MONOGRAFIA AMANDA PATRÍCIO ANDRADE

Transcrição

MONOGRAFIA AMANDA PATRÍCIO ANDRADE
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FAPAM - FACULDADE DE PARÁ DE MINAS
Curso de Direito
Amanda Patrício Andrade
O CONTROLE PROCESSUAL DEMOCRÁTICO DO INQUÉRITO POLICIAL
Pará de Minas/MG
2016
1
Amanda Patrício Andrade
O CONTROLE PROCESSUAL DEMOCRÁTICO DO INQUÉRITO POLICIAL
Trabalho de conclusão de curso de graduação
apresentado à Faculdade de Pará de Minas, como
requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Direito, sob a orientação do professor
e mestre Clenderson Rodrigues da Cruz
Pará de Minas/MG
2016
2
Amanda Patrício Andrade
O CONTROLE PROCESSUAL DEMOCRÁTICO DO INQUÉRITO POLICIAL
Trabalho de conclusão de curso de graduação
apresentado à Faculdade de Pará de Minas, como
requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em
Direito.
Aprovada em _____ de ___________________ de ________.
_______________________________________________________________
Professor Orientador: Clenderson Rodrigues da Cruz, Mestre em Direito
_______________________________________________________________
Professor Examinador: Francisco José Vilas Boas Neto, Mestre em Filosofia
Pará de Minas/MG
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RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo a revisitação do instituto jurídico do Inquérito Policial
sob o marco teórico do Estado Democrático de Direito, instituído na Constituição de 1988.
Almeja-se, sob a forma de revisão bibliográfica, demonstrar que o modelo de inquérito,
descrito no Código de Processo Penal atual, se encontra ultrapassado, e que suas regras
violam os direitos fundamentais do sujeito passivo. Pretende-se abordar a necessidade da
adequação do inquérito policial ao Estado Democrático de Direito, o que na Constituição
Federal de 1988 se dá pelas garantias constitucionais do processo, o que motivou a escolha do
tema como “O Controle Processual Democrático do Inquérito Policial ”. Procura-se ainda
propor soluções para crise que norteia o Inquérito, mormente no que concerne a sua influência
na formação de culpa, já que seus elementos, ainda que colhidos sob a supressão dos direitos
do contraditório e da ampla defesa, subsidiam uma sentença penal condenatória, devendo-se
encontrar o modelo processual adequado.
Palavras chave: Inquérito. Estado Democrático de Direito. Crise. Formação de Culpa. Modelo
Processual.
4
SÚMARIO
1
INTRODUÇÃO....................................................................................................
05
2
O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ANALISADO SOB UMA
PERSPECTIVA PROCESSUAL PENAL..........................................................
A
Origem
e
a
Evolução
do
Estado
Democrático
de
Direito....................................................................................................................
Breve Análise dos Direitos e Garantias Fundamentais.....................................
A Influência do Estado Democrático de Direito no Processo Penal.................
Uma Análise dos Sistemas Processuais Penais sob a ótica do Estado
Democrático de Direito........................................................................................
Sistema Acusatório.................................................................................................
Sistema Inquisitivo..................................................................................................
Sistema Misto..........................................................................................................
Sistema Processual Penal Brasileiro.....................................................................
07
2.1
2.2
2.3
2.4
2.4.1
2.4.2
2.4.3
2.4.4
3
07
11
12
12
13
14
14
15
3.7.2
3.7.3
CONSIDERAÇÕES DOGMÁTICAS ACERCA DO INQUÉRITO
POLICIAL............................................................................................................
Aspectos Históricos...............................................................................................
Conceito e Natureza Jurídica..............................................................................
As Características do Inquérito Policial e a Supressão dos Direitos e
GarantiasFundamentais......................................................................................
A Importância da Investigação Preliminar à Persecução Penal......................
Valor Probatório dos Elementos Colhidos na Investigação Preliminar..........
A (In) Existência do Contraditório no Inquérito Policial.................................
A Participação da Defesa no Curso da Investigação Criminal........................
As Garantias da Participação da Defesa Técnica na Investigação Criminal,
previstas no Estatuto da Advocacia........................................................................
A Obrigatoriedade da Assistência por Advogado no Interrogatório Policial.......
O Direito de Autodefesa do Investigado.................................................................
4
4.1
4.2
O CONTROLE DEMOCRÁTIICO DO INQUÉRITO POLICIAL............... 43
A Influência do Inquérito Policial na Formação de Culpa............................... 43
Modelo Processual Adotado................................................................................ 46
5
CONCLUSÃO.......................................................................................................
53
REFERÊNCIAS.................................................................................................................
56
3.1
3.2
3.3
3.4
3.5
3.6
3.7
3.7.1
18
18
21
24
27
28
30
33
34
38
41
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1 INTRODUÇÃO
O objeto do presente trabalho é resolver a crise que norteia o inquérito policial, cuja
problemática é se há ou não necessidade de constitucionalização. Conforme dispõe o Código
de Processo Penal, a finalidade do inquérito policial é fornecer indícios de autoria e
materialidade ao titular da ação penal. Contudo, mesmo regido por características inquisitivas,
contrárias ao Estado Democrático de Direito, como a limitação do contraditório e da ampla
defesa, por exemplo, o magistrado, com respaldo na legislação processual, ainda utiliza os
elementos probatórios colhidos na investigação para subsidiar uma sentença penal
condenatória.
A escolha desse tema foi tarefa fácil, mormente pelo incômodo a mim trazido e pela
patente necessidade de mudança. É inadmissível que, em um Estado Democrático de Direito,
ainda exista um processo com características tão autoritárias, que desrespeitam a Constituição
Federal. Não se pode aceitar os abusos estatais praticados e a violação dos direitos e garantias
fundamentais, que, conforme a Lei Maior, são garantidos a todos os indivíduos.
A presente pesquisa oferecerá grande contribuição para as áreas jurídica e acadêmica,
elucidando uma visão crítica sobre o inquérito policial, o que enriquecerá o debate acadêmico.
Ainda demonstrará ao âmbito jurídico os problemas práticos e a necessidade de modificação
do Código Processual Penal vigente, um caminho seguido para que haja uma criação ou a
modificação de uma norma vigente.
Para se chegar a solução do tema exposto, o presente trabalho foi divido em três
seções. A primeira delas correlaciona o Processo Penal e o Estado Democrático de Direito,
demonstrando a divergência principiológica e normativa, existente entre eles. Um regido por
características autoritárias e inquisitivas, o outro por regras garantidoras de direitos
individuais
e sociais,
as
quais
devem
ser adotadas
por todas
as
legislações
infraconstitucionais, o que será primordial para denotar se o sistema processual adotado,
acusatório, inquisitivo ou misto é o mesmo instituído pela Constituição Federal.
Já a segunda seção é propedêutica, procura abordar alguns conceitos básicos por meio
de considerações dogmáticas que norteiam o inquérito policial, tópico necessário para
responder a problemática apresentada. É a partir do conceito, das características, da
importância e do valor probatório do Inquérito que se definirá a necessidade de
constitucionalização. Para finalizar esta seção, será abordado um tema bastante discutido no
âmbito jurídico e acadêmico, que é a aplicação do contraditório e da ampla defesa no
inquérito policial, na pratica processual. Primeiro abordando a aplicabilidade do contraditório,
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que será definida conforme a natureza da investigação criminal. Posteriormente, se definirá
acerca da ampla defesa, que terá mais enfoque para defesa técnica, demonstrando a
imprescindibilidade desta última para assegurar os direitos fundamentais do investigado, no
curso da investigação criminal.
O enfoque da última seção, depois de expor os problemas enfrentados pela
investigação criminal, é abordar acerca da necessidade da constitucionalização do inquérito
policial, encontrando o modelo processual que adeque a investigação criminal à realidade
constitucional, delimitando como será procedida a investigação criminal em um sistema
processual constitucionalizado.
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2
O
ESTADO
DEMOCRÁTICO
DE
DIREITO
ANALISADO
SOB
UMA
PERSPECTIVA PROCESSUAL PENAL
O Estado Democrático de Direito estabelece um rol de garantias fundamentais do
processo com a finalidade de proteger todos os indivíduos que submetem à autoridade do
Estado. Essa conclusão está intimamente relacionada com o controle democrático do
Inquérito Policial e com a crise que o norteia, já que, com a Constituição de 1988, todos
institutos jurídicos devem se compatibilizar com aquela, ainda que tais institutos tenham suas
raízes ligadas à origem autoritária do Processo Penal. A recepção de tais institutos pela nova
ordem constitucional passa por sua ressemantização, a partir de uma hermenêutica que tem
como fundamento os direitos e garantias fundamentais, tais como o contraditório, a ampla
defesa, a isonomia, enfim, o devido processo legal, além de todas as demais.
No entanto, primeiramente, como noções basilares da presente pesquisa, é necessário
apresentar o marco teórico, um dos fundamentos das propostas que seguem, descrevendo a
origem e a evolução do Estado Democrático de Direito.
2.1 A Origem e a Evolução do Estado Democrático de Direito
Com efeito, o Estado Direito se originou a partir da expressão democracia liberal,
cujas características básicas foram: submissão à lei, considerada como sendo ato criado pelo
Poder Legislativo, composto dos representantes do povo; separação das funções Legislativa,
Executiva e Judiciária, divisão que visou assegurar a imparcialidade na criação de leis,
atribuindo a função de legislar, em regra, ao Legislativo; bem como a inserção dos direitos
individuais. (SILVA, 2013).
Neste sentido, também leciona Marcelo Novelino (2015), o qual aduz que a expressão
Estado Direito se originou com a Revolução Francesa, tendo como pressuposto a limitação do
poder estatal com a separação das funções, um dos marcos distintivos em relação ao Estado
Monárquico Absolutista.
Portanto, as duas maiores peculiaridades desse Estado foram a separação das funções
Executiva, Legislativa e Judiciária, bem como a limitação do poder pela submissão à lei, em
que todos, até mesmo o Estado, ficaram adstritos à legislação posta, codificada, ressaltando,
portanto, o direito fundamental da legalidade, previsto, atualmente, no artigo 5º, II, da
Constituição Federal.
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As características que regiam o Estado de Direito se resumiam na existência de
direitos fundamentais básicos como a liberdade e propriedade, na aplicabilidade do princípio
da legalidade à administração pública, com a consequente limitação do poder estatal. A
propósito:
I) os direitos fundamentais basicamente correspondem aos direitos da burguesia
(liberdade e propriedade), sendo consagrados apenas de maneira formal e parcial
para as classes inferiores; II) a intervenção da Administração Pública somente pode
ocorrer dentro da lei (princípio da legalidade da administração pública); III) a
limitação pelo Direito se estendo ao soberano que, ao se transformar em “órgão do
Estado”, também passa a se submeter ao império da lei (Estado limitado); IV) o
papel do Estado se limita à defesa da ordem e segurança públicas, sendo os
domínios econômicos e sociais deixados à esfera da liberdade individual e de
concorrência (Estado mínimo). (NOVELINO, 2015, p. 283).
Todavia, a democracia, tida também como a efetivação de valores da igualdade, da
liberdade e da dignidade da pessoa humana, é um conceito mais amplo do que Estado de
Direito, e embora a concepção liberal tenha impulsionado os direitos do homem,
transformando os súditos em cidadãos livres, tornou-se insuficiente, devido à evolução da
sociedade democrática. (SILVA, 2013).
Interpretando a concepção jurídica de Kelsen, José Afonso da Silva (2013) preleciona
que, por não existir um Estado desvinculado às normas jurídicas que o regem, Estado e
Direito são conceitos idênticos. Portanto, a supressão do liberalismo se deu pelo fato de que,
se o Direito acaba sendo confundido com o mero enunciado à lei, sem qualquer compromisso
com a realidade fática social, tendo apenas um mero Estado Legal.
Assim, o Estado de Direito Liberal não concretizou a verdadeira democracia, àquela
considerada em seu sentido amplo, que vai além do conceito político, já que a norma posta
não acompanhou os anseios sociais. Contudo, não podem ser desconsideradas as liberdades e
os direitos individuais adquiridos pelo homem durante esse Estado.
Lado outro, o Estado Social, segundo Novelino (2015), pressupõe determinada
igualdade entre os indivíduos. Após a Primeira Guerra Mundial, em 1918, devido à crise
econômica e à progressiva demanda por direitos sociais, originou o Estado Liberal. Nesta
época, o Estado abandonou sua postura inerte e passou a assumir um papel significativo nas
relações econômicas, quanto à distribuição e à produção de bens. Dentre as características do
Estado Social destaca o aludido autor:
I) intervenção no âmbito social, econômico e laboral, com o abandono da postura
abstencionista; II) garantia de um mínimo bem-estar, por exemplo, com a criação de
um salário social para os mais carentes; III) estabelecimento de um grande convênio
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global implícito de estabilidade econômica (pacto keynesiano). (NOVELINO; 2015,
p. 286).
Nessa perspectiva, Silva (2013), entende que o surgimento do Estado Social se deu em
razão das imensas injustiças provocadas pelo individualismo que ainda regia o Estado Liberal,
o que permitiu a consciência da necessidade de uma justiça social.
Como salientado, uma das peculiaridades do Estado Social é visar o bem-estar geral.
Entretanto, essa expressão manifestou-se dotada de desconfiança e questionamentos, pois o
objetivo do Estado era manter-se evoluído economicamente, não preocupando com a
realização dos direitos fundamentais de caráter efetivamente social. (SILVA, 2013).
Desta forma, não obstante a evolução dos direitos do homem, como a igualdade entre
os indivíduos e o bem-estar econômico-laboral, mesmo com o surgimento do Estado Social, o
qual estava mais preocupado com a economia estatal, ainda não se tinha um Estado totalmente
Democrático, tencionado a garantir e a proteger os direitos fundamentais do homem, frente
aos anseios sociais.
Conforme preceitua Novelino (2015), o Estado Democrático de Direito, tentando
suprir a lacuna dos estados anteriores, só surgiu após o fim da Segunda Guerra Mundial, cujos
objetivos principais foram a inserção de novos mecanismos do exercício da soberania popular,
a busca pela efetividade dos direitos fundamentais, a supremacia da Constituição frente às leis
infraconstitucionais, bem como a ampliação do conceito de democracia. As mais importantes
peculiaridades do Estado Democrático de Direito são:
I) consagração de institutos de democracia direta e indireta que introduzem o povo
no governo do Estado, tais como plebiscito, referendo e iniciativa popular (CF, art.
14, I a III); II) preocupação com a efetividade e dimensão material dos direitos
fundamentais, assegurados mediante a jurisdição constitucional; III) limitação do
poder legislativo, não apenas no aspecto formal (modo de produção direto), mas
também no âmbito material, fiscalizando a compatibilidade do conteúdo das leis
com os valores consagrados na Constituição; IV) imposição constitucional não
apenas de limites, mas também de deveres ao legislador; V) aplicação direta da
constituição com o reconhecimento definitivo de sua força normativa; VI) ampliação
do conceito meramente formal de democracia (participação popular, vontade da
maioria, realização de eleições periódicas, alternância no poder) para uma dimensão
substancial, como decorrência do reconhecimento da força normativa vinculante
dos direitos fundamentais, os quais devem ser usufruídos por todos, inclusive pelas
minorias perante a vontade popular (pluralismo, proteção das maiorias, papel
contramajoritário do Poder Judiciário...). (NOVELINO; 2015, p. 287 e 288).
Desta forma, o Estado Democrático de Direito, que tem como fundamento o princípio
da soberania popular, o qual pressupõe a efetiva participação popular na máquina pública, não
se exaure apenas na representatividade, mas também visa a realizar o princípio democrático
com a proteção e a garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana. (SILVA, 2013).
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Melhor dizendo, o Estado Democrático de Direito é um modelo estatal cujo objetivo é
constituir um efetivo processo contraditório no mundo contemporâneo, prevalecendo sobre o
Estado Capitalista, para configurar um Estado fomentador da justiça social que os Estados
anteriores não foram capazes de constituir.
