pontifícia universidade católica de são paulo
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO-SP EDUCAÇÃO CONTINUADA-COGEAE CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM TEORIA PSICANALÍTICA MARIA NEUZA DE FARIA FERREIRA LIMA PROFA. DRA. INÊS ROSA BIANCA LOUREIRO TERAPIA SISTÊMICA E PSICANÁLISE - INTERLOCUÇÕES CLÍNICAS – SÃO PAULO 2012 MARIA NEUZA DE FARIA FERREIRA LIMA TERAPIA SISTÊMICA E PSICANÁLISE - INTERLOCUÇÕES CLÍNICAS – Monografia apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-SP. Como requisito parcial à obtenção do título de especialista em Teoria Psicanalítica Orientadora: Profa. Dra. Inês Rosa Bianca Loureiro SÃO PAULO 2012 Agradecimentos Ao Roberto, Pedro e André, cada um, a seu modo, contribuiu para a realização desse projeto. À minha terapeuta, Vânia Yazbek, por ter agüentado minhas inseguranças e ambigüidades. À minha orientadora Inês Loureiro, pela sua disponibilidade, objetividade e competência. À Neusa Nogueira, vizinha e parceira de caminhada, pelo empréstimo dos preciosos volumes das Obras Completas. Ao grupo de estudos CONECTAR www.grupoconectar.com.br, pela força afetiva, pela leitura atenta e cuidadosa dos meus trabalhos e pela possibilidade de articulação teórico clínica. Aos meus pacientes, que me instigam a fazer perguntas. SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ................................................................................................................ 5 I. TEORIA SISTÊMICA ....................................................................................................... 9 1. Contexto histórico-cultural ................................................................................................ 9 2. Conceitos sistêmicos Básicos .......................................................................................... 12 3. A Cibernética e a Mudança ............................................................................................. 14 3.1. Cibernética de Primeira Ordem ................................................................................ 14 3.2. Cibernética de Segunda Ordem ................................................................................ 15 II. A PRÁTICA CLÍNICA ................................................................................................. 16 1. As Práticas Sistêmicas ..................................................................................................... 16 2. O Construcionismo Social ............................................................................................... 20 2.1. O Lugar do Terapeuta ............................................................................................... 23 2.1.1. A co-construção de narrativas ........................................................................... 23 2.1.2. A disponibilidade da escuta ............................................................................... 23 2.1.3. A mudança em processo .................................................................................... 24 III. UMA VISÃO GERAL DO INCONSCIENTE EM FREUD ........................................ 26 IV. O INCONSCIENTE NA PRIMEIRA TÓPICA – UMA LEITURA DO ARTIGO O INCONSCIENTE (1915) .................................................................................................... 29 1. O caráter Topográfico, Dinâmico e Econômico .............................................................. 31 2. Idéias e Afetos ................................................................................................................. 33 3. Comunicação em Rede .................................................................................................... 35 V. O INCONSCIENTE NA SEGUNDA TÓPICA – UMA LEITURA DA CONFERÊNCIA XXXI (1932)........................................................................................... 38 1. O Superego e o Consciente – O Reprimido e o Inconsciente: não são coincidentes ..... 41 2. Comunicação em Rede ................................................................................................... 42 VI. A NOÇÃO DE INCONSCIENTE COMO GOLPE NARCÍSICO ............................... 45 VII. O DESCENTRAMENTO E A CONTINGÊNCIA DO SUJEITO – UM PONTO DE VISTA PRAGMÁTICO ...................................................................................................... 48 VIII. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 53 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................. 57 5 APRESENTAÇÃO Existem várias maneiras de abordar a psicanálise. Não há uma forma correta, neutra ou fiel e é exatamente isso que a faz tão rica e fecunda. Da minha parte, a pretensão nessa pesquisa é propor diálogos que enriqueçam a minha formação teórica e clínica ao aproximá-la da terapia sistêmica no viés construcionista social - linha teórica com a qual trabalho -, por acreditar na grande contribuição da psicanálise freudiana para essa abordagem. A teoria sistêmica, como veremos explicitada no capítulo inicial, me tem sido de grande valia, pois lança luzes sobre o sistema em que emergem os conflitos e suas relações. Para isso convido o leitor para revisitar alguns momentos importantes de sua história e as interfaces com as múltiplas áreas do conhecimento. E ainda, como esse conhecimento teórico se transformou em uma prática clínica. No segundo capítulo, sobre a prática clínica, me detenho especificamente sobre a terapia sistêmica que contempla casal, família e grupos e faço um breve passeio sobre as abordagens que considero mais importantes para o entendimento de sua história, bem como sua relação com o paradigma sistêmico e cibernético. Considero importante o ítem que discorre sobre o construcionismo social, por ser o viés escolhido para fazer a interlocução com a psicanálise, porque traz à cena o foco na linguagem. ... “não a descritiva, representacional, mas a linguagem compreendida como Jogos (Wittgenstein), ação entre pessoas, constitutiva, criadora de mundos” (Lima, 2008, p. 69), que nos enlaça com o pragmatismo linguístico. Enfim, o construcionismo social nos remete para o entendimento de como construímos versões sobre nós, sobre os outros e sobre o mundo, ao participarmos dos múltiplos contextos relacionais. No caso desse trabalho, a ênfase é no contexto terapêutico. 6 Algumas inquietações e perguntas emergiram a partir da experiência clínica. Nesse caminho nutri grande interesse pela psicanálise, notadamente para as questões que dizem respeito à palavra que escapa, uma ação em suspenso. Como no caso de Anna O, paciente de Breuer, quando ela vê uma cobra entrando no quarto do pai doente, do qual ela cuidava. Ela arma um grito de horror, mas se contém para não acordá-lo. Nesse momento a cena fica congelada produzindo efeitos e implicações importantes para a sua vida. Ou ainda nos relatos que ouvimos no cotidiano: “na hora eu fiquei paralisado, agora, revivendo a cena, eu consigo lembrar e dizer o que aconteceu.” Como diz Bezerra, (1994) “... a experiência daquilo que escapa ou resiste a essa operação organizadora de sentidos – o inefável, o indizível, o extralingüístico, o real – só pode ser reconhecida e de alguma maneira vivida por meio ou em função dessas demarcações e descrições que só a linguagem possibilita”. (p. 148). Enfim, afetos aflitivos vinculados a experiências traumáticas que permanecem suspensos como se não coubessem na palavra. E de repente por algum motivo são acionados, revive-se a cena, nomeia-se o afeto. Este tipo de evento nos remete à noção de inconsciente. O grande desafio desse trabalho é tentar acompanhar Freud em seu percurso para a formulação desse conceito, o inconsciente, bem como seus mecanismos de funcionamento, para levantar possibilidades de diálogos com a teoria sistêmica nesse viés específico do construcionismo social, pela via da linguagem. Dada a extensão e complexidade da obra de Freud, tive que fazer algumas escolhas, recortes que mostrassem suas elaborações sobre essa noção em diferentes momentos de seu percurso teórico. Para uma visão geral sobre o conceito (capítulo III), recorri aos dicionários de Lapanche e Pontalis (1979) e de Roudinesco e Plon (1997), que nos dão uma noção 7 histórica e panorâmica sobre o inconsciente, de modo a traçar uma introdução sobre o conceito. Achei importante seguir esse caminho pontuando os dois grandes marcos que considero importantes na elaboração da teoria do aparelho psíquico - a primeira e a segunda tópicas. Escolhi um texto específico representativo de cada tópica buscando identificar como Freud então entendia a noção de inconsciente e que perguntas o mobilizavam nesse momento. Para a primeira tópica (capítulo IV), o texto escolhido foi “O Inconsciente” (1915). Sabemos que Freud vinha se ocupando do tema desde os anos 1890 e que em 1900, com a Interpretação dos sonhos, concebera o sonho como via real para o inconsciente, formulando publicamente a primeira tópica no célebre sétimo capítulo desta obra. Mas somente em 1915 vai tentar sistematizar suas reflexões sobre esse conceito. Para uma apresentação do conceito tal como entendido no âmbito da segunda tópica (capítulo V), escolhi a Conferência XXXI. “A dissecção da personalidade psíquica” (1932). Em um momento de grande sistematização, Freud escolhe uma maneira mais direta e clara, uma conferência, para apresentar sua concepção do aparelho psíquico proposta quase dez anos antes, em O ego e o id (1923). Usando uma linguagem coloquial, ao longo da exposição levanta perguntas que o inquietam e convida o ouvinte a se posicionar. No capítulo VI, abordo brevemente o significado do conceito de inconsciente, considerado por Freud como um dos golpes narcísicos na humanidade. Tomei como base o texto “Uma dificuldade no caminho da psicanálise” (1917), no qual se identifica aquilo que autores pragmáticos consideram ser importante na concepção de sujeito em Freud e que possibilita a articulação entre o pragmatismo e psicanálise, - a contingência e o descentramento. 8 Esse é o elo que vai me conduzir, no capítulo final, a uma breve tentativa de articulação com algumas idéias de neo pragmatistas, como Donald Davidson e Richard Rorty. A partir desse viés freudiano da contingência e do descentramento, tais autores descrevem o sujeito como “uma rede de crenças e desejos”, destacando que quando dizemos que o sujeito se comporta irracionalmente, significa dizer que “às vezes exibe um comportamento que não pode ser explicado por referência a um único conjunto de crenças e desejos.” (Rorty, 1999, p.197). Recorro também a psicanalistas como Benilton Bezerra, Jurandir Freire Costa e Lúcio Marzagão que fizeram uma leitura da psicanálise nessa visão pragmática, incluindo a clinica nessa discussão. 