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ISSN 1983-0874 977198308700 5 Revista da IENH Volume 03 - N° 03 - Fevereiro de 2009 VISÃO Ser um pólo educacional de referência no Rio Grande do Sul pela qualidade, responsabilidade social e inovação. MISSÃO Promover educação de qualidade através da construção, produção e socialização do saber, com base nos princípios cristãos, para atuar numa sociedade em transformação. VALORES E PRINCÍPIOS DIGNIDADE: atuação com ética, responsabilidade social e respeito à pluralidade. QUALIDADE DE ENSINO: conhecimento, inovação e empreendedorismo. REFERENCIAL LUTERANO: vivência cristã, amor e cooperação. JUSTIÇA: exercício da cidadania consciente. VALORIZAÇÃO DAS PESSOAS: integralidade, comprometimento e qualificação para o desenvolvimento humano. AUTO-SUSTENTABILIDADE: criatividade, gestão integrada e melhoria contínua. NOSSO FOCO Educação Criar espaços permanentes de visibilidade para a produção científica de profissionais da educação, alunos e comunidade em geral, tem sido desafio permanente das instituições de ensino preocupadas com a melhoria constante da educação no cenário brasileiro. Com este intuito, a Revista Espaço Dialógico da IENH se consolida com um conjunto diversificado de temas abordados, oportunizando a socialização do saber e, principalmente, o incentivo à pesquisa e à escrita. Se por um lado o incentivo à formação contínua deve ser uma tônica permanente nas Instituições, criar espaços de divulgação do saber motiva a produção e a pesquisa. Provocando desta forma a interação dialógica do escritor e do leitor. O resultado objetivo desta corrente está na ampliação do número dos profissionais em formação, a maior motivação para a pesquisa e a qualidade do conteúdo dos artigos produzidos. O ganho deste processo de produção acontece em sala de aula, com professores mais motivados, alunos mais críticos e uma conseqüente melhora na qualidade da educação. DIRETORIA Presidente Sílvio Paulo Klein Administração e Finanças Afonso Licório Fröhlich - Clarel Selbach Patrimônio Márcio Fernando Fritz - Valdir Ivan Laux Ensino e Relações Comunitárias Sérgio Mylius e Sandro Rafael Decker Assuntos Estratégicos Marcelo Clark Alves - Marcos Sebastião Baum Vogais Otair Leite da Silva - Hardy Brandeburg - Leandro Osmar Heldt Hennemann Conselho Fiscal Titulares: Jairo Elenor Reinheimer - Jacson Drews Geraldo dos Santos Suplentes: Raul Cassel - Carlos Helberto Zwetsch Raul Oscar Hartmann DIREÇÃO GERAL Seno Leonhardt VICE-DIREÇÃO DE EDUCAÇÃO BÁSICA Déborah Cassel COORDENAÇÃO DE GESTÃO Paulo Roberto Prade Outro objetivo cada vez mais consolidado desta revista está em propiciar ao leitor temas variados, ampliando o campo de leitura e conhecimento; e desta forma não limitando a oportunidade a uma área específica. Considerando assim de suma importância uma visão holística do cenário educacional e mundial. Nesta variedade de temas que trata esta revista, desde a organização universitária até temas específicos da sala de aula da educação básica, estão todos convidados a apreciar este espaço de interação e, por outro lado, desafiados a serem produtores de artigos para as futuras edições, nesta dinâmica permanente do mundo do conhecimento. Seno Leonhardt Diretor Geral da IENH SUMÁRIO 04 Um breve olhar sobre a importância das narrativas em casa e na escola 07 A autonomia de jovens aprendizes na aquisição de língua inglesa através de centros de auto-acesso 10 O estudo da organização universitária no âmbito da relação Universidade-Empresa 14 Os contos de fadas e o palco da vida 17 O brasil cabe em um sítio: um olhar sobre as representações das “entidades” nacionais nas versões literária e televisiva de Memórias de Emília, de Monteiro Lobato 23 A avaliação institucional: modalidades e significados 26 Heterogeneidade mostrada e constitutiva: o outro no e do discurso 32 Leitura em sala de aula: um ato enunciativo Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade de seus autores. CONSELHO EDITORIAL Cezar Miguel Monteiro da Silva Júlio Cézar Adam Poliana Fraga Sabrina Vier Seno Leonhardt CORREÇÃO Edivania da Costa Ramos EDITORAÇÃO Assessoria de Comunicação IENH Revista Espaço Dialógico - v. 03, n. 03, fev. 2009 TIRAGEM 1000 exemplares DISTRIBUIÇÃO GRATUITA UM BREVE OLHAR SOBRE A IMPORTÂNCIA DAS NARRATIVAS EM CASA E NA ESCOLA¹ Cristiane Ely Lemke* Resumo Este artigo traz questões sobre o papel da narrativa para o desenvolvimento da linguagem, fazendo uma retrospectiva de alguns estudos sobre o assunto. Traz à tona a importância das práticas narrativas, tanto em casa quanto na escola, para o desenvolvimento lingüístico e a ampliação do conhecimento de mundo das crianças. Palavras-chave: Narrativa. Discurso. Aquisição de língua. Introdução E ste artigo traz uma revisão teórica, assim como reflexões acerca do papel da narrativa para o desenvolvimento da linguagem e também das identidades. Primeiramente, trataremos sobre a importância das narrativas para a construção das identidades. Em seguida, nos voltaremos para o seu papel no desenvolvimento da linguagem e nas situações de aprendizagem, trazendo reflexões sobre o papel da escola e da família nesse âmbito. Finalizaremos, discutindo o que, além de língua, pode-se aprender através das práticas narrativas. 1 Narrativas de vida, vidas de narrativa ESPAÇO DIALÓGICO 04 Nossa vida é, com certeza, construída através de narrativas. Bruner (1987) faz uma analogia com a famosa citação de Aristóteles - A arte imita a vida - e diz que “A narrativa imita a vida e a vida imita a narrativa” (Bruner, 1987, p. 691-2). Assim, nos construímos e criamos nossa identidade através dos nossos discursos, que, “não somente refletem ou representam as entidades e relações sociais, eles as constroem ou constituem” (Fairclough, 1992, apud Moita Lopes, 2001, p. 59). As práticas narrativas são, de acordo com Moita Lopes (2001), uma das práticas discursivas mais exploradas nas pesquisas sobre discurso e identidades sociais, pois nos revelamos através das narrativas que contamos. Tal afirmação permite-nos retomar Bruner quando diz que, “nos tornamos as autobiografias narrativas pelas quais contamos nossas vidas” (1987, p. 15). Facilmente percebemos que estamos cercados por narrativas e que elas constituem parte importante de quem somos ou de como gostaríamos que os outros nos vissem. Estamos constantemente narrando e, muitas vezes, nem nos damos conta disso. Histórias das mais variadas vêm à tona quando alguém nos conta uma. Quase que de imediato, lembramo-nos de algo que também gostaríamos de contar: uma narrativa puxa a outra. E assim, passamos nossos dias contando histórias sobre nós mesmos, sobre as pessoas que nos cercam, sobre os acontecimentos ao nosso redor, entre tantas outras possibilidades. Destacamos outra vez o fato de que, ao narrarmos, construímos também nossas identidades. Como diz Bastos, “nessa atividade de narrar, não apenas transmitimos o sentido de quem somos, mas também construímos relações com os outros e com o mundo que nos cerca” (2005, p. 74). Através das narrativas, vamos fazendo sentido do mundo e das pessoas, assim como também vamos estabelecendo relações com quem ouve ou nos conta a história. Nesse discurso construído ao narrarmos, quando as pessoas constroem a si mesmas e aos outros, são também estabelecidas relações de poder, de direitos e deveres, de controle, pois contar uma história “é também uma forma de controlar e manipular a realidade e os interlocutores” (Moita Lopes, 2001, p. 63). Quem tem o direito de narrar? Por que algumas narrativas são ratificadas e outras não chegam ao fim? Como tomar o turno para narrar? São questões que envolvem os direitos e deveres dos participantes e constroem as identidades das pessoas envolvidas. * Titulação: Mestranda em Lingüística Aplicada, Especialista em Língua Inglesa. Área de atuação: Professora de Língua Inglesa da IENH. NOTA ¹ Este texto foi escrito a partir de reflexões feitas na disciplina Aquisição e Desenvolvimento da Linguagem, no Mestrado em Lingüística Aplicada (UNISINOS). Agradecimentos à professora Dra. Cátia Fronza pela revisão e sugestões. Como as narrativas estudadas por Labov foram contadas em situação de entrevistas, surgiu o interesse de se estudar como se caracterizariam as narrativas produzidas em situações de interação face-a-face. Foi então que Sacks (1972) passou a olhar para as narrativas em fala espontânea, buscando ver como se situam na seqüência conversacional, refletindo sobre qual o trabalho exigido no ato de contar uma história, como envolver os participantes, como obter um turno mais longo para narrar e, de um modo geral, como se constitui a negociação que envolve o ato de narrar. Outros estudos se voltaram para o papel da narrativa no desenvolvimento da linguagem e nas situações de aprendizagem. Estudos analisados por Heath (2001) apontam para as conseqüências dos diferentes tipos de contato com histórias em diferentes comunidades e o reflexo disso na escola. A referida pesquisa aponta para o fato de que “poucos pais estão conscientes do que a contação de histórias antes de dormir representa como meio de preparação para os tipos de aprendizagem e exposição de conhecimentos esperados na escola” (2001, p. 319. Tradução minha). O relato sobre duas comunidades bem distintas, Roadville e Trackton, como apresentado pelo estudo, leva-nos a perceber que as práticas de letramento desenvolvidas anteriormente à entrada das crianças na escola têm forte relação com seu desempenho escolar. Heath (op. cit.) também salienta que a escola, muitas vezes, valoriza apenas um tipo de prática narrativa (fazendo perguntas sobre o que está acontecendo, através de whatquestions, por exemplo, sem incentivar os alunos a refletirem sobre as razões para aquilo estar acontecendo), deixando de explorar um universo muito rico ao seu dispor, como o raciocínio crítico. O padrão apresentado por Heath (op. cit.) sobre as rotinas de contação de histórias aponta para alguns tipos de atividade e perguntas freqüentemente feitas por pais e professores. Uma das práticas que as crianças normalmente aprendem durante esses momentos são as atividades de nomeação ou etiquetação (labeling), quando respondem a perguntas como “O que é isto?”, “Quem é aquele?”, por exemplo. Outro estágio seria o de whatquestions, em que as crianças respondem a perguntas referentes ao que está acontecendo na história. Essas perguntas são também freqüentes na escola. De acordo com a autora (op. cit.), é importante que as perguntas feitas possam passar para os estágios de reason-explanation (explicações sobre o motivo) e affective commentaries (comentários afetivos), pois permitem que as crianças sejam incentivadas a pensar no motivo (ou motivos) pelo qual um determinado acontecimento ocorreu na história e nas suas conseqüências, em mudanças se um aspecto fosse modificado ou acontecesse de forma diferente. Além disso, é necessário, como reforça Heath (op. cit.), motivar os alunos a refletir sobre sua opinião em relação à história, já que esses dois últimos estágios são, em muitos casos, pouco explorados tanto em casa quanto na escola. Blok (1999) faz um apanhado dos estudos sobre os efeitos de se ler para as crianças em ambientes educacionais. Um dos aspectos apresentados por esse autor diz respeito à interação verbal. Uma criança desenvolve suas habilidades lingüísticas através da linguagem que lhe é oferecida. Dois extremos precisam ser distinguidos: a língua que é dirigida à criança em uma situação de interação e a língua que a criança apreende do ambiente, mas que não é diretamente dirigida a ela. As pesquisas sugerem que a primeira, a situação de interação, é de maior importância que a segunda, a língua do ambiente. Para dizer de outra forma, as interações verbais são a chave para o desenvolvimento da linguagem (1999, p. 349. Tradução minha.). O autor coloca, assim, a interação como um elemento essencial para a aquisição da linguagem, posição da qual compartilhamos. Ele traz ainda a importância da interação durante os momentos de contação de histórias e distingue dois tipos de atividades: “talking with the child” (falando com a criança) e “talking to the child” (falando para a criança), nomeando esses estilos como “interactive reading style” (estilo de leitura interativo) e “passive reading sytle” (estilo de leitura passivo), respectivamente. O autor, contudo, manifesta sua preferência pelo primeiro tipo. Neste tipo de leitura/interação, criam-se também oportunidades de andaimento, quando o “leitor apóia a criança na reconstrução do significado, o que ainda não consegue fazer independentemente” (Blok, 1999, p. 350. Tradução minha). Quando incentivamos nossos/as filhos/as e alunos/as a participarem durante a contação de histórias, estamos possibilitando situações para o desenvolvimento do raciocínio crítico. Cabe a nós, então, o papel de instigadores nesse processo para que as perguntas e comentários direcionados a eles possam ser aprofundados com o passar do tempo. Mas não é só língua que se aprende através de histórias. Os propósitos de se contar uma história são muitos, como apresentados por Wajnryb (2007). A autora salienta os valores morais, culturais, didáticos, de entretenimento, enfim, mostra a história como um meio de ensinar e aprender. Apresenta também o papel das histórias 05 ESPAÇO DIALÓGICO Os estudos sobre narrativa vêm sendo amplamente explorados, tendo como seus principais pesquisadores Jerome Bruner e William Labov. Labov e Waletzky (1967) foram responsáveis por estudar a estrutura da narrativa, explicitando seus componentes. Esse estudo foi produzido a partir de entrevistas sociolingüísticas, quando o entrevistado era incentivado a contar histórias, pois os pesquisadores acreditavam que, ao narrar, os entrevistados se envolveriam mais com o tópico e não controlariam tanto sua fala, deixando que esta fluísse mais naturalmente. como meio de ensinar língua, especificamente uma segunda língua, já que a língua em si é o material do qual uma história é feita. No caso da língua estrangeira, podemos fazer as duas coisas ao mesmo tempo: temos a chance de ensinar a língua em si e de contribuir com a aprendizagem de valores, culturas, entre outros aspectos, através da língua em que a história está sendo contada. A autora (op. cit.) ainda faz uma relação com as condições de aprendizagem postuladas por Willis (1996), mostrando que todas as características essenciais defendidas por esta autora para a aquisição da linguagem estão presentes em uma contação de história. Conforme Willis (1996 apud Wjanryb, 2007, p. 6), “o que é essencial é que o aprendiz tenha exposição à língua acessível, tenha oportunidade de usar a língua e tenha a motivação para aprender”. O texto da história seria o provedor de insumo compreensível, ou seja, em uma linguagem que esteja ao alcance do aprendiz. Aqui se insere também o papel do professor, pois deve ser capaz de levar em consideração o seu interlocutor e fazer os ajustes necessários para sua compreensão, mas, ao mesmo tempo, não facilitando demais, evitando que a tarefa se torne muito simples e sem nenhum desafio. Wajnryb (op. cit.) levanta a questão sobre contar ou ler a história, chamando a atenção para o fato de que, ao contar, podemos fazer esses ajustes necessários, sejam na fala, através de iniciação de reparo e outros elementos que se manifestam durante as interações lingüísticas. O uso da língua, é essencial para a aquisição, também pode ser desenvolvido durante, antes ou após a contação. Isso não significa que toda a história precise necessariamente percorrer esse caminho, uma vez que podemos sim contar histórias com o intuito de apenas expor crianças e alunos/as a insumo compreensível. No entanto, a exploração da história e mesmo a interação que acontece durante a contação já são oportunidades para se usar a língua. O último, mas não menos importante elemento apontado por Willis (op. cit.), a motivação, explica-se por si mesmo. As histórias captam nossa atenção, fazem-nos viajar por um mundo de fantasias e estão presentes diariamente em nossas vidas. A fim de reforçar o que recém destacamos, voltamo-nos a Wajnryb (2007, p. 8): “usar histórias na sala de aula é tanto uma maneira natural de ensinar coisas em geral quanto uma maneira particularmente eficaz de ensinar língua”. Considerações finais Para finalizar, embora muito ainda possa ser dito, precisamos dizer que, mesmo que os diferentes autores citados anteriormente pareçam, por vezes, tão distantes uns dos outros, interconectam-se ao falarem da narrativa como um evento inerente à vida humana, sob uma perspectiva de construção de identidades e língua. Que possamos, como pais e educadores, fazer uso desse “instrumento” poderoso que se encontra à nossa disposição para ensinar e, por que não, aprender com nossos interlocutores, num processo de co-construção da narrativa. Referências BASTOS, Liliana Cabral. Contando estórias em contextos espontâneos e institucionais: uma introdução ao estudo da narrativa. Calidoscópio, v. 3 (2): 74-87, 1995. BLOK, Henk. Reading to Young Children in Educational Settings: A Meta-Analysis of Recent Research. Language Learning: a journal of research in language studies, Malden, v. 49, n. 2, p. 343 371, abr./ jun. 1999. BRUNER, Jerome. “Life as narrative”. Social Research, n. 54, p. 11-32, 1987. ESPAÇO DIALÓGICO 06 FAIRCLOUGH, Norman. Discourse and Social Change. Cambridge, Polity Press. 1992. HEATH, Shirley Brice. What no bedtime stories mean: narrative skills at home and school. In: DURANTI, A. (Org.) Linguistic Anthropology: a reader. Oxford: Blackwell. p. 318-342, 2001. MOITA LOPES, Luiz Paulo. Práticas narrativas como espaço de construção das identidades sociais: uma abordagem socioconstrucionista. In: TELLES RIBEIRO, Branca; COSTA LIMA, Cristina; e LOPES DANTAS, Maria Tereza (Orgs.). Narrativa, Identidade e Clínica. Rio de Janeiro: Edições IPUB/CUCA. p. 55-71, 2001. LABOV, William e WALETSKY, J. Narrative Analysis: oral versions of personal experience. In: HELM, J. (Org.). Essays on the verbal and visual arts. Seattle, University of Washington Press, p. 12-14, 1967. SACKS, Harvey. On the analyzability of stories by children. In: GUMPERTZ, J. e Hymes, D. (Orgs.), Directions in Sociolinguistics. The Etnography of Communication. Oxford/ New York, Basil Blackwell, p. 325-345, 1972. WILLIS, Jane. A framework for task-based learning. England: Addison Wesley Longman Limited, 1996. WAJNRYB, Ruth. Stories. 2nd ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. A AUTONOMIA DE JOVENS APRENDIZES NA AQUISIÇÃO DE LÍNGUA INGLESA ATRAVÉS DE CENTROS DE AUTO-ACESSO Daniele Blos* Resumo Pensando em indivíduo autônomo como “autor do seu próprio mundo” (Pennycook, 1997) e acreditando que a autonomia, vista como um objetivo educacional, implica um tipo particular de socialização envolvendo o desenvolvimento de atributos e valores que irão permitir que os indivíduos atuem de forma participativa e ativa na sociedade democrática (Benson, 2007), quer-se, com o presente artigo, fazer uma revisão bibliográfica de questões pertinentes à conceituação de autonomia na aquisição de uma segunda língua. Acredita-se que o indivíduo é autônomo por natureza e que essa autonomia pode ser aproveitada por propostas pedagógicas que a estimule, como, por exemplo, através do auto-acesso. Palavras-chave: Autonomia. Auto-acesso. Aquisição. Língua. M uito se tem falado sobre a autonomia na Aquisição de Segunda Língua (ASL) por aprendizes adultos em diferentes contextos, dentre eles, o acadêmico (Fernandes, 2005; Nicolaides, 2003). Pouco ainda se fala, nos dias de hoje, sobre a autonomia na ASL por jovens aprendizes. Esse fato talvez se deva à conceituação feita por alguns autores, os quais afirmam que, na aprendizagem autônoma, o aprendiz deve assumir a responsabilidade de determinar objetivos, conteúdo, ritmo, método de sua aprendizagem, assim como monitorar seu progresso e avaliar resultados (HOLEC, 1981, p. 3), ou ainda, quando afirmam que o desenvolvimento da autonomia depende do exercício da capacidade de reflexão crítica, tomada de decisão e ação independente (LITTLE, 1991, p. 4). Quando se pensa em jovens aprendizes, parece difícil delegálos tamanha responsabilidade e liberdade, porquanto estamos diante de indivíduos que estão iniciando suas atividades intelectuais. No entanto, estudando sobre a referida autonomia, é possível verificar que qualquer pessoa inserida em contexto educacional específico, pode sim desenvolvê-la e aplicá-la a sua aprendizagem. Nesse sentido, Nicolaides discorre que, Em princípio, todo o ser humano é autônomo, tanto que é capaz de aprender milhares de tarefas ao longo de sua vida e acaba por ser capaz de fazê-las um dia sem a ajuda de outro. Na aprendizagem de línguas não pode ser diferente; ela se dá por meio da interação social. (2003, p. 180) Nesse artigo, primeiramente será apresentada uma revisão teórica acerca do conceito de autonomia e sua aplicabilidade no contexto educacional das séries iniciais, com jovens aprendizes. Em seguida, esse conceito será relacionado com outros conceitos importantes da área da educação, mas especificamente dentro de um currículo bilíngüe e será apresentada então uma proposta de como desenvolver a referida autonomia através de uma proposta pedagógica que tem tal objetivo. Finalizamos com uma reflexão acerca das evidências dos benefícios trazidos pelo desenvolvimento da autonomia à educação. 