Dentre os princípios do Estado Democrático de Direito podem-se destacar: Princípio
da Constitucionalidade, o qual preconiza que o Estado se funda de uma Constituição emanada
da vontade popular, e que, sendo dotada de supremacia, vincula a todos a seguir seus
preceitos; Princípio Democrático, que nos termos da Lei Maior, informam que a democracia
representativa e participativa atuem como garantidoras e protetoras dos direitos fundamentais;
Princípio da Igualdade, previsto no artigo 5º, caput, e I, da CF, o qual aduz sobre a igualdade
dos indivíduos; Princípio da Legalidade, tipificado no artigo 5º, II, da Lei Maior, o qual
lecionado à submissão à lei; bem como o Princípio da Segurança Jurídica, disposto nos
incisos XXXVI e LXXIII daquele Diploma Legal. (SILVA, 2013).
Conclui-se assim, que o Estado Democrático de direito se originou da evolução do
Estado Liberal e do Estado Social, que se adequou à realidade social. Mais além do que uma
manifestação popular, o supracitado Estado trabalha no sentido de assegurar aos indivíduos os
direitos e garantias fundamentais, visando, mesmo que utopicamente, o bem-estar social,
garantindo direitos imprescindíveis para uma vida digna, nos termos do artigo 5º da
Constituição Federal.
Entretanto, antes de se encerrar a discussão sobre o que seria o Estado Democrático de
Direito, é importante destacar sua principal característica que é ser o palco da democracia. Por
sua vez, o conceito de democracia fundamenta-se na existência de um vínculo entre o povo e
o poder. Politicamente, o objetivo da democracia é a participação do povo na elaboração das
regras de um Estado, visando obstar atuações autoritárias. Todavia, a democracia não pode ser
vista apenas como um conceito político, mas sim como um processo de proteção e de garantia
dos direitos fundamentais conquistados ao longo da história. (SILVA, 2013).
Nesse particular, sabe-se que a participação por meio da manifestação politizada é um
dos maiores fundamentos de uma democracia, contudo ela não pode ficar adstrita apenas a
esse conceito, uma vez que com o Estado Democrático de Direito, regulamentado na
Constituição de 1988, foi também instituída uma série de direitos e garantias fundamentais
que também englobam o conceito de democracia e funcionam como marco interpretativo da
legislação existente no ordenamento jurídico (constitucionalização do direito).
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2.2 Breve Análise dos Direitos e Garantias Fundamentais
Os direitos e garantias fundamentais estão intimamente relacionados com o controle
democrático do inquérito policial, já que uma das maiores discussões doutrinárias é supressão
deles na primeira fase da persecução penal, sob a alegação de contrariar à realidade
democrática. Assim, é de suma importância entendê-los, mormente no que concerne ao
contraditório e à ampla defesa, para posterior análise da sua aplicação no inquérito policial.
Entende-se por direitos fundamentais aqueles direitos individuais, coletivos, sociais e
políticos indispensáveis ao desenvolvimento humano e social previstos na Constituição, os
quais devem ter a respeitabilidade, segurança e proteção estatal; direitos essenciais que foram
criados para combater os abusos estatais, reconhecendo os valores do homem, que estão além
do diploma legal. (NUCCI, 2015).
Contudo, o Estado não tem o condão apenas de respeitar e assegurar os direitos
fundamentais aos indivíduos, mas também de limitá-los em prol da democracia, mantendo um
equilíbrio entre um direito isolado e um direito coletivo, visto que para evitar abusos
amparados pelas liberdades democráticas é preciso contrabalancear a autoridade e a liberdade.
(NUCCI, 2015).
Sustentando a ideia do supracitado autor, os direitos fundamentais não podem ser
vistos apenas como segurança e benefício aos indivíduos, mas também como limitação de
liberdades a eles conferidas, para que não prevaleçam de tais direitos para cometer abusos,
como por exemplo
o XVI, do artigo 5º da Constituição “todos podem reunir-se
pacificamente, sem armas, em locais aberto ao público, independente de autorização, desde
que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas
exigido o prévio-aviso à autoridade competente”. (BRASIL, 1988 - grifo meu).
Definido o conceito de direitos fundamentais, é de suma importância diferenciá-los
das garantias fundamentais, sendo estas instrumentos constitucionais declaratórios colocados
à disposição dos indivíduos para assegurar a aplicação dos direitos fundamentais, como a
liberdade, por exemplo, que é um direito fundamental assegurado pelo devido processo legal.
Da mesma forma ocorre em um processo constitucional, em que se garante a ampla defesa
juntamente com o contraditório. (NUCCI, 2015).
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2.3 A Influência do Estado Democrático de Direito no Processo Penal
Conforme salientado, o Código de Processo Penal foi elaborado sob uma perspectiva
autoritária, época em que prevaleciam a preocupação com a segurança pública e os princípios
da culpabilidade e da periculosidade do agente. Todavia, a Constituição da República de
1988, posterior ao Processo Penal, implementou uma ordem totalmente oposta, estabelecendo
um sistema de amplas garantias individuais. Esse novo preceito constitucional passou a exigir
que o processo não fosse apenas mero instrumento de aplicação da lei penal, mas sim uma
instituição de garantias ao agente em face do poder estatal, buscando a efetiva igualdade entre
os litigantes. (OLIVEIRA, 2015).
Diante de tal preceito democrático e da origem autoritária do Processo Penal, deve ser
este analisado em conformidade com a nova ordem constitucional, introduzida no contexto
dos direitos e garantias fundamentais, verdadeiros limitadores dos excessos de poder do
Estado, e não sob a perspectiva autoritária em que foi criado. (NUCCI, 2015).
Percebe-se assim que, devido à base autoritária do Processo Penal, não deve ser este
aplicado isoladamente ao caso concreto, o que muitas das vezes ocorre na jurisdição atual,
mas sim analisado sob uma perspectiva constitucional. Contudo, não obstante o Estado
Democrático de Direito e a inserção dos direitos e garantias fundamentais, a investigação
criminal ainda não foi adequada a essa nova ordem constitucional, já que nessa fase ainda há
características autoritárias que a regem.
2.4 Uma Análise dos Sistemas Processuais Penais sob a ótica do Estado Democrático de
Direito
A abordagem do tema Sistemas Processuais Penais é de suma importância para a
percepção de como se procede ao processo penal sincrético atual, bem como para se chegar ao
modelo processual adequado ao Estado Democrático de Direito.
Inicialmente, sistema processual pode ser definido como sendo “o conjunto de
princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que
estabelecem diretrizes a serem seguidas à aplicação do direito penal a cada caso concreto”.
(RANGEL, 2009 - p. 47).
Existem no Processo Penal três modelos processuais: o inquisitivo e acusatório, tidos
por Coutinho (2009), como sendo puros, e sistema processual misto, que é a unificação das
características de um e de outro.
13
2.4.1 Sistema Acusatório
Dentre as características do Sistema Acusatório, merecem destaque àquela pertinente à
separação das funções de acusar, que, atualmente, fica a cargo do Ministério Público, e de
julgar, que é atribuída ao magistrado, bem como àquela pertinente à iniciativa probatória a
cargo das partes, mormente em respeito a imparcialidade do órgão julgador, as quais, como
será visto adiante, afasta esse modelo do Processo Penal Atual. A propósito:
a) Clara distinção entre as atividades de acusar e julgar; b) a iniciativa probatória
deve ser das partes (decorrência lógica da distinção entre as atividades); c) mantémse o juiz como um terceiro imparcial, alheio ao labor de investigação e passivo no
que se refere à coleta da prova, tanto de imputação como de descargo; d) tratamento
igualitário das partes (igualdade de oportunidades no processo); e) procedimento é
uma regra oral (predominante); f) plena publicidade de todo o procedimento (ou de
sua maior parte); g) contraditório e possibilidade de resistência (defesa); h) ausência
de uma tarifa probatória, sustentando-se a sentença pelo livre convencimento
motivado do órgão jurisdicional; i) instituição, atendendo a critérios de segurança (e
social) da coisa julgada; j) possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de
jurisdição. (LOPES JÚNIOR, 2013 - p. 108-110).
Segundo Aury Lopes Júnior (2013), a crítica que se faz até hoje é que nesse Sistema,
em respeito ao princípio da imparcialidade, o magistrado não poderá atuar no sentido de
solicitar diligências para complementar o acervo probatório, ficando adstrito a decidir com
base é um material as vezes precário, produzido pelas partes.
Nesse particular, salienta-se que o princípio da imparcialidade do magistrado vai de
encontro ao princípio da Verdade Real. Todavia, no caso de fragilidade do acervo probatório,
o juiz deverá, conforme previsão contida no artigo 386, VI e VII, do Código de Processo
Penal, com fulcro no princípio in dubio pro reo, absolver o acusado, e não atuar patentemente
na produção de provas acusatórias, já que o órgão encarregado para tanto, o Ministério
Público, não o fez. Seria o mesmo de que não estivesse convencido acerca da autoria e da
materialidade, e continuar movendo fundos para que ela fosse comprovada.
Ainda conforme Aury Lopes Júnior (2013, p. 109), o Sistema Acusatório é o que
melhor representa o processo penal moderno, já que resguardando a imparcialidade do
magistrado que irá sentenciar, garante o trato digno e respeitoso com o acusado, que deixa de
ser mero objeto para assumir sua posição autêntica parte passiva do processo Penal.
Diante de tais características, frente à estrutura do Estado, pode-se constatar que o
Sistema Acusatório puro está intimamente ligado ao Estado Democrático de Direito, vez que
exprime um modelo processual constitucionalizado, o qual garante ao sujeito passivo os
direitos e garantias fundamentais.
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2.4.2 Sistema Inquisitivo
Conforme preceitua Aury Lopes Júnior (2013), o Sistema Inquisitivo foi construído
sob conceitos distorcidos sobre a Verdade Real, que para ser alcançada valia-se da confissão
do suposto agente criminoso alcançada pela tortura, o que tornava a prisão cautelar uma regra.
Neste modelo processual, o magistrado atua de ofício, independente de provocação,
também recolhe o material para o acervo probatório, com o qual formará o seu
convencimento. Portanto, o juiz atua como parte, investiga, dirige, acusa e julga. Com
relação ao procedimento, sói ser escrito, secreto e não contraditório. (LOPES JÚNIOR,
2013, p.112).
Assim, por meio das características supracitadas, pode-se perceber que nesse modelo
processual, há um claro prejuízo da imparcialidade do magistrado, que acumula as funções de
investigar, acusar e julgar.
Além do mais, não asseguram os direitos fundamentais do
contraditório e da ampla defesa, já que o acusado não passa de mero objeto. Neste sentido
leciona Paulo Rangel:
a) as três funções (acusar, defender e julgar) concentram-se nas mãos de uma só
pessoa, iniciando o juiz,
ex oficcio, a acusação, quebrando, assim, sua
imparcialidade; b) o processo é regido pelo sigilo, de forma secreta, longe dos olhos
do povo; c) não há o contraditório nem ampla defesa, pois o acusado é mero objeto
do processo e não sujeito de direitos, não lhe conferindo nenhuma garantia; d) o
sistema de provas é o da prova tarifada ou prova legal (c.f item 7.11.2 infra) e,
consequentemente, a confissão é a rainha das provas. (RANGEL, 2009, P. 48).
Diante do exposto, pode se afirmar que o sistema inquisitório foi totalmente proscrito
pelo Estado Democrático de Direito, já que admite o poder totalitário estatal, não
proporcionando ao investigado, que é tido como mero objeto, nem mesmo a possibilidade da
defesa assegurada a todos os indivíduos pela Constituição Federal.
2.4.3 Sistema Misto
Com o fracasso da inquisição e a progressiva adoção do modelo Acusatório, o Estado,
que ainda detinha a titularidade absoluta do poder, não podia deixa-lo a cargo de particulares.
Logo, era imprescindível dividir o processo em fases e encomendar as atividades de acusar e
julgar a órgãos e pessoas distintas. Nesse novo modelo, a acusação continua sendo
monopólio estatal, mas realizada através de um terceiro distinto do juiz. (LOPES JÚNIOR,
2013, p. 117).
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Conforme dispõe Aury Lopes Junior (2013), é recorrente na doutrina processual a
atribuição da caracterização de sistema misto, mormente pelo fato de os sistemas puros não
passarem de modelos históricos, sem qualquer relação com os atuais. Além do mais, a
divisão do processo sincrético em duas etapas: a policial e judicial, que em regra, predomina
na primeira fase a inquisitoriedade, e na segunda, as regras acusatórias, originando os
sistemas chamados de mistos.
Ademais, não existem princípios próprios de um Sistema Processual Misto. Na
verdade, o misto deve ser visto como um sistema que, embora mesclado, em sua essência, ou
é inquisitivo ou é acusatório, tendo em vista que para caracterização de um sistema processual
é necessário identificar seu núcleo, e não apenas os elementos acessórios que o integram, tais
como a oralidade, a publicidade e a separação das atividades. (LOPES JÚNIOR, 2013).
Em suma, pode-se dizer que a doutrina classifica o sistema processual penal como
sendo misto por ser divido em duas fases distintas: a inquisitiva-pré-processual e acusatóriajudicial. Contudo, tal fato, por si só, não pode caracterizar um sistema como misto, já que, em
sua origem, ou era inquisitivo ou acusatório, apenas agregou-se no modelo originário
características do sistema que mais se adequada à realidade processual.
2.4.4 Sistema Processual Penal Brasileiro
Com efeito, se analisar o sistema processual de uma forma constitucionalizada,
certamente chegar-se-á a conclusão que o modelo sistemico que deverá ser adotado é
incontestemente o acusatório, já que este, além de ser o modelo que melhor representa a
realidade democrática, é caracterizado pela separação das funções de investigar, acusar e
julgar. (LOPES JÚNIOR, 2013). Entrentanto, no Brasil é comum a classificação de um
sistema misto pela doutrina, devido ao fato de o processo ser regido por duas fases distintas: a
policial e a judicial. Contudo, conforme a seguir exposto, nenhum desses sistemas se
sobressaíram ao modelo processual mderno.
O Sistema Acusatório é regido por características absolutamente constitucionais, como
a separação das funções de investigar, acusar e julgar; a existência dos princípios do devido
processo legal, do contraditório, da ampla de fesa e da publicidade; a predominancia da
imparcialidade do magistrado e do livre convecimento motivado, e a iniciativa probatória fica
a cargo das partes. (TÁVORA; ALENCAR, 2014). Portanto, o Sistema Acusatório é aquele
que melhor se adequa à realidade Democrática, já que regido por características abolutamente
constitucionais.
16
Contudo, outra é a realidade prática processual uma vez que o magistrado tem uma
participação ativa na produção de provas, nos termos do que dispõe o artigo 156 do Código de
Processo Penal, podendo ordenar e determinar, antes de iniciada a ação penal, ou no curso
desta, a produção de provas.
Conforme salientado por Aury Lopes Júnior (2013), não basta ter o Ministério Público
como órgão acusador no início do processo se, posteriormente, o magistrado participa
ativamente da produção de provas, tais como: decretação da prisão preventiva de ofício, nos
termos do artigo 310 do Código de Processo Penal; determina diligências de ofício no curso
do processo, nos termos do artigo 156, I e II; procede à oitiva das testemunhas além das
indicadas pelas partes, conforme o exposto no artigo 209, do Código Penal, assumindo um
papel evidentemente inquisitivo.
Embora teoricamente haja uma fase extrajudicial inquisitiva e outra judicial
acusatória, observando um órgão resposável pelas funções de investigar e acusar e outro com
a de julgar, é evidente que, no processo penal atual, alheio à realidade constitucional,
predominam características inquisitivas, sendo mascaradas pela mitigação dos direitos
fundamentais do contraditrio, da ampla defesa e do devido process legal, bem como pelo
princípio da imparcialidade.
Nesta senda, propõe-se uma análise crítica do artigo 156 do Código de Processo
Penal, que permitirá chegar a conclusão que predomina um sistema predominantemente
inquisitório. Perceba-se que a redação processual possibilita ao magistrado ordenar, mesmo
quando da investigação criminal, em que há supressão do contraditório e da ampla defesa, a
produção antecipada de provas, bem como no curso da instrução solicitar diligências para
dirirmir dúvida sobre a autoria imputada ao acusado. A propósito:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao
juiz de ofício: (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) I - ordenar, mesmo antes
de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e
relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
(Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)II - determinar, no curso da instrução, ou antes
de proferir sentença, a de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
(Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008). (BRASIL, 1941).
