Habilidade Clínicas para Farmacêuticos do Serviço Público
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Habilidade Clínicas para Farmacêuticos do Serviço Público
Habilidade Clínicas para Farmacêuticos do Serviço Público Módulo 5. Saúde Mental Cassyano J Correr; Michel Otuki; Paula Rossignoli Novembro de 2010 OBJETIVO GERAL O Módulo IV – Saúde Mental – aborda, por meio de artigos selecionados e casos clínicos, as questões mais relevantes em termos de saúde mental e uso de medicamentos em transtornos psiquiátricos. É dada também especial atenção aos aspectos do relacionamento farmacêutico-paciente, tratando de aspectos como o vínculo e a dinâmica transferencial. O objetivo é fornecer os subsídios técnicos e clínicos para a provisão de serviços farmacêuticos clínicos a esses pacientes. Expediente: Guia de referência do curso “Habilidades Clínicas para Farmacêuticos do Serviço Público de Saúde” – Módulo V – Saúde Mental Guia Elaborado por: Cassyano J. Correr Farmacêutico, Ph.D., M.Sc. Departamento de Farmácia Universidade Federal do Paraná - UFPR Michel F. Otuki Farmacêutico, Ph.D., M.Sc. Departamento de Ciências Farmacêuticas Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG Paula S. Rossignoli Farmacêutica, M.Sc. Núcleo de Ciências da Saúde Universidade Positivo - UP Organização : Comissão de Serviço Público – CRF-PR Coordenação Geral do Curso: Natália Maria Maciel Guerra Vice-Coordenação: Deise Sueli de Pietro Caputo Coordenação Didática: Cassyano Januário Correr Apoio: Conselho Regional de Farmácia do Estado do Paraná – CRF-PR Associação Paranaense de Farmacêuticos – ASPAFAR Grupo de Pesquisa em Prática Farmacêutica UFPR Novembro de 2010 Curitiba, PR 2 CONTEÚDO PROGRAMÁTICO Acolhimento do paciente e cidadania Relacionamento Profissional – Paciente Vínculo e responsabilidade da equipe A rede de atenção à saúde mental Classificação dos transtornos psíquicos Depressão Transtorno Bipolar Ansiedade LEITURA COMPLEMENTAR RECOMENDADA Ministério da Saúde. Legislação em Saúde Mental. Centro Cultural da Saúde/CGDI. 48 p. Disponível em: http://dtr2001.saude.gov.br/editora/produtos/livros/zip/02_0618_M.zip García A, Gastelurrutia, MA. Guía de Seguimiento Farmacoterapéutico sobre DEPRESIÓN. Universidad de Granada. 56 p. Disponível em: http://www.ugr.es/~cts131/esp/guias/GUIA_DEPRESION.pdf Ministério da Saúde. Reforma Psiquiátrica e política de Saúde Mental no Brasil. 56 p. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/relatorio_15_anos_caracas.pdf Secretaria do Estado da Saúde de Minas Gerais. Atenção em Saúde Mental – SUS. 238 p. Disponível em: http://www.saude.mg.gov.br/publicacoes/linha-guia/linhas-guia/LinhaGuiaSaudeMental.zip 3 http://amacaca.files.wordpress.com/2010/05/saude_mental1.jpg APONTAMENTOS SOBRE A RELAÇÃO FARMACÊUTICO-PACIENTE Acolhimento do Paciente Relação Transferencial Modelos de Relacionamento 4 29/10/2010 A Relação Farmacêutico-Paciente No Contexto da Atenção Farmacêutica Antônio Mainieri Psicólogo Clínico (Esp.) Instituto de Geriatria e Gerontologia do Paraná Parte I O Vínculo Profissional Vínculo Profissional • Não existe prática clínica sem o contato paciente. com o p • Ter contato não significa ter vínculo. Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <3> 1 29/10/2010 Vínculo Profissional • Supõe uma empatia mínima, um desejo assumido de aproximação para melhor compreensão da pessoa enferma ou adoecida. • Na vinculação o paciente deixa de ser um “caso” para ser considerado pessoa. Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <4> Vínculo Profissional • Basta uma disposição primária no profissional em relacionar-se com o paciente de modo mais humano,, mais p personalizado, menos objetalizado. • A vinculação do profissional com seu paciente o alimenta afetivamente. Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <5> Vínculo Profissional • O paciente, principalmente em fase aguda, sofre naturalmente de uma regressão em sua personalidade. • Fica carente, solicitando muita atenção. Seu núcleo narcíseo é estimulado e passa a sentir-se o centro do mundo ou o pior dos excluídos. Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <6> 2 29/10/2010 Critérios Do Vínculo Profissional Em Saúde EQÜIDISTÂNCIA “É o espaço que necessita para não perder o foco” Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <7> Critérios Do Vínculo Profissional Em Saúde EQÜIDISTÂNCIA • Espaço de manobra suficiente para lidar não neuroticamente com estas vivencias (as trazidas pelo paciente) e desenvolver uma relação mais adequada e saudável. • O paciente projeta pesado no profissional e este sente o golpe. Como reflexo defensivo disso temos alienação e objetalização do paciente. Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <8> Critérios Do Vínculo Profissional Em Saúde VIGILÂNCIA PARA O NÃO JULGAMENTO MORAL DO PACIENTE “Julgar automaticamente em qualquer nível pode embaraçar o relacionamento e até o raciocínio clínico” Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <9> 3 29/10/2010 Critérios Do Vínculo Profissional Em Saúde VIGILÂNCIA PARA O NÃO JULGAMENTO MORAL DO PACIENTE • O reflexo que se desenvolve no lugar do julgamento é o da compreensão • Vincular com eqüidistância e sem julgamento moral saneia o procedimento profissional. Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <10> Critérios Do Vínculo Profissional Em Saúde Noção do LIMITES e RESPONSABILIDADES do PODER DE INFLUENCIA sobre o PACIENTE • A cilada da ONIPOTÊNCIA é muito sedutora Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <11> Critérios Do Vínculo Profissional Em Saúde ELUCIDAR PARA SI O TEMA CENTRAL DA QUEIXA • Compreensão simbólica dos dramas existenciais que se misturam ao sofrimento atual Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <12> 4 29/10/2010 Critérios Do Vínculo Profissional Em Saúde Eqüidistância, a Vigilância para o não Julgamento Moral, Vigilância Quanto à Cil d do Cilada d Poder P d e a Compreensão C ã Simbólica do Processo pelo Qual o Paciente Está Passando; Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <13> Critérios Do Vínculo Profissional Em Saúde • São Aspectos que auxiliam na higienização da vinculação do profissional; • A base psicológica mais profunda da vinculação profissional é a relação transferêncial Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <14> Parte II A Relação Transferencial 5 29/10/2010 A Relação Transferencial • Observa-se em qualquer relacionamento humano • A relação profissional de saúde e paciente é recheada de vivências trasferênciais Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <16> A Relação Transferencial • O paciente joga inconscientemente seus conteúdos sobre o profissional, este também projeta p j os seus sobre o p paciente ((relação ç transferêncial) • O jogo transferêncial se dá sempre independentemente da vontade e da atenção Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <17> A Relação Transferencial • É inútil querer evitar esse fenômeno • O importante é identificá-lo, compreendê-lo e utilizá-lo a favor da relação profissionalpaciente Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <18> 6 29/10/2010 A Relação Transferencial • É necessário perceber o paciente e a si mesmo, como ele está e como o profissional está,, o q que cada um p provoca no outro,, perceber a alternância de sentimentos de cada pólo Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <19> A Relação Transferencial • Muitas vezes, os pacientes não querem ficar bons, não querem se curar, e o cúmplice inocente nessa história é o profissional de saúde, que “curte” de forma narcísea e distraidamente ser o pólo do qual sua clientela depende Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <20> A Relação Transferencial • Não zelar para que o paciente não acenda sua própria força de cura é omitir-se de um passo fundamental, é operar de forma não profissional Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <21> 7 29/10/2010 A Relação Transferencial • A “Cura Transferêncial” é um termo que se aplica ao “Efeito Placebo” • Um paciente pode se sentir melhor só pelo fato de estar sendo atendido (ouvido). Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <22> A Relação Transferencial Sentimentos contratranferenciais: • Toda pessoa carrega consigo seu pacote pessoal de complexos afetivos (tecidos psíquicos permanentemente inflamados) • Tocou Æ doeu Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <23> A Relação Transferencial Sentimentos contratranferenciais: • A relação enquanto vivência transferêncial, envolve complexos dos dois lados; • Cada profissional acaba, sem perceber muito, “cultivando uma clientela que se adapta ao seu jeito de ser” Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <24> 8 29/10/2010 A Relação Transferencial Sentimentos contratranferenciais: • O profissional que não se comove, sempre frio, sem nunca perder a pose, soberbo, acima dos sentimentos humanos. Isto nada mais é que uma defesa psicológica grave. Desumaniza, substitui o sentimento e o calor da troca humana pelo valor relativo do conhecimento técnico, e ainda objetaliza o paciente <25> Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. A Relação Transferencial CIRCUITO DA COMUNICAÇÃO NA RELAÇÃO TRANSFERENCIAL • O circuito de comunicação da relação transferêncial pode ser vivido benéfica ou maleficamente <26> Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. CIRCUITO DA COMUNICAÇÃO NA RELAÇÃO TRANSFERENCIAL Profissional Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. Paciente <27> 9 29/10/2010 A Relação Transferencial CIRCUITO DA COMUNICAÇÃO NA RELAÇÃO TRANSFERENCIAL • Não identificar os próprios diálogos e não senti-los no paciente é deixar correr uma torneira aberta, que pode inundar o consultório de ressentimentos e adversidades ou outras situações estranhas à consulta propriamente dita; <28> Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. Categorias da Relação Profissional Paciente PROFISSIONAL PACIENTE • A) sujeito -------------------------------------------- objeto • B) sujeito -------------------------------------------- sujeito • C) objeto --------------------------------------------- sujeito • D) objeto --------------------------------------------- objeto Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <29> Relação Sujeito-Objeto • É a forma de comunicação mais comum; • Não considera o paciente em condições de opinar sobre si próprio ou sua doença; • Anula sua condição primária de sujeito e deixa-se reduzir; Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <30> 10 29/10/2010 Relação Sujeito-Objeto • Esta é a posição que mais causa intoxicação psíquica; • P Porque o profissional fi i l fi fica com as d duas partes t de sujeito (a dele e a do paciente) projetadas sobre ele; • Toda responsabilidade é carregada sobre o profissional; Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <31> Relação Sujeito-Objeto • Aos poucos o profissional fica desnutrido; • Esta vinculação assemelha-se ao tipo: • Pai-Filho • Mestre-Discípulo Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <32> Relação Sujeito-Objeto • É importante lembrar que o paciente nunca é objeto absolutamente; • Ele não “entrega o ouro”, sente-se acolhido, mas também acuado; • O agente curador interno fica anulado; Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <33> 11 29/10/2010 Relação Sujeito-Sujeito • É a mais idealizada; • Nesta relação há espaço de honra para opiniões, vivências e histórico do paciente; • O profissional não se coloca como “todo poderoso”; Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <34> Relação Sujeito-Sujeito • Esta relação ativa o poder autocurativo do paciente; • Este é colocado na posição de co-autor de seu processo de cura; • Neste lugar, o paciente pode aceitar levar uma “carta” do farmacêutico ao médico; Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <35> Relação Sujeito-Sujeito • Nesta relação o profissional ensina no intuito de municiar a autonomia do paciente; • E não aumentar a dependência e admiração deste; • É o papel de orientador de qualquer profissional da saúde; Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <36> 12 29/10/2010 Relação Sujeito-Sujeito • É muito mais fácil tentarmos nos fixar no velho método científico, e deixarmos o resto de lado (sujeito-objeto); • Os pacientes requerem de nós uma preparação à altura de sua importância; • Se consideramos o paciente tão humano e nobre quanto nós mesmos, então temos um trabalho pela frente; Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <37> Relação Sujeito-Sujeito • A Entrevista Farmacêutico-Paciente, no acompanhamento farmacoterapêutico, passa a incluir,, além da história p tradicional, o interesse pelo conteúdo trazido pelo paciente; “Acolhimento do paciente” Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <38> Relação Objeto-Sujeito • O profissional deixa-se levar pela imposição ansiosa do paciente, que que q quer e não sabe exatamente o q sai dali sem antes conseguir; • O profissional apresenta-se sem força do sujeito por razões pessoais, ou institucionais; Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <39> 13 29/10/2010 Relação Objeto-Sujeito • Esta categoria é inspirada na relação empregado-patrão; • Essa posição proporciona que nada seja mexido no paciente durante um relacionamento; Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <40> Relação Objeto-Sujeito • O paciente dá as cartas e só baixa o jogo que lhe interessa; • O profissional é figurante de luxo, um servidor fiel e passivo; Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <41> Relação Objeto-Objeto • Parece impossível, mas não é! • Considere um situação de atendimento em que ninguém está interessado, nem o profissional, nem o paciente; • O paciente vem para pegar um remédio ou fazer uma injeção sem motivação além de manter-se em auxílio doença; Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <42> 14 29/10/2010 Relação Objeto-Objeto • O profissional, manipulando impessoalmente o material asséptico; • Não há vida, só encenação e bocejos disfarçados. O relógio é um tortura e o tempo não passa; <43> Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. Relação Objeto-Objeto • A vivência transferencial predominantemente negativa, ambos os sentidos; é em • Não há relação interpessoal, o que há é satisfação de necessidades de cumprimento de obrigações; Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <44> Categorias de Relação • Essas quatro categorias cobrem o universo possível na relação profissional-paciente; profissional paciente; • De todas, a melhor é a relação profissional sujeito - paciente sujeito; Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <45> 15 29/10/2010 Categorias de Relação • Não devemos ingenuamente imaginar que será sempre possível converter uma relação a essa categoria especial; • Muitas situações impõem as outras categorias, sem espaço para alternativas; Fonte: A Relação Profissional-Paciente - Luiz Geraldo Benetton, 2002. <46> Considerações Finais • A economia que o profissional pensaria estar fazendo em acionar somente a abordagem analítica à quall está tá condicionado, di i d ao invés i é de d se esforçar em compreender mais abrangentemente a situação, é pura ilusão. <47> Considerações Finais • Um paciente não acolhido em sua comunicação se frustra e frustra o profissional porque acaba passando o recado, de um jeito ou outro, que não gostou t d do modo d que o profissional fi i l conduziu a situação; • Não foi entendido, não gostou de ser reduzido a um objeto sem vida, sem desejos, sem medos e necessidades; <48> 16 29/10/2010 Considerações Finais “R “Regras para se ser h humano”” <49> “Regras para se ser humano” Você receberá um corpo. Pode gostar dele ou odiá-lo, mas ele será seu durante essa rodada. Você aprenderá lições. lições Você está matriculado numa escola informal de período integral chamada VIDA. A cada dia nesta escola, terá oportunidade de aprender lições. Você pode gostar das lições ou considerá-las irrelevante ou estúpida. Extraído de “Vivendo no tempo”, de Palden Jenkins, que não conhece o autor. <50> “Regras para se ser humano” Não existem erros, apenas lições. O crescimento é um processo de tentativa e erro: experimentação. As experiências que não deram certo fazem parte do processo, assim como as bem sucedidas. Cada lição será repetida até que seja aprendida. Cada lição será apresentada a você de diversas maneiras, até que a tenha aprendido. Quando isso ocorrer, poderá passar para a próxima. Extraído de “Vivendo no tempo”, de Palden Jenkins, que não conhece o autor. <51> 17 29/10/2010 “Regras para se ser humano” O aprendizado nunca termina. Não existe parte da vida que não tenham lições. Se você esta vivo, há lições para aprender. “Lá” não é melhor que “Aqui”. Quando o seu “lá” se tornar “aqui”, você simplesmente encontrará outro “lá”, que parecerá novamente melhor do que o “aqui”. Extraído de “Vivendo no tempo”, de Palden Jenkins, que não conhece o autor. <52> “Regras para se ser humano” Os outros são apenas seus espelhos. Você não pode amar ou detestar algo em outra pessoa, a menos que isso reflita algo que você ama ou detesta em si mesmo. O que fizer de sua vida é responsabilidade sua. sua Você tem todos os recursos que necessita; o que fará com eles é de sua responsabilidade. A escolha é sua. As respostas estão dentro de você. Tudo o que tem a fazer é analisar, ouvir e acreditar. Extraído de “Vivendo no tempo”, de Palden Jenkins, que não conhece o autor. <53> “Regras para se ser humano” VOCÊ SE ESQUECERÁ DE TUDO ISTO ISTO... Extraído de “Vivendo no tempo”, de Palden Jenkins, que não conhece o autor. <54> 18 INSÔNIA http://www.senado.gov.br/portaldoservidor/jornal/jornal77/Imagens/insonia.jpg 5 Rev Bras Psiquiatr 2000;22(1):31-4 atualização Insônia primária: diagnóstico diferencial e tratamento Primary insomnia: differential diagnosis and treatment Jaime M Monti Departamento de Farmacologia e Terapêutica do Hospital das Clínicas, Montevidéu, Uruguai Resumo A insônia primária é uma dissonia caracterizada pela dificuldade em iniciar e/ou manter o sono e pela sensação de não ter um sono reparador durante um período não inferior a 1 mês. Do ponto de vista polissonográfico, é acompanhada de alterações na indução, na continuidade e na estrutura do sono. Geralmente aparece no adulto jovem, é mais freqüente na mulher e tem um desenvolvimento crônico. A insônia primária é observada de 12,5% a 22,2% dos pacientes portadores de insônia crônica, sendo precedida em freqüência somente na insônia de depressão maior. A insônia primária crônica deve se diferenciar da insônia vinculada a uma higiene inadequada do sono, uma síndrome depressiva ou um transtorno de ansiedade generalizado. O tratamento da insônia primária inclui: higiene adequada do sono, terapia cognitiva e de conduta e uso de fármacos hipnóticos. Entre esses últimos, se destacam o zolpidem e a zopiclona, que melhoram significativamente o sono sem alterar sua estrutura ou induzir a uma reincidência da insônia logo após uma interrupção brusca. Além disso, o desenvolvimento de fármaco-dependência e de vício é muito pouco freqüente. Summary Primary insomnia is a dyssomnia characterized by a complaint of difficulty in initiating or maintaining sleep and the absence of restorative sleep that lasts for at least 1 month. The polysomnographic test shows alterations in the induction, continuity and structure of sleep. Primary insomnia typically begins in young adulthood, has a chronic course, and it is more prevalent among women. Its prevalence among patients with chronic insomnia ranges from 12.5% to 22.2%. Primary insomnia must be distinguished from insomnia related to inadequate sleep hygiene or another mental disorder, such as generalized anxiety disorder or a mood disorder. The treatment of primary insomnia consists of nonpharmacological strategies (sleep hygiene, behavior-cognitive therapy) and sleep-promoting medication (e.g. hypnotics). Few differences exist between benzodiazepines, zopiclone and zolpidem in terms of effectiveness in inducing and maintaining sleep. However, in contrast to benzodiazepines, zolpidem and zopiclone do not suppress slow-wave sleep. Rebound insomnia and drug addiction are uncommon. A insônia primária no contexto das dissonias Características clínicas da insônia primária Dentro das alterações do sono, encontram-se os transtornos primários do sono. A etiologia desses últimos não se relaciona com uma afecção psiquiátrica, uma doença médica ou dependência a um fármaco,1 o que leva a sugerir que poderia estar ligada a alterações dos mecanismos que regulam o sono e a vigília, agravados com freqüência por fatores de condicionamento. Os transtornos primários do sono se subdividem em dissonias (caracterizadas por produzir sonolência diurna excessiva ou dificuldade para iniciar e/ou manter o sono) e em parassonias (caracterizadas pela presença de condutas anormais associadas ao sono, tal como é o caso do sonambulismo e sonilóquia). Dentro das dissonias se encontra a insônia primária, cujas características fundamentais são a dificuldade para iniciar ou manter o sono e a sensação de não ter tido um sono reparador durante período não inferior a 1 mês. O transtorno do sono pode dar lugar a um mal-estar clinicamente significativo ou a uma deterioração social no trabalho ou em outras áreas importantes de atividade do paciente. Freqüentemente o paciente com diagnóstico de insônia primária apresenta dificuldade para começar a dormir e acorda seguidamente durante a noite. É menos freqüente o paciente se queixar unicamente de não ter um sono reparador, isto é, ter a sensação de que o sono foi inquieto e superficial. 