1 Referencial teórico O conceito de autonomia pode ser pensando em três níveis, a saber: mais geral, na vida do indivíduo, na aprendizagem e mais especificamente na aprendizagem de língua. Phil Benson¹ afirma que autonomia diz respeito a pessoas tomando mais controle de suas vidas, individual e coletivamente. Já autonomia na aprendizagem trata das pessoas tomando mais controle de sua aprendizagem dentro e fora das salas de aula e, finalmente, autonomia na aprendizagem de língua trata das pessoas tomando mais controle dos objetivos pelos quais aprendem línguas e as maneiras como elas as aprendem. Dessa forma, é sim possível que, desde cedo, as crianças já participem da tomada de decisão quanto aos objetivos e métodos de aprendizagem. Parece existir um temor por parte dos docentes, que por vezes confundem autonomia com liberdade total, o que pode significar a perda de controle da situação de aprendizagem por parte do professor. Ainda, pode haver confusão entre autonomia e independência e * Titulação: Mestranda em Lingüística Aplicada. Área de atuação: Professora de Língua Inglesa na IENH. NOTA ¹ <http://ec.hku.hk/autonomy/what.html> Acesso em: 29 novembro 2007. 07 ESPAÇO DIALÓGICO Introdução disso, novamente, alguns professores poderão pensar que seus jovens alunos não são independentes a ponto de assumir tal responsabilidade sobre sua aprendizagem. Dickinson (1993) em seu artigo Learner autonomy: what, why and how? diz o que autonomia não é. Ela não é uma licença para se comportar sem restrições, ela não é uma questão de cenário físico de aprendizagem específico, assim como ajudar os aprendizes a tornarem-se autônomos não é uma ameaça à função do professor. Little (1990) também faz restrições sobre o que autonomia não vem a ser. Ela não é um sinônimo de auto-instrução, não é limitada ao aprendizado sem professor e não pressupõe abdicação de responsabilidade por parte do professor. Tendo em vista essas restrições do que autonomia não é, parece que fica mais fácil relacioná-la a situações que envolvam a aprendizagem por jovens/crianças. Da mesma forma, Nunan (1997) afirma que existem graus de autonomia e que o potencial do aprendiz para alcançar diferentes graus depende de sua personalidade, objetivos, filosofia institucional e contexto cultural. Assim sendo, jovens aprendizes desenvolverão sua autonomia na ASL em graus diferentes de adultos e diferentes entre si, pois possuem personalidades e objetivos diferentes e estão inseridos em diferentes contextos. À medida que autonomia tornou-se um conceito mais presente em contextos educacionais, ela começou a interagir com outros conceitos importantes da área, que incluem estratégias de aprendizagem, motivação, diferenças individuais, teoria sociocultural e desenvolvimento do professor (BENSON, 2007, p. 28). Pensando na interação de tais conceitos e em um contexto específico de ASL, uma escola de currículo bilíngüe português/inglês, é possível propor uma estratégia de aprendizagem abordada por diversos teóricos da área, que tende a motivar jovens aprendizes por sua dinamicidade e que respeita as diferenças individuais, pois, segundo Nunan (1997), proporciona o desenvolvimento da autonomia em diferentes graus, respeitando as personalidades e objetivos diferentes de cada aprendiz, mas dentro de um contexto específico: currículo bilíngüe. A estratégia em questão são os centros de auto-acesso, assunto a seguir. 2 Discussão e reflexão ESPAÇO DIALÓGICO 08 Os centros de auto-acesso (SACs) oferecem oportunidade de aprendizado da língua que não são possíveis em lições formais. Nesse momento, oportuno ressaltar o que se entende por SAC neste artigo. Métodos que auxiliam os alunos a mover de dependência do professor em direção à autonomia são descritos em vários termos, dentre eles: aprendizado autodirecionado, auto-instrução, aprendizado independente e aprendizado por auto-acesso. Além dessa gama de terminologias dentre os métodos que proporcionam o desenvolvimento da autonomia, existem diferentes entendimentos pelos autores da área sobre a definição de auto-acesso. O presente artigo não tem por finalidade analisar exaustivamente tais discussões teóricas, mas sim discorrer sobre o entendimento do auto-acesso dentro do contexto proposto, razão pela qual a proposta de auto-acesso a seguir decorre da oportunidade proporcionada pelo contexto de currículo bilíngüe em que as crianças/jovens aprendizes estão em contato com a língua inglesa (segunda língua em questão) diariamente. Dessa forma, é possível organizar momentos de auto-acesso para que os aprendizes possam exercitar sua autonomia e buscar soluções para sua aprendizagem de língua. Os centros de auto-acesso podem ser definidos como práticas didáticas que colaborem para o desenvolvimento de autonomia. É evidente que a implementação de centros de auto-acesso não desenvolve necessariamente a autonomia se não for pensada com tal objetivo. A implementação precisa envolver os alunos em todas as suas etapas. Também como Benson (2007) afirma, a autonomia depende dos contextos de aplicação. Pensa-se que uma escola/um professor que adota o desenvolvimento da autonomia como filosofia e envolve seus alunos no processo, terá chances de, através do auto-acesso, alcançar esse objetivo. De acordo com Gardner & Miller (1999) auto-acesso é flexível, uma vez que pode ser usado em grande ou pequena escala, ser conduzido em uma sala de aula, em um centro dedicado ao auto-acesso ou outros lugares, ser incorporado dentro de um curso/currículo, ou pode ser usado por alunos que não estejam freqüentando curso algum, bem como pode funcionar para diferentes níveis, permite níveis diferentes de independência, individualização ou grupos. Ademais, o auto-acesso não é específico para uma cultura ou idade, podendo beneficiar todos os aprendizes de uma segunda língua. Dentro do contexto em questão, a proposta é que autoacesso aconteça em sala de aula, em momentos pré-definidos e organizados de comum acordo com os aprendizes, dentro do currículo proposto, nas diferentes séries, proporcionando ao aluno a possibilidade de escolher entre uma gama de atividades pré-estabelecidas e organizadas, que possibilitam o desenvolvimento das diferentes habilidades (escuta, fala, leitura e escrita) e o trabalho individual ou em grupo. Nesse sentido: The choice for learners in a SAC is clear. They select from a range of materials and decide how long to spend on each; they also decide whether or not to ask for assistance. It is worth noting, though, that they can choose from what has already been purchased for them (Reinders & Lewis, 2008, p. 206) Reinders & Lewis bem lembram que os aprendizes no SAC selecionam o material e o tempo dedicado às tarefas, assim como decidem se precisam ou não de assistência. No entanto, essa seleção se faz dentre materiais já adquiridos para eles. Na proposta em questão, alguns materiais são adquiridos e outros elaborados especificamente para as propostas. Gardner & Miller (1999) exemplificam algumas propostas para jovens aprendizes desenvolverem suas habilidades da segunda língua através de auto-acesso. Para esses jovens, a aprendizagem se torna divertida, pois, por vezes, podem ser incluídos nesses centros jogos que proporcionem a interação e reflexão quanto a tópicos de linguagem. Além disso, os centros proporcionam prática extra e, quando casados com atividades elaboradas sob medida para os aprendizes, podem focar aspectos que necessitam de revisão, mais prática, melhor apropriação, dentre outros. Nesse caso, o aluno começa desde cedo a exercitar sua capacidade de detectar dificuldades e trabalhar para aperfeiçoá-las. Quando se pensa em aprendizagem de língua estrangeira (LE) na escola regular, muitas questões vêm à tona: falta de espaço para LE na grade curricular, grande número de alunos, (de tal forma que impossibilite propostas individualizadas), materiais didáticos distantes da realidade, docentes com preparo acadêmico deficiente (NICOLAIDES, 2003). O contrário ocorre no currículo bilíngüe, uma vez que tais restrições inexistem, pois há amplo espaço para LE na grade curricular, o número de alunos por sala é pré-estabelecido, os materiais didáticos são selecionados pelos participantes do ato de ensino / aprendizado (professor), ou por eles elaborados e há estímulo para a constante formação acadêmica do docente. Essas condições específicas do contexto favorecem propostas como auto-acesso. Válido lembrar, ainda, que a concepção de autonomia perpassa com freqüência os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira (PCN). Nos PCN (1997), a autonomia é tomada ao mesmo tempo como capacidade a ser desenvolvida pelos alunos e como princípio didático geral, orientador das práticas pedagógicas, sendo esse último concebido como: [...] uma opção metodológica que considera a atuação do aluno na construção de seus próprios conhecimentos, valoriza suas experiências, seus conhecimentos prévios, e a interação professor-aluno e aluno-aluno, buscando essencialmente a passagem progressiva de situações em que o aluno é dirigido por outrem a situações dirigidas pelo próprio aluno. (1997, p. 94) Considerações finais Existem fortes evidências que, cada vez mais, autonomia é um valor buscado pelo sistema educacional e que pode e deve ser estimulado desde cedo, já na educação infantil. Tomando o indivíduo autônomo como “autor do seu próprio mundo” (Pennycook, 1997), vê-se o desenvolvimento da autonomia na aprendizagem com um objetivo maior, ou seja, como um caminho para que a autonomia do indivíduo possa ser entendida a outras áreas de sua vida. Como Crabbe (1993) ensina, o indivíduo precisa ser livre para fazer suas próprias escolhas. Portanto, proporcionar na sala de aula de língua estrangeira oportunidades para tais escolhas pode colaborar para que a autonomia seja estendida a outras situações da vida do aprendiz. Acredita-se que auto-acesso seja uma forma de fazer isso. Tal metodologia irá, além de contribuir para a aquisição de LE, proporcionar a autonomia do indivíduo. É evidente que tais questões necessitam de maior estudo e discussão, haja vista a amplitude do tema abordado nesse artigo. Por isso cabe sugerir, como continuidade para compreensão do assunto, analisar esses momentos de autoacesso com mais detalhe, isto é, buscando entender seus participantes e as implicações dessa metodologia em sua aprendizagem, bem como em outras esferas de suas vidas. Referências BENSON, Phil. What is autonomy? Disponível em: <http://ec.hku.hk/autonomy/what.html> Acesso em: 29 novembro 2007. CRABBE, David. Fostering autonomy from within the classroom: the teacher's responsibility. In: System, vol. 21, n. 4. Great Britain: Pergamon Press, 1993. DICKINSON, Leslie. Learner Autonomy: what, why and how? IN: LEFFA, Vilson. Autonomy in Language Learning. Porto Alegre: UFRGS, 1993. FERNANDES, Vera. As crenças e a práxis de professores de língua inglesa em formação e o aprendizado autônomo. Porto Alegre, 2005. aprox. 205 p. Apresentada como tese de doutorado, UFRGS, 2005. GARDNER, David & MILLER, Lindsey. Establishing self-access: from Theory to Practice. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. HOLEC, Henri. Autonomy in Foreign Language Learning. Oxford: Pergamon, 1981. LITTLE, David. Learner autonomy Definitions, issues and problems. Dublin: Authentik, 1991. LITTLE, David. Autonomy in Language Learning. IN: GATHERCOLE (ed.). Autonomy in Language Learning. London: CILT, 1990. NICOLAIDES, Christine S. A busca da aprendizagem autônoma de língua estrangeira no contexto acadêmico. Porto Alegre, 2003. aprox. 205 p. Apresentada como tese de doutorado, UFRGS, 2003. NUNAN, David. Designing and adapting materials to encourage learner autonomy. IN: BENSON, Phil & VOLLER, Peter (eds). Autonomy and Independence in Language Learning. London, Longman, 1997. Parâmetros Curriculares Nacionais: Introdução aos parâmetros curriculares nacionais Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC / SEF, 1997. PENNYCOOK, Allaistar. Cultural Alternatives and Autonomy. IN: BENSON, Phil & VOLLER, Peter (eds). Autonomy and Independence in Language Learning. London, Longman, 1997. REINDERS, Hayo & LEWIS, Marilyn. Materials evaluation and teacher autonomy. IN: LAMB, Terry & REINDERS, Hayo (eds). Learner and Teacher Autonomy: Concepts, realities and responses. Amsterdam / Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 2008. 09 ESPAÇO DIALÓGICO BENSON, Phil. State-of-the-art article. Autonomy in language teaching and learning. In: Cambridge Journals, Cambridge, vol. 40, 2007. O ESTUDO DA ORGANIZAÇÃO UNIVERSITÁRIA NO ÂMBITO DA RELAÇÃO UNIVERSIDADE-EMPRESA Dusan Schreiber* Resumo As universidades ocupam-se essencialmente de três funções distintas entre si: ensino - pesquisa - extensão. Distintas, mas complementares, de acordo com as tendências de interdisciplinaridade e de concepção holística dentro do papel que devem representar na comunidade. Não deixando de perceber a Universidade como uma organização com objetivos a atingir e de produzir resultados, independente de ser pública ou privada, é pertinente estudar se as estruturas atualmente existentes nas organizações universitárias atendem a necessidade de interação das três funções de ensino com o mercado. Este estudo se faz mister em virtude da crescente competitividade entre as instituições de ensino superior no Brasil, face à expansão da rede de estabelecimentos de ensino superior nos últimos anos, que obrigará as instituições de ensino superior a buscar cada vez maior qualificação na oferta de produtos e serviços à sociedade. Essa qualificação passa necessariamente pela qualificação de estruturas organizacionais atuais. Palavras-chave: Universidade. Empresa. Inovação. Introdução T radicionalmente, as universidades têm desempenhado duas funções principais: formação e treinamento de pessoal qualificado e geração e aumento do estoque de conhecimento através da realização de atividades de pesquisa independentes. A primeira dessas missões não causa controvérsia, pois se refere à transmissão de conhecimento formal, transferência e aquisição de habilidades, métodos e técnicas específicos e, inclusive, estabelecimento de redes de contatos profissionais que são cruciais para as atividades empresariais [Pavitt (1997) e Nelson e Rosenberg (1993)]. Entretanto, a exploração e a aplicação comercial de resultados das atividades de pesquisa desenvolvidas em universidades constituem o ponto central da corrente disputa sobre as funções das Universidades. A orientação dessas atividades varia consideravelmente (Vedovello, 2001), dependendo dos propósitos da Universidade como instituição, bem como da disponibilidade de recursos humanos e materiais - expertise acadêmica, recursos financeiros, laboratórios e equipamentos que permitam à instituição alcançar seus objetivos. ESPAÇO DIALÓGICO 10 Isso não significa, entretanto, que universidades não possam empreender pesquisas com objetivos mais pragmáticos. Certas áreas e disciplinas acadêmicas são explicitamente orientadas para a aplicação, tais como as engenharias, as ciências dos materiais, as ciências da computação (Nelson e Rosenberg, 1993). Pesquisas desenvolvidas por cientistas sociais, vinculadas à gestão, ao direito, às línguas, também podem provocar um impacto direto junto ao setor produtivo (Goddard, 1997). Para esse grupo de disciplinas, pode ocorrer a transferência de ao menos parte do estoque de conhecimento gerado por meio de pesquisas acadêmicas, o qual pode ser utilizado pelas empresas nos seus processos de inovação ou na melhoria de produtos e processos já existentes e nas técnicas de gestão. As empresas, por outro lado, objetivam o aumento dos lucros, a manutenção e expansão de suas posições de mercado e desempenho econômico. A atividade de P&D é um dos possíveis inputs utilizados na busca por soluções técnicas ou implementação de inovações de produto e/ou processo. Mesmo em um contexto no qual a inovação tem se tornado crescentemente dependente da exploração comercial do conhecimento (Gibbons, 1992), as empresas geralmente empreendem atividades de pesquisa em bases de curto prazo e em combinação com outras atividades tais como design, desenvolvimento, testes e produção [Pavitt (1997) e Nelson e Rosenberg (1993)]. * Titulação: Mestre e Doutorando em Administração, Especialista em Administração Financeira e Consultoria Empresarial, Graduado em Administração de Empresas - Habilitação Comércio Exterior. Área de atuação: Atualmente, é Diretor da South Konsult - Consultoria Empresarial Ltda. Na IENH, é Coordenador de Estágios, Coordenador do Núcleo de Assessoria e Desenvolvimento Empresarial NADE, Coordenador da Assessoria de Relações Institucionais - ARI, Coordenador de Extensão, Professor da Faculdade e do Centro de Educação Profissional - CEP. Infelizmente, de acordo com a literatura, a interação Universidade-empresa é ainda um assunto pouco resolvido no Brasil (Dagnino, 2003; Vedovello, 2001; Schreiner, 2001). Segundo o Schreiner (2001) as causas do relativo insucesso devem ser procuradas na nossa história. Ciência e pesquisa são feitas nas Universidades e em alguns institutos isolados. A Universidade mais antiga do Brasil ainda não fez 100 anos. Tanto em Universidades quanto em institutos, a pesquisa corre majoritariamente por conta das instituições públicas com financiamentos insuficientes. As empresas se acostumaram a buscar tecnologia nos países do primeiro mundo, ignorando o desenvolvimento científico nacional. Como as empresas não procuram as Universidades, essas, por sua vez, acostumaram-se a fazer ciência e pesquisa pela pesquisa apenas. Formam-se recursos humanos que servem muito bem para pesquisar novamente nas Universidades, num círculo vicioso infeliz. Quebrar esse isolamento de Universidades e empresas no Brasil é o desafio maior. 1 A interação Universidade-empresa Segundo a Vedovello (2001), a interação Universidade-empresa, em áreas relacionadas com ciência e tecnologia, é parte de uma infra-estrutura nacional mais ampla, envolvendo outras instituições de ensino superior e pesquisa, tanto públicas quanto privadas, centros de pesquisa e empresas que estão engajados na geração, transferência e uso de conhecimento, informação e tecnologia. Para Dagnino (2003) está ocorrendo um processo sinérgico de ampliação quantitativa e qualitativa da relação Universidade-empresa. Isso estaria traduzido na existência de um crescente número de contratos entre empresas e Universidades com vistas ao desenvolvimento de atividades conjuntas (Demo, 1999). Aponta-se, também, para um processo de ampliação qualitativa da relação, caracterizada pelo fato de que estariam ocorrendo atividades com crescente resultado econômico. As razões que explicariam essa ampliação das relações Universidade-empresa, segundo Schreiner (2001), estariam, pelo lado das empresas, em custo crescente em pesquisa associada ao desenvolvimento de produtos e serviços necessários para assegurar posições vantajosas num mercado cada vez mais competitivo; na necessidade de compartilhar o custo e o risco das pesquisas pré-competitivas com outras instituições que dispõem de suporte financeiro governamental; no elevado ritmo de introdução de inovações no setor produtivo e a redução do intervalo de tempo que decorre entre a obtenção dos primeiros resultados de pesquisa e sua aplicação; no decréscimo dos recursos governamentais para pesquisa em setores antes profusamente fomentados, como os relacionados ao complexo industrial militar. Do lado da Universidade, as motivações principais seriam a dificuldade crescente para obtenção de recursos públicos para a pesquisa universitária e a expectativa de que esses possam ser proporcionados pelo setor privado em função do maior potencial de aplicação de seus resultados na produção; interesse da comunidade acadêmica em legitimar seu trabalho junto à sociedade que é, em grande medida, a responsável pela manutenção das instituições universitárias. Essa ampliação estaria denotando uma maior eficiência da relação Universidade-empresa-governo, fruto do estabelecimento daquele novo contrato social entre a Universidade e seu entorno, o que estaria levando a Universidade a incorporar as funções de desenvolvimento econômico às suas já clássicas atividades de ensino e pesquisa, e a redefinir suas estruturas e funções (Dagnino, 2003). Por serem organizações altamente burocratizadas, a grande maioria das Universidades é, em geral, avessa à mudança, à inovação e à criatividade. Como são as Universidades que se constituem como centros produtores e transferidores dos conhecimentos e esse se constitui uma variável fundamentalmente mutável, parece haver incoerência entre a estrutura das Universidades (conservadora e centralizadora) e as características do conhecimento (inovador e transformador). Observa-se, assim, um grande gap entre a teoria e a prática cotidiana, o que leva a um significativo prejuízo para a formação dos futuros profissionais. 