O supracitado artigo demonstra a falácia que é o princípio da imparcialidade, bem
como a separação de funções, já que o magistrado pode atuar ativamente na produção de
provas, contraditando o princípio do in dúbio pro reo, uma vez que havendo dúvidas no que
diz respeito a autoria e a materialidade, o magistrado, ao invés de absolver o acusado,
aplicando o artigo 386, VII, do Código de Processo Penal, com parcialidade, solicitará a
17
produção de provas, procedendo com respaldo no artigo 156 deste Diploma Legal,
favorecendo à acusação.
Assim, seria ingênuo pensar em Sistema Acusatório se a imparcialidade do juiz está
comprometida, sendo necessário manter efetivamente a separação das funções para afirmar a
estrutura de tal modelo, devendo a iniciativa probatória estara cargo das partes, e não do
magistrado. (LOPES JÚNIOR, 2013).
Além do mais, os elementos colhidos na fase inquisitiva, em que estão suprimidos o
contraditório e ampla defesa são trazidos para para a fase judicial. Discurso que vem
mascarados pelas expressões “corroborar e integrar”, mas que na verdade motivam que
apenas se repita Juízo o que ocorreu na fase preliminar (LOPES JÚNIOR, 2013).
Não obstante a predominância da sistêmica inquisitva, chega-se a conclusão que esta é
é incompatível com o Estado Demcrático de Direito, o que de mais a mais, torna proibitiva a
atuação de ofício do magistrado na produção de provas – artigo 156 do Código de Processo,
unificando as funções de acusar e julgar em suas mãos, compromentendo a sua
imparcialidade. A realidade demonstra que os moldes do processo penal atual está em
desalinho com o modelo acusatório e com a propria Constituição.
Portanto, no processo penal atual, a separação das funções de investigar, acusar e
julgar nada mais é do que uma falácia, já que, se analisados com afinco os dispositivos
processuais penais aplicados na prática, ficam evidente as características de um sistema
inquistivo, as quais contrariam a realidade democrática e os dispositvos constitucionais.
Em que pese a constatação de que o Processo Penal atual anda em descompasso coma
Constituição, mormente quando tratamos do Inquérito Policial, é necessário um estudo mais
aprofundado sobre o Inquérito Policial para tentar achar as origens do porquê de se negar a a
aplicação dos direitos e garantias fundamentais, como o devido processo legal, o contraditório
e a ampla defesa na fase extrajudicial, com a finalidade de avançar na proposta de um modelo
garantista dessa fase investigativa.
18
3 CONSIDERAÇÕES DOGMÁTICAS ACERCA DO INQUÉRITO POLICIAL
Antes de se adentrar na problemática do presente trabalho, é necessário esboçar
algumas considerações propedêuticas acerca do Inquérito Policial. Serão apresentados
aspectos históricos, conceito, natureza jurídica, valor probatório; todos etes são elementos
imprescindíveis e primordiais para se construir uma proposta de constitucionalização ou não
do Inquérito.
3.1 Aspectos Históricos
Antes de adentrar nas especificidades do inquérito policial, é de suma importância a
compreensão da sua evolução histórica, desde a época do Império, em Portugal, até a presente
data, crivando assim, de forma sucinta, as suas modificações ao longo desse período.
Segundo Coutinho (2009), o sistema inquisitivo originou-se no âmbito da Igreja
Católica e tem como marco histórico o IV Concílio de Latrão, quando o domínio daquela
passou a ser relativizado. Diante de tal mitigação, algumas providências já haviam sido
tomadas, porém os leigos continuaram ganhando poder em razão do crescimento das cidades
medievais, passando a ter uma mentalidade voltada para o comércio. A situação se agravou
com a criação das Universidades criadas para preparar as pessoas para a nova realidade social
dos burgos.
Diante do problema, no início do século XIII, Inocêncio III reuniu a cúpula da Igreja
Católica em São João Latrão, quando ficou decidido um novo modelo processual, que, dentre
outras coisas, predominava a confissão pessoal obrigatória. As novas regras processuais se
consolidaram em uma bula, as quais permitiam os métodos utilizados pela Santa Inquisição
para obtenção de prova, dentre eles a tortura. As partes foram excluídas, e o réu se tornou um
pecador, detentor de uma verdade que deveria ser descoberta a qualquer custo, inclusive
utilizando-se de meios mais cruéis. O inquirido só seria absolvido se resistisse à tortura, o que
era praticamente impossível. (COUTINHO, 2009).
Tal modelo processual vigorou por tempos, mormente pelo fato de os detentores de
poder não terem sido atingidos pelas rigorosas regras que regiam esse sistema, sendo
permitido, inclusive, que eles manipulassem as premissas fáticas e jurídicas para obtenção do
êxito processual. (COUTINHO, 2009).
Lado outro, superada a origem de um modelo inquisitório, passa-se analisar a evolução
histórica do inquérito policial desde o período colonial, época em que Portugal tinha como
19
regras jurídicas as Ordenações Filipinas, quando a investigação criminal, também denominada
“devassa”, era inquisitorial e abusiva. Contudo, com a Independência do Brasil, fortaleceu a
soberania, implementou-se uma mudança do sistema jurídico com a instituição de um
conjunto de normas próprios. Frente a essa situação, algumas leis foram elaboradas, dentre
elas o Código de Processo Criminal de 1832, o qual suprimiu a investigação preliminar
inquisitorial, que, até então, era regulada pelas Ordenações. (MACIEL, 2006).
No Código de Processo Criminal de 1832, a realização da investigação se dava a partir
da denúncia ou queixa, apresentava, portanto, caráter de instrução processual, razão pela qual
as “provas” ali colhidas influenciavam no julgamento do mérito. Nessa época, a apuração dos
fatos ficava a cargo dos juízes de paz, que, além de leigos, eram eleitos entre os cidadãos
locais. (MENDES, 2008).
Contudo, esse modelo processual, além de representar o fortalecimento do poder local,
contrariava os objetivos centralizadores do império, uma vez que tais juízes de paz
afrontavam os magistrados, letrados e grandes influenciadores da política imperial.
(ANDRADE; OLIVEIRA, 2011).
Todavia, a reforma de 1841 trouxe uma importante modificação legislativa no âmbito
da investigação preliminar, que passou a ser pré-judicial, servindo como subsídio à
propositura da ação penal. Tal dispositivo também retirou a competência da investigação
criminal do juiz de paz e passou a atribuí-la aos delegados dos chefes de polícia, que eram
nomeados pelo Imperador e escolhidos entre juízes de direito e desembargadores. (MENDES,
2008).
Percebe-se assim que, embora não houvesse definição jurídica de inquérito policial,
desde o Código de 1.832, já existiam alguns dispositivos esparsos acerca da investigação
preliminar criminal. Contudo, somente com a inserção decreto Lei nº 4.824 de 28 de
novembro de 1871, que regulou a execução da Lei nº 2.033/71, é que surgiu a denominação
inquérito policial, previsto no art. 42, daquele Diploma Legal. (NUCCI, 2014).
Ao contrário do que se esperava, a Proclamação da República, ocorrida em 1889, não
suscitou maiores questionamentos sociais, quanto às questões efetivamente republicanas
introduzidas com esse marco. Isso porque, em que pese as significativas modificações, a
sociedade ainda ficou defasada quanto à efetividade das garantias civis, mormente diante do
fato de o sistema jurídico brasileiro não ter evoluído e pela cultura da época. (MENDES,
2008).
Dentre as alterações trazidas na primeira Constituição da República, instituída em
1891, temos a derrubada do império e das principais instituições monárquicas, tais como, o
20
Poder Moderador, o Conselho de Estado e vitaliciedade do Senado, a introdução do sistema
de governo presidencialista, bem como a ampliação dos poderes dos estados e a abolição da
religião oficial. (MENDES, 2008).
Conduto, mesmo com a República, quando foi introduzida uma constituição de
garantias, o instituto do inquérito policial permaneceu inalterado, apenas deslocando-se a
competência, que era do poder judiciário, para os executivos estaduais. (MENDES, 2008).
Já em 1941, através do Decreto-Lei 3.689, surgiu o Código de Processo Penal atual, o
qual foi instituído sob a influência do autoritarismo do Governo Vargas e do fascismo
italiano. Com o advento desse Código, os sistemas processuais penais, que eram próprios de
cada estado, foram unificados. (ANDRADE; OLIVEIRA, 2011).
Nessa época, postulava-se a inserção dos juízes de instrução. Contudo, o legislador
brasileiro optou pela permanência do inquérito policial, tendo o ministro Francisco Campos,
diante da vultosa movimentação para aplicabilidade daquele instituto, afastado a hipótese da
instrução exclusivamente para a esfera judicial. (PEREIRA, 2011).
A justificativa apresentada por ele foi no sentido de que a realidade brasileira não
ficava adstrita apenas aos centros urbanas, mas também nas comarcas do interior. Isso porque
o preconizado juizado de instrução só funcionaria sob a condição de que as distâncias dentro
do seu território de jurisdição fossem facilmente acessíveis, permanecendo assim, o inquérito
policial previsto no Código de Processo Penal de 1941. (PEREIRA, 2011).
Atualmente, está tramitando na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 156/2009,
elaborado pela comissão de juristas convocados pelo Senado Federal, de autoria de José
Sarney, o qual aduz sobre a reforma do Código de Processo Penal. (PINTO; SILVA, 2013).
Um dos motivos expostos no aludido projeto é adequar o Código de Processo Penal à
ordem Constitucional, uma vez que, por terem sido instituídos em momentos históricos
distintos, o Código de 1941 encontra-se defasado frente aos preceitos constitucionais. A
propósito:
Se em qualquer ambiente jurídico há divergências quanto ao sentido, ao alcance e,
enfim, quanto à aplicação de suas normas, há, no processo penal brasileiro, uma
convergência quase absoluta: a necessidade de elaboração de um novo Código,
sobretudo a partir da ordem constitucional da Carta da República de 1988. E sobram
razões: históricas, quanto às determinações e condicionamentos materiais de cada
época; teóricas, no que se refere à estruturação principiológica da legislação
codificada, e, práticas, já em atenção aos proveitos esperados de toda intervenção
estatal. O Código de Processo Penal atualmente em vigor - Decreto-lei nº 3.689, de
03 de outubro de 1941 -, em todas essas perspectivas, encontra-se definitivamente
superado. A incompatibilidade entre os modelos normativos do citado Decreto-lei nº
3.689, de 1941 e da Constituição de 1988 é manifesta e inquestionável. E essencial.
A configuração política do Brasil de 1940 apontava em direção totalmente oposta ao
cenário das liberdades públicas abrigadas no atual texto constitucional. (BRASIL,
21
2009).
Sustentando a ideia de adequação à Lei Maior, alguns dispositivos esparsos previstos
no PL156/2209 nos levam a crer que haverá contraditório e ampla defesa no curso do
inquérito policial, mormente diante do disposto no art. 3º, o qual aduz que todo processo
penal realizar-se-á sob o contraditório e a ampla defesa, sendo garantida a efetiva
manifestação do defensor técnico em todas as fases procedimentais. (PINTO; SILVA, 2013).
Desta forma, diante da perspectiva evolutiva ora analisada, a tendência é a
democratização do Processo Penal, propondo mudanças profundas no inquérito policial, a fim
de se possa adequá-lo aos preceitos constitucionais, mormente no que concerne aos direitos e
garantias fundamentais.
3.2 Conceito e Natureza Jurídica
Entende-se por inquérito policial o procedimento administrativo, preliminar, presidido
pela Autoridade Policial, que tem como objetivo apurar a autoria e a materialidade do delito
praticado, contribuindo para formação da convicção do titular da ação penal, se esta deve ou
não ser deflagrada. (TÁVORA; ALENCAR, 2014).
O conceito de inquérito policial também está implicitamente previsto no artigo 4º do
Código de Processo Penal, o qual dispõe ser ele conduzido pela polícia judiciária, que é
exercida pelas autoridades policiais, e terá como objetivo apurar a materialidade das infrações
penais e sua autoria.1
Como abordado, a principal finalidade da investigação criminal é a apuração da
autoria da infração, com o propósito de fornecer ao titular da ação penal, o particular ou o
Ministério Público, elementos probatórios para deflagração do processo criminal. Tal
investigação é promovida em razão da segurança pública e do próprio acusado, visto que
fazendo uma instrução prévia, através do inquérito policial, são fornecidas ao Ministério
Público provas preliminares suficientes para poder afirmar com relativizada certeza a
ocorrência ou não de uma infração. (NUCCI, 2015).
Esclarece-se que o inquérito policial deve ser visto como um processo administrativo,
na visão da presente pesquisa conforme será demonstrado à frente, em que se é apurado pela
Autoridade Policial indícios de autoria e de materialidade do fato criminoso, o qual, após
1
Art. 4º. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas
circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. (Decreto-Lei n º 3.689, de 3 de
outubro de 1941).
22
concluído, será encaminhado ao Ministério Público, que deflagrará ou não a ação penal com
base nos elementos ali colhidos.
Segundo Lopes Júnior, 2014, a natureza jurídica da investigação criminal é complexa
e é precisada pela análise da sua função, estrutura e órgão responsável, além da análise dos
atos predominantes em seu curso: se administrativos ou jurisdicionais.
Existem duas principais correntes acerca da natureza jurídica da investigação criminal.
A primeira delas considera o inquérito policial como um procedimento administrativo préprocessual, sob o fundamento de ser ele presidido pela Polícia Judiciária estadual ou federal,
órgão estatal vinculado à Administração Pública, mais especificadamente ao Poder Executivo,
não pertencente ao Judiciário. (LOPES JÚNIOR; GLOECKNER, 2014).
Ademais, o fato de haver intervenção jurisdicional na investigação criminal não é
suficiente para retirar a natureza administrativa pré-processual do inquérito, já que tal
assistência, quando necessária, se dá de forma limitada, podendo a investigação ser concluída
sem qualquer intervenção judicial. (LOPES JÚNIOR; GLOECKNER, 2014).
Em suma, a primeira corrente define a natureza jurídica do inquérito como sendo um
procedimento administrativo sob o fundamento de ser conduzido pela Polícia Judiciária
pertencente ao poder Executivo, de forma que o fato de haver intervenção do magistrado, não
afasta sua natureza, já que não fica obrigado a se submeter ao crivo judicial.
Por outro lado, a outra corrente doutrinária considera a investigação criminal como um
procedimento judicial pré-processual quando este estiver a cargo de um órgão pertencente ao
Poder Judiciário, como o Ministério Público, que é independente da função Executiva e
constitucionalmente inserido ao Judiciário. (LOPES JÚNIOR; GLOECKNER, 2014).
Na verdade, nenhuma das duas correntes abordadas pelo sobredito autor define, ao
certo, a natureza jurídica do inquérito, visto que, conforme a seguir exposto, este não pode ser
taxado como procedimento, mas sim como processo.
Em um conceito moderno, Rosemiro Pereira Leal, (2012, p. 91), conforme sua teoria
neointucionalista, define processo como sendo a participação das partes legitimadas, mediante
o exercício de direitos em sua plenitude constitucional, agregando transformações sociais,
econômicas e políticas, valendo-se de princípios do contraditório, ampla defesa e isonomia,
para a solução constitucionalizada de conflitos.
Nesse particular, entende-se como processo a participação das partes, o que exterioriza
o contraditório, na formação do convencimento do magistrado, que pode modificar, instituir,
declarar direitos, conforme as disposições constitucionais de um Estado Democrático de
Direito.