31 Insônia primária Monti JM A insônia primária se associa habitualmente a um aumento do nível de alerta fisiológico e psicológico durante a noite, junto a um condicionamento negativo para dormir. A preocupação intensa e o mal-estar relacionados com a impossibilidade de dormir dão lugar a um círculo vicioso, pois quanto mais o paciente tenta dormir, mais frustrado e incomodado se sente, o que acaba dificultando o sono. Com freqüência os pacientes dizem dormir melhor fora do seu quarto e do seu ambiente. A insônia crônica pode acarretar uma diminuição da sensação de bem-estar durante o dia, caracterizada pela alteração do estado de ânimo e da motivação, diminuição da atenção, da energia e da concentração e aumento da sensação de fadiga e mal-estar. Embora existam sintomas de ansiedade ou de depressão, eles não permitem estabelecer o diagnóstico de um transtorno mental. No entanto, a alteração crônica do sono, que caracteriza a insônia primária, constitui um fator de risco para o aparecimento posterior de um transtorno de ansiedade ou depressão.2 Os pacientes que apresentam insônia primária crônica utilizam de maneira inadequada hipnóticos e álcool para favorecer o sono, e bebidas com cafeína ou outros estimulantes para combater a fadiga diurna. A Classificação Internacional dos Transtornos do Sono3 considera a insônia psicofisiológica e a insônia idiopática dentro das dissonias. Do ponto de vista clínico e polissonográfico existe uma grande semelhança entre essas entidades clínicas e a insônia primária. Deve-se assinalar que na revisão sobre o tema, realizada por Reynolds et al 4 antes do aparecimento do DSM-IV, os autores concluíram que a evidência empírica existente sobre a confiabilidade e validade desses subtipos de transtornos do sono era limitada, e que não existia uma base firme para abandonar o conceito de DSMIII-R da insônia primária. Descobertas no laboratório do sono A polissonografia indica a existência de alterações da indução, da continuidade e da estrutura do sono. Dessa maneira, a latência para o começo da etapa 2 do sono não-REM supera normalmente 30 minutos. O tempo de vigília logo após o começo do sono é superior aos 60-90 minutos e o número de vezes em que a pessoa acorda durante a noite é com freqüência maior que 10. A duração do tempo total do sono não supera 5-6 horas e a eficiência do sono (relação entre o tempo que o paciente permanece deitado e o tempo durante o qual dorme) é geralmente inferior a 80-85%.5 Relação da insônia primária com a idade e o sexo A insônia primária é muito pouco freqüente durante a infância e a adolescência. Aparece geralmente no adulto jovem (entre 20 e 30 anos) e se intensifica gradativamente. Com freqüência, o paciente procura ajuda médica vários anos depois da insônia ter iniciado. A insônia primária é mais freqüente na mulher. Parece existir uma predisposição genética feminina para um sono superficial e alterado, embora até o presente não tenham 32 Rev Bras Psiquiatr 2000;22(1):31-4 sido feitos estudos genéticos e/ou familiares para resolver o problema. Desenvolvimento da insônia primária Os fatores que desencadeiam a insônia primária podem ser diferentes daqueles que mantêm o processo. Na maioria dos casos, o início é repentino, coincidindo com uma situação de estresse psicológico (tristeza, afastamento de um familiar), social (perda do emprego, dificuldade econômica) ou médico (iminência de uma intervenção cirúrgica). A insônia primária persiste geralmente muito tempo depois do desaparecimento da causa original, devido à presença de um nível elevado de alerta e de um condicionamento negativo. Incidência da insônia primária Coleman et al6 analisaram 5.000 registros polissonográficos correspondentes a 11 Centros para o Estudo e Tratamento dos Transtornos do Sono. As alterações do sono e da vigília foram diagnosticadas de acordo com a nosologia proposta pela Associação dos Centros para o Estudo do Sono7 e o sistema de classificação proposto pelo DSM-III.8 A amostra de 26% apresentava dificuldade para o início e a manutenção do sono (insônia). Aproximadamente 50% desses pacientes tinham um diagnóstico maior de depressão. Desses pacientes com insônia, 15% eram portadores de uma insônia psicofisiológica (que foi assimilada à insônia primária). Mais recentemente, Buysse et al9 estudaram 216 pacientes que se queixavam de insônia e caracterizaram seu tipo e freqüência de acordo com a Classificação Internacional dos Transtornos do Sono,10 o DSM-IV1 e o ICD-10.11 De acordo com a Classificação Internacional dos Transtornos do Sono, o diagnóstico mais usual foi a insônia associada a um transtorno do humor (32,2%), seguido de uma insônia psicofisiológica (12,5%). Com relação ao DSM-IV, os diagnósticos mais freqüentes foram de insônia relacionada à outra afecção psiquiátrica (44% dos casos) e de insônia primária (22,2% dos pacientes). Pode-se concluir, de acordo com estudos realizados em centros especializados, que entre 12,5% e 22,2% dos pacientes com insônia crônica apresentam um diagnóstico de insônia primária crônica. Diagnóstico diferencial A insônia primária deve diferenciar-se de: 1) Higiene inadequada do sono (ver mais adiante). 2) Transtorno afetivo. Isso é especialmente difícil na depressão “mascarada” (quando o paciente não tem a sensação consciente de tristeza ou de falta de esperança). A diferença se estabelece com base na presença de signos da depressão, como o despertar precoce na madrugada, a anorexia, a diminuição da libido, a variação diurna do humor (pior durante a manhã), a constipação etc. Também devem ser levados em consideração a existência de eventos recentes que possam levar à depressão e de indicadores biológicos como a diminuição da latência para o começo do sono REM. 3) Transtorno de ansiedade generalizada. Esse diagnóstico se realiza quando os sintomas psicológicos e somáticos da ansiedade são predominantes. Rev Bras Psiquiatr 2000;22(1):31-4 Tratamento da insônia primária A insônia primária é um transtorno multidimensional e seu tratamento deverá combinar medidas não farmacológicas e farmacológicas. As estratégias não farmacológicas incluem a higiene do sono e a terapia cognitiva e de conduta. Em relação à higiene do sono, os pacientes serão aconselhados a: realizar exercícios físicos exclusivamente durante a manhã ou nas primeiras horas da tarde; comer uma refeição leve acompanhada de ingestão de água limitada durante o jantar; evitar a nicotina, o álcool e as bebidas que contenham cafeína (café, chá, infusão de erva-mate, bebidas “cola” e inclusive o guaraná); providenciar que a cama, o colchão e a temperatura do quarto sejam agradáveis; regularizar a hora de deitar e levantar; utilizar o quarto somente para dormir; e manter a atividade sexual. Terapias de conduta têm sido desenvolvidas durante os últimos anos para ajudar o paciente com insônia primária. As mesmas se dirigem a reduzir a ansiedade e a apreensão que, embora em grau reduzido, incidem marcadamente no quadro clínico.12 A forma de terapia de conduta utilizada com maior freqüência é a de relaxamento que compreende uma série de procedimentos, como relaxamento muscular, meditação transcedental, ioga, biorretroalimentação e controle de estímulos. Pode-se ainda acrescentar a terapia de conduta.13 Segundo Montgomery et al,14 os tratamentos baseados unicamente no relaxamento muscular são de êxito limitado, enquanto os que se dirigem a melhorar o desamparo do paciente e a diminuir o alerta emocional e cognitivo são mais efetivos. O uso de fármacos hipnóticos desempenha um papel importante na administração da insônia primária. Diversos tipos de medicamentos têm sido utilizados como hipnóticos durante os últimos anos. Os derivados benzodiazepínicos foram introduzidos na década de 70 e têm sido indicados amplamente durante os últimos 25 anos.15 Recentemente três compostos não relacionados estruturalmente com os benzodiazepínicos passaram a estar disponíveis para o uso clínico. Esses são, respectivamente, a zopiclona (derivado da ciclopirrolona), o zolpidem (derivado da imidazopiridina) e o zaleplon (derivado da pirazolopirimidina). O midazolam (derivado benzodiazepínico) e o zaleplon são fármacos de vida média de eliminação plasmática ultracurta (1 hora), enquanto o triazolam (derivado benzodiazepínico), o zolpidem e a zopiclona têm vida média curta (2h a 3,5h). Por outro lado, o temazepam e o flunitrazepam (derivados benzodiazepínicos) têm vida média de duração intermediária (10h a 20h).16 Independentemente de sua estrutura química, todos os hipnóticos mencionados diminuem a latência para o início da etapa 2 do sono não-REM, o número de vezes que o paciente acorda durante a noite e o tempo de vigília logo após o início do sono em um paciente com insônia primária. Em geral, o incremento do tempo total de sono obtido com a zopiclona, o zolpidem e o temazepam oscila entre 6h e 8h. Por outro lado, o midazolam e o zaleplon incrementam a duração do sono no máximo de 2h a 3h, o que é um grave inconveniente para o paciente, uma vez que ele acorda no meio da noite sem poder conciliar o sono. Todos os hipnóticos benzodiazepínicos diminuem acentuadamente o sono com ondas lentas (sono profundo) e o sono Insônia primária Monti JM REM (com sonhos). Além disso, depois de algumas semanas de tratamento, começa a se observar a tolerância ao efeito hipnótico em uma porcentagem elevada de pacientes. A retirada brusca dos derivados benzodiazepínicos de ação hipnótica com vida média curta ou intermediária (midazolam 15 mg, triazolam 0,25 mg, flunitrazepam 1 mg) dá lugar a uma reincidência da insônia (acima dos valores anteriores ao início do tratamento) que pode persistir durante 2 ou 3 noites. Outra complicação freqüente durante o uso prolongado de benzodiazepínicos é o desenvolvimento de uma dependência aos fármacos e de um vício não inferior a 30-45% dos pacientes com insônia primária. Os hipnóticos recentemente introduzidos (zopiclona 7,5 mg, zolpidem 10 mg) não modificam a estrutura do sono, ou seja, não diminuem o sono com ondas lentas e o sono REM. A reincidência da insônia logo após a suspensão brusca do tratamento é muito pouco freqüente, bem como o desenvolvimento de uma dependência aos fármacos.17 Do ponto de vista subjetivo, esses fármacos diminuem o tempo de indução do sono, aumentam sua duração e dão lugar a um sono reparador e tranqüilo. Entre os efeitos adversos, observados durante a administração de fármacos hipnóticos, incluem-se a sonolência e a fadiga durante as primeiras horas da manhã. Os hipnóticos benzodiazepínicos alteram a memória anterógrada e podem afetar negativamente a esfera cognitiva e induzir disartria e ataxia em pacientes mais velhos e de terceira idade. A zopiclona causa o aparecimento de gosto amargo na boca, o que freqüentemente obriga a abandonar seu uso. Embora a melatonina não seja um hipnótico, mas um ressincronizador do sono, tem mostrado certa efetividade no tratamento da insônia primária leve ou moderada do idoso. Em um estudo recente, no qual se incluíram pacientes de terceira e quarta idade com insônia primária crônica, a melatonina em doses de 3 mg deu lugar a um aumento clinicamente significativo do tempo total do sono em 5 de cada 10 pacientes.18 Não existem normas estritas sobre a duração do tratamento da insônia primária crônica com fármacos hipnóticos. Embora alguns autores sugiram que os hipnóticos não devem ser administrados durante períodos maiores de 1 a 2 meses, em muitas circunstâncias é necessário prolongar o tratamento durante meses ou anos. Considera-se que privar pacientes com insônia primária severa de uma medicação efetiva, especialmente os hipnóticos que apareceram recentemente, pode alterar significativamente a qualidade de vida familiar, social e do trabalho, e levar em médio prazo ao aparecimento de um transtorno de ansiedade ou uma síndrome depressiva. Uma alternativa ao tratamento farmacológico contínuo é o uso intermitente de um fármaco hipnótico (“em demanda”) de 4 a 5 dias por semana. Essa forma de administrar o hipnótico pode ser aceitável em pacientes com insônia primária leve ou moderada. Fármacos como o zolpidem estão especialmente indicados para esse tipo de tratamento, uma vez que a propensão a uma reincidência da insônia, quando sua administração é suspensa durante 1 a 2 dias, é mínima. Fontes de financiamento e conflitos de interesse não declarados. 33 Rev Bras Psiquiatr 2000;22(1):31-4 Insônia primária Monti JM Referências 1. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 4 th ed. Washington (DC): American Psychiatric Press; 1994. 2. Morin CM, Ware JC. Sleep and psychophathology. Appl Prevent Psychol 1996;5:221-4. 3. American Sleep Disorders Association. International classification of sleep disorders, revised: diagnostic and coding manual. Rochester, Minnesota: American Sleep Disorders Association; 1997. 4. Reynolds CF, Kupfer DJ, Buysse DJ, Coble PA, Yeager A. Subtyping DSM-III-R primary insomnia: a literature review by the DSM-IV work group on sleep disorders. Am J Psychiatry 1991;148:432-8. 5. Monti JM. Fármacos hipnóticos. In: Flórez J, Armijo JA, Mediavilla A, editores. Farmacología humana. 2ª ed. Barcelona: Masson; 1997. p. 469-76. 6. Coleman RM, Roffwarg HP, Kennedy SJ, Guilleminault C, Cinque J, Cohn MA. Sleep-wake disorders based on a polysomnographic diagnosis. A national cooperative study. JAMA 1982;247:997-1003. 7. Association of Sleep Disorders Centers: diagnostic classification of sleep and arousal disorders. Prepared by the Sleep Disorders Classification Committee. Roffwarg H, chairman. Sleep 1979;2:1-137. 8. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 3rd ed. Washington (DC): American Psychiatric Press; 1980. 9. Buysse DJ, Reynolds CF, Kupfer DJ, Thorpy MJ, Bixler E, Manfredi R, et al. Clinical diagnoses in 216 insomnia patients using the International classification of sleep disorders (ICSD), DSM-IV and ICD-10 categories. A report from the APA/NIMH DSM-IV field trial. Sleep 1994;17:630-7. 10. Diagnostic Steering Committee, Thorpy JM, Chairman. ICSD: International classification of sleep disorders: diagnostic and coding Manual. Rochester, Minnesota: American Sleep Disorders Association; 1990. 34 11. World Health Organization. International statistical classification of diseases and related health problems (ICD-10). 10th ed. Geneva: World Health Organization; 1992. 12. Hauri PJ, Esther MS. Insomnia. Mayo Clin Proc 1990;65:869-82. 13. Bootzin RR, Nicassio PM. Progress in behavior modifications. New York: Academic Press; 1978. p. 1-45. 14. Montgomery I, Perkin G, Wise D. A review of behavioral treatment for insomnia. J Behav Ther Exp Psychiatry 1975;6:93-100. 15. Monti JM. Benzodiazépines et nouveaux composés non benzodiazépiniques. In: Billiard M, editor. Le sommeil normal et pathologique. 2 nd ed. Paris: Masson; 1998. p. 208-16. 16. Monti JM, Monti D. Pharmacological treatment of chronic insomnia. CNS Drugs 1995;4:182-94. 17. Monti JM, Monti D, Estévez F, Giusti M. Sleep in patients with chronic primary insomnia during long-term zolpidem administration and after its withdrawal. Int Clin Psychopharmacol 1996;11:255-63. 18. Monti JM, Alvariño F, Cardinali D, Savio I, Pintos A. Polysomnographic study of the effect of melatonin on sleep in elderly patients with chronic primary insomnia. Arch Geront Geriat 1999;28:85-98. Correspondência Jaime M Monti J. Zudañez 2833/602 Montevideo 11300, Uruguay Fax: (00xx59) 82 487-3787 E-mail: [email protected] ATIVIDADE EM GRUPO AB, masculino, 21 anos, estudante de farmácia, vai à farmácia com uma prescrição de diazepam 10 mg 1 comprimido à noite. O medicamento foi prescrito porque nas últimas 4 a 5 semanas ele tem apresentado insônia. Embora não tenha dificuldade para pegar no sono e não acorde durante à noite, AB tem despertado precocemente às 4h00. Durante o dia ele se sente muito cansado, ansioso e desanimado. Após 3 dias de uso do diazepam ele retorna à farmácia queixando-se que ainda não consegue dormir adequadamente. _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ 6 ANSIEDADE http://www.feebrs.org.br/images/noticias/n1539p1_16e47c4_thumb.jpg 7 Projeto Diretrizes Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina Transtornos de Ansiedade: Diagnóstico e Tratamento Autoria: Associação Brasileira de Psiquiatria Elaboração Final: 24 de janeiro de 2008 Participantes: Versiani M O Projeto Diretrizes, iniciativa conjunta da Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina, tem por objetivo conciliar informações da área médica a fim de padronizar condutas que auxiliem o raciocínio e a tomada de decisão do médico. As informações contidas neste projeto devem ser submetidas à avaliação e à crítica do médico, responsável pela conduta a ser seguida, frente à realidade e ao estado clínico de cada paciente. 