TCC15 - Faculdade de Biomedicina
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TCC15 - Faculdade de Biomedicina
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS FACULDADE DE BIOMEDICINA ADRIANE MARIA BEZERRA DA SILVA PESQUISA DE HEMOGLOBINOPATIAS EM UMA AMOSTRA DE ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS DA CIDADE DE BELÉM (PARÁ) BELÉM 2011 ADRIANE MARIA BEZERRA DA SILVA PESQUISA DE HEMOGLOBINOPATIAS EM UMA AMOSTRA DE ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS DA CIDADE DE BELÉM (PARÁ) Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Biomedicina da Universidade Federal do Pará, como requisito parcial para a obtenção do grau e bacharel em Biomedicina. Orientadora: Profª Drª Rita de Cassia Mousinho Ribeiro BELÉM 2011 ADRIANE MARIA BEZERRA DA SILVA PESQUISA DE HEMOGLOBINOPATIAS EM UMA AMOSTRA DE ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS DA CIDADE DE BELÉM (PARÁ) Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Biomedicina da Universidade Federal do Pará, como requisito parcial para a obtenção do grau e bacharel em Biomedicina. Belém (PA), 13 de dezembro de 2011 Banca Examinadora: _______________________________________ Profª Drª Rita de Cassia Mousinho Ribeiro (Orientadora) ICB – UFPA _______________________________________ Prof. Dr. Arno Rolf Hamel (ICB – UFPA) _______________________________________ Profª Drª Greice de Lemos Cardoso (ICB – UFPA) _______________________________________ Prof. Dr. Nazário de Souza Messias Júnior (ICB – UFPA) i “Eu vos louvarei de todo o coração, Senhor, porque ouvistes as minhas palavras. Na presença dos anjos eu vos cantarei” Salmo 137,1. ii Dedico este trabalho primeiramente a Deus e às pessoas mais importantes da minha vida, meus amados e queridos pais, Cesar e Olga. A eles que sempre me apoiaram, me incentivaram, me ajudaram e que sempre estiveram ao meu lado. iii AGRADECIMENTOS A Deus e Nossa Senhora, pela minha vida e por ter me concedido a graça de dar este passo importante na minha vida. Aos meus pais, pelo apoio, dedicação, e carinho que sempre dedicaram a mim e o incentivo que sempre me deram em relação aos meus estudos. Em especial agradeço a minha mãe pelo amor, atenção e amparo que sempre me deu, e pelo que me ensinou e continua ensinando. A minha irmã Andresa, pelo companheirismo, apoio, incentivo em tudo e amizade – amigas irmãs. A orientadora, Profª. Drª. Rita de Cássia Mousinho Ribeiro por ter sido uma pessoa de suma importância para realização deste trabalho, que através de sua orientação, sugestões e amizade me ajudou a realizar este trabalho. Que é admirável como pessoa e profissional. Aos meus tios Neocir, Zuleide e Benedito que me ajudaram no apoio em relação ao material de estudo. A Universidade Federal do Pará pela oferta de conhecimento. Aos amigos e colegas de universidade, obrigada pelo convívio (estudo, conversas, brincadeiras e risadas) nestes quatro anos. A Profª. Drª Karla Ribeiro pela sua dedicação a minha turma (Biomedicina 2008), além de proporcionar trabalhos de extensão com intuito de colocarmos em prática o mecanismo de ensino-pesquisa-extensão adquiridos em nossa graduação. Ao Prof. Dr. Arno Hamel, que me ajudou na análise estatística, e que também me proporcionou o estágio no HEMOPA durante os primeiros anos do meu curso. Aos estudantes que aceitaram participar desta pesquisa, agradeço por terem contribuído na realização desse trabalho. iv SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS E GRÁFICOS LISTA DE TABELAS E QUADROS LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS RESUMO ABSTRACT 1 INTRODUÇÃO A ERITROPOESE 1.1 A HEMOGLOBINA 1.2 PRINCIPAIS TIPOS DE ANEMIA 1.3 HEMOGLOBINOPATIAS 1.4 HB S – ETIOLOGIA, CONSEQÜÊNCIAS, MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS 1.5 E HEMATOLÓGICAS TALASSEMIAS – ETIOLOGIA, CONSEQÜÊNCIAS, MANIFESTAÇÕES 1.6 CLÍNICAS E HEMATOLÓGICAS PARÂMETROS DO ERITROGRAMA E SUA INTERPRETAÇÃO 1.7 A ANÁLISE LABORATORIAL NO DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DA 1.8 ANEMIA MICROCÍTICA JUSTIFICATIVA 1.9 OBJETIVOS 1.10 1.10.1 Objetivo Geral 1.10.2 Objetivos Específicos 2 MATERIAL E MÉTODOS COLETA DAS AMOSTRAS 2.1 HEMOGRAMA 2.2 ELETROFORESE DE HEMOGLOBINAS E CROMATOGRAFIA 2.3 LÍQUIDA DE ALTA RESOLUÇÃO (HPLC) DOSAGEM DO FERRO SÉRICO 2.4 ANÁLISE ESTATÍSTICA 2.5 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO 4 CONCLUSÃO 5 REFERÊNCIAS 6 ANEXOS Pg v vi vii viii ix 1 1 4 7 9 12 15 18 21 23 23 23 23 24 24 24 25 26 26 27 35 36 42 v LISTA DE FIGURAS E GRÁFICOS Pg Figura 1 - Esquema geral da eritropoese e dos precursores eritróides 2 Figura 2 - Eritrócitos com normalidade em relação ao volume (normocíticos), cor (normocrômicos) e forma (disco bicôncavo com halo central mais claro). 4 Figura 3 - Esquema da estrutura da hemoglobina humana 5 Figura 4 - Cromossomos e genes envolvidos na síntese de hemoglobinas humanas 6 Figura 5 - Representação da anemia como problema de saúde pública mundial 8 Figura 6 - Incidência do traço falciforme na população brasileira 11 Figura 7 - Drepanócitos observados em sangue periférico de paciente com Hb S 13 Figura 8 - O fenômeno da falcização e a vaso-oclusão promovida pela Hb S 14 Figura 9 - Variação do VCM em diferentes distensões sanguíneas, utilizando o núcleo de um linfócito como referência na comparação 21 Figura 10 - Variação de cor de eritrócitos em diferentes distensões sanguíneas 21 Figura 11 - Padrão de bandas de hemoglobinas na eletroforese em fitas de acetatocelulose e pH alcalino (tampão TEB) 26 Gráfico 1 - Presença de anemia em estudantes universitários do ICB/UFPA 27 Gráfico 2 - Presença de anemia em estudantes universitários do ICB/UFPA considerando a diferença entre os gêneros. 28 vi LISTA DE TABELAS E QUADROS Pg Tabela 1 - Hemoglobinas normais no sangue adulto 5 Tabela 2 - Caracterização das -talassemias 18 Tabela 3 - Valores referenciais utilizados no presente estudo 25 Tabela 4 - Presença de anemia em estudantes universitários do ICB/UFPA 27 Tabela 5 - Freqüência de número normal de eritrócitos e de eritropenia em amostras de sangue de estudantes universitários do ICB/UFPA com anemia 28 Tabela 6 - Média, mediana e desvio padrão dos parâmetros do eritrograma 29 Tabela 7 - Distribuição da análise do VCM em amostras de sangue de estudantes universitários do ICB/UFPA com anemia 29 Tabela 8 - Análise do RDW em amostras de sangue de estudantes universitários do ICB/UFPA com anemia 30 Tabela 9 - Número de eritrócitos e RDW nas amostras de sangue de estudantes universitários do ICB/UFPA com anemia microcítica 32 Tabela 10 - A contagem de eritrócitos nas amostras de sangue de estudantes universitários do ICB/UFPA com anemia microcítica, por gênero 32 Tabela 11 - Associação entre anemia e volume corpuscular médio (VCM) em estudantes universitários do ICB/UFPA, por gênero 33 Tabela 12 - Associação entre anemia e o número de eritrócitos em estudantes universitários do ICB/UFPA, por gênero 33 Tabela 13 - Associação entre anemia e RDW em estudantes universitários do ICB/UFPA. 34 Quadro 1 - Composição gênica das diferentes hemoglobinas encontradas nos diferentes estágios do desenvolvimento humano 7 Quadro 2 - Prevalência estimada do gene S no Brasil 11 Quadro 3- Tipos de genes -talassêmicos e respectivas condições clínicas na -talassemia 17 Quadro 4 - Definição dos achados hematológicos de interesse nas amostras estudadas 20 Quadro 5 - Parâmetros hematológicos/bioquímicos importantes diagnóstico diferencial entre traço talassêmico e ADF 22 no vii LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS 1. ADF: Anemia por deficiência de ferro 2. CHCM: Concentração de hemoglobina corpuscular média 3. Hb: Hemoglobina 4. HCM: Hemoglobina corpuscular média 5. HEMOPA: Fundação Centro de Hemoterapia e Hematologia do Pará 6. HPLC: High Pressure Liquid Chromatography 7. Ht: Hematócrito 8. ICB: Instituto de Ciências Biológicas 9. MS: Ministério da Saúde 10. OMS: Organização Mundial de Saúde 11. PNTN: Programa Nacional de Triagem Neonatal 12. RDW: Red blood cell Distribution Width 13. UFPA: Universidade Federal do Pará 14. VCM: Volume corpuscular médio viii RESUMO Introdução: A anemia, segundo a OMS, é a condição na qual o nível de hemoglobina circulante está abaixo dos valores considerados normais para a idade e o sexo do indivíduo. A anemia ferropriva constitui uma das alterações nutricionais de maior prevalência mundial. Por outro lado, cerca de 10% da população mundial é portadora de um dos dois tipos mais importantes de anemia hereditária: a anemia falciforme e as talassemias. Desde o final da década de 90, estudos realizados em populações brasileiras revelaram a presença de cerca de 10 milhões de pessoas portadoras de hemoglobinas anormais. Embora a anemia falciforme possua achados laboratoriais característicos que permitem seu fácil diagnóstico, os portadores de talassemia em heterozigose (traço talassêmico) costumam ter seu diagnóstico confundido com a anemia ferropriva, resultando em tratamentos desnecessários com sulfato ferroso. Objetivos: O presente estudo objetivou pesquisar a prevalência do traço talassêmico e da hemoglobina S em uma amostra de estudantes universitários do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFPA, a partir dos dados do hemograma, eletroforese de hemoglobinas, cromatografia líquida de alta resolução