, p.134.) p. 201. 3.2.1. Do Conceito Rodrigues, tendo por referência o pensamento de Moacyr Amaral Santos, afirma que é possível ousar numa conceituação sobre prova e coloca que esse instrumento “constitui não só os meios de que se serve o juiz para a formação de seu convencimento, mas também pode refletir a idéia desse mesmo convencimento”176. Continuando a complementação desse entendimento esclarece que: A mudança de paradigma acerca da concepção do Estado (liberal para social) foi decisiva para que todos os institutos, de todas as áreas onde exista a participação do Estado (por via de seus representantes), sofressem profunda e irreversível alteração conceitual. Demonstramos resumidamente que todos os assuntos atinentes ao processo e à ação foram igualmente atingidos. Portanto, nada mais lógico que o instituto da prova também fosse transfigurado em todos os seus principais aspectos (poderes do Juiz e ônus 174 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009 p.199 175 MATTOS, Sérgio Luis Wetzel de apud RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p. 201. 176 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p. 201. 56 da prova), embora ainda exista uma legítima resistência em se aceitar essas 177 mudanças. Para dar ênfase à sua argumentação Rodrigues assim dispõe: Nenhum juiz pode ficar infenso ou insensível à regra imposta pelo § 1° do art. 225 da CF/88. É que tal dispositivo impõe a responsabilidade e a incumbência primacial ao Poder Público (em suas três esferas) da efetivação da proteção e manutenção do equilíbrio ecológico que é essencial a todas as formas de vida, presentes e futuras. Nesse dispositivo o legislador usa expressões muito interessantes, tais como “essencialidade à vida”, “bem de uso comum do povo”, “futuras gerações”, “coletividade”, “todos têm direito”, que serão muito importantes para dar seqüência ao 178 nosso raciocínio. Sendo assim, deve-se levar em consideração que tal direito ao ser defendido em juízo, representa a coletividade. Não se pode perder de vista este aspecto manejo das técnicas processuais que devem ser impregnadas por um conteúdo axiológico absolutamente publicista, levando-se em consideração que o bem tutelado é indisponível, inalienável, impenhorável, indivisível, do povo, não exclusivo, absolutamente sensível a danos e irreversivelmente reconstruível. [...] São bens que não têm valor correspondente em pecúnia, e por isso, nem de longe pode-se pensar em comprar e vendê-los, porque não admitem disposição de 179 qualquer natureza. Um dos aspectos desse comportamento do magistrado, desejado pelo direito material, implica importantes considerações no âmbito do processo e, especialmente, no campo da prova. Qualquer tomada de posição provisória desfavorável ao meio ambiente deve ser vista com extrema cautela pelo juiz, pois qualquer equivoco cometido terá repercussões na essencialidade do direito à vida, e pior ainda, numa extensão subjetiva pública e indeterminada, tudo por causa da natureza e alcance do bem ambiental. 180 Por isso, o juiz deverá adotar uma postura naturalmente mais cautelosa quando provisoriamente decida a seu favor. Por isso, em decorrência do interesse público em jogo, deve tratar com extrema segurança a tutela interinal dada contra o 177 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009 p. 217 178 Idem. p. 218 179 Idem. p. 218. 180 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p. 219. 57 direito “público” do ambiente. Tudo porque a repercussão dessa decisão é de alcance público e o direito tutelado é essencial a todas as formas de vida.181 Como é cediço, o ajuizamento de qualquer medida judicial exige um mínimo de prova acerca da excogitada lesão ou ameaça de lesão a um direito ou interesse juridicamente tutelado.182 O Ministério Público, atuando como órgão agente, também não está dispensado de tal ônus processual, daí porque a criação legal e posterior constitucionalização do inquérito civil, como instrumento que tem por finalidade precípua permitir ao órgão de execução ministerial a busca de informações e dados probatórios que o habilitem ao ajuizamento fundado da