23
O que diferencia processo de procedimento é a existência de contraditório. Se presente
o princípio constitucional de informação e participação tem-se um processo, ao contrário, se
ausente, não passa de mero procedimento. Procedimento pode ser entendido também por uma
sequencia de atos praticados pelos sujeitos de direitos conforme previsão legal. A propósito:
O procedimento, distinguindo-se do processo, pela ausência de qualidade
constitucional principiológica do contraditório, é que deve merecer estudo especial
para defini-lo, não mais como ritualística manifestação perceptível do processo, mas
como uma estrutura técnica de atos praticados por sujeitos de direitos, que se
configura pela sequência obediente à conexão de normas preexistentes no
ordenamento jurídico indicativas do modelo procedimental. (LEAL, 2012, p. 96)
Definido o conceito de processo e procedimento, é necessário confrontar os motivos
pelos quais alguns defendem ter o inquérito policial natureza de procedimento administrativo
desvinculado, cujo objetivo é simplesmente fornecer ao titular da ação penal indícios
suficientes para se deflagrar ou não uma ação penal.
Realmente, o objetivo do inquérito policial é apurar indícios de autoria e
materialidade. Contudo, pode-se afirmar que a investigação não é apenas uma sequencia de
atos, já que ao final há uma modificação no direito material, já que existe uma imputação
penal ao investigado que passa a ter a condição de indiciado, havendo contra ele indícios de
autoria e de materialidade aptos a deflagrar uma ação penal.
Ainda nesse diapasão, reitera-se que, dentre os conceitos de processo ora analisados,
pode-se dizer que, segundo Rosemiro Pereira Leal (2012), processo é mais do que uma
simples relação jurídica entre o autor, juiz e réu, corrente esta que se encontra proscrita em
relação ao Estado Democrático de Direito. Portanto, o fato de não haver no, inquérito policial,
partes processuais, mas sim sujeitos de direito, não retira a sua condição de processo.
Em uma leitura constitucionalizada, define-se processo como sendo o instrumento
constitucionalmente utilizado pelas partes para instituir, modificar ou extinguir o direito
material. É o que ocorre ao final da investigação criminal com a conclusão do inquérito, em
que o investigado passa a ter condição de indiciado, sendo-lhe imputado indícios de autoria e
de materialidade. E o investigado, ainda que minimamente, deve participar da investigação
criminal, podendo requerer diligências nos termos do artigo 14 do Código de Processo Penal.
Assim, em um Estado Democrático de Direito, que tem como fundamento a garantia
pelos direitos fundamentais, não se pode deixar de aplicar o contraditório em um processo tão
oneroso ao investigado, em que se pode haver o cerceamento de direitos imprescindíveis à
dignidade da pessoa humana do investigado, o que torna obrigatório o contraditório no curso
24
da investigação criminal, por consequência, atribuindo-lhe a natureza jurídica de processo
administrativo, presidido por Autoridade pertencente à função Executiva.
3.3 As Características do Inquérito Policial e a Supressão dos Direitos e Garantias
Fundamentais
Conforme a seguir exposto, o inquérito policial é regido por características quase que
absolutamente inquisitivas, mais especificamente, o sigilo, a limitação do contraditório e da
ampla defesa, a discricionariedade do Delegado de Polícia, esta última em razão dos abusos
por alguns cometidos, peculiaridades que contrariam os direitos e garantias fundamentais
previstos na Constituição. Contudo, algumas delas, como o sigilo das diligências que ainda
estão em andamento, não devem ser suprimidas para preservar o êxito das investigações.
A primeira delas é a Discricionariedade. Segundo tal peculiaridade, a investigação
criminal não tem o mesmo rigor da fase processual, podendo a Autoridade Policial conduzir
as investigações da forma que melhor entender. Conforme o disposto no artigo 14 do Código
Processo Penal, o Delegado de Polícia pode ou não atender as diligências das vítimas, agindo
amparado por um juízo de conveniência e oportunidade daquilo que lhe foi solicitado.
(TÁVORA; ALENCAR, 2014).
Pode-se dizer que o Delegado de Polícia tem mais autonomia para atuar na fase préprocessual, já que fica a cargo dele, a condução das investigações, sem a necessidade de
requerer autorização judicial para conduzir as diligências investigativas, sendo lhe conferido o
poder de conduzi-las, de forma mais adequada ao caso concreto.
Não obstante a discricionariedade do Delegado de Polícia, seus atos devem ser
pautados em normas constitucionais, de modo a assegurar os direitos fundamentais ao sujeito
passivo, mormente por refletirem diretamente no estatus libertatis e no direito patrimonial do
investigado.
Portanto, é vedado a Autoridade Policial, valendo-se da discricionariedade que lhe é
conferida, agir como bem entender para conduzir as investigações, sem a observância dos
direitos constitucionais assegurados a todos os indivíduos, devendo atuar conforme os limites
legais.
Outra característica supressora dos direitos e garantias fundamentais do investigado é
o sigilo. Ao contrário do que ocorre na ação penal, o inquérito policial não é submetido à
publicidade que rege o processo judicial. Tal premissa está disposta no artigo 20 do Código de
Processo Penal, sendo a Autoridade Policial o órgão responsável por assegurar o segredo dos
25
atos de inquérito, sob pena de comprometer o êxito das investigações. (TÁVORA;
ALENCAR, 2014).
Ressalte-se que é vedado o acesso aos autos de inquérito por qualquer do povo com a
justificativa de acompanhar os atos da Autoridade Policial, como ocorre em Juízo.
A
investigação criminal é, pura e simplesmente, acompanhada e fiscalizada por órgãos estatais,
desobrigando a publicidade dos atos. (NUCCI, 2015).
Embora, devido ao sigilo, o contraditório fique suprimido no ato a investigação
criminal, ele é estritamente importante para êxito desta, bem como para proteção do indiciado.
Objetiva-se, com o sigilo, a preservação da presunção de inocência, evitando-se uma
condenação sumária pela sociedade, caso da investigação se tenha notícia. (TÁVORA;
ALENCAR; 2014). Decerto, o sigilo em relação à publicidade do procedimento é importante
em relação a terceiros, no entanto, em relação ao investigado não se pode impedir o acesso,
salvo as diligências que ainda estão em andamento, em que o sigilo deve ser absoluto tanto
para o acusado quanto para a sua Defesa.
Portanto o que se tem na investigação criminal é o sigilo externo, já que os órgãos
estatais e até mesmo o advogado tem acesso aos autos de inquérito, este último, conforme a
seguir exposto, de forma limitada.
A indisponibilidade também é uma característica norteadora da investigação criminal,
a qual preconiza que, uma vez instaurado o inquérito policial, o delegado não pode dele se
abdicar. Desta forma, conforme vedação contida no artigo 17 do CPP, a Autoridade Policial,
caso entenda não ter havido a infração penal, não poderá, de ofício, arquivar o inquérito.
(TÁVORA, ALENCAR; 2014).
Reitera-se que o Delegado, uma vez entendendo no curso do inquérito policial que não
houve infração penal, não poderá determinar o arquivamento dos autos de inquérito. Se assim
agisse estaria usurpando a sua função, promovendo a absolvição sumária do investigado, que
só pode ser analisada e decidida pelo magistrado.
A inquisitoriedade, característica predominante do inquérito policial, preconiza que os
atos persecutórios ficam concentrados apenas nas mãos de uma só autoridade, o Delegado de
Polícia, além de não ser oportunizado ao investigado o exercício do contraditório ou da ampla
defesa. Supostamente, não existem partes processuais, o que se tem é uma autoridade
investigando um suposto autor da infração, que ocupa a condição de indiciado. (TÁVORA;
ALENCAR, 2014).
Segundo NUCCI (2015), o inquérito policial é inquisitivo devido a sua própria
natureza, obstando o indiciado o exercício amplo do direito de defesa com a produção ou
26
indicação de provas, apresentação de alegações, entre outras atividades típicas do processo
judicial. Segundo o autor, se de fato houvesse uma defesa ampla no âmbito da investigação
criminal, estaríamos diante de duas instruções judiciais, o que não se justifica.
É inconteste que, devido à discricionariedade da Autoridade Policial, que não
necessita de autorização judicial para a prática de atos investigativos, a investigação trata-se
de um procedimento mais célere e eficiente. Todavia, como fica suprimida a participação do
indiciado nessa fase pré-processual, o magistrado fica obstado, pelo menos em tese, de valerse apenas dos elementos colhidos no inquérito para proferir a sentença penal condenatória,
sob pena de estar violando a Constituição Federal. (TÁVORA; ALENCAR, 2014).
Por fim, outra peculiaridade do inquérito policial é ser prescindível à propositura da
ação penal, portanto dispensável para a deflagração dela, já que a denúncia ou queixa podem
se subsidiarem em inquéritos não policiais, que são aqueles que são conduzidos por
autoridade diversa da policial: administrativo, trabalhista, parlamentar, dispensando a atuação
da Polícia Judiciária. (TÁVORA; ALENCAR, 2014).
Não obstante alguns autores e o artigo 12 do Código de Processo Penal preceituem ser
a
investigação
criminal
dispensável
à
deflagração
do
Processo
Penal,
a
sua
imprescindibilidade ao oferecimento da denúncia é inquestionável, evitando acusações
infundadas ao sujeito passivo e a deflagrações de ações penais baseadas em meras
conjecturas, sem qualquer indício de autoria e materialidade.
De outro modo não está
disposto a exposição de motivos do aludido Código:
Mesmo, porém, abstraída essa consideração, há em favor do inquérito policial, como
instrução provisória antecedendo à propositura da ação penal, um argumento
dificilmente contestável: é ele uma garantia contra apressados e errôneos juízos,
formados quando ainda persiste a trepidação moral causada pelo crime ou antes que
seja possível uma extra visão de conjunto dos fatos, nas suas circunstâncias
objetivas e subjetivas. (Exposição de Motivos do Decreto-Lei nº 3.689/1941, 08 de
setembro de 1941, Ministério da Justiça e Negócios Interiores)
Pela análise das características que regem o inquérito policial, pode-se dizer que ele se
encontra patentemente proscrito em relação às normas que demarcam um Estado Democrático
de Direito, as quais norteiam o Processo Penal atual. Contudo, a adequação do inquérito
policial às normas constitucionais deve ser analisada com cautela, mormente diante da
necessidade da prevalência de algumas peculiaridades inquisitivas presentes investigação
criminal.
27
3.4 A Importância e a Consequência da Investigação Preliminar à Persecução Penal
Uma das funções mais importantes da investigação criminal é evitar acusações
infundadas, já que tem como objeto esclarecer o fato oculto antes da deflagração de um
processo judicial, obstando, neste sentido, a prática de abusos por parte do poder estatal. Se a
impunidade é causa de desassossego social, não menos grave é a injustiça causada quando se
pune um inocente. É inegável que a pré-admissibilidade da acusação é feita com base no
material recolhido na investigação, e o êxito desta fase de intermediária, depende inteiramente
da atividade preliminar. (LOPES JÚNIOR; GLOECKNER, 2014).
Vale ressaltar que, em muitos casos, a efetiva punição não se dá pela condenação, mas
pela acusação, quando o agente ainda deveria estar amparado pelo Princípio da Presunção de
Inocência. A pessoa submetida a um processo penal, ainda antes da sentença penal
condenatória, tem suprimida sua identidade e sua respeitabilidade social, sendo possível
verificar atos que expõe o agente criminoso, mormente diante das medidas cautelares e da
publicidade abusiva de seus atos. Em que pese muitos processos findarem com uma
absolvição em razão da não comprovação da autoria e a materialidade, o acusado fica
estigmatizado com as cicatrizes de uma dolorosa ação penal indevida, o que poderia ser
evitado por uma investigação criminal eficiente. (LOPES JÚNIOR; GLOECKNER, 2014).
Embora o inquérito policial seja considerado pela legislação processual penal
dispensável à propositura da ação penal, na verdade deve ser considerado como sendo
imprescindível, já que é na a investigação criminal que se apura indícios de autoria suficientes
para embasar a demanda de um processo judicial, evitando que o sujeito passivo seja
processado inadequadamente.
Ademais, as atuações preliminares do Delegado de Polícia servem como incentivo
negativo para a prática de novas infrações, podendo até mesmo evitar, através de uma
intervenção policial, a consumação de uma ação criminosa em desenvolvimento, que pode se
dar através da busca e apreensão e da prisão em flagrante, por exemplo. (LOPES JÚNIOR;
GLOECKNER, 2014).
Assim, a investigação criminal é mais ampla do que simplesmente apuração de
indícios de autoria e de materialidade, é também de suma importância para o êxito da ação
penal, bem como para o indiciado, já que o fato de ser injustamente processado, com a
possibilidade de uma condenação penal, resulta intenso sofrimento, o que pode ser impedido
por um investigação criminal eficiente.
28
Além do mais, com base nos elementos colhidos investigação criminal, pode ser
cerceado o direito de liberdade e o direito de propriedade do investigado, com a aplicação de
medidas cautelares, como a decretação da prisão preventiva e a busca apreensão. Portanto,
embora alguns autores ainda não conferem a credibilidade merecida ao inquérito policial, este
vem ganhando espaço devido à sua influência na jurisdição atual.
3.5 Valor Probatório dos Elementos Colhidos na Investigação Preliminar
Uma parte da doutrina entende que os atos e os elementos colhidos na investigação
criminal têm presunção de veracidade até que se prove o contrário, sendo recorrente utilizar,
no curso da fase judicial, os atos praticados em um procedimento de natureza administrativa,
sigiloso e não submetido ao contraditório. Todavia, tal presunção contradita a própria
natureza do inquérito policial, posto que parte do acervo produzido no mesmo se dá através de
coação, tortura, maus-tratos, enfim, várias técnicas de opressão policial, que são
reiteradamente noticiados. Assim, a presunção que deve imperar é de sua imprestabilidade.
(LOPES JÚNIOR; GLOECKNER, 2014).
Não obstante tal entendimento, a presunção de veracidade não tem amparo legal e
certamente se originou de um vício histórico. Se o legislador de 1941 quisesse imputar ao
inquérito policial esse valor probatório, teria feito de forma expressa, o que não aconteceu.
(LOPES JÚNIOR; GLOECKNER, 2014).
Nesse particular, salienta-se que não se pode atribuir presunção de veracidade aos
elementos colhidos na investigação criminal, mormente pelo fato de que, por não se aplicar a
esta a garantia plena dos direitos fundamentais da segunda fase da persecução penal, ainda se
trata de instituto com resquícios inquisitivos.
Para se chegar ao real valor probatório do inquérito policial, é de suma importância
diferenciar os atos de provas dos atos de investigação. Quanto aos atos de prova, pode-se
dizer serem eles dirigidos e executados para convencer o juiz da verdade de uma afirmação, e,
além de integrarem o processo e exigirem a observância da publicidade, visam formar um
juízo de certeza, subsidiam a sentença e são praticados pelo juiz que julgará a causa. (LOPES
JÚNIOR; GLOECKNER, 2014).
Já os atos de investigação, além de terem como objeto a formação da opinio delicti da
acusação, não exigem a formalidade constitucional dos atos processuais, utilizados na
formação de um juízo de probabilidade, destinados a demonstrar o fumus comissi delicti, e
29
não um fato inconteste para subsidiar a sentença penal condenatória, o que só ocorrerá na
instrução processual. (LOPES JÚNIOR; GLOECKNER, 2014).
Ao contrário do que dispõe o supracitado autor, por se tratar de processo, o inquérito
policial exige a observância da formalidade constitucional. Ainda que não seja possível a
observância plena do contraditório, ainda que de forma diferida, é necessário a observância do
contraditório. Seria no mínimo retrógrado afirmar que ainda existem, na realidade
democrática, atos que não observem as disposições constitucionais. Por obvio, não será o
investigado participado de todas as provas e investigações no tempo de sua colheita, mas nada
impede que posteriormente seja feito.
O que define, na verdade, o valor probatório do inquérito policial, são as
características inquisitivas que ainda o regem, mormente pelo fato de serem colhidos em
contraditório e ampla defesa tênues.
Diante de tal premissa, afirma-se que no curso do inquérito policial só se praticam atos
de investigação, de limitado valor probatório. Seria uma contradição atribuir alto valor
probatório a um processo realizado sob sigilo, em que o exercício do contraditório ou de
defesa sejam realizados de forma mitigada, apenas para participação do provimento final do
delegado.