e estudos moleculares. Material e Métodos: Para realização deste trabalho foram analisadas 168 amostras sanguíneas de estudantes do ICB da Universidade Federal do Pará que assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, sendo 87 (51,8%) do gênero feminino e 81 (48,2%) do gênero masculino. Para a triagem da anemia as amostras foram submetidas ao hemograma e para a confirmação da anemia foi analisado somente os parâmetros que compõem o eritrograma. Além de todas as amostras serem submetidas à eletroforese de hemoglobinas, para avaliar o padrão de hemoglobina presente. Resultados: Foi confirmada anemia em 23 amostras (13,7%), sendo 11 do gênero feminino (47,8%) e 12 do gênero masculino (52,2%). Com base no volume corpuscular médio (VCM) classificou-se 21,7% dessas anemias como microcíticas. Em relação à análise do RDW, as amostras apresentaram predomínio da isocitose em 100% nos exames masculinos e 90,9% nos exames femininos. Após a análise do Índice de Mentzer, que representa a razão entre VCM e número de eritrócitos, foi possível sugerir que todos os casos de anemia microcítica detectados possuem como provável causa a carência de ferro, uma vez que estiveram acima do valor do cut off de 13. A eletroforese de hemoglobinas revelou normalidade no tipo de hemoglobina em todas as 168 amostras, sugerindo a ausência de hemoglobinopatias. Conclusão: Houve uma prevalência de anemia ferropriva (13,7%) maior que o considerado aceitável pela OMS (5%). Observa-se, dessa forma, que os estudantes universitários da área da saúde não estão fazendo uma dieta alimentar adequada, por mais que saibam como se prevenir. Em relação à pesquisa de hemoglobinopatias, torna-se necessário ampliar o número de amostras investigadas para estabelecer a prevalência nos estudantes universitários do ICB/UFPA, pois estas constituem uma das principais e mais freqüentes doenças genéticas que acometem seres humanos. Palavras-chave: Anemia, hemoglobinopatias, carência de ferro. ix ABSTRACT Introduction: Anemia, according to WHO, is a condition in which the level of circulating hemoglobin is below normal values for age and sex of the individual. Iron Deficiency Anemia is one of the most prevalent nutritional disorders worldwide. On the other hand, about 10% of the population carries one of two important types of inherited anemia: sickle cell anemia or thalassemia. Since the late 90, studies in Brazilian populations revealed the presence of about 10 million people with abnormal hemoglobins. Although sickle cell anemia has characteristic laboratory findings that allow their easy diagnosis, patients with thalassemia in heterozygous (thalassemic trait) usually are mis diagnosed as iron deficiency anemia, resulting in unnecessary treatment with ferrous sulfate. Objectives: This study aimed to investigate the prevalence of thalassemia trait and hemoglobin S in a sample of university students of the Institute of Biological Sciences (IBS) of Federal University of Pará (UFPA), from the data of the complete blood count (CBC), hemoglobin electrophoresis, high-resolution liquid chromatography and molecular studies. Material and Methods: For this study, 168 blood samples of students of the IBS/UFPA were analyzed. They signed a consent form and 87 (51.8%) were female and 81 (48.2%) were male. For the screening of anemia, samples were submitted to CBC and for confirmation of anemia only the parameters that make up the erythrogram were analyzed. To assess the hemoglobin pattern of the samples they were subjected to hemoglobin electrophoresis. Results: Anemia was confirmed in 23 samples (13.7%) and 11 of them were females (47.8%) and 12 were males (52.2%). Based on the mean corpuscular volume (MCV), 21.7% of the cases of anemia were classified as microcytic anemias. Regarding the analysis of the RDW, the samples showed a predominance of normal RDW, 100% in male exams and 90.9% in female exams. After analyzing the Mentzer index, which represents the ratio between MCV and the number of erythrocytes, we can suggest that all cases of microcytic anemia have as probable cause an iron deficiency, since the index was above the cut off value of 13. Hemoglobin electrophoresis revealed the normal type of hemoglobin in all 168 samples, suggesting the absence of hemoglobinopathy. Conclusion: There was a prevalence of iron deficiency anemia (13.7%) greater than that considered acceptable by the WHO (5%). It was observed that the students of health sciences are not doing a proper diet, although they have knowledge to do it. And relative to the investigation of hemoglobinopathies it is necessary to expand the number of samples investigated to establish the prevalence in students from IBS/UFPA, because they are major and the most frequent genetic diseases that affect humans. Keywords: Anemia, hemoglobinopathy, iron deficiency. 1 1. INTRODUÇÃO 1.1 A ERITROPOESE A eritropoese é o processo de formação de eritrócitos, hemácias ou glóbulos vermelhos, os quais se originam na medula óssea pela proliferação e maturação dos eritroblastos (Zago et al., 2004; Verrastro et al., 2005). A eritropoese produz as hemácias constantemente para manter a massa eritrocitária do organismo, sendo a eritropoetina o principal fator de crescimento envolvido (Zago et al., 2004; Hoffbrand et al., 2008). Por meio da eritropoese são produzidos diariamente em torno de 10 12 novos eritrócitos (Hoffbrand et al., 2008) para repor os eritrócitos envelhecidos e destruídos por fagocitose pelos macrófagos do baço (principalmente), do fígado e da medula óssea. Os glóbulos vermelhos constituem a maior população de células do sangue, sendo que, nos homens, varia de 4,5 a 6,5 milhões por µl e nas mulheres de 3,9 a 5,6 milhões por µl (Zago et al., 2004). De acordo com Zago et al. (2004) os eritroblastos da medula óssea são gerados a partir da proliferação e diferenciação de progenitores eritróides imaturos que são indiferenciáveis em nível morfológico, embora sejam distintos em termos funcionais. In vitro, tais precursores dão origem a colônias de eritroblastos, conforme esquematizado na Figura 1. A eritropoese ocorre por meio da diferenciação da célula-tronco ou stem cell (SC) em célula comprometida mielóide ou unidade formadora de colônias de granulócitos, eritrócitos, monócitos e megacariócitos (CFU-GEMM), a partir da ação de fatores de crescimento (interleucinas 3 e 6). Em seguida, essa célula se diferencia na unidade formadora de crescimento rápido eritróide (BFU-E), posteriormente, na unidade formadora de colônia de eritrócitos (CFU-E). O processo prossegue, dando origem a diferentes células jovens ou blastos. Os blastos se diferenciam em reticulócito e depois em eritrócito. Nos esfregaços de medula, a primeira célula morfologicamente identificável como da série vermelha é, portanto, o proeritroblasto. Os eritroblastos possuem como principal atividade a produção de hemoglobina, a qual começa a acumular-se na fase de proeritroblasto e continua até a formação do eritrócito maduro (Zago et al., 2004). O proeritroblasto pela ação de fatores maturativos se diferencia em: eritroblasto basófilo, eritroblasto policromatófilo, eritroblasto ortocromático e 2 reticulócito, que é liberado para a circulação sanguínea periférica e, após 24 a 48 horas na circulação, transforma-se em eritrócito (Verrastro et al., 2005) (Figura 1). Células-tronco pluripotentes Células Precursoras Células Progenitoras Eritrócitos 4 divisões BFU-E SC 11-12 divisões CFU-E 2-3 divisões Auto-renovação Eritroblastos ortocromáticos Eritroblastos policromáticos Eritroblasto basófilo Diferenciação CFU-GEMM Proeritroblasto Eritropoese ineficaz 5 dias 120 dias Figura 1 – Esquema geral da eritropoese e dos precursores eritróides. SC = Célula-tronco (Stem-Cell); CFU-GEMM = unidade formadora de colônias de granulócitos, eritrócitos, monócitos e megacariócitos (Colony-Forming Unit-Granulocyte, Erythrocyte, Monocyte and Megakaryocyte); BFU-E = unidade formadora de crescimento rápido eritróide (Burst-Forming Unit-Erythroid); CFU-E = unidade formadora de colônia de eritrócitos (Colony-Forming Unit-Erythroid); (a) = proeritroblasto; (b) = eritroblasto basófilo; (c) = eritroblasto policromático; (d) = eritroblasto acidófilo ou ortocromático; (e) = reticulócito; (f) = eritrócito maduro. Adaptado de: http://www.lookfordiagnosis.com/mesh_info.php?term=Eritropoese&lang=3. Fonte das imagens: Carr & Rodack (2000). 