ação civil pública, evitandose com a utilização previa desse procedimento cognitivo temerária atuação processual, lastreada em suposições ou em noticias genéricas e imprecisas de lesão a um interesse socialmente relevante.183 3.2.2. Da Cognição e a prova na ação inibitória Marinoni explica que “a partir do momento em que se faz a distinção entre dano e ilícito, deixando-se claro que esse último, e não o primeiro, é pressuposto da ação inibitória, fica fácil concluir que o dano não constitui objeto da cognição do Juiz nesta ação, e assim deve ficar longe da produção probatória”184. Complementando essa explicação, o autor esclarece: [...] não é necessária a alegação de probabilidade de dano, nem a sua prova. Porém, no caso em que não há como separar cronologicamente o ato ilícito e o dano, pois ambos podem acontecer no mesmo instante, a probabilidade de dano evidentemente deve ser afirmada e provada. Ou seja, se uma norma proíbe a prática de determinado ato ou atividade, e se esta violação é provável, bastará a sua alegação e demonstração, não sendo necessário afirmar e provar que, ao lado desta provável violação, ocorra um provável dano. Do ponto de vista probatório, é muito mais fácil 181 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009 p. 219. 182 ALVARENGA, Paulo. Inquérito Civil e a Proteção Ambiental. Leme-SP: BH Editora e Distribuidora, 2001. p. 118. 183 Idem. p. 118. 184 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.56 58 provar a probabilidade da prática, repetição, ou continuação de ato contrário 185 ao direito, do que a probabilidade de dano. Assim, conforme o autor, “Na ação inibitória é necessário verificar não só a probabilidade da prática de ato, mas também se tal ato configura ilícito. Por isso, requer-se o confronto entre a descrição do ato temido e o direito”186. Marinoni também destaca que: Nesta espécie de ação inibitória, em que se teme a prática de ilícito, ainda que ilícito anterior não tenha sido praticado, o autor deverá alegar fatos que sejam suficientes para permitir ao juiz, raciocinando, formar um juízo acerca 187 da alegação de que provavelmente será praticado um ilícito. Continuando a explanação de seu pensamento, Marinoni coloca que, “Considerando-se apenas a demonstração da probabilidade do ato afirmado ilícito( a ilicitude do ato temido não é discutida), devem ser alegados fatos que, uma vez demonstrados, possam levar o juiz a concluir que provavelmente será praticada a violação do direito”.188 3.2.3. Nexo de causalidade e prova nas ações ambientais: técnicas processuais de efetividade da tutela no âmbito do processo civil. Segundo argumentação de Rodrigues, “Um dos maiores pontos de estrangulamento, e, por que não dizer, insucesso, das demandas coletivas em favor do meio ambiente é a verificação in concreto do nexo de causalidade existente entre o dano ambiental e o agente imputável“189. Complementando seu pensamento continua a expor: Tendo em vista que qualquer vínculo une dois ou mais segmentos (causa e efeito), quando se pensa em responsabilidade civil ambiental pode-se dizer 185 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.56. Idem. p.56 187 Idem. p.57 188 Idem. p.57 189 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p. 220. 186 59 que tão difícil quanto estabelecer abstratamente, esse liame (descobrir qual 190 a teoria da causalidade a ser adotada) é comprová-lo dentro do processo. Continuando com explanação o autor também destaca: É de se dizer que, tendo o legislador adotado a responsabilidade civil objetiva em matéria ambiental (art. 225, §3° da CF/ 88 e art,14,§ 1° da lei n° 6938/81), portanto, a teoria do risco, isso “faz com que os pressupostos do dever de indenizar sejam apenas o evento danoso e o nexo de causalidade. [...] Outrossim, sob uma perspectiva concreta, temos que se trata de um nexo entre a causa e efeito, então deve-se provar em juízo: o efeito(dano), o 191 nexo (ligação) e a causa (atividade da pessoa). Sobre a necessidade da prova, Rodrigues coloca que, se por acaso “reduziuse a necessidade de prova, do elemento anímico atinente a conduta do agressor (dolo e culpa), isso não fez esquecer a dificuldade ainda existente da comprovação dos elementos restantes.” Nesse caso o autor coloca que “aqui estamos falando apenas em prova, demonstração in concreto de que existe o dano e esse efeito ligase a uma causa tal”192. Concluindo seu pensamento, o autor coloca que: A necessidade de se fazer uma anatomia desses aspectos é muito importante para o desenvolvimento que pretendemos dar ao problema. Ora, a prova deverá recair sobre a existência do dano e sobre o nexo entre o dano e a sua causa (atividade do agente) e não raras vezes, sobre a própria 193 dano causa, que terá de ser provada. 