SOMÁLIA | Devastada pela fome e violência

Transcrição

SOMÁLIA | Devastada pela fome e violência
Médicos Sem Fronteiras - Ano 15 - Nº 29 - 2012
SOMÁLIA | Devastada pela fome e violência
© Brendan Bannon
Brasil
Doença de Chagas
Haitianos que buscam refúgio em
Tabatinga (AM) enfrentam dura realidade
Diretora da unidade Médica de MSF-Brasil
fala sobre a retomada da produção do
medicamento
MSF no Mundo
Veja onde estão os 38 brasileiros que trabalham com MSF ao redor do mundo.
(fevereiro/2012)
Em 2011, MSF Brasil enviou 94 brasileiros para 41 países. São pediatras,
enfermeiros, psicólogos, anestesistas, farmacêuticos, ginecologistas, cirurgiões,
administradores e profissionais logísticos, que foram para países como
Afeganistão, Etiópia, Moçambique, Índia, Tunísia, Sudão do Sul, Somália, Ucrânia,
Haiti, Costa do Marfim, Líbia, entre outros.
Índice
EDITORIAL
03
Direto do PAQUISTÃO
09
Artigo
04
DESTAQUES
10
GALERIA DE FOTOS
05
OPINIÃO DO DOADOR
11
SOMÁLIA: UMA BATALHA LONGE DO FIM
06
ENTREVISTA
12
InformAÇÃO é uma publicação semestral da organização Médicos Sem Fronteiras no Brasil. Tiragem: 67 mil exemplares. Distribuição gratuita.
Jornalista responsável: Vânia Alves (MTB. 25860/SP) Redação: Alessandra Vila Boas, João Pedro Alves, Larissa Rangel, Thereza Jatobá e Vânia Alves
Colaboradores: Ana Paula Gouvea, Dorothy Bohme, Flavia Tenenbaum e Michelle Braga
Médicos Sem Fronteiras Brasil - Diretor Executivo: Tyler Fainstat Endereço: Rua Santa Luzia, 651 / 11º andar – Centro – Rio de Janeiro – RJ CEP:
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2 MSF INFORMAÇÃO
Editorial
Este é um ano decisivo na vida de MSF-Brasil: nos transformamos em uma associação brasileira. Continuamos, como
antes, fazendo parte do movimento internacional Médicos
Sem Fronteiras, com escritórios em mais de 20 países.
Mas agora, as atividades do escritório estão sendo acompanhadas por um Conselho de Administração constituído
no Brasil, eleito pelos membros da associação e com um
presidente brasileiro. Isso significa, entre outras coisas,
mais participação de MSF-Brasil nas decisões estratégicas
internacionais da organização. O conselho é a voz da experiência dos profissionais brasileiros nos debates e reflexões
sobre assuntos mais relevantes para o movimento global.
Esse processo é resultado do trabalho dos profissionais
brasileiros, que nos últimos anos têm crescido tanto em
quantidade como em dedicação e experiência – a média
de tempo que um profissional trabalha conosco, em campo, é cada vez maior. Hoje, há médicos brasileiros que já
participaram de mais de seis projetos e veem no trabalho
humanitário uma opção de carreira e de vida. É o reconhecimento do esforço de pessoas como a anestesiologista
Lucia Aleixo, que na página 9 deste InformAção nos conta
como é o trabalho de MSF no Paquistão. Ou como a médica
Carolina Batista: líder da campanha pela normalização da
produção do benzonidazol, medicamento para a doença de
Chagas fabricado no Brasil, ela analisa, na entrevista da página 12, os desafios para evitar novos desabastecimentos.
Ou, ainda, como o pediatra Sérgio Cabral, que na matéria
de capa nos dá uma dimensão da tensão de trabalhar na
Somália, país há décadas imerso em uma das piores crises
humanitárias do mundo.
Os conflitos armados na Somália impedem que as organizações humanitárias levem ajuda à população. No início deste
ano, depois do assassinato de dois dos nossos profissionais,
Médicos Sem Fronteiras teve de tomar a difícil decisão de fechar dois projetos no país. Como diz o diretor geral de MSF,
Christopher Stokes, na reportagem, “é difícil fechar projetos
de saúde em locais onde a presença de nossas equipes de
saúde é realmente essencial para salvar vidas”. Não é a
primeira vez que MSF precisa tomar esse tipo de decisão.