3 O modo como se dá a transformação de reticulócito em eritrócito pode ser assim resumido: à medida que os reticulócitos passam pelo baço, eles sofrem o processo de acabamento ou remodelagem, que consiste na retirada do excesso de membrana e de corpúsculos citoplasmáticos (ribossomos), além de restos de DNA e de grânulos de ferro. Quando o baço está hipofuncional ou ausente (devido à esplenectomia), os eritrócitos podem circular defeituosos, com os corpúsculos intracitoplasmáticos que não foram retirados pelos macrófagos da polpa esplênica (Lorenzi, 1999). Na fase de eritroblasto ortocromático as hemácias sofrem o fenômeno da enucleação e tomam a sua forma final anucleada. Porém a célula originada – o reticulócito, ainda contém grande quantidade de RNA em seu citoplasma, preservando a quantidade de síntese protéica, e é nessa fase que há a liberação da medula para a circulação sanguínea. Esta, uma vez amadurecida perde seu conteúdo de RNA e transforma-se em uma hemácia madura, cuja vida em circulação é de 120 dias (Zago et al., 2004). É justamente na fase de reticulócito que a síntese de hemoglobina é mais expressiva e, embora não haja mais núcleo (pela expulsão ocorrida na fase anterior), há uma grande quantidade de moléculas de RNA mensageiro que garante a síntese (Lorenzi, 2006). As hemácias possuem como funções primordiais o transporte de oxigênio dos pulmões aos tecidos, mantendo a perfusão tissular adequada e transportando gás carbônico dos tecidos aos pulmões (Zago et al., 2004; Rose & Berliner, 2004). Os eritrócitos têm a forma homogênea de corpúsculos circulares, bicôncavos e de tamanho relativamente uniforme. Na análise dos esfregaços sanguíneos, apenas as faces achatadas são observadas e, assim, são vistas como circulares com coloração central mais tênue que corresponde às regiões bicôncavas (Zago et al., 2004; Verrastro et al., 2005) (Figura 2). 4 Figura 2 – Eritrócitos com normalidade em relação ao volume (normocíticos), cor (normocrômicos) e forma (disco bicôncavo com halo central mais claro). Fonte: Anderson & Poulsen (2005). 1.2 A HEMOGLOBINA A hemoglobina (Hb) é uma proteína transportada pelo eritrócito, cuja principal função é executar a troca gasosa dos eritrócitos: transporte de oxigênio (O 2) aos tecidos e o retorno de dióxido de carbono (CO2) dos tecidos aos pulmões (Hoffbrand et al., 2008). Estima-se que existam, aproximadamente, 640 milhões de molécula de hemoglobina em cada eritrócito (Hoffbrand et al., 2008). Constituindo 95% das proteínas que compõem as hemácias, a Hb é a responsável pelas funções dessa célula (Zago et al., 2004). No adulto, a Hb encontrada nas hemácias é predominantemente a Hb A, constituída de duas cadeias α e duas cadeias β, cada uma ligada de forma covalente a um grupo heme, formando tetrâmeros (Nussbaum et al., 2002; Zago et al., 2004; Hoffbrand et al., 2008), cujo esquema da estrutura quaternária encontra-se demonstrada na Figura 3. Sendo o grupo heme, um pigmento que contém ferro que se combina com o oxigênio para possibilitar à molécula de Hb a capacidade de transportar oxigênio (Nussbaum et al., 2002). 5 1 2 Grupo heme 2 1 Figura 3 – Esquema da estrutura da hemoglobina humana. Fonte:http://www.cqmed.com.br/ECBancoImagemDemo.asp?Id_Area=2&Id_BancoImagem// A Hb A torna-se dominante no sangue depois dos três a seis meses de idade. No sangue normal no adulto, também são encontradas pequenas quantidades de duas outras hemoglobinas: a Hb A2 e a hemoglobina fetal (Hb F), as quais contêm cadeias α, porém com cadeias δ e γ, respectivamente, em vez da cadeia β (Tabela 1) (Hoffbrand et al., 2008). . Tabela 1 – Hemoglobinas normais no sangue adulto. Características Hb A Hb F Hb A2 Estrutura α2β2 α2γ2 α2δ2 96-98 0,5-0,8 1,5-3,2 Normal (%) Os genes que sintetizam as cadeias polipeptícas da Hb – as globinas – são encontrados nos cromossomos 11 e 16 (Naoum, 1997; Hoffbrand et al., 2008). Os grupamentos de genes nos cromossomos 11 e 16 regulam a gênese das cadeias globínicas na ordem cronológica em que são expressos (sentido 5’ 3’) durante o desenvolvimento ontogenético (Neto & Pitombeira, 2003), conforme demonstrado na Figura 4. 6 Cromossomo 16 5’ Cromossomo 11 5’ G A 1 2 3’ 3’ Figura 4 – Cromossomos e genes envolvidos na síntese de hemoglobinas humanas. No cromossomo 16: gene zeta (δ), dois pseudogenes (δ) e (α,) e os genes alfa 1 (α1) e alfa 2 (α2). No cromossomo 11: gene épsilon (ε), gama glicina (γG), gama adenina (γA), um pseudogene (β) e os genes delta (δ) e beta (β). Adaptado de: Neto & Pitombeira (2003). A síntese das subunidades protéicas α e β da Hb A é codificada por genes independentes. Em condições normais, essa síntese é equilibrada, produzindo quantidades equivalentes de cadeias α e β (Zago et al., 2004). Sendo que, cada polipeptídio α consiste em uma seqüência específica de 141 aminoácidos, enquanto cada cadeia β possui 146 aminoácidos (Naoum, 1997; Nussbaum et al., 2002; Snustad & Simmons, 2008). No Quadro 1 está demonstrada a composição gênica das hemoglobinas humanas. Um dos principais elementos para a formação da hemoglobina é o ferro. A maior concentração do ferro encontrado no organismo humano está ligada à Hb (Teixeira, 2006), sendo sua carência uma das principais causas de anemia. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a anemia é a condição na qual o nível de Hb circulante está abaixo dos valores considerados normais para a idade, o sexo, o estado fisiológico e a altitude (Duncan et al., 2005 apud Cardoso et al., 2008). 7 Quadro 1 – Composição gênica das diferentes hemoglobinas encontradas nos diferentes estágios do desenvolvimento humano Gene codificador de cada par de cadeias globínicas Período Embrionário Fetal Adulto 1.3 Hemoglobina Cromossomo 11 Cromossomo 16 Hb Portland γG δ Hb Gower 1 ε δ Hb Gower 2 ε α Hb F γA α Hb A β α Hb A2 δ α Hb F γA α PRINCIPAIS TIPOS DE ANEMIA A anemia pode decorrer de múltiplas causas, por isso, é considerada uma síndrome, mas sua prevalência mundial é liderada pela anemia por deficiência de ferro (ADF) ou anemia ferropriva (Failace et al., 2009) A OMS classifica a significância da prevalência de anemia na população como: normal ou aceitável (abaixo de 5%), leve (de 5 a 19,9%), moderada (de 20 a 39,9%) e grave (maior ou igual a 40%), conforme é demonstrado na Figura 5 (WHO, 2001). Ainda de acordo com a organização mencionada, a carência de ferro tem sido apontada como a causa mais comum de anemia, que têm relação direta com a própria prevalência de anemia, variando entre as populações a depender da idade, do sexo, das condições socioeconômicas e da prevalência regional de outras causas de anemia, tais como malária, hemoglobinopatias hereditárias e deficiência de outros nutrientes (vitaminas A, B12, C e ácido fólico). A deficiência de ferro é, portanto, causa mais importante de anemia e possui 8 como características laboratoriais ser microcítica e hipocrômica (WHO, 2001; Hoffbrand et al., 2008). Categoria de significância da prevalência de anemia como problema de Saúde Pública: Normal (<5%) Leve (5 – 19,9%) Moderada (20-39,9%) Severa (>40%) Sem informação Figura 5 – Representação da anemia como problema de saúde pública mundial. Fonte: WHO (2007). Estudos que envolvem dados regionais sobre anemia mostram elevada prevalência de anemia no Brasil, em todas as idades e níveis socioeconômicos (Jordão et al., 2009), embora existam poucos estudos sobre a prevalência da anemia na população brasileira (Olinto et al., 2003). Há uma alta prevalência de ADF no Brasil, a qual é indicada por vários estudos realizados em diferentes locais e populações (Ducan et al., 2005 apud Cardoso et al., 2008). No nosso país, nas diversas regiões, a anemia ferropriva é a carência nutricional mais prevalente, superando inclusive a desnutrição calórico-protéica (Brunken et al., 2002). Como já citado, a maioria do ferro do organismo se encontra na Hb, mas também está armazenado em diferentes tecidos, tanto na forma de ferritina como de hemossiderina. Em sua carência, esses depósitos esgotam-se e o ritmo de síntese de Hb é comprometido (Zago et al., 2004). Deve-se levar em consideração que a carência de ferro ocorre 9 gradativamente, podendo encontrar indivíduos com deficiência de ferro sem manifestar anemia, onde os estoques estão afetados e os níveis de Hb se encontram normais (Rezende et al., 2009). Os principais fatores relacionados à ADF são: ingestão deficiente de ferro, baixo nível socioeconômico, alta prevalência de doenças infecto-contagiosas, precárias condições de saneamento, baixo peso ao nascer, prematuridade, sangramento perinatal e baixa taxa de Hb ao nascimento (Cardoso et al., 2008). Sendo que os principais sinais e sintomas decorrem da anemia propriamente dita e incluem palidez, cansaço (Monteiro, 2005), além de adinamia, sonolência, cefaléia, tonturas, zumbido no ouvido, alterações da visão, dispnéia, batedeira, claudicação intermitente e baixo desempenho no trabalho (Zago et al., 2004). Em várias partes do mundo, a freqüência de beta talassemia – uma importante hemoglobinopatia – como causa de anemia microcítica, é menor apenas do que a freqüência de ADF. Pois, apesar das formas graves de beta talassemia serem facilmente diagnosticadas, as formas mais leves podem ser interpretadas e tratadas como anemia ferropriva (Cunningham & Rising, 1977 apud Melo et al., 2002). 1.4 HEMOGLOBINOPATIAS As hemoglobinopatias, também conhecidas como distúrbios hereditários da Hb humana, são doenças geneticamente determinadas e apresentam morbidade significativa em todo o mundo (Orlando et al., 2000), constituindo uma das principais e mais freqüentes doenças genéticas que acometem os seres humanos (Di Nuzzo & Fonseca 2004). Várias pessoas trazem em seu patrimônio genético hemoglobinas anormais em várias combinações, com conseqüências que variam das quase imperceptíveis, até letais. Sendo que, entre as doenças genéticas, as hemoglobinopatias, especialmente a anemia falciforme e as talassemias, são consideradas um sério problema de saúde pública (Ducatti et al., 2001). As hemoglobinopatias são caracterizadas por alterações que envolvem genes estruturais e promovem a formação de moléculas de Hb com variações polimórficas características. Essas alterações são denominadas variantes e possuem freqüências diversificadas, de acordo com distribuição geográfica e/ou étnica (Aigner et al., 2006). 