2 A caracterização organizacional da Universidade brasileira Etzioni (1976) aponta como uma das características das organizações a existência de um ou mais centros de poder pela organização. Através desse controle a organização visa assegurar o cumprimento da lei, enfatizando a idéia de que toda administração está fundamentada numa hierarquia de poder. Com relação à Universidade, a existência de objetivos “amplos, vagos e pouco definidos” (Baldridge, 1971) e de “objetivos confusos e preferências inconsistentes” (Cohen e March, 1974) não só diferencia a Universidade das demais organizações, como revela a complexidade que a permeia. Essa multiplicidade de objetivos também é geradora de tensões que atingem todos os membros de uma 11 ESPAÇO DIALÓGICO Ilustrando esse aspecto, Pavitt (1997) sugere que, muito embora até um quarto das atividades de pesquisa desenvolvidas por empresas possa ser classificado como pesquisa básica ou aplicada, três quartos ou mais se referem ao desenvolvimento, aos testes e à prototipagem e relacionam-se com o sistema de produção. Em outras palavras, trata-se de conhecimento relacionado aos produtos e processos produtivos específicos que as empresas esperam comercializar. organização. Desse modo, se a Universidade for considerada como uma organização de finalidades múltiplas (ensino, pesquisa, extensão), pode-se afirmar que a existência de conflitos no seu interior é inevitável. Schreiner (2001) acrescenta, ainda, que a Universidade é uma “organização não só única, mas intrinsecamente complexa”. Considerando-se que é na Universidade que o conhecimento é gerado, utilizado e preservado, podemos defini-la como uma organização especializada. Esse tipo de organização caracteriza-se pela ênfase na busca dos seus objetivos, pelo número significativo de especialistas (docentes) em relação aos não especialistas e pela relação de autoridade existente entre eles. Etzioni (1976) esclarece que o fundamento da autoridade do especialista é o conhecimento, e a relação entre a autoridade administrativa e a especializada é muito influenciada pela proporção e tipo de conhecimento do especialista. Afirma-se, assim, o conhecimento como fator determinante nas relações entre os indivíduos de uma organização. Na Universidade, a relação entre administradores e especialistas mostra-se invertida em relação às organizações não especializadas. Isso decorre do fato de serem administradores das Universidades responsáveis pelo gerenciamento das atividades meio, enquanto aos especialistas cabe a administração das atividades fim, centradas na criação, aplicação e a manutenção do conhecimento. Convém acrescentar que a influência desmedida de especialistas no processo de tomada de decisão pode se constituir em obstáculo para a consecução dos objetivos propostos pela organização, colocando em jogo a sobrevivência dela. Mas, por outro lado, a influência igualmente excessiva da administração também contribuirá para que esses objetivos não sejam atingidos, muitas vezes, impedindo a prática da liberdade acadêmica - resultado da criação e institucionalização do conhecimento. Na Universidade podemos identificar dois centros de poder: a) o poder acadêmico - baseado no conhecimento e exercício pelos especialistas; b) poder burocrático baseado nas leis, regulamentos e normas relativas ao ensino e à gerência econômica e exercido pelos administradores (FINGER, 1997). ESPAÇO DIALÓGICO 12 A relação entre esses poderes é problemática, dada a multiplicidade de interesses dos envolvidos. Assim, se o interesse do especialista está voltado para a atividade profissional - vista como fundamental em relação ao objetivo específico -, o interesse do administrador se detém, em alguns momentos, em atividades não específicas como, por exemplo, a obtenção de verbas para o financiamento dessas atividades, e o seu gerenciamento, com vistas à aplicação face às necessidades organizacionais. Em outros momentos, o interesse do administrador se concentra na implantação de reformas estruturais e funcionais das organizações, exercendo o poder político e influenciando o processo de tomada de decisões. A questão do poder burocrático, quando situada em termos de legislação, assume um caráter pouco expressivo, pois o poder é muito mais complexo do que um conjunto de leis (Schreiner, 2001) e não pode ser definido como algo natural, uno, global. Ele está em contínua mutação e se materializa através de diferentes formas, o que nos leva a acreditar na existência de práticas ou relações de poder. Os poderes são exercidos em diferentes níveis e realidades da estrutura social. Com relação à Universidade, a articulação entre esses poderes provoca tensões que interferem no comportamento dos especialistas e administradores, refletindo-se no processo decisório dessas organizações. Considerações finais Os mecanismos para a interação entre Universidades e empresas encontram-se à disposição em vários organismos dos governos federal e estadual, também em organizações não governamentais que visam apoiar o desenvolvimento de inovação tecnológica de produtos e processos. Porém, a disponibilidade das ferramentas jamais conseguirá atingir o objetivo sem a necessária e fundamental mobilização da própria comunidade acadêmica, quanto ao papel do trinômio “ensino, pesquisa e extensão” na interação com a sociedade, que está cada vez menos disposta a tolerar o distanciamento do conhecimento da sua aplicação para produção de bens e serviços economicamente viáveis. São fundamentais mudanças da cultura universitária, do papel do professor e do pesquisador e adequação da estrutura organizacional universitária, em face ao novo ambiente em que as Universidades encontram-se inseridas, o qual sofreu profundas modificações nos últimos anos, com novas instituições de ensino superior se estabelecendo, com estratégias bem definidas e agressividade mercadológica, com foco no cliente (posicionamento vertical). Para fazer frente a esse novo panorama competitivo, a Universidade deverá repensar a sua estrutura organizacional, desde a estratégia da organização no tocante à atuação no mercado. Também deverá estabelecer sua diferenciação quanto aos demais competidores e promover mudanças profundas no seu tecido organizacional, tanto em nível conceitual (definindo novas prioridades, como, por exemplo, o relacionamento com o setor produtivo e oferecendo o know-how), quanto em formato de pesquisa aplicada, por exemplo, em nível de extensão tecnológica, em termos de prestação de serviços. Trata-se de um enorme desafio, considerando-se a cultura acadêmica historicamente entranhada nas organizações universitárias por meio de estruturas de disputas pelo poder, e a tradição de ocupação de cargos de direção por professores avessos à aproximação com o setor produtivo. A estrutura altamente burocrática e rígida nos seus procedimentos e observância às normas internas também deverão passar pelo questionamento e pela flexibilização, seguindo o exemplo de empresas privadas dos setores produtivos, que já passaram por essa fase no início dos anos 90, por ocasião da abertura econômica. O presente estudo teve por objetivo analisar o contexto histórico do sistema universitário no Brasil, que deu origem e forma à cultura, ao conceito e à estrutura do ensino universitário atual. Procurou-se vincular a teoria organizacional ao sistema universitário e à sua estrutura, com a finalidade de facilitar o entendimento do “modus operandi” do ambiente universitário e mostrar algumas das alternativas para a montagem de sua estrutura hierárquica e funcional, para atender as expectativas na interação com o setor produtivo e a sociedade como um todo. Agora é a vez e o momento das instituições de ensino superior de atender às exigências do mercado e da sociedade, sob pena de sofrer com a redução do número de matrículas (no caso de Universidades privadas) e em pressão política da sociedade para a produção de mudança de vetor estratégico (no caso de Universidades públicas). Referências COHEN, Michael D.; MARCH, James G.; Leadership and ambiguity. New York: McGraw Hill, 1974. DAGNINO, Renato. A relação UniversidadeEmpresa no Brasil e o “Argumento da Hélice Tripla”, Revista Brasileira de Inovação/ FINEP, 2003. DEMO, Pedro. Desafios Modernos da Educação. Editora Vozes. Petrópolis. 1999 ETZIONI, Amitai. Organizações Modernas. 5. ed., São Paulo, Pioneira, 1976. FINGER, Almeri Paulo. Gestão de Universidades Novas Abordagens. Editora Universitária Champagnat. Curitiba. 1997 GIBBONS, M. The industrial-academic research agenda. In: GEIGER, R. L. (Ed.). Research and higher education - the United Kingdom and the United States. London: SHRE/Open University Press, 1992. p. 89100. GODDARD, J. Universities and regional development: an overview. Centre for Urban and Regional Development Studies. University of Newcastle Upon Tyne. Background paper to OECD Project on the response of Higher Education to regional needs, July 1997. (http://www.campus.ncl.ac.uk/unbs/hylife2/lib/f iles/JBG3.pdf) NELSON, R. R., ROSENBERG, N. Technical innovation and national systems. Paper to OECD Project on the Response of Higher Education. Oxford University Press, 1993, p. 321. PAVITT, K. The objectives of technology policy. Science and Public Policy, Regional N e e d s , 1 9 9 7 ( h t t p : / / w w w. n c l . a c . u k / c u r d s / u n i v / i m h e 97.htm). SCHREINER, Wido H. Desafios para a Interação Universidade-Empresa, Revista Educação & Tecnologia - Periódico Técnico-Científico dos Programas de Pós-Graduação em Tecnologia dos CEFETs- PR/MG/RJ, Curitiba, 2001. VEDOVELLO, Conceição. Limites da Interação entre Universidades e MPMEs de Base Tecnológica Localizadas em Incubadoras, Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 8, n. 16, p. 281-316, dez. 2001.] 13 ESPAÇO DIALÓGICO BALDRIDGE, J.V. Power and conflict in the university. London: Wiley, 1971. OS CONTOS DE FADAS E O PALCO DA VIDA Isabel Cristina Vetter Lizakoski* Resumo O presente estudo aborda a importância dos contos de fadas no desenvolvimento infantil na área social, cognitiva e psicológica. Aborda a relevância dos pais contarem histórias às crianças, verificando-se que no atual contexto, a mídia e as tecnologias ocupam espaços de referência na vida das pessoas. Também com base na proposta do processo de desenvolvimento dos projetos interdisciplinares e na vivência em sala de aula com alunos/as do Curso Normal, o trabalho tem repercussão nas escolas de ensino fundamental, com crianças de 5 a 10 anos. Palavras-chave: Desenvolvimento infantil. Referencial adulto. Identificação com os personagens. Introdução A narrativa dos contos de fadas constitui um espaço de significação no desenvolvimento da subjetividade humana. A imaginação, a fantasia e a ficção acompanham historicamente as pessoas ao longo dos tempos. Em especial, a obra de Bruno Betthelheim, A Psicanálise dos Contos de Fadas, relata a vivência de crianças contemporâneas e a condição de elaborar uma série de conflitos por meio das histórias dos contos. circulação de sentimentos de todas as ordens, é relevante para que as crianças simbolizem seus conflitos e ansiedades por meio das tramas que os contos possibilitam. No mundo contemporâneo, os desenhos violentos, games e demais aportes modernos não canalizam as dificuldades inerentes ao drama infantil. Ao contrário, prejudicam, de forma nefasta, a possibilidade de crescimento sadio. 1 A narração feita na escola Muitas histórias dos contos de fadas encontram-se na mídia, com releituras e interpretações que ilustram o meio contemporâneo. Por mais atraente que pareçam aos nossos olhos, os filmes não têm o alcance no íntimo da criança como tem o contador de histórias adulto, principalmente aqueles de referência afetiva das crianças. Os elementos simbólicos se fundem quando o pai e a mãe contam histórias para seus/suas filhos/as, pois, afinal, constituímo-nos enquanto humanidade por meio das histórias dos nossos antepassados. Portanto, a presente reflexão não se limita à educação familiar, mas estende-se à ampliação das relações sociais da criança. Nesse aspecto, insere-se a escola, que confere às crianças a possibilidade de acesso a novos conhecimentos e à ampliação cultural. A escuta do mundo infantil na escola, onde diferentes constituições familiares se apresentam, assim como a A proposta interdisciplinar sobre os Contos de Fadas envolve os componentes curriculares de Literatura, Didática de Língua Portuguesa, Didática Geral e Psicologia. As alunas do Curso Normal recebem toda orientação sobre as diversas abordagens da literatura infantil, tais como narração de histórias, importância das atividades contextualizadas nos projetos interdisciplinares, organização do espaço em sala de aula, biblioteca, hora do conto, entre outros. No embasamento teórico da proposta interdisciplinar, o estudo dos textos da obra de Bruno Bettelheim¹ e Branca de Neve e os Sete Anões Diana e Mário Corso², favorecem a aprendizagem sobre os inúmeros significados que ESPAÇO DIALÓGICO 14 * Titulação: Mestre em Educação Comunitária com Infância e Juventude, Pós-graduada em Psicologia dos Processos Educacionais, Licenciada em Pedagogia - Orientação Educacional. Área de atuação: Coordenadora do Programa Social da IENH, Professora do Centro de Educação Profissional - CEP e da Faculdade IENH. NOTAS ¹ Bettelheim, Bruno. A psicanálise do contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001. ² Corso, Diana Lichtenstein e Corso, Mário. Fadas no Divã: psicanálise nas histórias infantis. Porto Alegre: Artmed, 2006. A proposta interdisciplinar dos componentes curriculares de Literatura, Didática de Língua Portuguesa, Didática Geral e Psicologia têm a culminância do trabalho com a apresentação teatral dos contos de fadas, quando as alunas organizam o roteiro, cenário, figurino e demais detalhes que envolvem o espetáculo. Cada grupo escolhe seu conto e, no dia da apresentação no auditório da Escola, Chapeuzinho Vermelho os/as convidados/as, entre eles/elas os familiares, assim como as professoras envolvidas na atividade, assistem ao espetáculo. Todas essas atividades contribuem para o momento seguinte, no qual as alunas do Curso Normal apresentam os teatros dos Contos de Fadas para as turmas de Educação Infantil a 4ª série do Ensino Fundamental, nas Escolas Municipais ou Estaduais. Essa proposta tem como objetivo proporcionar espaço de interpretação dos contos de fadas no cotidiano escolar, contribuindo para o desenvolvimento da criança no mundo infantil. Em cada local onde o conto é apresentado, as alunas selecionam uma turma, entre 2ª e 4ª série do ensino fundamental, formada, na maioria, por crianças carentes. Essas atividades interdisciplinares são desenvolvidas, integrando os conteúdos nas áreas de estudo: Comunicação e Expressão, Estudos Sociais, Ciências, Matemática, Música/Artes. Na finalização do projeto interdisciplinar, as alunas do Curso Normal realizam todas as etapas na produção do teatro com as crianças e apresentam aos pais e demais componentes da comunidade escolar à qual as crianças pertencem. O material para as apresentações teatrais não pode representar ônus financeiro para as crianças; portanto, é importante o uso de sucatas e demais materiais recicláveis. Após as apresentações, os relatos das vivências dos grupos demonstram a riqueza da proposta do currículo interdisciplinar. Nesse aspecto, professoras e alunos/as entrelaçam os conteúdos de vida, entre a magia e a realidade, em que o imaginário tece suas idéias entre fadas, bruxas e castelos de papelão. As mentes A Bela Adormecida das crianças estão povoadas de puro drama. O drama da vida exposta entre príncipes e princesas, com anões e varinhas de condão. Nos estudos de Betthelheim (1980), as questões referentes ao mundo infantil e a representação entre a magia e a realidade estão presentes, quando comenta: O conto de fadas claramente não se refere ao mundo exterior, embora possa começar de forma bastante realista e ter entrelaçados os traços do cotidiano. A natureza irrealista destes contos (a qual os racionalistas de mente limitada objetam) é um expediente importante, porque torna óbvio que a preocupação do conto de fadas não é uma informação útil sobre o mundo exterior, mas sobre os processos interiores que ocorrem num indivíduo. (1980, p. 33 - 34) Algumas reflexões de um grupo de alunas do Curso Normal, que desenvolveu a atividade na Escola Municipal Guilherme Gaelzer Neto, com alunos da 4ª série do Ensino Fundamental, que conta: Durante os primeiros ensaios achávamos que não daria tempo de preparar bem a peça. Parecia que iria sair tudo errado e que as crianças não iriam conseguir. Estávamos sempre incentivando e dizendo: “vamos lá, tem que ensaiar”, mas às vezes, elas ficavam desconcentradas e desatenciosas. Foi um trabalho difícil, cansativo. [...] Então, o teatro começou e deu tudo certo, foi lindo. As famílias se emocionaram, ficaram orgulhosas e felizes de ver o trabalho de seus pequenos. Aplaudiram, assobiavam e percebemos os sorrisos desses pais, que lutam para dar um bom futuro para seus filhos. A maioria das crianças veio nos dar um beijo de tchau e mostrar seus familiares. Foi uma experiência muito importante. O relato representa os sentimentos vividos com a proposta do teatro e da narração dos contos de fadas. As palavras das alunas evidenciam preocupação com a agitação e desconcentração das crianças. Cabe pensar sobre o quanto as crianças estavam envolvidas, mas também agitadas com os conteúdos que a história revelava em cada ensaio. No dia da culminância do projeto, que ocorre em um sábado pela manhã, todas as crianças compareceram para a apresentação do teatro, algumas até sem a presença de seus pais. O resultado foi maravilhoso. As crianças demonstraram envolvimento e gratidão pela oportunidade de interpretarem o conto da Chapeuzinho Vermelho, com aplausos da platéia emocionada. 2 Pais que contam história fazem história Mas de que maneira os contos de fadas podem auxiliar uma criança a elaborar seus temores e ansiedades interiores? Todo ser humano, desde que nasce, traz consigo sentimentos antagônicos como amor e ódio, agressividade e solidariedade, rejeição e apego, assim como outros sentimentos que necessitam ser canalizados na infância. 15 ESPAÇO DIALÓGICO os contos de fadas têm para as crianças. Essa função importante está nos papéis dos lobos, fadas, bruxas, anões, castelos, casas de guloseimas e tantas outras representações simbólicas das histórias infantis. etapa para a outra, valorizando as potencialidades pessoais e também das relações íntimas que se estabelecem ao longo da vida com outras pessoas. Quando pais e mães fazem as narrativas dos contos, mesclam-se nessas representações e, de uma maneira muito sutil, são cúmplices dos sentimentos das crianças. Essa reflexão é apresentada por Bettelheim, quando referencia: Considerações finais De modo ainda mais significativo, se nós, os pais, contamos estórias para nossos filhos, podemos dar-lhes o reasseguramento mais importante: nossa aprovação de que eles brinquem com a idéia de levar a melhor sobre esses gigantes. Aqui, ler não é o mesmo que ouvir de alguém a estória, porque enquanto lê sozinha a criança pensa que só algum estranho - a pessoa que escreveu a estória ou arranjo do livro - aprova a retaliação do gigante e sua frustração. Mas quando os pais contam-lhe a estória, a criança fica segura de que eles aprovam a retaliação feita em fantasia à ameaça que o domínio implica. (1980, p. 36) As crianças, ao se identificarem com os personagens dos contos de fadas, canalizam todos aqueles sentimentos ruins, inadequados socialmente, para a fantasia e imaginação contida na história. Todo conto de fadas, com seu enredo repleto de cenas do mundo de faz-de-conta, constitui um importante elemento para as fases seguintes de vida. Nesse aspecto, Bettelheim, coloca: Só nos tornamos um ser humano completo, realizado em todas as potencialidades, quando, além de sermos nós mesmos, somos capazes ao mesmo tempo de sermos nós mesmos com outro e nos sentimos felizes com isso. A aquisição deste estado envolve os níveis mais profundos de nossa personalidade. Como qualquer transformação que toca o âmago de nosso ser, há perigos que temos de enfrentar com coragem e problemas presentes que temos de dominar. A mensagem destas estórias é que demos abandonar nossas atitudes infantis e adquirir outras maduras se desejarmos estabelecer o elo íntimo com o outro, o que promete felicidade permanente para ambos. (1980, p. 319). Toda trajetória do conto de fadas, com a passagem por difíceis provações a serem superadas, conduz para um final feliz e tem como tema central o amor. A busca pela realização com o outro mostra que o amor permite a transição de uma Considerando todas as questões apresentadas sobre a importância dos contos de fadas no desenvolvimento infantil, cabe à família e à escola explorarem a grande oportunidade perpetuada há muitos séculos com conteúdos significativos dos contos para nossas crianças. Cabe entender também que a atual literatura contemporânea explora novos contextos, como trânsito, ecologia, educação sexual, entre demais temas, que são importantes por suas úteis abordagens educacionais. No entanto, por sua utilidade prática, não alcançam as questões íntimas do universo infantil. As crianças necessitam contadores de histórias, referenciais afetivos que lhes possibilitem crescerem e se sentirem inteiras, preparadas para interagir com o outro, considerando o amor como fonte de felicidade. Na atualidade, também existem muitas crianças e jovens que têm em aberto suas histórias pessoais e dos seus familiares. Não sabem os nomes dos avôs e das avós, dos tios e das tias, não conhecem as histórias que entrelaçam suas origens. No entanto, essas histórias também são referências importantes para o futuro de crianças e jovens. O nosso mundo contemporâneo, com velocidade acelerada e valores descartáveis, desalinhou adultos, jovens e crianças de seus papéis. Somos seres humanos com necessidades afetivas, desde o nosso nascimento até o final dos nossos dias. Na infância se desenha o adulto e se estimula suas potencialidades. Portanto, carecemos de adultos com desejo de ser adulto para que as crianças possam ser crianças e tenham a possibilidade de viver suas histórias