190 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009p .220. 191 Idem. p. 221. 192 Idem. p. 221. 193 Idem. p. 221. 60 4. CAPÍTULO 4 - EFEITOS DA SENTENÇA E COISA JULGADA AMBIENTAL 4.1. NATUREZA DA COISA JULGADA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA Analisando sobre a questão da natureza da coisa julgada na ação civil pública, Machado esclarece que: Inova, por fim, essa ação civil no sentido de criar um fundo em que os recursos não advêm do poder Executivo, mas das condenações judiciais, visando a recomposição dos bens e interesses lesados. Não se trata nessa ação de ressarcir as vítimas pessoais da agressão ambiental, mas de recuperar ou tentar recompor os bens e interesses no sue aspecto supra194 individual. Já para Mancuso, “Da leitura conjunta dos art. 11 e 13 da Lei 7347/85 se extrai a conclusão de que a sentença na ação civil pública tem, precipuamente, natureza cominatória (= facere, non facere)” 195. Em argumentação o autor explica da seguinte forma: Em torno dessa nota essencial gravitam algumas outras possibilidades que podem emprestar a essa sentença um colorido especial: podem os seus efeitos sofrer uma antecipação provisória, a fim de prover a uma situação emergencial, se for concedida tutela cautelar ou se ocorrentes as hipóteses dos art. 273 e 461 dos CPC; pode o seu comando definitivo ou provisório não ser de pronto atendido pelo(s) réu(s), gerando a imposição da astriente, de natureza pecuniária, que tem como fato-base o descumprimento ou o retardo no atendimento tanto da liminar como da sentença (arts.12 § 2º; 196 13). Continuando com a argumentação, o autor destaca que: Como se vê, não é de hoje que a doutrina vem sentindo a necessidade de um sistema de coisa julgada que seja adequado às ações civis públicas, no que tange à reparação a título individual, já que, a título coletivo, a solução encontrada foi a de um comando cominatório em ordem a se alcançar a prestação específica do objeto colimado (arts. 11 da Lei 7347/85, c/c art. 461 e parágrafos do CPC e art. 84 e parágrafos do CDC), ficando o eventual resíduo pecuniário (fluid recovery) reconduzido a um Fundo Especial, 197 destinado “à reconstituição dos bens lesados” (art. 13). 194 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 381. 195 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública – Em defesa do Meio Ambiente, do patrimônio Cultural e dos Consumidores. 9. ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2004. p. 340. 196 Idem. p. 340. 197 Idem. p. 413 61 Ratificando as suas percepções, Mancuso assim dispõe: Não é difícil perceber que a ação civil pública, ao propiciar o acesso á justiça de um largo espectro de conflitos metaindividuais, não pode ter mitigada a eficácia erga omnes da coisa julgada que aí se produza, porque do contrário, ao invés de se pacificar o conflito, se acabará por prolongá-lo ou acirrá-lo, ante a previsível prolação de comandos judiciais diversos, senão já contraditórios. Se na jurisdição singular é compreensível que é compreensível que a coisa julgada haja que se limitar aos que foram partes na lide; que os legítimos contraditores sejam citados (pessoal ou fictamente), a fim de que se sujeitem ao que afinal venha a ser julgado, podendo defender individualmente sue interesses nos processos, tal contexto não é metaindividual e o autor da ação não é o titular do interesse objetivado, mas sim um representante institucional (uma associação 198 ambientalista; o Ministério Público; um órgão estatal). Finalizando esse