9 I. TEORIA SISTÊMICA 1. Contexto histórico-cultural A teoria sistêmica nasce da conjugação de pensamentos plurais e interdisciplinares que vão configurando um corpo teórico e construindo uma história rica em mudanças e transformações. Para entender um pouco desse processo, vamos traçar algumas pinceladas de história tentando acompanhar teóricos que, a meu ver, lançaram luzes para a compreensão desse pensamento. A partir do século XVI e XVII, a noção do universo orgânico, vivo e espiritual, foi substituída pela noção do mundo como máquina, provocando mudanças e realizações na física e na astronomia. Copérnico descobriu que a terra não era o centro do mundo, era apenas um pequeno planeta que circundava uma secundária estrela da galáxia, tirando o homem da centralidade do universo. Galileu Galilei descreveu matematicamente a natureza, dentro de uma abordagem empírica, dando ênfase às formas, quantidades e movimento, ou seja, ao que podia ser medido e quantificado, em detrimento dos sentimentos e da subjetividade, o que caracterizou a chamada idade da revolução científica. Francis Bacon, na Inglaterra, desenvolvia também o método empírico, acrescentando a questão do controle e do domínio da natureza. Essa deveria ser “acossada em seus descaminhos, obrigada a servir e escravizada.” (Capra, 1996, p.51). Descartes, por sua vez, acreditava em um método que lhe permitisse construir uma ciência que lhe desse a certeza absoluta, baseada na matemática e em princípios que 10 dispensassem a demonstração. Para ele, o universo era uma máquina regida por leis mecânicas e tudo podia ser explicado em função da organização e do movimento de suas partes. Esse seu método dedutivo que consiste em decompor o todo em partes e dispô-las em ordem lógica, levou à fragmentação do pensamento científico, acreditando que fenômenos possam ser compreendidos se reduzidos às partes que o compõem. O método cartesiano provocou muitas discussões e críticas nas ciências humanas e posteriormente na física quântica, em relação à divisão do sujeito (mente/corpo), e na valorização de uma sobre a outra. Essa divisão acompanhou a humanidade durante mais de três séculos e ainda hoje sofremos sua influência. Newton continuou a obra de Descartes, ao criar um método novo para descrever o movimento dos corpos sólidos – força da gravidade – a mesma força que atraía a maçã para o chão, atraía os planetas para o sol. Essa visão mecanicista está associada ao mecanicismo causal e é submetida a um criador supremo. Um dos seus grandes feitos foi fazer uma combinação apropriada do método empírico, indutivo de Bacon e do método racional, dedutivo de Descartes, concluindo que tanto um, como o outro, não conduziam a uma teoria confiável. Uma das grandes descobertas do século XIX foi referente aos fenômenos elétricos e magnéticos, ou seja, a substituição do conceito de força pelo conceito de campo de força, mostrando que os campos têm sua própria realidade, independente dos corpos materiais. Essa teoria culminou com a descoberta de que a luz é um campo magnético alternante e viaja através do espaço em forma de ondas. Essa nova tendência do pensamento teve a grande contribuição de Einstein que introduziu a idéia de mudança, crescimento e desenvolvimento, fazendo um contraponto à imagem de máquina newtoniana ao conceber o universo como sistema em evolução. Já no final do século XIX, Maxwell com a eletrodinâmica e Darwin com a teoria da evolução, comprovaram que o mecanicismo causal de sistemas fechados, submetidos a um 11 criador supremo havia sido superado. Outras descobertas no campo da física - teoria da relatividade e teoria quântica mostraram que o universo era bem mais complexo do que se imaginava. Resolvi fazer esse recuo histórico, porque não só a teoria sistêmica teve aí sua influência, mas também Freud, que esteve imerso no contexto do final do século XIX até as três décadas seguintes do século XX. A partir dessa perspectiva histórica, podemos levantar alguns indícios a respeito do entendimento de alguns teóricos, sobre a opção de Freud pelo mecanicismo e não pela metafísica; sua concepção de energia psíquica e seu desejo de que a psicanálise se transformasse numa ciência natural, como veremos nesse trabalho. Nos anos 30 do século XX, o biólogo austríaco Ludwig Von Bertalanff introduz a Teoria Geral dos Sistemas, cuja concepção é o funcionamento correspondente a todos os sistemas (isoformismo). Propõe também a idéia de “sistemas abertos” os quais se alimentam do fluxo da matéria e energia extraído do seu meio, renovando-se. Assim, o universo caminha não para o caos (da ordem para a desordem), mas para uma constante mudança e transformação. Nos anos 40, as idéias de Norbert Wiener, um dos fundadores da teoria quântica, vieram ampliar esse panorama com o pensamento Cibernético. Sua contribuição ao campo das ciências sociais é inegável. A Cibernética ocupa-se dos processos de comunicação e controle de ambos os sistemas: organismos, sistemas sociais, ecossistemas e tece uma trama heurística de saberes e fazeres. “O mundo aparece assim como um complicado tecido de eventos, no qual conexões de diferentes tipos se alternam se sobrepõem ou se combinam e, por meio disso, determinam a textura do todo”. (Capra, 1996, p. 41/42.) Essa revolução conceitual influenciou a escola de Psicologia Gestalt, representada pelos psicólogos Max Wertheimer e Wolgang Köhler, que “reconheceram a existência de totalidades irredutíveis como o aspecto chave da percepção. Os organismos vivos, afirmaram eles, percebem coisas não em termos de elementos isolados, mas como padrões 12 perceptuais integrados - totalidades significativamente organizadas que exibem qualidades que estão ausentes em suas partes.” (Capra, 1996 p. 42). Essa multiplicidade de trocas interdisciplinares entre as várias áreas do conhecimento no decorrer da história deram origem às raízes teóricas que orientaram a prática sistêmica, da qual trataremos no próximo capítulo. 2. Conceitos Sistêmicos Básicos - Globalidade O sistema comporta-se como um todo coeso. Uma mudança em uma das suas partes, provoca mudanças em todas as outras, e assim, no sistema como um todo. - Não somatividade Um sistema deve ser considerado como um todo na sua complexidade e organização. Ou seja, o todo é mais que a soma de suas partes. - Homeostase É o processo de auto-regulação para manter a estabilidade do sistema. Protege-o das mudanças que ameaçam sua organização. - Morfogênese É uma característica dos sistemas abertos de absorverem inputs do meio e possibilitar a mudança na sua organização. Opõe-se à homeostase. - Circularidade Os componentes do sistema interagem de uma forma circular, diferentemente da lógica da causalidade linear. - Retroalimentação ou feedback É uma característica do funcionamento circular. Os mecanismos de feedback garantem a circulação de informação entre os componentes do sistema. Os feedbacks negativos 13 funcionam para manter a homeostase e os feedbacks positivos, para possibilitar a mudança sistêmica ou morfogênese. Gregory Bateson (antropólogo) considera o pensamento sistêmico-cibernético um acontecimento de grande importância no século XX, sendo a porta de entrada para a aplicação da teoria da comunicação nas relações interpessoais em conexões, em redes. A contribuição desse autor foi fundamental para a consolidação da teoria sistêmica na prática clínica. Para entender melhor, vamos acompanhar um pouco sua trajetória. Em 1942, nos Estados Unidos, ele se junta a um grupo de Harvard (físicos, matemáticos, engenheiros, neurólogos, psicólogos e antropólogos) e se debruça sobre o tema da comunicação e dos mecanismos de causalidade circular, assentando as bases do enfoque interacional nos anos 50. Esse movimento foi organizado pela Fundação Macy. Essa fundação organizou uma série de conferências, num total de 10 edições, começando em 1942, sendo a última em 1953. Durante todo o período o tema da Cibernética mobilizou o grupo, que acreditava participar de um momento histórico, contribuindo para um novo marco conceitual sobre as ciências da vida. 14 3. A Cibernética e a mudança A cibernética trouxe para o campo das ciências humanas uma mudança significativa. Da matéria e da energia para a informação e a organização. Portanto, nos sistemas humanos e naturais a comunicação e a inter-relação, são o foco dessa nova perspectiva epistemológica. Para efeito de estudo, a cibernética pode ser dividida em dois grandes momentos. Cibernética de Primeira Ordem, que se dividiu em: primeira cibernética e segunda cibernética e Cibernética de Segunda Ordem. 3.1. Cibernética de Primeira Ordem O primeiro momento que se denominou Cibernética de Primeira Ordem, mais tarde passou a chamar primeira cibernética. Caracteriza-se pela ênfase nas noções de regulação e controle, através da homeostase. As mudanças acontecem para a correção dos desvios visando à estabilidade e a manutenção de uma meta. Atentos à informação de qualquer perigo à vista, o sistema aciona a retroalimentação negativa para manter o padrão de organização do sistema, evitando o caos. Na segunda cibernética, (o segundo momento da Cibernética de Primeira Ordem), ressalta-se que os sistemas necessitam não somente de manter a estabilidade, mas desenvolver a capacidade de mudar sua estrutura básica para adaptar-se às mudanças do meio. Nesse caso, a retroalimentação é positiva, a informação serve para a inclusão da novidade e provoca uma mudança qualitativa possibilitando a evolução do sistema. Em ambos os momentos da Primeira Cibernética, o sistema pode ser operado de fora, ou seja, há uma independência entre o observador e o observado. 15 3.2. Cibernética de Segunda Ordem Surge com o envolvimento de várias áreas de conhecimento (tais como: antropologia, neurofisiologia, sociologia, psiquiatria) que passam a se debruçar sobre essa nova epistemologia e propõem a aplicabilidade destas teses nos sistemas humanos e sociais. Surgem, no entanto, algumas questões. Os sistemas humanos e sociais, diferentemente de máquinas, são regidos pelas próprias leis, ou seja, são autônomos e tem sua própria organização. Portanto, há que se considerar a imprevisibilidade, a incerteza, a instabilidade. A física quântica, nesse momento, deu uma grande contribuição ao introduzir o tema da incerteza, afirmando a não possibilidade de falar de uma realidade objetiva, livre da influência de quem observa. Ou seja, o observador faz parte do sistema observado e imprime a sua singularidade, suas crenças; enfim, atua. Diz Zukav: “De acordo com a mecânica quântica não existe objetividade. Não podemos eliminar a nós mesmos da cena. Somos parte da natureza e quando a estudamos não se trata de outra coisa que a natureza estudando a si mesma. A Física chegou a ser um ramo da Psicologia, ou talvez o contrário” (apud Feixas & Villegas, 1993, p.36) Outra contribuição para o campo da cibernética foi na área da neurobiologia com Maturana & Varela (1987) ao definirem os sistemas vivos como autopoiéticos, o que quer dizer que eles têm a característica de criarem a si mesmos. Afirmam que o seu operar é autônomo e a mudança depende de sua constituição estrutural. O que eles chamam de determinismo estrutural, ou seja, o ambiente apenas mobiliza, instiga, provoca. A resposta depende de sua organização e estrutura. Esses autores dão um grande destaque à linguagem na constituição do humano, trazendo a dimensão da reflexão e da consciência; “a linguagem permite a quem opera nela descrever-se a si mesmo e às suas circunstâncias” (A árvore do conhecimento, p. 233) a 16 partir de redes de interações lingüísticas nas quais estamos mergulhados e que nos torna o que somos. Essa nova perspectiva da Cibernética de Segunda Ordem se define como construtivista. Segundo Grandesso (2000), diferentemente do Construcionismo Social que dá ênfase às relações como locus da construção do mundo, o Construtivismo privilegia os processos individuais como resultado da reflexão e da abstração a partir dos processos sociais. (cf. Grandesso, 2000, p. 56-104). Todo esse movimento influenciou as práticas sistêmicas, entre elas a Terapia Familiar, que foi se constituindo em vários modelos. Alguns estudiosos, entre eles Esteves de Vasconcelos (1995), consideram que as práticas da terapia familiar são sistêmicas e sua epistemologia, cibernética. II. A PRÁTICA CLÍNICA 1. As Práticas Sistêmicas O trabalho clínico a partir dos anos 40 tinha como referência a teoria psicanalítica, cuja prática definia-se numa relação entre o analista e o paciente. O que interessava era a história individual, a busca de conteúdos reprimidos, localizados no inconsciente, portanto, no seu aparato psíquico. A escuta era no sentido de resgatar a história passada em busca de indícios que pudessem esclarecer os sintomas. O foco era o sujeito e seu psiquismo, num jogo de forças que, como na física, era identificado como conservação e transformação de energia. O pensamento Sistêmico, portanto, surge como uma mudança paradigmática na prática clínica, propondo uma mudança de foco: do indivíduo para o contexto, do intrapsíquico para o inter-relacional. 