- COPEDI - Universidade Federal de São Carlos

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EIXO 2
Tempos, Espaços, Relações e
Infâncias: bases epistemológicas
ISSN 2448-1157
Índice – Eixo 2
As dificuldades em dar voz às crianças nas pesquisas................................. 383
Os espaços do brincar na Educação Infantil: perspectivas para a construção da
pedagogia da participação¹ ......................................................................... 396
Os espaços do parque como potencializadores das experimentações e relações
na Educação Infantil. .................................................................................. 407
Objetos de Letramento na Formação da Criança¹ ....................................... 413
Pesquisa com... Crianças e Imagens ........................................................... 421
Encontros e desencontros nas relações entre as crianças bem pequenas e os
adultos na creche ........................................................................................ 438
Um novo espaço de brincadeiras – O olhar do Educador ............................ 455
O meu espaço na creche ............................................................................. 461
ÁGORA: ocupações infantis dos processos de escolhas e tomadas de decisão
acerca da rotina e do currículo .................................................................... 462
Ambientes Reveladores .............................................................................. 475
O tempo, o espaço e o brincar, limites e desafios: Interface entre Educação
Física e Educação Infantil........................................................................... 488
Entre a escuta e o silêncio... Entre a verdade e a experiência ...................... 495
Para além do Berçário: os bebês e os espaços coletivos na EEI/UFRJ ........ 509
A especificidade do trabalho pedagógico com a pequena infância na rede
municipal de Niterói: (des)caminhos de pesquisas colaborativas com as
crianças de 0 a 3 anos .............................................................................. 523
Experiência estética na cidade: Crianças pequenas ocupando lugares ......... 530
Espaços e Tempos da Educação Infantil: investigando a ação pedagógica com
os bebês ..................................................................................................... 541
Experimentando o Mundo em Nosso Quintal: ............................................ 557
Uma parceria possível e necessária entre arquitetura e educação ................ 557
CCI UNESP/Botucatu; lugar de cuidar e educar ........................................ 571
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O lugar das interações das crianças e do brincar na educação infantil:
contribuições da pesquisa para a prática educativa ..................................... 571
O PIBID como possibilidade de inovação na Educação Infantil ................. 584
Desenvolvimento das emoções e sentimentos na educação infantil ............ 585
Ser criança na escola da infância: a transformação do ambiente escolar em
campos de experiências .............................................................................. 592
A maior riqueza do homem é sua incompletude: crianças e adultos
reconstruindo o cotidiano da creche............................................................ 605
O uso do brinquedo na Educação Infantil e algumas considerações baseadas
em Michel Foucault .................................................................................... 623
EDUCUIDAR: práticas docentes em uma escola da rede municipal de
Ibirité/MG .................................................................................................. 636
Tecendo Diversidades e Brincadeiras ......................................................... 650
Os bebês e a brincadeira livre na creche: concepções e práticas ................. 656
A brincadeira na educação infantil: contribuições da Teoria Histórico-cultural
................................................................................................................... 667
A organização do tempo em Escolas de Educação Infantil: reflexões sobre a
prática educativa ......................................................................................... 668
Crianças na cozinha – a Culinária como experiência de conhecimento ....... 679
A prática psicomotora aliada à musicalização: estudo de caso com crianças de
4 e 5 anos em Centro de Educação Infantil Municipal de Poços de Caldas,
MG (2009-2012) ........................................................................................ 684
Prover, proteger e participar: os direitos das crianças em relação com as
práticas docentes na creche......................................................................... 685
Quem conta histórias acende um fogo: a experiência da roda da fogueira na
Creche ........................................................................................................ 693
A situação social de desenvolvimento das crianças de dois a três anos e a
intervenção intencional do professor .......................................................... 702
Projeto Brincando de Fazer Arte ................................................................ 711
O conhecimento na Educação Infantil: um estudo a partir da produção
bibliográfica brasileira ................................................................................ 712
Brincadeiras Populares Para Além do Mês de Agosto ................................ 713
A sociologia da infância no contexto brasileiro: um balanço das produções da
ANPED (1998 a 2013) ............................................................................... 718
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Um encontro com o Parque Lajeado ........................................................... 730
O impacto da obrigatoriedade da matrícula das crianças de 4 anos e o espaço
reservado para o brincar nas instituições educativas ................................... 731
“É divertido ser criança lá fora” A produção das culturas infantis,
intervenções e esquisitices de um coletivo brincante. ................................. 744
Brincar, brinquedos, brincadeiras e brinquedoteca no GT07 da ANPEd:
Discutindo possibilidades na educação infantil e nas infâncias ................... 751
Projeto Interações ....................................................................................... 765
Berçário: lugar de muitas experiências e descobertas ................................. 775
Imigrantes Estrangeiros: jogos e brincadeiras nas memórias de infância .... 775
Espaços e Tempos da Educação Infantil: investigando a ação pedagógica com
os bebês ..................................................................................................... 789
Desenvolvimento das emoções e sentimentos na educação infantil ............ 805
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As dificuldades em dar voz às crianças nas pesquisas 1
Aline Martins de Almeida2
Julia de Souza Delibero Angelo3
Resumo
Este trabalho tem como objetivos analisar a concepção e a constituição de currículo junto ao
processo de transformação do ensino relacionado às práticas escolares. Tem também por
escopo considerar a fundamentação metodológica das fontes de pesquisa sobre currículo e
práticas escolares com base nos pressupostos teóricos de Chervel (1990), Delgado e Müller
(2005), Goodson (1995), Silva, Barbosa, Kramer (2005), Hamilton (1992) e os Referenciais
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (1998). O trabalho específico com a educação
infantil precisa estar além do recorte fragmentado que reduz o processo educativo aos
binômios cabeça-corpo, cognição-afeto. O ambiente, o espaço, deve ser intencionalmente
preparado, possibilitando as interações do grupo e as intervenções do professor quando
necessárias ao processo, sem que esse, no entanto, figure como o centro das ações: tanto na
proposta como na execução. É necessário que o modelo meramente escolarizante (aquele em
que a educação infantil é tida apenas como pré-escola ou prontidão para o ensino
fundamental) ou apenas assistencialista (onde os cuidados fisiológicos são mais considerados)
cedam espaço a uma nova proposta onde educar e cuidar estejam interligados e que as várias
linguagens se façam presentes, constituindo os fazeres na educação infantil. Desta maneira,
dar voz às crianças nas pesquisas acerca das práticas e relacionamentos vivenciados no
cotidiano escolar que mantêm os mecanismos de produção e reprodução da rotina e do
conhecimento por meio de um movimento dialético: primeiro, a divisão em classes e a
vigilância mais estreita dos alunos; e, segundo, veio o refinamento do conteúdo e dos métodos
1
Este texto é fruto de Pesquisa de Mestrado realizada no período de agosto de 2012 a julho de 2013 na PUC-SP
(Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) .
2
Doutoranda pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade da PUC-SP
(Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
3
Doutoranda pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade da PUC-SP
(Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
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pedagógicos viabilizará a construção metodológica de fontes de pesquisa sobre currículo e
práticas escolares na e para a educação infantil. O estudo sobre fundamentação metodológica
de fontes de pesquisa sobre currículos e práticas escolares é imprescindível tanto para a
história educacional quanto para repensarmos a qualidade na educação infantil, pois abordar
seus conceitos é conhecer os processos de movimento e de transformação da sociedade e dos
sujeitos, estes que se dá na escola por meio do encontro pedagógico (escola como um espaço
coletivo de práticas e interações) e como um produto sócio histórico, construído com espaços
e tempos entre indivíduos e grupos.
Palavras-chave: currículo, práticas escolares, cotidiano escolar e pesquisa na educação
infantil.
Introdução
Ao longo da história, os conceitos de “infância” e de “criança” passaram por
transformações. Primeiramente, conforme aponta Santos (2013), a criança era vista como um
“adulto em miniatura” e, portanto, a infância não passava de um período de crescimento
físico, sem especificidade nenhuma. Com o passar do tempo, a definição de criança como
uma espécie de “miniadulto” foi superada, e a infância passou a ser vista como um período
que não se resume apenas à formação da criança. Seu “papel social” na sociedade mudou.
Silva, Barbosa e Kramer (2005) apontam que hoje temos o conceito de infância cada
vez mais marcado pela indústria cultural. Segundo os autores, atualmente, “o infantil é
marcado por uma visão de mercado (infantil é consumir determinado tipo de produto, o que
evidencia a relação da infância com massificação e padronização cultural) ” (Silva, Barbosa e
Kramer, 2005, p. 53).
Diante desse cenário, há um impasse: como, efetivamente, dar voz às crianças para a
realização de uma pesquisa? Como mostram Faria, Demartini e Prado (2004):
Dar visibilidade às crianças: suas falas, expressões, sentimentos,
gostos, gestos. Esse é um grande desafio que se tem colocado a
professores e pesquisadores da educação, preocupados em entender a
infância: o que pensam as crianças a respeito da escola, do trabalho,
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das brincadeiras, dos seus colegas, dos seus professores e dos adultos
em geral? Enfim, o que e como a criança vê, sente, pensa a respeito
desse mundo que já estava pronto quando ela chegou? E como
interage com ele? (Faria, Demartini e Prado, 2004, p. 233)
De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, proposto
pelo Ministério da Educação, o currículo da educação infantil, considerando-se as
especificidades afetivas, emocionais, sociais e cognitivas das crianças de zero a seis anos,
deve contribuir para o exercício da cidadania com base nos seguintes princípios:
- O respeito à dignidade e aos direitos das crianças, consideradas nas
suas diferenças individuais, sociais, econômicas, culturais, étnicas,
religiosas etc.;
- O direito das crianças a brincar, como forma particular de expressão,
pensamento, interação e comunicação infantil;
- O acesso das crianças aos bens socioculturais disponíveis, ampliando
o desenvolvimento das capacidades relativas à expressão, à
comunicação, à interação social, ao pensamento, à ética e à estética;
- A socialização das crianças por meio de sua participação e inserção
nas mais diversificadas práticas sociais, sem discriminação de espécie
alguma;
- O atendimento aos cuidados essenciais associados à sobrevivência e
ao desenvolvimento de sua identidade (BRASIL, 1998, p.13)
O trabalho específico com a educação infantil precisa estar além do recorte
fragmentado que reduz o processo educativo aos binômios cabeça-corpo, cognição-afeto. O
ambiente, o espaço, deve ser intencionalmente preparado, possibilitando as interações do
grupo e as intervenções do professor quando necessárias ao processo, sem que esse, no
entanto, figure como o centro das ações: tanto na proposta como na execução. É necessário
que o modelo meramente escolarizante (aquele em que a educação infantil é tida apenas como
pré-escola ou prontidão para o ensino fundamental) ou apenas assistencialista (onde os
cuidados fisiológicos são mais considerados) cedam espaço a uma nova proposta onde educar
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e cuidar estejam interligados e que as várias linguagens se façam presentes, constituindo os
fazeres na educação infantil.
Desta maneira, dar voz às crianças nas pesquisas acerca das práticas e relacionamentos
vivenciados no cotidiano escolar que mantêm os mecanismos de produção e reprodução da
rotina e do conhecimento por meio de um movimento dialético: primeiro, a divisão em
classes e a vigilância mais estreita dos alunos; e, segundo, veio o refinamento do conteúdo e
dos métodos pedagógicos. (Hamilton, 1992, p.47) viabilizará a construção metodológica de
fontes de pesquisa sobre currículo e práticas escolares na e para a educação infantil.
Justificativa
A trajetória deste estudo parte numa perspectiva de apresentação do que vem ser
currículo, práticas pedagógicas e sua relação com a pesquisa envolvendo a participação de
todos os envolvidos nesta modalidade, inclusive as crianças. Segundo Apple, para
compreender o que “as escolas fazem realmente, temos que saber muito sobre o que se passa
dentro das paredes da própria instituição” (1997, p.26).
Dentro das paredes da instituição escolar, seu funcionamento é regido principalmente
por um currículo formal. Segundo Menezes (2002), podemos compreender que o currículo é
um conjunto de dados relativos à aprendizagem escolar, organizados para orientar as
atividades educativas, as formas de executá-las e suas finalidades. Geralmente, exprime e
busca concretizar as intenções dos sistemas educacionais e o plano cultural que eles
personalizam como modelo ideal de escola defendido pela sociedade. A concepção de
currículo inclui desde os aspectos básicos que envolvem os fundamentos filosóficos e
sociopolíticos da educação até os marcos teóricos e referenciais técnicos e tecnológicos que a
concretizam na sala de aula.
Para Hamilton (1992), o curriculum associado à ideia de corrida tem suas bases no
conceito de classe, estes que tiveram como prioridade a organização da aprendizagem em seu
tempo e em seu lugar, com base na institucionalização, no controle da autoridade e na
disciplina. Na área educacional, esta concepção
Emergiu na confluência de vários movimentos sociais e ideológicos.
Primeiro, sob a influência das revisões de Ramus, o ensino da
dialética ofereceu uma pedagogia geral que podia ser aplicada a todas
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as áreas da aprendizagem. Segundo, as visões de Ramus sobre a
organização do ensino e da aprendizagem tornou-se consoante com as
aspirações disciplinares do calvinismo. E, terceiro, o gosto calvinista
pelo uso figurado de “vitae curriculum” – uma frase que remonta a
Cícero (morte: 43 a.C.) – foi ampliado para englobar as novas
características de ordem e de sequência da escolarização do século
XVI. (Hamilton, 1992, p.47)
O currículo estabelecido pelos sistemas de ensino e expressos em diretrizes
curriculares, objetivos e conteúdos das áreas ou disciplinas de estudo mantêm o diálogo com a
tradição, no entanto, as vivências dentro destas instituições dão vida às unidades
educacionais, gerando o acréscimo de várias dimensões dentro do próprio currículo, que
podem ser definidas com base em Moreira e Silva (1997) em:

Currículo real: é o currículo que acontece dentro da sala de aula com professores e alunos
a cada dia em decorrência de um projeto pedagógico e dos planos de ensino;

Currículo oculto: é o termo usado para denominar as influências que afetam a
aprendizagem dos alunos e o trabalho dos professores, representando tudo o que os alunos
aprendem diariamente em meio às várias práticas, atitudes, comportamentos, gestos,
percepções que vigoram no meio social e escolar. O currículo está oculto por que ele não
aparece no planejamento do professor.
Nesta perspectiva, o currículo em ação também se faz presente e pode ser entendido
com base em Gimeno Sacristán (1998) como um processo que envolve uma multiplicidade de
relações, abertas ou tácitas, em diversos âmbitos, que vão da prescrição à ação, da
organização do tempo ao espaço, das decisões administrativas às práticas pedagógicas que
dizem respeito ao processo de ensino-aprendizagem.
Desta forma, examinar as práticas culturais e desvendar o currículo real, o oculto e o
em ação são momentos que preveem não apenas a burocracia instituída nos órgãos escolares
públicos, mas todos os momentos de interação do cotidiano escolar que se iniciam a partir do
momento de entrada das crianças na escola, o período de aulas, o momento de recreio, o
momento da saída e de suas respectivas relações com todos que compõe este ambiente
educativo, com enfoque nas relações entre alunos, professores, funcionários da escola e
comunidade.
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Esta vida dupla propiciará às crianças a aquisição de conhecimentos que as tornarão
em alunos. Conhecimentos estes que estarão enraizados de uma cultura que oscila tanto como
um objeto de ensino, na transmissão de normas, regras, valores e conteúdos quanto na cultura
que a própria escola produz nos relacionamentos e nos comportamentos.
Além deste movimento dialético, a partir da perspectiva de Chervel (1990), também
podemos compreender a concepção de escola, esta que é vista e entendida como um
mecanismo de transmissão tanto do saber erudito quanto do saber ensinado, pois
A concepção de escola como puro e simples agente de transmissão de
saberes elaborados fora dela está na origem da ideia, muito
amplamente partilhada no mundo das ciências humanas e entre o
grande público, segundo a qual ela é, por excelência, o lugar do
conservadorismo, da inércia, da rotina. (Chervel, 1990, p.182)
Estudar estes movimentos nos proporciona conhecer o funcionamento da estética
nacional, a civilização e a cidadania e a cultura da sociedade e o sistema escolar, este que é
...detentor de um poder criativo insuficientemente valorizado até aqui
é que ele desempenha na sociedade um papel o qual não percebeu que
era duplo: de fato ele forma não somente os indivíduos, mas também
uma cultura que vem por sua vez penetrar, moldar, modificar a cultura
da sociedade global (Chervel, 1990, p.184)
Objetivos e referencial teórico
Este trabalho tem como objetivos analisar a concepção e a constituição de currículo
junto ao processo de transformação do ensino relacionado às práticas escolares. Tem também
por escopo considerar a fundamentação metodológica das fontes de pesquisa sobre currículo e
práticas escolares com base nos pressupostos teóricos de Chervel (1990), Delgado e Müller
(2005), Goodson (1995), Silva, Barbosa, Kramer (2005), Hamilton (1992) e os Referenciais
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (1998).
Metodologia
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A metodologia utilizada neste estudo foi a pesquisa bibliográfica, pois a mesma nos
oferece auxílio na definição e resolução dos problemas já conhecidos, como também permite
explorar novas áreas onde os mesmos ainda não se cristalizaram suficientemente. Permite
também que um tema seja analisado sob novo enfoque ou abordagem, produzindo novas
conclusões. Além disso, permite a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla,
principalmente quando o problema da pesquisa requer a coleta de dados muito dispersos no
espaço.
A escolha desta metodologia, para o caso específico desta pesquisa, deve-se ao fato de
pensarmos e refletirmos como a participação e o envolvimento das crianças nas pesquisas
acadêmicas são imprescindíveis, pois a escola deve ser um espaço adequado à convivência
igualitária (Cavalleiro, 1998, p.11) viabilizando a construção metodológica de fontes de
pesquisa sobre currículo e práticas escolares na e para a educação infantil.