Medir os riscos a que vamos submeter nossas equipes é
uma tarefa árdua que MSF enfrenta quase diariamente.
© Brendan Bannon
© Martina Bacigalupo
Dedicamos esta edição do InformAção às vítimas da violência da Somália: Philippe, Andrias e as duas profissionais
que estão sequestradas desde outubro e todos os somalis
que precisam da nossa ajuda.
Boa leitura!
Tyler Fainstat (Diretor Executivo - MSF-Brasil)
© Alessandra Vilas Boas
MSF INFORMAÇÃO 3
Artigo
Além do carimbo no passaporte
Em 2010, um terremoto atingiu o Haiti, matando mais de
200 mil pessoas e deixando outras centenas de milhares
desabrigadas. Imediatamente após o desastre, Médicos
Sem Fronteiras, que já mantinha projetos de assistência
médica no país, montou a maior operação de ajuda humanitária dos seus 40 anos: as equipes trataram 358 mil pessoas e realizaram 16.570 cirurgias. Quando uma epidemia
de cólera atingiu o país em outubro do mesmo ano, MSF
também reagiu rapidamente e tratou 170 mil pessoas.
Dois anos após o terremoto, MSF continua no país, preenchendo lacunas de um sistema de saúde praticamente
destruído. A população ainda luta para reerguer o país
dos escombros, e um grande número de sobreviventes
continua sofrendo os efeitos do desastre. Para muitos,
já não há esperança de reconstruir a vida em seu país.
Por isso, um crescente número de haitianos tem buscado
refúgio no Brasil.
Situada na fronteira do Brasil com a Colômbia e o Peru, a
pequena cidade amazonense de Tabatinga se transformou
na porta de entrada para muitos haitianos no país. A viagem
é longa. Do Haiti eles partem para Santo Domingo, pegam
um avião para a Cidade do Panamá, outro para Lima e mais
um para Iquitos, cidade peruana próxima da fronteira. De
Iquitos, finalmente seguem para Tabatinga de barco.
Em dezembro, 1.400 deles esperavam em Tabatinga por
um protocolo da Polícia Federal. Sem esse documento,
não é possível sair da cidade ou trabalhar. Nesse período
de espera, eles são considerados requerentes de asilo, e o
país para onde migraram tem de lhes oferecer assistência.
Uma equipe de MSF foi enviada a Tabatinga no final do
ano e constatou que nenhuma assistência estava sendo
oferecida por parte das autoridades locais, estaduais ou
federais. Sem dinheiro para custear a estada, muitos se
amontoavam em quartos minúsculos, em condições extremamente precárias. Em alguns casos, mais de 30 pessoas dividiam uma única latrina.
Para amenizar o sofrimento dessas pessoas e evitar que
as condições de higiene precárias prejudicassem a saúde
delas, MSF distribuiu kits de higiene e de limpeza. A equipe também realizou atividades de promoção de saúde e
ofereceu apoio psicológico. Muitos perderam tudo o que
tinham no terremoto – casa, trabalho, família. Dois terços
declaram ter sido afetados pela catástrofe. Na chegada
ao Brasil, no entanto, o sonho do recomeço logo se transformou no choque de uma dura realidade.
Olga, de 32 anos, me contou: “Nós viemos para cá porque não há nada no Haiti. A situação já era ruim antes
do terremoto e ficou ainda pior depois. Minha família se
mobilizou para conseguir dinheiro para me mandar para
cá. Agora eu preciso trabalhar para mandar dinheiro para
eles. Mas, por enquanto, a situação aqui está ainda pior!”
Quando chegou, Olga alugou um quartinho com outras
quatro pessoas e fazia suas refeições, de segunda a
sexta-feira, na igreja. Além de MSF, eles contam com a
solidariedade da população local para suportar a espera.
É espantosa a completa omissão das autoridades na assistência aos haitianos em Tabatinga.
