dissecção aórtica

Transcrição

dissecção aórtica
Eurival Soares Borges
Revisão - Ronaldo Ducceschi Fontes
DISSECÇÃO AÓRTICA
DEFINIÇÃO
HISTÓRICO
ETIOLOGIA
CLASSIFICAÇÃO
PATOGÊNESE E HISTÓRIA NATURAL
QUADRO CLÍNICO
DIAGNÓSTICO
TRATAMENTO CLÍNICO
INDICAÇÃO CIRÚRGICA
TRATAMENTO CIRÚRGICO
MANUSEIO PÓS-OPERATÓRIO
RESULTADOS
ACOMPANHAMENTO TARDIO
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DEFINIÇÃO
Nas dissecções aórticas ocorre a separação das camadas da média aórtica por sangue. A partir do local de
rotura da íntima a dissecção pode ter progressão proximal ou distal. No seu trajeto de dissecção ramos arteriais
importantes como coronárias, carótidas, renais, mesentérica e ilíacas, podem ser comprimidos ou ocluídos. As
comissuras das válvulas aórticas podem perder sustentação devido ao processo de dissecção o que leva ao aparecimento de insuficiência aórtica severa. A parede externa no processo de dissecção pode se romper dando origem a
hemopericárdio, hemotórax e morte. A presença do aneurisma pode ou não estar presente no momento da dissecção.
É considerada crônica quando o quadro clínico tem duração superior a duas semanas.
HISTÓRICO
Em 1761 Nicholls relatou uma dissecção aórtica em uma autópsia. Em 1826 Laennec criou o termo
aneurisma dissecante. Em 1930 Erdheim descreveu as alterações histológicas denominadas necrose cística da
média. Em 1935 Gurin tentou sem sucesso o primeiro tratamento com fenestração abdominal. Em 1955 De
Bakey e Cooley publicaram os primeiros resultados cirúrgicos. Em 1965 Wheat e Palmer introduziram o tratamento anti-impulso.
ETIOLOGIA
Hipertensão arterial e ateriosclerose ocorre em 75% dos casos, Marfan é o agente etiológico em aproximadamente 10% dos casos, podendo existir outras alterações do tecido conjuntivo como as sindromes Ehler-Danlos, Beçet
ou ainda a medionecrose cística de Erdhein. Coarctação de aorta, válvula aórtica bicúspide, estenose aórtica congênita
e outras menos frequentes como gravidez, trauma de tórax fechado, canulação da aorta ascendente para circulação
extracorpórea, também podem ser responsáveis por dissecção aórtica. Dissecção perioperatória é uma catástrofe que
ocorre raramente. Quanto à idade, na maioria ocorre entre os 40 e os 70 anos, e quanto ao sexo, a ocorrência é de
três vezes mais no sexo masculino. Os hematomas intra-murais e as úlceras de aorta são mais prevalente em indivíduos
acima de 70 anos e hoje se reconhece que estas entidades tem a mesma graviddade e prognóstico que as dissecções
de aorta.
CLASSIFICAÇÃO
De Bakey descreveu sua classificação, conforme o local envolvido
pela dissecção, identificando três tipos: Tipo I - quando a dissecção
origina-se na aorta ascendente e se estende por toda a aorta. Tipo II
- quando a dissecção fica limitada à aorta ascendente. Tipo III quando a dissecção origina-se distal à artéria subclávia esquerda
envolvendo a aorta descendente.
O grupo de Stanford classificou a dissecção aórtica em Tipo A quando a aorta ascendente estava envolvida e Tipo B - sem
envolvimento da aorta ascendente. Os pacientes do Tipo A são em
geral operados por esternotomia mediana e comumente têm comprometimento da válvula aórtica. Aqueles do Tipo B são operados
por toracotomia esquerda.
Dubost valoriza o local da ruptura da íntima em sua classificação. Tipo A - rotura na aorta ascendente, Tipo B - rotura
no arco aórtico e Tipo C - rotura na aorta descendente.
Estudos têm demonstrado que a mortalidade cirúrgica dos pacientes com ruptura da íntima ao nível do arco aórtico é
maior que na aorta ascendente ou descendente.
A classificação em Tipos A e B de Stanford já está estabelecida. Um tipo adicional - C - para o arco aórtico
torna esta classificação completa do ponto de vista do cirurgião.
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PATOGÊNESE E HISTÓRIA NATURAL
1) Frequência (De Bakey)- Tipo I 26%, Tipo II 10%, Tipo III 63%.
2) Local de ruptura da íntima - Aorta
ascendente: 60%. Distal à artéria
subclávia esquerda: 15%. Arco
aórtico: 10%. Outros: 3%. Não
detectável: 2%.
3) Reentrada - ocorre em 50% das
vezes e não impede ruptura aórtica.
4) Trombose do falso lúmen, quando
ocorre traz melhor prognóstico quanto a ruptura aórtica.
5) História natural - a relação temporal entre mortalidade e óbito é de 21% em 24 h, 37% em 48 h, 49% em 4 dias e
74% em 2 semanas.