Em suma, o valor probatório dos elementos colhidos no curso da investigação criminal
somente fundamentam as medidas de natureza endoprocedimental, ou seja, as da própria
investigação, como as medidas cautelares, e no momento da admissão da ação penal, para
justificar a deflagração ou não do processo, não podendo se aceitar uma condenação
subsidiada em um procedimento sem mínimas garantias. (LOPES JÚNIOR; GLOECKNER,
2014).
Todavia, deve-se ater que embora seja um procedimento informativo, os atos do
inquérito policial servem como fundamento para restringir a liberdade pessoal, através das
prisões cautelares, e a disponibilidade de bens, como arresto, sequestro, busca e apreensão
dentre outros. Desta forma, se com base nos elementos colhidos na investigação criminal, o
magistrado pode decidir sobre o direito de liberdade e de propriedade do agente, fica patente a
sua importância. (LOPES JÚNIOR; GLOECKNER, 2014).
Diante de tais premissas, conclui-se que, em que pese não possa ser conferido aos
elementos colhidos no inquérito policial valor probatório suficiente para embasar uma
condenação penal, mormente diante da supressão dos direitos e garantias fundamentais, eles
não podem ser considerados como irrelevantes, principalmente por estarem intimamente
ligados aos direitos fundamentais de liberdade e propriedade do agente investigado.
30
3.6 A (In) existência do Contraditório no Inquérito Policial
Primeiramente, vale ressaltar que um dos problemas enfrentados pelo inquérito
policial é delimitar se é regido ou não pelo direito fundamental do contraditório. Conforme
preconiza o artigo 5º, LV, da Constituição: “aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa,
com os meios e recursos a ela inerentes” (BRASIL, 1988).
Segundo alguns doutrinadores, um dos elementos que define se o inquérito policial é
ser ou não regido pelo contraditório; é se as expressões processo e acusados em geral,
previstas no texto constitucional, abrangem também a investigação criminal, já que tida por
muitos como procedimento administrativo. Para melhor compreensão é necessário,
primeiramente, conceituar os direitos fundamentais da ampla defesa e do contraditório.
Segundo Novelino (2015) o contraditório é a ciência bilateral dos atos processuais
com a possibilidade de confrontá-los, composto pelos elementos da informação e da reação.
Em um conceito mais moderno de contraditório, define Elpídio Donizetti, (2014)
como sendo o direito de participar do processo, participação esta capaz de influenciar no
convencimento do magistrado.
Nesse diapasão, sustenta Rosemiro Pereira Leal (2012) que o princípio do
contraditório é referente lógico-jurídico do processo constitucionalizado, traduzindo, em seus
conteúdos, a dialogicidade necessária entre interlocutores (partes) que se postam em defesa
ou disputa de direitos alegados.
Pode-se dizer assim, que o contraditório, elemento caracterizador de um processo
constitucionalizado, não se limita apenas em contra-atacar as alegações realizadas pelo autor,
mas sim de participar ativamente na produção de prova, influenciando na convicção do
magistrado.
No que concerne à ampla defesa, Rosemiro Pereira Leal, (2012) a define como
instituto jurídico que está intimamente relacionado ao contraditório, representa também o
direito de participar na formação da convicção do magistrado, por todos os meios admitidos
em lei, não oportunizada apenas ao réu, mas também ao autor.
Nesse sentido também leciona Clenderson Rodrigues da Cruz (2016, p.72), o qual
define ampla defesa como liberdade e plenitude de defesa a partir da exauriência
argumentativa na ordinariedade na construção da cognição no tempo devido e modo
estruturado normativamente (devido processo legal).
31
Pode-se dizer assim, que ambos os institutos são fundamentos do Estado Democrático
de Direito, assegurados constitucionalmente e devem ser observados por todas as legislações
infraconstitucionais.
Superado o conceito dos institutos, passa-se à analise da aplicação do contraditório na
investigação criminal atual.
A Constituição Federal assegura aos litigantes de processo judicial ou administrativo e
aos acusados em geral os direitos do contraditório e da ampla defesa. Para parte da doutrina
entende que não se aplica na investigação criminal o
disposto no
artigo 5º, LV da
Constituição Federal, por se tratar de procedimento administrativo.
Estêvão Luís Lemos Jorge (2015), exclui o inquérito policial do conceito de processo,
enquadrando-o como sendo procedimento administrativo, o qual inexiste uma lide a ser
resolvida. Ainda estão ausentes os três elementos configuradores do contraditório:
“notificação dos atos processuais à parte interessada, participação das partes a estes atos e
paridade de armas”. Na verdade, a investigação criminal trata-se de uma sequência de ações,
de prática coordenada de atos, que será concluída com a apuração de uma infração penal e sua
autoria.
Com efeito, não deve prosperar o entendimento supra, primeiramente pelo fato de que
o inquérito policial acarreta graves consequências ao investigado, visto que, no curso da
investigação criminal ou até mesmo na fase judicial, com base nos elementos probatórios
naquela
fase
colhidos,
podem
ser
cerceados
direitos
fundamentais,
garantidos
constitucionalmente ao acusado, como a liberdade e a propriedade, por exemplo.
Além do mais, se ao final da investigação se chega a uma imputação penal, isto é, o
status de indiciado, o que impede falar em mero procedimento, que, como abordado, é uma
estrutura técnica de atos jurídicos praticados por sujeitos de direito (LEAL, 2012, p. 96).
Sustentando ainda a ideia de processo, o fato de não haver na investigação criminal
partes processuais não é suficiente para lhe conferir a natureza jurídica de procedimento. Isso
porque, anteriormente, conforme preconiza Rosemiro Pereira Leal (2012), a teoria
desenvolvida por Bulow considerava processo como a existência de uma relação jurídica
entre juiz, autor e réu, em que se evidenciava o poder daquele primeiro, e limitava o processo
apenas como instrumento da jurisdição, não se preocupando com os direitos e garantias
fundamentais.
Contudo, em razão do Estado Democrático de Direito, com as evoluções das teorias
que definiam processo, atualmente, este deve ser lido conforme a teoria neoinstitucionalista,
que considera o processo como relação jurídica desenvolvida por Bulow ultrapassada, já que
32
para esta, processo não passa de meio, método ou finalidade abstrata de se obter provimento,
em nada se destinguindo do procedimento que, segundo adeptos dessa escola seria “meio
extrínseco pelo qual se instaura e termina o processo. (LEAL, 2012, p. 95).
Ademais, ainda que minimamente, o investigado deve participar da investigação
criminal, podendo requerer, nos termos do artigo 14 do CPP diligências, que podem ou não
ser acatadas pela Autoridade Policial.
Portanto, estão presentes no curso da investigação criminal os elementos que
configuram um processo, quais sejam, haver uma modificação no direito material ao após
concluída a investigação criminal, e as partes poderem participar da apuração dos indícios de
autoria, conforme os limites processuais do instituto.
Já quanto à ausência de partes
processuais, essa teoria, conforme discutido, encontra-se ultrapassada, não devendo ser
considerada para definir o conceito de processo.
Reitera-se que as expressões “processos “ e “acusados em geral” não devem ser lidas
de forma restrita. Ora, se a Constituição Federal é a garantidora dos direitos e garantias
fundamentais, inseridos pelo Estado Democrático de Direito, não se justifica a exclusão do
investigado dessa proteção, mormente diante do princípio da igualdade.
Portanto, reitera-se que, não obstante as características inquisitivas da investigação
criminal, o dispositivo constitucional que dispõe sobre o contraditório e a ampla defesa, o
qual reafirma o Estado Democrático de Direito, deve ser aplicado ao inquérito policial. Não
podendo permitir que o este processo fique à margem da constitucionalização processual.
Tendo o inquérito policial natureza jurídica de processo, deveria ser aplicado na fase
investigativa, conforme a previsão Constitucional, o direito fundamental do contraditório,
podendo o acusado/investigado até mesmo participar do provimento do Delegado. Mas o que
ocorre, na verdade, é que, devido à obscuridade da legislação processual desse direito na fase
investigativa e à influencia dos resquícios históricos do Processo Penal, as Autoridades
apresentam resistência à adequação democrática, limitando o investigado a impetrar Habeas
corpus e mandado de segurança, bem como requerer diligências, nos termos do artigo 14 do
Código de Processo Penal, participando de forma limitada das investigações.
Conforme supramencionado, embora a Constituição Federal permita a aplicação do
contraditório e da ampla defesa na investigação criminal, a utilização destes institutos deve se
dar em parâmetros diferenciados em relação aos processos judiciais, já que o sigilo,
característica oposta ao contraditório, é imprescindível para se chegar aos indícios de autoria e
materialidade.
33
3.7 A Participação Defesa no Curso da Investigação Criminal
Assim como o contraditório, o direito à ampla defesa na investigação criminal é
assegurado pelo disposto no artigo 5º, LV, da Constituição Federal, que garante aos litigantes,
em processo judicial ou administrativo o direito ao exercício dos sobreditos direitos
fundamentais, o que só não se efetiva em razão da ausência de regulamentação processual.
Primeiramente, insta ressaltar que o direito de defesa é um direito de réplica, que
nasce com a agressão que representa para o sujeito passivo a existência de uma imputação
ou ser objeto de diligências e vigilância policial. (LOPES JUNÍOR; GLOECKNER - p. 470).
Não se pode deixar de ressaltar que tal instituo se subdivide em autodefesa e defesa técnica, as
quais serão esboçadas adiante, a começar por esta última, já que mais complexa.
É de suma importância diferenciar, frente à fragilidade legislativa processual, a
abrangência do direito de defesa no curso da investigação criminal, mormente no que tange à
defesa técnica, já que há discussões a esse respeito. Uma questão que engloba essa
controvérsia diz respeito à obrigatoriedade ou não do advogado na investigação criminal,
fatos que, se aliados a outros quesitos, também delimitam o contraditório nesta fase
processual.
A defesa técnica pressupõe a assistência de um profissional habilitado, dotado de
conhecimentos técnico-jurídicos, frente ao estado de hipossuficiência do sujeito passivo,
mormente pela ausência de conhecimentos em face do órgão estatal. Tais motivos denotam a
indisponibilidade da defesa técnica, seja no processo judicial ou no procedimento
administrativo, pois além de uma garantia ao sujeito passivo do exercício do contraditório, é
também uma condição de paridade de armas entre o investigado e o Estado. (LOPES
JÚNIOR; GLOECKNER, 2014).
Salienta-se que a presença de um defensor deve ser vista como um mecanismo de
controle do poder estatal, sendo primordial para o melhor exercício do direito. No curso do
inquérito policial, a assistência de uma defesa técnica é ainda mais importante, mormente
diante dos intensos abusos cometidos nesta fase processual, devido à fragilidade do
investigado em relação à discricionariedade do Delegado de Polícia.
Portanto, a defesa técnica é primordial na investigação criminal, já que são institutos
totalmente compatíveis. Ocorre que a legislação processual penal, é obscura quanto ao
exercício do advogado no inquérito policial, dando ensejo a discussões doutrinárias e
jurisprudenciais, as quais serão adiante analisadas.
34
3.7.1 As Garantias da Participação da Defesa Técnica na Investigação Criminal, previstas
no Estatuto da Advocacia
A defesa técnica é um elemento integrante do princípio da ampla defesa e sua
verificação nos atos de inquérito, com a consequente ampliação da aplicação do contraditório,
foi evoluindo ao longo do tempo, frente à necessidade de adequação constitucional. Todavia,
ainda existem discussões acerca da obrigatoriedade e dos limites da atuação do advogado no
curso do inquérito policial.
O processualista Aury Lopes Júnior (2014) esclarece que o artigo 261 do Código de
Processo Penal determina que “nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será
processado ou julgado sem defensor”, o que demonstra a imprescindibilidade da defesa
técnica em todo o processo penal.
Contudo, segundo a legislação processual, o inquérito policial traz a ideia de uma
defesa técnica de natureza branda e não absoluta, resumindo-se na possibilidade de solicitar
diligências, nos termos do que dispõe o artigo 14 do Código de Processo Penal, que pode ou
não ser acatadas pela Autoridade Policial, além da possibilidade de impetrar Habeas corpus
ou mandado de segurança.
Não obstante a branda aplicabilidade da defesa técnica na investigação criminal, a Lei
Maior demonstra a sua imprescindibilidade ao acusado, demonstrando sê-la essencial à
administração da justiça. Nada mais justo que o sujeito passivo, seja na fase policial ou
judicial, ser amparado por um defensor, para que não fique a mercê do poder estatal.
O artigo 7º do Estatuto de Advocacia – Lei nº 8.9606/94, alterado recentemente pela
Lei 13.245/16, disciplina, em alguns dos seus incisos, a participação do advogado no curso da
investigação criminal, como será o seu exercício de defesa e os limites de sua atuação. Para
melhor compreensão, será feita uma análise comparada, anterior e posteriormente, à
supracitada alteração.
Artigo 7º - São direitos do advogado: XIV - examinar em qualquer repartição
policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em
andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar
apontamentos; (Alterado pela Lei 13.245, de 2016). XIV - examinar, em qualquer
instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de
flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda
que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio
físico ou digital; (BRSIL, Lei nº 13.245, de 2016).
O primeiro ponto a ser tratado, dentre as mudanças trazidas por esse inciso, é que a
expressão “inquérito policial” foi substituída por “investigações de qualquer natureza”, não
35
mais se limitando o acesso apenas à investigação criminal. (GOMES, 2016). Anteriormente, o
advogado estava adstrito a examinar apenas autos de flagrante e de inquérito. Todavia, tal
prerrogativa foi ampliada pela Lei nº 13.245/2016, a qual possibilitou à defesa técnica
examinar qualquer tipo de investigação. Essa modificação teve como objeto demonstrar as
consequências de uma imputação penal à pessoa é grave, razão pela qual foi necessário
ampliar as possibilidades de exame por aquele que detém conhecimento técnico, o qual
poderá diminuir os encargos do investigado.
Foi ampliado também o campo de atuação do advogado, já que lhe foi assegurado
examinar as investigações de qualquer natureza em todos os órgãos estatais, não apenas o
inquérito policial na Polícia Civil ou Federal, mas também o procedimento investigatório
criminal produzido pelo Ministério Público e os procedimentos que tramitam no Cade e no
Coaf, por exemplo. (CASTRO; COSTA, 2016). Em suma, a supracitada alteração assegurou
ao advogado o direito de examinar peças em qualquer instituição que esteja sendo conduzidas
investigações em desfavor do seu cliente, seja em repartição policial ou não.
Percebe-se que ambas as alterações ampliaram a participação do advogado nas
investigações. Contudo, enquanto a primeira abrangeu o acesso no que concerne à modalidade
de investigação; a segunda estendeu a possibilidade de exame pela defesa técnica no que
tange aos locais de tramitação de uma investigação, agora podendo examinar em qualquer
órgão ou repartição autos de flagrante e investigações de qualquer natureza que tramitam em
desfavor do seu cliente.
Por fim, a sobredita alteração legal criou a possibilidade de copiar peças e tomar
apontamentos também por meio digital: pen drive, CD, fotocópia, etc., o que não era previsto
anteriormente. (CASTRO; COSTA, 2016). Contudo, devido à realidade tecnológica, tal
prerrogativa já era oportunizada ao advogado, dentro das possibilidades de cada repartição,
mormente pelo fato de que não existia vedação legal para tanto.
No mais, o restante do inciso permaneceu inalterado. Quanto ao direito de exame aos
procedimentos que não tenham sido concluídos, prevaleceu a sigilosidade das diligências em
andamento, até mesmo para o defensor, sob pena de prejudicar o êxito da investigação,
(CASTRO; COSTA, 2016).
Assim, a limitação regulamentada pela Lei nº 13.245/16, já estava prevista na súmula
vinculante nº 14 do STF, a qual assegura ao defensor o acesso amplo aos elementos de prova
que já foram documentados, resguardando, contudo, as diligências que não foram concluídas,
sob pena de prejudicar o êxito das investigações. A propósito:
36
Ementa: RECLAMAÇÃO. CONSTITUCIONAL. HIPÓTESES DE CABIMENTO.
DESCUMPRIMENTO DA SÚMULA VINCULANTE 14 NÃO VERIFICADO.