1 Projeto Diretrizes Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina DIAGNÓSTICO TRANSTORNO DE PÂNICO1,2(D ) A manifestação central do transtorno de pânico é o ataque de pânico, um conjunto de manifestações de ansiedade com início súbito, rico em sintomas físicos e com duração limitada no tempo, em torno de dez minutos. Os sintomas típicos são: sensação de sufocação, de morte iminente, taquicardia, tonteiras, sudorese, tremores, sensação de perda do controle ou de “ficar louco”, alterações gastrointestinais. Os primeiros ataques de pânico costumam vir sem qualquer aviso, de modo totalmente inesperado. Depois podem surgir a partir de um nível maior de ansiedade, a ansiedade antecipatória, ou serem precipitados pelo contato com algum tipo de situação. O transtorno de pânico inicia com os ataques e costuma progredir para um quadro de agorafobia, no qual o paciente passa a evitar determinadas situações ou locais por causa do medo de sofrer um ataque. Situações e locais típicos da agorafobia são: túneis, engarrafamentos, avião, grandes espaços abertos, shopping centers, ficar sozinho, sair sozinho. Em todas essas situações existe um denominador comum – o problema que o paciente enfrenta, caso nelas tenha um ataque. Com a progressão do transtorno, o paciente fica cada vez mais dependente dos outros e com seu espectro de atividades cada vez mais limitado. Outros transtornos mentais são comumente associados com o transtorno de pânico e precisam ser bem investigados para a elaboração de um plano de tratamento adequado, como depressão ou abuso de álcool ou drogas. TRANSTORNO DE ANSIEDADE SOCIAL (FOBIA SOCIAL)1,2(D ) No transtorno de ansiedade social (fobia social), os sintomas de ansiedade ocorrem em situações nas quais a pessoa é observada pelos outros. Situações típicas compreendem: escrever, assinar, comer e fazer uma apresentação na presença dos outros. Transtornos de Ansiedade: Diagnóstico e Tratamento 3 Projeto Diretrizes Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina Em contato com os outros, especialmente estranhos, o paciente sofre de sintomas como tremores, sudorese, enrubescimento, dificuldade de concentração (“branco na cabeça”), palpitações, tonteira e sensação de desmaio. Diferentemente dos ataques de pânico, os sintomas surgem durante as situações sociais temidas e duram até o contato com os outros terminar. vezes, de que não deixou uma porta aberta. As obsessões e as compulsões surgem, ou tornam-se evidentes, no início da vida adulta. Tendem a piorar com a evolução da doença e a ocupar uma parcela cada vez maior do tempo do indivíduo. O grau de incapacitação é sempre considerável e pode atingir extremos quando o paciente tornase virtualmente paralisado pelos sintomas, incapaz até de levar um garfo até a boca. O transtorno de ansiedade social começa muito cedo na vida da pessoa, há manifestações desde a infância, mas se torna mais evidente no início da vida adulta na medida em que os contatos com os outros se tornam mais obrigatórios. TRANSTORNO DE ANSIEDADE GENERALIZADA1,2(D) A evolução do transtorno de ansiedade social vai limitando cada vez mais a vida da pessoa e pode gerar complicações como o abuso e dependência de álcool ou depressão. TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO1,2(D ) Obsessões são pensamentos, imagens e impulsos que ocorrem de modo repetitivo, intrusivo, usualmente associados com ansiedade, que a pessoa não consegue controlar, apesar de reconhecer seu caráter anormal. Compulsões são atos ou comportamentos, recorrentes e repetitivos, que o paciente é forçado a realizar, sob pena de entrar em um estado de acentuada ansiedade. As compulsões costumam se elaborar em rituais com atos relacionados com limpeza, verificação e contagem. O paciente toma dez, trinta banhos por dia, de acordo com um esquema predeterminado. Lava as mãos toda vez que se encosta a certo tipo de objeto. Conta as cadeiras de um cinema para se sentar, exatamente em determinada posição. Certifica-se, inúmeras 4 No transtorno de ansiedade generalizada, as manifestações de ansiedade oscilam ao longo do tempo, mas não ocorrem na forma de ataques, nem se relacionam com situações determinadas. Estão presentes na maioria dos dias e por longos períodos, de muitos meses ou anos. O sintoma principal é a expectativa apreensiva ou preocupação exagerada, mórbida. A pessoa está a maior parte do tempo preocupada em excesso. Além disso, sofre de sintomas como inquietude, cansaço, dificuldade de concentração, irritabilidade, tensão muscular, insônia e sudorese. O início do transtorno de ansiedade generalizada é insidioso e precoce. Os pacientes informam que sempre foram “nervosos”, “tensos”. A evolução se dá no sentido da cronicidade. TRATAMENTO PRINCÍPIOS GERAIS Os dois componentes principais do tratamento dos transtornos de ansiedade são o emprego de medicamentos em médio e longo prazo e/ou a psicoterapia cognitivo-comportamental3(A)4(B). O diagnóstico deve ser abrangente para se elaborar um plano de tratamento com objetivos bem definidos. Os graus de incapacitação variam Transtornos de Ansiedade: Diagnóstico e Tratamento Projeto Diretrizes Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina muito de caso para caso, nos diferentes transtornos de ansiedade. Certos sintomas, mesmo os considerados principais, muitas vezes não resultam em melhora significativa. Nem sempre o bloqueio dos ataques de pânico resolve a agorafobia. A evitação fóbica tanto no transtorno de pânico quanto no transtorno de ansiedade social costuma ser vencida somente de modo gradual, na medida em que o paciente passa a enfrentar situações que evitava. Nesse processo, o médico pode trabalhar com o paciente, estabelecendo, por exemplo, uma lista de situações a serem enfrentadas, hierarquizadas de acordo com o nível de dificuldade5(A). Os pacientes precisam ser informados quanto aos efeitos dos medicamentos, especialmente os indesejáveis. Deve ser explicado que os medicamentos demoram semanas para induzir os efeitos terapêuticos, ao contrário dos indesejáveis, que surgem depois do primeiro comprimido5-7(A)8(C). Existe dentre especialistas a noção de que a clomipramina seria superior à imipramina quanto à eficácia no tratamento do transtorno de pânico. Nos poucos estudos nos quais os dois tricíclicos foram comparados, em apenas um, com uma amostra pequena, foi encontrada superioridade da clomipramina9(B). Em alguns estudos não-controlados, a clomipramina foi eficaz em doses baixas (10–50 mg/dia), mas nos estudos controlados as doses eficazes foram em torno de 100 mg/dia. Nos estudos controlados com a imipramina, em subgrupos de pacientes, doses menores, em torno de 50 mg/dia, foram eficazes no controle da sintomatologia do pânico. Em um único estudo controlado foi adequadamente estudada a questão da dose da imipramina eficaz no transtorno de pânico, comparando-se três níveis, 50, 100 e 200 mg/ dia. Os níveis de 100 e 200 mg/dia foram comparavelmente eficazes e superiores ao placebo. O nível de 50 mg/dia foi tão eficaz quanto o placebo10(A). TRANSTORNO DE PÂNICO Antidepressivos Tricíclicos A imipramina é o medicamento com eficácia comprovada no maior número de casos, em ensaios duplo-cego, placebo-controlados, no tratamento do transtorno de pânico. A eficácia da clomipramina também foi demonstrada, em menor número de ensaios duplo-cego, placebo-controlados7(A). A imipramina deve ser empregada em doses de 150 a 250 mg/dia, em dose única, à noite. A dose única diária é possível por causa da meiavida plasmática longa. Com o medicamento tomado à noite são minimizados os efeitos indesejáveis associados com o pico plasmático, principalmente a sedação. Transtornos de Ansiedade: Diagnóstico e Tratamento Tanto em ensaios clínicos controlados quanto na experiência de especialistas é notada a particular sensibilidade dos pacientes que sofrem do transtorno de pânico aos efeitos indesejáveis dos tricíclicos, especialmente a exacerbação da ansiedade no início do tratamento. Por isso, recomenda-se que o tratamento seja iniciado com doses muito pequenas (10–20 mg/dia) e que o aumento até os níveis terapêuticos habituais (100–150 mg/dia) seja feito de modo gradual, ao longo de 2 a 4 semanas. Inibidores da Recaptação de Serotonina (IRSs) Dois Inibidores da Recaptação de Serotonina (IRSs), a sertralina e a paroxetina, têm eficácia 5 Projeto Diretrizes Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina bem demonstrada no tratamento do transtorno de pânico em estudos randomizados, duplo-cego, placebo-controlados11,12(A)13(B)14(C). Nos estudos com diferentes níveis de doses fixas, os níveis de 50, 100 e 200 mg/dia de sertralina foram comparavelmente eficazes e todos superiores ao placebo15(A). No estudo de doses fixas com a paroxetina, com 10, 20 e 40 mg/dia, houve clara tendência de curva doseresposta, tendo sido a dose de 40 mg/dia nitidamente superior às outras16(A). Inibidores da Recaptação de Serotonina e Noradrenalina (IRSNs) A venlafaxina tem eficácia demonstrada no tratamento do transtorno de pânico, em dois estudos randomizados, duplo-cego, placebocontrolados17,18(A). Benzodiazepínicos de Alta Potência O alprazolam, depois da imipramina, é o medicamento mais estudado no tratamento do transtorno de pânico, com eficácia comprovada em estudos randomizados, duplo-cego, placebocontrolados19,20(B). Na maioria das pesquisas com o alprazolam, as doses eficazes para o controle da sintomatologia do pânico foram em torno de 6 mg/dia. Poucos estudos foram realizados com doses fixas. Apesar da evidência obtida em estudos de doses fixas ser pequena, parece que o alprazolam pode ser eficaz em grande proporção de casos em doses de 3 a 6 mg/dia. O alprazolam, em decorrência da meia-vida plasmática curta, deve ser administrado em quatro doses por dia: manhã, almoço, jantar e ao deitar. Quando isso não é feito, o paciente pode sofrer de sintomas 6 de ansiedade nos períodos em que o nível plasmático diminui. O clonazepam é outro benzodiazepínico de alta potência com eficácia bem demonstrada em estudos randomizados, duplo-cego, placebocontrolados, no tratamento do transtorno de pânico. O espectro de doses do clonazepam que foi eficaz, nesses estudos, foi de 1,5 a 4,0 mg/ dia. Nesses estudos controlados, o clonazepam foi administrado em duas doses por dia, por causa de sua meia-vida plasmática mais longa. Na prática clínica, contudo, é comum o emprego do clonazepam em três doses por dia, o que induziria um nível plasmático mais estável21,22(A). TRANSTORNO DE ANSIEDADE SOCIAL (FOBIA SOCIAL) Inibidor da Monoaminooxidase (IMAO) A eficácia da fenelzina no tratamento do transtorno de ansiedade social foi bem demonstrada em estudos randomizados, duplocego, placebo-controlados. Em dois desses estudos, esse medicamento foi comparado com a terapia cognitivo-comportamental e com o placebo, em combinação ou sozinho. Esses estudos indicaram que a fenelzina é altamente eficaz. A combinação do medicamento com a terapia cognitivo-comportamental foi mais eficaz do que os dois tratamentos isolados23(A)4,24(B). A fenelzina foi eficaz nos estudos controlados em doses entre 60 e 90 mg/dia. A fenelzina não está disponível no Brasil. O IMAO disponível no Brasil é a tranilcipromina. Há um estudo aberto demonstrando a eficácia da tranilcipromina no tratamento do transtorno de ansiedade social em doses entre 40 e 60 mg/dia25(C). Transtornos de Ansiedade: Diagnóstico e Tratamento Projeto Diretrizes Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina Inibidor da Monoaminooxidase Reversível (RIMA) Foram realizados quatro ensaios randomizados duplo-cego, placebo-controlados, com a moclobemida, um IMAO reversível, no tratamento do transtorno de ansiedade social. Em dois desses ensaios, a moclobemida foi superior ao placebo quanto à eficácia e, em dois, não houve diferenças significativas entre os efeitos terapêuticos obser vados nos grupos tratados com o medicamento e nos grupos tratados com o placebo26-28(A)24(B). As doses de moclobemida empregadas nesses estudos variaram entre 600 e 900 mg/dia. Inibidores da Recaptação de Serotonina (IRSs) A eficácia da paroxetina no tratamento do transtorno de ansiedade social foi demonstrada em dois estudos randomizados, duplo-cego, placebo-controlados, em doses em torno de 40 mg/dia. Esses estudos foram multicêntricos e com amostras grandes29,30(A). Inibidores da Recaptação de Serotonina e Noradrenalina (IRSNs) A eficácia da venlafaxina foi demonstrada no tratamento do transtorno de ansiedade social em dois estudos randomizados, duplocego, placebo-controlados31,32(A). Benzodiazepínicos Em dois estudos duplo-cego, placebocontrolados, cada um realizado em um único centro, foi demonstrada a eficácia do clonazepam e do bromazepam no tratamento do transtorno de ansiedade social, em doses em torno de 3 e de 30 mg/dia, respectivamente 33,34(B). Transtornos de Ansiedade: Diagnóstico e Tratamento TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO Inibidores da Recaptação de Serotonina (IRSs) A única classe de medicamentos com eficácia comprovada em pesquisas clínicas no tratamento do transtorno obsessivo-compulsivo é a dos Inibidores da Recaptação de Serotonina (IRSs). A clomipramina foi o primeiro medicamento a ter sua eficácia demonstrada no tratamento do transtorno obsessivo-compulsivo em estudos randomizados, duplo-cego, placebocontrolados35(B). Isso explica, em parte, a melhor diferenciação entre os resultados terapêuticos da clomipramina e os do placebo obtidos nesses estudos, realizados no final da década de 80 do século passado. Nos estudos posteriores sobre o tratamento do transtorno obsessivo-compulsivo, a resposta ao placebo aumentou muito e diminuiu a diferenciação com os medicamentos ativos. Em vários estudos randomizados, duplocego, placebo-controlados, foi demonstrada a eficácia no tratamento do transtorno obsessivocompulsivo dos IRSs: clomipramina, sertralina, fluvoxamina e fluoxetina. As doses desses medicamentos que se mostraram eficazes foram relativamente altas, 226, 200, 249, e 60 mg/ dia, respectivamente36(A)37(B). Em duas meta-análises foram avaliados os resultados obtidos até 1994 em estudos randomizados, duplo-cego, placebo-controlados, no tratamento do transtorno obsessivo compulsivo 36 (A) 37(B). Nessas duas metaanálises, a clomipramina foi associada com um efeito terapêutico em relação ao placebo maior do que os da sertralina, fluvoxamina ou fluoxetina. Nos estudos com comparações diretas 7 Projeto Diretrizes Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina entre a clomipramina e os outros IRSs, contudo, não foram encontradas diferenças quanto à eficácia. A paroxetina, outro IRS, foi comparavelmente eficaz à clomipramina no tratamento do transtorno obsessivo compulsivo em um estudo randomizado, duplo-cego, placebocontrolado38(A). TRANSTORNO DE ANSIEDADE GENERALIZADA (TAG) O transtorno de ansiedade generalizada passou a ser considerado um transtorno residual desde a publicação dos critérios diagnósticos da Associação Americana de Psiquiatria (DSM-IV) e da Classificação Internacional de Doenças da O.M.S. (CID-10). Essa situação está mudando com a demonstração a partir de estudos epidemiológicos de que o transtorno existe sozinho, é frequente e muito incapacitante39(A). Por causa das dúvidas quanto à importância clínica do transtorno de ansiedade generalizada e do predomínio do emprego de outras categorias diagnósticas de ansiedade, poucos estudos controlados foram realizados sobre o tratamento dessa condição. O primeiro estudo randomizado, duplocego, placebo-controlado, sobre o tratamento do transtorno de ansiedade generalizada definido de acordo com o sistema DSM-IV, foi realizado com a venlafaxina XR. Três doses de venlafaxina XR, 75, 150 e 225 mg/dia foram superiores ao placebo quanto à eficácia em um período de tratamento de seis meses. Os três níveis de doses foram comparavelmente eficazes e todos superiores ao placebo40(A). 8 Posteriormente, foi bem demonstrada a eficácia da sertralina no tratamento do transtorno de ansiedade generalizada em dois estudos randomizados, duplo-cego, placebocontrolados41,42(A). Pacientes que seriam diagnosticados como sofrendo do transtorno de ansiedade generalizada dos sistemas DSM-IV ou CID-10 são tratados há três décadas, principalmente com os benzodiazepínicos. Em muitos ensaios clínicos randomizados, duplo-cego, placebocontrolados, foi demonstrada a eficácia dos vários benzodiazepínicos no tratamento de pacientes com o antigo diagnóstico de “neurose de ansiedade” que, certamente, incluía os casos atuais de Transtorno de ansiedade generalizada43(D). Tanto os resultados de estudos realizados com amostras heterogêneas de casos com transtornos de ansiedade quanto o emprego largamente disseminado dos benzodiazepínicos para o tratamento da ansiedade não são base para a orientação quanto ao melhor tratamento dos pacientes. A ESCOLHA DO MEDICAMENTO A escolha do medicamento deve recair sobre um composto com eficácia determinada em ensaios clínicos randomizados, duplo-cego, placebo-controlados6,7,30,44,45(A)37(B). Outro elemento é o perfil de efeitos indesejáveis. Os Inibidores da Recaptação de Serotonina (IRSs) são associados com vários efeitos indesejáveis (sonolência, insônia, ganho de peso, disfunção sexual, boca seca, constipação, piora dos sintomas no início do tratamento, efeitos Transtornos de Ansiedade: Diagnóstico e Tratamento Projeto Diretrizes Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina extrapiramidais, bruxismo, acatisia, movimentos involuntários, náusea, diarreia e sudorese). Os IRSs inibem enzimas do sistema P 450 do fígado e podem aumentar o nível plasmático de vários compostos, inclusive dos antidepressivos tricíclicos, induzindo interações medicamentosas perigosas46(D). ganho de peso, disfunção sexual, efeitos cardiovasculares (hipotensão ortostática, prolongamento do intervalo QTc), efeitos extrapiramidais (acatisia, rigidez, tremores). Em superdoses, os tricíclicos induzem um quadro gravíssimo de intoxicação, frequentemente letal46(D). Os antidepressivos tricíclicos são associados com acentuados efeitos anticolinérgicos (boca seca, constipação, efeitos anticolinérgicos centrais – dificuldade de concentração, perturbação da memória–– tonteira, taquicardia, palpitações, constipação, visão turva, retenção urinária), instabilidade motora, Os benzodiazepínicos (alprazolam, clonazepam) são associados com sedação, distúrbios cognitivos (dificuldade de concentração, amnésia), disfunção sexual, disfunção psicomotora, toxicidade comportamental (irritabilidade, agressividade, desinibição). O uso continuado de benzodiazepínicos induz dependência fisiológica e Algoritmo Transtornos 1ª linha Pânico IRSs: sertralina paroxetina IRSNs: venlafaxina Ansiedade Social lRS: paroxetina IRSNs: venlafaxina Obsessivo-Compulsivo IRSs: sertralina paroxetina fluvoxamina fluoxetina clomipramina Ansiedade Generalizada IRSNs: venlafaxina IRSs: sertralina mg/dia 2ª linha 50 20 mg/dia 3ª linha Tricíclicos: imipramina 150–200 clomipramina 100–150 BZDs: clonazepam alprazolam BZD: clonazepam RIMA Moclobemida mg/dia 2–4 2–4 75-150 40 – 60 3–– 6 750 – 900 75 -225 200 60 300 60 300 75 – 150 Combinações IRS + antipsicótico IRSs: paroxetina BZD: prazos curtos 20 – 40 50 –200 Transtornos de Ansiedade: Diagnóstico e Tratamento 9 Projeto Diretrizes Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina quando da suspensão, especialmente se abrupta, pode ocorrer uma síndrome de abstinência com sintomas como tremores, ansiedade acentuada, sudorese, câimbras, hipersensibilidade sensorial, inquietude, insônia, cefaleia e até convulsões46(D). Considerações de ordem prática influenciam também na escolha das opções do algoritmo. A imipramina é mais acessível às pessoas de menor renda, na forma de genérico ou distribuída por instituições públicas. Apesar de induzirem vários efeitos indesejáveis, os Inibidores da Recaptação de Serotonina (IRSs) são, no presente, considerados uma opção melhor quanto à tolerabilidade do que os tricíclicos ou os benzodiazepínicos6,36(A)13,37(B)46,47(D). Outro fator que pode pesar na escolha de um medicamento é o custo. Os tricíclicos, especialmente a imipramina, e os benzodiazepínicos são medicamentos mais antigos, acessíveis na forma de genéricos e de custo menor. Por quanto tempo deve ser mantido o tratamento? Há estudos que demonstram que os efeitos terapêuticos dos medicamentos se mantêm durante períodos de seis meses a um ano no tratamento do transtorno de pânico6(A). Em um estudo controlado, randomizado, duplocego, placebo-controlado com pacientes com o transtorno de pânico, o índice de recidiva no grupo que passou para o placebo após seis meses de tratamento bem sucedido com a imipramina foi de 50% em um ano de seguimento48(A). Em função dos níveis (qualidade e quantidade) de evidências científicas (resultados de ensaios clínicos randomizados, duplo-cego, placebo-controlados), descritos nessas Diretrizes, demonstrando a eficácia dos medicamentos para o tratamento dos transtornos de ansiedade e de problemas associados à tolerabilidade ou riscos, pode-se elaborar um algoritmo (Figura 1). Quanto ao transtorno de ansiedade social, há um estudo aberto demonstrando que o índice de recidiva é muito grande, de mais de 50%, após quatro anos de tratamento medicamentoso bem sucedido 49(B), e um estudo controlado mostrando recidiva de 40% no grupo com placebo em seis meses de continuação50(A). Nesse algoritmo, os medicamentos são ordenados como de 1ª, 2ª ou 3ª linha, como opções para o tratamento de um determinado transtorno de ansiedade. Estudos controlados mostram que os IRSs mantêm seus efeitos terapêuticos em pacientes com o transtorno obsessivo-compulsivo durante dois anos de tratamento51(A). Em estudos de seguimento naturalístico, a frequência de recidiva no transtorno obsessivo-compulsivo é muito alta, maior do que 50% após dois anos de seguimento8(C). Na avaliação de cada paciente, o médico deverá exercer o julgamento clínico e optar por um medicamento não necessariamente na ordem recomendada pelo algoritmo. Por exemplo, um paciente que sofre do transtorno de pânico e que é hipersensível à piora inicial induzida pelos IRSs pode ser inicialmente tratado com o clonazepam. 