17 Também alguns desdobramentos da própria psicanálise, representados pela escola inglesa e americana, se voltam para as relações de objeto e participam desse movimento em direção à intersubjetividade. Na estrutura desse pensamento, as forças e mecanismos do sistema (família, grupo, empresa, etc.) interagem, de forma circular, através da informação, dando origem a processos dinâmicos e contínuos que se retro-alimentam, para garantir a homeostase. O mecanismo regulador que permite manter o equilíbrio é acionado quando o grupo sente-se ameaçado. Nessa perspectiva o sintoma é uma forma de não mudança, a serviço do sistema, mantendo-o de forma integrada e interdependente. O problema de um dos membros, o paciente identificado, o porta voz da disfunção, é visto dentro do contexto. Quando este melhora, o sintoma muda e outro membro assume o lugar. O terapeuta dedica-se a entender os padrões relacionais da família, para que está servindo o sintoma, e propõe estratégias de ação para que a família possa refletir sobre sua história, libertando-se da necessidade dessa estratégia. Esses pressupostos da cibernética de primeira Ordem se situam dentro do modelo da modernidade. E as bases epistemológicas das várias escolas transitam em diferentes abordagens, às vezes complementares, outras vezes discordantes, mas com a característica da pluralidade e interdisciplinaridade. Cada escola de terapia sistêmica faz o seu próprio percurso, privilegia o arcabouço teórico que julga importante, dentro do universo sistêmico, produzindo um repertório teórico-clínico com o objetivo de responder às demandas do contexto social, político e cultural do seu tempo. Nos anos 50, Bateson (antropólogo), Haley (comunicação), Virgínia Satir (assistente social) e Jackson (psiquiatra) nomeiam sua prática clínica de Comunicacional. O MRI (Mental Research Institute) de Palo Alto desenvolve a abordagem Interacional ou da Terapia estratégia breve. Minuchin, o modelo estrutural, Whitaker, o estratégico e, Selvini-Palazzoli, (psicanalista infantil) Prata, Cecchin e Boscolo (psiquiatras), o sistêmico de Milão. 18 No pós-guerra (anos 50 e 60) os problemas econômicos e sociais eclodiam nos Estados Unidos. O grupo de Bateson e MRI propõe aplicar a teoria sistêmica no tratamento com esquizofrênicos e suas famílias. Essa experiência foi importante para a formulação da teoria do duplo vínculo. Em 1956 publicam o artigo “Toward a Theory of Schizophenia”, explicitando as bases teóricas do duplo vínculo: que acontece na relação entre duas pessoas afetivamente ligadas; que um paradoxo é infringido por uma (geralmente a que tem mais poder) sobre a outra (vítima); que a experiência é repetida com frequência; e que a vítima encontra-se impossibilitada de dizer “não”, ou seja, escapar do paradoxo. O resultado dos trabalhos do grupo foi reconhecido pela comunidade, dando grande visibilidade à teoria sistêmica, o que contribuiu para sua chegada ao continente europeu. Em 1967, na Itália, profissionais da área da psiquiatria, entre eles Luigi Boscolo e Gianfranco Cecchin, juntam-se à psicanalista infantil de Milão, Mara Selvini Palazzoli, para desenvolverem um projeto de atendimento com orientação psicanalítica, às crianças com severos transtornos, juntamente com suas famílias. Porém, depararam com dificuldades de como incluir as famílias no tratamento. Em 1972, o grupo toma conhecimento das pesquisas e dos estudos sobre a terapia familiar nos Estados Unidos, bem como do projeto sobre comunicação no MRI (Mental Reserch Institute) em Palo Alto, Califórnia, coordenados por Gregory Bateson com a participação de Margaret Mead. O grupo de Milão se interessou muito pela possibilidade de sair da visão do indivíduo como depositário da patologia (chamada abordagem psicodinâmica) e considerar o contexto relacional, no caso a família, investigando os padrões de interação familiar que pudessem interferir nos problemas apresentados pelas crianças. O debate entre o modelo Familiar Sistêmico e o Psicanalítico produziu nesse momento uma divisão do grupo. 19 Em 1971, alguns seguiram trabalhando com a “estrutura sistêmica”, (como eles nomearam), e fundam o Centro per il Studio della Famiglia, em Milão e continuaram trabalhando como equipe durante a década de 70, promovendo encontros e intercâmbios com a equipe de Bateson e o MRI. Com o passar do tempo, surgiram diferenças teóricas e o grupo de Milão seguiu formulando suas próprias experiências, introduzindo, por exemplo, a prática de um terapeuta atrás do espelho unidirecional como elemento de terapia e o MRI para fins de pesquisa. Utilizava a metáfora do jogo para descobrir o padrão relacional adotado pela família na relação com o terapeuta. A partir dos escritos de Bateson essa perspectiva se amplia, e a equipe muda a visão da descoberta para a da construção. Ou seja, o que acontece no espaço terapêutico é algo construído no processo, o que deu lugar a outras narrativas trazidas pelo questionamento circular. Não existe algo a ser descoberto, mas algo co-construído pelo sistema, evidenciando as mudanças advindas na Cibernética de Segunda Ordem. Outro modelo, o Estrutural, cujo principal representante é Minuchin, dá grande importância ao sistema hierárquico familiar e o funcionamento dos subsistemas. Para um bom funcionamento as fronteiras deverão ser claras e bem definidas. O tratamento terapêutico propõe identificar disfunções e ajudar a família a se reestruturar. No modelo Estratégico, o que caracteriza o sistema familiar é a luta pelo poder. Os problemas, as patologias são vistas como disfunções. O terapeuta propõe intervenções para a mudança nos padrões relacionais, e utiliza a instrução paradoxal, ou seja, encoraja o comportamento sintomático, acreditando que o paradoxo levará a substituição do duplo vínculo para um vínculo terapêutico. Transitando na Cibernética de Primeira Ordem, com alguns clarões de mudanças, como no caso da equipe de Milão, o papel do terapeuta ainda continua sendo o de observar, analisar, instruir, propor estratégias para que a mudança aconteça. Nesse sentido, o observador está fora, não faz parte do sistema. 20 Esse panorama adquire uma consistência maior de mudança quando Bateson, baseando-se em suas pesquisas conclui que o observador faz parte do próprio sistema observado. Daí, o reconhecimento do terapeuta como integrante do sistema e a inclusão de si mesmo nas observações e nas intervenções que faz. O foco agora não é o sintoma, mas as relações. A homeostase é positiva, a retroalimentação é evolutiva (Prigogine 1979). Quer dizer, a cada situação surgem novos pontos de instabilidade que geram novas configurações e assim sucessivamente, num movimento complexo e contínuo. A crise não representa um perigo, mas parte do processo de mudança. O terapeuta sai do lugar de quem promove a cura, para o lugar de quem coordena e constrói juntamente com o sistema novas narrativas, tornando possíveis as mudanças desejadas. O olhar do terapeuta para a disfunção ou a instrução diretiva não tem mais lugar, uma vez que o conceito de problema passa pelos significados que o sistema constrói da sua realidade. Ou seja, os sistemas humanos compreendidos como sistemas lingüísticos, “geradores de linguagem e, simultaneamente, geradores de sentido.” (Anderson & Goolishian, 1998, p. 36). Essa é a grande novidade da Cibernética de Segunda Ordem, cujas práticas já acontecem no contexto da pós-modernidade, definindo as epistemologias construtivistas e construcionistas sociais. 2. O Construcionismo Social A minha proposta neste trabalho ao abordar o Construcionismo Social, é trazer o foco para a questão da linguagem. Recorro a alguns teóricos da hermenêutica e do pragmatismo lingüístico, base teórica na qual se fundamenta o construcionismo social, para ajudar na tarefa de articular linguagem e psicanálise, pontuando questões convergentes, divergentes, complementares e ampliadoras. 21 O Construcionismo Social não se coloca como um modelo teórico, com métodos e técnicas, mas como uma postura que privilegia a linguagem como ação constitutiva dos sujeitos em contextos relacionais. Postula que os significados são construídos nos processos que acontecem entre as pessoas, e não dentro delas; não existe uma essência no interior das coisas que as determina e as explica pronta para ser desvelada pela mente humana. Questiona, portanto, conceitos da língua como veículo para comunicar conteúdos, da mente como centro de conhecimento e da linguagem como mero transporte de conhecimento. “As pessoas vivem e compreendem seu viver por meio de realidades narrativas construídas socialmente que conferem sentido e organização à experiência” (Anderson e Goolishian, 1998, p. 36), diferentemente do paradigma cibernético que define as práticas sociais por meio do processamento e da troca de informações. As realidades são criadas pela linguagem, ou seja, a forma como descrevemos faz emergir realidades distintas. A partir de determinado noticiário, de determinado discurso político ou peça publicitária sobre um produto, construímos mundos distintos. Os signos de uma cultura compartilhados pela comunidade lingüística é que nos permitem compreender quem somos. O significado das palavras decorre dos relacionamentos, dos acordos, das negociações, implicados na construção das práticas sociais e das formas de vida. Segundo Wittgenstein (1961) as palavras adquirem significados por meio de jogos de linguagem que criamos e organizamos na relação com os outros. Daí o aforismo: “Não pergunte pelo significado, pergunte pelo uso”. Ou ainda nas palavras de Austin: “fazemos coisas com palavras”. (apud Ferreira e et all, 2008, p. 16 e 17). 22 Para David Levy (s/d) citando Ricouer, (p. 51), somos jogados constantemente no meio das coisas – e a primeira dessas coisas é sem dúvida a linguagem, na qual construímos quem somos. O ego cartesiano desencarnado e a-histórico não se sustenta. Como separar o sujeito do objeto, se o “eu que pensa” é o mesmo “eu que existe”? Somos obrigados a incluir o “eu que pensa” no fluxo da história em que vive, a via é pelo outro, pela alteridade. Se somos linguagem, “conhecer significa aqui compreender e, para compreender, é preciso interpretar. É por essa razão que Ricouer define o âmbito das questões levantadas pela identidade narrativa como uma hermenêutica do si-mesmo”. (ibid, p. 53). Ou seja, compreender é compreender-se diante do texto. Gadamer segue a linha hermenêutica de Ricouer, propondo que não existe um acesso ideal ao sentido do texto, ou seja, a interpretação é sempre uma possibilidade de apreensão, entre muitas, pois depende do que este provoca no leitor. A compreensão se dá no encontro entre nossas crenças historicamente construídas e o que nos é apresentado pela obra. Abrir-se para esse encontro é deixar-se transformar deixando o texto ganhar voz ao nos reconhecermos nele. A fala e a voz são o cerne do nosso tema, pois é na linguagem que nos constituimos como sujeitos, uma vez que é preciso trazer o que precisa ser compreendido e interpretado à fala, à linguagem. É nessa perspectiva hermenêutica que se colocam as terapias construcionistas sociais ou narrativas. “Dentro dessa nova concepção, o sistema terapêutico passa a ser definido por aqueles que estão envolvidos em conversação em torno de um problema. Esses sistemas não são determinados por uma estrutura ou papel social, mas por uma dinâmica relacional organizada em torno de significados compartilhados, nos quais residem os problemas pelos quais as pessoas buscam a terapia.” (Grandesso, p. 134). Nesse sentido, amplia-se a visão de sistema, para além das fronteiras da família, inserindo-a no contexto social onde a trama de significados se constrói. 23 2.1. O Lugar do Terapeuta 2.1.1. A co-construção de narrativas Fazer parte do sistema significa que o terapeuta seja co construtor das narrativas construídas no contexto terapêutico, participando ativamente do processo dialógico. Com isso queremos dizer que ele se inclui com todas as suas crenças teóricas, suas histórias de vida. “Reconhecer que faz parte do discurso do cliente e que esse discurso o afeta de alguma forma são ingredientes importantes que ajudarão o terapeuta a identificar de quem fala, de que fala, como fala e para que fala.” (Lima, 2008, p. 69). Ou seja, nos enlaces narrativos o terapeuta se inclui, ao falar do cliente. Identificar qual conteúdo foi mobilizado torna-se um recurso importante para a ação terapêutica. O encontro das histórias do cliente e do terapeuta pode ser ampliador, desde que o terapeuta cuide com ética e responsabilidade do lugar que lhe foi atribuído. Isso implica numa responsabilidade compartilhada, onde o terapeuta legitime o cliente como autor, e este aceite a autoria do seu processo; e engajados neste objetivo, construam relatos que validem a alteridade e a autonomia. 