10 De maneira geral as anemias hereditárias por defeito da Hb podem ser divididas em dois grandes grupos: (1) as hemoglobinopatias qualitativas ou estruturais, que se caracterizam pela presença de hemoglobinas estruturalmente anormais, tal como a hemoglobina S (Hb S) e (2) as hemoglobinopatias quantitativas ou talassemias, caracterizadas pela síntese deficiente de uma ou mais cadeias polipeptídicas (globinas) das hemoglobinas humanas normais (Nussbaum et al., 2002; Wagner et al., 2005). O Brasil se caracteriza por significativa mistura étnica, onde o processo de colonização teve grande influência na dispersão dos genes alterados, principalmente no caso das doenças falciformes e das talassemias. A distribuição das hemoglobinas anormais, provenientes de formas variantes e talassemias, estão relacionadas com as etnias que compõem nossa população (Naoum, 2000; Orlando et al., 2000; Melo-Reis et al., 2005; Aigner et al., 2006; Leoneli et al, 2001 apud Melo-Reis et al, 2006). Deste modo, observa-se, no Brasil, uma prevalência variável de hemoglobinas anormais, influenciada por fatores ecológicos e étnicos (Vivas, 2005). A distribuição do gene S no Brasil é bastante heterogênea, dependendo de composição negróide ou caucasóide da população. Mas, a doença predomina entre negros e pardos (Felix et al., 2010). Estima-se, segundo o Portal da Saúde e conforme os dados do Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) que nasçam no Brasil cerca de 3.500 crianças/ano com a doença ou 1/1000 nascidos vivos e 200.000 ou 1/35 com traço falciforme. O Quadro 2 mostra os principais dados da doença falciforme no Brasil segundo Ministério da Saúde (MS) (Cançado & Jesus, 2007). Estimativas mais recentes do MS indicam que, em média, 4% da população brasileira têm traço falciforme (heterozigose simples), cuja incidência regional está representada na Figura 6. Em adição, de 25.000 a 50.000 pessoas apresentam a doença em estado homozigótico (anemia falciforme) ou na condição de heterozigotos compostos (Hb S/Hb C; Hb S/Hb E; Hb S/Hb D; Hb S/beta-talassemia, etc.) (Ministério da Saúde, 2009). Desse modo, há que se considerar que a Hb S tem importância clínica, hematológica, bioquímica, genética, antropológica e epidemiológica, entre outras, devido à sua morbidade e alto índice de mortalidade (Naoum, 2000). Diversos estudos realizados têm demonstrado a grande variação na proporção de indivíduos com talassemia alfa no Brasil (Castilho et al., 1987; Pedrollo et al., 1990; Sonati et 11 al., 1991; Orlando et al., 2000; Viana-Baracioli et al., 2001; Ducatti et al., 2001; Daudt et al., 2002; Wagner et al., 2005). Quadro 2 – Prevalência estimada do gene da HbS no Brasil Traço Falciforme (Hb AS) População geral 4% (2% a 8%) Afro-descendentes 6% a 10% Nascimento anual 200.000 Expectativa de indivíduos Hb AS 7.200.000 Anemia Falciforme (Hb SS) Casos estimados 25.000 a 50.000 Nº de casos novos por ano 3.500 Incidência do traço falciforme (Hb AS)(*) 2,4% 2,5% 2,7% 4,5% 3,3% 1,3% (*) Programas nacionais de triagem neonatal 1,3% 4,0% 1,9% 0,6% 1,2% Figura 6 – Incidência do traço falciforme na população brasileira. Fonte: Murao & Ferraz (2007). Segundo revisão feita por Cançado (2006), dentre todos os defeitos genéticos das hemoglobinas, a talassemia alfa é a mais prevalente no Brasil e em quase todos os 12 continentes. Estima-se que ela atinja, pelo menos, 4% da população brasileira (Orlando et al., 2000). Segundo Mendes-Siqueira (apud Oliveira et al., 2006), pelo menos 10% da população do sudoeste do estado de São Paulo apresenta este tipo de hemoglobinopatia. Entretanto, se considerarmos os indivíduos afro-descendentes, essa freqüência pode alcançar 20% a 25% (Siqueira et al., 2002; Oliveira et al., 2006). Isso reflete a forte influência da população africana no Brasil e, em razão do elevado grau de miscigenação étnica que aqui ocorre, é alta a probabilidade de associação entre esse tipo de talassemia e outras hemoglobinas variantes, sobretudo com a Hb S, que também é bastante freqüente em nosso país. A talassemia beta, por sua vez, está entre as três mais freqüentes hemoglobinopatias encontradas no Brasil (Zago et al., 2004). Estudos desenvolvidos na população brasileira mostram que existem cerca de 10 milhões de indivíduos heterozigotos para o gene da talassemia beta, além da Hb S e da Hb C (Backs et al., 2005 apud Santos, 2011). Indivíduos beta-talassêmicos podem apresentar anemia leve, que pode intensificar-se em determinadas situações, como na gravidez, situações de estresse e quando associada com outros processos patológicos. A imigração dos povos do mediterrâneo, principalmente italianos, contribuiu na formação da população, principalmente no Sul e Sudeste do Brasil. Em função disso; a freqüência de indivíduos beta-talassêmicos nestas regiões pode ser bastante elevada, variando de 0,4% a 20,0% (Lisot & Silla, 2004). De fato, na medida em que as doenças infecciosas e a desnutrição vão sendo controladas, os distúrbios hereditários da Hb ainda permanecem como um dos mais importantes problemas de saúde pública dos países do terceiro mundo (Compri, et al., 1996; Acedo, et al., 2002). 1.5 HB S – ETIOLOGIA, CONSEQÜÊNCIAS, MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E HEMATOLÓGICAS A anemia falciforme é a hemoglobinopatia com maior incidência na população brasileira (Bandeira et al., 1999; Silla, 1999; Soares et al., 2009). Sua etiologia está em uma mutação que ocorreu no gene que codifica as cadeias de globina beta da Hb A. Essa mutação – uma única troca de bases no 6º códon do gene beta – produz cadeias beta anômalas e, em conseqüência, uma Hb mutante denominada Hb S (Naoum, 2000; Nussbaum et al., 2002; Teixeira, 2006). 13 As moléculas de Hb S têm capacidade normal para realizar sua principal função de ligação com o oxigênio. No entanto, sob condições de baixa tensão de oxigênio, as moléculas da Hb S agregam-se em polímeros ou fibras em forma de bastão que distorcem o eritrócito, os quais passam da forma normal de disco bicôncavo para a forma de foice (drepanócitos) (Figura 7). Os drepanócitos são menos deformáveis e, à diferença dos eritrócitos normais, não se comprimem em fila única através dos capilares, obstruindo assim o fluxo sangüíneo e causando hipoxia local (Figura 8). Normalmente, essas células readquirem a forma normal, após reoxigenação. No entanto, a repetição desse processo provoca considerável lesão na membrana eritrocitária de células mais sensíveis, fazendo com que a forma de foice persista, mesmo após a elevação dos níveis de O2. Essas hemácias alteradas são destruídas por hemólise ou por fagocitose pelos macrófagos do baço, principalmente (Nussbaum et al., 2002). A cristalização da Hb S tem como conseqüências principais a anemia hemolítica crônica e a oclusão de pequenos vasos sangüíneos, que resultam em lesão tecidual isquêmica com crises de dor, infartamento e necrose em diversos órgãos (Ducatti et al., 2001) Figura 7 – Drepanócitos observados em sangue periférico de paciente com Hb S. Fonte: http://www.plugbr.net/sulfato-ferroso-na-anemia-falciforme-pode-ate-causar-danos- aos-orgaos/ Clinicamente, o portador da Hb S pode apresentar-se como assintomático (forma heterozigota, com a presença de um único gene mutado) ou sintomático (forma homozigota, com a presença dos dois genes mutados e, em conseqüência, com o desenvolvimento da anemia falciforme). A Hb S é predominante entre negros e pardos (Ducatti et al., 2001; Felix et al., 2010) porém, estudos populacionais têm demonstrado a crescente presença dessa variante hemoglobínica mesmo em indivíduos caucasóides (Di Nuzzo & Fonseca, 2004). 14 6GAG 6GTG Oxi-Hb Desóxi-Hb 6Glu 6Val Eritrócito com forma normal Lesão nos tecidos Oclusão vascular Deformabilidade celular Alteração da forma dos eritrócitos Figura 8 – O fenômeno da falcização e a vaso-oclusão promovida pela Hb S. Adaptado de: Costa (2005). Os recém-nascidos portadores da Hb S em estado homozigótico, apresentam anemia falciforme ou, como mais adequadamente denominada, possuem a doença das células falciformes, revelando níveis elevados de Hb F e, por isso, não apresentam manifestações clínicas. Porém, quando os níveis de Hb F declinam esses pacientes passam a apresentar anemia. Já nos dois primeiros anos de vida, os níveis de Hb variam entre 6 a 10 g/dL (sendo os valores normais para essa idade de 12 a 16 g/dL de sangue) (Failace et al., 2009). Na análise do esfregaço sangüíneo a presença dos drepanócitos é usual, mas não constante, podendo faltar nos pacientes em tratamento com hidroxiuréia. É comum a presença de eritroblastos1, de neutrofilia2 (às vezes acentuada) e de trombocitose3. No hemograma desses pacientes, observa-se diminuição do número de eritrócitos (eritropenia), da hemoglobina e do hematócrito. O volume corpuscular médio (VCM) pode encontrar-se normal ou levemente aumentado. A hemoglobina corpuscular média (HCM) costuma estar normal, bem como a concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM). Embora a reticulocitose seja inferior a esperada para a intensidade da anemia e a gravidade dos sintomas, há elevação do RDW4, ou seja, há anisocitose. (Failace, 2003). Por sua vez, os portadores da Hb S em estado heterozigótico apresentam a condição conhecida como traço falciforme e possuem de 30% a 40% de Hb S, e de 60% a 70% de Hb A. A maior proporção de Hb A inibe as alterações em nível celular ocasionadas 1 Eritrócitos jovens que normalmente são encontrados apenas na medula óssea. Elevação do número de neutrófilos circulantes acima do referencial para a idade do paciente. 