10 Os estudos de seguimento em longo prazo de todos os transtornos de ansiedade foram, predominantemente, naturalísticos, abertos e não-controlados. Transtornos de Ansiedade: Diagnóstico e Tratamento Projeto Diretrizes Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina Mostram que a evolução desses transtornos não é uniforme e com subgrupos diferentes de pacientes. Os pacientes podem ser divididos em três subgrupos quanto à evolução: crônica, episódica ou quadro agudo seguido de remissão47(D). A conclusão prática para o médico quanto ao tratamento de manutenção dos transtornos de ansiedade seria a de que períodos de cerca de seis meses de tratamento farmacológico estariam indicados para a maioria dos casos. Em muitos casos, o tratamento farmacológico é mantido por períodos muito longos, de anos, por motivos como a resolução apenas parcial da sintomatologia ou pioras Transtornos de Ansiedade: Diagnóstico e Tratamento nítidas quando a dose do medicamento começa a ser diminuída. CONFLITO DE INTERESSE Versiani M: o autor recebeu reembolso por comparecimento a simpósio e congressos da Associação Brasileira de Psiquiatria; honorários por apresentação, conferência ou palestra das indústrias Janssen, Pfizer, Ser vier e AstraZeneca; honorários por atividades de ensino da UFRJ - Instituto de Psiquiatria; financiamento para pesquisa - CNPq das indústrias Janssen, Pfizer, Servier e Organon; recurso para membro de equipe - CNPq das indústrias Pfizer e Servier e honorários para consultoria das indústrias Pfizer e Janssen. 11 DEPRESSÃO http://1.bp.blogspot.com/_meBgGxAAF4Y/SbzL5hiQrvI/AAAAAAAAANU/r-GgV4e6scA/s400/depressao4.jpg 8 S7 Revisão das diretrizes da Associação Médica Brasileira para o tratamento da depressão (Versão integral) Revision of the guidelines of the Brazilian Medical Association for the treatment of depression (Complete version) Marcelo P. Fleck1,2, Marcelo T. Berlim3,4, Beny Lafer5,6, Everton Botelho Sougey7,8, José Alberto Del Porto9, Marco Antônio Brasil10,11, Mário Francisco Juruena12,13, Luis Alberto Hetem14 Resumo Objetivo: A depressão é uma condição freqüente, em geral recorrente e de curso crônico, associada com níveis altos de incapacitação funcional. A Associação Médica Brasileira, por meio do projeto “Diretrizes”, buscou desenvolver guias para diagnóstico e tratamento das doenças mais comuns. O objetivo deste trabalho é o de atualizar as Diretrizes desenvolvidas em 2003, incorporando novas evidências e recomendações. Método: A metodologia utilizada foi a proposta pela Associação Médica Brasileira para o projeto Diretrizes. Assim, o trabalho foi baseado em diretrizes desenvolvidas em outros países aliadas a artigos de revisão sistemáticos, ensaios clínicos randomizados e, na ausência destes, estudos observacionais e recomendações de grupo de experts. A atualização foi realizada a partir de novas diretrizes internacionais publicadas a partir de 2003. Resultados: São apresentados dados referentes a prevalência, demografia, incapacitação, diagnóstico e subdiagnóstico de depressão. Em relação ao tratamento, são mostrados dados sobre a eficácia do tratamento medicamentoso e psicoterápico das depressões, além do perfil de custos e de efeitos colaterais das diferentes classes de medicamentos disponíveis no Brasil, além do planejamento das diferentes fases do tratamento. Conclusão: As diretrizes têm como objetivo servir de orientação para a tomada de decisões clínicas baseada nas evidências científicas da literatura disponível. Descritores: Depressão; Revisão; Diagnóstico; Resultado de tratamento; Sociologia médica Abstract Objective: Depression is a frequent, recurrent and chronic condition with high levels of functional disability. Brazilian Medical Association Guidelines project proposed guidelines for diagnosis and treatment of the most common medical disorders. The objective of this paper is to present a revision of the Guidelines Published in 2003 incorporating new evidences and recommendations. Method: This review was based on guidelines developed in other countries and systematic reviews, randomized clinical trials and when absent, observational studies and recommendations from experts. Brazilian Medical Association proposed this methodology for the whole project. The revision was developed from new international guidelines published since 2003. Results: The following aspects are presented: prevalence, demographics, disability, diagnostics and sub-diagnosis, efficacy of pharmacological and psychotherapeutic treatment, costs and side-effects of different classes of available drugs in Brazil. Strategies for different phases of treatment are also discussed. Conclusion: Guidelines are an important tool for clinical decisions and a reference for orientation based on levels of evidence in the literature. Descriptors: Depression; Review; Diagnosis; Treatment outcome; Sociology, medical 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre (RS), Brasil Programa de Transtornos de Humor (PROTHUM), Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Porto Alegre (RS), Brasil Departamento de Psiquiatria, McGill University, Montreal, Quebec, Canada Douglas Mental Health University Institute, Montreal, Quebec, Canada Departamento de Psiquiatria, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo (SP), Brasil Programa de Transtorno Bipolar (PROMAN), Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo (SP), Brasil Departamento de Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife (PE), Brasil Núcleo de Assistência, Ensino e Pesquisa dos Transtornos Afetivos, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife (PE), Brasil Escola Paulista de Medicina (EPM), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo (SP), Brasil Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro (RJ), Brasil Ex-Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento, Divisão de Psiquiatria, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), Universidade de São Paulo (USP), Ribeirão Preto (SP), Brasil Seção de Neurobiologia dos Transtornos do Humor, Instituto de Psiquiatria, King’s College London, London, UK Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), Universidade de São Paulo (USP), Ribeirão Preto (SP), Brasil Correspondência Marcelo P. Fleck Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal Universidade Federal do Rio Grande do Sul Rua Ramiro Barcelos, 2350 - 4º andar 90430-090 Porto Alegre, RS, Brasil Fone: (+55 51) 3316-8413 Fax: (+55 51) 3330-8965 E-mail: PÁHFNYR\#WHUUDFRPEr Rev Bras Psiquiatr. 2009;31(Supl I):S7-17 Diretrizes para a depressão Introdução A depressão é uma condição relativamente comum1, de curso crônico2 e recorrente3-5. Está freqüentemente associada com incapacitação funcional6 e comprometimento da saúde física7-9. Os pacientes deprimidos apresentam limitação da sua atividade e bemestar10,11, além de uma maior utilização de serviços de saúde12. No entanto, a depressão segue sendo subdiagnosticada e subtratada. Entre 30 e 60% dos casos de depressão não são detectados pelo médico clínico em cuidados primários13,14. Muitas vezes, os pacientes deprimidos também não recebem tratamentos suficientemente adequados e específicos15. A morbi-mortalidade associada à depressão pode ser, em boa parte, prevenida (em torno de 70%) com o tratamento correto16. No ano de 2001, a Associação Médica Brasileira (AMB) desenvolveu o Projeto Diretrizes, cujo objetivo foi o de estabelecer condutas no reconhecimento e tratamento de uma variedade de condições médicas comuns, entre elas a depressão. Em 2003, a Revista Brasileira de Psiquiatria (RBP) publicou uma versão mais detalhada dessas diretrizes17. Recentemente, por iniciativa da AMB, estas condutas foram revisadas e a RBP solicitou aos autores que publicassem novamente uma versão mais detalhada dessa revisão sobre depressão. Assim, o objetivo principal deste artigo foi o de revisar e atualizar a Diretriz para Depressão publicada em 2003, com ênfase no diagnóstico e tratamento da depressão unipolar. Os objetivos originais das diretrizes seguem os mesmo, quais sejam: 1) fornecer subsídios para incrementar a capacidade de diagnóstico de novos casos de depressão; 2) oferecer uma abordagem racional para o tratamento de depressão, definindo quais casos tratar, como tratar e quando encaminhar ao psiquiatra/ especialista; 3) conscientizar os profissionais da importância do seu papel na redução do impacto da morbi-mortalidade e na melhoria da qualidade de vida dos pacientes com depressão. Método A diretriz original de 2003 foi baseada em quatro documentos desenvolvidos por instituições ou grupos de notório saber: Associação Inglesa de Psicofarmacologia18, Associação Americana de Psiquiatria19, Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos (Depression Guideline Panel)20,21 e o Comitê de Prevenção e Tratamento de Depressão da Associação Mundial de Psiquiatria22. O critério de seleção destes documentos foi o de terem utilizado prioritariamente artigos de revisão sistemática, ensaios clínicos randomizados e, na ausência desses, estudos observacionais e recomendações de grupo de experts. A maioria dos dados utilizados nesses estudos foi de pacientes deprimidos que procuraram serviços psiquiátricos, devido ao pequeno número (embora crescente) de estudos a partir de pacientes em serviços de cuidados primários. Para esta revisão foi feita uma busca no Pubmed com a palavrachave “unipolar depression”. A busca foi limitada pelo tipo de artigo (practice guidelines), língua (inglesa) e ano (a partir de 2002). Com esta busca, foram encontradas 23 publicações. Os resumos das 23 publicações foram examinados, sendo selecionadas cinco que preenchiam os critérios de diretrizes para diagnóstico e tratamento de depressão unipolar em adultos23-27. Os principais elementos complementares e inovadores desses documentos foram acrescentados à Diretriz publicada em 2003. Parte 1 - Depressão: prevalência e diagnóstico A depressão é um problema freqüente Estudos de prevalência em diferentes países ocidentais mostram que a depressão é um transtorno freqüente. A prevalência anual na população em geral varia de 3 a 11%28-30. Uma metanálise de 23 estudos de prevalência e incidência de depressão, utilizando o pool de amostras, encontrou a prevalência de 4,1% em um ano e 6,7% em toda a vida1. Estes dados contrastam com o principal estudo norte-americano sobre o tema, que encontrou respectivamente 6,6% (um ano) e 16,2% (toda a vida)3. Estudos desenvolvidos com amostras clínicas (de pacientes) mostram prevalência superior. Em pacientes de cuidados primários em saúde, Ustun e Sartorius31, em estudo internacional realizado em 14 países, mostraram a mediana de prevalência acima de 10%. Em populações específicas, como a de pacientes com infarto recente, é de 33%32, chegando a 47% nos pacientes com câncer33. Em pacientes internados por qualquer doença física a prevalência de depressão varia entre 22% e 33%22. A depressão é mais freqüente em mulheres A prevalência de depressão é duas a três vezes mais freqüente em mulheres do que em homens, mesmo considerando estudos realizados em diferentes países, comunidades ou pacientes que procuram serviços psiquiátricos34. A depressão é um transtorno crônico e recorrente Aproximadamente 80% dos indivíduos que receberam tratamento para um episódio depressivo terão um segundo episódio ao longo de suas vidas, sendo quatro a mediana de episódios ao longo da vida18. A duração média de um episódio é entre 16 e 20 semanas e 12% dos pacientes têm um curso crônico sem remissão de sintomas35,36. A depressão é um transtorno incapacitante A depressão foi estimada como a quarta causa específica nos anos 90 de incapacitação através de uma escala global para comparação de várias doenças. A previsão para o ano 2020 é a de que será a segunda causa em países desenvolvidos e a primeira em países em desenvolvimento37. Quando comparada com as principais condições médicas crônicas, a depressão só tem equivalência em incapacitação às doenças isquêmicas cardíacas graves6, causando mais prejuízo no status de saúde do que angina, artrite, asma e diabetes38. A depressão é pouco diagnosticada pelo médico não-psiquiatra Em serviços de cuidados primários e outros serviços médicos gerais, 30 a 50% dos casos de depressão não são diagnosticados13,14,39. Os motivos para o subdiagnóstico advêm de fatores relacionados aos pacientes e aos médicos. Os pacientes podem ter preconceito em relação ao diagnóstico de depressão e descrença em relação ao tratamento. Os fatores relacionados aos médicos incluem falta de treinamento, falta de tempo, descrença em relação à efetividade do tratamento, reconhecimento apenas dos sintomas físicos da depressão e identificação dos sintomas de depressão como uma reação “compreensível”40,41. Treinamento de médicos não psiquiatras para diagnóstico de depressão, bem como utilização de instrumentos de rastreamento para depressão não tem demonstrado um impacto substancial nem duradouro sobre o adequado manejo dos casos de depressão42,43. A detecção da depressão pelo médico não-psiquiatra não parece estar associada à indicação adequada de tratamento44. Existem perguntas simples que ajudam a melhorar a detecção de depressão pelo médico Os modernos sistemas classificatórios em psiquiatria operacionalizaram o diagnóstico de depressão, facilitando seu reconhecimento e a comunicação científica entre profissionais (Tabela 1). Na Tabela 2, são apresentadas algumas perguntas que podem melhorar a detecção dos casos de depressão pelo médico nãopsiquiatra. Além do diagnóstico de episódio depressivo, existem outras apresentações de depressão com sintomas menos intensos, porém com grau de incapacitação similar, que são muito freqüentes nos serviços de atenção primária A distimia é um transtorno depressivo crônico com menor intensidade de sintomas, presente por pelo menos dois anos com períodos ocasionais e curtos de bem-estar. Além do humor depressivo, devem estar presentes até três dos seguintes sintomas: redução de energia insônia, diminuição da auto-confiança, dificuldade de concentração, choro, diminuição do interesse sexual e em outras atividades prazerosas, sentimento de desesperança e desamparo, inabilidade de lidar com responsabilidades do dia-a-dia, pessimismo em relação ao futuro, retraimento social e diminuição do discurso45. Evidências de estudos naturalísticos mostram que o comprometimento do funcionamento social e ocupacional da distimia é maior do que o dos Rev Bras Psiquiatr. 2009;31(Supl I):S7-17 S8 S9 Fleck MP et al. episódios depressivos6,48-51, sugerindo que a extensão do comprometimento social e ocupacional seja mais relacionado com o tempo de permanência de sintomas do que com sua intensidade. O transtorno misto de ansiedade e depressão inclui pacientes com sintomas de ansiedade e depressão sem que nenhum dos dois conjuntos de sintomas considerados separadamente seja suficientemente intenso que justifique um diagnóstico. Neste transtorno, alguns sintomas autonômicos (tremor, palpitação, boca seca, dor de estômago) podem estar presentes, mesmo que de forma intermitente45. Sua prevalência é 4,1% em serviços de cuidados primários deste transtorno52,53. Recentemente, uma particular atenção tem sido dada aos pacientes deprimidos leves que não preenchem critérios diagnósticos (depressão subsindrômica), mas que possuem alto risco de apresentarem futuros episódios depressivos22. Antes de iniciar um tratamento antidepressivo é importante afastar o diagnóstico de transtorno bipolar Aproximadamente 10 a 20% dos pacientes depressivos unipolares têm o seu diagnóstico modificado para transtorno de humor bipolar ao longo do tempo54,55. É de grande relevância clínica o conhecimento de que antidepressivos podem precipitar mania em pacientes com aparente depressão unipolar56. Parte 2: Tratamento 1. Considerações gerais Os antidepressivos são efetivos no tratamento agudo das depressões moderadas e graves, porém não diferentes de placebo em depressões leves Existe uma evidência contundente na literatura de que os antidepressivos são eficazes no tratamento da depressão aguda de moderada a grave, quer melhorando os sintomas (resposta), quer eliminando-os (remissão completa)18. O índice de resposta em amostras com intenção de tratamento (intention-to-treat) variam entre 50 a 65%, contra 25 a 30% mostrados por placebo em estudos clínicos randomizados21,57,58. Uma revisão sistemática de tratamento antidepressivo em transtorno depressivo associado com doença física mostrou taxas de resposta semelhantes57,59. Outra revisão de estudos de metanálise de pacientes deprimidos tratados em cuidados primários mostrou taxas de 50 a 60% de resposta, resultados semelhantes aos obtidos em amostras de pacientes psiquiátricos57. Os antidepressivos não mostraram vantagens em relação ao placebo em depressões leves, pois uma boa resposta é observada em ambos60-62. Em pacientes com depressão psicótica, a associação de antidepressivos com antipsicóticos é mais efetiva do que antidepressivos isoladamente Existe uma literatura consistente mostrando que antidepressivos ou antipsicóticos usados de forma isolada têm pior resultado do Rev Bras Psiquiatr. 2009;31(Supl I):S7-17 que quando usados em combinação63,64. Tanto antipsicóticos típicos como atípicos são efetivos, não havendo dados controlados que comparem “novos” versus “antigos” antipsicóticos25. A remissão completa de sintomas deve ser a meta de qualquer tratamento antidepressivo Existe uma consistente evidência na literatura de que a permanência de sintomas residuais de depressão estão associados a pior qualidade de vida, pior funcionalidade, maior risco de suicídio, maior risco de recaída e aumento de consumo de serviços de saúde65,66. Os antidepressivos são efetivos no tratamento agudo da distimia Uma meta-análise de 15 ensaios clínicos randomizados para tratamento de distimia mostrou que 55% dos pacientes respondem a antidepressivos, comparado com 30% com placebo67. Tratamentos psicológicos específicos para episódio depressivo são efetivos com maiores evidências para depressões leves a moderadas Evidências recentes estabelecidas por estudos de revisão e metanálises mostraram eficácia no tratamento agudo das depressões para as seguintes formas de tratamentos psicológicos: psicoterapia cognitivo-comportamental68, psicoterapia comportamental69, psicoterapia interpessoal70 e psicoterapia de resolução de problemas71. Outras psicoterapias também mostraram eficácia, embora sustentada por um menor número de estudos: psicoterapia breve psicodinâmica72, terapia de casal73 e aconselhamento74. As evidências sugerem 1) uma eficácia semelhante para antidepressivos, psicoterapia cognitivo-comportamental, comportamental e interpessoal ou tratamentos combinados em depressões leves a moderadas; 2) uma maior eficácia de tratamentos combinados (antidepressivos + psicoterapia) em depressões moderadas a graves; e 3) uma ausência de evidência para depressões muito graves24. Os diferentes antidepressivos têm eficácia semelhante para a maioria dos pacientes deprimidos, variando em relação ao perfil de efeitos colaterais e potencial de interação com outros medicamentos Revisões sistemáticas e estudos de metanálise sugerem que os antidepressivos comumente disponíveis têm eficácia comparável para a maioria dos pacientes vistos em cuidados primários ou em ambulatório75-77. As metanálises sobre efeitos colaterais no uso agudo de antidepressivos têm se concentrado na comparação entre os inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRS) e os tricíclicos. O uso de ISRS está associado com menor índice de abandono de tratamento comparado com os tricíclicos, mas a diferença absoluta é de apenas 3 Diretrizes para a depressão a 5%18,78. Esta diferença, no entanto, pode aumentar com a duração do tratamento18 e pode ser maior na prática clínica diária79. Os antidepressivos ISRS têm mais chance do que os tricíclicos de serem prescritos em doses recomendadas por tempo recomendado Existe uma evidência consistente de que os antidepressivos tricíclicos são prescritos em doses inferiores e por um tempo mais curto que o recomendado80-84. No entanto, não há evidência direta que pacientes que receberam ISRS tenham um melhor resultado do que os que receberam tricíclico85. Novos antidepressivos são mais caros que as drogas mais antigas, mas é controverso se o custo geral do tratamento seria maior. Não há dados brasileiros sobre custos O preço do medicamento é um dos aspectos do custo do tratamento. Fatores como número de consultas, exames solicitados, faltas ao trabalho, recaídas e dias de hospitalização são alguns outros dados a serem considerados. Alguns estudos têm mostrado que o custo geral do tratamento com ISRS e tricíclicos se aproxima86. No entanto, a maioria dos estudos de farmacoeconomia tem problemas de delineamento e/ou conflito de interesses, e sua validade externa é limitada, já que se referem a custos e rotinas específicas de alguns centros ou países18. Não há dados brasileiros referentes a este tema. A prescrição de antidepressivos está associada com diminuição do risco de suicídio Estudos epidemiológicos das últimas décadas revelam uma redução da freqüência de suicídio com a prescrição de antidepressivos. Alguns dados sugerem que o tratamento dom ISRS poderia aumentar o risco de suicídio em alguns pacientes87. O risco estaria aumentado no início do tratamento88. Comparativamente, o risco de suicídio é mais alto antes do tratamento antidepressivo iniciar (mês anterior), muito menor na primeira semana de tratamento, diminuindo ainda mais nas semanas seguintes89. 