Em fevereiro, a declaração de que eles
seriam regularizados trouxe alívio
para muitos, mas levantou numerosas
questões. A resolução não deixou claro
o que acontecerá com os que chegarem após a data em que a nova política
entrou em vigor.
Vale lembrar, ainda, que a nova política
não desobriga as autoridades federais
de oferecer a assistência devida a requerentes de asilo. Uma semana após
o anúncio da regularização, a situação
humanitária dos haitianos em Tabatinga
continuava a mesma. Reconhecida a urgência da questão migratória, a questão
humanitária permanecia ignorada.
© Alessandra Vilas Boas
4 MSF INFORMAÇÃO
Alessandra Vilas Boas é diretora de comunicação de Médicos Sem Fronteiras Brasil.
Galeria de Fotos
saúde materno-infantil
3 1
42
© Cédric Gerbehaye
1. Sudão do Sul
Mãe e bebê sob cuidados das equipes de MSF em Jonglei,
no Sudão do Sul, onde a população sofre com constantes
conflitos armados. Nos últimos seis meses, a organização
já tratou mais de 250 pacientes vítimas da violência apenas
na região – a maioria, mulheres e crianças. O país tem um
dos maiores índices de mortalidade materna do mundo.
© Penny Bradfield
3. Nigéria
Em Jingawa, na Nigéria, MSF oferece atendimento de emergência obstétrica e neonatal,
além de cirurgia de reparo de fístula, uma
ferida no canal vaginal geralmente causada
por longos partos sem assistência. Mais de 3
mil partos foram realizados na maternidade.
Na foto, a pediatra Sibylle Sang coloca o bebê
recém nascido na unidade neonatal da maternidade do hospital Jahun.
© Brendan Bannon
2. Uganda
Alum Elder, grávida de sete meses, é soropositiva e recebe tratamento no Hospital de Medi Opei, em Uganda. MSF
mantém mais de 6 mil pessoas sob tratamento com antirretrovirais e tratou cerca de 26 mil crianças com malária,
principal causa da morte infantil. O suprimento irregular
de medicamentos e a carência de profissionais comprometem o tratamento de HIV, tuberculose e malária no país.
© Yasuyoshi Chiba
4. República Democrática do Congo
A população de Masisi, na República Democrática do Congo, sofre com conflitos políticos e econômicos há mais de 15 anos. MSF oferece apoio
no hospital local e também atua em unidades
móveis que levam ajuda a áreas isoladas pelas
condições das estradas e pelo conflito. Na foto,
a Dra. Sam Perkins acaba de realizar um parto
prematuro.
MSF INFORMAÇÃO 5
Uma batalha longe do fim
© Sven Torfinn
Apesar dos conflitos, Médicos Sem Fronteiras consegue levar
assistência e aliviar o sofrimento da população da Somália
Duas décadas de conflitos internos e
intervenções militares externas, que
tiveram início com a deposição do então presidente Siad Barre, em 1991,
conduziram a Somália a uma das
piores crises humanitárias do mundo.
Nos últimos anos, mais de 500 mil somalis abandonaram o país em busca
de ajuda para sobreviver nos campos
de refugiados instalados no Quênia
e na Etiópia. Apenas em 2011, foram
mais de 200 mil.
A violência, que impede o acesso de
organizações de ajuda humanitária
ao país, aliada às condições climáticas adversas e à ausência de um
sistema de saúde funcional, capaz de
responder aos problemas decorrentes da falta de alimentos e a surtos
de doenças contagiosas, traçou um
complicado quadro de emergência
médico-nutricional.
6 MSF INFORMAÇÃO
Apesar da gravidade da situação,
muitas organizações de ajuda são impedidas de entrar no país pelos grupos rebeldes. No final de novembro,
o grupo Al-Shabaab, que domina diversas áreas do território somali, expulsou 16 agências e organizações de
ajuda humanitária do país; Médicos
Sem Fronteiras não foi uma delas.