3 Elevação do número de plaquetas circulantes acima do referencial. 4 Do inglês Red blood cell Distribution Width, indica o índice de anisocitose dos eritrócitos circulantes, ou seja, a presença de eritrócitos com volumes heterogêneos na mesma amostra de sangue. 2 15 pela Hb S e todas as manifestações clínicas daí decorrentes, tornando-os assintomáticos, na maioria das vezes, exceto se submetidos a hipóxia grave como em grandes altitudes, baixas temperaturas, anestesia prolongada, alcoolismo agudo (Rapaport, 1990). 1.6 TALASSEMIAS – ETIOLOGIA, CONSEQÜÊNCIAS, MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E HEMATOLÓGICAS As talassemias compreendem um grupo heterogêneo de distúrbios genéticos, caracterizados pela ausência ou redução na síntese de uma determinada cadeia globínica (Rose & Berliner, 2004; Santos, 2011). Vale relembrar que a Hb A é composta por quatro cadeias polipeptídicas, sendo duas do tipo alfa e duas do tipo beta. Quando o defeito genético impede a produção normal das cadeias de globina beta, tem-se a talassemia beta. Por outro lado, quando a mutação impede a síntese normal de cadeias de globina alfa, tem-se a talassemia alfa (Ducatti et al., 2001; Hoffbrand et al., 2008). A cadeia globínica que é produzida na taxa normal fica em excesso relativo, na ausência de uma cadeia complementar, com a qual possa formar um tetrâmero. Com isso, as cadeias normais em excesso precipitamse nas células, lesando a membrana e provocando a destruição prematura das hemácias. O defeito na síntese da Hb gera uma anemia hemolítica, do tipo microcítica e hipocrômica (Nussbaum et al., 2002; Zago et al., 2004; Hoffbrand et al., 2008). As talassemias podem ser consideradas graves ou brandas na dependência da gravidade do defeito genético apresentado e da quantidade de hemoglobinas normais (Hb A) que o paciente consegue produzir. Os portadores das formas graves têm sua sobrevida dificultada em função da anemia severa que desenvolvem, com Hb inferior a 5g/dL (só para comparar, os valores normais para adultos está acima de 12g/dL), intensa pecilocitose 5 e aparecimento comum de eritroblastos na circulação sanguínea (Failace, 2003). Contudo, no caso de portadores de talassemias brandas, heterozigóticas ou também chamadas de traço talassêmico, observa-se uma anemia microcítica e hipocrômica leve que pode ser confundida com o principal tipo de anemia observado nas populações em geral – a ADF – a qual também apresenta hemácias microcíticas e hipocrômicas (Melo et al, 2002; Failace, 2003). 5 Presença de eritrócitos com formas alteradas na mesma amostra de sangue. A pecilocitose é uma anormalidade comum, inespecífica, encontrada em várias desordens hematológicas, podendo resultar de produção de células anormais pela medula óssea ou de dano às células normais após serem liberadas para a corrente sangüínea. 16 O diagnóstico da ADF costuma ser fácil: o hemograma mostra a anemia, caracterizada pela taxa inferior de Hb, presença de glóbulos vermelhos menores que o normal, ou seja, com VCM reduzido por faltar-lhes conteúdo hemoglobínico. Além disso, a dosagem plasmática da ferritina (forma química de armazenamento do ferro no organismo) e do ferro sérico, podem mostrar-se muito baixas. Outro achado importante é o aumento precoce do RDW. Isso se deve à variabilidade diária do aporte de ferro para a eritropoese. A CHCM só baixa significativamente na ADF severa. Não se observa uma contagem elevada de reticulócitos, pois a ADF é hiporregenerativa (Lewis et al., 2006; Rosenfeld, 2007; Failace et al., 2009). Por sua vez, no traço talassêmico, há anemia microcítica, hipocrômica, isocitose (RDW normal ou levemente aumentado), além da presença de um número normal ou elevado de eritrócitos (Failace, 2003). A resposta medular com reticulocitose e eritrocitose no traço talassêmico se deve ao fato da diminuição na produção das cadeias de hemoglobinas não possuir relação com a carência de ferro e sim com mutações que impedem a expressão correta dos genes que codificam globinas. Por isso, a medula aumenta a produção de eritrócitos para compensar a redução de Hb A nas hemácias dos pacientes. O ferro é, de fato, absolutamente essencial à eritropoese, não só por fazer parte da molécula de Hb, mas também por ser co-fator da enzima ribonucleotídeo-redutase que participa da síntese de desoxirribonucleotídeos. É por isso que a anemia por carência de ferro cursa com eritropenia, enquanto o traço talassêmico cursa com eritrocitose (Lorenzi, 1999; Failace, 2003). Por sua vez, a observação de RDW normal (isocitose) nas talassemias deve-se ao fato do defeito que gera a redução da Hb dentro de cada célula, ser o mesmo. Com isso, todas as hemácias acabam apresentando praticamente o mesmo volume, o qual é reduzido. Por sua vez, na carência de ferro, o RDW é elevado porque o ferro não falta de modo homogêneo para todas as células, as quais acabam apresentando variações de volume consideráveis (Failace, 2003). Apesar das diferenças apresentadas, o diagnóstico das talassemias costuma ser confundido com ADF, levando os pacientes a fazerem tratamentos desnecessários com sulfatos ferrosos por longos períodos de tempo, sem atingir a cura para seus problemas de anemia (Failace, 2003). 17 As -talassemias são as talassemias mais freqüentemente identificadas na prática clínica em função de seu diagnóstico ser realizado com técnicas mais simples, como a eletroforese de Hb (Lorenzi, 2006). Existe uma heterogeneidade tão grande nas -talassemias, sob o ponto de vista molecular, que a maioria dos homozigotos é considerada como heterozigotos compostos, porque possui dois genes -talassêmicos diferentes, o que origina uma ampla variedade clínica. Como regra geral, quando os alelos da -talassemia permitem uma produção tão pequena de -globina que nenhuma ou quase nenhuma Hb A está presente, a condição é denominada 0-talassemia. Caso alguma quantidade de Hb A seja detectável, diz-se que o paciente tem +-talassemia. Os “homozigotos” apresentam quadros clínicos cuja intensidade varia de acordo com o efeito combinado dos dois alelos presentes (Nussbaum et al., 2002; Zago et al., 2004), como demonstrado no Quadro 3. As -talassemias são, ainda, classificadas como major, minor e intermédia de acordo com o padrão de evolução clínica, podendo, no entanto, serem decorrentes de grande variedade de defeitos moleculares (Nussbaum et al., 2002; Zago et al., 2004). As -talassemias são menos diagnosticas que as talassemias porque as técnicas que as definem são, normalmente, técnicas moleculares, não disponíveis na rotina laboratorial (Lorenzi, 2006). Deleções ou outras alterações de um, dois, três ou dos quatro genes causam anormalidades hematológicas correspondentemente intensas, conforme apresentado na Tabela 2 (Nussbaum et al., 2002; Zago et al., 2004). Quadro 3 – Tipos de genes -talassêmicos e respectivas condições clínicas na talassemia. Genes Gravidade da mutação 0 Muito séria + Variável Condição clínica Produção de cadeias da Hb Quase nula (nenhuma ou quase nenhuma Hb A presente) Variável dependendo da gravidade da mutação (a quantidade de Hb A pode ser próxima da normal ou não) Gravidade da condição Genótipos Talassemia minor Leve /+ ou /0 Talassemia major Grave 0/0 ou 0/+ Intermediária +/+ Talassemia intermedia 18 Tabela 2 – Caracterização das -talassemias. Condição clínica Normal Nº de genes funcionais de cadeias 4 / 100% 3 -/ 75% 2 -/- ou /-- 50% 1 --/- 25% 0 --/-- 0% Portador silencioso (assintomático): Hb ≅ 1g/dL inferior; VCM ≅ 80fL Produção Genótipo -talassemia típica: anemia hemolítica leve e microcitose (VCM ≅ 75 fL) com no normal ou elevado de eritrócitos Doença da Hb H: anemia hemolítica moderadamente severa a grave (Hb ≅ 5-10g/dL) com microcitose (VCM ≅ 60-75 fL); RDW > 20 e intensa pecilocitose Hidropisia fetal ou -talassemia homozigótica (Hb de Bart): incompatível com a vida 1.7. PARÂMETROS DO ERITROGRAMA E SUA INTERPRETAÇÃO. O hemograma, importante exame laboratorial de auxílio diagnóstico para as doenças hematológicas, é composto pelo: eritrograma, leucograma e plaquetograma (Monteiro, 2005; Failace et al., 2009) avaliando, respectivamente, os eritrócitos, os leucócitos e as plaquetas do sangue. No presente estudo, avaliou-se apenas o eritrograma, cujos parâmetros compreendem: número de eritrócitos, Hb; hematócrito (Ht), além dos já mencionados índices hematímetricos VCM, HCM, CHCM e RDW. O Quadro 4 apresenta a definição dos achados hematológicos de interesse pra este estudo. Segundo Failace et al. (2009) a contagem de eritrócitos deve ser interpretada no contexto de todo eritrograma. Sendo que ao encontrar uma quantidade de eritrócitos acima dos valores de referência há uma eritrocitose, e abaixo há uma eritropenia. Convém lembrar que o número de eritrócitos varia, em condições fisiológicas, com o sexo, a idade e a altitude 19 do local em que o indivíduo reside (Failace, 2003). O número de eritrócitos é fornecido em milhões (ou 106) por