2. Considerações práticas Consultas com freqüência semanal no início do tratamento estão associadas a maior adesão e melhores resultados em curto prazo Estudos naturalísticos que compararam as rotinas usuais dos serviços com entrevistas semanais nas primeiras quatro a seis semanas mostraram melhor desfecho e maior adesão dos pacientes que seguiram o regime semanal57,90. A necessidade da monitorização de resposta, efeitos colaterais, adesão a tratamento e risco de suicídio também reforçam a freqüência semanal como a recomendável na fase inicial do tratamento18. A resposta ao tratamento agudo com antidepressivo é observada entre duas e quatro semanas após o início do uso; contudo o início da resposta costuma ocorrer na primeira semana A resposta clinicamente significativa ao antidepressivo não é imediata e costuma ocorrer entre a segunda e a quarta semana de uso18. No entanto, o início de ação parece já ocorrer na primeira semana. Uma metanálise de 46 estudos mostrou que 35% da melhora medida em escalas de avaliação ocorrem na primeira semana91. Melhora nas primeiras duas semanas de tratamento estão associadas com maior chance de resposta92,93. Ausência de resposta em quatro semanas diminui a chance de haver resposta posterior com o mesmo tratamento, embora alguns pacientes possam vir a responder em seis semanas94,95. Quando um paciente não responde ao tratamento a recomendação é revisar os fatores relacionados à não resposta: 1) diagnóstico correto, avaliando a possibilidade de doença médica ou psiquiátrica concorrente18; 2) adesão a tratamento. A adesão ao tratamento antidepressivo é relativamente baixa, variando de 40 a 90% em diferentes estudos, com a média de 65%96; 3) longa duração da doença97-100; 4) dificuldades sociais crônicas e eventos de vida persistentes14,101,102; 5) episódio grave ou com sintomas psicóticos5,103-108; 6) distimia e transtorno de personalidade grave109-114. As estratégias utilizadas quando um paciente não responde ao tratamento com medicamento antidepressivo consiste em 1) aumento de dose; 2) potencialização com lítio ou tri-iodotironina (T3); 3) associação de antidepressivos; 4) troca de antidepressivo; 5) eletroconvulsoterapia (ECT); e 6) associação com psicoterapia Existem evidências limitadas sobre qual estratégia seria a melhor alternativa quando da não resposta a um tratamento inicial proposto115. Um estudo randomizado mostrou que o aumento de fluoxetina até 60mg em pacientes que não responderam a 20mg por oito semanas foi mais efetivo que a potencialização com lítio ou desipramina116. Aumento de dose, quando não há resposta, parece ser um passo lógico, considerando que existe uma grande variedade individual na concentração plasmática de antidepressivos e que existe uma incerteza sobre o que seria uma dose adequada para um dado indivíduo18. Não há estudos randomizados comparando a continuação de um tratamento original em relação à troca por um antidepressivo diferente. Os estudos controlados têm problemas metodológicos como tipos particulares de pacientes e amostras pequenas18. Estudos abertos mostram que aproximadamente entre 20 e 60% dos pacientes respondem à troca de antidepressivos21 ou à troca entre ISRS117. Uma metanálise de quatro ensaios clínicos randomizados demonstrou que a potencialização dos antidepressivos com carbonato de lítio em pacientes deprimidos resistentes mostrou que aproximadamente 40% responderam comparados com 10% com placebo118. Uma metanálise também com quatro ensaios clínicos randomizados avaliando o efeito da potencialização com tri-iodotironina mostrou um moderado tamanho de efeito (0,6) em relação à melhora da sintomatologia depressiva quando comparado ao placebo, mas uma diferença não significativa em relação ao índice de resposta (8%)119. Em relação à ECT, estudos abertos mostram índices de resposta de 50% em paciente deprimidos resistentes120. Existem algumas evidências de que a associação de medicação antidepressiva com psicoterapia cognitivo-comportamental (TCC) ou psicoterapia interpessoal possa melhorar o desfecho de pacientes resistentes que procuram serviços psiquiátricos121,122. Após uma resposta insatisfatória ao antidepressivo (ISRS), pacientes alocados para receber diferentes estratégias antidepressivas tiveram desfechos semelhantes aos que receberam TCC, sendo que a TCC foi melhor tolerada que a troca por medicação antidepressiva123. A potencialização do efeito antidepressivo com TCC teve início de efeito mais tardio que os antidepressivos123. A chance de que um próximo tratamento antidepressivo funcione decresce a cada nova tentativa que falha O número de tentativas com medicação antidepressiva prévia é um fator preditor importante para insucesso de tratamento. Os estudos de “próximo passo” (next step studies) são, em geral, problemáticos por serem com “n” pequenos, não replicados e com populações muito heterogêneas, o que tornam difíceis as generalizações24. Uma exceção recente é o projeto STAR*D (Sequenced Treatment Alternatives for the Relief of Depression), que envolveu em torno de 4.000 pacientes seguidos ao longo de quatro etapas para avaliar o desempenho de sucessivas tentativas com esquemas antidepressivos diversos124. Um dos principais achados do projeto STAR*D foi justamente o de que a resposta a tratamento decaiu de 49% para 19% e a remissão de 37% para 13% ao longo dos Rev Bras Psiquiatr. 2009;31(Supl I):S7-17 S10 S11 Fleck MP et al. quatro estágios do estudo125. Outros trabalhos recentes corroboram a importância da ausência de resposta a um antidepressivo como bom preditor de resposta insatisfatória a tratamentos subseqüentes36. A ECT é um tratamento agudo para depressões, sendo mais eficaz que medicações antidepressivas A maioria dos estudos com ECT envolve pacientes graves e resistentes a tratamento. Metanálises mostram que a ECT tem eficácia superior a medicamentos antidepressivos126-128. Há evidência de que, quando ECT é usada como 4º passo num estudo seqüencial de tratamentos antidepressivos, 82% obtiveram resposta clinicamente significativa129. A estimulação magnética transcraniana e a estimulação do nervo vago (ENV) são novas opções para o tratamento da depressão; contudo, as evidências que sustentam seu uso são ainda preliminares A estimulação magnética transcraniana consiste na estimulação, através de um campo magnético, do córtex cerebral. Metanálises encontraram efeitos clínicos significativos130,131. No entanto, os estudos envolvem pequenas amostras, com metodologia heterogênea, na grande maioria estudos exclusivamente da fase aguda, com poucos estudos envolvendo seguimento em médio e longo prazos. A ENV como tratamento antidepressivo está baseada nas suas peculiaridades anatômicas, já que se projeta para áreas do cérebro relevantes para a geração e controle das emoções132. A ENV não se mostrou mais eficiente que grupo controle com tratamento simulado133, embora outros estudos com doses diferentes tenham mostrado eficácia134. Apesar de a ENV ser aprovada pelo Food and Drugs Administration (FDA) como tratamento coadjuvante para depressões resistentes, até o momento é questionável se a ENV exerce efeito superior ao placebo ou outros tratamentos e mais estudos controlados são urgentemente necessários135. O planejamento de um tratamento antidepressivo envolve a fase aguda, de continuação e de manutenção, cada uma com objetivos específicos O modelo predominante na literatura para o planejamento do tratamento antidepressivo envolve a fase aguda, de continuação e de manutenção136. 1) Fase aguda. A fase aguda inclui dois a três primeiros meses e tem como objetivo a diminuição dos sintomas depressivos (resposta) ou idealmente ao esbatimento completo com o retorno do nível de funcionamento pré-mórbido (remissão). 2) Fase de continuação. Corresponde aos quatro a seis meses que seguem ao tratamento agudo e tem como objetivo manter a melhoria obtida, evitando as recaídas dentro de um mesmo episódio depressivo. Ao final da fase de continuação, o paciente que permanece com a melhora inicial é considerado recuperado do episódio índex. 3) Fase de manutenção. O objetivo da fase de manutenção é o de evitar que novos episódios ocorram (recorrência). A fase de manutenção, portanto, é recomendada naqueles pacientes com probabilidade de recorrência. Um terço dos pacientes com episódio depressivo com remissão inicial recai no primeiro ano Os índices de recaída diminuem com o tempo. São estimados em 20 a 24% nos primeiros dois meses, 28 a 44% aos quatro meses, 27 a 50% aos seis meses e 37 a 54% a 12 meses137. Resultados semelhantes foram descritos para pacientes deprimidos em ambulatórios de medicina geral com 37% de recaída em um ano138. O tratamento antidepressivo de continuação por seis meses reduz em 50% o risco de recaída Uma metanálise de estudos com pacientes em episódio depressivo tratados com antidepressivo por dois a seis meses, além Rev Bras Psiquiatr. 2009;31(Supl I):S7-17 da remissão, mostra um risco relativo de 0,5 quando comparado com placebo139. O benefício de um tratamento por mais de seis meses depois da remissão foi demonstrado apenas para grupos com história de episódios depressivos recorrentes18. Existem fatores que parecem estar associados a um maior risco de recaídas/recorrências Os seguintes fatores parecem estar associados a um maior risco de recaída/recorrência: 1) número de episódios prévios140; 2) sintomas residuais141; 3) gravidade de sintomas depressivos142; 4) duração mais longa do episódio143,144; 5) psicose145; 6) nível de resistência a tratamento125; 7) sexo feminino144,146; 8) estresse social/pouco ajustamento social141,147; e 8) eventos de vida148. A dose efetiva do tratamento de continuação é a mesma do tratamento agudo Não há estudos controlados que definam qual a melhor dose para um tratamento de continuação. Estudos naturalísticos mostram um benefício de continuar com a mesma dose do tratamento agudo quando comparado com reduzir a dose149. O tratamento de manutenção reduz a taxa de recorrência em pacientes com três ou mais episódios nos últimos cinco anos Estudos controlados envolvendo pacientes com episódios depressivos recorrentes (tipicamente três nos últimos cinco anos) demonstraram que a manutenção de um medicamento antidepressivo previne a recorrência nos próximos um a cinco anos78. O seguimento de pacientes com episódios depressivos recorrentes prévios mostrou que apenas 20% dos pacientes que receberam antidepressivo contra 80% com placebo apresentaram recorrência150. Um estudo naturalístico de cinco anos mostrou um benefício do uso sustentado de antidepressivo além de 28 semanas para pacientes que tinham cinco ou mais episódios prévios, mas não para pacientes com menos episódios149. A dose efetiva do tratamento de manutenção é a mesma do tratamento agudo Dois estudos controlados mostraram uma taxa mais alta de recorrência em pacientes cujo tratamento de manutenção foi realizado com a metade da dose do tratamento agudo nos dois a três anos seguintes150,151, sugerindo que a dose efetiva na fase aguda deva ser mantida no longo prazo para evitar recorrências. Lítio parece ser uma alternativa aos antidepressivos no tratamento de manutenção do episódio depressivo, com redução do risco de suicídio Duas metanálises mostraram superioridade do lítio quando comparado ao placebo no tratamento de manutenção de episódio depressivos152,153, sendo que em uma delas esta diferença não foi estatisticamente significativa153. Nenhuma diferença de medicamentos antidepressivos na prevenção de recaídas e recorrências nos pacientes com depressão unipolare foi observada em um período de cinco meses a três anos152,154. Uma metanálise mostrou que lítio teve uma redução de 85% no índice de suicídio comparado com um grupo de pacientes que usava antidepressivos155. A suspensão abrupta de medicações antidepressivas está associada ao aparecimento de sintomas de descontinuação Estudos controlados com ISRS e venlafaxina e estudos abertos e relatos de caso com tricíclicos e inibidores da monoamina oxidase (IMAO) mostram que a suspensão abrupta do tratamento antidepressivo pode levar a sintomas de descontinuação que ocorrem entre os primeiros dias até três semanas156-159. Os antidepressivos têm pouco potencial para abuso160 e não há evidências de que as reações de descontinuação façam parte de uma síndrome de adição a antidepressivos161. Diretrizes para a depressão Rev Bras Psiquiatr. 2009;31(Supl I):S7-17 S12 S13 Fleck MP et al. APÊNDICE RECOMENDAÇÕES18 I- ENCAMINHAMENTO/CONSULTORIA AO PSIQUIATRA PELO MÉDICO NÃO ESPECIALISTA O encaminhamento ao psiquiatra está indicado nas seguintes situações: 1) risco de suicídio; 2) sintomas psicóticos; 3) história de transtorno afetivo bipolar. O encaminhamento ou consultoria com psiquiatra é apropriado nas seguintes situações: 1) médico sente-se incapaz de lidar com o caso; 2) duas ou mais tentativas de tratamento antidepressivo malsucedidas ou com resposta parcial. II- INDICAÇÕES DE TRATAMENTO ANTIDEPRESSIVO Episódio depressivo moderado a grave e distimia Os medicamentos antidepressivos são a primeira linha de tratamento independente da presença de fatores ambientais. Episódios depressivos leves (primeiro episódio) 1) Antidepressivos não estão indicados; 2) educação, suporte e simples solução de problemas são recomendados; 3) monitoração para a persistência ou para o desenvolvimento de episódio depressivo moderado a grave. Episódios depressivos leves persistentes Teste terapêutico com medicamento antidepressivo. Episódio depressivo leve em paciente com história prévia de episódio depressivo moderado a grave Considerar tratamento com antidepressivo. Episódios depressivos leves a moderados Psicoterapias específicas para depressão (cognitiva e interpessoal) são alternativas efetivas aos medicamentos, dependendo da disponibilidade de profissionais e preferência do paciente. III- ESCOLHA DO MEDICAMENTO ANTIDEPRESSIVO 1) Individualize o tratamento considerando os aspectos específicos do paciente; 2) na ausência de fatores especiais, escolha antidepressivos bem tolerados, seguros quando tomados em excesso e mais prováveis de serem tomados nas doses prescritas. Há mais evidências em relação a estes critérios para os ISRS. No entanto, mirtazapina, reboxetina e venlafaxina são também seguros e bem tolerados; 3) para episódios depressivos graves em pacientes hospitalizados, considerar o uso dos tricíclicos ou venlafaxina preferencialmente; 4) leve em conta também os seguintes fatores: a) resposta prévia a uma droga particular; b) tolerabilidade e efeitos adversos em relação a uma droga prévia; c) perfil de efeitos colaterias (p.ex. ganho de peso, sedação, alterações na sexualidade); d) baixa letalidade se risco de suicídio atual ou passado; e) doença física concomitante que pode dificultar o uso de um antidepressivo específico; f) uso de medicamentos concomitantes que possa interagir com o medicamento antidepressivo; g) doença psiquiátrica concomitante que possa responder a um antidepressivo específico (p.ex. transtorno obsessivocompulsivo e ISRS); h) preferência do paciente; i) custo. IV- O MANEJO DA SITUAÇÃO AGUDA 1) Reconsultas a cada uma ou duas semanas no início do tratamento. Contatos telefônicos e consultas por profissionais de saúde treinados não médicos podem substituir adequadamente algumas consultas médicas; 2) em cada revisão, avaliar resposta, adesão ao tratamento, efeitos colaterais e risco de suicídio; Rev Bras Psiquiatr. 2009;31(Supl I):S7-17 3) educar o paciente a respeito da natureza do transtorno depressivo, dos efeitos colaterais e dos benefícios da medicação; 4) limitar a dose de antidepressivo fornecida em função do risco de suicídio; 5) ao prescrever um tricíclico ou outro antidepressivo que precise de aumento progressivo de dose, aumente a dose a cada três a sete dias para permitir ajuste dos efeitos colaterais. V- MANEJO DA AUSÊNCIA DE RESPOSTA AO TRATAMENTO PROPOSTO INICIALMENTE 1) Trate um episódio depressivo por pelo menos quatro semanas antes de considerar modificação da estratégia. 2) Se ausência de resposta em quatro semanas: a) verificar dose e adesão ao tratamento; b) revisar diagnóstico, incluindo possibilidade da presença de comorbidade psiquiátrica ou de doença física, que deve então receber tratamento; c) considerar presença de fatores sociais que devem ser abordados caso presentes. 3) Se resposta parcial em quatro semanas: a) continuar o tratamento por mais duas semanas. 4) Se ausência de resposta em quatro semanas (após verificação do item 2) ou resposta parcial após seis semanas: a) aumentar a dose; b) substituir por outra classe de antidepressivos; c) considerar a troca para IMAO em pacientes com sintomas atípicos (ganho de peso, hipersonia, hipersensibilidade a críticas, humor reativo a eventos externos). 5) Ausência de resposta a um segundo antidepressivo: a) adicionar um agente potencializador; b) adicionar psicoterapia; c) eletroconvulsoterapia. OBS: A utilização de agentes potencializadores, prescrição de IMAO e eletroconvulsoterapia devem ser feitos com consultoria psiquiátrica ou por serviço psiquiátrico. VI- O TRATAMENTO DE CONTINUAÇÃO 1) Continue o tratamento antidepressivo por pelo menos seis meses após a remissão dos sintomas do episódio depressivo; 2) nos pacientes que persistem com sintomas residuais, mantenha o tratamento por tempo mais prolongado; 3) mantenha a mesma dose utilizada na fase aguda; 4) caso haja uma recaída durante a fase de continuação, use os mesmo princípios de não resposta a tratamento. VII- O TRATAMENTO DE MANUTENÇÃO 1) O tratamento de manutenção está indicado nas seguintes situações: a) três ou mais episódios depressivos nos últimos cinco anos; b) mais que cinco episódios ao todo ao longo da vida; c) risco persistente de recaída. 2) mantenha a mesma dose utilizada na fase aguda; 3) o tratamento de manutenção deve ser feito por pelo menos cinco anos e, provavelmente, indefinidamente; 4) a recorrência de um episódio depressivo deve ser tratada utilizando os mesmos princípios de não resposta ao tratamento. VIII- PRECAUÇÕES A SEREM TOMADAS QUANDO DA RETIRADA DE UM ANTIDEPRESSIVO 1) Para retirar um antidepressivo, baixe gradualmente a dose durante, pelo menos, quatro semanas; 2) em pacientes em tratamento de manutenção de longa duração, baixe gradualmente a dose ao longo de seis meses; 3) se a reação de descontinuação ocorrer, explique e tranqüilize o paciente. No caso de reação de descontinuação mais intensa, o antidepressivo deve ser reintroduzido e retirado mais lentamente. Diretrizes para a depressão Referências 1. Waraich P, Goldner EM, Somers JM, Hsu L. Prevalence and incidence studies of mood disorders: a systematic review of the literature. Can J Psychiatry. 2004;49(2):124-38. 2. Mueller TI, Leon AC, Keller MB, Solomon DA, Endicott J, Coryell W, Warshaw M, Maser JD., Recurrence after recovery from major depressive disorder during 15 years of observational follow-up. Am J Psychiatry. 1999;156(7):1000-6. 3. Kessler RC, Berglund P, Demler O, Jin R, Koretz D, Merikangas KR, Rush AJ, Walters EE, Wang PS; National Comorbidity Survey Replication. The epidemiology of major depressive disorder: results from the National Comorbidity Survey Replication (NCS-R). JAMA. 2003;289(23):3095-105. 4. Posternak MA, Solomon DA, Leon AC, Mueller TI, Shea MT, Endicott J, Keller MB. The naturalistic course of unipolar major depression in the absence of somatic therapy. J Nerv Ment Dis. 2006;194(5):324-9. 5. Keller MB, Lavori PW, Mueller TI, Endicott J, Coryell W, Hirschfeld RM, Shea T. Time to recovery, chronicity, and levels of psychopathology in major depression. A 5-year prospective follow-up of 431 subjects. Arch Gen Psychiatry. 1992;49(10):809-16. 6. Wells KB, Stewart A, Hays RD, Burnam MA, Rogers W, Daniels M, Berry S, Greenfield S, Ware J. The functioning and well-being of depressed patients. Results from the Medical Outcomes Study. JAMA. 1989;262(7):914-9. 7. Penninx BW, Geerlings SW, Deeg DJ, van Eijk JT, van Tilburg W, Beekman AT. Minor and major depression and the risk of death in older persons. Arch Gen Psychiatry. 