item sobre a coisa julgada nas ações coletivas Mancuso oferece um exemplo mais didático afirmando que, segundo há todo um interesse para melhor compreensão da matéria; para isso, o autor reproduz dois quadros sinóticos elaborados por Hugo Nigro Mazzilli. O primeiro desses quadros considera “a natureza do interesse controvertido em juízo, enquanto o segundo tem por base o resultado da ação (secundum evetum litis)”.199 Quadro 2 - Natureza do Interesse Difusos SEGUNDO A NATUREZA DO INTERESSE Sentença de Sempre tem eficácia erga omnes procedência Por falta de provas Sem eficácia erga omnes Sentença de improcedência Sentença de procedência Coletivos Sentença de improcedência Sentença de Individuais procedência homogêneos Sentença de improcedência Por outro motivo Com eficácia erga omnes Tem eficácia ultra partes, limitadamente ao grupo, categorias ou classe Com eficácia ultra partes Por outro motivo Com eficácia ultra partes Com eficácia erga omnes para beneficiar vitimas e sucessores Sem eficácia erga omnes 200 Fonte: MAZZILLI, Hugo Nigro Já o segundo quadro considera o resultado do processo: 198 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública – Em defesa do Meio Ambiente, do patrimônio Cultural e dos Consumidores. 9. ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2004. p. 417 199 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública – Em defesa do Meio Ambiente, do patrimônio Cultural e dos Consumidores. 9. ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2004p. 424 200 Idem. p. 424 62 Quadro 3 - Resultado do Processo SEGUNDO O RESULTADO DO PROCESSO Beneficia a todos os lesados, observado o art. 104 do CDC; Sentença de tratando-se de interesse coletivos, seus efeitos limitam-se ao procedência grupo, categoria ou classe de pessoas atingidas Por falta de provas Não prejudica os lesados Sentença de Prejudica os lesados, exceto em matéria de improcedência Por outro motivo interesses individuais homogêneos, observado o art. 94 do CDC. 201 Fonte: MAZZILLI, Hugo Nigro 4.1.1. Coisa julgada em ação civil pública Para Édis Milaré a Lei da Ação civil pública, em seu art.16, prevê que “a sentença civil fará coisa julgada erga omnes no limites da competência do órgão prolator, exceto se a ação popular for julgada improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”202. Para Milaré, “É cediço que tanto a Lei da ação civil pública quanto o código de Defesa do Consumidor adotaram o sistema da representatividade adequada na defesa dos interesses difusos e coletivos”. 203 Por isso, o titular dos direitos mencionados acima, “Age por legitimação extraordinária, decorrente de lei, não sendo o titular do interesse em litígio, mas sim seu representante. De tal legitimação verte a representatividade adequada, que dependerá, no caso das associações, dos requisitos previstos nos incisos I e II do art. 5 § da lei 7347/85.”204 Sendo assim, o autor coloca que “a coisa julgada transcende, em seus limites subjetivos, as partes do processo, justamente porque o autor não é, ele mesmo, o titular dos interesses defendidos na ação coletiva”. 205 201 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública – Em defesa do Meio Ambiente, do patrimônio Cultural e dos Consumidores. 9. ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2004. p. 425. 202 MILARÉ, Edis. Ação Civil Pública. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.254. 203 MILARÉ, Edis. Ação Civil Pública. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.579. 204 Idem.p.579. 205 Idem.p.579. 