microlitro de sangue. A dosagem de Hb é fundamental para a análise do eritrograma, já que há anemia quando o resultado deste parâmetro mostra-se abaixo dos níveis de referência para a idade e o sexo do paciente (Verrastro et al., 2005; Failace et al., 2009). A taxa de Hb é fornecida em g/dL de sangue. O Ht é definido como o volume da massa eritróide de uma amostra de sangue expressa em porcentagem (Failace et al., 2009). Geralmente é fornecido em percentual. Dentre os índices hematimétricos o VCM é uma das medidas mais importante no diagnóstico diferencial das anemias (Grotto, 2009). O VCM é especialmente útil para avaliar as anemias hipoproliferativas – anemias com baixa contagem de reticulócitos – auxiliando na divisão dessas anemias em: microcítica, normocítica e macrocítica (Rose & Berliner, 2004). Como o VCM avalia o tamanho (volume) médio dos eritrócitos, determina se eles são pequenos, médios ou grandes. Se as hemácias apresentam um volume médio abaixo do valor de referência são ditas microcíticas, mas se o valor encontrado for acima do valor de referência são ditas macrocíticas (Verrastro et al., 2005; Failace et al., 2009). O VCM é fornecido em fentolitros. A HCM representa a quantidade média de Hb por eritrócito (Failace et al., 2009) que normalmente apresenta valores paralelos aos valores de VCM (Rose & Berliner, 2004). É fornecida em picogramas. Por sua vez, a CHCM fornece a concentração média (massa/volume) da Hb nas hemácias, podendo determinar se a anemia apresenta-se: normocrômica, com saturação de Hb normal no interior dos eritrócitos ou hipocrômica, com pequena saturação de Hb no interior dos mesmos. Já a “hipercromia”, definida por um valor de CHCM acima do referencial, tem relação com plasma turvo, que dificulta a definição desse parâmetro pelo contador de células, como nos casos em que há lipemia, hemólises intensas e hiperleucocitoses (Lewis et al., 2006; Failace et al., 2009). É fornecida em percentual. O RDW representa a medida quantitativa da anisocitose e determina se a população eritrocitária apresenta-se homogênea ou heterogênea, quanto ao volume, devendo ser analisado junto com outros parâmetros do hemograma (Grotto, 2009). Em outras palavras, representa a variação de volume em relação ao VCM. É expresso em percentagem. 20 Quadro 4 – Definição dos achados hematológicos de interesse nas amostras estudadas. Achado Definição - Eritrocitose - Eritropenia Número de eritrócitos acima do referencial para o gênero e a idade do paciente Número de eritrócitos abaixo do referencial para o gênero e a idade do paciente - Anemia Concentração de Hb inferior à faixa de referência - Microcitose VCM menor que a faixa de referência - Macrocitose VCM maior que a faixa de referência - Normocitose VCM dentro da faixa de referência - Normocromia Coloração do eritrócito dentro da faixa de referência (CHCM normal) - Hipocromia Coloração do eritrócito diminuída (CHCM diminuída) - Isocitose - Anisocitose Existência de eritrócitos com tamanhos (volumes) homogêneos numa mesma amostra de sangue Existência de eritrócitos com tamanhos (volumes) heterogêneos numa mesma amostra de sangue A análise microscópica do esfregaço sanguíneo permite a visualização das hemácias micro, normo e macrocíticas, assim como hipo, normo e “hipercrômicas”. No caso da observação de hemácias sem o halo central pálido, deve-se considerar que se está diante de uma alteração de forma da hemácia, que apresenta-se esférica, e não necessariamente que há excesso de Hb, visto que há um limite de saturação de Hb no interior da hemácia (Figuras 9 e 10). 21 Figura 9 – Variação do VCM em diferentes distensões sanguíneas, utilizando o núcleo de um linfócito como referência na comparação. Em a: hemácias normocíticas; em b: hemácias microcíticas (menores) e em c: hemácias macrocíticas (maiores). Adaptado de: Carr & Rodack (2000) e Anderson & Poulsen (2005). Figura 10 – Variação de cor de eritrócitos em diferentes distensões sanguíneas. Em a: hemácias normocrômicas; em b: hemácias hipocrômicas e em c: hemácias “hipercrômicas”. Adaptado de: Carr & Rodack (2000) e Anderson & Poulsen (2005). 1.8 A ANÁLISE LABORATORIAL NO DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DA ANEMIA MICROCÍTICA O exame complementar que avalia quantitativa e qualitativamente os elementos celulares do sangue e o mais requerido nas consultas é o hemograma. Este exame é fundamental na triagem da saúde, indispensável no diagnóstico e no controle evolutivo das doenças infecciosas, relacionando-se com toda a patologia (Failace et al., 2009). Segundo Failace et al. (2009) a maneira usual de se esclarecer a patogênese e a etiologia da anemia consiste em classificar e analisar os casos sob várias ângulos e selecionar 22 o que mais se aplica aos dados. Uma dessas classificações é pela biometria do eritrócito, que através do valor do volume corpuscular médio (VCM) pode classificar as anemias em microcíticas, normocíticas e macrocíticas. Em relação à microcitose, a síntese deficiente de Hb pode ser por falta de oferta de ferro à eritropoese, como por defeito genético da síntese da globina. De acordo com Teixeira (2006) as microcitoses são decorrentes de hipocromias, e estas de deficiências de síntese de Hb. Para Failace (2003), é justamente a redução na quantidade de Hb dentro da célula que causa a redução no volume celular, originando a microcitose. A determinação dos níveis de ferro sérico circulante se torna um fator preponderante para a caracterização da origem da deficiência de síntese da molécula de Hb: se a mesma está relacionada com prejuízo na síntese do grupamento heme, ou se por defeito na síntese de cadeias globínicas. Além disso, no diagnóstico diferencial de traço talassêmico e ADF deve-se analisar também se há eritrocitose e reticulocitose (apenas no traço talassêmico) ou, anisocitose (na ADF) ou isocitose (no traço talassêmico). O Quadro 5 apresenta os achados laboratoriais importantes na diferenciação diagnóstica entre traço talassêmico e anemia por carência de ferro. Quadro 5 – Parâmetros hematológicos/bioquímicos importantes no diagnóstico diferencial entre traço talassêmico e ADF. Parâmetros Traço hematológico/bioquímico talassêmico ADF Eritrócitos (Eritrocitose) Sim Não Eritrócitos (Eritropenia) Não Sim Resposta medula (Reticulocitose) Sim Não RDW normal (Isocitose) Sim Não RDW (Anisocitose) Não Sim Ferro/Ferritina séricos Não Sim HCM Sim Sim VCM (Microcitose) Sim Sim CHCM (Hipocromia) Sim Sim 23 1.9 JUSTIFICATIVA Os casos de anemia hereditária devem ser pesquisados habitualmente em todos os pacientes que tenham ou não alteração no hemograma, uma vez que, quanto mais precocemente houver o diagnóstico, acompanhamento médico e aconselhamento genético, maiores as chances de diminuição da morbidade, mortalidade e da transmissão gênica dessas alterações aos descendentes. Além disso, como já comentado, pacientes com traço talassêmico podem ser submetidos a tratamentos desnecessários com sais de ferro em virtude de existir confusão diagnóstica entre traço talassêmico e anemia ferropriva. Portanto, estudos dessa natureza podem permitir a perfeita identificação dos portadores de anemia hereditária evitando diagnósticos equivocados. 1.10 OBJETIVOS 1.10.1 Objetivo Geral Pesquisar a prevalência do traço talassêmico e da hemoglobina S em uma amostra de estudantes universitários do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará. 1.10.2 Objetivos específicos a. Determinar a prevalência de anemia na amostra pesquisada; b. Classificar os tipos de anemia com base no VCM; c. Dosar o ferro sérico em todas as anemias microcíticas (VCM reduzido) para definir a carência de ferro como etiologia da anemia; d. Definir os tipos de hemoglobina para verificar a presença da Hb S ou outras possíveis hemoglobinopatias estruturais; e. Realizar o diagnóstico diferencial entre traço talassêmico e anemia ferropriva com base em parâmetros do hemograma; f. Determinar a prevalência do traço talassêmico e da Hb S na amostra pesquisada. 24 2 MATERIAL E MÉTODOS 2.1 COLETA DAS AMOSTRAS A presente pesquisa constituiu em um estudo transversal que objetivou avaliar a prevalência de duas importantes hemoglobinopatias – o traço talassêmico e a hemoglobina S – em uma amostra de estudantes do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará, a partir dos dados do hemograma, eletroforese de hemoglobinas, cromatografia líquida de alta resolução (HPLC) e dosagem do ferro sérico. Participaram da pesquisa estudantes de ambos os sexos e maiores de 18 anos matriculados em cursos de graduação do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará. Os discentes foram consultados e, no caso de concordarem com o objetivo do estudo, assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Um total de 168 estudantes consentiu participar da pesquisa. Desses, 87 eram do gênero feminino (51,8%) e 81 eram do gênero masculino (48,2%). As amostras de sangue foram colhidas em um sistema de colheita a vácuo no qual foram coletados 4,5 ml de sangue utilizando-se tubos contendo anticoagulante EDTA (Ácido Etileno Diamino Tetra-acético) visando à realização do hemograma, da eletroforese de hemoglobinas e da HPLC. Em caso de confirmação de anemia microcítica, nova coleta de sangue seria realizada utilizando-se tubos a vácuo sem anticoagulante para dosar o ferro sérico. Os participantes deveriam dar novo consentimento para essa segunda coleta de sangue. As coletas para o hemograma foram realizadas pela manhã, sem a necessidade de jejum prévio. As amostras foram devidamente identificadas (número e data) e processadas no mesmo dia da coleta. Durante todos os procedimentos foram obedecidas as normas e procedimentos de biossegurança. 