ACESSO DOS ADVOGADOS AOS AUTOS DO INQUÉRITO, RESSALVADAS
AS DILIGÊNCIAS EM ANDAMENTO. IMPROCEDÊNCIA. II – A decisão ora
questionada está em perfeita consonância com o texto da Súmula Vinculante 14
desta Suprema Corte, que, como visto, autorizou o acesso dos advogados aos autos
do inquérito, apenas resguardando as diligências ainda não concluídas. III – Acesso
que possibilitou a apresentação de defesa prévia com base nos elementos de prova
até então encartados. Os advogados poderão, no decorrer da instrução criminal,
acessar todo o acervo probatório, na medida em que as diligências forem concluídas.
V – Reclamação improcedente. (STF - Rcl: 10110 SC, Relator: Min. RICARDO
LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 20/10/2011, Tribunal Pleno, Data de
Publicação: DJe-212 DIVULG 07-11-2011 PUBLIC 08-11-2011).
Na verdade, o parágrafo décimo primeiro, do artigo 7º, do Estatuto da Advocacia,
instituído pela Lei 13.245/2016, apenas regulamentou o teor da súmula vinculante nº 14 do
STF, resguardando, como dito, o sigilo das investigações que ainda não foram concluídas,
visando o êxito da investigação criminal.
Ainda quanto às modificações, o parágrafo décimo, incluído no artigo 7º do Estatuto
da Advocacia, possibilita ao advogado o acesso aos elementos de prova já documentados,
mesmo sem procuração. Contudo, para ter acesso aos procedimentos que tramitam em sigilo é
imprescindível a procuração. O objeto desse dispositivo foi preservar o sigilo interno das
investigações, limitando o acesso apenas àquele outorgado com poderes para tanto.
Anteriormente, não era previsto no Estatuto da Advocacia qualquer penalidade para
Autoridade que descumprisse as regras previstas no inciso XIV. Agora, com a inclusão do §
12, a autoridade que inobservá-las, será responsabilizada funcional e criminalmente. A
propósito:
§ 12. A inobservância aos direitos estabelecidos no inciso XIV, o fornecimento
incompleto de autos ou o fornecimento de autos em que houve a retirada de peças já
incluídas no caderno investigativo implicará responsabilização criminal e funcional
por abuso de autoridade do responsável que impedir o acesso do advogado com o
intuito de prejudicar o exercício da defesa, sem prejuízo do direito subjetivo do
advogado de requerer acesso aos autos ao juiz competente. (Incluído pela Lei nº
13.245, de 2016).
Pode-se dizer que a lei foi clara ao limitar o acesso pelo advogado. Portanto, a
Autoridade, seja ou não Policial, que obstar a ele o exame dos autos de inquérito ou de
investigação, violando as regras do inciso XIV do artigo 7º, será responsabilizado, agora em
razão de previsão legal no Estatuto da Advocacia.
Superadas as alterações do inciso XIV do artigo 7º, do Estatuto da Advocacia, e os
parágrafos a ele relacionados, foi incluído o inciso XXI do sobredito artigo, a qual foi o
37
grande avanço trazido pela Lei nº 13.245/16, ampliando ainda mais os direitos do advogado
no que diz respeito à participação da investigação criminal.
XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena
de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e,
subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele
decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da
respectiva apuração: (BRASIL, Lei nº 13.245, de 2016).
Segundo Aury Lopes Júnior (2016), o inciso XXI, do artigo 7º, do Estatuto da
Advocacia passou a possibilitar ao advogado o direito de assistir o seu cliente quando da sua
oitiva. Percebam que a citada redação não abrangeu o acompanhamento das vítimas e das
testemunhas. Corroborando com tal limitação, se fosse assegurado o direito de assistência por
um advogado em todas as oitivas ocorridas no inquérito policial, vítima, testemunha e
investigado, haveria uma mudança quanto ao seu valor probatório, e os atos ali colhidos
deixariam de ser elementos probatórios, e passariam ser vistos como prova, mesmo que
colhidos em uma fase em que são mitigados o contraditório, a ampla defesa, a publicidade
dos atos, mais especificadamente, os direitos que são assegurados na fase judicial.
Com efeito, a intenção do legislador não foi mesmo abranger o direito de assistência
da defesa técnica em todos os atos da investigação criminal, mas sim propiciar ao investigado
um interrogatório sem abusos, tanto que instituiu a nulidade absoluta a partir deste ato.
Contudo não deve prosperar o entendimento do aludido autor no sentido de que se
fosse conferido ao advogado o direito de acompanhar a oitiva da vítima e das testemunhas, o
inquérito policial passaria a ter valor de prova. Isso porque uma prova deve ser colhida
judicialmente em observância aos princípios constitucionais, e no inquérito policial, mesmo
com havendo o acompanhamento da defesa técnica, não há contraditório pleno, os atos são
praticados mediante sigilo, conforme a discricionariedade da Autoridade Policial. Portanto,
mesmo que houvesse essa amplitude quanto ao direito de assistência do advogado, apenas
ampliaria a credibilidade do interrogatório policial, mas os atos colhidos na investigação
continuariam tendo caráter de elemento probatório, frente a características inquisitivas que
ainda a regem.
Embora a Lei nº 8.9606/94 tenha como objeto conferir direitos ao advogado de
participar da investigação criminal, não deixa trazer benefícios ao investigado, já que é uma
forma de regulamentar até que ponto a defesa técnica pode participar da investigação
criminal, já que ausente previsão na legislação processual
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3.7.2 A Obrigatoriedade da Assistência por Advogado no Interrogatório Policial
Segundo o entendimento de Rodrigo Carneiro Gomes (2016), o inciso XXI, do artigo
7º, do Estatuto da Advocacia não regulamentou a obrigatoriedade da defesa no inquérito
policial. A nulidade absoluta do que trata o supracitado dispositivo diz respeito ao ato
praticado sem a presença do advogado que fora constituído, não havendo que se falar em
nulidade se o ato é praticado sem advogado por ausência de constituição, também não
havendo a obrigatoriedade de se comunicar à defensoria pública.
Reitera-se a participação da defesa técnica no interrogatório policial não se tornou
obrigatória pelo advento da Lei nº 13.245/16, que alterou o Estatuto da Advocacia, já que tal
legislação dispõe sobre direitos do advogado. Contudo, se analisar a situação da
obrigatoriedade da defesa técnica sob uma perspectiva democrática, chegar-se-á à conclusão
de que a o acompanhamento da investigação criminal pelo advogado é obrigatória desde a
Constituição Federal de 1988, que deu uma nova roupagem ao processo penal.
Conforme abordado, o Processo Penal foi criado em uma época que prevalecia o
autoritarismo. Contudo, assim como a fase judicial, o inquérito policial, que é parte integrante
do processo sincrético, deve ser lido de forma constitucionalizada.
Salienta-se que a defesa técnica é imprescindível para um processamento justo. É
inconcebível frente ao Estado Democrático de Direito, que em uma investigação criminal, a
qual pode trazer consequências graves ao sujeito passivo, seja realizada sem a presença de
uma defesa técnica, mormente pelo estado de hipossuficiência do sujeito passivo. Portanto,
não obstante a ausência legislativa que disponha de forma expressa sobrea obrigatoriedade do
advogado no inquérito policial, a sua obrigatoriedade restou clara pela Constituição Federal,
bem como, implicitamente, pelo Código de Processo Penal.
Inicialmente, vale ressaltar que o artigo 133 da Constituição Federal preconiza que “o
advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e
manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. (BRASIL, 1988). O Estado
Democrático de Direito, regido também, pelo princípio do contraditório e da ampla defesa,
ressaltou, com o supracitado artigo, a importância do advogado à concretização da justiça e,
fazendo uma leitura constitucionalizada, fica clara a sua indisponibilidade a todo o Processo
Penal.
É sabido, que no curso do inquérito policial, o investigado fica à mercê da
discricionariedade do Delegado, não possuindo conhecimento técnico-jurídico para se
defender dos atos e dos excessos eventualmente praticados em seu desfavor. Portanto, se
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pensar na facultatividade da defesa técnica no curso da investigação criminal é o mesmo que
violar o direito fundamental da igualdade, mormente pela disparidade de arma entre o Estado
e o investigado e situação de hipossufiência deste na fase pré-processual. Portanto, deve ser
assegurado ao investigado a paridade de armas, ou seja, alguém com conhecimento técnico
para se igualar ao poderio estatal, ao menos para se defender das imputações criminais que
são feitas nesta fase.
O artigo 5º, LXIII, da Constituição Federal assegura a assistência de um defensor no
interrogatório do preso “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de
permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. (LOPES
JÚNIOR; GLOECKENER, 2014, p. 480).
Ainda com fulcro no princípio da igualdade, conforme o dispositivo constitucional, é
vedado tratamento diferenciado aos indivíduos. Portanto, deve se assegurar o direito de defesa
técnica a toda pessoa submetida a um interrogatório, mormente pelo fato de tanto o
investigado preso quanto o solto são interrogados na mesma fase processual, regida por
características inquisitivas. A única diferença é que, enquanto um já está com seu direito de
liberdade cerceado, o outro, após a conclusão do inquérito ou até mesmo durante as
investigações, poderá ter a sua prisão decretada, o que não serve de óbice para a sua aplicação
ampla a qualquer tipo de investigado.
O fato é que, o Estado Democrático de Direito, instituído na Constituição Federal de
1988, obrigou a todas as legislações infraconstitucionais a ele se adequar. Não se pode excluir
o inquérito policial dessa adequação constitucional, pelo simples fato de sua finalidade
carecer de características inquisitivas.
Assim, os dispositivos constitucionais devem ser
aplicados a ele, desde que não prejudique o objeto da investigação.
Não obstante as normas constitucionais, que remetem à obrigatoriedade da defesa
técnica em toda a investigação criminal, pela legislação processual vigente, a assistência por
advogado na investigação criminal é obrigatória apenas no acompanhamento do interrogatório
policial. No dia 02 de dezembro de 2003, foi publicada a Lei 10.792, a qual instituiu
significativas alterações no interrogatório judicial, as quais deverão ser observadas, no que for
aplicável, pelo Delegado de Polícia, isso conforme dispõe o artigo 6º, V, do Código de
Processo Penal. A propósito:
Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade
policial deverá: ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do
disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro, devendo o respectivo termo ser
assinado por duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura (BRASIL, 2003 - Lei
n 10.792).
40
Fazendo uma análise do Título VII, Capítulo III, do Código de Processo Penal, merece
destaque o artigo 185, o qual preconiza “o acusado que comparecer perante a autoridade
judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu
defensor constituído ou nomeado”. (BRASIL, Lei nº 10.792/03). Assim, a supracitada lei
passou a exigir a presença do advogado no interrogatório judicial, seja por ele constituído ou
nomeado (JORGE, 2015).
Segundo Estevão Luis Lemos Jorge (2015), a presença do defensor no curso do
interrogatório judicial passou a ser obrigatória e, fazendo uma análise em consonância com o
artigo 6º do Código de Processo Penal, obrigatória também será a presença da defesa técnica
no interrogatório policial.
Salienta-se que a lei 10.792/03 preconiza que a observância do disposto no Capítulo
III, do Título VII, do Código de Processo Penal, é compatível com o inquérito policial e será
observada no que for aplicável.
Contudo, surgem alguns questionamentos: Porque não é aplicável o artigo 185 do
Código de Processo Penal, o qual dispõe acerca da defesa técnica no interrogatório judicial,
ao inquérito policial? A participação do advogado, no ato de interrogatório policial,
comprometeria o êxito da investigação criminal ou contraria a sua finalidade?
Ressalte-se que não há óbice algum à aplicação do artigo 185 do Código de Processo
Penal, no inquérito policial, restando inconteste que a assistência do advogado ao investigado
quando do seu interrogatório policial não prejudica em nada as investigações, já que não
comprometeria seu êxito, apenas assegurara ao investigado uma oitiva sem abusos.
Não obstante a previsão constitucional, a prática penal, devido ao autoritarismo da
investigação e ausência de previsão legal expressa, apresenta uma enorme resistência a se
adequar à realidade constitucional, dando um ar de facultatividade da presença defesa técnica
nas investigações.
A ausência de previsão processual, assegurando expressamente a ampla defesa na
investigação criminal, será resolvida, se modificar o modelo processual penal proscrito
existente ou se sancionado, o anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal – Projeto
de Lei nº 156, de 2009, que passará prever expressamente, em seu artigo 3º, a participação do
advogado no curso da investigação criminal. “Art. 3º. Todo processo penal realizar-se-á sob
o contraditório e a ampla defesa, garantida a efetiva manifestação do defensor técnico em
todas as fases procedimentais.” (BRASIL, 2009, PL 156).
41
3.7.3 O Direito de Autodefesa do Investigado
Paralelo à defesa técnica, está a atuação do próprio investigado, que tem como fito se
defender da pretensão estatal. A defesa pessoal ou a autodefesa pode ser evidenciada por
diversas formas, mas se sobressai com o interrogatório policial, que pode ser considerado
como sendo um ato endoprocedimental, em que é oportunizado ao investigado o direito de
atuar de forma comissiva, “expressando os motivos e as justificativas de autoria ou de
materialidade do fato que se lhe imputam,” ou omissiva, que é “ um atuar negativo, através
do qual o imputado nega-se a declarar”. (LOPES JÚNIOR; GLOECKNER, 2014, p. 479).
Em suma, é imprescindível ao interrogatório policial o exercício da autodefesa,
componente do direito constitucional da ampla defesa, oportunidade em que o interrogado
fará uma explanação sobre os fatos que lhes estão sendo imputados ou permanecerá em
silêncio.
Conforme preconiza Aury Lopes Júnior e Gloeckner (2014), na autodefesa negativa o
investigado além de se negar a prestar declaração quanto ao fato, não precisa contribuir, o
mínimo que seja, para o êxito das investigações, podendo ficar eximido de fornecer materiais,
de auxiliar na reconstrução do fato, dentre outros. Diante de tal afirmativa, vale a ressalva de
que, embora a defesa pessoal seja disponível, já que o investigado simplesmente tem o direito
de se negar a declarar, deve ser oportunizada o exercício de esclarecer sobre os fatos que lhes
estão sendo imputados. (LOPES JÚNIOR; GLOECKNER, 2014).
Ao contrário do que dispõe o aludido autor, o investigado, ao se negar prestar
declarações perante a Autoridade Policial, não está renunciando ao seu direito de defesa, mas
o exercendo de outra forma, optando por não se manifestar quanto ao fato criminoso. Não é
raro se ver na prática, o interrogatório policial ser utilizado em desfavor do réu para subsidiar
de uma sentença penal condenatória, mesmo diante da fragilidade probatória da instrução
processual. Portanto, o direito constitucional de permanecer em silêncio é uma forma de
exercício do contraditório, em que o investigado, apenas opta por se manifestar em Juízo,
após a oitiva das vítimas e de testemunhas, quando conjunto probatório não for mais
indiciário.
Já quanto à autodefesa positiva reitera-se que, ao contrário sensu, é a efetiva
participação do sujeito passivo nas investigações, procurando combater a apuração da autoria
do fato que lhe foi imputado, participando de acareações, reconhecimentos, etc. (LOPES
JÚNIOR; GLOECKNER, 2014). Portanto, na autodefesa positiva o investigado exerce, de
42
fato, o seu direito ao esclarecer os fatos, o que lhe pode ser ou não favorável, mormente frente
aos abusos estatais ainda existentes.
No que concerne ao valor probatório do interrogatório policial, devido ao seu objeto
de apurar indícios de autoria e materialidade para deflagração da ação penal, a confissão nele
obtida não deve ser vista como prova, obtendo valor endoprocedimental, justificando os atos
no curso da investigação e subsidiando à propositura da ação penal. (LOPES JÚNIOR;
GLOECKNER, 2014).
Mesmo diante da obrigatoriedade do advogado no interrogatório policial, ele continua
a ter valor probatório limitado, já que a investigação criminal continuará sendo sigilosa e
discricionária, portanto, contrárias ao processo penal democrático. O acompanhamento do
defensor nesse ato apenas confere maior credibilidade ao interrogatório, mas ainda sendo
vedada a sua utilização como subsídio de uma sentença penal condenatória.