Para tanto, esta pesquisa analisou tanto o Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil (1998) quanto o movimento sócio histórico de construção tanto do currículo
e de suas respectivas funções quanto das práticas e do cotidiano escolar.
Desenvolvimento da pesquisa
Para a construção metodológica de fontes de pesquisa sobre currículo e práticas
escolares na e para a educação infantil, precisamos compreender qual o papel da escola. Desta
forma
A escola, entendida como uma instituição que desempenha papel
preponderante na constituição dos indivíduos e ao mesmo tempo, por
eles é constituída, possui uma rotina diária repleta de uma “trama
institucional social existente” (Pavan, 1996, p.30)
Podendo ser vista e entendida como uma instituição que desempenha papel
preponderante na constituição de alunos e, ao mesmo tempo, por eles é constituída. Também
é um local de realização de práticas pedagógicas ímpares: as suas interações que são
produzidas por seus atores, sua organização institucional e seu processo de transmissão
cultural que varia desde os hábitos e práticas disseminadas no ambiente escolar até sua
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formulação e manutenção de saberes, que se manifestam nos vários espaços de tempo que
estão organizados na rotina escolar.
Para Goodson (1995) estas manifestações podem ser compreendidas como um elo
entre as normas e as práticas, pois o currículo é concebido nas atividades práticas entre alunos
e professores em aula, com a realidade social histórica, com o modo particular de relação
entre os homens, suas intervenções e suas ações acerca do cotidiano escolar.
As práticas que ocorrem na escola, cercadas de uma rotina desde o momento em que
todos chegam, principalmente na relação professor-aluno como os ritos de entrada, os ritos na
sala de aula, os ritos do recreio e os ritos de saída, são dramatizações vivenciadas por todos e
legitimados todos os dias devido a repetição destas relações e destas práticas, quer pela prática
docente inconsciente destas ações, quer pelo poder dos poderosos ou pela concretude do
Estado, estes que são incorporados por meio da repetição e da sequenciação destas atividades,
mantendo e diferenciado as relações de poder entre alunos e professores.
Estas práticas também revelam que o espaço escolar é constituído de resistências,
como a falta de comportamento adequado seja na sala de aula ou nos arredores, excessivo
número de faltas, desrespeito aos professores e aos funcionários; as adaptações, as quais os
alunos submetem-se para serem aceitos no espaço e as transgressões pelos sujeitos em aceitar
uma nova ordem imposta que não seja pelos seus familiares.
Com o surgimento de normas e na execução destas práticas, os processos
disciplinadores a que os alunos estão expostos passam a ser um mecanismo de civilização e
que por meio de seus ritos e rituais legitimam valores a partir das estratégias de obediência do
corpo, dos gestos e das ações por meio da escolarização da infância.
Estes processos são baseados na homogeneização e controle e a escola, por sua vez,
configurou-se como um espaço específico que se ensinam formas concretas de transmissão de
conhecimentos e de modelação de comportamentos por meio da disciplina, do método e dos
recursos tecnológicos que configuram este ambiente e seus atores envolvidos numa trama
social de conformação.
Um dos agentes de homogeneização e hegemonia é a língua e atendendo aos
princípios propostos pela educação infantil pública instituída no período republicano, a
escolarização da infância se faz necessária e
A língua, desta forma, é elevada a um status de “pronunciadora da
verdade” que a mantém isenta de seu posicionamento ou
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embasamento político. É este erro epistemológico que permite aos
conservadores denunciarem o totalitarismo em nome de sua própria
verdade e serve como um artifício para a expansão das atuais formas
de dominação. (Mc Laren, 1997, p.118)
A construção desta trama social e da interiorização de certas práticas conformadoras
como os comportamentos clássicos, por exemplo, tem uma nova forma de instituir a infância
no século XIX como o controle sobre o corpo infantil, ajustando a sua atividade as regras da
escolaridade e da máxima utilidade. A língua é o espaço da atuação histórica e parafraseando
Mc Laren (1997, p.127), uma vez que toda experiência é a experiência do significado,
precisamos reconhecer o papel que a língua desempenha na produção de experiência.
De acordo com os estudos de Kramer (1994), o currículo da educação infantil deve ser
entendido como um conjunto sistematizado de práticas culturais no qual se articulam, de um
lado, as experiências, os valores e os saberes das crianças, de suas famílias, da equipe de
profissionais e da comunidade extraescolar e, de outro, os conhecimentos que fazem parte do
patrimônio cultural, no qual a dimensão de cuidado para com as crianças assume um caráter
ético e os valores democráticos e de solidariedade criam laços entre gerações que fortalecem o
sentimento de pertencer a uma cidadania compartilhada.
Com isso,
As experiências vividas no Espaço da Educação Infantil devem
possibilitar às crianças explicações sobre o que ocorre à sua volta e
consigo mesma, enquanto desenvolvem formas de sentir, pensar e
solucionar problemas. Nesse processo é preciso considerar que as
crianças necessitam envolver-se com diferentes linguagens e valorizar
o lúdico, as brincadeiras, as culturas infantis. Devemos considerar
também que, quando interagem com companheiros de infância, elas
aprendem coisas que lhe são muito significativas e que são diversas
das coisas que elas se apropriam no contato com os adultos ou com
crianças já mais velhas (Tempos e espaços para a infância e suas
linguagens nos CEIs, Creches e EMEIs da cidade de São Paulo, São
Paulo, SME, 2006, p.24-25)
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Perante a construção desse processo do cotidiano escolar, que as tramas vão surgindo,
as experiências trocadas, os conhecimentos obtidos é que se fazem imprescindíveis dar vozes
às nossas crianças e a todos os agentes envolvidos, de modo que, a pesquisa esteja associada à
interação e aos conhecimentos acadêmicos de diversas áreas do saber entre todos os
envolvidos. O grande desafio aqui, não é divulgar as dificuldades de ar vozes às nossas
crianças, mas sim, demonstrar as possibilidades de pesquisa e sua respectiva aplicabilidade no
cotidiano escolar de modo que tais experiências adquiridas no espaço da educação infantil
façam parte da memória das crianças como experiências de sua própria história.
Resultados
Para conseguir dar voz às crianças, o pesquisador, logo de início, tem de tomar uma
decisão: qual concepção teórica e metodológica de infância e de criança será usada no
trabalho. Ao comparar tais concepções, é visível uma grande disparidade. Alguns trabalhos
realmente valorizam a criança tal como ela é, enquanto certas pesquisas focalizam o que a
criança pode vir a ser. Segundo Delgado e Müller (2005), as principais dificuldades a
ultrapassar nas pesquisas com crianças estão relacionadas à:
1. Lógica adultocêntrica – As crianças veem os adultos como seres de fora do seu
“mundo”. Muitos pesquisadores, porém, tratam as crianças como meras portas de entrada para
o mundo infantil (a fim de descobrir leis psicológicas universais) ou tão-somente como
indicadores do efeito de tratamento de dados. É necessário negar essa visão e valorizar, na
pesquisa, a criança e seu contexto. Em vez de abordar o que se passa “dentro” delas, é preciso
verificar o que se passa “entre” elas.
2. Entrada no campo – As crianças são agentes ativos na construção da sua própria
cultura e também contribuem para a construção do mundo adulto. Por isso, nas pesquisas
orientadas por adultos, devemos considerar as crianças como “pesquisadores de seu
cotidiano”. Outro desafio é a distância física, emocional, cognitiva e política entre adultos e
crianças, tornando a relação “adulto-criança” muito diferente da relação “adulto-adulto”.
Devemos desafiar as ideias pré-concebidas pelas “autoridades adultas” – as leis universais que
excluem a criança de seu contexto. Para isso, é necessário procurar as respostas em lugares
que evitamos ou em processos pouco conhecidos.
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3. Ética – A questão ética na pesquisa com crianças é fundamental, pois não podemos
negar que a relação adulto-criança pressupõe poder desigual, uma vez que o adulto é maior e
mais forte. As crianças têm o direito de consentir se quer ou não quer participar da pesquisa.
Se participam, devem ser informadas de todos os aspectos das etapas de investigação – da
entrada em campo e do uso de filmagem ou fotos à análise dos dados e sua posterior
divulgação, além do retorno da pesquisa. Mas, poucas vezes, vemos pesquisas que pedem o
consentimento para as crianças. Geralmente, o pesquisador se contenta em garantir apenas a
anuência dos pais das crianças.
Postos esses desafios, é importante que a pesquisa com crianças constantemente
retome as concepções teóricas que a norteiam, permeando assim todos os procedimentos e
técnicas na investigação, desde as definições preliminares até a coleta, o registro e a análise
dos dados. Durante esse processo, é fundamental não se afastar das concepções que
consideram a criança como ser ativo – produto e, ao mesmo tempo, produtor de cultura, com
direitos legais, linguagem própria e capacidade de falar de si mesma.
Corsaro (2011) divide em dois níveis – macro e micro – os métodos de pesquisa para o
estudo das crianças e da infância. No primeiro nível, é possível tratar como
“macrofenômenos” vários aspectos do tema, como natureza da infância, experiências e
qualidade de vida das crianças. Tais métodos são essencialmente comparativos e ajudam a
identificar a diversidade da infância. Podemos delimitar três tipos de pesquisas no nível
macro: 1) os estudos demográficos, baseado em dados do censo, documentam mudanças na
estrutura familiar e na vida infantil; 2) as pesquisas em ampla escala, com coleta e análise de
dados em grande escala, apontam os efeitos da globalização na vida das pessoas – da infância
à idade adulta; e 3) os métodos históricos, que tem como um dos expoentes Philippe Ariès,
responsável por romper, nos anos 1960, o desinteresse de historiadores pelo tema, ao
introduzir o debate sobre o desenvolvimento histórico da concepção de infância. Nesse último
tipo de pesquisa, recorre-se a inúmeras fontes para documentar e interpretar como foi a vida
das crianças no passado.
Os métodos do nível micro se voltam, sobretudo, a documentar as relações sociais
entre as crianças e suas manifestações culturais, mostrando como essa relação pode construir
sentidos e impulsionar processos de reprodução e mudança social. Esse nível compreende,
conforme o autor, três tipos de técnica: 1) entrevistas individuais ou em grupo, muito
indicadas para explorar visões das crianças sobre suas vidas, bem como para estudar assuntos
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pouco frequentes na abordagem de seu dia a dia, tais como divórcio e violência; 2) etnografia
e análise sociolinguística, em geral com prolongado trabalho de campo junto ao grupo, de
meses ou anos, com observação intensiva de aspectos como o cotidiano, o ambiente e os
valores da criança; e 3) métodos não tradicionais, que respondem à demanda por novas
técnicas de pesquisa da infância, também valorizando a visão da criança sobre si mesma e a
vida, por meio de desenhos, gravação, questionários feitos pelas próprias crianças, entre
outros procedimentos.
Considerações finais
O encontro direto do pesquisador com seu objeto – a criança – pode resultar numa
atitude mais reflexiva a respeito dos “lugares sociais” que um e outro foram negociando,
conforme Pereira, Salgado e Souza (2009). Para as crianças, as narrativas criadas aludem a
divergências entre como ver a si próprias e como ver o mundo. Nessa relação, o “outro” pode
se tornar até um obstáculo – mas também busca ou complemento.
Silva, Barbosa e Kramer (2005) completam que outro aspecto de dificuldade é que “no
caso da pesquisa com crianças se coloca como fundamental ouvir os ditos e os não ditos;
escutar os silêncios” (Silva, Barbosa e Kramer, 2005, p. 45). Para Pereira, Salgado e Souza
(2009), o próprio pesquisador pode permanecer como objeto pontual da criança, alvo de
especulações e visões. Mas explicam: “a relação alteritária entre crianças e adultos não se
constitui apenas como um objeto de estudo, mas como um acontecimento que adquire corpo e
vida no ato de pesquisar e compreender o outro”. (Pereira, Salgado e Souza, 2009, p.1024). A
pesquisa com crianças que concebe a infância como um período de socialização, e a criança
como construtora da cultura, abre um mundo de informações, num rico processo “de
construção de conhecimento e sentidos sobre os modos de perceber e significar a cultura
contemporânea”. (Pereira, Salgado e Souza, 2009, p.1024).
O estudo sobre fundamentação metodológica de fontes de pesquisa sobre currículos e
práticas escolares é imprescindível tanto para a história educacional quanto para repensarmos
a qualidade na educação infantil, pois abordar seus conceitos é conhecer os processos de
movimento e de transformação da sociedade e dos sujeitos, estes que se dá na escola por meio
do encontro pedagógico (escola como um espaço coletivo de práticas e interações) e como um
produto sócio histórico, construído com espaços e tempos entre indivíduos e grupos.
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Os espaços do brincar na Educação Infantil: perspectivas para a construção da
pedagogia da participação¹
Alinne Sousa Silva²
Resumo
A pesquisa compreende os espaços do brincar na educação infantil e possibilita uma reflexãoação sobre o papel do educador no processo ensino-aprendizagem da criança (OLIVEIRAFORMOSINHO, 2011; VYGOTSKY, 1978; DEWEY, 1976). A questão norteadora questiona
como organizar os espaços para o brincar que favoreça a construção de uma pedagogia
participativa para crianças de 4 e 5 anos da educação infantil, no município de Macapá/AP? A
metodologia usa a pesquisa-ação como uma ação colaborativa entre os sujeitos e a
pesquisadora nas relações de cooperação, participação e colaboração nas atividades
educativas (BARBIER,2004; THIOLLENT, 2011; BRITO, 2015). Os resultados parciais
mostram que a escola necessita discutir a concepção de criança e a pedagogia participativa
para pensar em espaços de qualidade do brincar no sentido de possibilitar uma educação para
a criança autônoma e construtora de sua aprendizagem.
Palavras-chave: Espaços do brincar. Educação Infantil. Pedagogia participativa.
Introdução
O contexto da educação infantil possui diferentes olhares sobre as oportunidades de
aprendizagem das crianças pequenas e um desses desafios está no processo ensino
aprendizagem que deve propor o acesso ao conhecimento de forma significativa à construção
da autonomia da criança no espaço educativo para as experiências. O presente estudo visa
compreender os espaços do brincar na educação infantil e refletir sobre do papel do educador
na construção da pedagogia participativa e aprendizagem da criança, que utilizou-se da
metodologia da pesquisa-ação enquanto prática colaborativa entre os professores, a gestão e a
pesquisadora, pois evidencia que os desdobramentos da pesquisa são pertinentes a partir da
discussão com os participantes (THIOLLENT, 2011).
Nesta perspectiva, Pimenta (2005) enfatiza a relevância na relação entre a
universidade e as escolas para o processo de formação, inicial e continuada de professores,
possibilitando de forma mais intensa investimento no estudo, análise das práticas pedagógicas
e institucionais.
Esta pesquisa baseia-se no questionamento: como organizar os espaços para o brincar
que favoreça a construção de uma pedagogia participativa para crianças de 4 e 5 anos da
educação infantil, no município de Macapá/AP? Para a realização deste trabalho, definiu-se a
uma escola municipal de educação infantil com foco em duas turmas de primeiro período,
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após o diálogo com a gestão e as professoras da escola que foram relevantes para o contato
inicial com a rotina, a estrutura física e organização dos espaços das salas de aula e áreas
externas onde são realizadas as atividades educativas.
Justificativa
A partir das mudanças no cenário educacional, tornou-se relevante considerar as
políticas públicas e educacionais para a educação na infância, no qual a criança passa pelo
processo educativo desde os seus primeiros anos de vida, seja em creches ou na pré-escola.
Entende-se que essa fase deve considerar a rica aprendizagem da criança e favorecer um
espaço de qualidade para sua participação. Malaguzzi (1999) afirma que o ambiente é visto
como o segundo educador para a aprendizagem da criança, no sentido de enriquecer suas
experiências. A criança tem a possibilidade de aprendizagem quando os materiais são
diversificados em seu cotidiano, promovendo situações em que possa viver a experiência,
criando e recriando nas suas ações.
Desta forma, a pesquisa visa o acompanhamento acerca dos espaços do brincar e a
construção de uma prática educativa voltada para a educação infantil no município de
Macapá-AP e na reflexão-ação sobre o papel do educador no processo ensino-aprendizagem
da criança nos espaços educativos. Para Kramer (2007) a infância é um campo que envolve
uma multiplicidade de áreas do conhecimento, revelam os encontros e desafios da pesquisa
que influenciam nos estudos do cotidiano da escola, nas práticas pedagógicas e na interação
entre professor e a criança.
Objetivos
Esta pesquisa tem os objetivos de analisar e acompanhar a prática docente na
construção dos espaços do brincar na prática educativa voltada para a educação infantil como
proposta significativa no processo de aprendizagem da criança, no qual pretende identificar os
espaços do brincar para crianças de 4 e 5 anos de idade, bem como identificar o nível de
envolvimento da criança nas atividades do brincar. Para isso, será possível analisar o
empenho da professora e verificar a concepção que contempla os espaços do brincar nas
práticas de ensino que são desenvolvidas em sala de aula para proporcionar a construção de
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atividades voltadas para os espaços do brincar em conjunto com a professora da sala de aula
como proposta favorável ao processo ensino-aprendizagem na educação infantil. Desta forma,
buscou-se promover um espaço de reflexão-ação no processo de aprendizagem das crianças
para possibilitar a construção de uma prática educativa nos espaços do brincar.