63 4.1.2. Limites objetivos da coisa julgada nas demandas coletivas Sobre os efeitos objetivos da coisa julgada, quando se fala objetivamente em direitos difusos e coletivos, a opinião de Rodrigues é muito importante: A exceção da “coisa julgada in utilibus“ (art.103,§ 3°, do CDC), que é criação do legislador da lei 8078/90, e mais recentemente, da coisa julgada demarcada pelos “limites da competência territorial” = tal como determina a recente redação do art.16 da LACP que foi dada pelo art. 2° da lei n° 9494/97 -, a grande verdade é que os limites objetivos da coisa julgada nas demandas coletivas não foram primitivamente, confeccionados para receber os principais holofotes da “impressa”, jurídica,que, muito pelo contrario, deveria focalizar sua atenção para o limite subjetivo do julgado. É que a pergunta feita anteriormente – sobre o que recai a autoridade do julgado – deveria ser respondida de forma sumaria e reduzida, como já o era no sistema tradicional das lides individuais,com simples afirmação de que o selo da imutabilidade do julgado, nos moldes tradicionais dos arts.468 e 206 469doCPC,incidiria sobre o pedido deduzido em juízo. Continuando com sua argumentação o autor assim dispõe: Nesse passo, considerando que nos direitos difusos e coletivos o bem material tutelado possui uma natureza indivisível (que não se reparte), que alias é o que dá a tônica da natureza essencialmente coletiva dos interesses diretamente tutelados pala LACP, não se poderia sequer imaginar que o legislador processual, portanto, responsável pela elaboração da técnica instrumental de sua efetivação, tivesse a audácia ou o desproposito de tentar, por intermédio de mera conceituação, cindir a própria natureza indivisível do objeto essencialmente coletivo que é, foi ou será tutelado. A intenção era repetir o que não se reparte; dividir o 207 indivisível. E em acréscimo da explanação acima, o autor coloca que, “Não obstante a provocação acadêmica sobre o assunto, destilada pelo notável Cassio Scarpinella Bueno, que com duas indagações pôs em turbulência todo o raciocínio já feito pelos operadores do direito acerca da fragmentação territorial da coisa julgada, não pensamos sempre, o poder de dizer que certo bem ou indivisível pela sua própria vontade”.208 Na conclusão é importante destacar o que o autor quis dizer com essas palavras: 206 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.p. 221. 207 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.p. 268 208 Idem. p. 268 64 Vale aqui o clássico exemplo elemento do meio ambiente, vg, que numa hipótese em que uma siderúrgica situe-se no limite entre dois Estados, Como impedir, cindir, ou repartir os benefícios da proteção do ar para toda a região (bem ambiental incindível) numa demanda em que o pedido imediato seja a recuperação ou a proteção do ar que esteja sendo poluído pela empresa? É que os recursos da natureza são bens naturalmente difusos não concluídos pelo homem. Mesmo que o homem dissesse ou quisesse repartir o bem, ou limitasse territorialmente o alcance de sua proteção, 209 continuaria existindo o alcance erga omnes. Retornando a analise dos limites objetivos da coisa julgada, dois aspectos precisam ser refletidos e enfrentados: a) o limite territorial da coisa julgada ( art. 16 da LACP); e b) a coisa julgada in utilibus.210 Para Rodrigues fica assim disposta sua interpretação: Essa interpretação do dispositivo 16 da LACP não só afasta a limitação territorial da coisa julgada, resolvendo o problema no seu nascedouro – na medida em que atribui a competência de acordo com a abrangência do bem tutelado-, mas também porque põe no mesmo trilho as regras de competência da LACP (art. 2º) e do CDC (art.93) para as demandas 211 coletivas lato sensu (difusos, coletivos e individuais homogêneos). Em considerações aos limites da coisa julgada, Rodrigues assim escreve: “Nesse campo destinado aos limites da coisa julgada nas demandas coletivas poderia parecer que o legislador não teria feito grandes inovações, exceção feita aos limites subjetivos, que foi merecedor de boa parte do art. 103 do CDC.” 212 E assim pondera “Contudo, trata-se apenas de aparência e muita coisa há para se falar, especialmente depois dos arremates feitos ao art.16 da LACP, que tornou este dispositivo um dos pontos mais sensíveis da ação civil publica.” 