coloridas, numa terra distante, com fadas e bruxas. Enfim, a infância só se vive uma vez.... Referências ESPAÇO DIALÓGICO 16 BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. M O T TA , Fa u s t o . C o n t o s e l e n d a s interpretados pela psicanálise. Rio de Janeiro: Vozes, 1984. CORSO, Diana Lichtenstein e CORSO, Mário. Fadas no Divã: psicanálise nas histórias infantis. Porto Alegre: Artmed, 2006. MIRANDA, José Fernando. Estória infantil em sala de aula. Semiótica de personagens. Porto Alegre: Sulina, 1978. O BRASIL CABE EM UM SÍTIO: Um olhar sobre as representações das “entidades” nacionais nas versões literária e televisiva de Memórias de Emília, de Monteiro Lobato Luciane Maria Wagner Raupp* Resumo A popularidade das obras infanto-juvenis de Lobato, embora tenham sido escritas na primeira metade do século passado, continua inegável, pois permeia gerações. Isso pode ter se dado, em parte, pela massificação de suas histórias a partir das sucessivas adaptações televisivas que sofreu. No entanto, a permanência de tais obras no imaginário coletivo brasileiro não se deve apenas a sua exposição na mídia, que freqüentemente descarta seus objetos. O sucesso reside na representatividade do sítio - espaço agregador e idílico - como o Brasil idealizado que permeia a nossa cultura. Essas “entidades” brasileiras são percebidas tanto na versão literária quanto na televisiva, observando-se traços em comum entre elas, embora se tratem de meios de realização diferentes. Nesse contexto, destaca-se a boneca Emília que, especialmente em suas Memórias, metaforiza traços dos brasileiros. Palavras-chave: Monteiro Lobato. Representação. Entidades nacionais. Memórias de Emília. p. 21) afirma: Considerações iniciais I negavelmente, a produção literária de Monteiro Lobato direcionada às crianças ocupa lugar de destaque no panorama da literatura infantil e juvenil brasileira. Em uma época de ritmo acelerado, de sucessos instantâneos e fugazes, cabem as perguntas: como obras escritas na primeira metade do século passado continuam a fazer sucesso? Esse sucesso é creditado apenas às obras ou às suas sucessivas adaptações televisivas? Mesmo se se creditar parte da visibilidade do universo infantil lobatiano às suas versões televisivas¹, sabe-se que a televisão é um meio fugaz por excelência, que descarta suas produções - e os subprodutos a elas relacionados - assim que saem da grade de programação². Já o fato de O Sítio do PicaPau Amarelo acompanhar o desenvolvimento da televisão brasileira, cuja primeira transmissão se deu em 18 de setembro de 1950, sendo veiculado nas décadas de 1950 a 1980 e nos anos 2000³, aponta para o fato de que há características muito importantes que levam as obras de Lobato a quebrarem o ciclo de efemeridades televisivas. Cabe, por isso, destacar a popularidade das personagens lobatianas e do Sítio do Picapau Amarelo. Acerca disso, Zilberman (2005, Um escritor é muito popular, quando o mundo que criou escapa a seu controle, como se as personagens vivessem independentemente dele. Emília, Dona Benta e Visconde de Sabugosa, por exemplo, são frutos da imaginação de Monteiro Lobato, assim como o Sítio do Picapau Amarelo, onde vivem aqueles seres de fantasia. Hoje, porém, vende-se a boneca Emília em lojas e supermercados, e o sítio aparece diariamente na tela dos aparelhos de televisão. Todo esse sucesso parece transcender o plano da representação, seja ela literária ou televisiva. Há um algo a mais, que passa pela identificação do público brasileiro não só com as narrativas ambientadas no Sítio, mas principalmente com os personagens que nele habitam e com o que representam. Nesse contexto, destaca-se a representatividade de Emília, a boneca de pano, e do Sítio como um todo. Para que se possa analisar o porquê da identificação do grande público com o universo representado pelo Sítio, para fins de recorte, escolheu-se um corpus composto pela obra literária intitulada Memórias de Emília, texto de Lobato datado de 1936, e dos episódios homônimos exibidos pela Rede * Titulação: Mestre em Ciências da Comunicação, Especialista em Lingüística do Texto, Graduada em Letras. Área de atuação: Professora de Língua Portuguesa e Literatura da IENH - Unidade Fundação Evangélica, Professora de Comunicação e Expressão da Faculdade IENH. ¹ A primeira adaptação, conforme Camargos (2007), data do início da década de 1950 e foi produzida na extinta TV Tupi por Júlio Gouveia e Tatiana Belinky, quando o fazer televisivo ainda era uma aventura incipiente no Brasil. A segunda adaptação foi feita pela rede Bandeirantes, em 1968, que, segundo Amodeo (2003, p. 231), procurava “reproduzir os mesmos episódios da TV Tupi em videotape”. Devido a um incêndio nos arquivos da Bandeirantes, não há registros dessa segunda temporada televisiva. Já na segunda metade da década seguinte, substituindo, na grade de programação a produção de inspiração norte-americana Vila Sésamo, a rede Globo lançou a terceira versão televisiva da obra de Lobato. No período de 2001 a 2007, a Rede Globo exibiu sua última temporada, que passará a ser reprisada nas manhãs do canal Futura a partir de dezembro de 2008. ² Todavia, não se pode negar a existência do fenômeno do remake, em que produções de sucesso são refilmadas, fazendo modificações de forma a atualizá-las quanto a diversos aspectos, como utilização de recursos técnicos mais modernos, linguagem atualizada, figurinos mais modernos, destacando-se as alterações de enredo a fim de também as adequar aos padrões de comportamento e de consumo da atualidade. ³ Na década de 1990, o seriado produzido pela Rede Globo nos anos 1970 e 1980 foi reprisado pela TV Cultura. 17 ESPAÇO DIALÓGICO NOTAS Globo em 2004 e comercializados em DVD4. Não se pretende aqui, entretanto, esgotar todos os aspectos dessa relação, tendo em vista as limitações deste artigo. se comparado com outros, imaginados pela raça humana. Essa representação idealizada do Sítio aponta para a idealização do Brasil, como prossegue Zilberman: 1 Entidade nacional Por último, mas não menos importante: o sítio é brasileiro, como se fosse uma representação idealizada de nossa pátria. Em outras palavras, é o Brasil conforme o desejo de Lobato, um Brasil sonhado, mas sempre um Brasil. (op. cit., p. 29 e 30). Conforme Lajolo e Zilberman (2007, p. 56), “está corporificado no sítio um projeto estético envolvendo a literatura infantil e uma aspiração política envolvendo o Brasil.” Trata-se, portanto, de um desejo de construir uma grande metáfora do Brasil idealizado por Lobato. Essa metáfora é concretizada tanto através da linguagem empregada - que rejeitava os cânones gramaticais - quanto da interpolação de elementos que caracterizam a cultura internacional - seja ela clássica ou proveniente da indústria cultural que lhe era contemporânea. Segundo as autoras: Na versão televisiva de 2004, o cenário corrobora para realçar essa característica. O ajardinamento realizado nas locações corresponde aos padrões modernos, transmitindo, indiretamente, uma impressão de riqueza e modernidade. Até mesmo a horta onde Rabicó fuça é ajardinada - o que, para um adulto, pode parecer artificial. Já a casa-sede do sítio - com dois pisos, ampla, confortável - tem elementos que tramitam entre o moderno e o antigo (mas não antiquado) - o computador de Dona Benta é coberto com uma capa de crochê. Nem o ribeirão escapa: a pedra onde Emília e Narizinho sentam para pescar parece ser estrategicamente colocada. Aliás, as tomadas do ribeirão, com águas muito limpas correndo sobre um fundo de pedras, são muito convidativas e qualquer um sentiria vontade de estar lá. Certamente, trata-se de um espaço cuidadosamente montado, representando idilicamente o meio rural. Todos esses aspectos assinalam e, simultaneamente, justificam a porosidade do sítio que, por decorrência, absorve o que o mundo atual criou de mais interessante e digno de ser incorporado. Este é o sentido da modernidade nessa obra, que concilia o nacionalismo com o desejo de equiparação do sítio (leia-se: Nação) com as grandes potências ocidentais. (op. cit., p. 58) Essa intenção de equiparação, ou até mesmo de superação, pode ser vista em Memórias de Emília, no trecho do diálogo entre Alice e Narizinho: A representação da pátria idealizada nas obras de Lobato é marcada fortemente por uma necessidade de modernização. Leyla Perrone Moisés (2007) também menciona o engajamento de Lobato em um projeto de modernizar o país, rejeitando certas influências européias, especialmente as de origem francesa. A autora cita as palavras do escritor: - Que coisa gostosa - murmurou Alice - chupar laranja-lima ao lado de um anjinho do céu que conta as coisas de lá! Estou mudando de opinião. Emília. Estou achando que esse sítio de Dona Benta é ainda mais gostoso que o nosso Kensington Garden lá de Londres... - E é mesmo - observou Narizinho. - Não há lugar no mundo que valha o sítio da vovó. Quem o vê pela primeira vez, com estas árvores velhas, todo espandorgado, não dá nada por ele. Mas depois que o conhece não troca nem pela Califórnia, que é um paraíso. O sítio da vovó é gostoso como um chinelo velho. (...) Olhe, Alice, se você passar dois dias aqui conosco, juro que não quer saber mais da Inglaterra. (Lobato, 2007, p. 38) Formamos, os escritores, uma elite inteiramente divorciada da terra, pelo gosto literário, pelas idéias e pela língua. Somos um grupo de franceses que escrevem em português. (...) De que maravilhosas coisas não seria capaz o brasileiro se não fincasse no domínio do pastiche o inibitório terror à mofa escarninha do francês. O que nos mata é o francês. Essa obsessão leva uma sociedade que se diz culta a atitudes ridículas, a macaquices inacreditáveis. (Lobato, apud Moisés, 2007, p. 75) O caráter idílico e paradisíaco do Sítio eleva-o a ponto de não poder ser comparado a nenhum outro lugar, nem à Europa, destino tão desejado por tantos brasileiros à época da publicação de Memórias de Emília... Essa dimensão utópica é reforçada ao se levar em consideração algumas particularidades, como, por exemplo, os fatos de ninguém envelhecer ou adoecer, de haver fartura - representada pelos quitutes de Tia Nastácia - e de Dona Benta respeitar e acolher opiniões divergentes. Essa visão é reforçada pelas palavras de Zilberman (2005, p. 29): ESPAÇO DIALÓGICO 18 Nota-se, no excerto, o repúdio à imitação dos padrões franceses e o desejo de se criar uma identidade nacional, avessa às “macaquices”. Essa idéia é reforçada pelas palavras de Yunes (1983, p. 51): (...) sua concepção de nacionalismo recusava os modelos europeus, os “ismos”, cuja série social paralela era diversa da experiência vivida no Brasil na segunda década, ao menos em sua perspectiva regionalista. O projeto lobatiano era a construção da nacionalidade, em oposição ao espírito demolidor das “artes importadas”. O sítio é uma espécie de paraíso, mas um paraíso muito especial: em primeiro lugar, porque, se tem proprietária, não existe um dono, nem se verifica o exercício do poder autoritário. Não há dominadores, o que se encontra até no Jardim do Éden. Ali podem aparecer vilões, mas eles jamais levam a melhor, e isso é outro ponto a favor do sítio, NOTAS Ao contrário do que se pode concluir a partir do excerto, o nacionalismo que perpassa as suas obras não repudiava o estrangeiro, “pois não se queria isolar o Brasil da humanidade, 4 TV GLOBO. Memórias de Emília. Coleção Monteiro Lobato. Rio de Janeiro: Som Livre, 2004. DVD Na sua literatura infantil, Lobato procura dar ambiência brasileira aos contos de fadas, através do sítio do Pica-Pau Amarelo. Mergulha na tradição popular oral, inspirando-se em mitos e imagens de recorrência que fazem parte da tradição oral de todos os povos; daí sua obra infantil ser ao mesmo tempo regional e universal. (...) No folclore, fascina-se com o saci-pererê. Ainda traduz, recria e adapta os grandes clássicos da literatura infantil. (Pondé, 1983, p. 113) As palavras de Pondé apontam para o já mencionado caráter agregador, poroso que é dado ao sítio, metaforizado o projeto lobatiano de brasilidade. Na literatura infantil, o autor encontra um instrumento de afirmação dessa nacionalidade, como uma maneira de conhecer o país, de cristalizar as histórias da tradição oral, como forma de enraizar traços de identidade, se não nacionais, pelo menos regionais. Entretanto, há que se ter um certo cuidado ao empregar o termo identidade. De acordo com Hall (2006, p. 48, grifo do autor), “as identidades nacionais não são coisas com as quais nós nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da representação”, a qual encontra na literatura o seu espaço por excelência. Ainda sobre a relação entre o conceito de nação e o de representação, o autor diz que as pessoas não são apenas cidadãs de uma nação legal e geograficamente construída, mas da nação que elas têm internalizada, como uma abstração a partir do que intui pelas diferentes formas de representação dessa “nacionalidade” na cultura. Para Hall, portanto, nação não é um conceito dado, mas construído por uma coletividade. Essa característica aponta para o caráter subjetivo, volátil, fluido de tal conceito, uma vez que os resultados dessa construção podem diferenciar-se de acordo com o contexto sócio-cultural ou até mesmo sofrer variações idiossincráticas. Devido ao fato de identidade nacional estar sujeita a fenômenos de variadas ordens, está em um processo de permanente construção e desconstrução, o que leva a afirmar que não é possível falar em identidade nacional na literatura, pois não existirá como algo pronto, mas em representações. Já Moisés (2007) afirma, citando Mário de Andrade, que não é possível nem mesmo usar a palavra “identidade” no contexto de nação, mas de “entidade”, como se vê no excerto a seguir: Atente-se para a expressão “entidade nacional”, sabiamente utilizada pelo autor em vez da expressão “identidade nacional”, que se tornaria corrente e insistente na ensaística brasileira a partir do modernismo. “Entidade”, na linguagem filosófica, é “um objeto concreto, mas que não tem unidade ou identidade materiais”. (Moisés, 2007, p. 191) A imaterialidade para a qual aponta a concepção de entidade é o que a faz mais adequada ao contexto em que se quer empregar, reforçando a sua fluidez. Essa característica remete-nos para a obra de Zygmunt Bauman, intitulada Modernidade Líquida, na qual se afirma: O que está acontecendo hoje é, por assim dizer, uma redistribuição e realocação dos “poderes de derretimento” da modernidade. Primeiro, eles afetaram as instituições existentes, as molduras que circunscreviam o domínio das ações-escolhas possíveis, como os estamentos hereditários com sua alocação por atribuição, sem chance de apelação. Configurações, constelações, padrões de dependência e interação, tudo isso foi posto a derreter no cadinho, para depois ser moldado e refeito. (Bauman, 2001, p. 13) Se, de acordo com o autor, as certezas são “derretidas”, fluidificadas, se há uma crise de conceitos, os traços que nos identificam como pertencentes a uma determinada coletividade, ou seja, as “entidades” nacionais, os traços identitários, também entram nessa esteira. Essa crise, portanto, estender-se-á às representações desses traços, refletindo-se não só na literatura, mas também nas outras produções culturais. Com isso, é possível afirmar que os traços identitários nacionais representados no Sítio literário de 1930 não serão, em sua totalidade, os mesmos que encontraremos no Sítio televisivo dos anos 2000. Analisar as mudanças e as permanências não significa apenas comparar dois contextos diversos, mas detectar os traços que, devido à permanência, mais fortemente nos identificam como brasileiros. Isso é especialmente caro nos tempos de hoje, em que, segundo Bauman, Uma vez que as crenças, os valores estilos foram “privatizados” descontextualizados ou “desacomodados”, com lugares de reacomodação que mais parecem quartos de motel que um lar próprio e permanente -, as identidades não podem deixar de parecer frágeis e temporárias, e despidas de todas as defesas, exceto a habilidade e determinação dos agentes que se aferram a elas e as protegem da erosão. A volatilidade das identidades, por assim dizer, encara os habitantes da modernidade líquida (2001, p. 204). Em vista dessa volatilidade aludida por Bauman, a busca pelos traços identitários através das representações literárias (e, neste caso, também televisivas) encontra justificativa como um ato de resistência ou mesmo de rebeldia frente ao cenário fluidificado que se descortina. 19 Essa fluidez certamente não se dá apenas em nível coletivo: afeta também os indivíduos. Por isso, faz-se necessário analisar não só a representatividade do Sítio, mas aqueles que constroem, no interior da obra, esse lugar: as personagens. ESPAÇO DIALÓGICO o que seria um disparate, nem se poderia negar a dívida de civilização ao estrangeiro” (Pondé, 1983, p. 112). A divergência de Lobato advinha do fato que o Brasil estava vivendo um momento histórico e social muito diferente da belle époque européia, a qual se configurava terreno fértil para o surgimento dos demolidores movimentos de vanguarda. Seu objetivo era “tirar o atraso brasileiro, a partir das nossas potencialidades culturais e econômicas” (Yunes, 1983, p. 51). Para que esse projeto fosse concretizado: 2 Uma brasileira feita de pano Como já se mencionou, se o sítio pode ser considerado como uma grande metáfora do Brasil, onde “em se imaginando, tudo é possível”, Emília, de certa forma, também representa traços identitários - estereotipados - do brasileiro. A identificação com a personagem, aliás, é um dos trunfos da adaptação televisiva no sentido de conquistar audiência. Emília destaca-se em relação aos demais habitantes do Sítio porque, segundo Coelho (2005, p. 143 e 144): (...) é a única que vive em tensão dialética com os outros. Todas as demais personagens que formam a constelação familiar do Sítio do Picapau Amarelo são arquétipos: Narizinho e Pedrinho - crianças sadias, alegres e sem problemas, que servem para dar suporte à trama dos acontecimentos e em geral para servirem de contraponto à boneca. Essa característica tencionada de Emília representa, já desde a década de 1930, a busca pela individuação. Como boneca de pano, ser muito diferente dos outros, precisava encontrar seus espaços, mostrar a que veio. Essa busca, nos anos 2000, é ressignificada, uma vez que a sociedade fluidificada impele as pessoas a isso, como uma obrigação. Por esse motivo, a personagem apresenta-se como a melhor representação, dentre o universo dos personagens do Sítio, desse indivíduo que precisa constantemente afirmar-se e reafirmar-se. Conforme afirma Bauman (2001), “a sociedade moderna existe em sua atividade incessante de 'individualização'” (p. 39), que é entendida pelo autor como a transformação da “'identidade' humana de um 'dado' em uma 'tarefa' e encarregar os atores de realizar essa tarefa e das conseqüências (assim como dos efeitos colaterais) de sua realização” (p. 40). Entende-se, então, que o indivíduo não nasce com uma identidade, precisando lançar-se na busca da resposta à pergunta “quem sou eu?”, aculturando-se, buscando lugares para acomodação cada vez mais difíceis de encontrar. Essa situação ambígua é vivida exemplarmente pela boneca, na sua profunda dualidade. Por isso, mais uma vez se reitera o caráter representativo da personagem. Como diz Rosenfeld (2005, p. 21), “é a personagem que com mais nitidez torna patente a ficção, e através dela a camada imaginária se adensa e cristaliza”. Nesse sentido de incorporação dos conteúdos narrativos, Emília é a personagem que vivifica e condensa o caráter idílico do Sítio. Uma boneca sem travas na língua, justamente pela sua condição de boneca e não de gente, não teme as conseqüências de seus atos ou palavras. Pelo contrário, parece querer provocar, indagar, questionar a tudo e a todos constantemente. ESPAÇO DIALÓGICO 20 O fato de Emília ser uma boneca de pano torna ainda mais interessante a análise. Se, conforme Rosenfeld (idem, p. 23), “é com o surgir de um ser humano que se declara o caráter fictício (ou não fictício) do texto, por resultar daí a totalidade de uma situação concreta em que o acréscimo de qualquer detalhe pode revelar a elaboração imaginária”, como a personagem consegue ser tão verossímil? A resposta a essa questão passa, obrigatoriamente, não somente pelos conteúdos profundamente humanos por ela representados como também pelos traços identitários brasileiros carregados pela boneca. Essa questão é pertinente tanto à obra literária quanto à adaptação televisiva, embora haja algumas diferenças substanciais a serem discutidas. Na adaptação televisiva dos anos 2000, as características da irreverência, do egoísmo e da falta de limites de Emília parecem ser acentuadas se comparadas ao texto literário da década de 1930. Isso se deve, em parte, ao fato de que, em cena, a personagem ganha vida através da interpretação de uma atriz mirim, cujos trejeitos sublinham fortemente essas características. Enquanto na obra literária Emília é constituída apenas de palavras no papel, na televisão é atravessada por uma série de signos. Como diz Gomes (2005, p. 111), à semelhança do que ocorre com a personagem cinematográfica, (...) a cristalização definitiva desta fica condicionada a um contexto visual (...) Essa circunstância retira do cinema, arte de presenças excessivas, a liberdade fluida com que o romance comunica suas personagens aos leitores. (...) Essa definição física quase completa imposta pelo cinema reduz a quase nada a liberdade do espectador nesse terreno. Assim como no cinema, por se tratarem de modos de realização muito semelhantes, implicando os mesmos universos sígnicos, a personagem na televisão é dada pronta: muito pouco sobra à imaginação do espectador para que ele mesmo construa sobre ela. Emília, na versão dos anos 2000, tem a compleição física de uma boneca-criança por ser interpretada por uma menina na faixa etária dos oito anos. Ocorre um interessante fenômeno: além de ser uma boneca falando coisas de gente, é uma criança com sentimentos de adultos (raiva, mágoa, vontade de se vingar, por exemplo), mas de uma ótica criativamente infantil, de um olhar inaugural e crítico sobre tudo e todos. Ora Emília assusta com um aterrador espírito vingativo e maquiavélico, ora surpreende com angelicais e poéticas associações. Um exemplo claro dessas associações - que é mantido na adaptação televisiva - é o modo com o a boneca explica sobre a Terra ao anjinho Flor das Alturas. É o que se vê no excerto abaixo: - Mas por que essas tais árvores nunca saem do lugar? - Porque têm raízes - explicava Emília. - Raiz é o nome das pernas tortas que elas enfiam pela terra adentro. Bem que querem andar, as pobres árvores, mas não conseguem. Só saem do lugarzinho em que nascem quando surge o machado. - Que animal é esse? - Machado é o mudador de árvores, muda a forma delas, fazendo que o tronco e os galhos fiquem curtinhos. Mudalhes até o nome. Árvore machadada deixa de ser árvore. Passa a ser lenha. Le-nha. Repita.