Os espaços do brincar e a criança na educação infantil
Os espaços da educação infantil são essenciais para o processo ensino-aprendizagem
da criança e ressalta a pertinência da discussão sobre pedagogia em-participação, onde os
espaços pedagógicos devem promover o acolhimento, as vivências e experiências no espaço
de aprendizagens plurais. Para isso, torna-se necessário a organização dos espaços em áreas,
como uma das formas de intervenção docente (OLIVEIRA-FORMOSINHO; ANDRADE,
2011).
As concepções de espaço na educação infantil são abrangentes e cabe a esta pesquisa
considerar a utilização dos termos espaço e ambiente escolar, no qual o primeiro refere-se ao
espaço físico onde são destinados as atividades, pela disposição do mobiliário, dos materiais
didáticos, entre outros. O segundo termo remete-se ao ambiente como a conjuntura do espaço
físico e às relações estabelecidas entre criança-criança, adulto-criança e a sociedade
(FORNEIRO, 1998).
Os espaços do brincar possuem diversas formas de interação com as atividades da
criança e ao menos tempo revelam as possibilidades de descobertas, de significados à prática
educativa, às atividades dentro e fora da sala de aula que assumem um papel pertinente à
aprendizagem da criança na educação infantil. O contexto da escola-campo em relação aos
espaços disponíveis não atendem à demanda por criança e pelas atividade internas que exigem
a livre circulação em sala de aula, assim como Gandini (1999) destaca a ocorrência de
resultados negativos em que creches e pré-escolas precisam lidar com um conjunto de
condições físicas restritas, seja pela falta de espaços livres, amplos ou pela falta de iluminação
natural.
Assim, o espaço evidencia a cultura escolar e as histórias dos integrantes que fizeram
parte deste ambiente e que nele deixaram heranças para a criação do espaço educativo das
instituições de educação infantil. Para Gandini (1999, p. 151) o desenvolvimento social e
cognitivo são inerentes quando “o espaço é planejado e estabelecido para facilitar encontros,
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interações e intercâmbio”, buscam diversas formas de promoção do grupo e das
particularidades de cada pessoa envolvida neste processo.
No tocante, “a organização do ambiente educativo, tanto interno como externo, deverá
promover a convivência das crianças entre si e com os adultos, favorecendo as interações
positivas baseadas no respeito mútuo” para a realização de atividades significativas nos
espaços quanto a rotina escolar e nas diferentes possibilidades de experiências e descobertas
no contexto da infância (MEDEL, 2013, p. 13).
Pedagogia da participação no contexto da educação infantil
A partir das pedagogias participativas, Kishimoto e Oliveira-Formosinho (2013)
afirmam que as atividades, bem como os espaços e os tempos educativos devem ser pensados
para que possa ser permitida a interatividade educativa e que as atividades devem ser
concebidas na ocasião das crianças estão inseridas e que favoreçam as aprendizagens
significativas. É interessante que o educador da infância possa proporcionar momentos de
interação para com as crianças para que possam exercer o direito de se expressar e interagir
com o adulto, desenvolvendo a autonomia, autoconfiança, e praticando as diferentes formas
de interação social.
Neste sentido, as pedagogias participativas promovem uma pedagogia da infância com
princípios democráticos que considera a criança como ator do processo educativo, de sua
própria aprendizagem e que possibilitam a parceria colaborativa junto ao professor. A
participação ativa dos profissionais da educação na infância são essenciais para a construção
de uma prática educativa e neste campo educacional torna-se relevante considerar a pesquisaação como meio e suporte para o trabalho docente em bases democráticas, possibilitando a
compreensão dos processos de mediações que buscam favorecer a aprendizagem da criança
(BRITO, 2015).
A construção da pedagogia da participação no contexto da educação infantil é
indispensável para tornar os espaços do brincar acolhedores, na (re) organização dos
materiais, de relações afetivas, de projetos e atividades significativas para a criança e para o
professor que deve assegurar as possibilidades de aprendizagem e acesso ao conhecimento ao
conhecimento (GANDINI, 1999).
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Metodologia
A investigação tem com eixo norteador o paradigma qualitativo, que usa a
metodologia de pesquisa-ação, que tem uma ação colaborativa entre os sujeitos e a
pesquisadora que possibilita mudança no contexto de melhor qualidade. Segundo Denzin e
Lincoln (1998) essa metodologia oferece um conjunto de procedimentos que possibilitam
explicar e investigar a realidade social e estudá-la, compreendendo seus fenômenos, que no
caso da pesquisa é o espaço do brincar para a infância.
Para melhor compreender o espaço para o brincar, utilizou-se da observação
participante, do registro fotográfico para o mapeamento das dependências da escola, de
entrevistas semiestruturadas com duas professoras, com a gestão escolar e com os pais. O
campo de pesquisa é caracterizado por uma escola municipal de educação infantil, com foco
em duas turmas de primeiro período por meio da análise da atuação docente das professoras
com o objetivo construir propostas de intervenção em sala de aula, nos espaços externos da
escola, para o acompanhamento da prática educativa em conjunto com a pesquisadora.
Desenvolvimento da pesquisa
A pesquisa iniciou no primeiro semestre do ano de 2015 com o estudo sobre a
pesquisa-ação e da pedagogia da participação no contexto da educação infantil por meio dos
encontros do grupo de pesquisa Ludicidade, Inclusão e Saúde, na linha O brincar em
diferentes contextos. A escolha da escola-campo foi definida a partir do diálogo com gestores
e professoras do munícipio de Macapá/AP que integram o curso de extensão Formação do
educador da infância na Universidade do Estado do Amapá. Desta maneira, definiu-se uma
escola como campo de pesquisa que possui duas turmas de primeiro período no turno
matutino. Esta pesquisa originou-se a partir do projeto intitulado: Os espaços do brincar: a
construção de uma prática educativa na educação infantil, aprovado no Programa Institucional
de Bolsas de Iniciação Científica (PROBICT/UEAP) e deu suporte aos dados parciais para a
constituição deste trabalho.
O período de observação e participação no cotidiano escolar compreendeu o registro
fotográfico das dependências para mapear o ambiente das salas de aula e os espaços externos
que fazem parte da rotina da escola. As entrevistas foram realizadas com a coordenadora
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pedagógica para possibilitar a análise das concepções de criança e identificar as ações da
gestão para os espaços pedagógicos. As participantes da pesquisa serão identificadas pelos
pseudônimos: professoras Daniela, Patrícia e coordenadora Joana. Neste sentido, a escola
oportunizou uma reunião com os pais e responsáveis das crianças para discutir sobre os
projetos vigentes e os objetivos desta pesquisa para o espaço escolar.
A partir do segundo semestre de 2015, iniciou-se a etapa de análise do diagnóstico
inicial dos dados coletados que contribuíram para organização dos encontros de formação
com os profissionais da escola, que evidenciaram um olhar reflexivo para o espaço da sala de
aula e a relação professor-criança, favorecendo a parceria colaborativa com o corpo docente e
a pesquisadora. As ações previstas para os meses de outubro e novembro de 2015 foram
definidos em conjunto com a gestão e professoras como as etapas para a implantação das
áreas de aprendizagem no ambiente externo, a começar pelo projeto de leitura itinerante.
Resultados
A presente pesquisa tomou como base as concepções de criança e do espaço na
educação infantil por meio da análise das entrevistas das professoras e coordenadora
pedagógica da escola-campo. A discussão dos resultados serão apresentadas a partir de três
afirmativas relatadas pelos participantes da pesquisa, que são: a) a concepção de criança e os
espaços para o brincar e c) a reflexão sobre os espaços da escola e a criança da educação
infantil.
As professoras participantes da pesquisa dialogaram em conjunto com a pesquisadora
a partir do olhar sobre a criança e a necessidade de ter contato com a escola, com as atividades
lúdicas e interações com diferentes profissionais do ambiente educacional. A professora
Daniela trabalha no primeiro período da educação infantil, fazem parte do curso de extensãoFormação do educador da infância-UEAP, o que proporciona diversas trocas de conhecimento
com as demais professoras do sistema municipal de educação do município de Macapá e com
a pesquisadora.
A professora Daniela atua há seis anos na educação infantil e afirma sobre o seu
interesse, paixão em trabalhar com crianças de quatro anos de idade e que busca todas as
maneiras de proporcionar a alegria, interação e contato com as outras crianças em sala de
aula. Durante o período de observação, identificou-se a postura ativa desta professora em
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relação as atividades dentro e fora da sala com a sua turma e com as demais crianças. Nesta
perspectiva, o trabalho docente na escola-campo também evidencia o compartilhamento de
responsabilidades, ideias e propostas pertinentes às atividades coletivas neste ambiente
educativo. Entretanto, os espaços da escola são limitados, principalmente quando refere-se a
sala de aula que não possui estrutura física adequada já que a mesma funciona em prédio
provisório.
Os espaços externos são amplos para o desenvolvimento das aulas, bem como a área
do parque, jardim e calçada, mas não são utilizados na rotina escolar sem a garantia de acesso
a espaços livres de acordo com as particulares de seus usuários na escola (MEDEL, 2013).
Quanto a concepção da criança no contexto da educação infantil, com foco na pré-escola, a
professora ressaltou que este segmento é relevante para a formação da criança por meio de
jogos, atividades lúdicas, contação de histórias, narração de fatos, cartazes, quebra-cabeça,
peças lego, DVD, livros, fantoches e que este trabalho deve ser coletivo envolvendo a família
e a coordenação pedagógica.
No segundo espaço de sala de aula, a professora Patrícia atua no primeiro período da
educação infantil e trabalha há vinte e três anos na educação. A partir do diálogo com a
professora Patrícia, a mesma afirma que a educação infantil:
“É importante para as crianças de 4 anos de idade para trabalhar, para socializar
uns com os outros. A motivação para o meu trabalho está nas atividades de
formação para o professor, nos cursos onde puder ter contato com várias
estratégias educativas para a sala de aula. Tenho interesse em estudar a área de
Psicologia da educação como forma de conhecer melhor o aluno e trabalhar
principalmente com a família, já que o professor precisa ter esse preparo diante de
diferentes situações que ocorrem na escola”. (Professora Patrícia, agosto de 2015).
O posicionamento da professora Patrícia evidencia a preocupação enquanto docente da
sua turma e na compreensão das crianças dentro do processo ensino-aprendizagem pois está
buscando formação continuada voltada para a infância e no campo da psicologia. Quanto aos
espaços de atividades, a mesma declara que “a escola precisa de uma sala de jogo, se possível
uma brinquedoteca para possibilitar as brincadeiras que vão além da montagem com blocos
lógicos” (Professora Patrícia, agosto de 2015). O ambiente educativo pressupõe organização e
deve ser significativo à criança com vistas à atender as suas especificidades, relações,
interesses nas possibilidades de construção do conhecimento (MEDEL, 2013). Para Dewey
(1976) o importante é que as crianças possam vivenciar experiências significativas no espaço
escolar.
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Neste sentido, tornou-se pertinente analisar o papel da coordenadora Joana quanto as
suas atribuições na escola, onde destacou-se representatividade do acompanhamento das
crianças e professor no processo educativo em conjunto com a família e uma das atividades
evidenciadas pela mesma foi a revitalização da área do parque. A coordenadora reconhece as
limitações dos espaços da escola no qual não oferecem condições mínimas para a sua
utilização e apresentam-se como dificuldades para a prática docente.
A atividade de revitalização do parque da escola foi descrita em todas as falas do
participantes desta pesquisa, devido ao apoio dos acadêmicos-autores do projeto da
Universidade do Estado do Amapá que foi executado no primeiro semestre de 2015 com a
colaboração dos pais e dos profissionais da escola. Porém o espaço do parque não possui
cuidados, preservação e encontra-se inadequado ao uso nas estruturas de brinquedo.
O processo de (re) organização dos espaços educativos precisam ter como ponto de
partida a atuação de todos os envolvidos no âmbito educacional e que os esforços de outros
profissionais de organizações e universidades, em si mesmos, não serão suficientes para que o
mesmo tenha representatividade, consistência e significado para as atividades e formação
contínua no contexto da educação infantil, sendo indispensável refletir sobre a construção de
uma prática educativa de acordo com o trabalho colaborativo por meio pedagogia da
participação (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2011).
Os primeiros indicativos da proposta da pesquisa-ação foi definida a partir
apresentação dos dados parciais aos participantes da pesquisa que destacam a construção do
projeto de leitura itinerante em conjunto com a pesquisadora, onde a temática terá o objetivo
de possibilitar o contato com a leitura, no incentivo à imaginação no contar, recontar histórias
infantis e do cotidiano das crianças em conjunto com a professora nas atividades em sala de
aula e a família, na etapa da leitura itinerante e disponibilidade da sacola literária.
Neste contexto, os espaços de leitura são pertinente ao acolhimento da crianças que
sente-se convidada a vivenciar, sentir, pensar e atribuir sentido à leitura entre os contextos da
escola e da família que trazem em si os pressupostos indispensáveis ao processo de letramento
da criança de forma efetiva no contato com a leitura de imagens, na associação de textos orais
e escritos (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2011). Essa proposta visa potencializar e executar o
projeto “Escola de leitores”, implantado pela Secretaria municipal de Educação de MacapáAP e busca incentivar a prática dos espaços de leitura na EMEI’s do munícipio. Para
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Vygotsky (1978) é interessante que a criança tenha acesso as relações sociais para a
construção do conhecimento.
Considerações Finais
O processo contínuo de análise e acompanhamento dos espaços da educação infantil são
necessários para a reflexão sobre as práticas educativas dentro e fora da sala de aula e
compreender o papel do educador no processo ensino-aprendizagem da criança nos ambientes
de acesso ao conhecimento. Os dados parciais da pesquisa indicaram a relevância da
ressignificar a concepção de criança enquanto sujeito ativo na construção de sua autonomia
nos espaços educativos e considerar a pedagogia da participação como elemento fundamental
para a formação contínua dos profissionais da escola-campo.
A análise das entrevistas com as professoras e coordenadora pedagógica destacam
apontam para a reflexão acerca da prática docente e sua importância em proporcionar
diferentes atividades pedagógicas que possam estimular a curiosidade, imaginação,
criatividade e a construção do conhecimento pelas crianças nos espaços da sala de aula e áreas
externas baseadas nos princípios da intencionalidade de pedagogias participativas no contexto
da infância. Ao analisar a postura docente enquanto mediador do processo ensinoaprendizagem, o professor pode visualizar e reconhecer-se como parte fundamental no
contato com a criança, a família, a sociedade e diante de práticas contínuas de formação.
Identificou-se o espaço do parque como uma área ampla e significativa para a análise
do brincar e as crianças para atender as necessidades do brincar, educar e cuidar na tríade
curricular para educação infantil. Entretanto, este espaço encontra-se à margem da rotina da
escola, o que deve ser analisado e inserido no espaço educativo como ambiente de
aprendizagem.
Nesta perspectiva, a definição de uma proposta integrada do projeto educativo nas
EMEI’s do municípios de Macapá como a definição de um projeto de leitura itinerante que
terá o objetivo de associar as atividades em sala de aula com a família foram indispensáveis
para a contribuição desta pesquisa de forma efetiva, proporcionando o processo de reflexãoação que usa a pesquisa-ação como meio de interação entre os sujeitos e a pesquisadora.
A segunda etapa da pesquisa utilizará das escalas de envolvimento da criança e de
ambiente para identificar o papel dos espaços na rotina da escola e o contraste das possíveis
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mudanças dos mesmos por meio da participação de todos os profissionais da escola-campo e a
pesquisadora. A utilização das escalas serão pertinentes para fornecer dados que possam nos
permita analisar a pertinência espaço do brincar como processo importante para a
aprendizagem da criança. Também, que essa reflexão conjunta entre a professora e a
pesquisadora possibilite a mudança no contexto da prática pedagógica.
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A gente tá fazendo um misturixo4
Os espaços do parque como potencializadores das experimentações e relações na
Educação Infantil.
Ana Carolina Hepe Teixeira5
Resumo: Este trabalho tem como base o projeto de pesquisa apresentado no curso de
Especialização Docência em Educação infantil da Universidade Federal de São Carlos, como
parte da disciplina “Análise da Prática Pedagógica”. Parto da premissa de que os espaços da
Educação Infantil são possibilitadores de criações, de protagonismo das crianças pequenas, de
descobertas, de experimentações, de relações e de produção das culturas infantis. Portanto,
apresento neste relato, a vivência nos espaços do parque da EM “Antonio Boldrin” como um
grande Ateliê, com as crianças pequenas da última etapa da educação infantil. Busco, desta
forma, apresentar como os meninos e meninas de 5 a 6 anos se apropriaram destes espaços,
quais intervenções fizeram neles, quais foram suas descobertas e encantamentos deste
processo e, como foram elaborados e reelaborados com, para e pelas crianças.
Palavras-chave: Espaços; Territórios; Crianças Pequenas; Culturas Infantis; Protagonismo
Infantil.
A busca de uma professora de crianças pequenas por suas orelhas verdes
O homem da orelha verde
Um dia num campo de ovelhas
Vi um homem de verdes orelhas
Ele era bem velho, bastante idade tinha
Só sua orelha ficara verdinha
Sentei-me então a seu lado
A fim de ver melhor, com cuidado
Senhor, desculpe minha ousadia, mas na sua idade
de uma orelha tão verde, qual a utilidade?
Ele me disse, já sou velho, mas veja que coisa linda
De um menininho tenho a orelha ainda
É uma orelha-criança que me ajuda a compreender
O que os grandes não querem mais entender
Ouço a voz de pedras e passarinhos
Nuvens passando, cascatas e riachos
Das conversas de crianças, obscuras ao adulto
Compreendo sem dificuldade o sentido oculto
Foi o que o homem de verdes orelhas
4
5
Fala da Gabrielle, 6 anos (Caderno de Registro, 03/09/2015).