43
4 O CONTROLE DEMOCRÁTIICO DO INQUÉRITO POLICIAL
Como salientado, o Estado Democrático de Direito, construção jurídica mundialmente
adotada após a Segunda Guerra Mundial, instituiu e assegurou, na Constituição de 1988,
amplas garantias e direitos sociais e individuais. A propósito:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional
Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício
dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida,
na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (BRASIL, 1988).
As legislações processuais com o Estado Democrático de Direito, embora ainda
apresentem certa resistência, se viram obrigadas a se adequar à nova ordem constitucional. No
que concerne ao Processo Penal, dentre os princípios constitucionais inseridos, devem ser
observados a separação das funções, o devido processo legal, o juiz natural, o contraditório, a
ampla defesa, a publicidade dos atos processuais, a presunção de inocência, mormente para
limitar o poder estatal, o que não é feito de forma absoluta no inquérito policial, até mesmo
pela sua finalidade.
Na verdade, não obstante a Constituição Federal de 1988, na prática processual penal,
as regras que regem um Estado Democrático de Direito ainda são muito frágeis. A Lei Maior
não foi suficiente para modificar a legislação processual.
É patente a resistência dos
operadores do Direito a essa adequação, que não se contentam com o texto constitucional.
É inadmissível que os elementos colhidos na investigação criminal, em que ainda não
se aplicam os direitos fundamentais do o contraditório e a ampla defesa, influenciem o
magistrado na formação de culpa, subsidiando uma sentença penal condenatória.
Na verdade, o que precisa ser feito é regulamentar as disposições constitucionais, com
a modificação do Código de Processo Penal, que fora elaborado em uma época autoritária,
instituindo o modelo acusatório previsto na Constituição, o qual reafirma o Estado
Democrático de Direito.
4.1 A Influência do Inquérito Policial na Formação de Culpa
Um dos grandes problemas enfrentados pelo processo penal é presenciar magistrados
se utilizarem de elementos colhidos no inquérito policial para subsidiar uma sentença penal
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condenatória. Nesse passo, tais magistrados desconsideram o limitado valor probatório do
inquérito, que é um procedimento sigiloso, com tênue contraditório, e realizado de forma
discricionária pela Autoridade Policial. Além do mais, as autoridades judiciárias, frente à
fragilidade probatória da instrução processual, vêm, de certa forma, ignorando o disposto no
artigo 155 do Código de Processo Penal e fundamentando uma sentença penal com base nos
elementos colhidos, exclusivamente, na investigação.
É importante dizer que o artigo 155 do Código de Processo Penal utiliza-se da
expressão exclusivamente para vedar a fundamentação de uma condenação penal com base
em elementos colhidos na investigação, significando dizer que, se corroborados pela prova
judicial, poderão influenciar na formação da convicção do magistrado.
Fazendo uma análise crítica do sobredito artigo, pode-se dizer que a legislação
processual penal confere natureza de prova aos elementos colhidos sob a violação de
dispositivos constitucionais, o contraditório e a ampla defesa, inseridos pelo Estado
Democrático de Direito. O fato de serem subsidiados pela prova judicial não modifica em
nada a natureza inquisitivas daqueles elementos, o que deveria ser vedado, já que contrário as
regras democráticas.
Ademais, o mencionado dispositivo processual é aplicado, na prática, de forma
inadequada, já que autoridade judiciária ao se deparar com uma confissão na seara policial,
colhida sem a observância dos direitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa, se
corroborada por uma prova judicial, ainda que duvidosa e controversa, tem respaldo legal para
utilizá-la.
Pode-se afirmar assim, que o artigo 155 do Código de Processo Penal é totalmente
contrário ao Estado Democrático de Direito, pois admite que elementos probatórios que são
colhidos de forma contrária aos dispositivos constitucionais, em uma fase em que violam os
direitos fundamentais do contraditório e da ampla defesa, influenciem na formação de culpa
do magistrado.
Vale ressaltar que a jurisprudência atual dos Tribunais Superiores é no sentido de
ratificar o previsto no artigo 155 do Código de Processo Penal, podendo o magistrado
fundamentar uma sentença penal condenatória com base em elementos colhidos no inquérito
policial, se corroborados pela prova judicial. A propósito:
Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM
HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA
(ART. 337-A C/C ART. 71, DO CP). CONDENAÇÃO BASEADA EM
INFORMAÇÕES COLHIDAS NO INQUÉRITO E COMPLEMENTADAS POR
PROVAS PRODUZIDAS EM JUÍZO. 1. O livre convencimento do juiz pode
45
decorrer das informações colhidas durante o inquérito policial, nas hipóteses em que
complementam provas que passaram pelo crivo do contraditório na fase judicial,
bem como quando não são infirmadas por outras provas colhidas em juízo. No voto
condutor daquele julgado, destacou-se que “tendo toda a prova oral do inquérito
policial sido voltada para a imputação da autoria do delito previsto no artigo 337-A,
do Código Penal ao apelado, e, perante a autoridade judicial, o acusado ter reiterado
sua confissão, estando, frisa-se, acompanhado de defensora dativa quando
interrogado (fi. 89), não há falar em aproximação ‘do processo penal eminentemente
inquisitivo’ (fl. 131), senão em ratificação de todo o contexto probatório produzido
na fase inquisitorial" 6. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega
provimento. (STF - RHC 118516, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma,
julgado em 22/04/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-088 DIVULG 09-05-2014
PUBLIC 12-05-2014).
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO
ESPECIAL. ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO
AUTOMOTOR. CONDENAÇÃO FUNDAMENTADA EXCLUSIVAMENTE EM
ELEMENTOS INFORMATIVOS COLHIDOS NO INQUÉRITO POLICIAL.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA. I.[...]
IV. Esta Corte Superior de Justiça possui entendimento no sentido de ser
inadmissível a prolação de decreto condenatório exclusivamente com base em
notícias colhidas durante investigações preliminares, que não tenham sido
submetidas ao crivo do devido processo legal, em seus consectários do contraditório
e da ampla defesa.V. Vige em nosso ordenamento jurídico o princípio do livre
convencimento motivado ou da persuasão racional, segundo o qual o magistrado
pode livremente apreciar as provas, adotá-las ou recusá-las mediante convicção
motivada. Contudo, há proibição expressa de fundamentação exclusiva nos
elementos do inquérito, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e
antecipadas. Inteligência do art. 155 do Código de Processo Penal. VI. Ordem
concedida, nos termos do voto do Relator. (STJ -HC 230.922/RS, Rel. Ministro
GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 26/06/2012, DJe 01/08/2012).
Até mesmo o entendimento da Suprema Corte é contrário ao Estado Democrático de
Direitos, no sentido de permitir a utilização de elementos colhidos, sem a observância dos
direitos fundamentais do contraditório e da ampla defesa, na formação do convencimento do
magistrado. Reitera-se que o fato de o elemento probatório ser corroborado pela prova
judicial, não tira seu o status inquisitivo, violador de direitos e garantias fundamentais.
Na verdade, visa o magistrado fazer com que a fase extrajudicial se pareça com a
judicial, quando, na maioria das vezes, pela precariedade das garantias fundamentais, frente
uma prática inquisitorial abusiva na oitiva do sujeito de direito, a investigação preliminar
criminal aponta um culpado e provas claras. (LOPES JÚNIOR; GLOECKNER, 2014).
De uma forma ou de outra, seja influenciando na formação de culpa, seja corrompendo
a instrução processual, é patente a utilização do inquérito policial na fase judicial. Absurdo é
pensar que elementos colhidos de forma tão inquisitiva ainda influenciem os atos judiciais.
Com as carências da legislação processual, mormente no que concerne o inquérito
policial, é patente a necessidade de constitucionalização, com a instituição de um modelo
processual adequado, compatível com a Lei Maior.
46
4.2 Modelo Processual a ser Adotado
A tendência do Direito Processual Penal comparado é a investigação criminal a cargo
do Ministério Público, controlada pela figura do juiz garante, como ocorre na Itália e na
Alemanha, por exemplo. Nesse modelo de investigação, seriam conferidos mais poderes ao
Ministério Público, que limitaria a discricionariedade da Polícia Judiciária, controlando e
conduzindo as investigações, diretamente, praticando as diligências ou determinando ao
Delegado de Polícia que as realize. A propósito:
Nesse modelo de investigação, o promotor é o diretor da investigação, cabendo-lhe
receber a notícia-crime diretamente ou indiretamente (através da polícia) e investigar
os fatos nela constantes. Para isso, poderá dispor e dirigir a atividade da Polícia
Judiciária (dependência funcional), de modo que tanto poderá praticar por si mesmo
as diligências como determinar que as realize a polícia segundo os critérios que ele
(promotor) determinou. (LOPES JÚNIOR, 2013, p. 270)
Para Aury Lopes Júnior (2014, p. 402-403), esse é o Sistema Processual que menos
apresentaria problemas, sob a alegação de que a finalidade da investigação criminal seria
basicamente fornecer elementos ao titular para deflagrar ou não a ação penal. Portanto,
“ninguém melhor do que o promotor para preparar o exercício da futura acusação.” Mas
com a condição de que a polícia judiciária estivesse a serviço da acusação, com clara
subordinação funcional. Para controlar o Ministério Público, no curso da investigação
criminal, se criaria a figura do juiz garante, que seria aquele que decidiria sobre os atos que
impliquem restrições de direitos fundamentais e sobre a coleta de provas.
Contudo, esse não é modelo processual mais adequado. Não se pode admitir que a
investigação criminal seja presidida pelo Ministério Público, se este, no processo penal,
exerce a função acusadora, o que seria um retrocesso, já que reafirmaria o modelo inquisitivo,
com acúmulo de funções.
A figura do Ministério Público está prevista na Constituição Federal no capítulo das
Funções Essenciais à Justiça. Contudo, não obstante seu caráter de órgão imparcial, já que não
está adstrito a sempre pedir uma condenação ou deflagrar uma ação penal, podendo pugnar
pela absolvição e requerer o arquivamento do inquérito, não se pode negar que está vinculado
ao polo ativo da demanda e que seus interesses são contrários aos do réu. (NUCCI, 2015).
Realmente, o Ministério Público não está vinculado apenas a acusar, mas a tendência
prática é de a assim proceder, mormente por ter interesses contrários aos do sujeito passivo.
Portanto, o que lhe impediria de conduzir as investigações apenas nesse sentido? O ímpeto de
47
acursar, poderia motivá-lo a deixar de proceder e solicitar diligências à Polícia Judiciária ou
até mesmo conduzindo-as apenas no sentido de chegar a uma acusação, desconsiderando à
realidade fática.
Portanto, colocar o Ministério Público a cargo da investigação criminal seria um
retrocesso, é reafirmar, ainda mais, um modelo inquisitivo, com acúmulo de funções, o que
pioraria a situação do investigado, evidenciando o seu estado de hiposssuficiência. O
Ministério Público não deve ficar inerte frente às investigações, mas assim como é hoje, deve
continuar exercendo o controle externo e atuando de forma subsidiária, controlando os atos da
Polícia Judiciária.
Ficando afastada a investigação criminal pelo Ministério Público, passa-se ao modelo
processual que mais se aproxima do sistema ideal. A investigação criminal deve continuar
sendo conduzida pela Polícia Judiciária, órgão que, em relação à acusação e à defesa, não tem
qualquer interesse que o acusado seja absolvido ou condenado. Portanto, atua com total
imparcialidade, procedendo às investigações para se chegar o mais próximo possível da
realidade fática.
O Direito Espanhol traz um rico conceito sobre a importância da Polícia Judiciária
“constitui um ramo da função judicial do Estado, servindo para administração do Direito e,
mais especificamente para a atuação do Direito. (LOPES JÚNIOR, 2015, p. 364).
Além do mais, é mais fácil a condução das investigações pela Polícia judiciária, com
mais possibilidade de êxito, visto que segundo Aury Lopes Júnior (2013, p. 264), “está mais
próxima ao povo, está em todos os lugares, e por isso dispõe de meios rápidos e eficazes para
conduzir a investigação”.
Deve prevalecer nesse modelo processual, a discricionariedade da Polícia Judiciária, a
qual continuará conduzindo as investigações de forma mais adequada ao caso concreto,
procedendo às diligências investigativas sem precisar requerer autorização judicial ou seguir
um rito estabelecido em lei, o que, se existisse, prejudicaria o êxito das investigações, já que
haveria um risco de perecer os elementos probatórios e de o investigado se precaver quanto
aos próximos passos da investigação, o que comprometeria a sua eficiência.
Não obstante a discricionariedade do Delegado de Polícia, seus atos devem ser
pautados em normas constitucionais, de modo a assegurar os direitos fundamentais ao sujeito
passivo, mormente por refletirem diretamente no estatus libertatis e no direito patrimonial do
investigado.
Contudo, a discricionariedade não pode ficar à mercê do controle externo do
Ministério Público, já que, como se vê na prática, é ineficiente, mormente diante dos abusos
48
estatais ainda existentes. É aí que aparece da figura do juiz de garantias, função que deve ser
criada para controlar a legalidade da investigação criminal, bem como a discricionariedade do
Delegado de Polícia, e assegurar os direitos e garantias fundamentais, sendo esta a solução
mais adequada para a crise que norteia o inquérito policial.
Conforme dispõe Estêvão Luis Lemos Jorge (2015), o Juiz de Garantias é aquele que
terá a obrigação de controlar a legalidade da investigação e de resguardar as garantias do
investigado, ficando a sua atuação adstrita à fase policial, já que quando oferecida a denúncia,
a ação judicial passará ser dirigida pelo magistrado julgador da lide, que tomará as
providências de acordo com as provas colhidas no inquérito.
A criação do juiz de garantias é a que mais se aproxima do modelo ideal. Isso porque
será uma função criada para controlar a legalidade das investigações, garantir a aplicação dos
direitos do investigado e garantir a imparcialidade do magistrado julgador da lide, que ficará
totalmente afastado da fase preliminar.
Esta também é a solução mais adequada encontrada pelos legisladores, já que
atualmente, tramita na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 156, de 2009, de autoria
do senador José Sarney, o qual dispõe sobre a reforma do Processo Penal. Na exposição de
motivos, o anteprojeto deixa clara a necessidade de adequação do Código de Processo Penal a
Constituição Federal, já que aquele encontra-se superado. A propósito:
Se em qualquer ambiente jurídico há divergências quanto ao sentido, ao alcance e,
enfim, quanto à aplicação de suas normas, há, no processo penal brasileiro, uma
convergência quase absoluta: a necessidade de elaboração de um novo Código,
sobretudo a partir da ordem constitucional da Carta da República de 1988. A
incompatibilidade entre os modelos normativos do citado Decreto-lei nº 3.689, de
1941 e da Constituição de 1988 é manifesta e inquestionável. E essencial. A
configuração política do Brasil de 1940 apontava em direção totalmente oposta ao
cenário das liberdades públicas abrigadas no atual texto constitucional. (BRASIL,
PL Nº 156, de 2009).
Não se tem dúvidas que o anteprojeto foi elaborado para evidenciar o modelo
acusatório previsto na Constituição, voltada a resguardar os direitos e garantias fundamentais
dos sujeitos da relação processual.
Conforme disposto no inciso IV do artigo 15, para o exercício do controle da
investigação, o juiz de garantias será informado sobre a abertura de qualquer inquérito
policial, o qual deverá garantir que nenhum ato contrário à Constituição seja praticado durante
as investigações, o que era inviável apenas com o controle externo do Ministério Público:
Art. 15. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da
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investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia
tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe
especialmente: I – receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso
LXII do art. 5º da Constituição da República; II – receber o auto da prisão em
flagrante, para efeito do disposto no art. 543; III – zelar pela observância dos direitos
do preso, podendo determinar que este seja conduzido a sua presença; IV – ser
informado da abertura de qualquer inquérito policial; (BRASIL, 2009, PL nº
156). (grifo meu).
Com esse dispositivo, demonstra-se que o juiz de garantas terá o controle de toda a
investigação criminal, o qual atuará como verdadeiro limitador dos excessos estatais, não
apenas resguardando os direitos e garantias fundamentais, mas também controlando a
discricionariedade da Autoridade Policial.