2.2 HEMOGRAMA Os hemogramas foram realizados em analisador hematológicos modelo BC-2300 (Shenzhen Mindray Bio-Medical Electronics Co. Ltda.) que utiliza o método de impedância na quantificação das diferentes células sangüíneas e é um analisador hematológico quantitativo, além de um contador diferencial de leucócitos para ser usado em laboratórios clínicos para diagnósticos in vitro. 25 Os parâmetros número de eritrócitos, hematócrito e hemoglobina apresentam diferenças fisiológicas em relação ao gênero masculino e feminino. Na análise dos resultados aqui obtidos, essas diferenças foram levadas em consideração. Os valores referenciais adotados encontram-se na Tabela 3. Tabela 3 – Valores referenciais utilizados no presente estudo. Amostra Parâmetros do Eritrograma E Hb Ht VCM HCM CHCM RDW Homens 4,5-6,1 12,8-17,8 39-53 80-98 27-34 31-36 11,5-14,5 Mulheres 4,0-5,4 11,6-15,6 36-48 80-98 27-34 31-36 11,5-14,5 Fonte: Failace (2003). E = número de eritrócitos x 106/µL; Hb = hemoglobina em g/dL; Ht = hematócrito em %; VCM = volume corpuscular médio em fL; HCM = hemoglobina corpuscular média em pg; CHCM = concentração de hemoglobina corpuscular média em %.; RDW = índice de anisocitose em %. Com a finalidade de auxiliar na distinção entre anemia ferropriva e traço talassêmico foi calculado o Índice de Mentzer (IM) o qual, segundo Failace et al. (2009), mostra-se maior do que 13 na anemia ferropriva, e no traço talassêmico mostra-se menor do que 13. O Índice de Mentzer representa a razão entre VCM e número de eritrócitos. 2.3 ELETROFORESE DE HEMOGLOBINAS E CROMATOGRAFIA LÍQUIDA DE ALTA RESOLUÇÃO (HPLC) As amostras coletadas foram submetidas à eletroforese, visando-se a detecção de amostras com padrão anormal de hemoglobinas. Para tanto, foram utilizados como substrato fitas de acetato de celulose. A eletroforese foi realizada em tampão TEB (Tris-EDTA-Borato) com pH 8.6, sob uma voltagem de 300V e um tempo de 30 minutos. A Figura 11 a seguir apresenta um esquema dos achados mais comuns na eletroforese de Hb. De acordo com o desenho experimental adotado, somente após a identificação de padrão hemoglobínico anormal, por meio da eletroforese, passar-se-ia à etapa de realização da cromatografia líquida de alta resolução, utilizando-se equipamento apropriado (BIORAD) e 26 metodologia especificada pelo fabricante. Isso se deveu ao fato da HPLC ser um método mais preciso, porém de custo muito mais elevado que a eletroforese de hemoglobinas a qual, por sua vez, é um excelente método de rastreio de hemoglobinas anormais. + C AA SS AS SF A2 SC AC AF - C = controle indivíduo AS. Figura 11 – Padrão de bandas de hemoglobinas na eletroforese em fitas de acetato-celulose e pH alcalino (tampão TEB). 2.4 DOSAGEM DO FERRO SÉRICO Ainda de acordo com o desenho experimental adotado, a dosagem do ferro sérico seria realizada apenas para amostras com anemia microcítica, definida pelo hemograma. Para tanto, nova coleta se faria necessária, utilizando-se tubos de coleta a vácuo sem anticoagulante. As amostras seriam processadas em analisador bioquímico semi-automático modelo 2000IL e protocolo padrão especificado pelo fabricante do kit utilizado. O objetivo dessa análise seria identificar dentre os casos de anemia microcítica, quais são devidos à carência de ferro e quais podem ser devidos ao traço talassêmico. 2.5 ANÁLISE ESTATÍSTICA Ao final da análise laboratorial foi iniciada a análise estatística dos dados, a qual tomou por base a estatística descritiva e cálculos percentuais das variáveis quantitativas. Os testes estatísticos – Teste G, Qui-quadrado e Exato de Fisher foram realizados por meio do programa BIOESTAT, versão 5.0 (Ayres et al., 2008). 27 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Das 168 amostras analisadas, 23 amostras apresentaram anemia, representando uma prevalência de 13,7% (Gráfico 1, Tabela 4). A prevalência de anemia em proporções de 5 a 19%, 20 a 39% ou acima de 40%, configura, respectivamente, em problema de saúde pública leve, moderado ou grave (Fisberg et al., 2001; WHO, 2001). Portanto, na amostra aqui analisada, a anemia caracteriza-se como um problema de saúde pública de intensidade leve. Gráfico 1 – Presença de anemia em estudantes universitários do ICB/UFPA. Observou-se que não houve diferença estatisticamente significante na frequência de anemia entre os gêneros (χ2 = 0,167; p = 0,6825). A presença de anemia no gênero masculino foi de 14,8%, enquanto no gênero feminino foi de 12,6% (Tabela 4). Tabela 4 – Presença de anemia em estudantes universitários do ICB/UFPA. Amostra Hb normal Anemia Total N % N % Mulheres 76 87,4 11 12,6 87 Homens 69 85,2 12 14,8 81 145 86,3 23 13,7 168 Total 28 Considerando apenas os casos de anemia, observou-se que 52,2% dos casos ocorreram no gênero masculino e 47,8% no gênero feminino (Gráfico 2). Gráfico 2 – Presença de anemia em estudantes universitários do ICB/UFPA considerando a diferença entre os gêneros. Em geral, a anemia acomete mais mulheres do que homens. De fato, a anemia torna-se comum na adolescência, principalmente na fase do estirão, pelo maior consumo de ferro para o crescimento, causado pelo aumento de incorporação de massa muscular. Contudo, perdas menstruais irregulares, causadas pela imaturidade do eixo hipotálamo-hipófisário tornam-se importantes causas de anemia entre as mulheres muito jovens (Vitalle & Queiroz, 2002). Muitas vezes, a anemia é decorrente também de modismos alimentares e, mais comumente, devida a fatores socioeconômicos desfavoráveis (Braga & Fisberg, 1998). O problema permanece nas mulheres em idade fértil, nas quais o excesso menstrual (hipermenorréia), não notado ou desvalorizado, é a causa de 95% dos casos de anemia por carência de ferro e a razão da prevalência desta ser 20 vezes maior em mulheres do que em homens (Failace et al., 2009). Em relação às amostras que apresentaram anemia a maioria apresentou número normal de eritrócitos (78,3%), enquanto 21,7% apresentaram eritropenia. Nenhum caso de eritrocitose ou número elevado de eritrócitos foi observado (Tabela 5). Tabela 5 – Freqüência de número normal de eritrócitos e de eritropenia em amostras de sangue de estudantes universitários do ICB/UFPA com anemia. Mulheres Homens Nº normal N % 10 90,9 8 66,7 Total 18 Amostra 78,3 Eritropenia N % 1 9,1 4 33,3 5 21,7 Total 11 12 23 29 Dentre as amostras que apresentaram anemia: a média, a mediana e o desvio padrão dos parâmetros do eritrograma observados serão apresentados na Tabela 6. Tabela 6 – Média, mediana e desvio padrão dos parâmetros do eritrograma. Amostra Média Eritrócitos Hematócrito Hb VCM HCM CHCM RDW 4,53 37,7 10,9 1 83,4 5 24,3 3 29,2 4 13,3 7 Mulheres Mediana Desvio Padrão 4,49 0,45 40,00 3,93 0 11,00 0,54 83,20 7,66 23,90 2,81 28,30 2,93 13,30 1,04 Média Homens Mediana 4,66 39,56 11,38 84,76 24,47 28,88 13,19 4,71 39,25 11,75 84,30 24,55 27,65 13,00 Desvio Padrão 0,35 5,26 1,47 8,18 3,40 3,13 0,56 7 Dentre as amostras com anemia, constatou-se que houve a predominância da normocitose 73,9% (17/23), a qual se apresentou similar entre os gêneros (72,7% nas mulheres e 75,0% nos homens). A macrocitose foi observada em apenas uma amostra, sendo esta do gênero masculino e representando 4,3% dos tipos de anemia. Por outro lado a microcitose foi observada somente em cinco amostras, o que representou 21,7% das amostras com anemia (16,7% nos homens e 27,3% nas mulheres) (Tabela 7). A diferença entre os gêneros de casos com anemia normocítica não apresentou diferença estatisticamente significante ao nível de 5% (Exato de Fisher: p=0,6348), e a freqüência de casos de anemia microcítica também não apresentou significância estatística (Exato de Fisher: p=0,4551). Tabela 7 – Distribuição da análise do VCM em amostras de sangue de estudantes universitários do ICB/UFPA com anemia. Amostra Microcitose Normocitose Macrocitose Total N % N % N % Mulheres 3 27,3 8 72,7 0 0,0 11 Homens 2 16,7 9 75,0 1 8,3 12 Total 5 21,7 17 74,0 1 4,3 23 30 Casos de anemia normocítica podem ser associados, inicialmente, a uma doença inflamatória crônica em curso. Quando a macrocitose acompanha a anemia, esta pode ser devida à carência de folatos e/ou de vitamina B 12. Se a anemia cursa com microcitose, as principais causas a serem investigadas são a anemia por deficiência de ferro e as talassemias (Failace, 2003; Zago et al., 2004; Hoffbrand et al., 2008). Dentre os casos de anemia microcítica encontrados, todos apresentaram hipocromia associada. A anemia ferropriva é a desordem nutricional mais comum em nível mundial. Sua magnitude é máxima nas regiões mais pobres, onde cerca de 40% dos menores de quatro anos são anêmicos, proporção duas vezes maior que aquela estimada para os países industrializados (Fujimori et al., 2008). Laboratorialmente, como já visto, essa anemia é microcítica e hipocrômica. Também a anemia das talassemias apresenta-se com microcitose e hipocromia (Failace, 2003). Portanto, espera-se que a maior