No entanto, depois que dois de seus
profissionais foram assassinados,
em dezembro, MSF tomou a difícil
decisão de reduzir suas atividades na
Somália e fechar as duas instalações
que mantinha em Hodan, distrito de
Mogadíscio, capital do país. A morte
do coordenador de emergência Philippe Havet e do médico Andrias Karel
Keiluhu aconteceu dois meses após
o sequestro de duas profissionais da
área de logística que trabalhavam no
acampamento de Dadaab, no Quênia,
onde atendiam somalis refugiados.
Médicos Sem Fronteiras tem pedido aos envolvidos que façam todo o
possível para facilitar a libertação de
Montserrat Serra e Blanca Thiebaut.
“É difícil fechar projetos de saúde
em locais onde a presença de nossas equipes de saúde é realmente
essencial para salvar vidas”, disse
Christopher Stokes, diretor-geral
de MSF. “Mas o assassinato brutal
de nossos colegas em Hodan tornou
impossível nossa presença e a continuação de nosso trabalho nesse
distrito de Mogadíscio.” Nos demais
distritos da capital, assim como nos
outros locais da Somália onde a organização mantém 10 projetos, as
atividades de MSF continuarão sendo realizadas. Mas a continuidade do
trabalho depende do respeito à integridade das equipes, dos pacientes e
das instalações médicas.
O pediatra brasileiro Sérgio Cabral
trabalhou em Mogadíscio e sentiu o
clima de tensão na capital: “A situação de segurança, que já era muito
complicada, ficou ainda pior após os
sequestros e a intervenção do exército queniano no sul do país. Todos
os deslocamentos dentro da Somália
foram suspensos, e precisávamos de
segurança até mesmo para atravessar a rua. Ouvíamos tiros e explosões
o tempo todo. Uma bomba explodiu no
Ministério da Saúde, a 100 metros do
hospital onde trabalhávamos.” Mas,
apesar dos problemas, o médico considera que os resultados do projeto
na capital somali foram excelentes:
“Em relação ao impacto positivo nos
pacientes, esse foi um dos melhores
projetos dos quais participei. Começamos no centro de nutrição com 15
leitos e expandimos para 120, e ainda
assim operávamos sempre acima da
capacidade. Mas conseguimos manter uma taxa de mortalidade muito
baixa, o que, considerando a situação
do país e as dificuldades enfrentadas,
é excelente.”
As perdas de MSF
Conheça um pouco dos dois profissionais de MSF que foram assassinados
na Somália. As equipes de MSF ficaram profundamente tristes e chocadas
pelo incidente e sentirão falta de Philippe e do Dr. Kace.
Andrias Karel Keiluhu
(“Dr. Kace”)
O médico Andrias Karel Keiluhu, de
44 anos de idade, conhecido como
“Dr. Kace”, era parte da equipe de
emergência de Bruxelas. Nascido
na Indonésia, ele começou sua vida
com MSF em seu país de origem e
depois partiu para projetos na Etiópia e na Tailândia.
Pai de dois filhos, Kace era visto por
todos como um excelente médico,
sempre preocupado com seus pacientes. Ele tinha acabado de aceitar
uma das posições de trabalho mais
difíceis de MSF: lidar apenas com
emergências nas frentes de batalha.
Philippe Havet
Com 53 anos de idade, o belga
Philippe Havet trabalhava como
coordenador de emergência de
MSF desde 2000. Ele participou de
projetos em diversos países, como
Angola, República Democrática do
Congo, Indonésia, Líbano, Serra
Leoa e África do Sul.
Philippe dava o máximo de si em todos os projetos de que participava
e estava sempre pronto para partir
para onde fosse mais necessário. Todos em MSF sentirão sua falta, principalmente nossas equipes do Congo,
onde ele passou anos trabalhando
nas regiões mais difíceis do país.
Para muitos, fugir é a única solução
Tentando escapar da escassez de alimentos e da violência, milhares de
somalis partem para acampamentos
de deslocados dentro do país ou para
campos de refugiados no Quênia e na
Etiópia, onde chegam após uma travessia longa e perigosa que contribui ainda
mais para a deterioração de sua saúde.
O fluxo de pessoas saindo da Somália é
tão grande que o acampamento de Dadaab, no Quênia, originalmente criado
para abrigar 90 mil pessoas, hoje conta
com quase 500 mil habitantes.
