Aproveitamento de condensado das Serpentinas

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Aproveitamento de condensado das Serpentinas
Aproveitamento de condensado das
Serpentinas
Bruno Nassar
ASHRAE Member
Engenheiro Mecânico - IME
Especialista em HVAC&R
Mestrado em Engenharia Mecânica
Cláudio Moura
Engenheiro Mecânico - IME
Especialista em HVAC&R
Mestrado em Engenharia Mecânica
No final do ano de 2014, o alerta foi enfático: São Paulo encontrava-se
com sérios problemas de abastecimento de água.Projeções apontavam
e apontam que, no ritmo atual, as represas secariam em cinco meses1.
Contudo, a tendência é que antesde atingir este cenário, mudanças
sejam implementadas na distribuição e no consumo de água. Com
isso, o fornecimento de água não se esgotará, mas o seu fornecimento
deve ser reduzido para priorizar consumo humano.
Assim, é possível que a agricultura e a indústria sejam deixadas em
segundoplano em uma eventual política de restrições no consumo.
Diante desta conjuntura, várias alternativas começaram a ser
analisadas para reduzir o consumo atual ou reaproveitar parte da
água previamente consumida.
No caso dos sistemas de climatização, o consumidor de água mais
representativo é a torre de resfriamento. Pode-se considerar como
referência para o consumo de água nas torres: 1,5% a 2% da vazão
total que circula nas torres2,3,4.
Quanto às serpentinas dos fancoils e dos evaporadores, percebe-se
que um subproduto do resfriamento do ar é a água condensada, a
qual é usualmente descartada para os ralos por meio de tubulações
de drenos. Neste artigo será explicado comoocorrea condensação de
água e como aproveitá-la.
Ar e Umidade
O ar ambiente é um ar úmido, ou seja, é uma mistura de vapor d’água
e dos gases que compõem o ar. Quando analisamos apenas o ar, sem
nenhum vapor d’águao denominamos de ar seco.
Considera-se a umidade relativa para uma determinada temperatura
e pressão como sendo a “pressão parcial do vapor d’água no ar úmido
dividido pela pressão de saturação do vapord’água puro”5. Ou seja,
representa percentualmente a quantidade de vapor d’água que o ar
pode manter em mistura gasosa. E assim, quanto maior a umidade
relativa maior é a quantidade de vapor d’água presente no ar úmido
para uma determinada temperatura2.
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Quanto menor a temperatura, menor será a capacidade máxima de
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vapor d’água no ar.
No caso do sistema de ar condicionado, supondo um dia úmido em São
Paulo e no verão, por exemplo, a temperatura externa é de 27,8°C e
a umidade relativa será de71%6.
Quando o ar do ambiente externo escoa através da serpentina, ocorre
a transferência de calor entre o ar quente e úmido e o ar da superfície
da tubulação que contém fluido a baixatemperatura. O ar externo
que estava incialmente a 27,8 °C tem sua temperatura reduzida para
cerca de 12°C. Nesta mudança de temperatura, parte do vapor d’água
existente no ar úmido se condensa na superfície da serpentina.
Como aproveitar o condensado
das Serpentinas.
O destino do condensado na maioria dos sistemas de ar condicionado
é o descarte pelo ralo. Porém, o processo físico de condensação em
questão produz água com menos impurezas do que a água “cinza”
que hoje é reciclada em diversos prédios.
Assim, o espectro de possibilidades de utilização do condensado é
mais amplo do que o da reciclagem de águas cinzas, e ainda dispensao
emprego de processos físico-químicos antes de sua utilização final.
Entre as aplicações típicas para seu uso destacam-se7,8,9:
• alimentação de Torres de Resfriamento;
• irrigação;
• água para limpeza de pisos;
• utilização em fontes;
• água de descarga de sanitários.
Para cada destino, será necessária uma infraestrutura específica para
seu uso.
Sistemas comuns de aproveitamento
do condensado.
A primeira opção é o uso como água de alimentação para as torres de
resfriamento, se houver no prédio.
Como explicado anteriormente, quanto maior a umidade do local,
maior será a quantidade de vapor d’água presente no ar úmido.
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Assim, ambientes com elevado calor latente, ou seja, que produzam
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vapor d’água geram maior volume de condensado.Locais com grande
concentração de pessoas, produção de vapor ou com atividades físicas
intensas (e.g. academias, vestiários, teatros, salas de convenções),
possuem grande produção de condensado.