2.1.2. A disponibilidade da escuta Não sabemos nada a respeito do cliente, a não ser que ele nos diga. Isso nos coloca numa posição genuinamente curiosa e interessada pela história que ele tem a nos contar, abrindo possibilidades para a escuta do novo, do inesperado, do ainda não dito, validando as diversas versões das pessoas em conversação. Muito diferente de quando ouvimos alguém com uma hipótese diagnóstica pronta para que o relato trazido caiba dentro dela, o que a meu ver, compromete a escuta. Nosso pretenso saber não nos dá acesso “às verdades” do cliente. Nas palavras de Anderson (1997) “um terapeuta precisa arriscar a ser um aprendiz a cada novo cliente” (p. 135). (apud Rasera e Japur, 2007, p. 74). 24 Segundo Grandesso (2000) o cliente é o especialista no conteúdo se suas histórias ele é quem sabe de sua vida, suas dores, seus desejos, seus amores. O terapeuta é o especialista no processo, comprometendo-se em criar um contexto dialógico, engajando-se na conversação, facilitando o fluir das histórias do cliente na primeira pessoa. Ao ser convidado para ouvir o relato do paciente, o terapeuta participa do processo da compreensão e construção de sentido, tornando possível a reedição do mesmo, bem como a edição de outras histórias. 2.1.3. A mudança em processo Entendemos nossas vidas a partir das histórias que ouvimos e que contamos sobre nós. “Na melhor das hipóteses, não somos mais que co autores de uma narração em permanente mudança que se transforma em nosso si mesmo. E como co autores dessas narrações de identidade estivemos imersos desde sempre na história de nosso passado narrado e nos múltiplos contextos de nossas construções narrativas.” (Goolishian e Anderson, 1996, p. 193). Nossas histórias de problemas, insucessos, fracassos e perdas não moram em nossas mentes como marcas indeléveis e definitivas. São narrativas passíveis de serem re editadas e re criadas na busca de novas alternativas, de diferentes significados para situações vividas e imaginadas que possam ser geradoras de competências e agenciamentos. “O papel, a especialidade e a ênfase do terapeuta são desenvolver um espaço conversacional livre e facilitar um processo dialógico emergente no qual esta ‘novidade’ possa ocorrer. A ênfase não está em produzir mudança, mas em abrir espaços para a conversação. Nessa visão hermenêutica, a mudança em terapia é representada pela criação dialógica de novas narrativas. À medida que o diálogo evolui, a nova narrativa, as ‘histórias ainda não contadas’ são criadas mutuamente” (Anderson e Goolishian, 1998, p. 39). 25 Portanto, a mudança se dá no próprio momento interativo das pessoas em conversação. O êxito da terapia está na nova capacidade de ação narrativa que se desenvolve ao lidar com os impasses trazidos como problemas geradores de sofrimento. Na esteira desta corrente hermenêutica, juntaram-se os teóricos neopragmatistas¹ como Donald Davidson e Richard Rorty que realizaram uma leitura inovadora de Freud tendo como referência a linguagem, apresentando o sujeito como “uma rede de crenças e desejos”. Nessa perspectiva, o inconsciente aparece como um conjunto alternativo do qual o eu consciente não toma conhecimento, caracterizando um conflito psíquico. Davidson recuperou do inconsciente freudiano as noções do psiquismo dividido e causa mental. ____________________ 1 “é crucial a compreensão do que se chamou ‘virada lingüística’, ou seja, a proposição de um pragmatismo assentado não mais na noção de experiência, (como procediam os autores clássicos), mas na linguagem”. (Bezerra, 2008, p. 15). 26 III. UMA VISÃO GERAL DO INCONSCIENTE EM FREUD Esse conceito, segundo Roudinesco, foi empregado na língua inglesa pela primeira vez em 1751 significando inconsciência. No final do séc. XVII e início do séc. XVIII foi introduzido na Alemanha como “um reservatório de imagens mentais e uma fonte de paixões cujo conteúdo escapa à consciência” (p 375). Aparece na língua francesa em 1860 significando vida inconsciente. Na psicanálise, o inconsciente, como Freud teorizou, teve dois momentos importantes: a primeira tópica e a segunda tópica. Neste capítulo, minhas principais referências são os verbetes do dicionário de psicanálise de Elisabeth Roudinesco & Michel Plon (1998) e do vocabulário de Laplanche & Pontalis (1979), pois pretendo esboçar um breve panorama geral sobre o conceito. Segundo Roudinesco, o Inconsciente é definido por um lugar desconhecido pela consciência: “uma outra cena”. A idéia da “dissociação da consciência” aparece nos textos freudianos “Comunicação preliminar” (1893) e nos “Estudos sobre a histeria” (1895). Essa dissociação ou dupla consciência era de grande importância para o tratamento das histéricas, pois se entendia que elas atingiam a subconsciência ou automatismo mental através do hipnotismo ou da sugestão. Somente em 1896, numa carta a Fliess, Freud fala pela primeira vez sobre o aparelho psíquico, formulando as instâncias constitutivas da primeira tópica. Na primeira tópica o aparelho psíquico é constituído por três instâncias ou sistemas: o inconsciente, o pré-consciente e o consciente. Segundo Laplanche e Pontalis, Freud supôs a existência de grupos psíquicos separados e acreditava que era pela ação do recalcamento infantil que se operava a primeira clivagem entre o Inconsciente e o sistema Pré-consciente-Consciente. Chegou “a admitir o inconsciente como “um lugar psíquico” especial que deve ser concebido não 27 como uma segunda consciência, mas como um sistema que possui conteúdos, mecanismos e talvez uma energia específica”. (p. 307). Esses conteúdos inconscientes são os “representantes das pulsões” (as histórias, os roteiros, as fantasias em que a pulsão se fixa). Eles tentam voltar à consciência (retorno do recalcado) como realização de desejo. Buscam descarregar-se de seus investimentos pulsionais, mas são impedidos de chegar ao sistema pré-consciente-consciente, pois encontram pelo caminho a censura. Mecanismos do processo primário, como a condensação, o deslocamento e a figuração, são mobilizados nas formações de compromisso para apresentar esses conteúdos de forma distorcida/deformada através dos sonhos, lapsos e atos falhos. A energia psíquica é apresentada como investimento ou desinvestimento sobre as representações (inscrições da pulsão). Essa explicação freudiana a partir da perspectiva econômica procurou mostrar a coesão do sistema inconsciente enfatizando sua distinção em relação ao sistema pré-consciente. “A energia inconsciente aplicar-se-ia a representações por ela investidas ou desinvestidas, e a passagem de um elemento de um sistema para outro produzir-se-ia por desinvestimento por parte do primeiro e reinvestimento por parte do segundo.” (p. 308). O processo secundário é articulado pelo pré-consciente e caracteriza-se por ser mais estável e mais organizado. O riso, o humor, a comicidade por vezes faz irromper elementos do processo primário no processo secundário. A partir de 1920 a teoria do aparelho psíquico passa por uma nova reformulação teórica que se denominou de segunda tópica. As instâncias agora são: o id, o ego e o superego. (nomeação de Laplanche & Pontalis) ou: o isso, o eu e o supereu. (nomeação de Roudinesco & Plon).² ____________________ 2 Adotarei a terminologia de Laplanche & Pontalis. 28 Os limites entre as instâncias são menos rígidos. O inconsciente na sua forma substantiva (como sistema) perde a exclusividade. Nesse momento o termo inconsciente é usado na sua forma adjetiva, pois qualifica também as outras instâncias. Freud conclui que, além do id, inteiramente inconsciente, partes importantes do ego e do superego são também inconscientes, sendo impossível afirmar uma identidade entre ego e consciente de um lado, e de outro, recalcado e inconsciente. Segundo Laplanche e Pontalis, de um modo geral, as características do inconsciente na primeira tópica são atribuídas ao id na segunda. E ainda, os conceitos de pré-consciente e inconsciente agora não estão inter, mas intra sistemicamente colocados, visto que o ego e o superego são em parte pré-conscientes e em parte inconscientes. A teoria das pulsões também passa por mudanças significativas. O conflito neurótico, que na primeira tópica se dava pela oposição entre pulsões sexuais e pulsões do ego, na segunda tópica, as pulsões do ego são absorvidas na grande oposição pulsões de vida e pulsões de morte. O id torna-se a sede das pulsões de vida e pulsões de morte, constituindo-se em um conjunto de conteúdos inconscientes, reservatório primitivo e desorganizado, sede de paixões indomadas, enfim, um verdadeiro caos. “(...) somos vividos por forças desconhecidas e indomáveis.”³ Cabe ao ego a difícil tarefa de intervir nesse caos, dominar e transformar essa energia de forma sublimada encaminhando-a para os ideais da cultura. Essa nova fase de reformulação teórica caracteriza-se pelo caráter dinâmico e dialético entre as instâncias, pela importância e pela força das pulsões, lançando luzes sobre a complexidade do aparelho psíquico e das relações humanas. Ainda que de uma maneira muito geral, penso que esse primeiro panorama sobre o conceito, já mostra como Freud concebe um sujeito cindido e contingente, tendo que lidar com a pluralidade e diversidade de seus desejos muitas vezes conflituosos e incoerentes. ___________________________ 3 Citação de Laplanche e Pontalis da idéia desenvolvida por Groddeck. p.285 29 IV. O INCONSCIENTE NA PRIMEIRA TÓPICA – UMA LEITURA DO ARTIGO O INCONSCIENTE (1915) “Como devemos chegar a um conhecimento do inconsciente?”, pergunta Freud logo no início do texto “O inconsciente” (1915). Ele mesmo responde que só podemos conhecê-lo depois de sua tradução para algo consciente. E aponta o caminho... “A cada dia, o trabalho psicanalítico nos mostra que esse tipo de tradução é possível. A fim de que isso aconteça, a pessoa sob análise deve superar certas resistências – resistências como aquelas que, anteriormente, transformaram o material em questão em algo reprimido rejeitando-o do consciente.” E continua, “... tudo que é reprimido deve permanecer inconsciente; mas logo de início, declaremos que o reprimido não abrange tudo que é inconsciente. O alcance do inconsciente é mais amplo: o reprimido é apenas uma parte do inconsciente.” (p. 191) Esta observação é importante, na medida em que, como vimos no capítulo anterior, em 1923 Freud formula a noção de id, que abrange o reprimido mas não se reduz a ele. Prossegue afirmando que o processo de repressão/recalcamento tem a clara finalidade de evitar que se torne consciente a idéia que representa o instinto/pulsão e não sua destruição. Ela pode continuar produzindo efeitos e até mesmo chegar à consciência. Justifica o conceito inconsciente, apresentando provas de sua existência. Primeiramente, as lacunas, ou seja, aqueles atos psíquicos que só podem ser explicados pela pressuposição de outros atos sem qualquer prova da consciência, tanto em pessoas saudáveis ou como os sintomas psíquicos obsessivos nos doentes. Enfim, coisas que nos acontecem que não sabemos de onde, nem como, sem nenhuma explicação, numa clara alusão de que nem tudo que acontece na mente é conhecido pela consciência. E ainda, que a maior parte do conteúdo da consciência permanece em latência por grandes períodos, ou seja, psiquicamente inconsciente. Nós só temos consciência dos nossos próprios estados mentais. Inferimos que nossos semelhantes também tenham, por identificação. Isso é condição para a compreensão de nós mesmos, através dos outros, porém, continua sendo mera suposição e não uma certeza da nossa própria consciência. 