1999;56(10):889-95. 8. Wulsin LR, Vaillant GE, Wells VE. A systematic review of the mortality of depression. Psychosom Med. 1999;61(1):6-17. 9. Evans DL, Charney DS, Lewis L, Golden RN, Gorman JM, Krishnan KR, Nemeroff CB, Bremner JD, Carney RM, Coyne JC, Delong MR, Frasure-Smith N, Glassman AH, Gold PW, Grant I, Gwyther L, Ironson G, Johnson RL, Kanner AM, Katon WJ, Kaufmann PG, Keefe FJ, Ketter T, Laughren TP, Leserman J, Lyketsos CG, McDonald WM, McEwen BS, Miller AH, Musselman D, O’Connor C, Petitto JM, Pollock BG, Robinson RG, Roose SP, Rowland J, Sheline Y, Sheps DS, Simon G, Spiegel D, Stunkard A, Sunderland T, Tibbits P Jr, Valvo WJ. Mood disorders in the medically ill: scientific review and recommendations. Biol Psychiatry. 2005;58(3):175-89. 10. Ormel J, Von Korff M, Van den Brink W, Katon W, Brilman E, Oldehinkel T. Depression, anxiety, and social disability show synchrony of change in primary care patients. Am J Public Health. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 1993;83(3):385-90. Lloyd KR,Jenkins R, Mann A. Long-term outcome of patients with neurotic illness in general practice. 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Rev Bras Psiquiatr. 2003;25(2):114-22. Anderson IM, Nutt DJ, Deakin JF. Evidence-based guidelines for treating depressive disorders with antidepressants: a revision of the 1993 British Association for Psychopharmacology guidelines. British Association for Psychopharmacology. J Psychopharmacol. 2000;14(1):3-20. American Psychiatric Association. Practice guideline for the treatment of patients with major depressive disorder (revision). American Psychiatric Association. Am J Psychiatry. 2000;1-45. Depression Guideline Panel. Depression in primary care in clinical practice guideline number 5. Vol. 1. US Department of Health and Human Services: Rockville; 1993. Depression Guideline Panel. Depression in primary care, in clinical practice guideline number 5. Vol. 2. US Department of Health and Human Services: Rockville; 1993. World Psychiatric Association. Educational program on depressive disorders. Overview and fundamental aspects. World Psychiatric Association: New York; 1997. 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Após alguns dias apresenta desorientação, tontura, rigidez muscular, tremor, taquicardia, mioclonia, sudorese e elevação da pressão arterial. _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ 2. M.B, 27 anos, feminino, queixa-se de desânimo, desinteresse pelas atividades habituais, falta de apetite e tristeza profunda. Refere, ainda, dificuldade em se concentrar e um despertar mais cedo do que o habitual (entre quatro e cinco horas da manhã). Nunca teve sintomas similares. Ao contrário, sempre teve muita energia. O clínico prescreve Venlafaxina (XR) 75 mg 1 vez ao dia. Após duas semanas de tratamento a paciente apresenta humor eufórico, fala rápida, agitação e necessidade reduzida de sono. Os familiares estão preocupados com a mudança repentina da paciente. _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ 9 3. G.L.A, 40 anos, masculino, utiliza sertralina 100 mg 1 vez ao dia (manhã) e clonazepan 2 mg ½ comprimido à noite para transtorno depressivo há 6 meses. Queixa-se de diminuição da memória. Relata que dorme bem com o clonazepam mas que “tem insônia só de pensar em não tomá-lo”. _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ 4. K.F., 38 anos, feminino, com diagnóstico de distimia, utiliza citalopram 20 mg 1 vez ao dia há 9 meses. Embora esteja se sentindo bem, com melhora no humor de forma geral, ela se queixa de dificuldade de concentração e diminuição da libido. _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ 10 TRANSTORNO BIPOLAR http://findmeacure.com/wp-content/uploads/2007/09/Bipolar-Disorder.jpg 11 Artigo Original Tratamento farmacológico do transtorno bipolar: as evidências de ensaios clínicos randomizados Pharmacological Treatment of Bipolar Disorder: Evidence from Randomized Clinical Trials FLÁVIO KAPCZINSKI1 FERNANDO KRATZ GAZALLE1 BENÍCIO FREY1 MÁRCIA KAUER-SANT’ANNA1 JULIANA TRAMONTINA1 Resumo O presente artigo é uma síntese das evidências provenientes de ensaios clínicos randomizados sobre o tratamento do transtorno bipolar. A metodologia para a busca do material disponível é descrita, e os resultados são apresentados. Com o melhor nível de evidência disponível, ou seja, revisões sistemáticas de mais de um ensaio clínico randomizado ou pelo menos um ensaio clínico randomizado, temos as seguintes recomendações: 1) a mania aguda pode ser tratada com Lítio, Valproato, Carbamazepina, e antipsicóticos; 2) a depressão bipolar pode ser tratada com antidepressivos (com risco aumentado de virada para mania), com lamotrigina e a associação fluoxetina/olanzapina e 3) a manutenção do transtorno bipolar pode ser realizada com o lítio, valproato, carbamazepina, olanzapina e lamotrigina (quando o objetivo for a profilaxia da depressão bipolar). A não existência de ensaios clínicos publicados não significa que determinadas intervenções não sejam úteis. Palavras-chave: Transtorno bipolar, diretrizes, ensaios clínicos. Abstract The present article is a synthesis of the published clinical trials about the treatment of Bipolar disorder (BD). The methodology used to search the literature is described and results are presented. Using the best available evidence (systematic reviews of clinical trials or at lest one randomized clinical trial) the following is recommended: 1) acute mania can be treated with lithium, carbamazepine, valrpoate and antipsychotics; 2) acute depression can be treated with lamotrigine, olanzapine/fluoxetine combination and with antidepressants (with an increased risk of switch into mania); 3) maintenance can be performed using lithium, valproate, olanzapine and lamotrigine (when the aim is prophylaxis of bipolar depression). The absence of published results about certain interventions does not mean that such interventions are not useful. Key words: Bipolar disorder, guidelines, clinical trials. Recebido: 05/12/2004 - Aceito: 17/01/2005 1 Programa de Transtornos Bipolares (PROTAHBI) e Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Endereço para correspondência: Flávio Kapczinski. Centro de Pesquisas do Hospital de Clínicas de Porto Alegre – Rua Ramiro Barcelos, 2350 – 90035-003 – Porto Alegre – RS. Fax: (51) 3222-8047; e-mail: [email protected] Kapczinski, F.; Gazalle, F.K.; Frey, B.; Kauer-Sant’Anna, M.; Tramontina, J. Rev. Psiq. Clín. 32, supl 1; 34-38, 2005 35 Introdução Diretrizes para o tratamento consistem em recomendações derivadas de informações científicas ou de consensos nas quais informações e opiniões são sumarizadas de forma coerente. Sumários da literatura e consensos de especialistas trazem informações complementares, pois o aporte de informações provenientes de ensaios clínicos privilegia a qualidade das informações, enquanto consensos de especialistas privilegiam a experiência clínica de autoridades na área. Por vezes, é difícil compatibilizar os dois enfoques, pois as diretrizes oriundas dessas duas metodologias, não raro, são conflitantes. Apesar das dificuldades no estabelecimento de diretrizes, especialistas nas diferentes áreas do conhecimento médico são convidados a sistematizar suas práticas. Uma razão para isso é a necessidade de elaborar políticas de saúde pública que contemplem o melhor interesse dos pacientes, a melhor informação disponível e a experiência dos profissionais no emprego das intervenções preconizadas. A elaboração de recomendações de tratamento tem uma metodologia bem estabelecida (Eddy, 1990). As recomendações são realizadas para “um paciente com características próximas à média populacional”. A conseqüência desta premissa é que o uso dessas recomendações, sem que seja levado em consideração o contexto clínico, pode produzir mais perdas do que ganhos. O presente trabalho é um sumário das informações descritas na literatura sobre opções terapêuticas, testadas em ensaios clínicos randomizados, para o transtorno bipolar (TB). Metodologia Este trabalho se origina de um encontro inicial, realizado em 2004, com a presença de diversos especialistas brasileiros. Nele são sumarizadas as evidências disponíveis na literatura até dezembro de 2004. Para a realização do trabalho foi observada a hierarquia adaptada do US Department of Care Policy and Research Classification (1992), no qual o melhor nível de evidência é o ensaio clínico randomizado. As recomendações foram realizadas a partir de dados provenientes de ensaios clínicos randomizados (ECRs) ou revisão sistemática de ensaios clínicos. Os dados foram extraídos de revisões sistemáticas e ensaios clínicos randomizados utilizando o Medline, o EMBASE e a Cochrane Library. Foram também utilizadas diretrizes previamente identificadas na literatura e revisões de especialistas na área. Definições O TB, em sua expressão plena, é definido como transtorno bipolar do tipo I. Isso significa que os pacientes portadores apresentam episódios de mania que se alternam com episódios depressivos. Mania é caracterizada por elevação do humor, sintomas psicóticos ou conduta perigosa para o próprio paciente ou outrem. Versões atenuadas de episódios maníacos, em que não ocorre psicose e não há perigo evidente para a integridade dos pacientes ou outras pessoas, caracterizam a hipomania. Pacientes que sofrem de hipomania e episódios depressivos são definidos como portadores do transtorno bipolar do tipo II. Estudos longitudinais indicam que pacientes que apresentam o transtorno bipolar do tipo I não tendem a transformar-se em bipolares do tipo II e vice-versa. Quando um dado paciente preenche simultaneamente critérios para mania e depressão, considera-se que seu episódio de humor é do tipo misto (veja artigo “Estados mistos e quadros de ciclagem rápida no transtorno bipolar”, neste suplemento), (Moreno et al. 2005). Tratamento O tratamento do TB envolve três domínios específicos: mania aguda, depressão aguda e manutenção. Neste artigo os estados mistos (EMs) foram agrupados com a mania aguda, pois há poucos ensaios desenhados especificamente para o tratamento dos EMs. Mania aguda/estados mistos Para uma revisão mais detalhada veja artigos “Diagnóstico, tratamento e prevenção da mania e da hipomania no transtorno bipolar ” (Moreno et al., 2005) e “Estados mistos e quadros de ciclagem rápida no transtorno bipolar” (Moreno e Moreno, 2005), neste suplemento. Os estados de mania configuram emergência médica e seu tratamento deve ser imediato (Belmaker, 2004). Na ausência de tratamento específico, os episódios maníacos tendem naturalmente à melhora; entretanto, sem tratamento, podem durar meses ou anos (Beers, 1953). A mania aguda pode ser tratada com lítio, valproato, carbamazepina, antipsicóticos típicos e antipsicóticos atípicos (Goodwin, 2003). Todos estes tratamentos possuem vantagens e desvantagens e devem ser considerados individualmente. Antipsicóticos atípicos estão menos associados a efeitos extrapiramidais em portadores de esquizofrenia (Geddes et al., 2000). Pacientes bipolares parecem ser mais suscetíveis ao desenvolvimento de efeitos extrapiramidais do que pacientes com esquizofrenia (Goodwin, 2003). Estudos naturalísticos de pacientes com esquizofrenia sugerem que o surgimento de efeitos extrapiramidais agudos é um preditor do desenvolvimento de discinesia tardia (Andrew, 1994). Dados referentes à prática clínica sugerem que o uso isolado do lítio, valproato e carbamazepina, embora efetivo, pode ter resultados lentos, o que não é desejável em pacientes com mania aguda. Portanto, há indicações de que o uso de antipsicóticos é uma escolha superior nesses casos. Recomenda-se que Kapczinski, F.; Gazalle, F.K.; Frey, B.; Kauer-Sant’Anna, M.; Tramontina, J. Rev. Psiq. Clín. 32, supl 1; 34-38, 2005 36 et al., 2003a). O uso de antipsicóticos está bem fundamentado na depressão bipolar com psicose (Johnstone et al., 1988). Uma complicação freqüente da depressão é o suicídio. O lítio é o único medicamento que apresenta propriedades anti-suicidas (Baldessarini et al., 2003). o tratamento da mania aguda seja iniciado com antipsicóticos com a adição de lítio, valproato ou carbamazepina, quando for possível o uso de medicação via oral (Belmaker, 2004). O uso de atípicos como a olanzapina, risperidona, ziprasidona e aripiprazol é eficaz na mania aguda (Tabela 1). O uso da ECT é considerado eficaz no tratamento de quadros mistos e mania, muito embora estudos adequadamente desenhados para prover suporte a esta prática ainda não estejam disponíveis (Goodwin, 2003). Manutenção Para uma revisão detalhada, veja artigo “Tratamento do transtorno bipolar – Eutimia”, (Souza, 2005) neste suplemento. O lítio (Geddes et al., 2004), o valproato (Macritchie et al., 2001), a carbamazepina (Okuma e Kishimoto, 1998) e a olanzapina (Tohen et al., 2003) apresentam eficácia no tratamento de manutenção, reduzindo recaídas maníacas e depressivas. Todos esses medicamentos parecem apresentar um viés de maior proteção para episódios maníacos (Goodwin, 2003 e Belmaker, 2004). A lamotrigina não parece proteger pacientes da emergência de episódios maníacos, mas é um tratamento profilático para a depressão bipolar (Calabrese et al., 2003). Depressão A depressão bipolar é definida como episódio depressivo em paciente portador de TB. Para uma revisão detalhada veja artigo “Tratamento da depressão bipolar”, (Lafer et al., 2005) neste suplemento. A depressão bipolar tende a apresentar resposta ao tratamento com antidepressivos convencionais (Gijsman et al., 2004), porém apresenta o risco adicional de virada para mania (Belmaker, 2004). Uma revisão recente recomenda, caso se decida pelo uso de antidepressivos, inibidores específicos da recaptação da serotonina ou inibidores da monoamina-oxidase (Gijsman et al., 2004). Há um estudo sugerindo vantagens do uso da bupropiona (Sachs et al., 1994). A utilização da eletroconvulsoterapia na depressão bipolar parece eficaz, porém estes dados são extrapolados da literatura sobre pacientes unipolares (Goodwin, 2003). O tratamento da depressão bipolar com monoterapia com lítio tem pequeno suporte na literatura (Bhagwagar e Goodwin, 2002). Da mesma forma, o uso de monoterapia com carbamazepina e valproato na depressão bipolar é pouco documentado (Goodwin, 2003). Duas intervenções têm base em ensaios clínicos: monoterapia com lamotrigina (Calabrese et al., 1999) e a combinação olanzapina/fluoxetina (Tohen Conclusões Existem vários tratamentos baseados em ensaios clínicos randomizados para o tratamento das diversas fases do transtorno bipolar. Com o melhor nível de evidência disponível, ou seja, revisões sistemáticas de mais de um ensaio clínico randomizado ou, pelo menos, um ensaio clínico randomizado, observam-se as seguintes recomendações: 1) a mania aguda pode ser tratada com lítio, valproato, carbamazepina, e antipsicóticos; 2) a depressão bipolar pode ser tratada com antidepressivos (com risco aumentado de virada para mania), com lamotrigina e a Tabela 1. Tratamento de monoterapia no transtorno bipolar: intervenções baseadas em ensaios clínicos randomizados. Intervenção Lítio Valproato Carbamazepina Antidepressivos Lamotrigina Olanzapina Risperidona Ziprasidona Aripiprazol Mania aguda Depressão aguda Manutenção Estudos + + - + +* + - +** + + + + +*** + - +/+ - Geddes et al., 2004 Bowden et al., 1994, 2000 Weisler et al., 2004; Greil et al.,1997; Hartong et al., 2003 Gijsman et al., 2004 Calabrese et al., 1999; 2003 Tohen et al., 2003 Hirschfeld et al., 2004 Keck et al., 2003 Keck et al., 2003 +: evidência de eficácia; - : sem evidência de eficácia; +/-: sem eficácia na profilaxia da mania, mas com eficácia na profilaxia da depressão; +*: embora o valproato seja eficaz, há evidências da superioridade do lítio; +**: embora a carbamazepina seja eficaz, há evidências da superioridade do lítio; +***: embora antidepressivos sejam eficazes no tratamento agudo da depressão bipolar, podem precipitar a virada para mania ou agravamento de certos quadros. Kapczinski, F.; Gazalle, F.K.; Frey, B.; Kauer-Sant’Anna, M.; Tramontina, J. Rev. Psiq. Clín. 32, supl 1; 34-38, 2005 37 associação fluoxetina/ olanzapina e; 3) a manutenção do transtorno bipolar pode ser realizada com lítio, valproato, carbamazepina e olanzapina (Tabela 1). A não-existência de ensaios clínicos randomizados não exclui a eficácia de outros compostos. O julgamento entre riscos e benefícios das diferentes intervenções deve ser pesado em cada caso individual. Esse julgamento está sujeito às contingências da prática clínica. Fatores como preferência de pacientes, experiência pessoal do clínico e custo–benefício do tratamento devem ser levados em consideração. Existem vários estudos sugerindo que a combinação de mais de um tratamento medicamentoso pode melhorar os desfechos do transtorno bipolar. O teste da eficácia de combinações medicamentosas no transtorno bipolar é um campo fértil de pesquisa. Referências bibliográficas ANDREW , H.G. - Clinical Relationship of Extrapyramidal Symptoms and Tardive Dyskinesia. Can J Psychiatry 39: S76-S80, 1994. 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Clín. 32, supl 1; 34-38, 2005 Artigo Original Diagnóstico, tratamento e prevenção da mania e da hipomania no transtorno bipolar Diagnosis, Treatment and Prevention of Mania and Hipomania within the Bipolar Disorder RICARDO ALBERTO MORENO1 DORIS HUPFELD MORENO2 ROBERTO RATZKE3 Resumo Pelo menos 5% (Moreno, 2004 e Angst et al ., 2003) da população geral já apresentou mania ou hipomania. A irritabilidade e sintomas depressivos durante episódios de hiperatividade breves e a heterogeneidade de sintomas complicam o diagnóstico. Doenças neurológicas, endócrinas, metabólicas e inflamatórias podem causar uma síndrome maníaca. Às vezes, a hipomania ou a mania são diagnosticadas de forma errada como normalidade, depressão maior, esquizofrenia ou transtornos de personalidade, ansiosos ou de controle de impulsos. O lítio é a primeira escolha no tratamento da mania, mas ácido valpróico, carbamazepina e antipsicóticos atípicos são também freqüentemente utilizados. A eletroconvulsoterapia está indicada na mania grave, psicótica ou gestacional. A maioria dos estudos controlados para a profilaxia de episódios maníacos foi realizada com lítio e mais estudos são necessários para investigar a eficácia profilática do valproato, da olanzapina e de outras medicações. O tratamento e a profilaxia da hipomania foram pouco estudados e, de modo geral, seguem as mesmas diretrizes usadas para a mania. Palavras-chave: Transtorno bipolar, mania, hipomania, diagnóstico, tratamento. Recebido: 17/11/2004 - Aceito: 07/01/2005 1 Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Grupo de Estudos de Doenças Afetivas (GRUDA) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP. 2 Grupo de Estudos de Doenças Afetivas (GRUDA) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP. 3 Médico Assistente de Psiquiatria da Faculdade Evangélica do Paraná. Endereço para correspondência: Ricardo A. Moreno. Rua Capote Valente, 432, cj. 35 – 05409-001 – São Paulo – SP. Tel: (11) 3068-0150; fax: (11) 3063-3417; e-mail: [email protected] Moreno, R.A.; Moreno, D.H.; Ratzke, R. Rev. Psiq. Clín. 32, supl 1; 39-48, 2005 40 Abstract At least 5% (Moreno, 2004 e Angst et al ., 2003) of the general population have presented mania or hypomania. Irritability and depressive symptoms during brief hyperactivity episodes and the heterogeneity of symptoms complicate the diagnosis. Neurological, metabolic, endocrine, inflammatory diseases, besides drugs intoxication and abstinence can cause a manic syndrome. Sometimes hypomania or mania are misdiagnosed as normality, major depression, schizophrenia, personality, anxiety and impulse control disorders. Lithium is the first treatment choice for episodes of mania. Valproic acid, carbamazepine and atypical antipsychotics are frequently used as well. Electroconvulsive therapy should be used in severe, psychotic or gestational mania. For the prophylaxy of manic episodes, lithium is the medication with most controlled studies. More studies are needed to investigate the prophylactic efficacy of valproate, olanzapine and other medications. The treatment and prophylaxis of hypomania remains understudied, and usually follows the guidelines used for mania. Key words: Bipolar