“Eu vim de Dinsor [cidade somali],
onde a vida é muito mais difícil do que
aqui. Aqui só faltam alimentos; lá, não
tínhamos o que comer nem paz. Não
é possível viver sem paz, não é bom
sentir medo o tempo todo”, disse uma
refugiada em Hiloweyn, um dos acampamentos na Etiópia. “Não podemos
voltar para lá, é muito perigoso. Eu
tenho pesadelos com o que passamos.
Homens armados roubaram nosso
gado e espancaram meu marido até
ele quase morrer. Eu nunca vou voltar.”
© Feisal Omar
MSF INFORMAÇÃO 7
“A desnutrição é crônica em muitas
áreas do Chifre da África, e é preciso
um esforço internacional de longo
prazo para garantir que alimentos cheguem às pessoas que mais precisam
deles. Hoje, no entanto, as necessidades mais urgentes estão concentradas
nas regiões central e sul da Somália.
Milhares de somalis chegam, fracos
e exaustos, à capital, Mogadíscio, e
a acampamentos no Quênia e na Somália”, disse o Dr. Unni Karunakara,
presidente internacional de MSF.
As condições de higiene precárias, a
falta de saneamento e a escassez de
alimentos também criaram um ambiente propício para surtos de doenças
infecciosas, como cólera e sarampo.
Para evitar que essas enfermidades
se alastrassem, MSF construiu centros de tratamento de cólera, distribuiu itens de higiene pessoal e, entre
maio e novembro do ano passado,
realizou campanhas de vacinação em
massa contra o sarampo, imunizando
mais de 234 mil crianças e tratando
muitas outras (ver tabela).
Em meio a esse caótico cenário na região, é certo que as necessidades da
população somali vão persistir. MSF
continuará buscando novos meios de
alcançar algumas áreas do país onde
o acesso humanitário continua bloqueado e vai responder de forma ativa,
independente e imparcial às enormes
necessidades médicas e humanitárias da população somali, bem como
direcionar esforços para a libertação
das profissionais sequestradas.
8 MSF INFORMAÇÃO
Despesas
Para atender às gigantescas demandas da população somali, Médicos Sem
Fronteiras, com a ajuda de milhares de pessoas de todo o mundo, arrecadou
aproximadamente 46 milhões de euros. Veja como esses recursos foram gastos.
Médico-nutricional (41%)
Transporte (17%)
Equipe (29%)
Logística – água/saneamento (9%)
Outros (4%)
Balanço das atividades*
Admissões nos centros de nutrição terapêutica
67.478
Admissões nos programas de alimentação suplementar
28.269
Pacientes com sarampo
6.122
Pacientes com cólera
1.875
Admissões nos departamentos ambulatoriais
Hospitalizações
Partos em centros de saúde
Pessoas vacinadas contra sarampo
Beneficiários de distribuições de itens de auxílio (não alimentares)
*Projetos na Somália e nos campos de refugiados somalis no Quênia e na Etiópia.
451.445
21.306
5.620
234.231
61.340
© Feisal Omar
Em meados de 2011, uma das piores
secas já registradas no país agravou
ainda mais a situação. “Nosso gado
morreu por causa da seca, só sobraram alguns bodes e burros. Nós estávamos sofrendo. Não havia alimentos
nos mercados e nossas colheitas não
foram boas, porque o solo estava muito seco”, disse outra refugiada somali
em Hiloweyn. Os números da desnutrição ganharam dimensões alarmantes. O filho dessa refugiada foi uma
das mais de 95 mil crianças que MSF
atendeu em seus centros de nutrição
terapêutica e programas de alimentação suplementar em apenas seis meses, nos três países (ver tabela).
Direto do Paquistão
Lucia Aleixo
médica anestesiologista
é minha segunda missão em Dargai. As pessoas
“ Esta
muitas vezes não entendem minha opção de trabalhar no
Paquistão, temendo por minha segurança. Entretanto, o que
vivencio aqui é muito diferente das imagens que são transmitidas para fora do país. Acredito que seja exatamente em
lugares como este, para onde poucos estão dispostos a vir,
que existe uma necessidade maior de assistência e onde
podemos fazer, de verdade, diferença na vida das pessoas.