30 Ao fazermos essa inferência a nós mesmos, e Freud nos alerta para esse procedimento, dizemos: “todos os atos e manifestações que noto em mim mesmo e que não sei como ligar ao resto de minha vida mental, devem ser julgados como se pertencessem a outrem” (p. 195), encaixando na cadeia de eventos mentais de outras pessoas o que nós recusamos em nós mesmos. Esse processo não leva à revelação do inconsciente, mas a suposição de uma segunda consciência que, no próprio eu do indivíduo, está unida à consciência que se conhece. Somos levados a acreditar que os diferentes processos mentais latentes inferidos são independentes mutuamente, sem nenhuma ligação. Como se houvesse um número ilimitado de estados de consciência desconhecidos por nós e desconhecidos entre si. O interessante é que esses processos latentes que se apresentam estranhos a nós, “vão diretamente de encontro aos atributos da consciência que nos são familiares” (p. 196). Isso nos leva a mudar a inferência a respeito de nós mesmos, constatando não a existência de uma segunda consciência, mas de “...atos psíquicos que carecem de consciência”.(ibid) A percepção dos processos mentais inconscientes por meio da consciência é semelhante à percepção do mundo externo por meio dos órgãos sensoriais. Acontece que carregamos resíduos e traços de nossos antepassados que se manifestam e se misturam e muitas vezes nos causam estranhamento. Kant já nos advertira de que “as nossas percepções estão subjetivamente condicionadas”. Freud se refere ao animismo primitivo “que nos fez ver cópias de nossa própria consciência em tudo o que nos cerca”. E nos alerta a “...não estabelecermos uma equivalência entre percepções adquiridas por meio da consciência e os processos mentais inconscientes que constituem seu objeto. Assim como o físico, o psíquico, na realidade, não é necessariamente o que nos parece ser”. (p. 197) 31 1. O caráter Topográfico, Dinâmico Econômico Freud relata as fases do ato psíquico como uma descoberta importante da psicanálise. A primeira fase do ato psíquico é inconsciente e pertence ao sistema Ics(4). Se conseguir passar pela censura, chega à segunda fase, ou seja, ao sistema Cs. Se não, fica reprimido e continua inconsciente. Ao transitar do sistema Ics para o sistema Cs supõe-se um registro novo da idéia, podendo também ser localizada numa nova localidade psíquica. Mas a qual registro inconsciente continua a existir? Freud introduz a hipótese de que uma idéia possa existir simultaneamente em dois lugares no psiquismo, transitando livremente sem perder o primeiro registro, se não estiver inibida pela censura. E exemplifica: não provoca nenhuma mudança, não remove a repressão e nem seus efeitos o fato de comunicar ao paciente uma idéia reprimida por ele. O que acontece agora é que o paciente tem a mesma idéia sob duas formas: a lembrança consciente pela fala do analista e a lembrança inconsciente na sua forma primitiva. Espera-se, pelo trabalho analítico, que a idéia consciente supere as resistências e faça a ligação com a lembrança inconsciente. Freud conclui que “Ouvir algo e experimentar algo são, em sua natureza psicológica, duas coisas bem diferentes, ainda que o conteúdo de ambas seja o mesmo” (p. 202). Fica claro, nesse sentido, o caráter topográfico e dinâmico ao conceber “dentro” de qual sistema ou “entre” que sistemas o ato psíquico acontece. Freud esclarece também que essa localização nada tem a ver com a posição anatômica da atividade mental, “embora essa atividade esteja vinculada ao cérebro como a nenhum outro órgão”. ________________ 4. Essas abreviaturas foram introduzidas por Freud em A interpretação dos sonhos (1900), Edição Standard Brasileira, Imago editora, 1972. 32 Ressalta que “todas as tentativas para, a partir disso, descobrir uma localização dos processos mentais, todos os esforços para conceber idéias armazenadas em células nervosas e excitações que percorrem as fibras nervosas, tem fracassado redondamente”. E continua, “Nossa topografia psíquica, no momento, nada tem a ver com anatomia; refere-se não a localidades anatômicas, mas a regiões do mecanismo mental, onde quer que estejam situadas no corpo”. (p. 200/201). Ou ainda, que nessa transição não se efetive um novo registro, mas uma modificação de seu estado, ou seja, uma alteração de seu investimento. “Quando um processo passa de uma idéia para outra, a primeira idéia conserva uma parte de sua catexia e apenas uma pequena parcela é submetida a deslocamento. Os deslocamentos e as condensações, tais como ocorrem no processo primário, são excluídos ou bastante restringidos. Essa circunstância levou Breuer a presumir a existência de dois estados diferentes de energia catexial na vida mental: um em que a energia se acha tonicamente ‘vinculada’ e outro no qual é livremente móvel e pressiona no sentido da descarga.” (p. 215/216). Esse constante dispêndio de energia entre os sistemas para manter a idéia reprimida e o acionamento dos mecanismos de fuga, proteção, descarga e formação de sintoma, caracteriza o caráter econômico dos fenômenos psíquicos. Ou seja, paga-se um preço alto para se mover razoavelmente nessa trama constitutiva. 33 2. Idéias e Afetos Podemos dizer que há Idéias conscientes e inconscientes, assim como, impulsos instintuais, emoções e sentimentos inconscientes? Um instinto nunca pode tornar-se objeto da consciência, somente a idéia que o representa, mesmo no inconsciente. Só podemos saber algo sobre ele, se ele se fixar a uma idéia ou se manifestar como um estado afetivo. “Não obstante, quando falamos de um impulso instintual inconsciente ou de um impulso instintual reprimido, a imprecisão da fraseologia é inofensiva. Podemos apenas referir-nos a um impulso instintual cuja representação ideacional é inconsciente, pois nada mais entra em consideração”. (p. 203). 5 O que acontece, às vezes, é a repressão do seu representante ideacional e a ligação a outra idéia mais suportável. Nesse caso o afeto nunca foi inconsciente, a idéia é que foi reprimida. Como conseqüência da repressão, Freud coloca três vicissitudes em relação ao afeto: “ou o afeto permanece, no todo ou em parte, como é; ou é transformado numa quota de afeto quantitativamente diferente, sobretudo em angústia; ou é suprimido, isto é, impedido de desenvolver”. (p. 204). O afeto que “sobra” de um recalque e que não se liga a outra idéia torna-se angústia. Esta é a primeira concepção freudiana da angustia.6 A finalidade da repressão é suprimir o desenvolvimento do afeto. Os afetos somente inibidos e restaurados são chamados inconscientes, e potencialmente impedidos de se desenvolver; é possível, no entanto, haver estruturas afetivas no sistema Ics. Que, como outras, se tornam conscientes. Diferentemente de idéias inconscientes que, após a repressão, continuam a existir como estruturas reais no sistema Ics. Isso porque “Idéias são ___________________________ 5 “Freud distingue bem dois elementos no representante psíquico da pulsão, a representação e o afecto, e indica que cada um deles conhece destino diferente: só o primeiro elemento (o representante ideativo) passa intacto para o sistema inconsciente. (“Dicionário Laplanche e Pontalis, Martins Fontes, 1988, p. 589). 6 Uma questão de tradução: a edição da Imago usa “ansiedade” ao invés de angústia; e “catexia” ao invés de investimento. 34 catexias – basicamente de traços de memória -, enquanto que os afetos e as emoções correspondem a processos de descarga, cujas manifestações finais são percebidas como sentimentos” (p. 204/205) É importante ressaltar também que a repressão pode inibir um impulso instintual impedindo sua transformação numa manifestação de afeto. Ela não só retém conteúdos da consciência, mas também cerceia a manifestação do afeto (como descarga motora). Freud afirma “que na repressão ocorre uma ruptura entre o afeto e a idéia à qual ele pertence” (p. 206). A mobilização do sistema Cs é importante na liberação do afeto à ação. Quando isso não ocorre e o afeto procede diretamente do sistema Ics, manifesta-se na forma de angústia, como correspondente dos afetos reprimidos. E o impulso instintual vai buscar uma idéia substitutiva no sistema Cs. Esse é o caso da fobia: a angústia se liga a uma representação consciente e “secundária”, como o cavalo no caso do pequeno Hans. Na histeria de angustia, numa primeira fase, podemos constatar que o sujeito não sabe o que teme. Ou seja, um impulso afetivo se encontra no inconsciente e exige acessar o sistema Pcs. Mas a catexia do sistema pretendido inibe o impulso e a idéia rejeitada é descarregada sob a forma de ansiedade. Numa eventual repetição há a tentativa de dominar a ansiedade, buscando uma idéia substitutiva que se liga à idéia rejeitada, escapando à censura. Esse mecanismo permite que a ansiedade seja racionalizada, passando a desempenhar uma anticatexia para o sistema Cs., protegendo-o contra a irrupção da idéia reprimida. O pequeno Hans, por exemplo, que apresenta uma fobia de animal. Em primeiro lugar, há a intensificação do impulso amoroso reprimido em relação ao pai (passagem do sistema Ics para o sistema Cs). E em segundo, quando percebe o animal que teme, o cavalo (uma fonte para a liberação da ansiedade, na medida em que fornece um objeto para a angústia). 35 No entanto, a repressão continua sua ação com a tarefa de inibir o desenvolvimento da ansiedade proveniente da representação (ou objeto) substituta. O contato com a realidade externa e sua ligação com a idéia substitutiva dá o sinal de alerta traduzida numa sensação de desprazer, causando a retirada do investimento. A finalidade é resguardar a idéia substitutiva, porém não consegue protegê-la da excitação instintual cujo elo é a idéia reprimida. Um desvio de rota é então armado e a idéia substitutiva assume a representação do reprimido cujas manifestações nas neuroses, encontram-se sob a forma de fobias. Ou seja, “A fuga de uma catexia consciente da idéia substitutiva se manifesta nas evitações, nas renúncias e nas proibições, por meio das quais reconhecemos a histeria de ansiedade.” (p. 211). Nas outras neuroses, pode-se destacar o papel desempenhado pelo contrainvestimento. Na histeria de conversão a inervação do sintoma irrompe quando a idéia reprimida é catexizada e deixa de exercer ou diminui a pressão sobre o sistema Cs., ao ser esvaziada por essa descarga. A descarga do sistema inconsciente passa à inervação somática que leva ao desenvolvimento do afeto. “A porção assim escolhida para ser um sintoma atende à condição de expressar a finalidade impregnada de desejo do impulso instintual” (p. 212) Quanto à neurose obsessiva, a anticatexia procedente do sistema Cs. se organiza como uma forma de reação, provocando uma primeira repressão, o que favorece a irrupção da idéia reprimida. A predominância da anticatexia e a ausência de descarga impedem o sucesso do trabalho de repressão na histeria de angústia e na neurose obsessiva, diferentemente da histeria de conversão. 3. Comunicação em rede No núcleo do sistema Ics. estão os representantes instintuais carregados de desejo7. Eles se comunicam entre si, não se contradizem, não havendo lugar para dúvidas, nem certezas, muito menos negação; pois essa incumbência cabe ao trabalho de uma primeira ___________________________ 7 O inconsciente é também constituído por formações mentais herdadas – algo análogo ao instinto, segundo Freud. (O.C. Vol XIV. Imago 1969 p. 223.) 