disorder, mania, hypomania, diagnosis, treatment. Introdução O transtorno bipolar (TB) é um dos quadros nosológicos mais consistentes ao longo da história da medicina e as formas típicas (euforia – mania, depressão) da doença são bem caracterizadas e reconhecíveis, permitindo o diagnóstico precoce e confiável. A mania é o mais característico dos episódios e, apesar de freqüente e incapacitante (é o que mais resulta em internações agudas em virtude das graves mudanças de comportamento e conduta que provoca), é pouco estudada e diagnosticada. A hipomania, sua forma mais leve, era praticamente desconhecida pela maioria dos clínicos, sendo confundida com a normalidade ou transtornos de personalidade borderline, histriônico, narcisista ou anti-social. Nos últimos anos, o interesse nestes quadros aumentou, com maiores pesquisas em diagnóstico, neurobiologia, epidemiologia e tratamento. Apesar disso, a identificação de pacientes pertencentes ao amplo grupo de bipolares, embora de suma importância clínica, social e econômica, e apesar da terapêutica disponível, continua sendo pouco ou tardiamente diagnosticado e inadequadamente tratado. Em nosso meio, dados recentes do Sistema Único de Saúde de São Paulo (www.datasus.gov.br) refletem indiretamente o problema, pois mais de 10 mil AIHs (Autorizações de Internação Hospitalar) por ano são devidas ao TB. No entanto, em homens, não se mencionam transtornos do humor como indicação para internação e prevalecem os diagnósticos de alcoolismo e esquizofrenia. Neste trabalho foram revisadas as evidências diagnósticas e terapêuticas da mania/hipomania, Moreno, R.A.; Moreno, D.H.; Ratzke, R. além de enfatizar o diagnóstico diferencial (inclusive com a mania orgânica) e os tratamentos importantes pouco abordados, como a eletroconvulsoterapia (ECT). Descrição do quadro clínico Mania A mania afeta o humor e as funções vegetativas, como sono, cognição, psicomotricidade e nível de energia. Em um episódio maníaco clássico, o humor é expansivo ou eufórico, diminui a necessidade de sono, ocorre aumento da energia, de atividades dirigidas a objetivos (por exemplo, o paciente inicia vários projetos ao mesmo tempo), de atividades prazerosas, da libido, além de inquietação e até mesmo agitação psicomotora. O pensamento torna-se mais rápido, podendo evoluir para a fuga de idéias. O discurso é caracterizado por prolixidade, pressão para falar e tangencialidade. As idéias costumam ser de grandeza, podendo ser delirantes. Geralmente a crítica está prejudicada e os ajuizamentos emitidos se afastam da realidade do paciente. A maior dificuldade no diagnóstico ocorre em episódios em que há irritabilidade, idéias delirantes paranóides, agitação psicomotora e sintomas depressivos com labilidade afetiva. Quando sintomas depressivos estão presentes em grande quantidade, o quadro é denominado de episódio misto ou até mesmo de depressão agitada. Não há consenso sobre o número de sintomas necessários para esta diferenciação. Há muito tempo se conhecem os estágios de agravamento na evolução natural desses episódios quando não tratados (Tabela 1). Rev. Psiq. Clín. 32, supl 1; 39-48, 2005 41 Tabela 1. Estágios da mania. Estágio I Estágio II Estágio III Humor Lábil, eufórico, irritável se contrariado Disforia e depressão, hostil e irado Claramente disfórico, em pânico, desesperado Pensamento e cognição Expansivo, grandioso; hiperconfiante; pensamento acelerado, coerente ou tangencial; preocupações religiosas e sexuais Fuga de idéias, desorganização, idéias deliróides Incoerente, associações frouxas, bizarro, idiossincrásico, alucinações, desorientação idéias de referência idéias deliróides Comportamento Aceleração psicomotora, maior iniciativa de discurso, gastos, tabagismo e telefonemas excessivos Hiperatividade, maior pressão do discurso, agressões físicas Atividade frenética e bizarra Sinonímia Hipomania Mania franca Mania delirante (Psicose indiferenciada) Fonte: Carlson e Goodwin, 1973. As classificações mais utilizadas em psiquiatria enfatizam o quadro clássico da mania. O diagnóstico pelo DSM-IV requer humor persistente e anormalmente elevado, expansivo ou irritável durando pelo menos uma semana. Caso seja necessária a hospitalização antes de uma semana, o diagnóstico também pode ser feito. Além da alteração de humor, pelo menos três (ou quatro se o humor é irritável) dos seguintes sintomas devem estar presentes: grandiosidade, necessidade diminuída de sono, pressão para falar, fuga de idéias ou pensamentos correndo, distratibilidade, aumento da atividade dirigida a objetivos ou agitação psicomotora, envolvimento excessivo em atividades prazerosas. Uma falha dessa classificação é não citar sintomas psicóticos entre os critérios, apenas especificadores. Outra é excluir, para o diagnóstico, a mania induzida por antidepressivos. A CID-10 é vaga na sua definição, apesar de enfatizar a mania com e sem sintomas psicóticos. Exige no seu manual clínico a presença de elação do humor, que não basta ser irritável, e não operacionaliza uma duração mínima ou um número mínimo de sintomas. Inclui também como sintomas o aumento de energia, a diminuição da necessidade de sono, a distratibilidade, a grandiosidade, a pressão para falar e a perda das inibições sociais. Em 2001, Akiskal et al. propuseram novos critérios para o diagnóstico de mania. Enfatizaram a ativação psicomotora como central na mania, humor depressivo ou ansioso, além de eufórico ou irritável, ausência de crítica e quatro dos seguintes sintomas: aumento de energia, diminuição da necessidade de ajuda, grandiosidade, sociabilidade excessiva, aumento da libido, fuga de idéias e distratibilidade. Moreno, R.A.; Moreno, D.H.; Ratzke, R. Hipomania A hipomania é um estado semelhante à mania, porém mais leve. Em geral, é breve, durando menos de uma semana. Há mudança no humor habitual do paciente para euforia ou irritabilidade, reconhecida por outros, além de hiperatividade, tagarelice, diminuição da necessidade de sono, aumento da sociabilidade, atividade física, iniciativa, atividades prazerosas, libido e sexo, e impaciência. O prejuízo ao paciente não é tão intenso quanto o da mania. A hipomania não se apresenta com sintomas psicóticos, nem requer hospitalização. No DSM-IV a duração mínima de quatro dias é necessária para a confirmação do diagnóstico. Os sintomas são os mesmos da mania e também exclui como hipomania aquela induzida por antidepressivos. A CID-10 cita apenas “vários dias” como necessários para preencher o critério de hipomania. Um estudo de validação epidemiológica prospectiva demonstrou que até mesmo um dia já é suficiente para o diagnóstico de hipomania, sendo a duração modal de dois dias (Angst, 1998). Os estados patológicos de elevação do humor são acompanhados de vários graus de sintomas depressivos e prejuízos funcionais. Embora os instrumentos diagnósticos separem hipomania, mania e estados mistos, muitas vezes é difícil discriminá-los de forma confiável. O paciente bipolar tipo I comumente exibe um curso que flutua entre esses episódios em uma progressão que em alguns momentos parece ordenada e, em outros, caótica. Na prática clínica, o grau de incapacitação e as alterações de comportamento, como agressividade, agitação, psicose, falta de crítica e da capacidade de julgamento da realidade, além dos Rev. Psiq. Clín. 32, supl 1; 39-48, 2005 42 comprometimentos sociais e ocupacionais, chamam a atenção e levam à intervenção médica. O que diferencia mais freqüentemente episódios de depressão e os de elevação do humor é a variabilidade de sintomas durante o dia. Pacientes em mania podem ter horas ou dias sem sintomas francos e, em alguns casos, a elevação do humor é mais bem caracterizada como um estado de hiper-reatividade a estímulos. Outros fatores também interferem para o nãoreconhecimento da mania, hipomania e dos estados mistos, tais como (Akiskal et al., 2000): não investigar hipomania; confundir sintomas psicóticos com esquizofrenia ou sintomas hipomaníacos com comportamentos normais; não distinguir episódios mistos de transtornos de personalidade, impulsividade com bulimia ou com transtorno associado ao uso de substâncias; e não consultar o informante ou usar outras fontes de dados. Pacientes e familiares podem considerar a hipomania como normal, não procurar tratamento ou esquecer de relatar episódios anteriores. Por outro lado, pacientes podem apresentar ausência de crítica do estado mórbido motivada por ignorância, preconceito ou medo, ou mesmo pela presença de sintomas psicóticos. Além disso, os instrumentos diagnósticos focam apenas a polaridade e não o curso da doença, e a hipomania não requer disfunção social/ocupacional para o diagnóstico pelo DSM-IV. A avaliação transversal (estado clínico atual) e longitudinal (freqüência, gravidade e conseqüências de episódios passados) devem ser levadas em consideração para o diagnóstico e requer atenção cuidadosa na história clínica. Diagnóstico diferencial A mania, particularmente nas formas mais graves associadas a delírios paranóides, agitação e irritabilidade, pode ser difícil de distinguir da esquizofrenia, que apresenta em geral maior número de delírios incongruentes com o humor e sintomas schneiderianos de primeira ordem (por exemplo: sonorização do pensamento, alucinações auditivas referindo-se ao paciente na terceira pessoa), além de sintomas negativos, como embotamento afetivo. Idéias delirantes de grandeza também podem aparecer na esquizofrenia, porém sem o humor expansivo ou eufórico observado na mania. A hipomania pode ser confundida com estados de humor normais, como a alegria e a irritabilidade que costumam ter fatores desencadeantes positivos ou negativos (como uma boa ou má notícia), que não necessariamente são percebidos pelos outros como diferentes do padrão habitual de humor da pessoa, não causam prejuízos, nem acarretam envolvimento com atividades de risco ou diminuição na necessidade de sono. A hipomania pode ou não ter fatores desencadeantes, podendo estes ser positivos ou negativos, como o falecimento do cônjuge. Freqüentemente, a hipomania e o transtorno bipolar tipo II podem ser confundidos Moreno, R.A.; Moreno, D.H.; Ratzke, R. com transtornos de personalidade, como o anti-social, o narcisista, o histriônico e o borderline. O DSM-IV resolve o problema deste diagnóstico diferencial permitindo a comorbidade destes quadros. Os transtornos de personalidade costumam ser mais crônicos, com início na infância ou na adolescência e ter pior resposta ao tratamento medicamentoso. A história familiar de transtorno do humor também auxilia no diagnóstico diferencial. A mania e a hipomania com irritabilidade devem ser diferenciadas da depressão unipolar. Nesta, se houver agitação psicomotora, não é tão intensa quanto no TB. O humor depressivo costuma estar presente, a maior parte do tempo, na depressão e não na hipomania ou mania. O diagnóstico diferencial também deve ser feito com transtornos ansiosos que costumam acompanhar as depressões, como o de ansiedade generalizada. De acordo com Akiskal et al. (2001), as manias também podem ser caracterizadas por humor ansioso. Novamente a agitação da ansiedade generalizada é menor que a da mania. A história familiar de TB também auxilia no diagnóstico diferencial. Os transtornos de controle de impulsos, como cleptomania, piromania e transtorno explosivo intermitente devem ser diferenciados da hipomania e da mania. Em geral, estes são caracterizados apenas pelo descontrole da impulsividade, sem queixas de aumento de energia, agitação psicomotora ou diminuição da necessidade do sono, e o descontrole da impulsividade também costuma ser maior no TB. Outro diagnóstico diferencial importante é com a intoxicação ou abstinência de substâncias, já que freqüentemente o TB apresenta comorbidade com o abuso ou a dependência de álcool ou outras substâncias. Muitas vezes, o diagnóstico diferencial só é possível por meio de uma pesquisa toxicológica de sangue ou urina. Quadros orgânicos que podem gerar estados hipomaníacos/maníacos A denominação “orgânica” para doenças clínicas, que costumam ser abordadas por outras especialidades médicas, em oposição a “funcionais” para os transtornos mentais não é correta, pois há cada vez mais evidências de alterações orgânicas também nas doenças psiquiátricas, como no transtorno bipolar ou na esquizofrenia. Porém, o termo “orgânico” foi consagrado pelo uso, sendo assim utilizado neste artigo. A mania pode ser originada pelo uso ou pela abstinência de substâncias (Tabela 2). O uso de anfetaminas ou cocaína, por exemplo, pode originar um quadro indistinguível da hipomania ou mania espontânea, assim como sintomas da abstinência de álcool ou sedativos. Várias doenças neurológicas, como epilepsia, traumatismo craniencefálico, acidente vascular cerebral, ou, ainda, endócrinas ou metabólicas, a exemplo do hipertireoidismo, podem causar quadros maniformes (Tabela 3). Rev. Psiq. Clín. 32, supl 1; 39-48, 2005 43 Tabela 2. Substâncias associadas à hipomania e à mania. Álcool Alfa-interferon Anfetaminas Antagonistas histamínicos H2 Anticonvulsivantes Antidepressivos Antiparkinsonianos Baclofeno Barbitúricos Benzodiazepínicos Bloqueadores beta-adrenérgicos Bromocriptina Buspirona Captopril Ciclobenzaprina Ciclosporina Cloroquina Cocaína Corticosteróides Dapsona Dietiltoluamida Esteróides anabólicos Hormônios tireoidianos L-glutamina Loxapina Metoclopramida Narcóticos Ofloxacina Procarbazina Propafenona Pseudo-efedrina Quinacrina Sulfonamidas Teofilina Zidovudina Fonte: adaptado de Dubovsky e Dubovsky, 2004 Tratamento Nos últimos anos, o tratamento do TB tem avançado consideravelmente com o uso de anticonvulsivantes e, mais recentemente, de antipsicóticos atípicos. Teoricamente, os tratamentos que corrigem a fisiopatologia subjacente à mania melhoram todos os sinais e sintomas associados à elevação patológica do humor e, até o momento, não se dispõe deste tratamento. O tratamento medicamentoso visa restaurar o comportamento, controlar sintomas agudos e prevenir a ocorrência de novos episódios. Não se limita apenas à Tabela 3. Doenças associadas a síndromes maniformes. Doenças neurológicas Epilepsia Doença de Hungtinton Infecções (HIV, neurossífilis) Esclerose múltipla Lesão traumática cerebral Demências Tumores do sistema nervoso central Acidente vascular cerebral Doenças metabólicas Insuficiência renal Deficiências vitamínicas Distúrbios hidroeletrolíticos Porfiria aguda intermitente Intoxicação por metais pesados ou toxinas ambientais Doença de Wilson Uremia Encefalopatia hepática Doenças endócrinas Hipertireoidismo Doença de Cushing Disfunção da paratireóide Doenças inflamatórias Lupus eritematoso sistêmico Fonte: adaptado de Dubovsky e Dubovsky, 2004 Moreno, R.A.; Moreno, D.H.; Ratzke, R. administração de medicamentos e sim ao gerenciamento de uma doença complexa, que abarca fatores biológicos, psicológicos e sociais, devendo ser implementado pelo médico psiquiatra. A seguir são descritos os passos para o tratamento. A avaliação diagnóstica é fundamental e a utilização de questionários de auto-avaliação e escalas de avaliação de mudanças circadianas de humor, além de afetivogramas, têm sido úteis na prática clínica. Avaliar a segurança do paciente e das pessoas próximas auxilia na determinação do tipo de tratamento. Todos os pacientes devem ser questionados sobre ideação, intenção, planejamento ou tentativas de suicídio em virtude do risco de 10% a 15% em bipolares tipo I. Os que apresentam risco de suicídio ou de violência devem ser monitorados de perto e a internação hospitalar está indicada em casos de ameaça a si ou a outras pessoas, complicações psiquiátricas ou médicas, resposta inadequada ou ausência de resposta anterior a tratamento. Em caso de recusa do paciente, a internação involuntária pode ser indicada. O ambiente da enfermaria deve ser calmo e estruturado a fim de evitar estímulos que possam incitar a hiper-reatividade característica da mania e hipomania. O tratamento agudo deve ser seguido pelo planejamento e pela execução do tratamento a longo prazo, que requer o estabelecimento e a manutenção de uma aliança terapêutica por meio de um bom relacionamento médico–paciente–família–cuidador, que propicie uma relação terapêutica e de apoio. O psiquiatra deve estar atento a possíveis mudanças no estado clínico, como ciclagem para estados mistos ou depressão, assim como à duração e à gravidade dos episódios. A psicoeducacão do paciente e do familiar ou cuidador é fundamental e tem por objetivo oferecer informações sobre a doença, seu prognóstico e tratamento, propiciando maior entendimento do processo terapêutico e, conseqüentemente, levando a melhor adesão ao tratamento. Isto pode ser feito diretamente pelo médico ou por meio de encontros psicoeducionais, muitas vezes promovidos por associações de pacientes Rev. Psiq. Clín. 32, supl 1; 39-48, 2005 44 (www.abrata.com.br) ou instituições da rede pública assistencial, assim como pelo do fornecimento de folhetos educativos, livros e sites na Internet. Avaliar e estimular sempre a adesão ao tratamento é uma tarefa fundamental porque a ambivalência em relação ao tratamento ocorre a qualquer momento e por vários motivos, como falta de discernimento (não ser possuidor de uma doença ou estar curado) ou crenças pessoais (querer vivenciar a “alegria e bem-estar” da hipomania/mania). Efeitos colaterais das medicações, seu custo e outras demandas do tratamento a longo prazo devem ser discutidos com o paciente e seu familiar/cuidador de forma efetiva. Estar alerta e ensinar ao paciente a identificar estressores psicossociais e outros fatores que levem à piora ou ao desencadeamento de crises é fundamental e exige vigilância constante. É importante vigiar possíveis mudanças no estilo de vida e estimular um padrão regular de atividades e de sono. Trabalhar junto com o paciente e seu familiar/cuidador na identificação precoce de sinais e sintomas de recaída auxilia numa intervenção rápida e incisiva, e pode evitar a progressão de um episódio. Os pacientes, muitas vezes, apresentam seqüelas emocionais e funcionais de cada episódio e isto também deve ser avaliado e abordado no tratamento por meio de intervenções psicológicas, como psicoterapias, grupos de orientação ou de auto-ajuda e participação em associações de pacientes e familiares (Roso et al., 2005). Tratamento da mania aguda O objetivo do tratamento da mania aguda é controlar sinais e sintomas de forma rápida e segura, e restabelecer o funcionamento psicossocial a níveis normais. A escolha do tratamento inicial leva em conta fatores clínicos, como gravidade, presença de psicose, ciclagem rápida ou episódio misto e preferência do paciente, quando possível, levando em conta os efeitos colaterais. Critérios clínicos como uso de antipsicótico intramuscular em casos de agitação e maior número de evidências da literatura sobre eficácia também devem ser utilizados para nortear a seleção do medicamento. Ao selecionar um medicamento antimaníaco, deve-se dar preferência às medicações com maiores evidências de ação: lítio, valproato (ácido valpróico, divalproato) e carbamazepina (CBZ), além dos antipsicóticos típicos, como clorpromazina e haloperidol, e dos atípicos olanzapina e risperidona; por serem mais novos, há menos estudos com ziprasidona, quetiapina e aripiprazole. A combinação de um antipsicótico com lítio ou valproato pode ser mais efetiva do que cada um deles isoladamente. Em casos de mania grave, recomenda-se como primeira opção a combinação de lítio e um antipsicótico atípico ou valproato com antipsicótico atípico (Work Group on Bipolar Disorder – WGBD, 2004). Para pacientes Moreno, R.A.; Moreno, D.H.; Ratzke, R. menos graves, a monoterapia com lítio, valproato ou um antipsicótico atípico, como a olanzapina, pode ser suficiente. Existem menos evidências sustentando a indicação de aripiprazole, ziprasidona e quetiapina em lugar de outro antipsicótico atípico e de CBZ ou oxcarbazepina (OXC) em vez de lítio ou valproato. Embora os dados sobre a eficácia da OXC permaneçam limitados, este medicamento pode ter eficácia equivalente e melhor tolerabilidade que a CBZ. O uso concomitante de benzodiazepínicos (BDZ) pode ser útil se comparado com o de antidepressivos (AD), que podem precipitar ou exacerbar mania/hipomania ou estados mistos e, de modo geral, deveriam ser descontinuados e evitados quando possível. Lítio O lítio continua sendo o medicamento de primeira escolha, apresenta maior número de estudos controlados