Formada no curso de Pedagogia da Terra – UFSCar/São Carlos, professora de Educação Infantil da Prefeitura
Municipal de Piracicaba/SP e participante do curso “Especialização Docência na Educação Infantil” da UFSCar
– Campus Sorocaba
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Me disse no campo de ovelhas
(RODARI apud TONUCCI, 1997, p.13)
Considero-me uma professora de criança pequena que está em uma constante
construção, em constante aprendizado, com infinitas inquietações. Neste processo tenho
reavaliado a minha prática e me inspirado com os meninos e as meninas da Educação Infantil.
Giane Rodari, citado por Tonucci (1997) em seu livro “Com olhos de criança”,
apresenta em seu poema O homem da orelha verde uma característica que acredito ser
fundamental para os professores e as professoras de crianças pequenas: ter orelhas verdes,
capazes de ouvir a voz de pedras e passarinhos. Nuvens passando, cascatas e riachos.
As inspirações desta professora que se faz na prática surgem das próprias crianças. É
uma adulta que está em busca de sua orelha-criança, de suas orelhas verdes, que possam
oportunizar uma melhor compreensão do ser criança e, desta forma, aprender com os meninos
e meninas da educação infantil que são tão diversos em suas origens e tão semelhantes em
energia, conhecimentos e imaginações.
São estas crianças que Ana Lúcia Goulart de Faria (2007), apresenta como produtoras
de culturas “(...) A criança gosta de ficar sozinha, gosta de ficar com adultos, mas do que ela
mais gosta é de ficar com seus pares, imitando, reproduzindo e recriando, enfim, criando
cultura infantil” (p. 78).
Neste processo em que as crianças são vistas como autoras e produtoras de culturas,
Patrícia Prado (1999) nos mostra que os espaços da educação infantil devem ser espaços de
educação tanto das crianças quanto dos adultos e das adultas. Conforme nos mostra a seguir:
No caso do Brasil, país em que desde o século XVII convivem com índios,
negros, brancos e europeus de tantas nacionalidades, a creche pode situar-se
como espaço que contemple sujeitos de origens sociais e culturas
diferenciadas, evidenciando a diversidade sócio- cultural, produto e produtora
de história, num espaço garantido e comprometido com a educação infantil,
espaço de convívio com as diferenças, espaço de brincadeiras e de outras
manifestações culturais, espaço de educação de crianças e também de
adultos (p. 111, grifos meus).
Esse movimento de observação que possibilita o adulto ou adulta conhecer a criança e
que, de certa forma, procura responder às necessidades e ao inesperado é considerado um
aprendizado para os adultos e adultas que vivenciam este processo com as crianças. Assim
conforme nos afirma Joseane Búfalo (1999):
Verifica-se então, a relação pedagógica de mão dupla em que aquele que tem
o papel de ensinar acaba também por aprender. Esta relação ocorre nas mais
diferentes instâncias, inclusive com os próprios adultos: tanto entre os que
atuam no interior da creche como entre os pais, mães, pesquisadores, etc.
Mais uma vez atribui à observação um papel fundamental na educação de
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crianças pequenas, para que se concretize esse processo de mão dupla
ensinando e aprendendo (p. 121).
Portanto, neste processo de ser uma adulta aprendiz, que observa, que busca garantir o
imprevisto no cotidiano na educação infantil, e que acredita na criança como produtora de
infinitas culturas, trago para este relato como eixos centrais os espaços de criações, as
inventividades e esquisitices das crianças pequenas.
Ficou rosa! Ficou rosa! Virou rosa! É mágica! Vamos pintar a mágica!?6 Os
encantamentos e descobertas do parque como um grande Ateliê
Durante o processo, freqüentemente, sinto que não sei nada, mas que estou
estimulada pela abertura, pelo desconhecido, assim como as crianças (Anna
Marie Holm, 2004, p. 93).
O curso de Especialização Docência na Educação Infantil, a partir das palestras,
leituras e o processo de criação do projeto de pesquisa, trouxe para mim outras tantas
inquietações e inspirações com relação ao meu trabalho com as crianças pequenas. Me vi,
assim, estimulada e desafiada a proporcionar outros tempos e espaços para os meninos e
meninas.
A concepção de criança que inspira meu trabalho na Educação Infantil é que elas,
enquanto produtoras de culturas, criam, experimentam e são também autoras do
conhecimento. Para Anna Marie Holm (2004), as crianças possuem umtalento natural para
criar, experimentar e fazer descobertas, ou seja:
As crianças já nascem criando instalações. Elas têm um talento natural para
construir – juntar – dar substância e inventar histórias. Observar – equilíbrio e
desequilíbrio – experimentar as possibilidades dos materiais. Criar ambientes
– ambientes próprios – jamais vistos anteriormente. Descobrir. O processo de
construção é o mais comum para elas, isto é, se elas tiverem a oportunidade
(p. 87).
Nesta perspectiva, me questiono, somos nós adultos capazes de possibilitar estes
espaços para as criações e invenções que as crianças trazem consigo mesmas deste o
nascimento? E, ainda utilizando as palavras de Anna Marie Holm (2004, p. 92), “como é que
conseguimos destruir a criatividade e essa
capacidade natural para a pesquisa que as
crianças possuem?”.
Foi,
portanto,
na
perspectiva
de
possibilitar tempos e espaços de criações das
6
Fala de João Victor (5 anos).
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crianças pequenas, sem limitar a criatividade das crianças, que propus para a turma das
crianças de 5 a 6 anos na qual trabalho, que o parque fosse nosso grande Ateliê.
Inicialmente, meu objetivo era disponibilizar alguns tecidos e preparar algumas
cabanas no parque de areia de nossa unidade. A partir disto, as crianças teriam o tempo e o
espaço para vivenciar suas experimentações e participar das viagens no mundo da
imaginação. Enquanto preparava o espaço, o diretor da unidade me provocou a disponibilizar
algumas mesas embaixo das árvores, com alguns materiais.
A partir desta provocação, olhei este espaço do parque com outros olhos. Com olhos
inspirados e estimulados a disponibilizar um espaço ainda mais interessante para as crianças
pequenas. Logo o turbilhão de ideias apareceu. Coloquei papéis pendurados nas árvores com
potinhos de tinta bem próximo; algumas mesas com papéis e tintas; fiz um emaranhado de fio
de malha entre uma árvore e outra; uma grande cabana e uma pequena mesa embaixo dela.
Esse espaço convidativo em que fui a protagonista de sua organização, chamou a
atenção de adultos, adultas e crianças que passavam próximos a ele. Descobri nesse
movimento de preparação um dos principais papéis de uma professora de criança pequena:
criar espaços e tempos de experiências. Neste caso, minha intenção era proporcionar um
espaço rico, estimulante, atrativo, de descobertas, e possibilitador de criações e
experimentações. Não pensei no resultado, mas sim no processo.
Para as pesquisadoras Ana Lúcia Goulart de Faria e Sandra Regina Simonis Richter
(2009), com relação ao papel da professora de criança pequena, afirmam:
(...) A professora não ensina, mas com intencionalidade educativa planeja,
organiza ecoloca à disposição das crianças tempos, espaços e materiais que
favoreçam provocações à imaginação e desafios ao raciocínio, dando asas à
curiosidade, proporcionando espanto, descoberta, maravilhamento e todas as
formas de expressão nas mais diferentes intensidades (p. 110).
Desta forma, se cabe a mim a tarefa de proporcionar estes tempos e espaços de
criações, experimentações e descobertas para as crianças pequenas; aos meninos e às meninas,
ficam a tarefa de modificar estes espaços com criatividade e transgressões, de trazer sentido
aos objetos e materiais disponíveis, de trazer emoções às experimentações, de reelaborar estes
espaços com seus jeitos de serem crianças e de produzirem culturas nas relações entre elas e
os espaços. Esse processo que proporciona tantas emoções e sentimentos é tão rico quanto o
resultado que ele nos apresenta.
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É quase que impossível imaginarmos como será o processo de envolvimento das
crianças pequenas com estes espaços. Portanto, durante este tempo de criação, que é tão
específico de cada criança, cabe a mim observar e me encantar com o maravilhamento, o
espanto e as emoções adquiridas por elas nas experimentações.
Em uma das mesas havia tintas, papéis e pincéis. Vittor Hugo e João Victor, se
atentaram a experimentar a mistura das cores. Colocaram a tinta branca na tinta vermelha e
descobriram a magia da mistura das cores. Excitados com aquele processo de alquimia,
gritavam eufóricos: Ficou rosa! Ficou rosa! Virou rosa! É mágica! Vamos pintar a mágica!?
Uma emoção que não sou capaz de traduzi-la em palavras. A seguir, trago um trecho de meu
caderno registro sobre as reações e invenções das crianças com relação à esta intervenção no
parque:
Na árvore com os papéis pendurados, a Gabrielle me questionou: Prô, não
tem pincel. Vou pintar com o quê? Propositalmente não havia pincel. Foi
intencional. Respondi a ela que não sabia, mas que tinha certeza de que ela
resolveria esse problema. Logo ela e o Wagner, que dividia o espaço dos
papéis pendurados com ela, me chamaram e a Gabrielle disse: A gente tá
fazendo um misturixo. Eu: Um misturixo? E como que é um misturixo? Ela
respondeu: A gente coloca em duas tintas e daí faz um misturixo. O Wagner,
muito didaticamente, me explicou: Olha aí como é que fica, passamos esse
(colocou na tinta preta e pintou a folha), depois nós pegamos esse (colocou
na tinta vermelha) e aí faz o misturixo. Eu questiono com qual instrumento
estavam pintando. Ele responde: Com uma flor. E ela tá tudo
“remerrementada”. Tá tudo pintada.(Caderno de Registro, 03/09/2015)
Quando, intencionalmente, deixei aquele espaço sem pincel, imaginei que as crianças
iriam encontrar um instrumento de pintura, mas não sabia o que seria, como seria e com o que
seria. Muito menos imaginei que seria inventado essas palavras esquisitas: misturixo e
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remerrementada... ou que o Vittor Hugo e o João Victor teria aquela reação tão eufórica ao
ver as cores se misturando e nascendo uma nova cor.
Como diz Walter Benjamin (1984), o professor de crianças é como um
diretor de teatro: convida a criança para sentir, pensar e agir
concomitantemente, sem separar a cabeça do corpo, cria as condições para
que cada uma se articule com o coletivo divertindo-se, partilhando sensações,
comunicando-se (FARIA e RICHTER, 2009, p. 111).
Assim, estes espaços da educação infantil aos quais são compostos de relações, de
inventividades e esquisitices das crianças pequenas são territórios de muitos saberes, seja para
as crianças, seja para os adultos e as adultas. Para a autora Joseane Búfalo (1999), as crianças,
ao trazer o inesperado para o cotidiano da educação infantil e não o planejado, exigem que o
adulto ou a adulta: “seja capaz de interpretar e reorganizar as condições do momento sem, no
entanto, esquecer-se dos objetivos propostos” (p. 121).
Desta forma, os imprevistos dos tempos e dos espaços foram previstos e
potencializados. As reações e soluções para os problemas encontrados foram admirados por
mim. Uma professora em busca de suas orelhas verdes. Que seja capaz de, às vezes ouvir com
os olhos e ver com os ouvidos.
Referências
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(28) – março, 1999, p. 119- 131.
FARIA, Ana Lúcia Goulart de. O Espaço Físico como um dos elementos fundamentais para
uma pedagogia da Educação Infantil. In: FARIA, Ana Lúcia Goulart de.; PALHARES,
Marina Silveira (orgs.). Educação Infantil pós-LDB: rumos e desafios. Campinas, SP:
Autores Associados, 6 ª ed., 2007, p. 67-99..
FARIA, Ana Lúcia Goulart de.; RICHTER, Sandra Regina Simonis. Apontamentos
pedagógicos sobre o papel da arte na educação da pequena infância: como a pedagogia da
educação infantil encontra-se com a arte?In: Experiencing art in early years - learning and
development processes and artistic language. Bologna: Edizioni Pendragon, 2009, p. 103-125.
HOLM, Anna Marie. A energia criativa natural. Pro-posições, Campinas. v. 15, n.1 (43) –
jan/abr, 2004, p. 83-95.
PRADO, Patrícia Dias. As crianças pequenininhas produzem cultura? Considerações sobre
educação e cultura infantil em creche. Pro-Posições, Campinas v.10, n.1 (28), 1999, p. 110118.
TONUCCI, Francesco. Com olhos de criança. Tradução Patrícia Chittoni Ramos. Porto
Alegre, RS: Artes Médicas, 1997.
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Objetos de Letramento na Formação da Criança¹
Andressa Bernardo da Silva²
Maria do Carmo Monteiro Kobayashi³
A leitura não é uma habilidade inata, pelo contrário, é um processo longo no decorrer da vida. Tem início nos
primeiros meses de vida, mais precisamente no jogo de ação e reação entre a mãe e o bebê, ao qual a criança faz
as primeiras leituras do seu ambiente. Os educadores têm conhecimento sobre a importância do jogo de ação e
reação no desenvolvimento biopsicossocial dos bebês e crianças até 3 anos? Como ocorrem os processos de
aproximação, dos bebês e das crianças pequenas do letramento social na creche? Assim realizamos uma pesquisa
sobre as ações da arte, do brincar e dos objetos para o letramento, de abordagem qualitativa, um estudo de caso.
A pesquisa bibliográfica orientou a coleta, análise e interpretação dos dados de campo, que ocorreram em
observações diretas sistemáticas em duas creches de Bauru. Apresentamos nessa comunicação os objetos e ações
de letramento observados na pesquisa.
Palavras-chave: Objetos de Letramento; Criança; Creche.
Introdução
Os dados apresentados nessa comunicação são resultados da pesquisa de Iniciação
Científica (IC), com apoio da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo
(Fapesp), cujo objetivo principal foi identificar, descrever e refletir sobre como os professores
criam e apoiam ações para a criação artística e lúdica para crianças de creche?
Para essa comunicação de pesquisa intitulada “Objetos de Letramento social para
crianças de creche”, utilizamos os dados originários da pesquisa, anteriormente citada. As
questões que orientaram a pesquisa foram: Os educadores têm conhecimento sobre a
importância do jogo de ação e reação no desenvolvimento biopsicossocial dos bebês e de
crianças até três anos? Como ocorrem os processos de aproximação, dos bebês e das crianças
pequenas, do letramento social na creche? Quais são os objetos disponibilizados para essas
crianças nas creches?
A coleta e análise descritiva e interpretativa dos dados teve como orientação os
Indicadores da Qualidade da Educação Infantil (BRASIL, 2009) e os Critérios para
atendimentos em creches (CAMPOS, 2009). Para a análise, focando os Objetos de
Letramento nessa comunicação, acrescentamos as Diretrizes Curriculares Nacionais
(BRASIL, 2010).
Como bem mostrou Loris Malaguzzi a criança tem 100 linguagens, entretanto 99 não
são utilizadas:
[...] o trabalho educativo procura desenvolver e ampliar as diversas formas de a
criança conhecer o mundo e se expressar? As rotinas e as práticas adotadas
favorecem essa multiplicidade ou, ao contrário, como sugere o poeta, roubam a
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possibilidade de a criança desenvolver todas as suas potencialidades? (BRASIL,
2009, p. 40)
O levantamento referencial para a realização desta pesquisa tem proporcionado o
aprofundamento científico sobre o tema em questão. Ainda, a reflexão sobre vários autores, a
partir dos estudos já realizados na área, do desenvolvimento infantil: Vygotsky (1991, 1998,
1998a), Leontiev (1998a), Lebovici e Diatkline (1985), Piaget (1990) , autores na área da arte
e do brincar como Derdyk (2010), Cunha (2004), Sans (1995), estudos em Neurociência com
Shonkoff (2011; 2015) e Nelson (2011) e, finalmente, Letramento Soares (2011) e Martins
(1994).
Nesse sentido, enfatizamos que a abordagem de crianças no berçário deve ocorrer por
meio das ações lúdicas, com adultos acolhedores Nelson (2011) e ambientes seguros
(SHONKOFF, 2011; 2015), no qual a proposta pedagógica apresentada nas Diretrizes
Curriculares da Educação Infantil aponta que:
A proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve ter como objetivo
garantir à criança acesso a processos de apropriação, renovação e articulação de
conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens, assim como o direito à
proteção, à saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à
convivência e à interação com outras crianças. (BRASIL, 2010, p. 18)
Explicitando que o brincar inclui as atividades de jogos, brinquedos e divertimentos
além da conduta em si do ato de brincar. Segundo Cunha (2004), o ato de jogar surge desde o
momento em que o indivíduo nasce, paralelo à imitação, que se amplia em conexão com o
desenvolvimento da inteligência sensório-motora.
Na educação, de acordo com pesquisas bibliográficas, a Arte vem sendo vista de
maneira secundária; muitas vezes, ela se reduz à criação de hábitos, decoração de datas
comemorativas e recreação livre. Na educação infantil, o papel do professor das crianças
menores, em grande parte, se resume ao simples cuidar e lidar com a satisfação das
necessidades fisiológicas das crianças, sendo a arte mais distante do cotidiano.
Assim a arte e o brincar – que deveriam ser o primeiro contato da criança para a
apropriação do mundo, da educação e do desenvolvimento, crescimento de suas
potencialidades – muitas vezes, é desvalorizada, restringindo-se a simples atividades de
técnicas manuais.
As crianças são reduzidas, segundo Pedroso (2013), a seguir uma rotina eficaz que
satisfaça os desejos dos adultos, mas na maioria das vezes, sem sentido algum para elas e
assim, são privadas de um de seus direitos básicos, o ato de brincar. Por meio da brincadeira,
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que é a atividade mais nobre na criança, ela poderá expressar as diferentes impressões
vivenciadas em seu contexto familiar e social, partindo do seu contexto de encanto e fantasia,
do faz-de-conta, do sonhar e do descobrir.