213 Em explanação mais detalhada desse tópico Rodrigues assim explica a coisa julgada in utilibus: Por intermédio dessa engenhosa construção legislativa (á semelhança do que já ocorre e ocorria com a técnica processual que atribui à sentença penal condenatória a eficácia de título executivo judicial no cível), a coisa julgada produzida nas demandas essencialmente coletivas (difusas e coletivas) pode ser aproveitada para as lides individuais derivadas da mesma causa de pedir. Isso, portanto, quando uma mesma situação de fato 209 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p. 268 210 Idem. p.273 211 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p.273 212 Idem. p.273 213 Idem. p.267 65 seja geradora de tutela de direitos difusos e coletivos e de direitos 214 individuais. Continuando o autor assim pondera: “Para estes casos em que o objeto de tutela não é indivisível (proteção de direito individual), muito embora seja de dimensão “coletiva”, porque muitas e muitas pessoas têm os seus direitos individuais à semelhança da class actions for damanges da commom Law, decidiu de uma mesma origem (homogêneos).”215 Em seqüência o autor fecha seu raciocínio justificando que: “O primeiro cuidado tomado pelo legislador foi fazer com que apenas o elemento comum, que homogeneizava os direitos individuais, fosse tutelado.” 216 E finalmente assim explica: “Esse elemento comum, denominado origem comum, era o ato ou fato jurídico praticado por uma ou mais pessoas que agredia um número considerável de direitos individuais.”217 Em derradeiro assim escreve: Os limites objetivos da coisa julgada, portanto referem-se à parte da sentença que fica revestida pela autoridade da coisa julgada. Somente o objeto do processo, o pedido, o mérito, o objeto litigioso, a lide, que deve ser pacificada na parte dispositiva da sentença, é que será revestida pela autoridade da coisa julgada. Por isso o art. 469 do código de Processo Civil brasileiro determina que os motivos, a verdade dos fatos estabelecida como fundamento da sentença e as questões prejudiciais ocorridas no processo 218 não são por ela acobertadas. 4.1.3. Limites subjetivos nas demandas essencialmente coletivas Em considerações sobre a coisa julgada, Rodrigues traz a seguinte argumentação: “tem-se que a coisa julgada nas demandas coletivas para a defesa de direitos individuais homogêneos será erga omnes apenas no caso de procedência do pedido para beneficiar as vítimas e seus sucessores.”219 214 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p.273 215 Idem. p.274 216 Idem. p.274 217 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.p. p.274 218 Idem. p. 268 219 Abelha, 2009) p.285. 66 “Aparentemente, e comumente, diz-se haver aí uma coisa julgada secundum eventum litis porque só ocorrerá no caso de procedência do pedido.” “ Entretanto, uma análise mais profunda demonstra que não é bem assim que deve ser interpretado o dispositivo. É que, uma vez ocorrido o trânsito em julgado da decisão definitiva proferida na demanda coletiva e supra-individual não poderá se reutilizada, independentemente de ser procedente ou não o resultado.” “Assim, todos os legitimados do art. 82 deverão respeitar o comando proferido e sujeitar-se à autoridade da coisa julgada, não podendo repropor a dita demanda supra-individual. Enfim, 220 estará preclusa, para qualquer legitimado, a via supra-individual.” Na interpretação do autor acima: “O que pretende o dispositivo é dizer que , havendo a procedência do pedido supra-individual, este irá beneficiar, individualmente, cada uma das pessoas que se encontrem na situação de origem comum.”221 E por fim, Rodrigues assim conclui: “Na verdade, pode-se perceber que a técnica de tutela supra-individual de direito individuais homogêneos constitui-se em mais um instrumento ou canal de facilitação do acesso à justiça e, portanto, perfeitamente consentânea com a política adotada pelo legislador brasileiro, que atendeu 222 à realidade do nosso país.” Já Machado conclui que “A ação civil pública pode realmente trazer a melhoria e a restauração dos bens e interesses defendidos, dependendo, contudo, sua eficácia, além da sensibilidade dos juizes e do dinamismo dos promotores e das associações, do aspectros das ações propostas”223. E assim pondera: Se a ação ficar como uma operação “apaga incendios” muito pouco se terá feito, pois não terá peso para mudar a política industrial e agrícola, nem influenciará o planejamento nacional. Ao contrário, se as ações forem propostas de modo amplo e coordenado, poderemos encontrar uma das 224 mais notáveis afirmaçoes de presença social do Poder Judiciario. 