demonstrando sua eficácia na mania/hipomania e na prevenção de recorrências. Além disso, é o único com efeito na prevenção do suicídio em bipolares; o risco de morte por suicídio foi 2,7 vezes maior durante o tratamento com divalproato que com lítio (Goodwin et al., 2003; Dunner, 2004). O lítio costuma ter melhor resposta em episódios clássicos de mania, com humor eufórico e sem muitos sintomas depressivos ou psicóticos. O curso mania–depressão–eutimia favorece a resposta ao lítio, ao contrário do curso depressão– mania–eutimia. Seu início de ação é mais lento, comparado com valproato e antipsicóticos (WGBD, 2004). Em cinco estudos clínicos comparados com placebo, sendo um deles randomizado, comparado também ao divalproato sódico, o lítio demonstrou eficácia superior ao placebo em torno de 70% de um total de 124 pacientes (WGBD, 2004). Nos estudos comparativos com outra droga ativa, todos randomizados, a eficácia do lítio se equiparou às do ácido valpróico, da carbamazepina, da risperidona, da olanzapina, da clorpromazina e do haloperidol. Entre estes, somente três comparativos com a clorpromazina tiveram amostras suficientes para detectar diferenças de eficácia entre os tratamentos. Estudos abertos, sendo dois ensaios clínicos, um estudo longitudinal e uma revisão com análise secundária dos dados, e três randomizados (dois dos quais revisões com análise secundária de dados), indicaram que o lítio é mais eficaz na mania pura e menos no tratamento dos estados mistos (WGBD, 2004). Anticonvulsivantes O valproato é o anticonvulsivante melhor estudado na mania aguda, com sete estudos randomizados, controlados, e 16 não-controlados, evidenciando eficácia em 60% dos casos. Entre os ensaios clínicos Rev. Psiq. Clín. 32, supl 1; 39-48, 2005 45 randomizados, a resposta clínica foi de 48% a 53%: quatro foram comparativos com o placebo, sendo dois estudos pequenos de cross-over e dois paralelos, um comparado ao lítio e dois à olanzapina (WGBD, 2004). Num deles a eficácia foi semelhante, no outro a olanzapina foi superior ao divalproato. Finalmente, houve resposta comparável ao haloperidol em um ensaio randomizado, aberto (WGBD, 2004). Duas análises secundárias do estudo comparativo com lítio e placebo e outro ensaio randomizado comparativo com o lítio sugeriram que sintomas depressivos acentuados durante a mania e vários episódios anteriores, assim como estados mistos, evidenciaram melhor resposta ao valproato (WGBD, 2004). Outros preditores de boa resposta incluiriam a ciclagem rápida, comorbidade com transtornos ansiosos, abuso de álcool e substâncias, retardo mental, antecedentes de traumatismo craniano e lesões neurológicas (Moreno et al., 2004). O uso terapêutico da CBZ na mania aguda foi objeto de 15 estudos controlados com placebo, antipsicóticos e lítio mostrando uma eficácia em 50% a 60% dos casos (Moreno et al., 2004). Contudo, a interpretação dos resultados foi dificultada pela associação com outros medicamentos na maioria deles, e sua ação antimaníaca é menos convincente do que a do lítio ou do valproato. Nos ensaios realizados apenas com as drogas de comparação, a CBZ foi superior ao placebo em um estudo clínico randomizado de crossover e menos eficaz e associada à maior necessidade de medicação acessória que o valproato em outro estudo randomizado de 30 pacientes hospitalizados, comparável ao lítio em dois estudos randomizados e à clorpromazina em outros dois ensaios clínicos, um deles randomizado (WGBD, 2004). Outros anticonvulsivantes, como oxcarbazepina (OXC), gabapentina e topiramato, apresentam evidências menos consistentes de eficácia na mania aguda. Em virtude da eficácia teoricamente semelhante à da CBZ, por não apresentar auto-indução enzimática, porém melhor tolerabilidade, a OXC estaria indicada em pacientes que não toleram a CBZ. Sua ação antimaníaca foi investigada em dois estudos cross-over e três controlados, dois deles randomizados, comparados com haloperidol, valproato e lítio, todos com pequena amostra de pacientes (Yatham, 2004). Pelo seu potencial de uso terapêutico, preferencialmente em manias leves a moderadas, associado a um bom perfil de efeitos colaterais, ela vem sendo investigada recentemente em estudos naturalísticos em associação ou isoladamente, em diferentes grupos de pacientes com TB, apontando para uma eficácia em metade dos pacientes (Yatham, 2004). Em dois estudos clínicos randomizados de gabapentina versus placebo e de associação da gabapentina ou placebo a lítio, valproato ou ambos, a ação foi semelhante ou inferior ao placebo, respectivamente (WGBD, 2004). Entretanto, estudos duplo-cegos sugeriram que Moreno, R.A.; Moreno, D.H.; Ratzke, R. ela possui ação ansiolítica acentuada e pode ser útil no tratamento da síndrome do pânico e da fobia social (Yatham, 2004). Quanto ao topiramato, estudos abertos e relatos de casos sugeriram efeitos benéficos do uso combinado, principalmente em casos de mania ou estados mistos com má resposta aos tratamentos, em que cerca de 50% (n = 225) dos pacientes responderam (Moreno et al., 2004). Em quatro ensaios clínicos controlados com placebo, dois dos quais comparados com o lítio, sua ação antimaníaca não foi confirmada (Yatham, 2004). Relatos de casos e estudos abertos apontam para eficácia em comorbidades com abuso e dependência de substâncias, migrânea e transtornos do comer compulsivo (Yatham, 2004). Há evidências de diminuição de peso e de alterações cognitivas importantes com seu uso. A lamotrigina (LTG) não apresenta até o momento evidências consistentes de ação antimaníaca. Em quatro estudos randomizados, todos com falhas metodológicas e amostras pequenas, sendo três comparados com placebo, a LTG não se destacou como medicação antimaníaca (Yatham, 2004). Benzodiazepínicos Entre os benzodiazepínicos (BDZ), o clonazepam e o lorazepam foram estudados em sete ensaios clínicos controlados, randomizados com placebo, haloperidol e lítio, isoladamente ou associados ao lítio. Metanálise bayesiana de ambos na mania aguda concluiu que, apesar das falhas metodológicas confundindo os resultados, o clonazepam é útil e seguro, mas os dados sobre o lorazepam são inconclusivos (Curtin e Schulz, 2004). Ao contrário de outros BDZ, o lorazepam é bem absorvido pela via intramuscular, mas, em estudo randomizado placebo-controlado com olanzapina intramuscular, esta última demonstrou maior efeito na agitação maníaca (WGBD, 2004). No geral, os estudos sugerem que o uso combinado de BDZ pode ser útil enquanto se aguarda o efeito terapêutico do tratamento primário (WGBD, 2004). Antipsicóticos Sintomas psicóticos (alucinações e delírios) são mais freqüentes em episódios de mania do que na depressão bipolar. A presença de sintomas psicóticos congruentes com o humor não prediz desfecho mais favorável, e idade de início precoce da mania psicótica sugere maior gravidade do transtorno. Na presença de sintomas psicóticos, o clínico tende a associar medicamentos antipsicóticos, embora não sejam absolutamente necessários; assim, deve-se dar preferência aos atípicos pelos efeitos colaterais mais benignos. A eficácia dos antipsicóticos típicos foi evidenciada em ensaios clínicos randomizados comparativos com o lítio, exibindo efeito clínico semelhante, e a clorproRev. Psiq. Clín. 32, supl 1; 39-48, 2005 46 mazina foi estudada de forma controlada com placebo (WGBD, 2004). A ação do haloperidol foi investigada em ensaios clínicos randomizados controlados com placebo, com a risperidona e a olanzapina, mostrandose superior ao placebo e semelhante às drogas ativas (Moreno et al., 2004). Seu uso tem diminuído com o advento dos antipsicóticos atípicos, em virtude dos efeitos adversos extrapiramidais e do risco de causar sintomas depressivos. Atualmente o uso de antipsicóticos típicos está justificado apenas em casos de difícil controle e pelo custo do tratamento. A olanzapina é o antipsicótico atípico mais estudado na mania aguda como terapia isolada ou adjuvante e, assim como a maioria destes medicamentos, apresenta menos efeitos extrapiramidais e maior risco de ganho de peso, hipercolesterolemia e hiperglicemia. Foi eficaz em dois grandes ensaios randomizados controlados com placebo e em uma série de outros, também randomizados e duplo-cegos, comparados com lítio, divalproato e haloperidol (WGBD, 2004). Também foi superior ao placebo em um ensaio randomizado de associação a lítio ou divalproato (WGBD, 2004). Os antipsicóticos atípicos risperidona, ziprasidona e aripiprazole foram eficazes na mania aguda em estudos clínicos randomizados controlados com placebo, e a quetiapina na terapia adjuvante ao divalproato em um estudo pequeno com adolescentes e em estudo clínico randomizado controlado com placebo associado a lítio ou valproato (Sachs et al., 2004; Moreno et al., 2004; WGBD, 2004). Quando associada a lítio, divalproato ou CBZ em dois estudos controlados, duplo-cegos randomizados, a risperidona foi superior ao placebo, e equiparou-se a ele na combinação com a CBZ, que reduziu seus níveis plasmáticos em 40% (Moreno et al., 2004). Em monoterapia, ensaios clínicos randomizados recentes, controlados com placebo, apontam para a eficácia da risperidona na mania aguda (Hirschfeld et al., 2004; Moreno et al., 2004). Em relação a antipsicóticos mais novos, há menos estudos. A ziprasidona foi mais eficaz que o placebo em ensaio clínico randomizado controlado com placebo (Moreno et al., 2004). Também em estudos randomizados, o aripiprazol demonstrou eficácia superior ao placebo e ao haloperidol na mania aguda e em estados mistos, sem causar ganho de peso (Lyseng-Williamson e Perry, 2004). Não há estudos placebo-controlados com a clozapina, mas um ensaio clínico randomizado de um ano de duração em bipolares e esquizoafetivos resistentes e outro estudo aberto na mania resistente apontaram para sua eficácia nestes casos de difícil controle sintomatológico (WGBD, 2004). Eletroconvulsoterapia A eletroconvulsoterapia (ECT) deve ser considerada para pacientes graves ou resistentes a tratamento ou quando preferida pelo paciente (Macedo-Soares et al., 2004). Três estudos prospectivos, dois deles controlados Moreno, R.A.; Moreno, D.H.; Ratzke, R. randomizados comparados com lítio e de associação ou não à clorpromazina, apontaram para a superioridade da eficácia da ECT (WGBD, 2004). Apesar das amostras pequenas, os resultados foram compatíveis com outros longitudinais retrospectivos de desfecho na mania (WGBD, 2004). Além disso, a ECT é o tratamento potencial para pacientes com episódios mistos ou com mania grave durante a gestação (WGBD, 2004). A prevenção de novos episódios de mania Há dois tipos de estudos medicamentosos de longa duração no transtorno bipolar: os estudos de prevenção de recaída e de profilaxia. O primeiro é feito em pacientes que responderam de forma aguda à determinada medicação, a qual é mantida por pelo menos seis meses, nos quais se pesquisa o potencial de prevenção de recaídas ou de retorno dos sintomas do episódio para o qual foi indicado o tratamento agudo. O segundo, de profilaxia, investiga pacientes remitidos (eutímicos) para observar se a medicação realmente previne novos episódios. Pacientes em mania toleram tratamentos agudos e, quando os sintomas remitem, as queixas de efeitos adversos aumentam. Isso pode se dever ao aumento nos níveis plasmáticos ou à variação de percepção estado-dependente. De qualquer forma, mudanças na dosagem e outras intervenções podem ser úteis para evitar rejeição ao tratamento. O tratamento usado na fase aguda deve ser mantido no tratamento de manutenção. As doses devem ser corrigidas e monitoradas no início e a intervalos de uma a duas semanas e, ao atingir-se a estabilização, a dose deve ser mantida por longo período ou pela vida toda. Para pacientes que apresentam recaída sintomatológica maníaca na vigência do tratamento, o primeiro passo é o de otimizar a dose, assegurando-se de que os níveis plasmáticos estejam na faixa terapêutica ou, se necessário, usar níveis nos limites superiores destes (WGBD, 2004). Pacientes gravemente doentes ou agitados podem necessitar da associação por curto tempo de algum antipsicótico ou BDZ (WGBD, 2004). Quando uma medicação de primeira linha (lítio, divalproato, olanzapina) não controla os sintomas, a terapêutica recomendada é a adição de outra medicação de primeira linha. As alternativas seguintes seriam a adição de CBZ ou OXC, adicionar um antipsicótico caso não tenha sido prescrito, ou trocar de antipsicótico (WGBD, 2004). No caso dos antipsicóticos, a clozapina pode ser particularmente efetiva em casos resistentes a tratamento. Deve-se ter cuidado com a associação de medicamentos por causa da somatória de efeitos colaterais e das interações metabólicas das substâncias. A única medicação que se mostrou eficaz nos dois tipos de estudo mencionados acima foi o lítio. Ghaemi et al. (2004) revisaram 14 estudos controlados, duplocegos, randomizados com lítio em 541 pacientes Rev. Psiq. Clín. 32, supl 1; 39-48, 2005 47 demonstrando sua eficácia em bipolares tipo I. Estudos recentes que utilizaram a técnica de retirada gradual de lítio em 1.010 pacientes também comprovaram a sua eficácia. Artigos mais antigos com lítio foram criticados pelas elevadas taxas de abandono. Metanálise de Geddes et al. (2004) incluiu cinco estudos controlados duplo-cegos de lítio contra placebo, demonstrando mais uma vez a eficácia do lítio na prevenção de episódios maníacos. Outras medicações não dispõem do mesmo nível de evidências. Adotando rigor no conceito de estabilizador do humor, exigindo eficácia aguda em mania e depressão e eficácia profilática também nestas duas fases, apenas o lítio preencheria estes critérios (ou nem ele, pois sua eficácia profilática em episódios depressivos é questionável). Os custos de estudos controlados duplo-cegos de longa duração é o principal obstáculo para sua realização com novas medicações. Além disso, atualmente os comitês de ética são mais rigorosos, exigindo pacientes menos graves que antigamente, o que aumenta a resposta ao placebo. Esta é uma das explicações para o estudo que comparou valproato com lítio e placebo por um ano, em que não houve diferença entre os grupos na profilaxia de novos episódios de mania ou depressão (Ghaemi et. al., 2004). Diversos estudos abertos sugerem a eficácia do divalproato no tratamento profilático de episódios maníacos e depressivos, com resposta em torno de 63%. A ciclagem rápida, o transtorno bipolar tipo II e a presença de alterações neurológicas são descritos como fatores preditores de boa resposta. O potencial profilático da CBZ começou a ser investigado na década de 1970 em vários estudos controlados e não-controlados, cujos resultados foram enviesados pelo uso combinado de antidepressivos e antipsicóticos. Dois grandes estudos prospectivos recentes compararam a CBZ ao lítio (Moreno et al., 2004). No primeiro, aberto de 2,5 anos, o lítio foi superior à CBZ em bipolares tipo I e comparável nos de tipo II. No segundo estudo, duplo-cego de dois anos de duração, o lítio também foi mais eficaz na prevenção de recorrências que a CBZ, mas a taxa de abandonos foi semelhante (Moreno et al., 2004). Estudos controlados são necessários para melhor avaliação da eficácia profilática de oxcarbazepina, topiramato e gabapentina. Estudos controlados, randomizados, de manutenção recentes compararam olanzapina com divalproato, lítio e placebo e como terapia adjuvante a lítio ou valproato (Ghaemi et al., 2004). Comparado ao Moreno, R.A.; Moreno, D.H.; Ratzke, R. divalproato, houve eficácia similar ao final de 47 semanas, apesar de a olanzapina produzir remissão sintomática e sindrômica mais precoce que o divalproato. Em estudo de 52 semanas comparativo com o lítio, a olanzapina teve menores taxas de recaída, porém os pacientes foram selecionados pela resposta à olanzapina na fase aguda. Como terapia adjuvante, não houve superioridade significativa da olanzapina sobre o placebo na prevenção de recaídas sindrômicas após 18 meses da associação a lítio ou divalproato. Em uma análise secundária verificou-se que a olanzapina foi superior ao placebo. Também foi superior em pacientes em mania aguda que haviam respondido à olanzapina, levando-se em conta o tempo até a recaída durante um ano de tratamento (Ghaemi et al., 2004). Conclusão A hipomania e a mania são freqüentes. Falhas e erros diagnósticos são comuns, portanto os profissionais da saúde mental, além de clínicos gerais, devem conhecer estas síndromes para evitar demora no diagnóstico e na instituição do tratamento ou sua inadequação. Recentemente novas opções terapêuticas melhoraram o tratamento da mania aguda, principalmente das formas atípicas, porém o lítio continua sendo a primeira opção na mania aguda. Outras incluem o valproato, a CBZ e os seis antipsicóticos atípicos disponíveis, com ênfase na olanzapina, seguida pela risperidona, que possuem o maior número de evidências, levando em conta resultados preliminares da eficácia antimaníaca de aripiprazole, ziprasidona e quetiapina. A oxcarbazepina vem sendo cogitada em substituição à CBZ, pressupondo-se eficácia semelhante com melhor perfil de tolerância. Evidências em favor do topiramato são pobres e restringem-se ao uso combinado em casos resistentes, ao passo que a gabapentina e a lamotrigina parecem não possuir eficácia antimaníaca em monoterapia. Em casos resistentes a eletroconvulsoterapia deve ser indicada e, se necessário, utilizar clozapina. Na prevenção de novos episódios afetivos, nenhuma medicação tem o nível de evidências do lítio. Embora as evidências de eficácia do divalproato e da CBZ na prevenção de recorrências permaneçam incertas, ambos são amplamente aceitos como tratamento-padrão para o transtorno bipolar. Nesse sentido, as pesquisas favorecem a olanzapina como agente alternativo de escolha na terapia preventiva. Rev. Psiq. Clín. 32, supl 1; 39-48, 2005 48 Referências bibliográficas AKISKAL, H.S.; BOURGEOIS, M.L.; ANGST, J. et al. - Re-evaluating the Prevalence of and Diagnostic Composition within the Broad Clinical Spectrum of Bipolar Disorders. J Affect Disord 1(Suppl 59): S5-S30, 2000. AKISKAL, H.S.; HANTOUCHE, E.; BOURGEOIS, M. et al. - Toward a Refined Phenomenology of Mania: Combining ClinicianAssessment and Self-report in the French EPIMAN Study. J Affect Disord 67: 89-96, 2001. A NGST , J. G AMMA , A.; B ENAZZI , F. et al. - The Emerging Epidemiology of Hypomania and Bipolar II Disorder. J Affect Disord 50: 143-151, 1998. ANGST, J.; GAMMA, A.; BENAZZI, F. et al. - Toward a Re-definition of Subthreshold Bipolarity: Epidemiology and Proposed Criteria for Bipolar – II, Mminor Bipolar Disorders and Hypomania. J Affect Disord 73: 133-146, 2003. 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Clín. 32, supl 1; 39-48, 2005 ATIVIDADE EM GRUPO LFR, 30 anos, feminino, com história prévia de internamento por mania aguda, é levada ao hospital após vizinhos perceberem sua tentativa de se jogar da janela de seu apartamento. A paciente relata utilizar Lítio, mas sua litemia indica níveis subterapêuticos. Após ser examinada pelo médico no hospital e passar por uma longa entrevista é constatada depressão aguda. _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ 12 ATIVIDADE EM GRUPO A esposa do Sr. EF, de 68 anos, sexo masculino, pede alguns conselhos ao farmacêutico da unidade de saúde porque ela está preocupada com as mudanças no comportamento do marido ao longo dos últimos meses. Seu humor está muito instável, a sua memória e concentração estão ruins. Pela primeira vez em sua vida, ele vem utilizando palavras e expressões de linguagem grosseiras e vulgares. Na avaliação realizada pelo psiquiatra o paciente apresentava-se confuso, com diminuição da pressão arterial (100/65 mmHg) e de sódio (155 mmol / L). Ele foi diagnosticado com demência do tipo Alzheimer. _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ GH, 27 anos, doutorado em andamento, vem à farmácia em estado bastante angustiado. Ele está totalmente despenteado e com odor corporal forte. Ele relata que sente como se insetos rastejassem sob sua pele. Nos últimos dias ele está se sentindo doente, e ele está absolutamente convencido de que isso é porque o seu vizinho de alguma forma coloca gases tóxicos em seu apartamento. Ele traz seu próprio vômito para ser analisado para comprovar o que diz e tomar medidas contra o vizinho. _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ 13
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