Ao término dessas etapas seguirão as considerações finais que retomarão a questão
geradora, seus desenvolvimentos e as respostas obtidas, a busca respostas permitiu um
percurso sem volta de apreensão, admiração, conhecimento e gosto pelo estudo da infância e
da criança pela ludicidade e pela arte.
Justificativa
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009) no Art.
9º, quanto às práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular para a Educação
Infantil, têm como eixos norteadores as interações e a brincadeira, entretanto para a sua
realização as experiências proporcionadas para as crianças precisam garantir que:
II - favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo
domínio por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica,
dramática e musical; ...
VIII - incentivem a curiosidade, a exploração, o encantamento, o questionamento, a
indagação e o conhecimento das crianças em relação ao mundo físico e social, ao
tempo e à natureza;
Nesse sentido, o texto apresentado é resultado da pesquisa “A Arte e o Brincar na
Educação Infantil: um estudo em creches”, realizada com apoio Fapesp, no período de 2014 e
2015, apoiado nas pesquisas de Soares (2011), Nelson (2011), Schonkoff (2011, 2015) entre
outras que evidenciam que os processos de letramento social das crianças de 0 a 3 anos
ocorrem por meio do brincar e da arte quando ocorrem a brincadeira e o jogo de ação e reação
entre o adultos e crianças (cuti achou, por exemplo), ao disponibilizar objetos como
brinquedos, materiais artísticos, livros infantis, entre outros, que vão provocar e apoiar a ação
lúdica nessas crianças possibilitando assim o contato da criança com o mundo simbólico.
Um dos pontos observados, na pesquisa base desse texto, foi o desconhecimento, a
escassez, a não utilização, ou ainda o emprego inadequado desses objetos, em alguns casos
ate mesmo a falta de formação dos profissionais que trabalham com as crianças.
Sendo assim, esta pesquisa coletou, analisou e traz alguns dados para a reflexão sobre
os objetos que apoiam os processos de letramento na creche.
Objetivos
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Identificar, descrever e analisar os objetos disponibilizados para crianças de 0 a 3 anos
que apoiem os processos de letramento social.
Referencial Teórico
Partiu-se do princípio, conforme a legislação nacional (RESOLUÇÃO Nº 5, DE 17 DE
DEZEMBRO DE 2009), que a Educação Infantil, campo de pesquisa, é a primeira etapa da
educação básica, oferecida em creches e pré-escolas, às quais se caracterizam como
estabelecimentos educacionais públicos ou privados, que educam e cuidam de crianças de 0 a
5 anos e 11 meses de idade, no período diurno, em jornada integral ou parcial. Regulados e
supervisionados por órgãos competentes do sistema de ensino e submetidos ao controle
social, sendo um dever do Estado garantir a oferta de Educação Infantil pública, gratuita e de
qualidade, sem requisito de seleção (BRASIL, 2010).
Essa etapa da educação é o primeiro contato que a criança tem com ambientes externos
ao familiar, a sociedade. Sendo assim, tem por objetivo desenvolver hábitos, habilidades,
atitudes e comportamentos necessários para o início na vida. A arte e a ludicidade, são ações
estruturantes nas rotinas das crianças nesse período, o que permite que elas se relacionem
consigo mesma, no seu entorno, com outras crianças, adultos e desenvolva a imaginação
adentrando ao mundo das regras.
Ao entender-se que criança é:
Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que
vivência, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja,
aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza
e a sociedade, produzindo cultura. (BRASIL, 2010, p. 12).
As relações entre o bebê e os primeiros contatos com a leitura, ao contrário da crença do
senso comum começam, ainda, quando o bebê está na barriga da mãe, os cuidados pré-natais
da saúde da gestante, após o nascimento, os primeiros contatos com o mundo por meio do
toque, o choro, os cuidados, as necessidades, dentre outros. Posteriormente, pelo brincar,
ouvir histórias, ver objetos a serem lidos, ou seja, ao terem significado para os bebês e a
ludicidade ao brincar com seus cuidadores, com seu corpo, com os objetos fazem a
aproximação da criança com o mundo dos signos, ou seja, dos objetos a serem atribuídos
significado, como aponta Freire quando afirmou que “A leitura de um mundo precede sempre
a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele” (MARTINS,
1994, p. 10).
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Na criança, segundo Vygotsky (1998), os objetos são um desafio ao seu aprendizado e
motivam suas ações, quando ela age de uma forma diferente do que vê, contudo, diante do
brinquedo, os objetos perdem sua força motivadora, pois ocorre uma diferenciação entre os
campos do significado e a visão: agora o pensamento não é mais determinado pelos objetos
do mundo exterior e, sim, pelas suas ideias.
Sendo assim os processos de letramento não são restritos á leitura da palavra, são o
universo de leitura que a criança é exposta e a sua forma de lidar com esses desafios, suas
experimentações e descobertas, quando se estabelece uma ligação de interesse afetiva, entre
nós e o objeto. Aprendemos quando os sinais, os significados do objeto se ligam a uma
experiência, uma fantasia, uma necessidade. (MARTINS, 1994)
A ludicidade para a criança é “[...] o seu meio expressivo fundamental” que simboliza
suas experiências e desejos (SANS, 1995, p.75). Contudo é um fato que, as crianças desde
cedo são impingidas pelo sistema escolar que lhes entulham de conhecimentos lógicos e
práticos, deixando a sensibilidade e o desejo de conhecer definharem desde cedo.
Com isso, a criança vai aos poucos deixando sua vivência do brincar e da fantasia, e
passa a incorporar valores que a desviam da necessidade básica de ser criança, que é a ação
lúdica. Segundo Sans (1995, p. 22), “[...] a perda do lúdico provoca na criança o
envelhecimento precoce e a atrofia da espontaneidade.”
Estudos sobre a complexidade da educação nos primeiros anos da criança, ainda são
recentes no campo da neurociência, que comprovam que esta fase, as experiências são
formativas das bases cerebrais do individuo, aos quais formarão a estrutura das conexões
posteriores no cérebro.
Quando pensamos em objetos de letramento, em se tratando da faixa etária de creche, a
execução, elaboração e trabalho com essas matérias é, ainda, mais difícil, pois a criança é um
desafio para o educador, uma vez que ela não é, ainda, alfabetizada nos códigos da leitura,
escrita e da fala, sendo assim os materiais destinadas a essa idade demanda envolver outros
pontos, os da pré leitura, que são: os sentidos (olfato, tato, paladar, audição e visão) aplicado a
experiências concretas de experimentação e vivência. Somente desta forma é que a criança vai
se apropriar do mundo.
Metodologia
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Pesquisa bibliográfica referente aos objetos de letramento, com foco na arte, o brincar e
a ludicidade. Para alcançarmos o objetivo proposto, foi realizado estudo de caso, com
abordagem qualitativa dos dados, cujo objeto estudado. Os educadores têm conhecimento
sobre a importância do jogo de ação e reação no desenvolvimento biopsicossocial dos bebês e
crianças até 3 anos? Como ocorrem os processos de aproximação, dos bebês e das crianças
pequenas, do letramento social na creche? De acordo com Martins (2002), o estudo de caso
caracteriza-se por múltiplas fontes de evidência.
Priorizamos as obras que evidenciam o desenvolvimento da criança de 0 a 3 anos,
dentre outros aspectos, por abordar as características inerentes a essa faixa etária, e os objetos
de letramento na sua formação.
A segunda etapa ocorreu simultaneamente ao restante da pesquisa bibliográfica por
meio da coleta de dados, a partir da observação direta das ações dos objetos de letramento,
propostas pelos professores para as crianças, fundamentando-nos em Yin (2005).
A observação das ações cotidianas, nos agrupamentos das crianças teve como
instrumento os documentos nacionais que regem a educação infantil: os Indicadores de
Qualidade (BRASIL, 2009a): na Dimensão 2 – Multiplicidade de experiências e linguagens,
no item 2.4 – Crianças expressando-se por meio de diferentes linguagens: plásticas,
simbólicas, musicais e corporais. Sobre os Critérios para atendimento em Creche, com relação
aos direitos: “Nossas crianças têm direito à brincadeira” e “Nossas crianças têm direito a
desenvolver sua curiosidade, imaginação e capacidade de expressão” (BRASIL, 2009b, p. 14,
p. 21-22). As Diretrizes curriculares Nacionais da Educação Infantil (BRASIL, 2010), que
servirão como parâmetros de análise, com foco nos Objetos de Letramento na creche, a
importância na formação da criança e como é trabalhado na creche.
As idas a campo ocorreram até conhecer a rotina das turmas observadas, ou seja, que
pode identificar qual é a relação dos objetos de letramento na formação da criança e como
ocorre essa relação, observando o trabalho dos educadores.
Desenvolvimento da Pesquisa
Durante a pesquisa, nas etapas de coleta de dados, apontou inicialmente que a arte e o
brincar ocorrem de forma espontaneísta nas escolas de educação infantil, não havendo
continuidade e avaliação das ações planejadas. O que ocorre na verdade, são atividades
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descontínuas que, aos olhos das orientações referenciais adotadas, não desafiam ou apoiam o
desenvolvimento/crescimento das crianças.
A educação das crianças de creche, na faixa etária de 0 a 3 anos, ocorre, de um lado a
inatividade dos educadores em trabalhar conteúdos artísticos e brincadeiras planejadas, com
as crianças de 0 a 2 anos devido a elas ainda não terem o domínio motor desenvolvido, não
saberem falar, ou seja, não conseguindo transmitir o que querem pela fala formal. O papel dos
educadores fica resumido, apenas, ao cuidar e ao brincar livre.
Em outro extremo, as crianças de 2 a 3 anos, que já desenvolveram um pouco mais sua
motricidade e a fala, o trabalho dos educadores muda, trabalha-se atividades artísticas, mas,
mesmo assim, ainda não em sua plenitude, pois, quando raramente ocorrem, são limitadas e
controladas, não cumprindo seu papel na formação da criança, que é a expressão e a
exploração dos sentidos. Referente ao brincar, acorre apenas o brincar livre, percebe-se a
necessidade de uma participação ativa do educador, potencializando estes momentos da
criança.
Os objetos de letramento, são o universo de leitura que a criança está exposta e a sua
forma de lidar com esses desafios, suas experimentações e descobertas. Nas creches, o papel
desses objetos que serão disponibilizados as crianças, devem ser pensados por toda uma
equipe, buscando estimular e proporcionar desafios de acordo com seu desenvolvimento.
As linguagens primordiais que devem ser a base desse trabalho são, o brincar, que inclui
a ludicidade e a imaginação, e a Arte, que são as linguagens artísticas, a música, o teatro, a
dança e as artes plásticas, que para a criança de 0 a 3 anos se resumem na estimulação dos
sentidos (o tato, paladar, audição, olfato e visão) e experimentação. Estes são os meios para
sua descoberta do mundo, sendo assim, o brincar, a ludicidade e a arte devem andar juntos, no
pensar os Objetos de Letramento, para o trabalho com as crianças na creche
Resultados
Os resultados ate o momento, resultaram em um trabalho de concussão de curso e
pesquisa FAPESP, ao qual reverterão em possíveis sugestões para a mudança da prática
pedagógica. Para o pesquisador, foi fundamental como fonte de aprendizagem, preparo para a
docência e como base para pesquisas posteriores.
Considerações Finais
As considerações finais, concluímos que os Objetos de Letramento ainda não são de
compreensão plena dos profissionais de creche, portanto não há um trabalho planejado
utilizando as Linguagens artísticas e o Brincar no cotidiano da criança. É priorizado que, para
as crianças pequenas o brincar livre e o cuidar já são o suficiente para o seu desenvolvimento.
Ainda observou- se, quando ocorrem, há tentativas de alfabetização fora do tempo, indo
direto para as noções abstratas da leitura formal. Assim, pulando etapas do desenvolvimento
infantil, podem afetar todo o desenvolvimento posterior na educação e na vida.
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Referencias Bibliográficas
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na educação infantil. Brasília, DF: MEC/SEB, 2009.
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CUNHA, S. R. V. Cor, som e movimento: a expressão plástica, musical e dramática no
cotidiano da criança. Porto Alegre: Mediação, 2004.
LEBOVICI, S.; DIATKLINE, R. Significado e função do brinquedo na criança. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1985.
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ISSN 2448-1157
420
Pesquisa com... Crianças e Imagens7
Luana Priscila de Oliveira8
Noemi Guimarães Rosales9
Vinícius Marques Silva10
Bianca Santos Chisté11
Luz, câmera, ação! Porque não... Ação, câmera, luz? Pois bem, “Ação, câmera, luz:
entre olhares e imagens, experiência de infância e montagem” 12, foi o título escolhido para
uma pesquisa orientada pelo Prof. Dr. César Donizetti Pereira Leite e desenvolvida junto ao
Laboratório da imagem, experiência e criação (I-Mago), o qual faço parte deste 2009.
No desdobramento de reflexões sobre a relação entre “cinema, educação e formação
docente” desenvolvida a partir da pesquisa “A cena que encena a educação: a construção de
olhares a partir do cinema, da infância e da formação de professores” (UNESP, 2006) e em
decorrência da identificação de um processo de modulação dos sentidos que se faziam
presentes nas narrações, discursos e manifestações dos professores, surge a pesquisa “Ação,
câmera, luz...” , que em sua constituição tomou o princípio da inversão da ideia presente no
cinema, o projeto procurou partir não de ideias e roteiros prévios, mas sim de ações e imagens
produzidas por crianças, articulando-as as ideias de experiência, com as produções imagéticas
de e das crianças.
Movimentados pelo interesse de saber o quanto e de que modo as crianças também
poderiam ser moduladas pelas imagens, reproduzindo o que acontecia com os professores, o
objetivo central desta pesquisa era discutir os modos de produção de subjetividade, a partir
dos modos de produção de sentido pela imagem e pela montagem de enredos e narrativas
apresentados nas produções imagéticas oriundas dos exercícios de olhar das crianças
através de suas filmagens e fotografias. Neste trabalho, observamos que pesquisar com
crianças e pesquisa com crianças em um contexto de produção imagética, convida a um
deslocamento nos modos de pensar a pesquisa e a produção do conhecimento.
7
Este texto é fruto da Pesquisa “Do outro da cerca experiências com imagens, infância e educação: Reflexões e
olhar e para o desenvolvimento infantil a partir de produções imagéticas de professores e crianças”, iniciada em
2014, na Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, sob a coordenação do prof. Dr. César Donizetti Pereira
Leite.
8
Professora da EMEIF "Professora Maria de Lourdes Mattar”, da Prefeitura de Araras – SP.
9
Acadêmica do curso de Pedagogia, da Universidade Estadual Paulista, Rio Claro.
10
Acadêmico do curso de Geografia, da Universidade Estadual Paulista, Rio Claro.
11
Professora da Universidade Federal de Rondônia, Campus de Rolim de Moura.
12
FAPESP Pesquisa Regular – 2009/08359-2 e CNPQ – 400594/2009-9.
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No contexto destas reflexões verificamos que ao ‘oferecer’ as câmeras fotográficas e
filmadoras às crianças, estas nos apresentam um mundo rodeado de possibilidades e de modos
de sentir e estar diante das imagens. Neste sentido, é bastante difícil, em uma pesquisa desta
natureza, trabalhar com conceitos que permeiam os modos mais tradicionais de fazer pesquisa
com crianças.
Em um primeiro movimento, ao oferecer as câmeras às crianças, não temos mais as
certezas e controles sobre o que teremos ao final, sendo assim, pensar em categorias, análises,
interpretações perdem força, dando lugar a ideias de leituras, olhares e sensações. Desta
forma, observamos que os modos e as imagens apresentadas pelas crianças oferecem um
espaço para uma aproximação da noção de ‘experiência’ conforme nos apresenta Agamben
(2005).
Na continuidade desta pesquisa, surgem duas outras: “Infância, pesquisa e experiência:
reflexões e olhares para o desenvolvimento infantil a partir de produções imagéticas de
professores e crianças”13 e “Do outro lado da cerca: experiências com imagens, infância e
educação”14. A primeira pesquisa citada foi desenvolvida em uma creche do município de Rio
Claro, com crianças, na faixa etária um a três anos, e seus respectivos professores e
monitores. No trabalho com eles destacamos que em um mundo povoado por imagens e por
novas tecnologias sentidos são criados a partir das sensações que estas imagens nos oferecem.
Imagens da infância foram criadas/produzidas e nos ofereceram possibilidades de refletir
sobre questões relativas aos processos de produção de subjetividade na cultura contemporânea
e em particular para as reflexões sobre os processos de desenvolvimento da criança.
Visto que, diferente do que temos em outros bairros da cidade de Rio Claro, nesta
unidade educacional, escolhida para as pesquisas do I-Mago, as crianças passam de uma etapa
de escolarização para outra sem mudar de espaço físico. A segunda pesquisa citada foi
realizada do “outro lado da cerca”, pois o prédio da creche é separado apenas por uma cerca
do prédio da Educação Infantil etapa II. Sendo que seu objetivo central era refletir sobre as
possibilidades que as imagens e as produções imagéticas realizadas por crianças e
professores de Educação Infantil, no contexto das práticas educativas, oferecem para
construção de caminhos e para reflexões acerca dos processos de desenvolvimento infantil e
das práticas educativas do professor.
13
FAPESP processo 2011/08 - Pesquisa Regular e CNPQ Edital 02/2009 e processo n. 400594/2009-9
14
Pesquisa regular - Continuidade.