36 censura que permeia o transitar entre o Ics. e o Pcs 8. No entanto, o Ics. e o Cs. Mantêm uma relação de cooperação, um influenciando e sendo influenciado pelo outro. No caso de uma aparente incompatibilidade entre eles, catexias são mobilizadas para que uma descarga aconteça. A mobilidade e a intensidade das catexias se fazem presentes nas ações do denominado processo primário que se dá pelo deslocamento, quando “uma idéia cede à outra sua quota de catexia” e na condensação, quando “apropria-se da catexia de outras idéias”. (p. 213) Uma segunda censura entre o Pcs. e o Cs. é reconhecida quando conteúdos inconscientes são rechaçados nessa fronteira ao tentarem ultrapassar a barreira da consciência. Isto leva Freud a admitir que tornar-se consciente não implica só no ato da percepção, sugerindo ser um avanço na organização psíquica, uma hipercatexia. “Nas raízes da atividade instintual, os sistemas se comunicam entre si mais extensivamente. Uma parcela dos processos que lá são excitados passa através do Ics., como que por uma etapa preparatória e atinge o desenvolvimento psíquico mais elevado no Cs.; outra parcela é retida como Ics. Mas o Ics. é também afetado por experiências oriundas da percepção externa. Normalmente todos os caminhos desde a percepção até o Ics. permanecem abertos e só os que partem do Ics. estão sujeitos ao bloqueio pela repressão.” (p. 222) Um fato incontestável, segundo Freud, e que ele reconhece não ter sido mais profundamente analisado, é que inconscientes de indivíduos podem se comunicar entre si sem passar pelo Cs. O conteúdo do Pcs. é constituído da vida instintual (via Ics.) e da percepção de eventos externos. Como isso influencia o Ics., é uma questão. Sabemos, no entanto, que ___________________________ 8 Freud se refere ao sistema mais elevado (provável referência a um artigo extraviado sobre consciência) às vezes como sistema Pcs., outras vezes como sistema Cs. (ibid p. 216) 37 casos patológicos revelam divergências e cisão - isto é, conflito - entre os sistemas Pcs. e Ics. Ao sistema Pcs. cabe a tarefa de promover a comunicação entre os diferentes conteúdos ideacionais para que se organizem e estabeleçam as possíveis censuras, bem como para que se situem no tempo e no contexto de realidade. As diferentes situações dos indivíduos ao longo de suas vidas, normais ou patológicas, determinarão os conteúdos, as ligações, as permutas e as negociações possíveis engendradas entre os sistemas. 38 V. O INCONSCIENTE NA SEGUNDA TÓPICA – UMA LEITURA DA CONFERÊNCIA XXXI (1932) Alguns anos se passaram, e Freud, na sua inquietante busca para entender os fenômenos humanos, elabora uma nova teoria a partir dos anos 1920, por considerar que a teoria existente não respondia a alguns dilemas e questões. Nesse momento ele passa a analisar os processos psíquicos normais e patológicos, incluindo novas hipóteses para o funcionamento do aparelho psíquico e das pulsões, sempre a partir de seu contato com os pacientes, na tentativa de responder aos desafios da experiência clínica. Escolhi como base para a apresentação dessa fase da teoria freudiana, o texto da conferência XXXI “A dissecção da personalidade psíquica” (1932). Doze anos após o início da nova formulação teórica, chamada de segunda tópica, ele faz uma conferência apresentando para o público seu percurso, não se esquivando de falar do quão difícil é nos defrontarmos com a complexidade das nossas ambivalências e contradições. Nessa modalidade de exposição teórica, a linguagem freudiana é bem coloquial, mas não menos complexa; propõe questões que ele parece antecipar por parte do interlocutor e convida o ouvinte para participar da sua linha de pensamento. Ele constrói um contexto para a escuta de um tema que, segundo ele, nos causa estranhamento, porque derivado do reprimido e seus representantes perante o ego. Ele está falando dos sintomas. E esses sintomas nos conduzem ao inconsciente, à vida instintual, à sexualidade. Vai tecendo durante todo o percurso da conferência as relações que se estabelecem entre as três instâncias psíquicas: o ego, o id e o superego, levando em conta o caráter tópico, dinâmico e econômico, que lhes dão vida e movimento. “Os seres humanos adoecem de um conflito entre as exigências da vida instintual e a resistência que se ergue dentro deles contra esta; e nem por um momento nos esquecemos dessa instância que resiste, rechaça, reprime, que consideramos aparelhada 39 com suas forças especiais, os instintos do ego...” (p. 35). Nessa relação entre forças reprimidas e forças repressoras, encontra-se o ego, surpreso e atônito, muitas vezes sem saber que caminho tomar. Enfim, estamos nos propondo a investigar o ego, mas, ele, em sua própria essência não é sujeito? Como pode ser transformado em objeto, pergunta Freud. Para concluir que o ego pode sim, ser dividido, tomar-se a si próprio como objeto, uma parte colocar-se contra a outra, observar-se, criticar-se, juntar-se novamente. Diferentemente do que acontece nas doenças mentais, nas quais onde aparece uma fissura, uma brecha, pode haver uma ruptura, tal como um cristal que se atirado no chão divide-se em pedaços segundo as linhas de clivagens determinadas em sua estrutura. Freud ressalta a importância desses pacientes que estão mais aptos para nos revelar eventos sobre nossa realidade interna psíquica. Experimentam delírios de estarem sendo observados, numa espécie de perseguição por estarem cometendo atos ilícitos, e por isso, sujeitos à punição. Como seria “se em cada um de nós estivesse presente no ego uma instância como essa que observa e ameaça punir”? (p. 36). A diferença é que nos doentes mentais essa instância se tornou separada do ego e deslocada para a realidade externa. A separação da instância observadora do restante do ego, com a função de observar, julgar e punir, é a consciência moral. Porém, no jogo ambivalente de forças instintuais, a consciência é somente uma de suas funções. Muitas vezes desejo fazer algo que me dá prazer, mas a consciência intervém com censuras que me faz sentir remorso e culpa. Essa instância existente no ego, cuja existência goza de certa autonomia, age segundo suas próprias intenções e é independente para obtenção de sua energia, merece “um nome que seja seu” (p. 36) – e Freud a chamou de superego. Na sua relação com o ego, o superego pode ser muito cruel. No caso da melancolia, por exemplo, por ocasião dos surtos melancólicos, quando o ego encontra-se numa situação de extrema fragilidade, o superego entra em ação imprimindo-lhe humilhações, recriminando-o por erros do passado; ameaça-o com castigos, numa clara evidência que “nosso sentimento moral de culpa é expressão da tensão entre o ego e o superego” (p.37). 40 Esta concepção da culpa como tensão entre essas duas instâncias foi largamente explorada por Freud nos capítulos finais de “O mal estar.da civilização (1930)”, dois anos antes da publicação desta conferência. De onde vem essa consciência moral imposta pelo superego? Sabemos que as crianças, nos seus primeiros anos de vida, são amorais e não têm inibições em relação aos impulsos prazerosos. Os pais, ao ensinarem os filhos os valores da cultura, assumem essa tarefa como uma responsabilidade, mas também como prova de amor: interditam a realização de atividades autoeróticas por meio de ameaças e castigos, levando as crianças a obedecê-los, não sem o terrível medo da perda desse amor. Essa ansiedade moral nos leva a internalizar a autoridade parental num processo de identificação9 que nos acompanhará pela vida adulta e que é provavelmente, segundo Freud, a primeira e importante forma de vinculação a uma outra pessoa. E que nossa consciência moral, que a parte mais “racional” e “civilizada” que temos em nós, é fruto de uma situação afetiva: o medo da perda do amor dos pais. O superego torna-se o legítimo herdeiro dessa instância parental, dessa vinculação afetiva na infância, se a tramitação do complexo de Édipo foi bem elaborada. Ao renunciar às catexias objetais depositadas em seus pais, os filhos se ligam a outros objetos, incluindo a escolha amorosa. Tais vínculos objetais se expandem para contextos sociais mais amplos como escola, igreja e grupos diversos. Algumas pessoas ou líderes são escolhidos como modelos ideais, na tentativa de cumprir exigências impostas do ideal do ego e garantir a imagem de admiração e perfeição do amor originário, aspecto amplamente trabalhado por Freud no texto de 1921, “Psicologia das massas e análise do ego”. Freud ressalta também a questão da transmissão entre gerações. Os pais, ao exercerem seu poder e autoridade, estão seguindo os ditames de seus próprios superegos, transmitindo os valores e tradições herdados de seus pais e antepassados, o que nos dá um ___________________________ (9) “...a ação de assemelhar um ego a outro ego, em conseqüência de que o primeiro ego se comporta como o segundo em determinados aspectos, imita-o e, em certo sentido, assimila-o dentro de si.” Conferência XXXI (1932) p.38 41 entendimento do comportamento social, ou seja, “a humanidade nunca vive inteiramente no presente. O passado, a tradição da raça e do povo, vive nas ideologias do superego e só lentamente cede às influências do presente, no sentido de mudanças novas; e, enquanto opera através do superego, desempenha um poderoso papel na vida do homem, independentemente de condições econômicas.” (p. 41) 1. O Superego e o Consciente – o Reprimido e o Inconsciente: não são coincidentes Sobre o consciente nós sabemos alguma coisa. Sobre o inconsciente somos obrigados a supor sua existência, embora não saibamos nada a seu respeito. Descritivamente, “denominamos inconsciente um processo psíquico cuja existência somos obrigados a supor – devido a algum motivo tal que o inferimos a partir de seus efeitos -, mas do qual nada sabemos”, tal qual ao processo de uma outra pessoa, ...“exceto que, de fato, se trata de um processo nosso, mesmo”. (p. 42) No caso de um lapso, inferimos que a intenção estava presente e não foi levada a cabo, sendo, portanto, inconsciente. Quando isso é revelado para a pessoa e ela reconhece a intenção como familiar, demonstra ser temporariamente inconsciente. Se, no entanto repele como algo desconhecido, permanece inconsciente. Freud emprega o termo inconsciente em duas acepções. Primeiramente, para designar algo que está apenas latente, que é transformada com facilidade em algo consciente, chamou de pré-consciente. A outra, na qual essa transformação só ocorrerá com um grande dispêndio de energia, podendo até não ocorrer, chamou de inconsciente. Introduz ainda uma terceira espécie, na qual processos inconscientes importantes ocorrem sem o conhecimento do ego no sentido dinâmico do processo, concluindo, portanto, que partes do ego e do superego são inconscientes. O Inconsciente perde o sentido sistemático que tinha na primeira tópica, deixa de ser um sistema exclusivo, e Freud vai denominar de id a região da mente cuja principal 42 característica é - “o fato de ser alheia ao ego” – identificando, nesse momento, o aparelho psíquico em “os três reinos, regiões, províncias” (p. 43): o superego, o ego e o id. Freud parece ter encontrado uma solução para o enigma do inconsciente, sente-se aliviado... “possibilita a remoção de uma complicação”. (p. 43) 2. Comunicação em Rede Esse novo “reino” do id nos é apresentado como um desconhecido. Por isso usamos de metáforas para facilitar o nosso entendimento: caos, caldeirão fervilhante. O que sabemos é que ele contempla a parte obscura, inacessível de nós mesmos, as necessidades instintuais mais primitivas. Busca satisfazê-las de forma desorganizada, sujeitando-se unicamente ao princípio do prazer, não possuindo ou se submetendo a nenhum julgamento de valor. A lógica não se aplica ao id; contradições são coexistentes não há lugar para negativa e algo muito importante: os processos mentais não têm um reconhecimento do passado, não sofrem alteração pelo tempo. Freud se preocupou com esse dado, diz ter feito pouco uso teórico disso e conclui: "Impulsos plenos de desejos, que jamais passaram além do id, e também impressões, que foram mergulhadas no id pelas repressões, são virtualmente imortais; depois de se passarem décadas, comportam-se como se tivessem ocorrido há pouco. Só podem ser reconhecidos como pertencentes ao passado, só podem perder sua importância e ser destituídos de sua catexia de energia, quando tomados conscientes pelo trabalho da análise.” (p. 44/45) O ego e o superego também possuem, em alguma medida, características primitivas e irracionais. O que diferencia o ego do id e do superego é sua relação com o sistema PréCs/Cs., que é o órgão sensorial, a parte voltada para o mundo externo através da qual se percebe a realidade externa, fazendo emergir a consciência. Acolhe não só as excitações provenientes de fora, mas também as do interior da mente. 