QUADRO CLÍNICO
É denominado pela dor intensa. Ela é retroesternal nas dissecções Tipo A e no dorso nas dissecções Tipo
B. Síncope, dispnéia, hemoptise, hemiplergia, podem ocorrer. Os pacientes tendem apresentar-se com hipertensão arterial e eventualmente hipotensão arterial. Hipotensão arterial pode significar tamponamento cardíaco
ou ruptura para a cavidade pleural. Os pulsos devem ser todos palpados à procura de diferenças. Sopro de
insuficiência aórtica é comum nas dissecções Tipo A. Observar alterações referentes a outros órgãos por obstruções de ramos arteriais como coronária direita, carótidas, mesentéricas, renais e ilíaca. O diagnóstico diferencial se
faz com IAM diferenciando deste pela ausência de alterações típicas do ECG e de enzimas normais na dissecção. As
úlceras de aorta e os hematomas intra-murais tem manifestações clínicas semelhantes e devem ser manejados como
dissecções aórticas verdadeiras, fazendo parte do que vem sendo chamado de sindrome aórticos agudos.
DIAGNÓSTICO
Podemos usar os seguintes exames complementares:
1) Radiografia do tórax à procura de alargamento de mediastino ou obliteração do botão aórtico e presença de derrame pleural.
2) Eletrocardiograma - alterações compatíveis com IAM ocorrem em 15% dos pacientes com dissecção
aguda da aorta, geralmente por acometimento da artéria coronária direita.
3) Ecocardiograma transtorácico (ETT) - deve ser feito em todos os pacientes com suspeita de dissecção
aórtica. Permite o diagnóstico das dissecções de ‘Tipo A’ e avalia insuficiência aórtica e derrame pericárdico.
4) Ecocardiograma transesofágico (ETE) - excelente exame para a identificação da dissecção e do lugar
de ruptura da íntima. Pode ser feito à beira do leito. Importante nos doentes instáveis onde decisões
rápidas precisam ser tomadas porém é limitado nas afecções do arco aórtico e aorta descendente.
5) Ressonância nuclear magnética (RNM) - mais precisa que o ETE. Mas necessita de um paciente
imóvel por determinado período de tempo. Não é prático em doentes instáveis, usada mais em casos crônicos.
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6) Tomografia computadorizada convencional (TC) - perde em eficiência para o ETE e a RNM. Exige contraste
em volumes proporcionais ao da angiografia.
7) Aortografia - método de diagnóstico que serve como comparação. Tem como desvantagens a perda
de tempo e o uso de contraste. Pode fornecer muitas informações. Usada apenas em casos especiais.
8) Cinecoronariografia – somente em pacientes estáveis, em dissecção crônica e naqueles com passado
ou sintomatologia de ICO ou que já tenham feito Revascularização Miocárdica.
O tempo é o fator importante na luta pela sobrevivência destes pacientes.
9) A tomografia computadorizada helicoidal - parece ser um exame extremamente útil nos casos de dissecção
de aorta principalmente nas prováveis ‘tipo B’ onde a urgência clínica seria menor.
Análise crítica dos métodos de diagnóstico em dissecção aórtica.
Dissecção aórtica. Sensibilidade diagnóstica em 110 pacientes
ETT
78,3%
40,0%
26,2%
96,9%
11,8%
75%
Tipo A
Tipo B
Local de ruptura da íntima
Insuficiência aórtica
Formação de trombo
Derrame pericárdico
ETE
95,2%
100%
72,7%
100%
68,4%
100%
TC
94,1%
100%
92%
100%
RNM
100%
100%
88%
82,2%
98%
100%
Modificado de Nienaber, N Engl J Med.
328,1,1993
ETT ecocardiograma transtorácico
ETE ecorcadiograma transesofágico
TC tomografia computadorizada
RNM ressonância magnética.
VANTAGENS e LIMITAÇÕES
VARIÁVEIS
ETE
TC
RNM
Aortografia
Sensibilidade
Especificidade
Local da fenda
Ver trombo
Insuficiência aórtica
Derrame pericárdico
Envolvimento ramos
Avaliar coronárias
Invasivo/estresse
Acesso rápido
Disponibilidade
Custo do exame
+++
++
++
++
+++
+++
+
+/++
+++
+++
+
++
+++
+++
++
+
-/+++
+++
+
+++
+++
+++
+++
+
+++
++
-/++
+
+
++
++
+++
+++
+++
+++
+++
+++/++
++
++
+++
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Diante de um paciente com dissecção aórtica usamos os métodos diagnósticos para obter as seguintes informações:
1- Presença de dissecção;
2- Tipo de dissecção: A e B de Stanford. Arco aórtico;
3- Insuficiência aórtica;
4- Local de ruptura da íntima;
5- Doença conorariana;
6- Comprometimento de ramos aórticos;
7- Derrame pleural, pericárdico, atelectasia, etc...
TRATAMENTO CLÍNICO
Tratamento Clínico - Terapêutica anti-impulso.
1) Metoprolol 5 mg EV a cada 5 min até 15 a 20 mg, Propranolol 1 mg de 5/5 min até 6, s/n repetir de 2/2h.