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422
Realizado um primeiro contato com a escola, em um HTPC (Horário de Trabalho
Pedagógico Coletivo), várias professoras demonstraram interesse em participar da pesquisa
proposta. No entanto, decidimos acompanhar três salas, com crianças entre 4 e 6 anos,
obtendo cerca de 20.000 produções entre imagens e vídeos. Seguindo o cronograma e as
determinações da escola, as salas escolhidas foram: “Maternal“, “Infantil I” e “Infantil II”,
sendo duas turmas no período da manhã e uma no período da tarde, envolvendo 72 crianças
com idade entre 4 e 5 anos e três professoras. Os encontros de coleta de imagens nestas salas
ocorreram semanalmente, às sextas-feiras, no período de um semestre letivo. Cada encontro
tinha aproximadamente duas horas de duração e contava com a presença de pesquisadores e
de alunos-bolsistas. Eram realizados registros e reuniões semanais para a discussão dos
mesmos. Ao todo foram realizados 30 encontros, nos quais tivemos um total de mais de
20.000 arquivos de imagens (fotos e filmagens).
Vale ressaltar, que uma das professoras que fez parte desta pesquisa era fotógrafa não
profissional, e tinha a prática de registrar suas aulas pelas lentes de uma câmera, com
fotografias. As crianças desta sala, por sua vez, estavam habituadas a utilizar equipamentos de
captura de imagens. Neste sentido, os equipamentos (câmeras, tabletes e filmadoras) eram
entregues as crianças, professora e monitoras e estes eram incentivados a produzir imagens
pelos vários espaços da escola.
Cabe esclarecer, que as imagens e registros utilizados nesta pesquisa, dizem respeito à
turma do “Infantil I”, que foi escolhida apenas por questões de delimitar melhor o material a
ser apresentado. Neste sentido, as discussões compostas neste trabalho transcendem o
material imagético apresentado, pois dizem respeito à trajetória de estudos desenvolvidos
pelos integrantes do I-Mago.
SUSCITAR ACONTECIMENTOS, por imagens e escritos.
O mar começa a dormir, pela orla, pela orla, pela orla. Há
quinze metros do arco íris o sol é cheiroso... A ciência ainda
não pode provar o contrário, a ciência ainda não pode
provar o contrário! (Poema de Manoel de Barros,
musicalizado por Márcio de Camilo)
Assim, decidimos priorizar um texto que apresente um pouco do material imagético
produzido nas pesquisas do grupo I-Mago, que compõe um extenso banco de dados; e que
também experimente uma pesquisa que pretende falar de infância e por isto não convém ser
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outro que não seja experiência, que não seja prova, que não seja ensaio. Neste texto,
decidimos experimentar sobre a própria experiência, a infância e a educação. O que
pretendemos é experimentar a partir de olhares, imagens, cenas deste trabalho que
desenvolvemos com ‘produções imagéticas’ e educação. O texto que segue então, é um
convite a uma experiência, a um deslocamento do olhar, a partir de uma “pesquisa
experiência” em que cenários, cenas e fragmentos de um trabalho possam, ao serem postos a
prova, criar experimentações e possibilitar montagens, colagens de sentidos, de sensações.
Doravante, apresentaremos algumas experiências de montagens que foram realizadas
com as produções imagéticas das crianças, com recortes de falas dos autores que não nos
abandonam, com trechos dos registros escritos durante a coleta de dados e com poesias, na
tentativa de tecer as primeiras leituras e olhares acerca das produções imagéticas das crianças.
Vamos então as montagens!
(CRIANÇAS, 2014, P1030911)
(CRIANÇAS, 2014, IMG0051, IMG0052, IMG0053, IMG0560)
(CRIANÇAS, 2014, IMG0626)
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Não é óbvio para as crianças que participam desta pesquisa, diferente do que
encontramos em eventos de Comunicação e Educação, que as máquinas fotográficas servem
para tirar fotos e as filmadoras para filmar. Para elas parece que a utilidade das coisas não está
definida a priori, e neste sentido os tabletes tomam a frente, assim os equipamentos se
igualam a qualquer outro brinquedo que, antes de tudo, precisa ser explorado, experimentado,
descoberto.
Para as crianças ligar os equipamentos foi “moleza”, rapidamente os pequenos iniciaram a
produção de imagens. No começo meio tímidos e cuidadosos com os equipamentos, mas logo
começaram a passear pelo espaço entre as outras crianças incentivadas pelo grupo de
pesquisadores e pela professora da turma. Vale ressaltar, que após as instruções dadas pela
professora C, esta se afastou de seus alunos deixando-os livres.
(Registro de número dois, por Luana).
(CRIANÇAS, 2014, DSC0006)
(CRIANÇAS, 2014, P1010444)
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(CRIANÇAS, 2014, P1010978)
(CRIANÇAS, 2014, DSC02621)
A professora durante a coleta de imagens estava muito empolgada, parecia até que mais do
que as crianças. Enquanto observávamos as produções ela nos atentava para situações que
estavam acontecendo: “Ah...você perdeu ali”, “Cadê a menina que está registrando?”,
“Vocês vão anotar isto no registro né?!”.
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(Registro de número três, por Luana).
Outro fato que chamou a atenção foi a admiração da professora quando percebe um aluno
utilizando formas de apoio dos braços como se fosse um fotógrafo profissional para capturar
as imagens.(Registro de número quatro, por Luana).
(CRIANÇAS, 2014, IMG0181)
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(CRIANÇAS, 2014, DSC 00100, DSC00081, DSC00045, IMG0634).
Para a criança a cor não se reduz a uma simples impressão
visual, mas afeta todos os sentidos: ela a aspira, respira,
escuta, sorve, degusta [...] A criança reveste a cor. A cor é
um espetáculo, uma paisagem que a criança habita e com a
qual se mistura. Ela habita a cor que a invade por todos os
lados: de onde lhe vem esse poder? (SCHÉRER, 2009, p.
110-111).
Em resposta a solicitação da professora, este dia, além da produção de imagens, houve a
visualização das imagens produzidas nos outros encontros, no caso somente as fotografias.
Em um primeiro momento tentamos utilizar a Tv com Dvd da própria sala de aula, mas como
não funcionou nos dirigimos a sala de vídeo da escola.
Chamou minha atenção a certeza das crianças em relação as suas produções. “Ah...fui eu
quem tirei essa foto do meu dedo!” (Fala de S).
(Registro de número quatro, por Luana).
(CRIANÇAS, 2014, IMG0233, IMG0234, P1010981).
No ato de passar as imagens e comentá-las esteve muito presente a busca por uma
interpretação das mesmas pelas crianças por meio do direcionamento e incentivo constante
da professora.
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428
“quem é esse da foto?”, “quem estava com essa blusa no dia”, “de quem é aquele tênis?”,
“O que vocês acham que é essa foto cor de rosa?”.
(CRIANÇAS, 2014, DSC00056).
“Agora vocês vão descobrir o que era: o cabelo da boneca!” – Tendo aparecido na tela da
TV uma imagem cor de rosa a professora questiona os alunos e estes dizem ser uma mancha
de sangue ou a blusa de alguém, sem dar muita importância, no decorrer das imagens
aparece a explicação daquela imagem “o cabelo da boneca”. Neste momento a professora
muito satisfeita com a descoberta chama a atenção dos alunos para a explicação, mas estes
não demonstram reação alguma, nem de surpresa, nem de dúvida, nada. (Registro de número
quatro, por Luana).
(CRIANÇAS,
2014,
DSC00056).
Essa ideia nos ajuda a crer que mesmo quando acreditamos
que tudo já foi dito, estabelecido, definido, pensado, pela
abertura da infância, da experiência e da linguagem, muito
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ainda permanece por ser dito, estabelecido, definido,
pensado. Assim, a linguagem e suas linhas de abertura e
montagem nos fazem sempre nos apresentar como se
fôssemos crianças diante do mundo, e nos colocam sempre a
necessidade de uma abertura para o que ainda não é, e
também nem foi (LEITE, 2011, p.180).
(CRIANÇAS, 2014, P1010543, P1010541).
Pelos olhos, lentes, dos equipamentos espaços físicos se expandem e ganham novos
contornos, os equipamentos atraem as crianças como um imã, a produção se torna uma
coletividade, outras vezes o mundo descoberto (ou visto de outro modo) se torna mais
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atraente do que as “lentesbrinquedos” e estas são abandonadas. Neste momento, outros
encontros de corpos acontecem, novas atrações, agrupamentos que duram segundos, se
desfazem e se refazem em novas junções. As imagens atraem corpos, os corpos atraem outros
corpos, mais ainda sim o mundo e o brincar nele atraí, por vezes, mais fortemente os corpos.
(CRIANÇAS, 2014, DSC02643).
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431
(CRIANÇAS, 2014, IMG0632, IMG0513).
E isto pode ser visto quando subimos para a sala de aula, no caso na sala de outra turma
(Infantil II), e o mundo se vê diminuído, limitado pelas paredes, livros, estantes, lousa,
cadeiras, mesinhas, crianças e entre tudo isto pouco espaço para corpos tão intensos e
imensos. Os pequenos voltaram a se interessar pelos equipamentos e até disputá-los, parece
que havia ali uma necessidade de escapar, voltar a enxergar o mundo do qual eles foram
privados.
(Registro de número três, por Luana).
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432
(CRIANÇAS, 2014, P1030757).
Um dia tentei desenhar as formas da Manhã sem lápis.
Já Pensou? Por primeiro havia que humanizar a Manhã. Torná-la biológica. Fazê-la mulher.
Antesmente eu tentara coisificar as pessoas e humanizar as coisas. Porém, humanizar o
tempo! Era dose. Entretanto eu tentei. Pintei sem lápis a Manhã de pernas para o sol. A manhã
era mulher e estava de pernas abertas para o sol. Na ocasião eu aprendera em Vieira (Padre
Antônio, 1604, Lisboa) eu aprendera que as imagens pintadas com palavras era para se ver de
ouvir. Então seria o caso de se ver ouvir a frase para se enxergar a Manhã de pernas abertas?
Estava humanizada esta beleza de tempo. E como os seus passarinhos, e as águas e o Sol a
fecundar o trecho. Arrisquei a fazer isso com a manhã, na cega. Depois meu avô me ensinou
que eu pintara a imagem erótica da Manhã. Isso fora. (Manoel de Barros, 2010, p. 85).
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(CRIANÇAS, 2014, P1030760).
Mesmo com algumas interferências feita pela professora houve momentos em que os
pequenos conseguiram ficar livres para produzir, em um destes momentos um aluno
encontrou formigas trabalhando na construção de um formigueiro, ele então aproximou a
câmera quase encostando ela no formigueiro e disse: “olha as formigas, vou tirar foto
delas”. Esse momento no formigueiro pode não ter sido registrado, às vezes as crianças
apontam a câmera para algo dizendo que estão fotografando, e não chegam a pressionar o
botão, a imagem então não é capturada.
(Registro do sétimo encontro por Noemi e Vinícius).
Cena avulsa: o aluno J G ao ver uma foto em que seu corpo não estava inteiro disse que
estava feia para o amigo que capturou a imagem e depois saiu.
(Registro de número cinco por Luana).
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(CRIANÇAS, 2014, IMG0924).
Um menino, J H, nos assustou, pois enquanto visualizava algumas imagens no tablete começa
a excluir várias delas. Apagador de dados! Uma pesquisadora-bolsista, se aproxima e
questiona o que ele esta fazendo, recomendando que ele parasse de apagar as imagens. Neste
momento o aluno responde assim “Não está vendo, estão borradas, estão muito feias, precisa
apagar, joguei no lixo!”
(Registro de número quatro por Luana).
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(CRIANÇAS, 2014, DSC00010, DSC02727, DSC02766).
Para não finalizar....
As imagens produzidas pelas crianças e por professoras da educação infantil nos
apresentam crianças que estão na escola hoje, que resistem, que “profanam”, e que enfrentam
a lógica pedagógica trazendo outros sentidos para a escola. Seus corpos pensantes, brincantes
revelam em suas conversas, nas interações em todos os espaços escolares que na infância e
pela infância há uma didática singular, uma forma particular de aprender: pelo corpo todo. O
corpo, ou melhor, dizendo, os corpos (crianças, adultos, sol, formiga, céu, grama, câmera etc.)
se encontram e desses encontros inesperados, potentes há produções de outras maneiras de
pensar e existir no mundo.
Parece-nos que as crianças estão sempre compondo o inusitado a partir do encontro
com outros corpos, navegando incessantemente em novas maneiras de profanar os lugares, os
territórios, os tempos, os espaços. Isso nos leva a pensar em uma educação na infância onde
os corpos componham novas maneiras de ser, como nos apresenta Deleuze e Guattari (1996,
p. 11)? “Por que não caminhar com a cabeça, cantar com o sinus, ver com a pele, respirar com
o ventre.”? Uma educação que invoca aumentar a potência de agir, fazer a vida vibrar e se
inventar, acionar a diferença, a invenção, movimentar encontros e composições, atravessar os
corpos de crianças e adultos como raios, numa velocidade de desterritorialização dos regimes
de propriedade, da legitimidade e da delimitação enraizada sobre os eixos norteadores, sobre
as temáticas e disciplinas educativas e faz, como sugere Kohan (2007, p. 98) “[...] desdobrar
potências impensadas na infância.”
Indicam também, que na infância e com a infância é possível escapar do modelo
organizado escolar, pois as narrativas e as imagens nos apresentam crianças que parecem se
organizar de outras maneiras: não linear, não evolutiva, não compartimentado, não do geral
para o específico, do simples para o complexo, mas que, para além da lógica pedagógica ou
escolar, produzem uma forma potente e rigorosamente pensante, reflexiva, sentida,
experienciada . Uma amizade muitas vezes solitária, divagante, complexa demais para olhares
limitados e limitantes. Só a decifra quem possa ter uma relação de intimidade com o saber das
crianças, das infâncias, que questionam, que tensionam as estreitas e dolorosas armadilhas
curriculares, enformantes.
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436
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ISSN 2448-1157
437
Encontros e desencontros nas relações entre as crianças bem pequenas e os
adultos na creche
Ana Clara Reno Ferreira Yoshitake,
Bruna Galluccio Ferreira (orgs.)15
Resumo
Esse trabalho foi feito com quase todo grupo de professoras dos dois primeiros grupos,
de quatro meses a dois anos e dez meses da Creche/Pré-escola Central da Universidade de
São Paulo e foi organizado por três delas para apresentarmos no I Encontro Faculdade de
Educação e Creches/Pré-escolas da USP: parcerias e perspectivas para a Educação Infantil,
que aconteceu em Setembro de 2015. Partimos da intenção comum de pensar juntas sobre
situações de relação com os bebês, trabalhar e aprofundar essa dimensão do trabalho com
crianças bem pequenas que tanto nos é cara e nos importa. Para isso, pretendemos observar
mais as crianças, buscar conhecê-las melhor e também entrar mais em conexão com nós
mesmas, com os sentimentos e concepções presentes nas nossas ações com as crianças,
atentando para a complexidade de tudo o que está envolvido num único momento. Pensamos
em exercitar isso num grupo de trabalho. A proposta foi registrar, contar situações que nos
tocavam, que mexiam com a gente, nos incomodavam ou alegravam num caderno de registro
comum. Ao longo do trabalho, fizemos conversas sobre o que aparecia nos relatos e
escolhemos os eixos encontros e desencontros para organizá-los. Trazemos as leituras que
fizemos, acompanhadas de referenciais teóricos, principalmente de Victor Guerra e Jorge
Larrosa, e finalizamos com o que pudemos apreender e o que percebemos que ainda seria um
desafio realizar.
Palavras-chave
Educação Infantil – Bebês - Relação – Encontro – Desencontro.
15
Professoras na Creche/Pré-escola Central da Universidade de São Paulo.
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438
Introdução
Esse trabalho foi feito com quase todo grupo de professoras dos dois primeiros grupos,
de 4 meses a dois anos e 10 meses da Creche/Pré-escola Central da Universidade de São
Paulo e foi organizado por três delas. Foi um trabalho organizado para apresentarmos no I
Encontro Faculdade de Educação e Creches/Pré-escolas da USP: parcerias e perspectivas para
a Educação Infantil, que aconteceu em Setembro de 2015, mas que também gerou tanto
envolvimento que pretendemos exercitá-lo por mais um tempo.
Partimos da intenção comum de pensar juntas sobre situações de relação com os
bebês, trabalhar e aprofundar essa dimensão do trabalho com crianças bem pequenas que
tanto nos é cara e nos importa. Para isso, pretendemos observar mais as crianças, buscar
conhecê-las melhor, compreendê-las melhor e também entrar mais em conexão com nós
mesmas, com os sentimentos e concepções presentes nas nossas ações com as crianças,
atentar para a complexidade de tudo o que está envolvido num único momento. Queríamos
nos colocar nesse exercício de observar mais atentamente, de registrar e refletir sobre o que
poderia passar despercebido.
Partimos do trabalho de conclusão do curso do programa pós-graduação Latu-sensu
em ‘Crianças de 0 a 3 anos: uma formação para as infâncias no Brasil’ realizado no Instituto
Singularidades pela professora Bruna, intitulado ‘Olhar, gesto e voz de bebês e professoras
como canais expressivos constituintes’ que propunha um olhar a momentos de comunicação
entre as professoras da creche e as crianças pequenas. Esse trabalho atentava para a leitura,
interpretação que fazemos da expressão dos bebês e compreendeu que era importante
valorizar o que acontece entre pessoas que se encontram e compartilham experiências. Victor
Guerra, psicanalista que trabalhou em instituições de educação e continua trabalhando com
crianças pequenas já dizia que trabalhamos e somos trabalhadas pelos bebês (Guerra, 2013,
p.38).