(Lobato, 2007, p. 19) Outro ponto que merece atenção é o fato de a caracterização da boneca, na televisão, não corresponder ao que se descreve nas obras de Lobato. É o que se pode ver no seguinte trecho das Memórias: - Bem, nasci, fui enchida de macela que todos entendem e fiquei no mundo feita uma boba, de olhos parados, como qualquer boneca. E feia. Dizem que fui feia que nem uma bruxa. Meus olhos Tia Nastácia os fez de linha preta. Meus pés eram abertos para fora, como pés de caixeirinho de venda. (...) Depois fui melhorando. Hoje piso para dentro. Também fui melhorando no resto. Tia Nastácia foi me consertando, e Narizinho também. (Lobato, 2007, p. 15). Ao que parece, a versão televisiva também tratou de seguir a mesma lógica e continuar o processo de melhoramento físico de Emília. Nas versões dos anos 70 e 80, Emília era interpretada por personagens adultas, com vestidos de chita e maquiagem carregada. Já nos anos 2000, a substituição por uma atriz infantil conferiu graciosidade à personagem. O figurino, com cores contrastantes, de acordo com a moda, e combinando com o cabelo, em nada lembra o vestido de chita, feito de uma saia velha de Tia Nastácia. Essa dissonância leva a reflexões acerca de uma certa desconfiguração da personagem, para torná-la mais comercial, podendo ser vendidas réplicas da boneca na indústria que foi gerada no bojo do sucesso da série 5 . Em uma época em que a boneca Barbie, que representa o culto à beleza e a formas impossíveis, ainda reina absoluta entre as meninas, uma boneca feia e feita de chita não faria sucesso nem na televisão, nem nas prateleiras das lojas de brinquedos. No entanto, por mais que Emília, na versão dos anos 2000, tenha sofrido “barbierizações” no sentido de torná-la mais comercialmente viável, ela continua representando conteúdos que apontam para traços identitários, não só para o público infantil, mas para o brasileiro como um todo. O fato de ter nascido em um sítio, sido feita de chita e preenchida com macela aponta para as raízes agrárias e humildes da população brasileira. A superação dessa condição por meios mágicos é algo que leva o público à identificação. Ela, por isso, de certa forma, incorpora a esperança dos brasileiros de superação e encarna a idéia estereotipada do NOTA 5 brasileiro como aquele que nunca perde as esperanças - nem que tenham sido depositadas em uma solução mágica. Ela também transita entre duas classes sociais: feita pelas mãos da empregada, mas propriedade da neta da patroa. Esse livre trânsito entre as classes também faz parte do imaginário sobre o Brasil e os brasileiros, embora se verifique que, na prática, as coisas não funcionem dessa maneira. Aliás, no Sítio - espaço idílico - não há divisão rígida de classes. A única pessoa que trabalha é a Tia Nastácia - cujas atividades são retratadas mais como “obras de arte culinária” do que como trabalho propriamente dito - e todos vivem em boas condições, com saúde, moradia, boa alimentação. Em Reinações de Narizinho, Emília se casa com o Marquês de Rabicó apenas para ter o título de nobreza. Mesmo achando o porquinho o mais desprezível dos seres, casa-se, com incentivo de Narizinho, para ser “marquesa”. Essa questão de valorização de títulos de nobreza, herança de nossa colonização por Portugal e da transferência da corte para as nossas terras, perpassa o imaginário do brasileiro, que não se cansa de eleger, nos dias de hoje, desfeito o regime monárquico desde o século XIX, reis e rainhas em todos os ramos de atividades. Desse modo, nota-se que Emília, mais uma vez, consegue personificar um dos desejos do imaginário. Outro ponto que Emília consegue mostrar-se como bemsucedida reside na sua espontaneidade e na sua irreverência. Talvez essa seja uma característica desejada não apenas por brasileiros, mas uma vontade universal: afinal, quem não gostaria de dizer o que pensa sem ter que arcar com as conseqüências? Essa impunidade de Emília deve-se a diferentes fatores. Como ela é uma boneca, está livre das sanções a que estão sujeitos os humanos. O elemento adulto, que deveria impor limites, é uma avó - popularmente chamada de mãe-com-açúcar - que é extremamente permissiva, como se tivesse desistido de admoestar tanto a boneca quanto os próprios netos. Somando-se a esses dois fatores, se a Emília fosse imposto algum tipo de punição por algo que tivesse feito ou falado, devido as suas características de engenhosidade e criatividade, certamente acharia uma solução para o problema, saindo igualmente impune da situação. É a personificação de uma “lei” posterior à Lobato, mas que já ronda a nação desde sua ocupação pelos portugueses: levar vantagem em tudo. Algumas características negativas de Emília também geram empatia, pois conferem verossimilhança à personagem, rompendo com o caráter maniqueísta que geralmente permeia as narrativas televisivas. Além disso, tais predicados também compõem o imaginário sobre o caráter do brasileiro, segundo o qual se diz que “gosta de levar vantagem em tudo” - o clichê da “lei de Gérson”. Nesse ponto, mesmo que de forma inconsciente, mais uma vez, nota-se uma razão para a empatia do público (leitor ou espectador) com a personagem. Além de serem comercializadas réplicas da boneca Emília, uma série de produtos voltados ao público infantil foi lançada, desde materiais escolares com a estampa dos personagens, passando por produtos para festas infantis até uma linha de produtos de higiene pessoal da marca Natura. Esta última, com o fim da exibição da série em 2007, foi retirada de comercialização. 21 ESPAÇO DIALÓGICO Explicações como a que se vê no excerto anterior, dotadas de uma lógica infantil, revestem a personagem de características como criatividade, engenhosidade e de certo humor. A ambivalência de Emília - que não é totalmente má nem totalmente boa - dota a personagem de um profundo caráter humano. Frente ao público infantil, a relação de empatia estabelece-se com facilidade devido a essas características. Além disso, a identificação também é garantida pelo fato de Emília constituir-se a própria personificação de uma geração que cada vez menos conhece limites para as suas vontades. No entanto, apesar de ser chamada de sem coração por Visconde, ao final de suas memórias, a boneca procura redimir-se, dizendo que tem um coração lindo e passa a expressar sua admiração pelos demais habitantes do Sítio sem deixar, contudo, de tecer breves comentários que quebrem o tom elogioso. Nesse ponto da narrativa literária que foi conservada, na forma da fala da personagem, na versão televisiva - nota-se que ela realmente tem bons sentimentos. Apesar de suas excentricidades e de ser tão voluntariosa, acaba reconhecendo nos outros os valores que lhes cabem e que são importantes para ela. Esse posicionamento, extremamente simpático e empático, mais uma vez aponta para o imaginário acerca do povo brasileiro - o clichê do grande coração brasileiro. Como se sabe, a Emília que se vê na literatura não representará os mesmos conteúdos na versão televisiva. O mesmo ocorre com a representatividade do Sítio. A fim de dar conta dessa diferença, a análise aqui proposta parte da premissa que o texto literário não é um evento isolado, ensimesmado. Tampouco a série televisiva o é. Como afirma Bakhtin (1988, p. 33), “a vida não se encontra só fora da arte, mas também nela, no seu interior, em toda plenitude do seu peso axiológico: social, político, cognitivo ou outro que seja”. A partir dessa afirmação, pode-se compreender que o momento histórico, as condições de produção e os imperativos do meio de divulgação - como busca pela audiência - exercem influência não apenas sobre o que é produzido no campo literário ou no televisivo, mas também sobre o modo como essas produções são recebidas. Desse modo, não é possível que haja separação entre o estudo da obra em si, em sua imanência, e do contexto social em que se insere. Segundo Bakhtin, que vê a linguagem como a manifestação das ideologias, as relações que aqui se quer estabelecer devem levar em conta o processo de permanente incorporação de outras vozes no discurso. Considerações finais A análise aqui empreendida, tendo em vista as limitações de espaço, está longe de ser exaustiva, contemplando todos os aspectos da relação entre texto literário e adaptação televisiva e as representações de “entidades” nacionais. Tampouco se explorou profundamente o corpus apresentado. O que se pretendeu foi lançar luz sobre a questão das representações do Brasil e dos brasileiros em um contexto de “modernidade líquida”, de fluidificação de conceitos e de territórios cujas fronteiras estão cada vez mais elásticas. Muito há que se aprofundar nessa relação, porém, há algumas certezas a serem pontuadas. Se o Sítio sobrevive à globalização, à fluidificação e à volatilidade tanto do meio televisivo e se, no campo literário, resiste à inadequação de sua linguagem original, é porque os conteúdos nele representados transcendem a sua época, constituindo-se em uma referência para a movediça cultura nacional. Há algo de profundamente humano na boneca de pano. Referências BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e estética: a teoria do romance. São Paulo: UNESP/Hucitec, 1988. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. ESPAÇO DIALÓGICO 22 LOBATO, Monteiro. Memórias de Emília. São Paulo: Globo, 2007 MOISÉS, Leyla Perrone. Vira e mexe, nacionalismo: paradoxos do nacionalismo literário. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. CAMARGOS, Márcia. Juca e Joyce: memórias da neta de Monteiro Lobato. Depoimento a Márcia Camargos. São Paulo: Moderna, 2007. PONDÉ, Glória Maria Fialho. A herança de Lobato. IN: ZILBERMAN, Regina. (org) Atualidade de Monteiro Lobato. Uma revisão crítica. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983. COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teoria, análise, didática. 7.ed. São Paulo: Moderna, 2005. TV GLOBO. Memórias de Emília. Coleção Monteiro Lobato. Rio de Janeiro: Som Livre, 2004. DVD GOMES, Paulo Emílio. A personagem cinematográfica. IN: CÂNDIDO, Antônio(org). A personagem de ficção. 11. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005. YUNES, Eliana. Lobato e os modernistas. IN: ZILBERMAN, Regina. (org) Atualidade de Monteiro Lobato. Uma revisão crítica. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. ZILBERMAN, Regina. Como e por que ler a literatura infantil brasileira. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. LAJOLO, Marisa. ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira. História e histórias. 6. Ed. São Paulo: Ática, 2007. A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL: Modalidades e significados Maria Celina Melchior* Resumo Na qualificação da Educação se pressupõe a avaliação institucional nas diferentes modalidades. Para identificar a situação, no momento inicial do processo é preciso conhecer a instituição, assim, a avaliação viabiliza o diagnóstico, cujo resultado subsidia o planejamento quanto às condições, humanas, físicas e contextuais. No decorrer do processo, em cada etapa e no desenvolvimento de cada ação, deve haver o acompanhamento sistemático com a avaliação formativa, que permite identificar o que está sendo alcançado e encaminhar as correções necessárias para alcançar os melhores resultados. E no final do processo fazer avaliação cumulativa com a função de controle, para verificar o alcance dos objetivos de forma global e apresentar os resultados do desempenho da instituição naquele período. Palavras-chave: Avaliação: diagnóstico. Acompanhamento. Controle. A ação avaliativa auxilia o sujeito a progredir em sua tarefa sem substituí-lo, retransmitindo-lhe informações que poderão ser usadas para organizar sua própria progressão. “Quando se avaliam instituições educacionais, o que está em causa é uma produção de qualidade e não produtos de qualidade” (Maar, 1984, p. 73). A exigência de qualidade é real e necessária porque a instituição de ensino, para cumprir o seu papel efetivo, precisa gozar de representatividade social e intelectual. A avaliação pode fazer mais do que medir qualidade. Em primeiro lugar, diz Bonniol (2001), ela ajuda a promovê- la. E ela pode fazer isso se abandonar os caminhos já trilhados, ou a avaliação usada, apenas, como forma de controle, feita sempre no fim do processo. Quando o objetivo da avaliação é melhorar o resultado, ela precisa ser feita durante todo o processo, relacionada às fases do desenvolvimento das ações e com a modalidade adequada à finalidade a que se propõe. Quando é realizada mais no início - com função diagnóstica - pode auxiliar no planejamento e na orientação das estratégias de desenvolvimento, sem esquecer que o diagnóstico é referente àquele momento. Através da avaliação com a finalidade de diagnosticar a situação atual, no caso da avaliação institucional, é possível: identificar as condições tanto físicas como matérias e humanas. No início do processo avaliativo, a equipe de avaliadores, especialmente se é de fora, tem que fazer uma imersão na instituição, para conhecer as condições físicas, relação espaço X necessidades, recursos humanos que atuam X clientela atendida; conhecer o projeto institucional, suas metas e objetivos. Ao analisar o projeto, vai ser verificado, por exemplo, se o diagnóstico que nele consta está adequado à situação identificada pelo grupo, se há adequação dos objetivos e metas às condições *Titulação: Mestre em Educação. Área de atuação: Atualmente é Avaliadora Institucional do INEP/ SINAES/ MEC, Professora da Faculdade IENH. Faz pesquisas sobre avaliação escolar, publicou quatro livros sobre o assunto, além de diversos artigos em revistas de educação. Em 2004 lançou o livro: Avaliação Institucional da Escola Básica. 23 ESPAÇO DIALÓGICO A o falar em avaliação, invariavelmente se pensa em avaliação da aprendizagem, que continua em foco. Nunca se escreveu e se falou tanto sobre o assunto como nas duas últimas décadas. No entanto, na prática da escola, ela ainda é feita com um fim em si mesma, presa a uma lógica classificatória que, em geral, não tem como objetivo o processo de desenvolvimento, mas a apresentação de um resultado. Dessa forma, é importante a discussão sobre o papel que a avaliação desempenha, a função que cumpre conforme suas diferentes modalidades. Assim como mudar de perspectiva, não basta avaliar o aluno, nem mesmo o aluno e o professor, é preciso avaliar toda a instituição escolar, pois há muitas outras variáveis que interferem nos processos educativos que se desenvolvem numa instituição educacional. institucionais, entre outros tópicos relevantes; identificar as estratégias previstas assim como se o andamento delas está adequado às metas e objetivos previstos. Na avaliação dos projetos e estratégias, inicialmente, analisa-se a sua adequação ao projeto institucional, se estão sendo desenvolvidos conforme o tempo estipulado. Em caso negativo, é importante saber as causas da falta de atendimento aos propósitos iniciais ou os tempos previstos. A organização da avaliação é feita a partir do conhecimento do que existe na instituição. Para fazer um diagnóstico adequado, é necessário ter uma visão do todo da instituição. Quando o diagnóstico é bem feito, ele fornece subsídios para as outras modalidades de avaliação. Assim, se faz necessária a elaboração de relatórios, tanto para a divulgação dos resultados como para serem utilizados no planejamento da etapa seguinte do processo. Essa etapa da avaliação é muito importante, mas não é suficiente; é preciso avaliar durante o desenvolvimento do processo e, durante todo o tempo, são feitos novos diagnósticos. A avaliação de forma contínua - com função formativa - torna-se um componente do projeto e se desenvolve normalmente, como uma atividade que faz parte do processo. À medida que são desenvolvidas as diferentes ações, realizam-se avaliações e fazem-se discussões para concluir sobre as correções necessárias. Essa regulação não pode ser vista como controle, mas entendida como forma de perceber o que precisa ser superado, para manter ou alterar o rumo a seguir, restabelecendo o equilíbrio. Coll (1997) diz que a avaliação processual ou formativa tem a finalidade de auxiliar nas interferências e correções ao longo do processo. ESPAÇO DIALÓGICO 24 A continuidade da avaliação é expressa na forma de pensar o trabalho a ser feito, enquanto ele é feito e depois de feito. Não se pretende mais que o critério seja uma norma a ser respeitada, mas que se torne uma ferramenta de trabalho que possa ser melhorada, regulada e que evolua conforme a descoberta das noções que permita manipular. Seus efeitos positivos sobre os avaliados são mais imediatos, e ela está ligada, principalmente, aos objetivos de sucesso e qualificação. Refere-se a todos os desempenhos de avaliação, escritos ou orais, pois seria falso acreditar que uma atitude avaliadora intervém apenas nos encontros avaliativos. Ela é permanente no intercâmbio oral durante os processos, em todas as atividades que são avaliadas de forma mais ou menos implícita. Referindo-se à avaliação formativa, Bonniol (2001) diz que ela é realizada como parte do desenvolvimento do programa, tendo como função auxiliar seu aperfeiçoamento, devendo ser feita pelos próprios participantes do processo com o objetivo de reconstruir o que não funciona adequadamente. É provável que haja uma diferença, mesmo que seja na atitude do avaliador quando se trata de avaliação para qualificar. O autor enfatiza que a avaliação faz mais do que medir o desvio e o erro; ela pode permitir evitá-lo, analisar quando ele ocorre e retificá-lo. E, na vez seguinte, operar para superá-lo. Essa modalidade de avaliação exige uma postura coerente do avaliador desde a organização do projeto, durante o processo de desenvolvimento até a comunicação dos resultados. Nesse caso, a ação revela a postura investigadora do avaliador que procura captar o movimento em sua complexidade, identificando os progressos a partir de onde estava o projeto, o programa ou pessoa que está sendo avaliado, em pequenas e sucessivas etapas. As avaliações formativas são feitas durante o processo e os resultados voltam de imediato aos avaliados, juntamente com os encaminhamentos de momentos de encontro entre avaliador e avaliado, para refletirem, discutirem e concluírem sobre as correções, quando for o caso. Assim, nessa modalidade, a ênfase está na orientação para as correções e não nos resultados. O autor diz que a função de regulação da avaliação formativa tenta dar sentido ao objeto avaliado e inseri-lo em uma dinâmica de mudança; portanto, ela se insere no tempo, acompanha os processos e envolve os diferentes atores da situação. Para favorecer a função de regulação da avaliação em uma perspectiva de qualificação, é preciso haver um trabalho de explicitação: avaliador e avaliados devem conhecer essa função. As normas necessitam ser transparentes e legíveis, mesmo assim podem não ser apreendidas pela maioria dos sujeitos avaliados. Assim, se faz necessário transformá-las em critérios e esses ficarem claros para todos os envolvidos no processo. Pode-se desenvolver, nos avaliados, a capacidade de percebê-las e adquirir seu domínio para serem bemsucedidos e alimentar seu projeto de qualificação. Coll (1997) diz que a avaliação está a serviço do projeto educacional, é parte integrante dele e partilha seus princípios fundamentais. Ao fazer essa afirmação, o autor está se referindo à avaliação feita no início e durante o processo, com as funções de identificar o ponto inicial e ajustar a ajuda às características dos avaliados por meio de aproximações sucessivas. Lembra ainda que as pessoas são diferentes e que, portanto, são importantes ajustes diferenciados, de acordo com as necessidades de cada um. A avaliação, quando é feita com função formativa, não tem um momento específico para ser realizada. Ela vai sendo feita no decorrer do processo, durante todo o tempo. Também não é feita para cumprir a norma, mas para reorientar o processo. Portanto, seus dados ficam registrados, assim como