Médicos Sem Fronteiras iniciou o apoio ao hospital de
Dargai, no distrito de Malakand no noroeste do país, em
dezembro de 2007, com foco em emergências, cuidado de
pacientes internados, obstetrícia e neonatologia, cirurgia
geral e obstétrica. MSF também é responsável pelo setor
de esterilização e pelo laboratório.
Dargai tem aproximadamente 40 mil habitantes e está localizado a 2,5 horas de Islamabad. Quando MSF iniciou suas
atividades aqui, este era o único hospital público existente e
havia falta de recursos humanos, medicamentos e equipamentos, indicando a grande necessidade de apoio à região.
No final de 2011, foi inaugurado um novo hospital do Ministério da Saúde em Dargai. MSF ofereceu treinamento
para os profissionais que irão atuar neste hospital, além
de contribuir com a doação de equipamentos e medica-
mentos. Com a ampliação da oferta de serviços de saúde
à população, MSF planeja interromper totalmente suas
atividades em setembro de 2012; desde o início do ano, as
únicas atividades cirúrgicas mantidas são a obstetrícia e
a ginecológica.
A população local é quase que exclusivamente de etnia
pashtun, sendo composta principalmente de muçulmanos sunitas. Os costumes locais devem ser respeitados
a todo momento, apesar de muitas vezes serem vistos
como conservadores por nós, ocidentais. O respeito é
fundamental para a boa aceitação da organização, e essa
é uma das razões pelas quais MSF é bem-vinda na região.
Existem regras a serem seguidas, como a forma de vestir
e limites nas relações entre homens e mulheres. Como as
pessoas do local, nós, os expatriados, também nos vestimos
com o traje típico shalwar kameez, e as mulheres cobrem
o rosto com um lenço, deixando apenas os olhos à mostra.
Pessoas de sexo diferente não compartilham sozinhas o
mesmo ambiente a portas fechadas, nem se sentam lado a
lado nos carros, chegando a utilizar carros separados para
homens e mulheres. Os movimentos são limitados entre
casa, hospital e escritório. Não podemos ir a outros locais, como visitar colegas ou fazer compras. A cada quatro
semanas, passamos um final de semana prolongado em
Islamabad, onde existe maior liberdade de locomoção e na
maneira de vestir.
As diferenças culturais deixam de ser um desafio diante
da gentileza da população e dos colegas paquistaneses,
do prazer de poder trabalhar aqui, da oportunidade de
conhecer e entender melhor a cultura local. E não há nada
mais recompensador do que o olhar de agradecimento
ou o forte aperto de mão de uma paciente submetida a
cesariana e que ouve seu filho chorando, o que provavelmente não aconteceria se não estivéssemos aqui.
”
A médica Lucia Aleixo prepara a paciente para receber uma
anestesia antes da realização de uma cirurgia cesariana.
© Eliane Sander
MSF INFORMAÇÃO 9
Destaques
Cartunistas colaboram com MSF
Em comemoração aos 40 anos de Médicos Sem Fronteiras, alguns consagrados cartunistas brasileiros
criaram ilustrações especiais que retratam o trabalho da organização. Ziraldo, Aroeira, Cau Gomez, Carlos
Latuff, Laerte, João Pedro Montanaro e Orlando Pedroso foram alguns dos artistas que contribuíram com
seu talento para homenagear MSF. Acima, você confere a arte de Ziraldo, Carlos Latuff e Orlando Pedroso.
Para ver todos os cartuns, acesse www.msf.org.br/40anos.
40 anos de Médicos
Sem Fronteiras:
MSF (UN)LIMITED
Os momentos marcantes da trajetória de 40 anos da organização podem
ser conferidos no filme MSF (UN)
Limited. Após as sessões realizadas
no Rio de Janeiro e em São Paulo,
profissionais de MSF participaram de
um debate aberto ao público, em que
compartilharam suas experiências
em campo.