Pensamos em exercitar isso num grupo de trabalho. A proposta foi registrar, contar
situações que nos tocavam, que mexiam com a gente, nos incomodavam ou alegravam.
Sugerimos que descrevêssemos detalhadamente essas situações, considerando nossos
sentimentos durante a ação, os sentimentos das crianças e a maneira como expressavam isso,
ISSN 2448-1157
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contar caso essa situação tivesse outro desdobramento. Rosa Maria Bueno Fisher 16 nos
ajudou: ‘A sugestão é que nos entreguemos a descrever a complexidade e heterogeneidade de
nossas práticas, de nossos modos de existência e pensamento’.
Criamos um caderno de registro comum em que podíamos comentar por escrito as
situações. Situações de conflito foram as primeiras que pensamos, pois nos mobilizavam,
provocavam a repensar, rever, buscar outros caminhos de ação, mas também apareciam
situações em que nos alegrávamos por algo ter acontecido ou ter sido notado.
Partimos de um texto referência do Victor Guerra (2013) em que ele discorria sobre a
ética dos cuidados no trabalho com crianças pequenas, que passava por cuidar das cuidadoras,
justamente porque essas crianças requerem um exercício de mudança de lugar para o adulto,
exige uma maneira de comunicação mais conectada com uma comunicação não-verbal, um
retorno ao que ele chama de mundo arcaico, também mais sensorial, e isso poderia provocar
variadas impressões nas professoras, como retorno a memórias da própria infância, sensações
de esgotamento, sensação de vulnerabilidade diante da tarefa de atender a suas necessidades,
entre outros. Numa conversa no início do ano com uma professora que trabalhava com as
crianças pequenas e há pouco tempo passara a acompanhar as crianças maiores, ela lhe dizia
que havia voltado para o mundo civilizado. Então ele pergunta:
‘- E onde é que você estava? Na selva?
Ela sorri:
- Mais ou menos como na selva. E com dinossauros (ri). Falando
sério, a gente tem momentos divinos, a gente comeria todos eles, mas
às vezes é como estar num outro mundo, é desgastante, desgasta muito
mais o corpo e temos que estar atentos de outra maneira, com todo o
corpo.’ (2013, p. 40)
Depois foi a vez de reencontrar com Jorge Larrosa, pedagogo e filósofo que também
tratava dessa dimensão de diferença da criança pequena conosco:
16
FISHER, Rosa Maria Bueno. Foucault revoluciona a pesquisa em Educação?. Perspectiva,
Florianópolis,
v.
21,
n.
2,
p.
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jan.
2003.
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https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/9717. Acesso em 20-09-2015.
ISSN 2448-1157
440
‘A infância é um outro: aquilo que, sempre além de qualquer
tentativa de captura, inquieta a segurança de nossos saberes, questiona
o poder de nossas práticas e abre um vazio em que se abisma o
edifício bem construído de nossas instituições de acolhimento. Pensar
a infância como um outro é, justamente, pensar essa inquietação, esse
questionamento e esse vazio. É insistir uma vez mais: as crianças,
esses seres estranhos dos quais nada se sabe, esses seres selvagens que
não compreendem a nossa língua.’ (2010, p.184).
Ao longo do trabalho uma professora encontrou mais uma contribuição numa leitura
pessoal e compartilhou um trecho com a gente:
‘No entanto, isso não quer dizer que a criança deva crescer
totalmente selvagem. O que ela precisa para desenvolver-se é do
respeito de suas pessoas de referência, da tolerância para com seus
sentimentos, da sensibilidade em relação a suas necessidades e
mortificações, bem como da autenticidade de seus pais, cuja própria
liberdade (...) lhe impõe limites naturais.’ (Miller, 2006, p. 113).
E para finalizar, nos sentindo bem representadas, voltamos ao Larrosa:
‘A alteridade da infância é algo muito mais radical: nada mais,
nada menos que sua absoluta heterogeneidade em relação a nós e ao
nosso mundo, sua absoluta diferença. E se a presença enigmática da
infância é a presença de algo radical e irredutivelmente outro, ter-se-á
de pensá-la na medida em que sempre nos escapa: na medida em que
inquieta o que sabemos (e inquieta a soberba da nossa vontade de
saber), na medida em que suspende o que podemos (e a arrogância da
nossa vontade de poder) e na medida em que coloca em questão os
lugares que construímos para ela (e a presunção da nossa vontade de
abarcá-la). Aí está a vertigem: no como a alteridade da infância nos
leva a uma região em que não comandam as medidas do nosso saber e
do nosso poder.’ (2010, p.185).
Os textos foram disponibilizados para a leitura de todas e quando tínhamos um tempo,
líamos e registrávamos novas situações.
Fizemos também algumas reuniões em que conversávamos sobre as opções em relação
à metodologia de trabalho, sobre algumas situações que haviam acontecido e estavam
latentes, sobre o que era novo e o que era recorrente nos relatos sobre as crianças. Essas
conversas foram muito importantes, era o que nos mobilizava, nos conectava.
É importante dizer que também modificamos os nomes das crianças para que elas não
fossem desnecessariamente expostas, já que muitas das pessoas para quem apresentávamos o
trabalho as conheciam e que os relatos falavam de características, comportamentos e de
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situações de bastante proximidade com elas. Às professoras, estamos tratando simplesmente
de professora, por hora.
Quando o evento já se aproximava, fizemos uma leitura que organizava o que
havíamos recolhido dos registros em encontros e desencontros com as crianças pequenas.
Compreendemos por encontro um momento de conexão, em que nos sentimos
inteiramente presentes, em que vivemos plenamente a situação, que se difere no cotidiano
comum do movimento automático. Momento em algo acontece, se destaca, nos toca, nos
atravessa e nos transforma. Momento em que nossos interesses, vontades convergem.
Para dizer disso, compartilhamos dois trechos do caderno:
‘Não sei se é um relato “digno” de aparecer no trabalho, mas quis fazê-lo pelo prazer
que foi perceber que nem sempre nossas investidas com as crianças “rendem” boas relações
e, quando menos esperamos, elas se aproximam e nos surpreendem!’
‘Hoje pude, na sala, enquanto as crianças brincavam no espaço, observar com
atenção o Francisco: eu nunca tinha feito isso, nunca tinha observado o Francisco.’
E desencontro como outro tipo de encontro, um encontro em que aparecem diferentes
perspectivas e ações relacionadas a um assunto. Momento em que nossos interesses e
vontades divergem, ou quando a realização das vontades não pode coexistir. Entre crianças,
criança-adulto, adulto consigo mesmo, entre adultos, entre o adulto e a instituição.
Partimos agora para o momento em que realizamos essas leituras.
Encontros e desencontros
Nessa parte, trazemos alguns dos relatos escritos pelas professoras para falar um
pouco destes momentos de encontro entre os adultos e as crianças pequenas na creche.
Identificamos e orgnizamos estes momentos em três tipos de situações, com suas
características próprias, mas que também se entrelaçam: a palavra-gesto, a conexão pela
brincadeira e o encontro que acontece por meio da observação, do olhar do adulto para a
criança.
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A comunicação sensível pela via da palavra e do gesto, este especialmente quando as
crianças ainda não falam, é algo que estamos bastante acostumadas e habituadas a notar, e
ver. Com frequência nos sensibilizamos e nos encantamos com estes momentos em que
sentidos e significados são co-criados e compartilhados entre nós e as crianças. Aqui um
trecho:
“Violeta é muito esperta. Quando quer algo é decidida. Em uma
situação no lanche ela ensinava a educadora como deveria ser servido
o ovo. Mostrava o suco que deveria ser pingado no ovo, mostrava com
o dedo e exigia. Se você não faz sua vontade fica reclamando e
soltando gritos. Às vezes leva um tempo para a educadora saber o que
ela quer. Em uma brincadeira a educadora desenhou em sua mão uma
bolinha com caneta, para que distraísse até a chegada do leite. A partir
daí é só ver uma caneta que mostra a mão para que se faça um
desenho. E fica brava se não o fazemos.”
Nesta situação, Violeta, sua educadora de referência e a funcionária do apoio, que
estavam presentes, compartilharam um significado único entre elas. Outras pessoas a quem
Violeta fazia este gesto não compreendiam do que se tratava. Compreender o que a criança
pequena está falando, compartilhar sentidos com elas, especialmente as que não falam, gera
em nós e nelas uma alegria, um encontro de quem diz e é compreendido, de quem conta uma
história, aponta, ensina, e deste adulto que também constrói junto estes significados com a
criança e pode então conversar com ela desse assunto comum: a bolinha na mão. E este
encontro pelo palavra-gesto é também brincadeira, a brincadeira de fazer a bolinha, de
mostrar a bolinha e conversar sobre ela.
A brincadeira é mais um destes momentos. E aqui estamos pensando para além das
brincadeiras, dos momentos lúdicos planejados e/ou oferecidos pelo professor, também nestas
isso pode acontecer, mas aqui estamos falando de algo do instante, que parte deste encontro
silencioso de duas ou mais pessoas abertas e disponíveis a viverem algo juntas, que gera
prazer em estar juntos, alegria no encontro. É algo que acontece.
“O Fabrício acordou, olhou para mim e rolou de um lado para
o outro, sorrindo, estabelecendo um jogo. Eu já havia ficado dançando,
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conversando com a Luiza por alguns minutos. Aconteceu uma dança
das mãos, encontros e desencontros. Fio de cabelo. Sopro. Sem
chupeta. Olhar. Sorriso. Depois foi ele. Brincamos no chão de levantar
braços e pernas. Acordando, os dois. Eu mais observava e imitava.
Entre equilíbrios e desequilíbrios, movimentos e pausas, mais sorrisos.
Me encho de alegria. Me sinto viva, vivendo o que há de mais bonito.
Outra criança acordou. Fui para perto do Caio fazer carinho. O Caio
dizia “Mamãe” e o Fabrício repetia algumas palavras do que eu dizia:
“Mais tarde ela vem...” E Fabrício também fazia carinho nele, de um
jeito leve, devagar, pousando levemente a mão sobre a cabeça dele.
Tão bonito!”
Educadora e crianças vivos, inteiros, se divertindo e se encantando juntos, um com o
outro e com o que estavam inventando juntos. Quase como uma suspensão do tempo e do
espaço, como se estivessem num universo próprio, só deles, e de certa forma estavam. E
escrevendo isso pôde ser visto, isso que foi vivido. Foi possível contemplar a beleza do que
aconteceu e que certamente muitos professores vivem cotidianamente.
“A brincadeira começou: Felipe passava de um lado a outro,
sendo coberto pela lycra. Estava sorridente e demonstrando gostar
dessa experiência. Achei curioso o fato de ter se aproximado de mim
para essa brincadeira, pois nas últimas semanas, quando eu o
procurava, ele ficava com uma cara estranha e se afastava. Nessa
ocasião, ficamos um “longo” tempo brincando (15 min). Lia e Violeta
também quiseram participar. Eu fiquei contente com essa experiência.”
Uma forma de encontro que começamos especialmente neste trabalho a praticar,
experimentar mais é o olhar, a observação atenta e sensível por parte do adulto para a criança
e para o que ela está fazendo, sozinha ou com seus pares. Esse adulto, assim, se abre para ver,
admirar, descobrir e redescobrir cotidianamente cada criança. Sentir o prazer, o espanto de ver
o que ela faz, e disso não ter passado despercebido e de vendo, então passar a viver junto com
ela.
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“Hoje pude na sala, enquanto as crianças brincavam no espaço,
observar com atenção o Francisco: eu nunca tinha feito isso, nunca
tinha observado o Francisco. Ele passou minutos, muitos, olhando-se
no espelho, sem que nada conseguisse atrapalhá-lo! Lambia o espelho
de um lado para o outro, enquanto fitava sério seus próprios olhos e as
vezes os movimentos da língua e da boca. Parecia que não havia
ninguém mais lá, só ele e seu reflexo. Francisco chorou brincando,
olhando sempre como ficava seu rosto enquanto chorava, riu, brincou,
disse palavras em diferentes velocidades e essa atenção a essas partes
do corpo que só vemos refletidas foi boa de observar! Me permiti, sem
querer querendo, ter um olhar sobre o Francisco. Foi Bom!”
Nesta situação a educadora pôde descobrir algo sobre o Francisco, pôde olhar para ele
e, mesmo que de longe, pois se fosse participando da situação certamente a ação da criança
seria diferente, viver com ele sua experimentação, se encontrar com um Francisco que até
então ela não conhecia.
Mas essa observação nem sempre é simples de ser feita:
“Algumas crianças estavam mexendo na janela da sala. (...)
Rafael ficou muito tempo brincando assim. Tiago que já havia brincado
em outra janela quis mexer naquela em que Rafael estava. Rafael
gritou com muita força (palavras que eu não pude entender, mas era
bastante evidente que ele não queria que Tiago brincasse naquela
janela). Tive dois impulsos: tirar o Rafael de perto do Tiago por achar
que aquela força do grito era demais (como um descontrole que ele
precisaria sair da situação para se acalmar); outro pensamento foi
apenas observá-los para ver como a situação ia se desenrolar. Em
reação a esse pensamento achei que não poderia somente olhar, pois
seria como “não fazer nada” e no instante desse pensamento me veio
uma história da minha infância que minha mãe me contou sobre um
menino que batia em mim na creche e (segundo o que eu lembrava da
história) as professoras não faziam nada por que eu devia aprender a
me defender. (...) Eu não poderia “não fazer nada” e tirar o Rafael da
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situação me pareceu brusco demais, até por que ele gritou e parou,
mesmo que ainda estivesse bravo. Fiquei mais próxima dos dois
procurando conversar sobre a situação dando opções para eles.
Perguntei para o Tiago se ele podia brincar na janela ao lado e ele
disse que não. Antes que eu fizesse a mesma pergunta para Rafael, ele
se prontificou a ficar na outra janela e tudo ficou bem. Percebi que
toda a força do grito de raiva não abalou nem um pouco o Tiago que
continuou mexendo na janela. Mesmo que as crianças se afetem com
gritos dos outros não é como nós que entendemos gritos tão fortes
como agressão. A manifestação de braveza de Rafael me abalou mais
que ao Tiago e minha reação imediata era fazer algo para que ele
parasse de gritar. Depois de uma breve e simples conversa o próprio
Rafael cedeu seu lugar e mudou de janela (algo que eu não esperava
que ele fizesse).”
Há muitas coisas em jogo neste relato. Primeiro este olhar da educadora para a
situação e, estando nela, para si mesma, para o que ela trás. Não é tão simples observar (e aqui
não se trata de dizer se ela deveria ou não ter intervindo e de que forma). O fato de ela ter
arriscado suspender por um segundo o impulso da ação, seja ela qual fosse, abriu uma janela
de percepção, uma pergunta surge: “e se eu só observar?”. Aí ela olha pra si, para o que ela
trás, para as suas expectativas como professoras, a partir de sua experiência vivida como
criança, por meio do relato da mãe, e se vendo, vê que não quer só observar, que ela precisa
agir, e assim, depois de ter aberto esta janela que trouxe um pouco de sol pra dentro de si, de
ter se conectado, se encontrado, ela volta para a ação, e as coisas se desenrolam da maneira
como está descrita no relato. E ela ainda termina o relato com mais a reflexão, o olhar sobre o
grito naquele contexto.
Como ficou claro no relato acima, o encontro nem sempre acontece sem desencontro.
“Helena trouxe um prato de areia, dizendo que era um bolo e
tranquilamente compartilhou a areia com a Violeta e a Marina, que
haviam se interessado muito. Da segunda vez que ela veio com a areia,
desta vez num balde, dizendo que era bolo de chocolate, virou o balde
num prato e o Tiago veio com uma pá e bateu no bolo, amassando a
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areia. Ela, muito brava, disse algo como: “é meu bolo!” e ele: “Não é
não”. “Eu fiz, não desmancha!” e ele: “Não fez não!” etc. Resolvi
observar o máximo que eu conseguisse. E assim a discussão foi
ganhando volume, gritos e frases como: “Paaaara!”. “Isso é muito,
muito feio!”. Depois de um bom tempo da discussão, eles gritando um
com o outro, com uma mesa entre eles, eu os observando e eles me
vendo observá-los e olhando para mim várias vezes, Helena saiu
andando para um lado e Tiago para o outro. Poucos segundos depois
eles passaram a brincar juntos por todo o pátio, inventando uma
narrativa itinerante que não consegui ouvir e passaram um longo
tempo nessa parceria sem nenhuma outra discussão intensa como havia
acontecido.”
Podemos perceber, de novo, o conflito de interesses e depois uma disputa verbal, que
era quase como um jogo mesmo e que expressa esta braveza, com força e assim expressos
esta parceria pôde acontecer e fluir ao longo da tarde.
Também, de novo, aparece este olhar do adulto, e aqui com mais um elemento, as
crianças se percebendo observadas. É como se a função do adulto nesta situação fosse criar
um espaço seguro para a “briga”, para este jogo, para a expressão da raiva, para o exercício do
conflito. Por que nem sempre sabemos, conseguimos ou mesmo queremos conversar. Aqui, o
adulto está fisicamente perto e atento como que dizendo: “Vá em frente! Estou aqui, não vou
deixar ninguém se machucar. Vou intervir se for necessário.” E este “se for necessário” esta
medida, não está num manual, mas tem a ver com cada um, como no exemplo da educadora
do último relato, que se olhou e quis intervir verbalmente. Para achar este “necessário”, é
preciso estar presente, consciente de si e do que está em jogo na situação (eu, os outros
adultos, a instituição, entre outros). E quanto mais conseguimos nos aproximar de nós
mesmos, agindo para além do automático e das pressões externas e internas, mais nos
aproximamos desta medida.