o que tem de mudar. Exemplificando, um grupo está desenvolvendo um projeto; ele não vai ser analisado só no final, mas em cada encontro de trabalho com o avaliador ou, de forma autônoma, pelo próprio grupo, fazendo uma análise de como está se desenvolvendo, o que está bem e o que tem de mudar e, também, quem vai fazer as mudanças. As conclusões são registradas e voltam para o próximo encontro para prestação de contas, e assim, sucessivamente, até o final do projeto. Espera-se que isso seja feito com transparência, sem angústia ou trauma, como uma atividade que faz parte do processo em que todos os envolvidos querem o sucesso. Se isso for feito sistematicamente, desenvolve-se, na instituição, um ambiente avaliativo e atitude de reflexão e auto-reflexão sobre as ações, evitando chegar ao fim com deficiências, muitas vezes irreparáveis. Além da avaliação com função diagnóstica e formativa, também é importante avaliar no final do processo - com função cumulativa - para verificar se os objetivos foram alcançados. É um momento de prestação de contas, tanto para o avaliado como para a instituição, feita no final de uma etapa ou do processo. De acordo com Melchior (2003), outra função dessa modalidade de avaliação é determinar o grau em que foram conseguidas as intenções do projeto. Em geral, é desenvolvida por agentes externos ao programa, buscando comparar os efeitos alcançados com as necessidades dos consumidores, gerando uma valoração sobre o produto oferecido em relação aos demais. Todo avaliador, como diz Bonniol (2001), tem sempre dois rótulos: o de examinador que quantifica os resultados e o de corretor que permite a realização da correção. Parece-nos primordial não confundir essas duas funções. A primeira envolve uma tomada de consciência e um reajuste dos critérios de notação, assim como uma maior coerência entre os desempenhos, os objetivos e as tarefas de controle. A segunda está relacionada à política de qualificador. Essa questão liga avaliação e qualidade, assim como avaliação e objetivos. Percebe-se como se unem noções de avaliação e qualidade, da mesma forma que o instrumento liga-se ao objeto ao qual se refere: a qualidade é o valor que a avaliação constata ou deveria constatar. Também se verifica como, nessa concepção habitual, a avaliação e os objetivos estão ligados. Os objetivos estipulam os resultados a serem alcançados; a avaliação constata se foram atingidos. Assim, a avaliação do produto, ou com ênfase nos resultados, geralmente é a mais utilizada. No final da etapa, são considerados os dados daquele momento, mas, em relação ao diagnóstico inicial e ao processo, em todo seu percurso. O momento final da avaliação só tem sentido se ela for realizada como conseqüência lógica do processo como um todo. Assim, a avaliação cumulativa tem por objetivo verificar o todo do processo. Sintetizando, a avaliação formativa, fazendo parte da avaliação cumulativa, permite verificar não só a coincidência entre o prescrito no programa e o real desenvolvimento, mas também o mais importante: como se desenvolveu o processo. Nesse momento, são considerados os dados do diagnóstico e as diferentes avaliações ocorridas durante aquela etapa, assim como as reformulações feitas a partir delas. A avaliação cumulativa, feita por avaliadores de fora da instituição, é importante para os avaliados terem informações sobre os resultados de seu desempenho, a partir de avaliadores externos ao processo. E para a instituição decidir sobre a continuação do processo, pois sendo esta uma modalidade mais abrangente e global, facilita a visualização da instituição como um todo, assim como de cada parte inserida neste todo. Referências MAAR, Wolfrang L. Universidade competência e democracia. O poder e o saber. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1984. COLL, César. Os conteúdos na reforma: ensino e aprendizagem de conceitos, procedimentos e atitudes. Porto Alegre: ARTMED, 1998. MELCHIOR, M. C. Da avaliação dos saberes a construção de competências. 2. ed. Porto Alegre: Premier, 2008. HARGREAVES, A. EARL, L. RYAN, J. Educação para mudanças: recriando a escola para adolescentes. Porto Alegre: ARTMED, 2001. _______________. Avaliação Institucional da Escola Básica. Porto Alegre: Premier, 2004. 25 ESPAÇO DIALÓGICO BONNIOL, Jean Jacques. Modelos de avaliação: textos fundamentais. Porto Alegre: ARTMED, 2001. HETEROGENEIDADE MOSTRADA E CONSTITUTIVA: o outro no e do discurso Rosane Maria Maitelli* Resumo Este artigo apresenta alguns enfoques teóricos acerca da descrição das formas da heterogeneidade mostrada no discurso direto e indireto, e aquela constitutiva do discurso inscrevendo o sujeito em sua linearidade com o outro. Discutiremos alguns aspectos do dialogismo e da polifonia, principalmente em torno de Bakhtin (1895-1975), o pensador russo que fascina as ciências humanas, em seus inúmeros estudos sobre a linguagem e, por meio desta, o sujeito, suas relações com a sociedade, a estética e a ética, na obra Marxismo e Filosofia da Linguagem. A partir de estudos de Authier-Revuz, abordamos alguns enfoques da heterogeneidade constitutiva do discurso sob a visão da psicanálise. Pretendemos evidenciar uma análise teórica e uma compreensão da inscrição do sujeito na linguagem que desvende ou que revele determinadas relações, possibilitando questionarmo-nos, enquanto professores, para adotarmos uma prática mais próxima à realidade dos nossos alunos. Palavras-chave: Heterogeneidade. Linguagem. Discurso. Dialogismo. Polifonia. Considerações iniciais M ovida por algumas questões, enquanto educadora, pretendo analisar e evidenciar alguns aspectos teóricos acerca do discurso, enfatizando uma análise que revele ou desvende algumas relações que possibilitem subsídios para um entendimento sobre como se constitui e se desenvolve a construção de sentidos discursivos a partir da inscrição do sujeito na linguagem. Será apresentada uma abordagem teórica, sob um enfoque mais pragmático e com alguns conceitos sobre a heterogeneidade mostrada e a heterogeneidade constituída do discurso inscrevendo o sujeito em sua linearidade com o outro. 1 Heterogeneidade mostrada ESPAÇO DIALÓGICO 26 O sujeito é uma unidade discursiva; fora do discurso nós não existimos, e o discurso é a forma como o sujeito é tomado na linguagem. Sob tal aspecto vale evidenciarmos quais seriam as formas de heterogeneidade sob as quais o sujeito se apresenta na linguagem. Segundo Authier-Revuz (2004), um outro ato de enunciação é revelado sob as formas sintáticas do discurso indireto e do discurso direto. No discurso indireto o locutor aparece como um tradutor, remetendo a um outro para dar sentido ao que ele relata, mas fazendo uso de suas próprias palavras, enquanto que, no discurso direto, as palavras do outro ocupam o tempo e o espaço recortado na citação da frase, apresentando um locutor 'porta-voz.'. “No fio do discurso que, real e materialmente, um locutor único produz, um certo número de formas, lingüisticamente detectáveis no nível da frase ou do discurso, inscrevem, em sua linearidade, o outro” (Authier, 2004, p. 12). Uma das formas de heterogeneidade mais complexas que a autora apresenta são as formas marcadas da conotação automímica. O locutor usa e mostra as palavras inscritas no fio de seu discurso. Temos alguns exemplos dessa heterogeneidade explícita que são o uso das aspas, do itálico, da entonação e/ ou por alguma forma de comentário. Quanto às fórmulas de comentário, é bastante interessante analisar que se tratam de alguns elementos que o locutor combina dentro de seu discurso e que constituem uma espécie de metadiscurso explícito, que “se inserem no fio do discurso como marcas de uma atividade de controle- *Titulação: Especialista em Processos de Aquisição e Desenvolvimento da Linguagem, Licenciada em Letras - Português/ Inglês, Bacharel em Comunicação Social Área de atuação: Professora do Colégio Estadual Dr. Wolfram Metzler. Um outro tipo de heterogeneidade pode se inscrever na linha do discurso: o das outras palavras, sob as palavras, nas palavras. Bakhtin (1997), afirma que as relações do discurso com a enunciação, com o contexto sócio-histórico ou com o 'outro' são relações entre discursos-enunciados. “(...) Todorov, a partir da sugestão de Kristeva, prefere usar o termo intertextualidade para os 'diálogos entre discursos' e reserva a palavra dialogismo para os 'diálogos entre interlocutores'” (Barros, 2001, p. 33 34). O dialogismo tal como foi acima concebido define o texto como um “um tecido de muitas vozes”, ou de muitos textos ou discursos, que se entre-cruzam, se completam, respondem umas às outras ou polemizam entre si no interior do texto. Ou seja, deve-se distinguir o dialogismo interno ao discurso, que o define como tal e em que se reproduzem os diálogos com outros discursos, das relações que se podem estabelecer externamente entre os textos (Barros, 2001, p. 34). Koch (2000) trata da intertextualidade citando Barthes (1974): O texto redistribui a língua. Uma das vias dessa reconstrução é a de permutar textos, fragmentos de textos, que existiram ou existem ao redor do texto considerado e, por fim, dentro dele mesmo; todo texto é um intertexto; outros textos estão presentes nele, em níveis variáveis, sob formas mais ou menos reconhecíveis. Isto significa que todo texto é um objeto heterogêneo que, revela uma relação radical de seu interior com seu exterior; e, desse exterior, evidentemente, fazem parte outros textos que lhe dão origem, que o predeterminam, com os quais dialoga, que retoma. A que alude, ou a que se opõe (Barthes apud Koch, 2000, p. 46). A autora esclarece que a intertextualidade pode ser explícita ou implícita. A intertextualidade é explícita, quando há citação da fonte do intertexto, temos como exemplo o discurso relatado, as citações e referências; as resenhas, os resumos, e traduções; as retomadas do texto de outrem para encadear sobre ele ou questionálo, a conversação. A intertextualidade implícita ocorre sem citação expressa na fonte, dando oportunidade ao interlocutor de recuperá-la na memória, construindo, assim, o sentido do texto, como na paródia, em certos tipos de paráfrase e de ironia. C o n f o r m e a p r e s e n t a Ko c h ( 2 0 0 0 ) , n a intertextualidade, como na polifonia, o Eu se constitui em relação ao Eu do Outro pelo qual também é constituído. Assim, na intertextualidade, a alteridade é atestada necessariamente pela presença de um intertexto: (...) ou a fonte é explicitamente mencionada no texto que o incorpora ou o seu produtor está presente, em situações de comunicação oral; ou, ainda, trata-se de provérbios, frases feitas, expressões esteriotipadas ou formulaicas, de autoria anônima (Koch, 2000, p. 57), porém sempre fazem parte de um conjunto de informações partilhado por uma comunidade de fala. Em se tratando de polifonia, basta que a alteridade seja encenada, isto é, incorporam-se ao texto vozes de enunciadores reais ou virtuais, que representam perspectivas, pontos de vista diversos com os quais o locutor se identifica ou não. O conceito de polifonia recobre o de intertextualidade, isto é, todo caso de intertextualidade é um caso de polifonia, não sendo, porém, verdadeira a recíproca: há casos de polifonia que não podem ser vistos como manifestações de intertextualidade (Koch, 2000, p. 57). 2 Dialogismo de Bakhtin Fiorin (2001) afirma que “o princípio unificador da obra de Bakhtin é a concepção dialógica da linguagem” (2001, p. 127). Para Bakhtin, a língua no seu uso real tem a propriedade de ser dialógica, e essas relações dialógicas não se dão apenas no diálogo face a face, mas existe uma dialogização interna da palavra, que é perpassada pela palavra do outro. Assim, ao construir um discurso, o enunciador leva em conta o discurso de outrem, que está presente no seu, sendo que várias vozes se farão presentes. Segundo Fiorin (2001), esse dialogismo apresentase na polifonia, no discurso direto, indireto e indireto livre na bivocalidade, etc. Apesar de mostrar com clareza que as relações dialógicas estão sempre presentes na linguagem, Bakhtin ocupou-se muito mais da análise dos discursos em que elas se mostram do que daqueles em que elas não se manifestam por marcas lingüísticas. Assim, estudou mais o que, em certo momento de sua obra, chamou o romance polifônico do que monofônico, estudou mais o discurso carnavalesco do que o discurso oficial a partir do qual se construía, assim por diante (2001, p. 128). De acordo com Fiorin (2001), um discurso é constituído de vários campos, o religioso, o político, o 27 ESPAÇO DIALÓGICO regulagem do processo de comunicação” (Authier, 2004, p. 14). filosófico, entre outros, e cada um é formado de vários espaços, que são os interdiscursos. Logo, todo enunciado de um discurso se constitui de uma relação polêmica com o outro: é o discurso segundo que se constitui a partir do discurso primeiro e esse é o outro daquele. “Essas relações conflituais permitem entender elaborações e reelaborações discursivas, dominâncias e apagamentos discursivos, etc." (Fiorin, 2001, p. 133). A orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo discurso. Trata-se da orientação natural de qualquer discurso vivo. Em todos os seus caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso se encontra com o discurso de outrem e não pode deixar de participar, com ele, de uma interação viva e tensa. Apenas o Adão mítico que chegou com a primeira palavra num mundo virgem, ainda não desacreditado, somente este Adão podia realmente evitar por completo esta mútua orientação dialógica do discurso alheio para o objeto. Para o discurso humano, concreto e histórico, isso não é possível: só em certa medida convencionalmente é que pode dela se afastar (Bakhtin apud Fiorin, 2001, p. 127). Segundo Barros (2001), para Bakhtin, o dialogismo é o princípio constitutivo da linguagem e a condição do sentido do discurso, sendo que esse não é individual, pois se constrói como um diálogo entre discursos, mantendo relações com outros discursos. “Bakhtin aponta no enunciado-discurso dois aspectos: o que vem da língua e o que vem do contexto” (2001, p. 33). O enunciado aparece como produto de uma enunciação ou de um contexto histórico, social, cultural. ESPAÇO DIALÓGICO 28 Barros (2001) também apresenta a questão do dialogismo e da polifonia, ou seja, a do ocultamento ou não do dialogismo discursivo. Nos escritos de Bakhtin, muitas vezes, temos essa relação entre dialogismo e polifonia utilizada como sinônimos. A autora comenta alguns de seus trabalhos anteriores (1994) quando distingue dialogismo e polifonia, reservando o termo dialogismo para “o princípio dialógico constitutivo da linguagem e de todo discurso e empregando a palavra polifonia para caracterizar um certo tipo de texto, aquele em que o dialogismo se deixa ver, aquele em que são percebidas muitas vozes, por oposição aos textos monofônicos que escondem os diálogos que os constituem” (2001, p. 36). Para Barros (2001), temos, então, dois tipos de textos: os polifônicos e os monofônicos, conforme as estratégias discursivas empregadas. Nos textos polifônicos, os diálogos entre os discursos deixam-se ver e nos monofônicos eles se ocultam como se fossem uma só voz. Para a autora, polifonia e monofonia seriam uma questão de efeitos de sentido. Em outros trabalhos, a autora considera polifonia e monofonia distinguindo dois tipos de discursos, os discursos autoritários e os poéticos. Nos discursos autoritários abafam-se as vozes, escondem-se os diálogos e o discurso se faz discurso da verdade única, absoluta e inconfundível. A única forma de contestar tais discursos é recuperar externamente a polêmica escondida, os confrontos sociais, ou seja, contrapor ao discurso autoritário um outro discurso, responder a ele, com ele dialogar, polemizar. O discurso poético, por sua vez, é aquele que expõe, que mostra ou que deixa escutar o dialogismo que o constitui, a heterologia discursiva, as vozes contraditórias ds conflitos sociais (BARROS, 2001, p. 36). Conforme Barros (2001), todo discurso que apresentar as características de polifonia mencionadas será um discurso poético, incluindo aí, poesia, pintura, prosa, dança, etc. A autora esclarece que, para Bakhtin, não há discurso monofônico na literatura, nem mesmo na poesia lírica. Para Bakhtin (1997), “o discurso citado é o discurso no discurso, a enunciação na enunciação, mas é, ao mesmo tempo, um discurso sobre o discurso, uma enunciação sobre a enunciação” (1997, p. 144). O teórico russo afirma que a fala é apenas o conteúdo do discurso; o tema; porém, o discurso do outro constitui mais do que o tema do discurso, pois pode entrar no tema e na construção sintática, como uma unidade integral da construção. Podemos dizer que o discurso citado mantém sua autonomia estrutural e semântica, sem alterar a trama lingüística do contexto que o integrou. Se a enunciação citada for tratada só como um tema do discurso, apenas pode ser caracterizada superficialmente, porque, para penetrar no seu conteúdo é preciso integrá-lo na construção do discurso, mas, “quando passa à unidade estrutural do discurso narrativo, no qual se integra por si, a enunciação citada passa a construir ao mesmo tempo um tema do discurso narrativo” (Bakhtin, 1997, p. 144). O autor também coloca que a língua é o reflexo das relações sociais estáveis dos falantes, e não das hesitações subjetivo-psicológicas, sempre apresentando um objetivo específico conforme a língua, a época ou os grupos sociais. Bakhtin acrescenta que: toda a essência da apreensão apreciativa da enunciação de outrem, tudo o que pode ser ideologicamente significativo tem sua expressão no discurso interior. Aquele que apreende a enunciação de outrem não é um ser mudo, privado da palavra, mas ao contrário um ser cheio de palavras interiores. Toda a sua atividade mental, o que se pode chamar o 'fundo preceptivo', é mentalizado para ele pelo discurso interior e é por aí que se opera a junção com o discurso interior que se efetua a apreensão da enunciação de outrem, sua compreensão e sua apreciação, isto é, a orientação ativa do falante (BAKHTIN, 1997, p. 147). Conforme Bakhtin (1997) unem-se, então, o discurso citado e o contexto narrativo por relações dinâmicas, complexas e tensas. Sua compreensão fica impossível se não considerarmos essas relações. O discurso a transmitir e aquele que serve para transmiti-lo devem ser o objeto verdadeiro de uma pesquisa. E eles só têm existência real através dessas inter-relações, nunca de maneira isolada. “O discurso citado e o contexto de transmissão são somente os termos de uma inter-relação dinâmica. Essa dinâmica, por sua vez, reflete a dinâmica da inter-relação social dos indivíduos na comunicação ideológica verbal” (1997, p. 148). construído como sendo o de outrem atinge uma sobriedade e uma plasticidade máximas (Bakhtin, 1997, p. 150). Bakhtin apresenta uma segunda orientação da dinâmica da inter-relação da enunciação e do discurso citado, cuja tendência é minorar os contornos exteriores nítidos da palavra de outro. Neste caso, a língua elaborará meios sutis, para deixar o autor infiltrar suas réplicas e seus comentários no discurso de outro. O contexto narrativo desfaz a estrutura compacta e fechada do discurso citado, por absorvê-lo, fazendo desaparecer suas fronteiras. Os aspectos diferentes da enunciação podem ser sutilmente postos em evidência e é, então, apreendido o seu sentido objetivo e todas as particularidades lingüísticas da sua realização verbal. “Podemos chamar este estilo de transmissão do discurso de outrem o estilo pictórico” (1997, p. 150). 