43 Por ser o elo com o mundo externo, o ego tem a tarefa de representar suas exigências ao id, esforçando-se para atendê-lo. “A relação do ego para com o id poderia ser comparada com a de um cavaleiro para com seu cavalo. O cavalo provê a energia de locomoção, enquanto o cavaleiro tem o privilégio de decidir o objetivo e de guiar o movimento do poderoso animal. Mas muito frequentemente surge entre o ego e o id a situação, não propriamente ideal, de o cavaleiro só poder guiar o cavalo por onde este quer ir.” (p.46). O ego possui a importante tarefa de convocar o id para o teste de realidade, percebendo e controlando os instintos, visando relativizar o predomínio do princípio do prazer. O ego também tem como função sintetizar, combinar e organizar os processos mentais. “Para adotar um modo popular de falar, poderíamos dizer que o ego significa razão e bom senso, ao passo que o id significa as paixões indomadas”. (p.46) Por outro lado o ego é observado constantemente pelo superego, que cobra o cumprimento dos padrões e valores impostos; e caso essas cobranças não sejam atendidas, o superego pune o ego com um terrível sentimento de inferioridade e culpa. O ego pressionado pelo id está vulnerável à ansiedade neurótica; confinado pelo superego, está vulnerável à ansiedade moral; frustrado pela realidade está vulnerável à ansiedade realística. Transitar nesse universo não é uma tarefa fácil. Do ponto de vista dinâmico, o ego dá sinais de fraquezas ao tomar do id quantidades adicionais de energia, usando para isso métodos e subterfúgios, como, por exemplo, identificar-se com objetos reais ou abandonados, assumindo para si um grande número de precipitados 10. É importante admitir que muitas vezes se falha nessa empreitada. O grande desafio da análise é “fortalecer o ego, fazê-lo mais independente do superego, ampliar seu campo ___________________________ 10 Este conceito me parece interessante, na medida em que dá idéia de movimento, de que os investimentos objetais que o ego toma para si, parecem estar espreitando o momento propício para se apresentarem. 44 de percepção e expandir sua organização, de maneira a poder assenhorear-se de novas partes do id. Onde estava o id, ali estará o ego.” (p.48). 45 VI. A NOÇÃO DE INCONSCIENTE COMO GOLPE NARCÍSICO Cabe ao ego assenhorear-se da sua parte obscura, estranha e desconhecida, enfim, de sua contingência. Isso é um imperativo, não no sentido “conhece-te a ti mesmo”, mas como diz Rorty, (1999) para nos tornarmos familiarizados com “nossas idiossincrasias acidentais, os componentes irracionais em nós mesmos, que nos dividem em conjuntos incompatíveis de crenças e desejos” (p. 199). Isso nos remete ao artigo “Uma dificuldade no caminho da psicanálise”, publicado por Freud em 1917. 11 Não se trata de uma dificuldade intelectual, diz ele, mas afetiva. Ao deparar-se com algo desconhecido e estranho, o sujeito sente-se ameaçado e, resiste, defende-se, não se deixando afetar pelo estranhamento. O afeto é compreendido como intensidade pulsional que pode ser suprimida, deslocada ou transformada. No artigo acima citado, Freud retoma o tema do narcisismo (1914), ressaltando que, no início do desenvolvimento, toda a libido, toda a capacidade de amar, bem como as tendências eróticas, são dirigidas a si mesmo, ou seja, o investimento é no próprio ego. No processo do desenvolvimento, essa libido flui do ego para os objetos externos, podendo retornar ao ego novamente. “O ego é um grande reservatório, do qual flui a libido destinada aos objetos e para os quais regressa, vinda dos objetos. A libido objetal era inicialmente libido do ego e pode ser outra vez convertida em tal. Para a completa sanidade, é essencial que a libido não perca essa mobilidade plena.” (ibid, p.75) Quando a libido fica retida no ego, instala-se o narcisismo12, ou seja, o investimento no próprio eu. Porém, uma dose narcísica é importante para desenvolver a autoestima. É o que nos faz acreditar que somos capazes de grandes ou pequenos feitos, e até mesmo influenciar o curso dos acontecimentos, crença essa que mobiliza cientistas e anônimos ___________________________ 11 A presente tradução inglesa, com o título, “A Difficulty in the Path of Psycho-Analysis”, baseia-se na publicada em 1925. 12 Referência à lenda grega, em que Narciso apaixona-se pela própria imagem refletida. 46 desde a época dos povos primitivos. Porém, no decorrer da história, com a evolução das pesquisas científicas, o homem sofreu “três severos golpes”, diz Freud, que abalaram seu narcisismo, levando-o à reflexão sobre sua vulnerabilidade e contingência. O primeiro grande golpe foi o cosmológico. No início, o homem acreditou que a terra era o centro do universo e que todos os planetas giravam ao seu redor. Se a terra desempenhasse papel central e dominante do universo, ele, o homem poderia se considerar o senhor do mundo. Essa ilusão não durou muito. Acredita-se que já no século III a.C. havia afirmações de que a terra era menor que o sol e movia-se ao redor dele. Porém, o golpe fatal veio no século XVI, com Copérnico, quando essa descoberta se propagou. E o homem teve que reconhecer que não era o centro do cosmos. O segundo golpe, o biológico. No totemismo primitivo, o homem dava ao animal um lugar de prestígio atribuindo a si mesmo uma ascendência animal. Deuses eram representados por cabeças de animais e reverenciados. Esses resquícios aparecem nas histórias e contos infantis, sendo o animal muito familiar às crianças que lhes atribuem vozes e emoções humanas. No entanto, o homem foi construindo para si uma posição de dominação sobre o reino animal. A crença numa posição privilegiada pela ascendência divina leva o homem a romper os laços entre sua natureza e a do reino animal. Charles Darwin, na segunda metade do século XIX, pôs fim a mais essa pretensão humana. O homem, além de não ser superior nem diferente dos animais, deve a eles sua descendência. O terceiro golpe, “talvez seja o que mais fere”, comenta Freud, é o psicológico. Sentindo-se acuado frente à realidade externa, ameaçadora e hostil, o ego constrói para si um lugar de pretensa segurança dentro da própria mente. O que o leva a acreditar que sua percepção interna, a consciência, lhe dará notícias de tudo que ameaçar sua integridade e, consequentemente, impulsos e ações indesejáveis serão impiedosamente rechaçados. 47 No entanto, o funcionamento da mente é bem mais complexo. E o ego pode nutrir a ilusão de que fica sabendo de tudo; porém muitas vezes a informação que chega à consciência não é confiável. Freud vai descrevendo uma hierarquia de instâncias, um labirinto de impulsos, uma multiplicidade de instintos antagônicos e incompatíveis que se relacionam entre si e com o mundo externo, que nos remete à sua teoria do aparelho psíquico da segunda tópica, explicitada na década seguinte. Noções que, de alguma maneira, já estavam presentes nesse texto. Enfim, o que esse texto afirma é que “a vida dos nossos instintos sexuais não pode ser inteiramente domada” e “que os processos mentais são, em si, inconscientes, e só atingem o ego e se submetem ao seu controle por meio de percepções incompletas de pouca confiança”, (p. 78) jogando por terra a idéia do sujeito seguro de seus atos e senhor de seu destino. Isso equivale dizer, portanto, “que o ego não é senhor da sua própria casa.” (p. 78) 48 VII. O DESCENTRAMENTO E A CONTINGÊNCIA DO SUJEITO – UM PONTO DE VISTA PRAGMÁTICO Na visão de Rorty, Freud faz uma escolha teórica pelo mecanicismo e não pela metafísica, nem pelo platonismo herdeiro de Descartes que concebe a mente como a faculdade de apreender a realidade objetiva, independente da mediação da linguagem. O mecanicismo no sentido de que máquinas não possuem uma essência, uma natureza que precisa ser descoberta e que nos indica que caminho seguir; ao contrário, a máquina é um conjunto de peças interdependentes que se comunicam, se desgastam e precisam de reparos; assim como as nossas combinações biológicas, nossos mecanismos psíquicos que muitas vezes entram em colapso e precisam de tratamento. Nesse sentido os fundamentos da terapia sistêmica se aproximam da noção freudiana de funcionamento do sujeito em conflito, cindido, descentrado. Porém, Freud parece operar já na cibernética de segunda ordem, quando os sistemas humanos, regidos por leis próprias de instabilidade e imprevisibilidade, já não se submetem à regulação e ao controle postulados pela primeira cibernética. Como diz Rorty, “Transformando as partes platônicas da alma em parceiros conversacionais umas para as outras, Freud fez pela variedade de interpretações do passado de cada pessoa o que a abordagem baconiana da ciência e da filosofia fez pela variedade de descrições do universo como um todo. Ele nos fez ver narrativas alternativas e vocabulários alternativos como instrumentos de mudança, ao invés de como candidatos para o retratar correto de como as coisas são em si mesmas” (1999, p. 202). A grande novidade que Freud traz para as teorias sobre o humano e seu psiquismo é a noção do inconsciente. Nesse trabalho estou propondo uma reflexão sobre essa contribuição para a terapia sistêmica, propondo diálogos possíveis, especificamente nesse viés do construcionismo social que privilegia a linguagem como ação constitutiva dos sujeitos em contextos sociais. 49 Diferentemente de estrelas e átomos, neurônios e glândulas, que são indiferentes aos significados e irresponsáveis quanto aos efeitos que produzem, a noção de inconsciente leva o sujeito a se implicar em suas ações, ao apontar a infinita variedade de sentidos experimentados como resultado se suas ações. Incita a buscar vocabulários que dê uma coerência ao vivido de tal forma que o sujeito se reconheça nas suas contradições e idiossincrasias. Ajuda a compreender as causas e as razões que determinam sua experiência subjetiva. Nesse aspecto, a visão de sujeito freudiano como uma multiplicidade de instintos, sem fronteiras definidas entre a normalidade e a psicopatologia, aproxima-se da definição de sujeito na perspectiva pragmática da linguagem. Escolho como referência para essa análise o neopragmatista Richard Rorty, que se inspira em outro, Ronald Davidson, para definir o sujeito (Bezerra, 1994, citando Rorty) como “Uma rede de crenças e desejos que deve ser postulada como causa interior do comportamento lingüístico de um organismo singular. E continua, “não se trata de um sujeito que possui e observa essas crenças e desejos; o sujeito é essa rede”. (ibid p. 157) Uma rede tecida em processo contínuo, na aquisição ou no abandono de crenças, na busca pela coerência e consistência na trama ao costurá-la a outras crenças. Para Freud a mente é compreendida também de representações ou traços de memória, marcas que a experiência imprime. Quando a idéia, a representação é muito dolorosa, o eu a separa do afeto, reprimindo-a. Como efeito, o eu não tem palavras para descrever ou dar sentido à experiência. Por isso a técnica da associação livre, o convite à palavra com a possibilidade da evocação da representação reprimida no inconsciente através dos fios associativos da memória, na tentativa de dar-lhe sentido, incluindo-a na rede da consciência. Ou seja, nomear, dar palavra ao afeto. Os conflitos acontecem e coexistem nos subconjuntos da rede, sem uma coerência interna entre eles. “Ela corresponde à idéia de uma subjetividade clivada, cindida e operando permanentemente sob o modo do conflito e de estabilizações provisórias.” (ibid, p. 157). Sujeito, portanto, passa a designar todos os eus que buscam organizar essa rede, 50 todas as tentativas de articulação de crenças e desejos, cuja pluralidade de histórias individuais e coletivas se impõe numa montagem subjetiva na qual ele se reconheça. “Algumas crenças - e desejos - podem mostrar-se mais hegemônicas, mais duráveis, outras são abandonadas. Algumas estão mais facilmente disponíveis à consciência porque mais conformes às expectativas narcísicas e culturais, outras