220 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p.285. 221 Idem. p.285 222 Idem. p.286 223 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.381. 224 Idem. p.381. 67 5. CONCLUSÃO Diante do exposto, conclui-se que todas as regras do processo ambiental são instrumentalizadas para a ação civil pública, até aqui demonstrada, foram relativamente suficientes para dirimir as dúvidas e anseios do tema posto em debate; mas na prática o problema ainda é difícil de resolver, pois as provas do ilícito ambiental, por conseqüência da multiplicidade de fatores, por diversas vezes são difíceis de ter a certeza da autoria do ilícito. Entretanto a proteção ao meio ambiente, por meio processual, é a forma garantida de eficácia, posto que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, a coloca como direito fundamental, visto que, por via indireta protege a vida humana. É certo que as necessidades da humanidade só tendem a aumentar quando o assunto é o meio ambiente, os recursos hídricos, a fauna, a flora e outros interesses de uso comum do povo, lidar com essas necessidades sem degradação ambiental é muito complicado. Por isso, é fundamental a defesa do meio ambiente. A defesa de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, por meio da ação civil pública, é possível dentro dos limites e restrições legais, devido ao fato de se tratar de direitos coletivos. Por conseguinte, conforme a análise dos capítulos, ao quais seguiram a ordem processual, tais como a legitimidade das partes, a fase preparatória do inquérito civil e discussão sobre as provas, seguida dos efeitos da sentença sobre os demandados e sua extensão aos demais envolvidos. Cumpre ressaltar que, averiguou-se que a ação civil pública cumpre com o papel de cidadania e conscientização da importância do meio ambiente para a sobrevivência humana; mas a falta de informação da população dificulta o acesso ao judiciário, assim como o medo de ter que pagar advogado para uma questão em que o retorno não é pessoal, como uma causa de reparação de dano moral. Sendo assim, há a necessidade de conscientização da população quanto ao conhecimento do que é o meio ambiente, a necessidade de protegê-lo para que 68 tenha qualidade de vida, a defesa em juízo, bem como as conseqüências da degradação da natureza e a legitimidade para ajuizar a ação civil pública. Nesse sentido, a atuação do Ministério Público, referente aos casos de dano ao meio ambiente, tem sido de grande importância para a formação do inquérito civil ambiental, bem como a instrução processual, o que enfatiza a importância da atuação do Estado na repressão ao dano ambiental. Por fim conclui-se que a ação civil pública é eficaz no que se propõe; talvez o que falta seja uma ampla divulgação desse instrumento processual para todos, assim como os resultados obtidos com a demanda. A boa informação a respeito das ações civis públicas não chega ao conhecimento de todos os possíveis envolvidos, pouco se investe nesse quesito, talvez devido à complexidade do tema. Por derradeiro, faz-se necessária a criação de uma cartilha elaborada de forma didática para distribuição nas comunidades mais afetadas pelos problemas ambientais, para que possam conscientizar-se de seus direitos e, ao sentirem-se lesados nesse aspecto, a quem procurar. Visto que é essencial difundir essa informação, bem como o cumprimento real das decisões judiciais, para que não fique apenas no campo teórico, para que não seja mera utopia. Finalmente, a ação civil pública como forma repressora aos danos e riscos ambientais, talvez não seja a fórmula mágica para o enorme e complexo problema sofrido pelo meio ambiente do planeta; mas, ela é, sem dúvida alguma, um instrumento valioso e eficaz para ser usado pelas pessoas que desse direito pode reclamar. 69 6. BIBLIOGRAFIA ALVARENGA, Paulo. Inquérito Civil e a Proteção Ambiental. Leme-SP: BH Editora e Distribuidora, 2001. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2009. BELTRÃO, Antonio F.G. 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