3 Heterogeneidade constitutiva Pode ser que o discurso de outrem seja recebido como um único bloco de comportamento social, como uma tomada de posição inanalisável do falante - e nesse caso apenas o 'o quê' do discurso é apreendido, enquanto o 'como' fica fora do campo de compreensão (Bakhtin, 1997, p. 149). Segundo Bakhtin (1997), entram aí o grau de firmeza ideológica, o grau de autoridade e de dogmatismo acompanhando a apreensão do discurso. Podemos chamar essa primeira orientação na qual se move o dinamismo da interorientação entre discurso narrativo e o discurso citado, o estilo linear (der lineare Stil) de citação do discurso de outrem (tomando o termo emprestado do crítico de arte Wolfflin). A tendência principal do estilo linear é criar contornos exteriores nítidos à volta do discurso citado, correspondendo a uma franqueza do falar individual interno. Nos casos em que existe uma completa homogeneidade estilística de todo o texto (o autor e suas personagens falam a mesma língua), o discurso O que a psicanálise analisa, nessa rede de oposições, é o lugar dado ao outro; “um outro que não é nem duplo de frente a frente, nem mesmo o 'diferente', mas um outro que atravessa constitutivamente o um. É o principal fundador - ou que deveria ser reconhecido como tal - da subjetividade, da crítica literária, das ciências humanas em geral” (Authier, 2004, p. 25). Conforme Authier (2004), existe um ponto limite entre a heterogeneidade mostrada e a heterogeneidade constitutiva; uma relação que, por limiares e continuidade, vai além das formas mostradas, onde se esgota a descrição lingüística. Esse ponto é a constatação de que o outro é sempre onipresente e está em toda parte. Nem estágio de decomposição, nem luminoso horizonte de ultrapassagem; para a descrição lingüística da forma de heterogeneidade mostrada, a consideração da heterogeneidade constitutiva é, a meu ver, uma ancoragem, necessária, no exterior do lingüístico (...) Os trabalhos de Bakhtin estão fundamentalmente inscritos no campo semiótico e literário; a psicanálise tem por objeto o inconsciente (Authier, 2004, p. 22). Através das palavras do outro o eu é inscrito na linguagem; a começar pelo próprio nome, que passa pela boca da mãe, com sua entonação, pois quem inscreve o bebê na linguagem é a mãe. Segundo Jerusalinsky (1999), daquilo que o bebê faz, a mãe supõe uma significação. Se chorar é porque está com fome, frio, e assim por diante. A mãe precisa 29 ESPAÇO DIALÓGICO O autor apresenta duas orientações principais para verificarmos em que direção pode se desenvolver a dinâmica da inter-relação entre o discurso narrativo e o discurso citado. A primeira diz respeito à tendência fundamental da reação ativa ao discurso de outro quanto à conservação da sua integridade e autenticidade, pois a língua pode delimitar o discurso citado com fronteiras nítidas e estáveis, isolando-o e protegendo-o de infiltrações, consolidando as características lingüísticas individuais. Aqui, podemos verificar até que ponto uma comunidade lingüística mantém a apreensão social do discurso de outrem, quanto às expressões, às particularidades ou estilísticas do discurso, são realmente percebidas e compreendidas. dar essa significação para que ele seja inserido na linguagem. Falando o bebê, ela o inscreve; portanto, as mães são interpretativas em relação ao que ocorre com seu bebê. O choro, por exemplo, é significante que a mãe transforma no momento que fala o bebê, permitindo-nos pensar que os bebês estão no campo da linguagem, embora ainda não falem. O choro é o significante lido e compreendido pela mãe que fala o seu bebê. “Todo o humano forma parte da linguagem, está inscrito no universo simbólico, que determina a um sujeito com tal. Assim fica incluído na cultura e, portanto, excluído do reino natural animal” (Levin, 1999, p. 68) e a linguagem pré-existe como estrutura ao sujeito. Assim, tudo que dissermos, em qualquer lugar ou circunstância, vai encontrar algo já existente, dito previamente, de forma a se escutar e se localizar de determinada maneira em determinada posição/lugar, e é isso que mudará o sentido do que dizemos. Jerusalinsky ainda afirma que o ser humano depende da linguagem, pois essa é que o difere dos outros animais. Falamos através de uma cadeia significantes. No dizer do sujeito se antecipa um efeito que vai causar no Outro, e em função dessa antecipação, que se produz, inconscientemente, em seu dizer, vai mudando, articulando o que diz. O fazer de uma criança normal é um fazer que consulta o Outro, portanto é um fazer no campo do significante. Não é um simples acional, é um acionar onde o ato vem a posteriori de uma seqüência construída, e de consultar o Outro com seu olhar (1999, p. 58 - 59). Falando em termos educativos, conforme o autor, não podemos esquecer, também, que, para que a criança aprenda, é preciso que ali haja silêncio, um espaço, uma pausa, e a criança tome deste vazio, para então, preenchê-lo com sua própria versão. (...) há sempre um sujeito que requer que se faça um vazio de saber, para que possa buscar seu próprio saber, ou sua versão própria, acerca deste saber do Outro. (...) Quando o saber médico, psicológico ou o saber educativo tampam com um saber técnico o que essa criança quer saber, fechamos, a partir da técnica, todo o espaço da subjetividade que nessa criança está se constituindo (Jerusalensky, 1999, p. 62). ESPAÇO DIALÓGICO 30 O silêncio dessa criança, então, fará sintoma no seu corpo e ela não falará nada, não se manifestando no simbólico, no dizer, mas manifestando-se no seu corpo. Portanto, o sujeito é o efeito da linguagem. O outro é um lugar estranho, de onde emana todo o discurso: lugar da família, da lei, do pai, na teoria freudiana, elo da história e das posições sociais, lugar a que é remetida toda subjetividade; dizer que o inconsciente é o discurso do Outro é reafirmar, de maneira determinista, que um discurso livre não existe e é dar-lhe a lei (Clement apud Authier, 2004, p. 64). Authier (2004) considera que “o ponto de vista do discurso atravessado pelo inconsciente articula-se a posições sobre o sujeito, o sujeito falante (nosso locutor) e finalmente, a partir do campo exterior da 'lingüisteria' à lingüística (2004, p. 62). Segundo a autora não há um discurso próprio do inconsciente, pois o inconsciente age no discurso normal. “A instância dinâmica (do inconsciente) é provocar a báscula pela qual um discurso volta a um outro por deslocamento do lugar em que o efeito significante se produz (Lacan apud Authier, 2004, p. 52)”. O sujeito é resultado de uma complexidade, nada é isolado, nem dividido. É pleno, logo o seu discurso não pode se reduzir ao explícito e sim a um Outro de cada um de nós mesmos que se mesclou ao outro de tantos. Nosso inconsciente não é outro discurso, mas registro de várias vozes, ao mesmo tempo. Considerações finais Para a psicanálise é função materna a inscrição do sujeito na linguagem. Esse sujeito que é uma unidade discursiva que fora do discurso não existe, pois o discurso é a forma como o sujeito é tomado na linguagem. Segundo Authier-Revuz (2004), um outro ato de enunciação é revelado sob as formas sintáticas, quanto ao discurso direto e indireto. No discurso indireto o locutor aparece como um tradutor, remetendo a um outro para dar sentido ao que ele relata, mas fazendo uso de suas próprias palavras, enquanto, no discurso direto, as palavras do outro ocupam o tempo e o espaço recortado na citação da frase, apresentando um locutor ‘porta-voz’. Bakhtin (1997), afirma que as relações do discurso com a enunciação, com o contexto sócio-histórico ou com o 'outro' são relações entre discursos-enunciados. Conforme o autor, a língua tem a propriedade de ser dialógica e essas relações dialógicas se dão, além do diálogo face a face, como na dialogização interna da palavra que perpassa pela palavra do outro. São várias vozes num mesmo discurso que se entrelaçam com outras vozes. Unem-se o discurso citado e o contexto narrativo por relações dinâmicas, complexas e tensas. Sua compreensão fica impossível se não considerarmos essas relações. O teórico russo afirma que a fala é apenas o conteúdo do discurso; o tema; porém, o discurso do outro constitui mais do que o tema do discurso, pois pode entrar no tema e na construção sintática, como uma unidade integral da construção. O que a psicanálise analisa nessa rede de oposições é o lugar dado ao outro; “um outro que não é nem duplo de frente a frente, nem mesmo o 'diferente', mas um outro que atravessa constitutivamente o um. É o principal fundador ou que deveria ser reconhecido como tal da subjetividade, da crítica literária, das ciências humanas em geral” (Authier, 2004, p. 25). Portanto, existe um ponto limite entre a heterogeneidade mostrada e a heterogeneidade constitutiva; uma relação que, por limiares e continuidade, vai além das formas mostradas, em que se esgota a descrição lingüística. Esse ponto é a constatação de que o Outro é sempre onipresente e está em toda parte. Em termos educativos, não podemos esquecer que, para que a criança aprenda é preciso que ali haja silêncio, um espaço, uma pausa, e que a criança tome desse vazio, para, então, preenchê-lo com sua própria versão. Numa sala de aula, a cada atividade proposta, temse a capacidade de apreender e aguçar o imaginário do educando, engrandecendo suas experiências e tornando-o co-autor da aprendizagem. Precisamos aqui, entender por aprendizagem a compreensão e as relações que o educando consegue estabelecer, por exemplo, numa interpretação textual, quando o educador/ professor permite sua manifestação, concede-lhe a pausa, o tempo para manifestar-se. Enfim, esse grandioso processo que transporta o educando para um mundo antes desconhecido. Uma troca que se dá a partir das relações com esse grande Outro e com os outros. Um sujeito que se constitui pela e através da linguagem, sob todas as formas de heterogeneidade. É importante salientar que as formas de heterogeneidade mostradas não são um espelho, no discurso, da heterogeneidade constitutiva do discurso. Não há um discurso próprio do inconsciente, pois o inconsciente age no discurso normal. Quanto à inscrição do sujeito, lembremos que através das palavras do outro o eu é inscrito na linguagem; a começar pelo meu nome, que passa pela boca da mãe, com sua entonação, pois quem inscreve o bebê na linguagem é a mãe. Referências BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 8.ed. São Paulo: SP. HUCITEC. 1997. BARROS, D. P. & FIORIN, J. L. (org.) Dialogismo, Polifonia, Intertextualidade: Em torno de Bakhtin. São Paulo: SP. Edusp, 1999. BARROS, Diana Luz Pessoa de; FIORIN, José Luiz, MACHADO, Irene A.; in: FARACO, Carlos Alberto; TEZZA, Cristovão; CASTRO Gilberto de. (org) Diálogos com Bakhtin. 3. ed. Curitiba: Paraná. UFPR, 2001. CORIAT. Centro Lydia. Escritos da Criança. 2. ed. Porto Alegre: RS. J E R U S A L I N S K Y, A l f r e d o . P s i c a n á l i s e desenvolvimento infantil. Porto Alegre: Artes e Offícios, 1999. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. O texto e a construção de sentidos. SP: Contexto, 2000. 31 ESPAÇO DIALÓGICO AUTHIER-REVUZ, Jaqueline. Heterogeneidade mostrada e heterogeneidade constitutiva: elementos para abordagem do outro nos discursos. Porto Alegre: EDIPUC/RS, 2004. LEITURA EM SALA DE AULA: um ato enunciativo Sabrina Vier* Resumo Partindo do pressuposto de que a leitura é um ato enunciativo, fundamentado no referencial teórico de Benveniste, Bakhtin e Ducrot, é proposto o trabalho com a canção “Subúrbio”, de Chico Buarque. No ato da leitura, temos uma cena intersubjetiva: o enunciador que é o autor da canção, abre a possibilidade ao leitor de ser co-enunciador, co-autor da canção. No diálogo autor/sujeito-leitor, o sentido é produzido ativamente no aqui-agora em que se dá a leitura. O texto, nessa perspectiva, abre a possibilidade para diferentes leituras, mas não para qualquer leitura. O papel do professor não é o de encaminhar leituras em sala de aula, mas convidar o aluno a participar do diálogo enunciador/co-enunciador, observando e analisando como o texto diz o que diz: o sentido dado pelo sistema da língua, reiterável, e o sentido dado pela enunciação, sempre mutável e adaptável, porque o sujeito está aí implicado. Palavras-chave: Enunciação. Gênero canção. Sujeito. Considerações iniciais E ste é um texto sobre a leitura em sala de aula. Houve um tempo em que ler era buscar de maneira objetiva o significado contido nas palavras presentes no texto. Dascal (2006) denomina esse modelo de leitura de criptográfico. “Independentemente de quão difícil ou prolongada seja a busca do significado, existe no fundo um fato que permite avaliar objetivamente o resultado: ou você descobre o significado, ou não” (ibid, p. 218). O sentido estava na decodificação do código escrito. Com a descoberta de teorias da interação, o sentido passou a estar no leitor. Todo e qualquer sentido, desde que produzido pelo leitor, seria possível. Dascal (2006) chama esse modelo de leitura de hermenêutico: leitores diferentes, cada um com seus valores e história de vida, construiriam, de maneiras diferentes, significados para o mesmo código. ESPAÇO DIALÓGICO 32 O autor afirma que os dois modelos de leitura, por motivos completamente diferentes, têm uma conseqüência similar: ambos negligenciam ou miniminizam o papel do enunciador do texto (Dascal, 2006). Ao enfatizar somente o código ou o leitor, o professor está esquecendo que o texto é produzido com intenções comunicativas. Nele, a linguagem é posta em ato por um sujeito que tem algo a dizer. Ao possibilitar a leitura em sala de aula, é imprescindível que o professor aponte marcas lingüísticas que levem a pensar como o texto diz o que diz. A leitura não está no texto nem no aluno. O sentido em leitura é produzido na ação de dirigir o olhar para o fato do enunciador ter dito o que disse. 1 Leitura como ato enunciativo A leitura é um fenômeno complexo e, conforme Teixeira (2005), não se esgota em um olhar. Vista como ato enunciativo, a leitura produz uma relação intersubjetiva sempre inédita: “a pessoa que interpreta um enunciado reconstrói seu sentido a partir de indicações nele presentes, mas nada garante que o que ela reconstrói coincida com as representações do enunciador” (Flores e Teixeira, 2005, p. 8). *Titulação: Mestre em Lingüística Aplicada, Especialista em Estudos Lingüísticos do Texto. Área de atuação: Professora de Língua Portuguesa na IENH. Não há um domínio absoluto sobre o sentido, pois o sentido não é dado pelo texto, ele é produzido por aquele que lê, no aqui-agora em que se dá a leitura e que é um momento sempre novo, irrepetível. A partir de tal perspectiva, segundo Teixeira (2005), devemos reconhecer que há algo de subjetivo nessa relação texto e sujeito-leitor (aluno e professor). É importante não confundirmos o fato de não haver uma leitura prevista para o texto com o fato de ser possível produzir qualquer leitura a partir de um texto. Teixeira (2005, p. 201) afirma que a leitura “está sujeita às convenções lingüísticas, às restrições de gênero, aos pontos de ancoragem discursiva que orientam a expectativa do leitor, delimitam a interpretação e a impedem de se perder em qualquer direção”. depende muito mais do contexto comunicativo e da cultura do que da própria palavra (Marchuschi, 2002). A canção popular, gênero da esfera artística, segundo Costa (2000), é um gênero híbrido, de caráter semiótico, resultante de dois tipos de linguagem: a verbal e a musical (ritmo e melodia). A canção não é exclusivamente texto verbal, nem peça melódica: é, sim, uma junção das duas materialidades. É, afinal, um dispositivo enunciativo e devem-se levar em conta elementos relativos à produção, circulação e recepção: Há que se considerar a contribuição dos músicos e técnicos, a existência do arranjo e do acompanhamento vocal e instrumental, da produção discursiva periférica (encarte), das linguagens que acompanham essa produção (pintura, desenho, artes plásticas, fotografia, etc.). Há também que se observar a realidade do disco. A disposição das canções contidas ali (Costa, 2000, p. 120-21). O texto a ser lido é de autoria de Chico Buarque e foi escrito em 2006. Trata-se de Subúrbio. 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 Lá não tem brisa Não tem verde-azuis Não tem frescura nem atrevimento Lá não figura no mapa No avesso da montanha, é labirinto É contra-senha, é cara a tapa Fala, Penha Fala, Irajá Fala, Olaria Fala, Acari, Vigário Geral Fala, Piedade Casas sem cor Ruas de pó, cidade Que não se pinta Que é sem vaidade 2 A canção popular como objeto de leitura 16 17 18 19 20 21 22 23 Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção Traz as cabrochas e a roda de samba Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae Teu hip-hop Fala na língua do rap Desbanca a outra A tal que abusa De ser tão maravilhosa A canção popular é um gênero discursivo. É importante não confundir gênero com tipologia textual. Gênero é um evento lingüístico, mas não pode ser definido por características lingüísticas: caracteriza-se enquanto atividade sócio-discursiva. Quando denominamos um gênero, não denominamos uma forma lingüística e sim uma forma enunciativa que 24 25 26 27 28 29 30 31 Lá não tem moças douradas Expostas, andam nus Pelas quebradas teus exus Não tem turistas Não sai foto nas revistas Lá tem Jesus E está de costas Fala, Maré Em enunciação, o sujeito-leitor está sempre em contato com o que é da ordem da língua enquanto sistema, o repetível, e o que é da ordem da enunciação, o irrepetível. Por exemplo: pensando o pronome “eu”, é da ordem do repetível o fato de sempre designar aquele que fala e da ordem do irrepetível o fato de ter sempre uma referência diferente a cada instância em que é enunciado. E é entre o repetível e o irrepetível que o sentido é produzido em enunciação. Não cabe ao sujeito-leitor, o aluno e o professor, conforme Teixeira e Di Fanti (2006), “descobrir o que o autor quis dizer”, mas, sim, a partir da leitura de marcas lingüísticas, atribuir respostas ou “contrapalavras” ao dizer do outro. Apresentarei aqui uma possibilidade de leitura para uma canção de Chico Buarque. 33 ESPAÇO DIALÓGICO Conceber a leitura como um fenômeno enunciativo é concebê-la “como um ato do sujeito-leitor, mediante o qual ele estabelece uma relação com o texto para produzir sentido no momento da leitura” (Teixeira, 2005, p. 200). O sujeito-leitor, aqui o aluno e o professor, transforma-se em co-enunciador, pois produz sentidos a partir de sua história de vida, seus valores, sua cultura. 32 33 34 35 36 37 38 39 Fala, Madureira Fala, Pavuna Fala, Inhaúma Cordovil, Pilares Espalha a tua voz Nos arredores Carrega a tua cruz E os teus tambores outra foto do autor. Este está cabisbaixo e parece estar saindo de um lugar. O encarte também contém mapas e fotos da equipe que participou da gravação de Carioca. Junto à letra de Subúrbio, encontramos uma foto de Chico Buarque de braços cruzados sob outro mapa do centro da cidade. A arte do encarte aponta para o diálogo proposto pelo disco: abordar o Rio de Janeiro. 40 41 42 43 44 45 46 47 Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção Traz as cabrochas e a roda de samba Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae Teu hip-hop Fala na língua do rap Fala no pé Dá uma idéia Naquela que te sombreia O produtor musical e o responsável pelos arranjos e regência de todas as faixas do cd é Luiz Cláudio Ramos. Para Chico Buarque, a parceria com o produtor neste disco “foi muito boa, pois como o produtor cria os arranjos a partir do violão, isso torna seu trabalho mais próximo ao meu” (Desconstrução, 2006). 48 49 50 51 52 53 54 55 56 57 Lá não tem claro-escuro A luz é dura A chapa é quente Que futuro tem Aquela gente toda Perdido em ti Eu ando em roda É pau, é pedra É fim de linha É lenha, é fogo, é foda Segundo Chico Buarque (Desconstrução, 2006), “é mais fácil de discutir minúcias e detalhes, harmonias e tal sendo o mesmo instrumento”. Quando sai da harmonia², da melodia³ e da letra4, os passos seguintes são do produtor. É o produtor quem decide quem será chamado para tocar a música. Chico Buarque afirma que até pode dar alguns palpites, mas quem é o responsável pelo trabalho final da música é o produtor. 58 59 60 61 Fala, Penha Fala, Irajá Fala, Encantado, Bangu Fala, Realengo... 62 63 64 65 Fala, Maré Fala, Madureira Fala, Meriti, Nova Iguaçu Fala, Paciência... Subúrbio tem a duração de três minutos e vinte segundos e é um choro-canção. O choro é um gênero musical com mais de 130 anos de existência. Os primeiros conjuntos de choro surgiram por volta de 1880, no Rio de Janeiro, nascidos no bairro Cidade Nova e nos quintais dos subúrbios cariocas (Roschel, 2007). Organizo a leitura em três momentos complementares: (1) compreensão extralingüística: produção, circulação e recepção; (2) compreensão do gênero canção: composição e tema; e (3) compreensão do estilo: marcas lingüísticas. ESPAÇO DIALÓGICO 34 (1) Carioca (2006) é a obra musical mais recente de Chico Buarque¹. A capa que traz o compact disc (doravante cd) traz o nome do autor, sua foto e o título Carioca. A foto é colorida e compreende o rosto do autor. Sobreposto à foto, há um mapa das ruas do Rio de Janeiro, mais especificamente, do centro da cidade. No verso, encontramos uma foto do tórax do autor, o restante do mapa e os títulos das doze canções do cd. Dentro da capa, encontramos outro mapa do centro e NOTAS Segundo Diniz (2003), uma das principais discussões sobre o choro é se deve ou não ter letra. Os “chorões” têm opiniões diversas, já que o gênero é puramente instrumental, mas há exemplos de compositores passados e presentes que se atrevem a produzir letras para alguns choros, como é o caso de Chico Buarque. Subúrbio é um exemplo de chorocanção: o gênero musical com letra. (2) Em sua construção composicional, Subúrbio apresenta enunciados que se repetem. Essa é uma característica recorrente do gênero canção (cf. Teixeira e Di Fanti, 2006). “Lá” (linhas 1, 4, 24, 29 e 48), “não” (linha 1, 2, 3, 4, 14, 24, 27, 28 e 48) e “fala” (linhas 20, 31, 32, 33, 34, 44, 45, 48, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64 ¹ O disco anterior é As cidades, de 1998. ² “Conjunto de sons dispostos em ordem simultânea - concepção vertical de música. [...] É a arte e a ciência dos acordes e suas combinações” [grifo do autor] (Med, 1996, p. 11 e 271). ³ “Conjunto de sons dispostos em ordem sucessiva - concepção horizontal de música - [...] que obedece um sentido lógico [grifo do autor] (Med, 1996, p. 11 e 271). 