Como saber se a comunicação verbal é bem sucedida?

Transcrição

Como saber se a comunicação verbal é bem sucedida?
Como saber se a comunicação verbal
é bem sucedida?
Referências:
Davidson, Donald, “A nice derangement of epitaphs”, in Martinich, A. P. (ed.),
The Philosophy of Language, Oxford, Oxford University Press, 2001, pp
473-483.
Pagin, Peter, “What is communicative success?” (http://people.su.se/~ppagin/
papers/whatcomfinal.pdf)
Sàágua, João, “Significado, verdade e comunicação”
(www.ifl.pt/ifl_old/saagua1.pdf)
Modelo “clássico”
Pensamento
Linguagem
Pensamento
Expressão
Linguagem
Frege: A comunicação só é possível se houver um “tesouro
comum” de pensamentos partilhados; pensamentos vistos
como objectivos e distintos das “imagens” de natureza
psicológica, que são pessoais e intransmissíveis.
Modelo com raízes na tradição filosófica ocidental: p.ex.,
Aristóteles, Locke.
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Com a Teoria Matemática da Comunicação, este modelo é
formalizado e generalizado:
(Cf. Shannon, Claude, “The Mathematical Theory of Communication”, 1948)
O modelo “clássico”, na sua versão tradicional, pode ser
reduzido a uma visão da comunicação como processo de
transmissão de mensagens, através de codificação e
descodificação. O destinatário deve reproduzir a
mensagem codificada pelo comunicador (com alguma
margem de erro).
Após este processo, para a comunicação ser considerada
bem sucedida, emissor e destinatário devem, no final deste
processo, contar com mensagens idênticas (mais uma vez,
com alguma margem de erro). É o “modelo do código”, ou
da “cópia”.
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Versão mais recente do modelo “clássico” (p.ex., Chomsky,
Teoria da Relevância): a comunicação não é vista como um
processo de “cópia” através da codificação/descodificação.
Antes, é um processo de ajustamento mútuo entre
comunicador e audiência, que na sua conclusão chegam a
representações similares. O grau de similaridade é
contextualmente determinado (a identidade de
representações constitui, assim, um caso limite, se é que
verdadeiramente alcançável).
Mas como podemos saber se a comunicação verbal é bem
sucedida?
Critério “behaviorista”
(limitado ao comportamento observável)
O critério para avaliar se a comunicação verbal é bem
sucedida é a fluidez nas trocas verbais e na coordenação
mútua dos comportamentos.
Mas esse critério é claramente insuficiente.
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Exemplo (baseado em Pagin): dois amigos, um português e
um francês vão de comboio, dos seus respectivos países,
para a Suíça (onde nunca estiveram antes), e combinam
encontrar-se na estação de destino. O francês diz para se
encontrarem na porta “ouest” (“oeste”). O português, que
tem algumas dificuldades com a língua francesa,
erroneamente traduz “ouest” por “leste”.
Ao chegar à estação, vindo de Portugal, o português dirigese à porta oeste. Já o francês, quando chega, confunde as
portas e, por engano, dirige-se também à porta oeste. Os
dois acabam por se encontrar na hora marcada.
Neste caso, houve coordenação mútua de
comportamentos, e um observador externo não seria
capaz de dar conta dos erros envolvidos. Mas não se pode
dizer que foi um caso de “comunicação verbal bem
sucedida”.
Outro problema para o critério “behaviorista”: o critério de
“fluidez nas trocas verbais” parece já pressupor o sucesso
comunicativo que pretende explicar.
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Problema: se os critérios “externos” (behavioristas) são
insuficientes, e não nos podemos fiar em critérios
puramente “internos” (estados mentais), como podemos
saber se a comunicação verbal foi ou não bem sucedida?
Note-se que o recurso ao esclarecimento verbal (isto é, à
pergunta por parte do comunicador: “você compreendeu o
que eu disse”) envolve um regresso infinito: pois imaginese que o destinatário responde positivamente à pergunta.
Agora a questão é: o par pergunta-resposta foi um exemplo
de comunicação verbal bem sucedida? Para esclarecer
esta questão, o comunicador teria então de perguntar:
“você compreendeu a minha pergunta anterior?”, e assim
sucessivamente.
Para além desse problema, o recurso ao esclarecimento
verbal tem outras óbvias desvantagens – em particular, o
facto de que as pessoas podem mentir, ou dar uma
resposta positiva apenas por uma questão de
conveniência.
Parece haver assim um problema: não há critérios
precisos, exaustivos e objectivos para definir se a
comunicação verbal é ou não bem sucedida.
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A resposta a este problema reside na questão dos
“ajustamentos” referida anteriormente. Num contexto
determinado contexto, comunicador e audiência vão
“ajustar” os seus comportamentos e estados mentais de
forma a que cada um possa considerar a comunicação
como bem sucedida. Mas os mal-entendidos são sempre
possíveis, e neste sentido a comunicação envolve uma
componente de “guesswork” (“palpites”) que não pode ser
eliminada.
Exemplo (João Fonseca, baseado em Davidson):
Um indivíduo chega a um café e pede:
“Um cão com manteiga, por favor.”
Num certo sentido, se o funcionário do café lhe trouxer um
cão untado com manteiga, intuitivamente consideramos
que ele não compreendeu o pedido. O que ele deveria ter
feito, nos termos de Davidson, seria ajustar a sua “teoria
prévia” sobre o falante (de acordo com a qual, para este a
palavra “cão” significa CÃO) a uma “teoria ocasional” (de
acordo com a qual, naquela ocasião de discurso, a palavra
“cão” para o falante significa PÃO).
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O ponto importante é que a constante passagem de
“teorias prévias” a “teorias ocasionais” não é ela própria
teorizável. É assim, totalmente dependente do contexto.
Donde a questão: faz sentido falar em “teorias”?
Conclusão:
Os critérios para avaliar se uma situação de comunicação
verbal foi bem sucedida são sempre sujeitos a incerteza e,
portanto, a debate. Não o seriam se a comunicação se
resumisse a um simples processo de transmissão de
informação (um caso extremo do “modelo do código”). Mas
como a comunicação verbal envolve estados mentais –
nomeadamente intenções, crenças e desejos – e a sua
relação complexa com o comportamento observável,
estamos “condenados” a viver na incerteza.
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