2) Nitroprussiato de Sódio 0,5 a 5 ug/kg/min ( manter PA média de 60-70 mmhg).
Deve-se ter como meta o controle de pressão arterial e da dor, com parada do processo de dissecção. Se PA
estiver muito baixa sem medicação pensar em tamponamento pericárdico. Estes pacientes devem ser referidos e tratados em unidades de cirurgia cardíaca. Acompanhamento de 4-5 anos mostram até 20% de
aneurismas da falsa luz.
INDICAÇÃO CIRÚRGICA
Dissecção Aguda - Tipo A: Todos os pacientes. A mortalidade dos pacientes cirúrgicos é de aproximadaente 30% e dos pacientes tratados clinicamente é de 90%.
- Tipo B: Somente aqueles com complicações: aneurisma sacular, hemotórax, dor mantida, rotura,
e oclusão de ramo arterial (isquemia de medula, orgãos ou membros inferiores).
Dissecção Crônica - Tipos A e B: Presença de complicações; aneurisma
sacular, insuficiência aórtica, oclusão de
ramo arterial. Quando há aneurisma da
aorta ascendente indica-se cirurgia com
diâmetros superiores a 5,5cm (5,0cm
em pacientes com Síndrome de
Marfan). Na aorta descendente utiliza-se como critério para indicação cirúrgica diâmetro de 6,5cm (6,0cm em
casos de Síndrome de Marfan). A presença de Síndrome de Marfan se constitui uma indicação cirúrgica neste grupo. Nas dissecções agudas, a cirurgia
precoce ainda é a única alternativa viável para se evitar o óbito.
TRATAMENTO CIRÚRGICO
Os objetivos do tratamento cirúrgico são parar a progressão proximal
e distal da dissecção, remover o local da ruptura de íntima e ressecar a
aorta no local mais provável de ruptura. Ruptura aórtica é a
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causa mais comum de mortalidade em dissecção aórtica. Trabalhos recentes têm demonstrado ser importante ressecar
o local da ruptura da íntima.
Há outras opções cirúrgicas que eventualmente são utilizadas:
a) tromba de elefante, para dissecções tipo B
b) parada circulatória total - usada eventualmente em casos de grandes aneurismas
ou sangramentos pleural ativo;
c) uso de enxertos moldados com anéis.
d) crescente avanço tem ocorrido no uso dos estentes dissecção tipo B, naqueles
com luz verdadeira < 4 cm, distância da subclavia até orifício na íntima < 1 cm e
sem obstrução aorto-ilíaca. Ainda necessitamos de maiores confirmações da literatura. As úlceras penetrantes de aorta assim como hematomas intra-murais eram inicialmente de
manejos clínicos porém hoje tem sido preconizado pelo Regsitro Internacional de Dissecções de Aorta (IRAD) o
tratamento endovascular
e) conquistas recentes de importância são a perfusão pela sub-clavia direita, cirurgia concomitante
do arco aórtico e o advento da cola biológica. Hoje a preferência é na maioria para hipotermia profunda com parada
circulatória total para os bjetivos da cirurgia.
ARCO AÓRTICO
Usado perfusão retrógrada pela veia cava superior ou pela jugular interna durante a parada circulatória total e hipotermia
profunda a 20ºC. Na maioria das vezes a ressecção do arco permite uma linha de sutura longa sem necessidade de
reemplante dos vasos da base.
MANUSEIO PÓS-OPERATÓRIO
A terapêutica anti-impulso é mantida indefinidamente.
RESULTADOS
Mortalidade no Tipo A - 20%, no Tipo B - 25%, em Arco Aórtico - 50%. Estes resultados podem melhorar.
A mortalidade cirúrgica na dissecção aguda é maior que na dissecção crônica.
ACOMPANHAMENTO TARDIO
A possibilidade de reoperação nestes pacientes é de aproximadamente 15% em 5 anos e 25% em 10 anos. Há um
número significativo de aparecimento
de novos aneurismas nestes pacientes (entre 20% e 30%) particularmente na aorta distal ao enxerto quando
a falsa luz ficou pérvia.
É aconselhado que estes pacientes sejam acompanhados com:
1 - Raio X de tórax a cada 3 meses;
2 - Ecocardiograma transtorácico
a cada 6 meses;
3 - Ultra-som abdominal anual, à
procura de aneurisma de aorta abdominal;
4-Ecocardiograma transesofágico
ou ressonância nuclear magnética
anual.
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Tratamento definitivo das dissecções da aorta:
I - Tratamento clínico:
1 - Dissecção tipo B sem complicações vitais
2 - Dissecção estável da croça da aorta
3 - Dissecção crônica do tipo A ou B não complicada
II - Tratamento cirúrgico:
1 - Dissecção aguda tipo A
2 - Dissecção aguda do tipo B complicada por ruptura da aorta, dor persistente, aneurisma
sacular, dilatação e expansão da aorta, isquemia de membros, isquemia de orgãos vitais,
dissecção retrógrada da aorta ascendente.
3 - Pacientes portadores de Síndrome de Marfan
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