4 Texto verbal da canção (Costa, 2002). Quanto ao gênero musical 5 , encontramos em Subúrbio um compasso quaternário. A instrumentação utilizada por Luiz Cláudio Ramos, típica do choro, é composta de violão, baixo acústico, pandeiro, piano acústico, clarinete, flauta e violoncelo. Nas cinco primeiras partes, há intercalação entre frases 6 mais melódicas e frases mais recitativas, onde o canto imita a fala. Quando da presença dos verbos “fala” e “dança”, as partes são recitadas. Na primeira parte da letra, das linhas 5 a 6 e 12 a 15 há notas próximas, o que gera certa tensão na música. Quando da palavra “mapa” (linha 4), temos uma acentuação musical que se caracteriza por um salto de intervalo7 ascendente na música. Em “labirinto” (linha 5), a sílaba “la” apresenta também uma entonação musical. Na sílaba “de” de “vaidade” (linha 15), há a nota mais grave da primeira parte. E na sílaba “cho” de “chorocanção” (linha 16), a nota mais aguda da segunda parte. Há entre o grave e o agudo, entre a primeira e a segunda partes, um acorde musical que também aparece na letra: “Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção” (linha 16). Ao cantar “choro-canção”, entra o som de um clarinete, instrumento típico do choro, pois seu som é malandro e insinuante. Na terceira parte, quando o cantor entoa “moças”, linha 24, entra o som de um violoncelo, instrumento que mais se aproxima da voz humana; seu som é sensual. Quando da palavra “turista”, repete-se a acentuação musical. Em “res” de “tambores” (linha 39), há a nota mais grave da terceira parte e em “cho” de “choro-canção” (linha 40), a nota mais aguda da quarta parte: há novamente um acorde, como no texto da letra (linha 40). Em “choro-canção”, sai o clarinete e entra uma flauta. A flauta também é um instrumento típico do choro, seu som é mais delicado. NOTAS Nas sexta e sétima partes, há intervalos musicais repetidos insistentemente. Há a presença simultânea do clarinete e da flauta. Os trechos são melódicos. Ao encerrar a sétima parte, o cantor entoa um “falô” que não aparece na letra. A temática, quanto à letra, contempla aspectos relativos ao subúrbio do Rio de Janeiro. Alguns itens lexicais orientam nessa direção: os nomes de bairros e de uma favela 8 (Penha, Irajá, Olaria, Acari, Vigário Geral, Piedade, Maré, Madureira, Pavuna, Inhaúma, Cordovil, Pilares, Penha, Irajá, Encantado, Bangu, Realengo, Maré, Madureira, Meriti, Nova Iguaçu e Paciência) e os estilos musicais (choro, funk, rock, forró, pagode, reggae, hip-hop, samba e rap). Quanto ao gênero musical, a escolha do choro também aponta para o subúrbio do Rio de Janeiro, tendo em vista que foi aí que surgiu esse gênero musical. Segundo Palleno (2005), etimologicamente a palavra “subúrbio” significa o espaço que cerca uma cidade, mas esse sentido tem sido deturpado, especialmente no Rio de Janeiro. "A palavra subúrbio, no Rio, é muito mal resolvida e ganhou uma conotação muito forte de classe, até meio pejorativa" (Fernandes, apud Palleno, 2005). (3) Para a análise do estilo, busco apoio nos estudos de Ducrot (1987) sobre enunciado negativo, Benveniste (1989, 1995) sobre a inversibilidade que assegura a subjetividade e Bakhtin (2003) sobre exotopia. Segundo Flores e Teixeira (2005), a semântica argumentativa de Ducrot está relacionada com a enunciação na medida em que considera tanto a presença de diferentes vozes (polifonia 9 ) quanto a evocação de princípios argumentativos que numa situação x dão a direção de como um dado enunciado deve ser lido. Ler, a partir da teoria de Ducrot, é observar como, no enunciado, configura-se o jogo polifônico, o entrecruzamento de diferentes perspectivas, pontos de vista, a partir dos quais o locutor fala, enuncia-se. Dentre as marcas lingüísticas da canção, interessamme, aqui, os enunciados negativos. Para a análise do gênero musical, conto com a valiosa colaboração do músico Marcelo Felipe Vier, violinista da Orquestra Sinfônica da Universidade de Caxias do Sul. “Frase é uma unidade musical com sentido de conclusão” (Med, 1996, p. 335). 7 “Intervalo é a diferença de altura entre dois sons” (Med, 1996, p. 60). 8 Os bairros são do norte e oeste do Rio de Janeiro. A favela é Maré. 9 A noção de polifonia em Ducrot ancora-se no pressuposto de que o sentido de um enunciado é constituído pela superposição de vários discursos, cujos supostos responsáveis podem ser diferentes do responsável pelo enunciado (Ducrot, 1987). 5 6 35 ESPAÇO DIALÓGICO e 65) aparecem em diferentes combinações. A letra é dividida em sete partes, sendo que em seis há uma intercalação entre “lá” (linhas 1, 24 e 48) e um verbo no imperativo (“vai”, linha 16, “vai”, linha 40 e “fala”, linha 58). Na última parte, a sétima, há novamente um verbo no imperativo, “fala” (linha 62). Essa organização introduz e recupera o tema da canção: há um lugar, o subúrbio, de que se fala e uma ordem que se deseja dar: vai e fala. Segundo Ducrot (1987, p. 202), “a maior parte dos enunciados negativos [...] faz aparecer em sua enunciação o choque de duas atitudes antagônicas, uma, positiva, imputada a um enunciador E1, a outra, 10 que é uma recusa da primeira, imputada a E2”. Para o autor, em uma negação contém uma afirmação. Para comprovar tal afirmação, Ducrot (1987) sugere o emprego da expressão ao contrário, encadeado a um enunciado negativo. Por exemplo, ao enunciado “Pedro não é gentil”, podemos encadear “ao contrário, ele é insuportável”. O segundo enunciado, como se pode perceber, é contrário ao ponto de vista positivo que o primeiro nega e veicula ao mesmo tempo. O autor salienta que essa possibilidade de encadeamento é excluída se o primeiro enunciado é positivo. Não se terá nunca “Pedro é gentil. Ao contrário, ele é adorável”. O “enunciador tem uma presença e um estatuto diferente no enunciado positivo e no enunciado negativo” (Ducrot, 1987, p. 203). 11 O lugar do enunciador já está marcado na frase no momento em que se interpreta o enunciado negativo: há uma oposição não a um locutor, mas a um enunciador, a um ponto de vista. O que é afirmado pertence ao “aqui”; o que é negado a “lá”. aspecto, recorro ao estudo sobre a subjetividade na linguagem de Benveniste. Pensar a leitura como ato enunciativo, a partir da teoria de Benveniste, é trabalhar o modo como se diz, ou seja, como o sujeito marca-se, representa-se no seu dizer. Dentre as marcas lingüísticas da canção, interessam-me, aqui, os pronomes pessoais. Segundo Benveniste (1995), os pronomes pessoais fora do discurso efetivo são formas vazias, que não podem ser ligadas nem a um objeto nem a um conceito. O pronome recebe sua realidade e sua substância somente do discurso. A partir do pronome “eu”, o locutor enuncia sua posição no discurso, propondo-se como sujeito e revelando a subjetividade na linguagem. “É 'ego' que diz ego. Encontramos aí o fundamento da 'subjetividade' que se determina pelo status lingüístico de pessoa” [grifo do autor] (Benveniste, 1995, p. 286). Na letra da canção, o locutor enuncia sua posição no discurso a partir do pronome pessoal na linha 54: “Eu ando em roda”. A posição do “eu” é marcada em contraste: “Perdido em ti/ Eu ando em roda” (linhas 53 e 54). Segundo Benveniste, Podemos encontrar marcas do enunciador na afirmação contida na negação, pois a negação aponta para a presença de uma outra voz, o ausente que é afirmado. Para alguém estar “lá”, alguém precisa estar “aqui”. Olhando para “tu” que está “lá”, o enunciador marca o seu lugar, “aqui”. A consciência de si mesmo só é possível se experimentada por contraste. Eu não emprego eu a não ser dirigindo-me a alguém, que será na minha alocução um tu. Essa condição de diálogo é que é constitutiva da pessoa, pois implica em reciprocidade que eu me torne tu na alocução daquele que por sua vez se designa por eu [grifos do autor] (1995, p. 286). Pode-se afirmar, a partir da análise realizada até agora, que a canção coloca em oposição dois lugares distintos: “lá” e “aqui”. E que lugares são esses? A linguagem é condição de existência do homem e como tal ela é sempre referida ao outro, ou seja, na linguagem se vê a intersubjetividade como condição da subjetividade. “Lá” e “aqui” são expressões dêiticas. Os dêiticos organizam o espaço a partir de um ponto central (ego) (Benveniste, 1989). Uma vez que o título aponta para o subúrbio podemos produzir a seguinte leitura: o “eu” faz referência a um “aqui”; logo, o “eu” está fora do subúrbio, que é “lá”. Há um diálogo proposto por “eu”: dialogar com “tu” a respeito de “ela”, “a tal que abusa/ de ser tão maravilhosa” (linhas 22 e 23). O que o enunciador deseja falar ao subúrbio? Recorremos a Bakhtin para pensarmos esse diálogo. E a quem “eu” e “tu” fazem referência? Nesse ESPAÇO DIALÓGICO 36 NOTAS 10 Para Ducrot, há diferença entre sujeito falante, locutor e enunciador. Sujeito falante é o elemento da experiência, ou seja, o ser empírico e responsável pela realização física do enunciado. O locutor é aquele que se responsabiliza pela produção do enunciado, constituindo-se como um ser discursivo. O enunciador é a fonte dos diferentes pontos de vista, às vezes opostos aos do locutor, presentes no enunciado (Ducrot, 1987). 11 “A teoria criada por Ducrot denomina frase a entidade lingüística abstrata, teórica, uma sucessão de símbolos fora de qualquer situação de discurso, e enunciado o segmento do discurso, a ocorrência particular da frase, o fenômeno empírico, observável que não se repete” (Barbisan, 2004, p. 73). Dentre os conceitos propostos por Bakhtin, o de exotopia aqui nos interessa. A exotopia diz respeito à criação estética e expressa a diferença e a tensão entre dois olhares, entre dois pontos de vista; na canção, o olhar do subúrbio e o olhar do enunciador. Segundo Amorim (2006), a exotopia designa uma relação de tensão entre pelo menos dois lugares: o do sujeito que vive e olha de onde vive, e daquele que, estando de fora da experiência do primeiro, tenta mostrar o que vê do olhar do outro. O olhar deste último consiste em dois movimentos: tentar captar o olhar do outro, tentar entender o que o outro vê, como o outro vê; e retornar ao seu lugar, que é, na canção, necessariamente exterior à vivência do subúrbio, para sintetizar ou totalizar o que vê, de acordo com seus valores, sua perspectiva, sua problemática (Amorim, 2006). Na canção, o retratado, o subúrbio, é aquele que vive cada instante de sua vida como inacabado, como devir incessante. Seu olhar está voltado para um horizonte sem fim. O sentido da vida para aquele que vive é o próprio viver. No âmbito da cultura, a exotopia é o motor mais potente da compreensão. Uma cultura estrangeira não se revela em sua completude e em sua profundidade que através do olhar de uma outra cultura [e ela não se revela nunca em toda sua plenitude, pois outras culturas virão e poderão ver e compreender mais ainda]. [...] Face a uma cultura estrangeira, colocamos perguntas novas que ela mesma não se colocava. Procuramos nelas uma resposta a essas questões que são as nossas, e a cultura estrangeira nos responde, nos desvelando seus aspectos novos, suas profundidades novas de sentido. Se não colocamos nossas próprias questões, nos desligamos de uma compreensão ativa de tudo que é outro e estrangeiro [trata-se, bem entendido, de questões NOTA 12 sérias, verdadeiras] [grifo do autor] (Bakhtin, apud Amorim, 2006, p. 100). Encontramos na canção um olhar exotópico: o enunciador tenta entender o ponto de vista do subúrbio, mas não se funde com ele. Mais do que o objeto em si, o que se vê são os múltiplos olhares possíveis sobre um objeto: “lá” é apresentado de diversas maneiras a partir do que não tem (conforme leitura a partir de Ducrot) em relação ao centro urbano (“a tal que abusa/ de ser tão maravilhosa”, linhas 22 e 23). O enunciador intercala o olhar exotópico com diversos verbos no imperativo: “fala” (linhas 7, 8, 9, 10, 11, 20, 31, 32, 33, 34, 44, 45, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64 e 65), “vai” (linhas 16 e 40), “faz” (linhas 16 e 40), “traz” (linhas 17 e 41), “dança” (linhas 18 e 42), “desbanca” (linha 21), “espelha” (linha 36), “carrega” (linha 38) e “dá” (linha 46). Conforme Benveniste, o imperativo12 é utilizado, de alguma forma, para influenciar o comportamento do alocutário. Pensamos que além de olhar o subúrbio, o enunciador quer convocá-lo a uma posição, isto é, à ocupação de um lugar. Dentre os trinta e dois verbos no imperativo, “fala” aparece vinte vezes. Falar remete à interação, e em lingüística da enunciação, remete à inversibilidade de “eu” e “tu”. Ao usar “fala”, o enunciador está intimando o “tu” a falar, e quando “tu” falar, necessariamente precisará ocupar a casa vazia do “eu”. “Falar consiste, inicialmente, em trocar, antes de mais nada, a capacidade de utilizar o 'eu' [...]. Falar é usar 'eu', e usar 'eu' é reconhecer-se mutuamente o direito à fala [...]” (Dufour, 2000, p. 76). O que está em jogo na fala intersubjetiva é uma troca, uma troca de posição entre dois protagonistas. “Ocupar a posição 'eu' no discurso é reconhecer-se um direito no espaço simbólico” (Teixeira, 2005, p. 203). O enunciador além de olhar o subúrbio, intima o “tu”, que “lá” está, a participar do espaço simbólico do Rio de Janeiro. Considerações finais O imperativo compõe uma das formas que o autor denomina de intimação: ordens, apelos que implicam uma relação viva e imediata do enunciador ao outro (Benveniste, 1989). 37 ESPAÇO DIALÓGICO Ler, a partir da teoria de Bahktin, é compreender que a enunciação é de natureza social (Bakhtin/Voloshinov, 2002) e que “os eventos estão sempre correlacionados com a situação social mais imediata e com o meio social mais amplo, ambos se entrecruzando em cada evento e tendo aí papel condicionador dos atos do dizer e de sua significação” (Faraco, 2006, p. 106). Neste texto, buscou-se refletir acerca da leitura em sala de aula como ato enunciativo. Com o exercício de análise da canção Subúrbio, de Chico Buarque, procurei demonstrar que é a partir de marcas lingüísticas, tomadas na enunciação concreta, que se produz o sentido. No ato da leitura, temos uma cena intersubjetiva: o enunciador que é o autor da canção abre a possibilidade ao leitor de ser co-enunciador, co-autor da canção. No diálogo autor/sujeito-leitor, o sentido é produzido ativamente no aqui-agora em que se dá a leitura. O papel do professor não é o de encaminhar leituras em sala de aula, mas convidar o aluno a participar do diálogo enunciador/co-enunciador observando e analisando como o texto diz o que diz: o sentido dado pela estrutura da língua, o repetível, e o sentido dado pela enunciação, irrepetível, porque o sujeito está aí implicado. É importante que o leitor apreenda os mecanismos lingüísticos indicadores do lugar do enunciador, das posições assumidas por ele em relação ao tema e às outras vozes discursivas, dos objetivos e da orientação argumentativa articuladas ao texto e das particularidades do gênero em relação às coerções próprias da esfera de produção, circulação e recepção de enunciados (Teixeira, 2005). Convidando o aluno a ser co-enunciador, o professor está convidando-o a preencher as formas “eu” e “tu”, convidando-o a ser sujeito. Referências AMORIM, M. Cronotopo e exotopia. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: outros conceitoschave. São Paulo: Contexto, 2006. p. 95114. BARBISAN, L. B. Língua e fala: conceitos produtivos de teorias enunciativas. Letras de Hoje. Porto Alegre. v. 39, n. 4, p. 67-78, dez. 2004. BENVENISTE, E. [1966] Problemas de lingüística geral I. 4. ed. Campinas: Pontes, 1995. ______. [1974] Problemas de lingüística geral II. 4. ed. Campinas: Pontes, 1989. CARIOCA. Produção musical Luiz Cláudio Ramos. Produção Executiva Vinícius França. Manaus: Biscoito Fino, 2006. 1 cd (36 min., aprox.). COSTA, N. B. da. As letras e a letra: o gênero canção na mídia literária. In: DIONISIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (orgs.). Gêneros textuais & ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. p. 10521. DASCAL, M. Interpretação e compreensão. 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Tem, geralmente, as seguintes partes: * Elementos pré-textuais: título, autoria e titulação, resumo (apresentação concisa de todos os pontos relevantes do trabalho: problema de pesquisa + pressuposto teórico + corpus de estudo e método + descrição + resultados. O espaço destinado ao resumo corresponde a um texto de 50 a 150 palavras) e palavras-chave; * Elementos textuais: introdução (questão de pesquisa, caracterização de um problema e justificativa; síntese do que será feito e do foco que será dado ao longo do texto); referencial teórico (revisão da literatura, o que já se escreveu sobre o tema e o que será utilizado/ levado em conta no artigo); corpus de estudo e método (se houver); observação/ descrição do que foi encontrado (se houver materiais e métodos); discussão e reflexão dos resultados (reflexão acerca do que se viu a partir da descrição do corpus: pondere, critique, sintetize, aponte prós e contras, faça implicações/ relações com o objetivo e a questão de pesquisa); conclusões (considerações finais com respostas para as questões colocadas na introdução) e referências que foram citadas. ARTIGOS DE PERIÓDICOS COMO surgiu o Origami? Mundo Estranho, São Paulo, v. 1, n. 9, p. 26-27, nov. 2002. GOULART, Tânia. O grande Rillo. Jornal NH, Novo Hamburgo, n. 9261, 5 ago. 2004. ABC do Gaúcho, p. 39. ARTIGOS DE PUBLICAÇÕES RELATIVAS A EVENTOS No todo: SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO INFANTIL DO VALE DOS SINOS E CAÍ, 20., 2002, Novo Hamburgo. Anais... Novo Hamburgo: IENH, 2003. Artigos dentro de anais: MEDEIROS, Paulo Fernando. A Dislexia infantil: práticas de aprendizado. In: SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO INFANTIL DO VALE DOS SINOS E CAÍ, 20., 2002, Novo Hamburgo. Anais... Novo Hamburgo: IENH, 2003. p. 35-39. Os trabalhos poderão ser enviados eletronicamente para o endereço [email protected]. No caso de conterem imagens, estas deverão ser submetidas em tamanho original, em arquivos separados (JPG), não inseridas no texto e com resolução mínima de 300 dpi. Deve ser indicado no decorrer do texto o local aproximado onde deve ser inserida a imagem, bem como o seu título e fonte. LIVROS A publicação dos artigos está sujeita à aprovação prévia do Conselho Editorial. Este poderá realizar ajustes/ revisões nos textos, se necessário. CAPÍTULOS DE LIVROS O texto original deverá conter no mínimo 10000 e no máximo 15000 caracteres na seguinte ordem: " título; " nome do/a autor/a, titulação e área de atuação; " resumo acompanhado de no mínimo três palavras-chave, separadas por ponto final; " texto completo do artigo, escrito em Arial 12 pt e com espaçamento 1,5; " referências (material efetivamente citado no texto)/ obras consultadas (utilizadas pelo autor, mas não citadas no texto). As citações no interior do texto devem obedecer à norma NBR 10520 da ABNT. As referências/ obras consultadas devem obedecer a norma NBR 6023 da ABNT, sendo listadas ao final do texto, em ordem alfabética, em 12 pt, com espaçamento 01 entre linhas, com 01 espaço em branco entre cada referência/ obra consultada. Próxima edição: Serão recebidos artigos até o dia 31 de maio de 2009. Instituição Evangélica de Novo Hamburgo Conselho Editorial da Revista Espaço Dialógico Rua Frederico Mentz, 526 - Bairro Hamburgo Velho CEP 93525-360 - Novo Hamburgo/ RS, Brasil e-mail: [email protected] RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 6. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1987. Caso seja uma obra com vários autores: MARTINS, Altair. Primeira experiência. In: KIEFER, Charles (Org.). O livro dos homens. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2000. p. 29-44. Caso seja um capítulo na obra de um único autor: RAMOS, Graciliano. Da saída do sertão. In: ______. Vidas secas. 6. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1987. cap. 5. DISSERTAÇÕES E TESES GEVEHR, Daniel Luciano. Fanáticos, violentos e ferozes liderados por Jacobina endiabrada: as representações anti-muckers em "O Ferrabraz" (1949-1960). São Leopoldo, 2003. aprox. 200p. Apresentada como dissertação de mestrado, Universidade do Vale do Sinos, 2003. SITES CAVALCANTE, Elisabete. Aprendendo a lidar com a frustração. [S.l.]: Somos Todos Um, [2004]. D i s p o n í v e l e m : <http://vidanova.terra.com.br/conteudo/conteu do.asp?id=3575>. Acesso em: 6 ago. 2004. EM dia com Alcides Maya. Jornal da Universidade, Porto Alegre, v. 6, n. 70, abr./ maio 2004. Disponível em: <http:ufrgs.br/jornal/maio2004/index.htm>. Acesso em: 6 ago. 2004. ARTIGOS 4 Um breve olhar sobre a importância das narrativas em casa e na escola 4 A autonomia de jovens aprendizes na aquisição de língua inglesa através de centros de auto-acesso 4 O estudo da organização universitária no âmbito da relação Universidade-Empresa 4 Os contos de fadas e o palco da vida 4 O brasil cabe em um sítio: um olhar sobre as representações das “entidades” nacionais nas versões literária e televisiva de Memórias de Emília, de Monteiro Lobato 4 A avaliação institucional: modalidades e significados 4 Heterogeneidade mostrada e constitutiva: o outro no e do discurso 4 Leitura em sala de aula: um ato enunciativo UNIDADE PINDORAMA UNIDADE OSWALDO CRUZ Educação Infantil (Níveis 2 ao 5), Ensino Fundamental 8 anos (3ª a 5ª série) e Ensino Fundamental 9 anos (1ª, 2ª e 3ª série) Espaço Brincar e Criar (Níveis 2 ao 5 - manhã) Educação Infantil (Níveis 2 ao 5), Ensino Fundamental 8 anos (3ª a 5ª série) e Ensino Fundamental 9 anos (1ª, 2ª e 3ª série) CURRÍCULO BILÍNGÜE - português/ inglês ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL e CURRÍCULO BILÍNGÜE - português/ inglês (51) 3594 8050 - [email protected] (51) 3594 8040 - [email protected] UNIDADE FUNDAÇÃO EVANGÉLICA Ensino Fundamental 8 anos (6ª a 8ª/ 9ª série) e Ensino Médio IENH IDIOMAS CENTRO DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL - CEP FACULDADE IENH Inglês, Alemão e Espanhol Curso Normal - Formação de Professores (noturno) Nível Técnico: Administração, Comércio Exterior, Informática, Logística, Marketing [email protected] (51) 3594 3022 - [email protected] Bacharelado em Administração Turmas a partir de 08 anos! [email protected] UNIDADE IGREJINHA CENTRO DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL - CEP Nível Técnico: Design de Móveis, Informática (51) 3545 6967 - [email protected] www.ienh.com.br Linhas de formação em Comércio Exterior ou Gestão de Varejo