proporção de anemias observadas na rotina dos laboratórios de análises clínicas seja do tipo microcítica. Na amostra aqui avaliada, 21,7% apresentaram microcitose, contra 74,0% de casos de normocitose. Assim, a microcitose não prevaleceu no presente estudo. A anemia normocítica, por sua vez, ocorre em doenças inflamatórias crônicas (Cançado & Chiattone, 2001) ou, como já comentado, pode indicar casos iniciais de anemia ferropriva (Failace, 2003). Em relação à análise do RDW, as amostras apresentaram predomínio da isocitose, a qual foi observada em 100% dos exames masculinos e em 90,9% dos exames femininos. Essa diferença não foi estatisticamente significante (Exato de Fisher: p=0,4783). Considerando o total de amostras com anemia, 95,7% apresentaram ausência de anisocitose (Tabela 8). Tabela 8 – Análise do RDW em amostras de sangue de estudantes universitários do ICB/UFPA com anemia. Amostra Isocitose Anisocitose Total N % N % Mulheres 10 90,9 1 9,1 11 Homens 12 100,0 0 0,0 12 Total 22 95,7 1 4,3 23 31 A anisocitose costuma prevalecer em relação à isocitose em amostras com anemia, em função de essa condição ser observada em casos de anemias carenciais (por deficiência de ferro, de vitamina B12 e/ou de folatos) e de anemias hemolíticas (como anemia falciforme, talassemias severas, deficiência de G6PD, eliptocitose hereditária, esferocitose hereditária, malária, etc.) (Failace, 2003; Zago et al., 2004; Hoffbrand et al., 2008). Nas amostras do presente estudo a isocitose prevaleceu, sendo observada em 95,7% dos casos. Dentre os parâmetros sugeridos para a distinção entre as condições que cursam com microcitose encontra-se o RDW, que consta nas análises dos contadores automáticos modernos, e que reflete a heterogeneidade de distribuição do tamanho dos eritrócitos (Lorenzi, 2006). Os eritrócitos de pacientes com traço talassêmico são mais homogêneos quando comparados aos dos pacientes com anemia ferropriva (Bessman & Feinstein, 1979). Conseqüentemente, o RDW tende a ser maior na anemia ferropriva do que nas talassemias brandas. Na anemia ferropriva, a anisocitose é devida à coexistência de hemácias produzidas na medula óssea durante estágios progressivos de deficiência do ferro, dando lugar a uma população variada de eritrócitos, incluindo os normocíticos e aqueles progressivamente microcíticos (Matos et al., 2008). As amostras analisadas com anemia microcítica passaram, ainda, por uma triagem feita pelo Índice de Mentzer visando colaborar com o diagnóstico diferencial entre traço talassêmico e anemia ferropriva. Após a análise, foi sugerido que todos os casos de anemia microcítica detectados (21,7%) possuem como provável causa a carência de ferro, uma vez que estiveram acima do valor do cut off de 13. Contudo, não foi possível definir com base no teste bioquímico os casos de anemia ferropriva, pois seria necessário realizar avaliações dos níveis de ferro sérico para confirmar a anemia ferropriva, o que não ocorreu em virtude da não adesão dos estudantes com anemia microcítica a uma nova coleta de sangue. Em relação ao traço talassêmico convém ressaltar que não foram observadas eritrocitose e isocitose nas amostras com anemia microcítica, descartando a possibilidade de ocorrência dessa condição genética (Tabela 14). Em adição e corroborando com esse fato, nenhuma característica sugestiva de traço talassêmico foi obtida na eletroforese de hemoglobinas, mostrando resultados diferentes ao estudo de Ponte & Pereira (2008), o qual propôs uma prevalência do traço talassêmico de 3,5% nas amostras de pacientes com anemia microcítica do Município de Paragominas (Pará) com base em dados do hemograma. 32 Apesar de o cálculo do Índice de Mentzer apontar como provável causa das anemias microcíticas encontradas a carência de ferro, não foram encontrados casos com eritropenia e anisocitose associadas (Tabela 9), o que geralmente é observado quando o processo de ferropenia é antigo. Portanto, considerando-se apenas os cinco casos de microcitose obtidos na pesquisa, observou-se que nenhum caso de microcitose apresentou claramente as características dos tipos de anemia em discussão. Porém considerando-se apenas os cinco casos de microcitose obtidos na pesquisa, observou-se que a anemia microcítica associada à eritropenia foi observada em apenas 20% desses eritrogramas, sendo este do gênero masculino, por outro lado 80% estiveram associados ao número normal de eritrócitos (Tabela 10). Em relação à associação com os valores de RDW 100% dos eritrogramas apresentaram isocitose. Tabela 9 – Número de eritrócitos e RDW nas amostras de sangue de estudantes universitários do ICB/UFPA com anemia microcítica. RDW Nº de eritrócitos Total Isocitose Anisocitose Baixo (Eritropenia) 1 0 1 Normal 4 0 4 Elevado (Eritrocitose) 0 0 0 Tabela 10 – A contagem de eritrócitos nas amostras de sangue de estudantes universitários do ICB/UFPA com anemia microcítica, por gênero. Nº de Eritrócitos Anemia Microcítica Normal Eritropenia Total N % N % Mulheres 3 100 0 2 3 Homens 1 50 1 50 2 Total 4 80 1 20 5 33 As amostras analisadas apresentaram padrão hemoglobínico de acordo com o normal, com o achado da Hb A em todas as eletroforeses realizadas. Somente no caso de haver padrão anormal da Hb, passar-se-ia à etapa de realização da HPLC e de estudos moleculares, o que não foi necessário devido as amostras analisadas possuírem o padrão normal de hemoglobinas. Portanto, no total de amostras avaliadas, não foi identificada a Hb S em estado homozigótico ou heterozigótico. O teste-G foi utilizado para estabelecer a associação entre: (i) anemia e as variações no VCM (Tabela 11); (ii) anemia e as variações no número de eritrócitos (Tabela 12); (iii) a anemia e as variações no RDW (Tabela 13). Em cada análise considerou-se separadamente os dois gêneros. Porém nenhuma das comparações realizadas apresentou diferença estatisticamente significativa (p<0,05). Tabela 11 – Associação entre anemia e volume corpuscular médio (VCM) em estudantes universitários do ICB/UFPA, por gênero. VCM (fL)1 Maior que 98 fL (Macrocitose) Menor que 80 fL (Microcitose) Entre 80 e 98 fL (Normocitose) 1 Anemia Positivo Nº Negativo Nº Teste-G Feminino: 0 87 1,4527 Masculino: 1 80 P=0,2281 Feminino: 3 84 0,1404 Masculino: 2 79 P=0,7079 Feminino: 8 79 0,1691 Masculino: 9 72 P=0,6809 fL = fentolitros ou 10-15 L. Tabela 12 – Associação entre anemia e o número de eritrócitos em estudantes universitários do ICB/UFPA, por gênero. Nº de Eritrócitos Normal Eritropenia Anemia Positivo Nº Negativo Nº Teste-G Feminino: 10 77 0,1150 Masculino: 8 73 P=0,7345 Feminino: 1 86 2,2103 Masculino: 4 77 P=0,1371 34 Tabela 13 – Associação entre anemia e RDW em estudantes universitários do ICB/UFPA, por gênero. RDW Isocitose Anisocitose Anemia Positivo Nº Negativo Nº Teste-G Feminino: 10 77 0,4063 Masculino: 12 69 P=0,5238 Feminino: 1 86 1,3217 Masculino: 0 81 P=0,2503 35 4 CONCLUSÃO Na amostra de estudantes universitários do ICB/UFPA analisada foi detectada anemia em 13,7%, sendo igualmente afetados estudantes do gênero masculino e feminino. A maioria dos casos de anemia encontrados apresenta como características laboratoriais: número normal de eritrócitos, normocitose, normocromia e isocitose. Embora com menor freqüência que a normocitose, a microcitose foi observada em 21,7% das amostras com anemia. Dentre esses casos, as características laboratoriais mais freqüentes foram: isocitose presente em todas as amostras e a associação com um número normal de eritrócitos (80%). As análises efetuadas permitiram sugerir que os casos de anemia microcítica observados possuem como provável causa a carência de ferro, uma vez que a microcitose com isocitose e eritrocitose não foi observada, descartando possíveis casos de traço talassêmico. Em adição, nenhuma característica sugestiva de traço talassêmico beta foi obtida na eletroforese de hemoglobinas. Todas as amostras avaliadas apresentaram padrão hemoglobínico normal, descartando a presença de hemoglobinopatias estruturais ou qualitativas, como a Hb S. Portanto, conclui-se que houve uma prevalência de anemia ferropriva maior que o considerado aceitável pela OMS (5%). Mostrando dessa forma que os estudantes universitários da área da saúde não estão fazendo uma dieta alimentar adequada, por mais que saibam como se prevenir. E em relação à pesquisa de hemoglobinopatias é necessário ampliar o número de amostras investigadas para estabelecer uma prevalência nos estudantes universitários do ICB/UFPA, pois estas constituem uma das principais e mais freqüentes doenças genéticas que acometem seres humanos. 36 5 REFERÊNCIAS ACEDO, M.J.; COSTA, V.A.; POLIMENO, N.C. & BERTUZZO, C.S. Programa comunitário de hemoglobinopatias: abordagem populacional a partir de doadores de sangue de Bragança Paulista, São Paulo, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(6):17991802, nov-dez, 2002. AIGNER, P.C.; SANDRINI, F.; DUARTE, E.G.; ANDRADE, M.P.; LARGURA, M.A. & LARGURA A. Estudo do perfil de hemoglobinopatias em 9.189 testes realizados no Alvaro Centro de Análises e Pesquisas Clínicas. RBAC, vol. 38(2): 107-109, 2006. ANDERSON, S.C. & POULSEN, K.B. Atlas de Hematologia de Anderson. São Paulo: Livraria Santos Editora, 2005. 323 p. AYRES, M.; AYRES, M. J.R.; AYRES, D.L. & SANTOS, A.S. 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