Quem quiser conferir, a versão online está disponível em: www.msf.org.
br/40anos
10 MSF INFORMAÇÃO
Capacitação em Itaperuna
Após as fortes enchentes que atingiram o Sudeste do país, duas psicólogas de Médicos Sem Fronteiras foram
enviadas a Itaperuna, cidade localizada entre os estados do Rio de Janeiro
e de Minas Gerais, com o intuito de
capacitar os profissionais locais para
oferecerem assistência psicológica
às vítimas das inundações. Organizado pela defesa civil do Rio de Janeiro
em parceria com a Cruz Vermelha de
Itaperuna, o treinamento contou com
a presença de 50 profissionais, entre
psicólogos, médicos, enfermeiros,
assistentes sociais e agentes comunitários de saúde. A capacitação foi
compartilhada também por meio de
videoconferência. “Isso possibilitou a
participação de profissionais de outros municípios atingidos, já que boa
parte estava isolada após as enchentes
e precisava de uma orientação teórica para realizar esse atendimento
específico de emergência”, explica a
psicóloga de MSF Débora Noal, que
realizou trabalho semelhante após
as enchentes que atingiram a Região
Serrana do Rio de Janeiro em janeiro
de 2011. “Todos foram superparticipativos e incorporaram o treinamento
na sua rede de assistência”, completa
Débora.
Opinião do Doador
Salim Maroun
Presidente – Outback Steakhouse Brasil
É um orgulho muito grande poder contribuir com a organização Médicos Sem Fronteiras e divulgar o trabalho realizado
por MSF para todos os nossos clientes, pois seus projetos fazem a diferença na vida de milhares de pessoas em todo o
mundo. Por isso, a rede Outback decidiu realizar, em 2011, em sua oitava edição do evento Bloomin Day, a arrecadação
de fundos para MSF por meio da renda do aperitivo carro-chefe da casa, a cebola Bloomin Onion®. O resultado ultrapassou todas as expectativas iniciais, pois superamos em 50% o valor arrecadado em comparação com o ano anterior.
Isso só foi possível graças à representatividade e à força de Médicos Sem Fronteiras, uma organização que desperta
solidariedade devido às suas grandes realizações em 40 anos de história. Parabenizamos a seriedade e os princípios
de MSF, que certamente despertaram em nossos outbackers e clientes a vontade de continuar ajudando cada vez mais.
Thiago Lacerda
Conheço MSF há muito tempo em razão do trabalho humanitário internacional sério
que a organização realiza há mais de 40 anos. Só recentemente tive o privilégio de me
aproximar de MSF para pesquisa pessoal, e descobri a solidez, o profissionalismo e a
independência que permeiam as ações da organização no campo. Assim, decidi fazer
parte desse movimento que transforma tantas vidas e tantas realidades: me tornei um
doador sem fronteiras com a convicção de que cada um de nós, juntos, faz a diferença!
MSF Responde
Este espaço foi criado para responder as dúvidas frequentes dos doadores de MSF. Sua participação é muito importante para nós.
MSF aceita doações de alimentos, roupas e/ou medicamentos?
Infelizmente, não aceitamentos doações de materiais, remédios ou alimentos. MSF desenvolveu um sistema único de
kits prontos, que seguem os padrões internacionais da organização. Esses kits são montados em nossos centros de
logística e enviados rapidamente aos diferentes países onde estão nossos projetos. Quanto aos medicamentos, aqueles
que usamos fazem parte de uma lista aprovada pela Organização Mundial de Saúde e pelos Ministérios da Saúde dos
países onde trabalhamos. Por último, não fazemos distribuição de roupas em nossos projetos, por isso também não
aceitamos este tipo de doação.
Atualize seus contatos (e-mail e telefone) e nos ajude a reduzir nossos custos.
Seja um Doador Sem Fronteiras e indique amigos, familiares e empresas para nos apoiar.
Entre em contato pelo e-mail [email protected] ou ligue para 21 2215-8688. Acesse www.msf.org.br
ERRATA: Na edição n°28 do Informação o nome de um dos autores da seção “Opinião do Doador” é Julio Cesar
Guimarães e não Heitor Bastos Tigre, como publicado.