podem apenas ser inferidas ou postuladas a partir de comportamentos estranhos cujo sentido é enigmático – como nas causas inconscientes de uma fobia ou uma compulsão”. (ibid, p. 159). Uma nova visão dada por Freud ao inconsciente, segundo Rorty, é a de que esses conteúdos inconscientes não são sombrios ou repulsivos, brutais ou obtusos, mas parceiros conversacionais das nossas identidades conscientes; por sinal uma visão bastante otimista e civilizada, e cita Rieff: “Freud democratizou o gênio ao dar a todos um inconsciente criativo”. ( Rorty, 1999 p. 199). Ou seja, podemos contar com ele para dar conta das nossas ambigüidades e contingências. Recorramos à forma como Davidson elabora essa análise da relação entre o físico e mental e como ele encara o desafio de não enveredar pela concepção do dualismo cartesiano. Segundo Bezerra (1994), Davidson defende a idéia “de que todo evento mental é idêntico a algum evento físico, mas nem todo evento físico é idêntico a um evento mental.” (p. 159). O evento físico é o que pode ser descrito unicamente em termos físicos e um evento mental implica uma intencionalidade. Não se pode compreender qualquer evento mental de um sujeito “fazendo abstração do restante das intenções, medos, expectativas e outros estados mentais que compõem a rede de crenças e desejos que é aquele sujeito em particular” (p.160). É o que ele chama de caráter holístico do mental, opondo-se ao materialismo reducionista e ao behaviorismo lógico que reduz termos mentais a comportamentos físicos. Outra questão importante defendida por Davidson é a tese de que razões podem ser causas, ou seja, o sujeito responde lingüísticamente a diferentes causas. E o que determina 51 esse ou aquele comportamento são os eventos físicos ou mentais, internos ou externos, micro ou macro estruturais; no entanto, ao descrever em termos de crenças e desejos (em vez de sinapses e hormônios), estamos usando um vocabulário intencional. Razão entendida como uma explicação do agente para um evento ou atitude que o torna plausível para ele mesmo. Marzagão chama de motivos, e resulta que motivos são embebidos de desejos. E continua, “O analista não ouve causas, mas motivos; esses se revelam via palavras ditas, palavras não-ditas e palavras malditas”. (1996, p. 36) Causa é quando uma explicação prescinde do ponto de vista do agente, ou seja, “os fenômenos naturais estão postos, o ser humano passa por eles”. (ibid, p. 35) Quando falamos de conflitos e ambivalências, ou seja, de eventos mentais ou psicológicos, usamos um vocabulário intencional e não uma descrição de eventos físicos. Ou seja, eles podem ser determinados “por causas lingüísticas que não são razões, isto é, por crenças e desejos que determinam o sujeito sem que este tenha como descrever sua própria ação como determinada por aquela causa.” (Bezerra, 1994, p. 162) Descrever uma tentativa de suicídio por meio de explicações de distúrbios neuroquímicos não elucidará as razões para essa ação. O inconsciente pode ser descrito aqui “como uma referência ao conjunto das causas lingüísticas que não são razão para aquilo que causam”. (Bezerra, 1994, p 162/163). “Davidson se refere a isso dizendo que “forças cegas estão na categoria do nãoracional, não do irracional” (Bezerra, citando Davidson, 1994, p. 162), “Então, ele destaca que a força de dizer que o ser humano às vezes se comporta irracionalmente está em que ele ou ela às vezes exibe um comportamento que não pode ser explicado por referência a um único conjunto de crenças e desejos. “Finalmente, ele conclui que a razão de ser da ‘divisão’ do self entre consciente e inconsciente é a de que esse último pode ser visto como um conjunto alternativo, inconsistente com o conjunto familiar que nós identificamos com a consciência, ainda que 52 suficientemente coerente internamente para contar como uma pessoa” (Rorty, 1999, citando Davidson, p. 197). Nesse sentido a descrição do inconsciente de Rorty citada acima e ainda “enquanto parceiro sensível, extravagante, que trabalha nos bastidores e que nos nutre com nossas melhores tiradas espirituosas” (p. 200) diferencia-se do inconsciente freudiano apresentado na segundo tópica como um caos obscuro e desorganizado, labirinto de contradições que coexistem que não conhece a negação e não sofre alteração do tempo. No entanto, Rorty destaca a necessidade de discernir a afirmação de Freud de que (...) “nosso intelecto é uma coisa frágil e dependente, um brinquedo e um instrumento de nossos instintos e afetos,” como uma expressão de que a razão é escrava das paixões, (...) “de sua nova e interessante afirmação de que a distinção consciente-inconsciente está além das distinções humano-animal e razão-instinto.” (1999, p. 200). E sugere pensar que duas almas residem em nosso ser. Uma, mais ou menos sã, e uma mais ou menos louca, ao invés de uma humana e outra bestial. 53 VIII. CONSIDERAÇÕES FINAIS Iniciei esse Curso de Especialização em Teoria Psicanalítica com algumas inquietações e perguntas que emergiram da clínica e me conduziram para o tema dessa monografia. Confesso que termino, não com respostas, mas com questões, e com algumas possibilidades de ampliação teórica e clínica. O que me instigou a busca de diálogos e interlocuções com a psicanálise foi a possibilidade de agregar aos pressupostos da terapia sistêmica a noção de inconsciente. Acredito que o sistema (casal, família ou grupo), assim como o sujeito individualmente está imerso numa trama de significados que se constrói no convívio e no diálogo com os outros. A Terapia Sistêmica no viés do construcionismo Social se propõe a busca pelo entendimento dos processos de como as pessoas descrevem o mundo. A linguagem como ação, como uma prática social que nos constitui. Porém, não acredito que nas nossas histórias sejam apenas os acasos que nos oferecem o contexto das descrições que fazemos de nós, do outro e do mundo e que constituem nossa subjetividade. Incluem razões, nem sempre claras e evidentes, das escolhas que fazemos ao longo de nossas vidas; sejam elas amorosas, profissionais, ou qualquer outro tipo de escolha. Ou seja, o estranho, ao mesmo tempo familiar, incitando e causando o sujeito. Freud diria que são atos psíquicos que carecem de consciência. Essas questões me incitaram a revisitar o caminho da minha formação em terapia familiar como uma maneira de construir sentido para a minha inquietação; e talvez por isso eu tenha feito uma retrospectiva histórica tão longa, pelo que me desculpo com o leitor. 54 Na ocasião, pude trazer o repertório das experiências profissionais anteriores na rede pública de saúde, com indivíduos, famílias e grupos, cuja abordagem era apenas de apoio, orientação, e encaminhamento para recursos sociais. A abordagem agora era um contexto terapêutico no qual terapeuta e paciente participam da construção de narrativas onde a pluralidade de vozes possa ser ouvida na busca de histórias ainda não contadas. E onde esse meu processo se enlaça com a psicanálise? Acasos, escolhas, estranho, familiar, pluralidade de vozes, histórias ainda não contadas... Tudo isso foram ingredientes que me levaram à busca de diálogos e interlocuções com a psicanálise, ficando claro nesse percurso, a necessidade de incluir a noção de inconsciente na clínica. Pelo o que pude ler e estudar em Freud, ressaltando que é apenas um recorte, não encontrei nenhuma incompatibilidade e objeção nesse sentido. Até mesmo porque o que Freud nos oferece para lidar com a complexidade humana é a possibilidade de fazer perguntas, lidar com imprevistos, ambigüidades e contingências. Desde que, na clínica, tenhamos uma teoria que nos sustente. Não é tarefa fácil fazer a articulação proposta. Meu objetivo foi apenas o de iniciar uma possibilidade de diálogos teóricos e interlocuções clínicas. Para mim foi um exercício útil e instigante. Nesse caminho foram abertas algumas trilhas que poderão levar a outros lugares. Penso ser fundamental ter a clareza de quais andaimes teóricos orientam a prática clínica. É importante que esses andaimes sejam baseados, organizados e compartilhados em crenças que se perguntam continuamente sobre as singularidades e sobre o mundo em contexto, sem a pretensão de ser o saber melhor ou o mais verdadeiro. No final deste meu trajeto, não poderia deixar de mencionar, ainda que superficialmente, o tema da interpretação e da transferência/contratransferência, conceitos extremamente importantes na obra de Freud. 55 Na visão pragmática, tal como exposta por Marzagão [1996], poderíamos descrevêlos como jogos de linguagem vividos pela dupla analista/analisando num contexto específico da análise ou da terapia, pelo terapeuta/cliente (indivíduo, casal, família ou grupo). (ver Construcionsimo social – lugar do terapeuta). Nesse caso, os envolvidos no jogo não são somente o analista e o analisando, mas uma trama de relações transferenciais dos diversos atores presentes na cena terapêutica. É mais libertador, propõe o autor citado acima, refletir sobre qual o jogo de linguagem o paciente joga com o analista, que convites são formulados naquele determinado contexto, para aquele interlocutor específico: é o jogo histérico? O obsessivo? O perverso? Ou o psicótico? “Então, o analista escuta jogos, tenta entender as regras que estão sendo propostas, acolhe ou recusa; ao assim fazê-lo, interpreta.” (p.97) Na visão pragmática, portanto, o discurso não representa objetos ou acontecimentos; ele é concebido como uma ação vivida na sua interação com o interlocutor. Tem a intenção de chegar ao interlocutor e causar um efeito. É recorrente na atualização de clichês sempre disponíveis (compulsão à repetição). O terapeuta, ao fazer a interpretação, adota o papel de parceiro de jogo, possibilitando à compulsão neurótica de um discurso recorrente, uma identificação transferencial; “suporta as transferências ambivalentes quando as virtualiza e, no momento preciso, dissolve a atadura do paciente. Dessa maneira, o terapeuta se constitui em instrumento de conhecimento não via exclusão, mas antes pela inclusão controlada de sua subjetividade.” (Marzagão, 1996, p. 83). Seria interessante aprofundar o tema da transferência e da interpretação, incluindo a contribuição de outros autores, mas por conta da limitação do tempo e da proposta desse trabalho, fica como questão a ser explorada futuramente. Devo concluir dizendo que o exercício dessa pesquisa, o contato com as produções dos diversos autores e, principalmente com a obra de Freud, mobilizou meu interesse por outros temas e despertou o prazer pela pesquisa e pela escrita. 56 Deparei-me com um Freud aberto ao novo e ao inesperado, embora ele tenha tentado transformar a psicanálise em uma ciência. Mas foi exatamente essa ação fecunda do seu criador de estar conectado aos imperativos e demandas de seu tempo que propiciou a propagação de seu arcabouço teórico. E é isso que nos dá a possibilidade de estar ainda hoje propondo essas interlocuções. Enfim, acredito que teorias são mapas, guias para a ação. E como tais, devem ser preservadas, modificadas ou abandonadas como respostas aos desafios que são chamadas a enfrentar. Freud fez isso ao longo de sua vida... E nos deixa o convite para aceitar esse desafio. 57 BIBLIOGRAFIA ANDERSON, H & G00LISHIAN, H. O Cliente é o Especialista: A Abordagem Terapêutica do Não-Saber in A Terapia como Construção Social Org: Sheila McNamee e Kenneth J. Gergen. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. _____________________________Narrativa e Self: alguns dilemas pós-modernos da psicoterapia in Novos Paradigmas, Cultura e Subjetividade. Org: Dora Fried Schitman. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. BATESON, G. Pasos hacia uma ecologia de La mente. Buenos Aires: Lohlé-Lumen, 1999. BEZERRA, B. Descentramento e sujeito – versões da revolução corpeniciana de Freud in Redescrições da Psicanálise. Org. COSTA, J. F. Relume Dumará. Rio de Janeiro, 1994. BOSCOLO, L., CECCHIN, G., HOFFMAN, L., PENN, P. A Terapia Familiar Sistêmica de Milão. 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