Fica evidenciada ainda mais, no inciso V ao XVI do artigo 15, a aplicação do Sistema
Acusatório. A real intenção do legislador é garantir a imparcialidade do juiz julgador, ficando
qualquer atuação na fase preliminar a cargo do juiz de garantias, bem como assegurar a
aplicação dos direitos fundamentais na investigação criminal.
Conforme anteriormente abordado, os dispositivos do Código de Processo Penal atual
autorizam o magistrado a participar ativamente da investigação criminal, decidindo sobre as
medidas cautelares, determinando a produção da prova antecipada, bem como solicitando
diligências para dirimir eventuais dúvidas, o que contradita as regras de um Sistema
Processual previsto constitucionalmente.
Com a introdução do juiz de garantias, o magistrado julgador da lide ficará totalmente
afastado da fase preliminar, já que aquele primeiro será o responsável para decidir acerca das
medidas cautelares da investigação criminal. Tal dispositivo assegurará a imparcialidade
daquele
que
julgará
o
processo,
evidenciando
o
Sistema
Acusatório
previsto
constitucionalmente. A propósito:
V – decidir sobre o pedido de prisão provisória ou outra medida cautelar; VI –
prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou
revogá-las; VII – decidir sobre o pedido de produção antecipada de provas
consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla
defesa; VIII – prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado
preso, em atenção às razões apresentadas pela autoridade policial e observado o
disposto no parágrafo único deste artigo; IX – determinar o trancamento do inquérito
policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou
prosseguimento; X – requisitar documentos, laudos e informações da autoridade
policial sobre o andamento da investigação; XII – decidir sobre os pedidos de: a)
interceptação telefônica ou do fluxo de comunicações em sistemas de informática e
telemática; b) quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico; c) busca e apreensão
domiciliar; d) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos
fundamentais do investigado XIII – julgar o habeas corpus impetrado antes do
oferecimento da denúncia; XIV – outras matérias inerentes às atribuições definidas
no caput deste artigo. Parágrafo único. Estando o investigado preso, o juiz das
garantias poderá, mediante representação da autoridade policial e ouvido o
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Ministério Público, prorrogar a duração do inquérito por período único de 10 (dez)
dias, após o que, se ainda assim a investigação não for concluída, a prisão será
revogada. (BRASIL, 2009, PL nº 156). (grifo meu)
Portanto, assim como previsto no PL 156 de 2009, o modelo processual atual deve
trazer a figura do juiz de garantias, que controlará a discricionariedade do delegado de
polícia, que prevalecerá para conduzir as investigações, também decidirá sobre qualquer
medida cautelar, o que garantirá a imparcialidade do magistrado julgador da lide,
evidenciando o modelo processual acusatório previsto constitucionalmente, além de que terá
a função de resguardar a aplicação dos direitos e garantias fundamentais na investigação
criminal.
O Juiz de garantias terá contato direto com a investigação criminal, já que criado para
esta finalidade. A criação desta Autoridade Judicial fará com que a investigação criminal se
torne mais justa, longe dos abusos estatais.
Quanto ao investigado, este deve participar ativamente na produção dos elementos
probatórios, podendo apresentar testemunhas, enfim, requerer ao Juiz Garante, e não mais a
Autoridade Policial, a realização de perícias e de oitivas, o que evidencia a paridade de armas,
o direito a igualdade, bem como o contraditório, previstos na Constituição Federal. Tal
participação em nada prejudicaria o êxito das investigações, ao contrário, contribuiria para o
que Delegado de Polícia chegue o mais próximo possível da verdade real.
A efetiva participação do investigado na investigação criminal evidenciará o
contraditório, garantido constitucionalmente a todos os indivíduos, que até então não é
aplicado, de forma efetiva na investigação criminal.
Reitera-se que o direito de participar, indicar testemunhas, requerer a realização de
perícia, enfim de qualquer, diligência deve ser oportunizado ao investigado após a Autoridade
Policial tiver terminado todas as diligências cabíveis na investigação, sob pena de prejudicala, visto que o investigado pode se prevenir ou até mesmo acabar com os demais elementos
probatórios existentes ainda não colhidos, como prejudicar uma busca e apreensão, por
exemplo.
Nesse modelo processual, deve-se oportunizar ao investigado o direito de se defender
dos elementos probatórios colhidos na investigação. O momento processual adequado seria ao
final, após realizado o relatório, quando deverá abrir vistas à Defesa, para que defenda do
acervo probatório, para que, só depois, o Delegado apure a existência dos indícios de autoria
e de materialidade, e realizasse o despacho de indiciamento.
51
É uma forma de aplicar o contraditório na investigação criminal. Não se tem mais
dúvidas que ao final da investigação pode-se chegar a uma imputação criminal, a situação de
indiciado, o que não deixa de ser oneroso para o investigado/acusado. Além do mais, tanto no
curso da investigação criminal quanto ao final desta, pode haver o cerceamento do direito de
liberdade, de propriedade e de correspondência do acusado, não podendo ser realizada de
forma contrária às normas constitucionais.
Portanto, não se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, que a
investigação criminal seja concluída sem que seja oportunizado ao investigado o direito de se
defender e de participar da formação do acervo probatório.
Que é patente a necessidade de constitucionalização do inquérito não se tem dúvidas,
mas deve ser feita com cautela, para não torna-lo ineficiente e prevalecer a impunidade. Para
isso que se deve procurar resguardar os elementos probatórios ainda não colhidos,
oportunizando ao investigado o direito de participar da investigação criminal requerendo a
oitiva de testemunhas e a realização de perícias, depois de realizadas todas as diligências
cabíveis pela Autoridade Policial.
Ainda quanto à constitucionalização, deve a oitiva das testemunhas e da vítima, bem
como o interrogatório policial do investigado ser obrigatoriamente acompanhado por
advogado, seja dativo ou Defensor Público, que como essencial à Justiça, evitará coações por
parte da Autoridade Policial.
Reitera-se que a defesa técnica é imprescindível para um processamento justo. É
inconcebível que, em um Estado Democrático de Direito, uma investigação criminal, a qual
pode trazer consequências graves ao sujeito passivo, seja realizada sem a presença de uma
defesa técnica, mormente pelo estado de hipossuficiência do sujeito passivo. Portanto, não
obstante a ausência legislativa que disponha de forma expressa sobrea obrigatoriedade do
advogado no inquérito policial, a sua obrigatoriedade restou clara pela Constituição Federal,
bem como, implicitamente, pelo Código de Processo Penal.
Inicialmente, vale ressaltar que o artigo 133 da Constituição Federal preconiza que “o
advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e
manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. (BRASIL, 1988). O Estado
Democrático de Direito, regido também, pelo princípio do contraditório e da ampla defesa,
ressaltou, com o supracitado artigo, a importância do advogado à concretização da justiça e,
fazendo uma leitura constitucionalizada, fica clara a indisponibilidade a sua indisponibilidade
em todo o Processo Penal.
52
Após o oferecimento da denúncia, o processo ficará a cargo do magistrado julgador da
lide, o qual não teve qualquer tipo de contato com a investigação criminal:
Art. 16. A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais,
exceto as de menor potencial ofensivo e cessa com a propositura da ação penal. §1º
Proposta a ação penal, as questões pendentes serão decididas pelo juiz do
processo. §2º As decisões proferidas pelo juiz das garantias não vinculam o juiz
do processo, que, após o oferecimento da denúncia, poderá reexaminar a
necessidade das medidas cautelares em curso. (BRASIL, 2009, PL nº 156). (grifo
meu).
Ademais, a instrução processual deverá continuar sendo presida pelo magistrado
julgador da lide, já que ele, deverá ter contato direto com as provas, procedendo à oitiva da
vítima, das testemunhas e ao interrogatório do acusado, e através da sua percepção sobre os
fatos e o contato direito com as provas, julgar a causa.
Não obstante essa constitucionalização, os elementos probatórios colhidos na
investigação criminal não devem influenciar, isoladamente, na convicção do magistrado. A
investigação criminal e a instrução processual têm finalidades diversas. A primeira de apurar
os indícios de autoria e de materialidade, a segunda influenciar no convencimento do
magistrado.
Realmente, com esse modelo processual, será aplicado o contraditório e a ampla
defesa na investigação criminal, o que, em tese, admitiria a utilização dos elementos
probatórios nela colhidos na formação de culpa. Contudo, não pode o magistrado presidente
da ação, que não teve nenhum contato com os elementos probatórios, utilizá-los isoladamente
para subsidiar uma condenação penal, deve-se respeitar o Princípio da Identidade Física do
Juiz, previsto no artigo 399, § 2º, do Código de Processo Penal, in verbis: o juiz que presidiu
a instrução deverá proferir a sentença. (BRASIL, 1941).
Deve prevalecer vigente o disposto no artigo 155 do Código de Processo Penal, que
veda o magistrado utilizar os elementos probatórios colhidos exclusivamente na investigação
criminal para subsidiar uma sentença penal condenatória. Como abordado, o magistrado deve
ter contato direito com as provas. Mas agora, com inserção do contraditório e da ampla defesa
na investigação criminal, nada impede que ele subsidie a prova judicial com policial, já nesta
fase não há mais supressão dos direitos e garantias fundamentais, e se aplica o contraditório e
ampla defesa.
Não que seja o modelo processual penal perfeito, já que existem várias críticas à figura
do juiz garante. Contudo é o sistema processual que melhor se adequa à realidade
democrática, exigida pela Constituição.
53
5 CONCLUSÃO
Levando-se
em
consideração
os
aspectos
expostos,
conclui-se
que
a
constitucionalização do inquérito policial é um grande avanço para se efetivar o Estado
Democrático de Direito, que ainda apresenta tamanha fragilidade prática. Não se pode mais
admitir, na realidade democrática, um processo inquisitivo, contrário às disposições
constitucionais, como a investigação criminal, sendo patente a necessidade da realização do
seu controle democrático.
O Sistema Processual Penal previsto na Constituição Federal é o Acusatório, em que
há a separação das funções de acusar, defender e julgar, e prevalece a garantia dos direitos
fundamentais. Ocorre que o Código de Processo Penal, criado sob uma perspectiva autoritária,
é regido por características que denotam o modelo inquisitivo, em que o magistrado participa
ativamente na produção de provas, e que não se aplicam, em todo o processo penal sincrético,
os direitos e garantias fundamentais, instituídos pelo Estado Democrático de Direito,
mormente na fase de inquérito, violando assim, o modelo processual previsto na Lei Maior.
O inquérito policial, conforme dispõe a legislação processual, visa analisar,
preliminarmente, a existência de um crime e sua autoria. Ocorre que, não obstante esta seja a
finalidade genérica da investigação criminal, ela muito tem muita influencia na ação penal,
bem como nos direitos fundamentais do investigado. Com os elementos probatórios colhidos
na investigação criminal podem-se cercear os direitos de liberdade, de propriedade e de
correspondência do investigado, já que é com base nesses elementos que o magistrado
decidirá sobre a decretação de uma prisão preventiva, a quebra do sigilo bancário ou
telefônico, bem como acerca da determinação de uma busca e apreensão, não podendo se
afirmar assim, que na ase investigativa apenas se apuram indícios de autoria e de
materialidade.
Além do mais, o artigo 155 do Código de Processo Penal autoriza o magistrado a
subsidiar uma sentença penal condenatória com base nos elementos colhidos na investigação
criminal, o que é totalmente oposto às normas que regem um Estado Democrático de Direito,
mormente pelo fato de esses elementos serem colhidos em uma fase em que estão suprimidos
os direitos do contraditório e da ampla defesa.
É totalmente autocrático o supracitado
dispositivo processual, já que permite que elementos inquisitivamente apurados, influenciem
na convicção do magistrado.
Conforme a Constituição Federal, se aplicam o contraditório e ampla defesa na
investigação criminal, o problema está no Código de Processo Penal que se encontra
54
ultrapassado, mormente em razão da época em que foi elaborado. Atualmente, o contraditório
e a ampla defesa na investigação criminal são limitados, aquele se resumindo em requerer as
diligências nos termos do artigo 14 do Código de Processo Penal, em impetrar Habeas corpus
e mandado de segurança, o que não deixa de ser uma participação, ainda que mínima, na
investigação criminal. Da mesma forma é a ampla defesa, que se resume, conforme a
legislação processual, no direito de autodefesa quando do interrogatório do investigado, e no
exercício da defesa técnica, que é obrigatória, conforme o artigo 185 cumulado com o artigo
6º, V, ambos do Código de Processo Penal, apenas no acompanhamento do interrogatório do
acusado.
A supressão dos citados direitos fundamentais ocorre, como abordado, em razão da
ausência de previsão processual, já que a Constituição Federal assegura, em seu artigo 5º, LV,
aos litigantes em processo judicial e administrativo o direito ao contraditório e a ampla defesa.
Parte da doutrina entende que não se aplicam estes institutos no inquérito policial por
ter natureza jurídica de procedimento, teoria esta que ficou superada, já que demonstrada a
natureza jurídica de processo da investigação criminal. Ela não pode ser considerada como
um procedimento, tido como mera sequencia de atos legalmente previstos, cuja finalidade é
simplesmente se apurar indícios de autoria e de materialidade. Isso porque, ao final deste
processo chega-se a uma imputação penal, o status de indiciado, que gera consequências
graves ao investigado, já que, é a partir desses elementos, que ele poderá ser processado.
Sustentando a ideia de processo, em que pese na investigação criminal não exista sanção
penal, ela pode trazer consequências onerosas ao investigado, como o cerceamento do direito
de liberdade, de propriedade de correspondência.
Deve-se fazer uma leitura constitucionalizada de todos os institutos jurídicos,
aplicando a todas as legislações infraconstitucionais, como o Processo Penal, as disposições
previstas na Carta Magna, necessidade que se evidencia ainda mais no inquérito policial. É
patente a necessidade de adequação do Código de Processo Penal a Constituição Federal,
efetivando o Sistema Acusatório nesta previsto, regulamentando um modelo processual, em
que se garantem os direitos e garantias fundamentais em todo o processo.
O modelo processual mais próximo do ideal é a criação do juiz de garantias, que
atuará como um verdadeiro agente controlador da investigação criminal, resguardando a
aplicação dos direitos e garantias fundamentais nesta fase processual, bem como garantindo a
imparcialidade do juiz julgador da lide, que não mais atuará na produção antecipada de
provas, portanto não terá nenhum contato com a investigação criminal.
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Deve também regulamentar, neste modelo processual, a aplicação do contraditório e
da ampla defesa em todo processo, tanto na fase policial quanto na fase judicial, conferindo ao
investigado o direito de participar ativamente na produção dos elementos probatórios, além de
se tornar obrigatória a assistência da defesa técnica na oitiva da vítima, das testemunhas e no
interrogatório do investigado.
Contudo, a constitucionalização da investigação criminal deve ser feita com cautela,
de forma que não prejudique o êxito das investigações. Deve sempre se resguardar o objeto da
investigação criminal, que é apurar indícios de autoria e de materialidade, o que exige um
procedimento célere e a Discricionariedade do Delegado de Polícia, que agora será controlada
pela figura do juiz de garantias.
Assim, com a aplicação do contraditório na investigação criminal, em nada obsta a
aplicação do artigo 155 do Código de Processo Penal, podendo o magistrado subsidiar a
sentença penal condenatória com os elementos colhidos na investigação criminal, já que agora
colhidos sob o contraditório e da ampla defesa, devendo ser resguardado, contudo, o princípio
da identidade física do juiz, previsto no artigo 399 do Código de Processo Penal.
São muitas mazelas que envolvem o Processo Penal, tanto que existe um Projeto de
Lei em andamento para instituir o Sistema Acusatório previsto na Constituição. O presente
trabalho está longe de resolver todos os problemas que norteiam o Código de Processo Penal,
nem é este o seu objeto. Mas deve se realizar o controle democrático da investigação criminal,
para que se efetive, nesta fase, o Estado Democrático de Direito, e minimize a crise que a
norteia, a mais grave dentre as que existem em todo o Processo Penal, violadora de direitos e
garantias fundamentais.
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