MSF INFORMAÇÃO 11
Entrevista
Depois de quatro meses, produção de
medicamento contra Chagas é normalizada
“Se for preciso, faremos outras mobilizações para que pacientes não fiquem sem
medicamento”, diz a médica Carolina Batista.
Em outubro do ano passado, Médicos Sem Fronteiras deu o alerta: a
interrupção da produção de benzonidazol, medicamento utilizado no
combate à doença de Chagas fabricado apenas no Brasil, poderia deixar
sem tratamento milhares de pessoas em todo o mundo. Começava, então, uma campanha de MSF, envolvendo a mídia, redes sociais e muitas
conversas com representantes do Ministério da Saúde; do Laboratório
Farmacêutico do Estado de Pernambuco (Lafepe), o produtor do benzonidazol; da Nortec, fabricante do princípio ativo do medicamento; e da
Secretaria de Saúde de Pernambuco. No início deste ano, a produção
foi normalizada, mas o abastecimento do medicamento continua sendo uma preocupação de Médicos Sem Fronteiras. A diretora da unidade
médica de MSF-Brasil, Carolina Batista, diz o que deve ser feito para
que o problema não se repita e conta como os pacientes foram afetados.
© Vânia Alves
O abastecimento foi realmente normalizado?
No início do ano, os primeiros lotes, depois da interrupção
da produção, foram colocados à disposição dos programas
de tratamento da doença de Chagas, tanto de MSF como
dos governos. Esperamos que de agora em diante o abastecimento seja normalizado. Estamos acompanhando esse
processo e, se for preciso, faremos outras mobilizações.
simplesmente distribuir o medicamento, é preciso diagnosticar e acompanhar o paciente. MSF, juntamente com
a Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas
(DNDi, na sigla em inglês) e a Organização Panamericana
da Saúde (Opas), desenvolveu uma ferramenta com esse
objetivo, chamada “demand forecasting”. Agora, é necessário que os países sejam capacitados para utilizá-la.
O que tem de ser feito para que essa história
não se repita?
O Ministério da Saúde precisa acompanhar a produção e
a distribuição do benzonidazol. A tendência é de aumento
na demanda, porque cresceu o número de países trabalhando no combate à doença de Chagas, ou seja, mais
pessoas estão sendo diagnosticadas e tratadas. Além disso, um número maior de pessoas pode ser tratado, já que
pesquisas recentes comprovaram que o tratamento pode
ser eficiente na fase crônica da doença (mais comum em
adultos). Antigamente, acreditava-se que o tratamento só
fazia efeito na fase aguda (principalmente em crianças).
Essa medida é importante para evitar que, preocupados
com a falta do benzonidazol, os países façam estoques
desnecessários e até percam o produto porque não têm
como oferecer o tratamento dentro do prazo de validade
do medicamento.
Então, está nas mãos somente do Ministério da
Saúde do Brasil?
Não. Outra questão que precisa ser abordada são os pedidos dos países. Hoje, o cálculo da quantidade de medicamento necessária para cada país é feito apenas com
base na prevalência da doença, ou seja, na estimativa do
número de pessoas com Chagas. Mas outras variáveis têm
de ser consideradas. Os países têm de avaliar, por exemplo, a capacidade de oferecer o tratamento, porque não é
12 MSF INFORMAÇÃO
Quantos pacientes ficaram realmente sem
medicamento? Alguém teve de interromper o
tratamento?
O maior impacto foi no diagnóstico; paramos de fazer o
exame, porque não poderíamos assegurar o tratamento.
A doença de Chagas não exige que o paciente tome remédio por toda a vida. O tratamento dura em média 60
dias. MSF, assim como os programas governamentais,
administrou o estoque de benzonidazol para garantir o
medicamento para quem já havia iniciado o tratamento.
Um impacto indireto foi o risco de darmos um passo atrás
no acesso ao tratamento. A decisão dos governos de oferecer tratamento na rede pública de saúde é recente em
muitos países, e a falta do medicamento pode ser um desestímulo para os profissionais de saúde que ainda estão
se habituando a trabalhar com a doença de Chagas.

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