Cidades quentes e úmidas possuem elevada quantidade de vapor
d’água presente no ar do ambiente externo. Como por lei6,10 os
ambientes climatizados devem prever taxas mínimas de renovação
de ar, nestes locais, a serpentina produzirá maior quantidade de
condensado do que locais com baixa umidade.
Ambientes que demandam elevada vazão de ar externo8 e que
possuam umidade relativa maior do que no ambiente climatizado
também são candidatos para captação de condensado. Alguns
possíveis exemplos são laboratórios, salas especiais de tratamento
de pacientes, ambientes industriais com insuflamentode 100% de ar
externo ou sistemas dedicados para ar externo (DOAS).
Cases de sucesso no mundo
1. Local: Athens, Geógia, EUA11
Construção: Laboratório
Volume captado de condensado: +2.000.000 L em 8 meses.
2. Local: San Antônio, EUA9
Construção: Shopping
Volume captado de condensado: 163.500 L por mês.
3. Local: Bahrein9
Construção: Aeroporto
Volume captado de condensado: 163.500 L por mês.
4. Local: Ribeirão Preto, São Paulo12
Construção: Restaurante
Volume captado de condensado: 300 L por dia.
5. Local: São Paulo, São Paulo12
Construção: Restaurante
Volume captado de condensado: 12.000 L por mês.
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Soluções no Brasil
O Brasil é um país com grandesdiferenças climáticas14, o que resulta
em condições ambientais de temperatura e umidade distintas ao longo
do território.
Atualmente, os artigos e simulações para avaliação de captação
de condensado estão praticamente restritos ao EUA, que possuem
condições climáticas, em geral, diferentes das encontradas no Brasil.
Para contornar este problema, a ATMOS realizou simulação energética
para um prédio de escritóriode 1000 m² de área construída em
algumas cidades brasileiras. O intuito foi averiguar o volume de água
condensada que é possível obter em cada localidade do sistema de
ar condicionado. As simulações foram realizadas para todas as 8760
horas do ano, considerando as características climáticas de cada lugar
no software EnergyPlus.
Os principais parâmetros considerados para a simulação foram:
• Paredes de alvenaria com 70% de área envidraçada na envoltória
evidro comum;
• Escritório de alta densidade15
• Dissipação de calor pela iluminação :12 W/m²
• Dissipação de calor pelos equipamentos para escritório de elevada
densidade conforme tabela 11 da referência16
Considerando que toda vazão de água condensada nas serpentinas
seja captada, pode-se verificar o volume mensal para cada cidade
pela figura 01.
Figura 01 – volume mensal em litros condensado nas serpentinas
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Como existem variações climáticas para cada uma das cidades
simuladas, a capacidade de carga térmica dos equipamentos de
climatização também será diferente para o mesmoprédio considerado.
Isso decorre não somente das variações de temperatura ao longo dos
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dias e meses, mas, principalmente, pelas diferenças de umidade entre
as regiões brasileiras.E a consequência imediata é na quantidade de
calor latente, a ser removido do ar externo a ser insuflado no ambiente
interno10,15, e na capacidade do equipamento.
Concluiu-se comesta simulação que pode ser captadoao longo do ano
no prédio em questão de 90.000 l em São Paulo até 195.000 l em
Recife.
Portanto, para uma análise preliminar de economicidade em volume
de água em um escritório, pode-se então considerar como valores
médios ao ano:
• 90 L/m² em São Paulo;
• 107 L/m² em Florianópolis;
• 145 L/m² no Rio de Janeiro;
• 195 L/m² em Recife;
Análise técnico financeira
Para captação dos condensados provenientes da serpentina é
necessáriaa instalação de uma rede de tubulação que permita o
escoamento desta água desde a bandeja até o local de destino. O
destino final pode ser a torre de resfriamento, numa fonte artificial
de água (e.g. chafariz) ou o tanque de água cinza, frequentemente já
existentes no empreendimento. Neste caso, o custo de implantação
da solução se resume à tubulação de dreno.
Porém, se o sistema demandar a instalação de um tanque para
armazenamento desta água, ou ainda uma bomba, os custos serão
maiores e a viabilidade deverá ser revista.
Outro fator de impacto na avaliação financeira é o volume de
água produzido, que representa diretamente a redução dos custos
associados ao consumo de água.
Como existem muitas variáveis, o processo de análise técnico financeira
é específico para cada empreendimento. Referências internacionais
obtiveram payback simples variando de seis meses9,11, um ano7,8
a até 5,5 anos7, este último no caso de haver baixa produção de
condensado e os custos por m³ de água e esgoto forem mais elevados.
Sustentabilidade
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Soluções para redução do consumo de água no empreendimento
podem oferecer de 1 a 7 pontos de crédito na metodologia LEED
BD&C17. Considerando-se apenas a vazão de condensado captado
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na serpentina,não se consegue grande porcentagem de redução de
consumo. Porém, este pode ser o diferencial para se obter ao menos
1 crédito para a referida metodologia de certificação.
Pelo PROCEL Edifica18, iniciativas que reduzam em até 40% o consumo
de água recebem um ponto. Novamente, a captação do condensado
pode ser importante para se alcançar a bonificação.
Conclusão
O atual cenário do país associado aos baixos níveis de reservas hídricas
resulta em impactos diretos no aumento dos custos de fornecimento
etratamento de água para o usuário final.
Para auxiliar a tomada de decisão dos stakeholders, o volume captado
de condensado obtido nas serpentinas representa uma iniciativa de
redução de gastos operacionais do empreendimento, com prazos de
paypackvariando de excelentes à aceitável. Também se trata de uma
solução reconhecida e valorizada pelas principais entidades nacionais
e internacionais de prédios verdes e energeticamente eficientes.
Referências
1. Folhapress. B.Izumino, C. Seabra, E.Fraga, F. Lobel, F. Mena e
G. Vallone, R.Marthias,Pilker. disponívelem: http://www1.folha.uol.
com.br/infograficos/2015/01/118572-20-respostas-sobre-a-crise-daagua.shtml/ (acessadoem 15 de abril de 2015);
2. Manual de Torres de resfriamento de água –Alpina, 1978;
3. Stanford III,Herbert W.; HVAC WaterChillersandCoolingTowers,
Fundamentals, ApplicationandOperation, Marcel Dekker, INC, 2003;
4.Trane Air Conditioning Manual, 2007;
5. 2013 ASHRAE Handbook – Fundamentals; Chapter1- Psychrometrics;
6NBR 16401-1. “Instalações de Ar Condicionado – Sistemas Centrais
e Unitários Parte 1: Projeto das Instalações.2008;
7. Lawrence, T.; Perry, J. CapturingCondensate, High Performance
Buildings , Fall 2010;
8.Lawrence,T.;
Perry,
J.;Dempsey
P..
CapturingCondensatebyRetrofittingAHUs, ASHRAE Journal, Janeiro
2010;
9. Guz, K. CondensateWater Recovery, ASHRAE Journal, Junho 2005;
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10. Resolução ANVISA- RE nº 9, de 16 de janeiro de 2003 –D.O.U.,
Janeiro 2013;
Aproveitamento de condensado das
Serpentinas
11.Federal
Energy
Management
Program
–
FEMP.
Air
Handlercondensaterecoveryatthe Environmental ProtectionAngency’s
Science
andEcosystemSupportDivision;
DOE/GO-102010-2930;
Fevereiro 2010;
12. Testa, F. Globo.com: restaurante poupa 300 litros de agua por dia
com gotas de ar condicionado. Disponível em http://g1.globo.com/sp/
ribeirao-preto-franca/noticia/2015/02/restaurante-poupa-300-litrosde-agua-por-dia-com-gotas-de-ar-condicionado.html/ (acessadoem
15 de abril de 2015);
13.Ciclo Vivo: Restaurante em SP economiza 12 mil litros reaproveitando
água do ar condicionado. Disponível em:http://ciclovivo.com.br/
noticia/restaurante-em-sp-economiza-12-mil-litros-reaproveitandoagua-do-ar-condicionado/ (Acessado em 05 de novembro de 2014)
14.NBR15220 - Desempenho térmico de edificações.Parte 3:
Zoneamento bioclimático brasileiroe diretrizes construtivas para
habitaçõesunifamiliares de interesse social
15.NBR 16401-1. “Instalações de Ar Condicionado – Sistemas Centrais
e Unitários Parte 3: Qualidade do ar Interior.2008.
16.
2013
ASHRAE
Handbook
–
Fundamentals;
18- Nonresidencialcoolingandheatingloadcalculations.
Chapter
17. LEED v4 for Building Design andConstruction (Outubro de 2014)
18. RTQ-C - Requisitos Técnicos da Qualidade para o Nível de Eficiência
Energética de Edifícios Comercial, de Serviços e Públicos, Portaria nº
372 de 17 de Setembro de 2010.
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