Outro frequente desencontro entre a criança e seu adulto de referência e quando não
conseguimos compreender a criança ou fazer nada que modifique uma situação incômoda
para nós e para ela, como por exemplo um momento de choro intenso. Estes momentos
trazem forte o que nos escapa, nossas incompletudes e incertezas, nossa vulnerabilidade. É
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como se nos sentíssemos “na selva”, como relata a professora do texto do Victor Guerra,
citando anteriormente.
“No momento em que não é possível de ser atendida, grita,
chora, exige atenção exclusiva. Chora tanto que enlouquece a
educadora. Os sentimentos que afloram são duplos, pois não sabemos
se atendemos o seu desejo, se a deixamos chorar. Tentamos negociar
de toda a forma. Depois de estar exaurida, cansada ela se rende e
dorme.”
Existem muitos elementos neste relato. A criança apresenta uma necessidade imediata
de dormir, ela pede insto de maneira exigente, intensa. Isso contrasta, se contrapõe, com
outras necessidades do cotidiano educativo (cuidar das outras crianças por exemplo). E a
educadora, se vê diante desta incompatibilidade de ações: dar atenção exclusiva à Violeta ou
cuidar das outras crianças. Aí ela fala dos sentimentos duplos: atender ou deixar chorar. Ou
seja, um conflito com o desejo da criança com, não apenas a impossibilidade prática de
atendê-la, mas por dentro desta impossibilidade, muitos elementos a compõe: o incômodo
gerado pelo choro, a preocupação com a expectativa externa quanto à sua atuação como
professora, a frustração por não estar conseguindo ajudar a criança e ainda, as idéias e
concepções de educação, que entram em ação, em dúvida neste momento. E, retomando o que
dissemos acima, esse tipo de situação remete ao que nos escapa, às nossas incertezas e
vulnerabilidades.
Vamos ao próximo relato.
“Momento da troca. Tiago não quis vir. Convidei o Paulo.
Vieram Tiago, Rafael e Paulo. Troquei Paulo. Em seguida, Chamei o
Tiago. Ele estava brincando de consertar a descarga do vaso. Disse
rapidamente que ele seria trocado e poderia voltar a consertar. O
peguei e coloquei no trocador. Comecei a trocá-lo e ele disse “Não!”,
continuei conversando com ele e ele me chutou, muito forte. Na hora,
fiquei muito chateada, incomodada com a dor e com o chute. O
coloquei no chão. Encaminhei a troca do Rafael, dizendo que depois
voltaria a trocá-lo. Durante esse tempo ele dava descargas excessivas
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enquanto consertava. Fui falando pouco. Deixando passar. Assim que o
acabei, peguei o Tiago para trocar. Ele estava mais calmo. Parecia ter
percebido meu limite. Descobri que estava de cocô e assado. Talvez já
estivesse com aquele cocô há um tempo e estivesse irritado de início
por que sentia dor (além de ter parado a brincadeira). Fui cuidadosa
na condução da limpeza do algodão e com água e sabão no chuveiro.
Pedia para que ele me dissesse caso sentisse dor por que “não era para
doer”. Caso doesse, ardesse, rapidamente enxaguava com a água.
Consegui limpá-lo, passar pomada e finalizar a troca conversando com
ele. Acho que conseguimos nos entender.”
Após escrever este relato, a educadora numa reunião, perguntou às colegas: “o que
será que aconteceu? O que provocou esta mudança de chave, de humor na relação?” E no
próprio caderno, outra educadora responde:
‘Pensando sobra a “mudança de chave”, de humor tanto da
professora quanto da criança, talvez, não sei, a mudança tenha a ver
com a possibilidade de ele expressar a raiva, ou o que seja, por meio
do chute, sem que essa ação tenha sido invalidada, mas, sim, teve um
posicionamento “pessoal” que foi ‘eu não gostei e agora não vou
trocar você, e sim outra criança, estou chateada e irritada” mesmo que
não com essas palavras. Me parece que rolou uma relação
“verdadeira” entre duas pessoas.’
A educadora se conectou, percebeu (mesmo que na hora, não tão claramente, tanto que
se perguntou o que gerou esta “mudança de chave” nela e na criança) que não gostou mesmo
do chute e “disse”, sem dizer, algo como: “isso eu não aceito” a ele, e fez isso, neste caso,
pela ação. Ela não disse que “chutar é errado, é ruim”, que provavelmente não faria sentido à
criança neste momento de dor e raiva, expressos de maneira tão forte, já que ele, com seu
chute, também estava dizendo “não, eu não quero”. Mais do que isso, ele percebeu o que
aconteceu de fato com a pessoa a quem ele chutou, na reação verdadeira da educadora, que
não gostou do seu jeito de dizer: “Não”. E este encontro que gerou encontro aconteceu
especialmente quanto a educadora escolheu não assumir naquele momento o papel usual de
educadora, esse papel de ensinar, de transmitir, mas assumiu este ser educadora sendo
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simplesmente pessoa e se expressando verdadeiramente, pela ação, se colocando nesta relação
de outra forma, para além da dupla professora-aluno, mas numa relação pessoa-pessoa,
relação cuidadosa, delicada, mas também forte, intensa, presente.
Mais um relato, que envolve elementos das pessoas ali se relacionando.
‘Este foi um dia intenso. Acabei recebendo o Tiago. Depois de
várias tentativas de brincadeira, o tchau acabou sendo mesmo no
choro, muito choro, gritos. Fiquei um pouco mais na sala, sozinha com
ele, e logo veio uma educadora do módulo 2, preocupada com ele e
incomodada com o barulho. Fiquei desconfortável e fui para o salão,
onde estava o restante do grupo. Sentei-me com ele, em silêncio fui
olhando para ele, mas logo essa minha atitude de silêncio se foi, meio
que pela sensação de que “eu não estava fazendo nada”para acalmálo, não que eu de fato ache isso. Comecei a falar coisas para acalmá-lo
e logo, ao longe, outra professora me deu um sinal dizendo que era
mesmo melhor não fazer nada. Ufa! Estava no caminho certo. Depois
de um bom tempo de conexão com seu choro, eu mesma fui me
acalmando e me veio a ideia de ir no solário ver a chuva. Fui
conversando com ele e fui percebendo, nas pequenas paradas no meio
do choro intenso, algumas brechas para me conectar com ele. Comecei,
então, a contar a História do menino: “Era uma vez um menino...”,
história essa que falava dele mesmo, de sua viagem à casa dos
parentes, à volta para a creche, da alegria de estar com a família, da
tristeza ao se despedir, enfim, tudo, mas na vida de outro menino. Ao
fim da história, o menino, depois da história, voltou para brincar com
seus amigos na creche e lá fomos nós, de volta ao salão, brincar. Hoje
ele me viu e disse: “Lembra da história do menino?”. Foi bonito! Foi
marcante para nós dois esse momento.’
Neste relato, vários elementos dos encontros e desencontros aparecem: a educadora
que não sabe o que fazer para mudar a situação, ela incomodada com o olhar externo, a
educadora que sente necessidade de intimidade com a criança, para então também se acalmar
e daí dar espaço interno para que surja a conexão entre as pessoas e deste silêncio presente, a
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história acontece, e a criança vai se acalmando, se vendo, se encontrando com esta professora
e consigo mesma.
Considerações finais
Quando pensamos em compartilhar aqui as contribuições que essa experiência trouxe
para o nosso trabalho com as crianças, nos deparamos com a dificuldade de sistematizar essa
parte.
A “história do menino” foi uma maneira que encontramos de falar sobre um dos
aspectos desse percurso. Quando a professora conta essa história para a criança, ela dá nome
para sentimentos que essa criança pode estar experimentando, para o que ela sente e interpreta
aquela situação vivida por ela e pela criança. Dá lugar para tudo isso numa história, dá nomes,
colocando para fora (de si e da criança).
O percurso que pudemos vivenciar nesse grupo de trabalho foi algo que deu lugar, pôs
para fora, criou um espaço para o que já vivíamos com as crianças. Porém, o fato de criarmos
espaços de troca (o caderno de registros, as conversas) criou em outro lugar para tudo isso
(dentro de nós, nas nossas relações e na creche). Se a história do menino cria um outro
menino que não é mais aquele que está no nosso colo. Escrever sobre um desencontro, ouvir
sobre as dificuldades vividas por outras professoras, organizar uma fala ou uma escrita sobre
afetos, angústias ou boas intervenções e brincadeiras dá lugar a isso no nosso dia a dia e
dentro de nós.
Essa experiência nos trouxe mais situações de conversas entre as professoras sobre as
crianças e sobre as relações que estabelecemos com elas e sobre os momentos de encontros e
desencontros. Pudemos observar de uma maneira diferente daquela que já fazíamos e nossos
relatos no caderno de registros faziam essas observações serem compartilhadas e elas
tomavam outro lugar no cotidiano.
Falamos nessa apresentação dos encontros e desencontros, mas se o desencontro só
existe no encontro, o que fazer quando não acontecem esses encontros? Quando a criança
demanda pouco de nós? E nos escapa no dia a dia? Como criar um vínculo mais próximo? A
partir dessa percepção, nos colocamos o desafio de promover o encontro com quem não
temos encontrado. Olhar, saber sobre a criança para encontrar um assunto em comum, criar
uma história dessa relação, uma narrativa que nos coloca na relação com a criança.
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Pudemos perceber a vulnerabilidade que está envolvida nessa experiência, que nos
permitiu abdicar do lugar de saber, nos colocarmos num lugar de incerteza, de fragilidade.
Quando acontece essa conexão, que passa por essa vulnerabilidade de não saber, traz de novo
o saber, mas um outro saber. A luz no fim do túnel não é necessariamente uma coisa
maravilhosa que acontece no final dessa história, mas essa conexão verdadeira com o outro.
Para falar sobre nossa incompletude (Victor Guerra, 2013, p. 37) com nossas colegas
de trabalho criamos e experimentamos um espaço de confiança com esse grupo. E isso traz a
possibilidade de nos cuidarmos mutuamente. Uma passagem do texto de Victor Guerra fala:
‘a ética dos cuidados começa por cuidar da cuidadora e tratar de entender as mudanças que
acontecem em seu mundo afetivo, para cuidar de um bebê’ (2013, p. 38).
Para finalizar, mais trechos desses autores que em si expressam sua contribuição:
‘Pelo fato de que constantemente nascem seres humanos no
mundo, o tempo está sempre aberto a um novo começo: ao
aparecimento de algo novo que o mundo deve ser capaz de receber,
ainda que, para recebê-lo, tenha de ser capaz de se renovar; à vinda de
algo novo ao qual tem de ser capaz de responder, ainda que, para
responder, deva ser capaz de se colocar em questão.’ (Larrosa, 2010, p.
189).
‘Talvez só nos reste à difícil aprendizagem de nos colocarmos à
escuta da verdade que os que nascem trazem consigo. Mas isso exige a
renúncia a toda vontade de saber e de poder, a toda vontade de domínio.
Só na espera tranquila do que não sabemos e na acolhida serena do que
não temos, podemos habitar na proximidade da presença enigmática da
infância e podemos nos deixar transformar pela verdade que cada
nascimento traz consigo.’ (Larrosa, 2010, p. 196).
‘Do desencontro violento ao prazer compartilhado...vivências
opostas, paradoxais, trama de tons diversos conformados pela paleta de
cores que nos permite pintar a paisagem da condição humana.(...) E,
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como um quadro, a versão final “da obra” será, afortunadamente, um
mistério aberto para a vida.’ (Guerra, 2013, p.47).
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Referências bibliográficas
GUERRA, Victor. A ética dos cuidados: o complexo do arcaico e a estética da
subjetivação. In: MARIN, Isabel Kahn, ARAGÃO, Regina Orth de (orgs) Do que fala o
corpo do bebê. São Paulo: Escuta, 2013, p. 37 - 48.
LARROSA, Jorge. O enigma da infância – ou o que vai do impossível ao verdadeiro.
In: LARROSA, J. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascaradas. Belo Horizonte:
Autêntica, 2010, p. 183 – 198.
MILLER, Alice. São os educadores que precisam da pedagogia, não as crianças. In:
No princípio era a educação. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 111-117.
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Um novo espaço de brincadeiras – O olhar do Educador
Cláudia Renata Gutierrez1
Vera Regina Fabri2
“(...)que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem
barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a
coisa produza em nós”.
Manoel de Barros
O atual relato traz uma experiência vivida por nós, autoras do texto, no ano de 2014, em
um Centro de Educação Infantil (CEI) no município de Campinas/SP. Neste ano, pela
primeira vez, o CEI foi organizado com duas turmas de agrupamento I, crianças entre 0 a 2
anos (antes era apenas uma), que permaneciam na unidade em período integral, além das
crianças de 3 a 6 anos.
Em momentos de planejamento entre as professoras dessas duas turmas se destacou a
necessidade de transformar o espaço físico das salas em ambientes desafiadores e
estimulantes para as crianças. Algumas pequenas alterações foram feitas, como a mudança de
objetos de lugar, disponibilização de materiais diversificados (tecidos, frutas, utensílios de
cozinha, bolas), mas havia dificuldade em manter os ambientes assim organizados por conta
desse espaço ser pequeno e utilizado também para a troca e o repouso das crianças.
Partindo desta necessidade, e com apoio da equipe gestora, as professoras optaram por
elaborar um projeto complementar à sua carga horária em que fosse possível modificar outros
espaços da unidade em que o ambiente de brincadeiras pudesse ser mantido.
Compartilhando dos questionamentos de HORN (2004. p.14) partiram em busca de
caminhos possíveis para mudanças rumo a uma educação infantil significativa e de qualidade.
Depois de elaborar o projeto foi necessário divulgar a proposta e comunicar as intenções deste
novo ambiente a todos os profissionais da unidade. Conscientes de que as mudanças nos
espaços também interferem nas relações cotidianas, ressaltamos que ali seria um espaço para
todas as turmas brincarem e que depois de organizado as crianças poderiam explorá-lo à
vontade.
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Foram realizadas leituras diversas e pesquisas na internet para levantamento de
possibilidades de materiais não estruturados e usos diferenciados para os mesmos, além disso,
uma das professoras buscou um curso para embasar este trabalho e foi a partir de uma das
provocações do mesmo que surgiu a primeira modificação no pátio interno da unidade: “o
espaço natureza”.
O exercício de olhar para aquele pequeno espaço (parte de antigo jardim de inverno
desativado) visando transformá-lo em um cantinho da natureza foi gradativamente
despertando ideias e com a ajuda da Orientadora Pedagógica da unidade foi decidido que ali
seria montado um ambiente sensorial usando elementos que encontramos na natureza e que
aguçassem os sentidos da criançada (e dos adultos também).
Assim, foi pensado que em uma das extremidades do jardim seriam pendurados
elementos com texturas variadas, no outro colocaríamos saquinhos com diferentes cheiros e
numa terceira parte penduraríamos garrafas com grãos diversos para estimulação sonora, além
de uma cabana com folhas de palmeira.
Ideia esquematizada, hora de recolher materiais. A colaboração de outras pessoas
também foi bem-vinda trazendo penas de galinha, sabugos de milho, casca de coco, garrafas
vazias, sementes de vários tipos, essências e a disposição para a construção deste ambiente.
Durante a montagem foram surgindo alguns comentários curiosos por parte de adultos e
crianças:
- "Que vocês estão fazendo? Posso ajudar?" MS
-" Nossa onde você achou essas sementes? Posso pegar? Nunca vi por aqui esse tipo de
semente." MT
- "Que vocês estão montando? Cantinho da natureza, que legal, que legal! Eu adoro essas
coisas." V
- "Ficou bem interessante. Lá em casa essas coisas iriam para o lixo." G
- "Que cê ta fazendo, tia? Que é isso? Criança de 3 anos apontando para uma das sementes na
mesa
-"Eheheh!" Criança de 2 anos ao avistar as sementes e garrafas penduradas.
- "Ah uma cabana pro Lobo Mau!" Criança de 3 anos.
A partir da afirmação de HORN, que diz que “O olhar de um educador atento é sensível
a todos os elementos (...) O modo como organizamos materiais e móveis, e a forma como
crianças e adultos ocupam esse espaço e como interagem com ele são reveladores de uma
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concepção pedagógica. ” (2004, p.15) foram propostos momentos programados para
exploração deste ambiente com cada uma das turmas juntamente com a presença das
professoras responsáveis pelo projeto que interagiam intencionalmente com as crianças,
brincando com elas, fazendo perguntas e registrando as reações das mesmas.
Além disso, o ambiente era explorado livremente por todas as crianças em diferentes
momentos de trânsito entre um espaço e outro da unidade, transformando-se de um espaço de
passagem em um ambiente brincante, cheio de possibilidades, desafios e descobertas.
Algumas crianças corriam por todo o jardim e sem pisar nas plantas (ninguém disse nada
sobre pisar nas plantas), fazendo dos coqueiros obstáculos nessa corrida. Outras gostaram de
brincar com as folhas da palmeira que estavam no chão, depois que o vento derrubou da
cabana, usando-as como vassouras, como asas e observando seu balanço ao vento com os
olhos bem fixos. Outras ainda passavam algum tempo pegando as sementes e outros materiais
pendurados. Houve quem se interessasse pelas penas, tanto por assoprá-las quanto pela
cócega no pescoço, bem como pelo balanço da corda em que estavam pendurados os
cheirinhos. Os sons emitidos pelos diferentes tipos de sementes colocados dentro das
garrafas/chocalhos foram constantemente testados pelas crianças.
Este ambiente ficou exposto como cantinho de brincadeira por algumas semanas e deu
lugar ao plantio de flores, organizado por outro projeto. Os olhares se voltaram pra este
espaço que começou a se transformar e trazer mais cor e alegria para nossa Unidade.
Depois desta experiência sensorial começamos a pensar em outro ambiente que
proporcionasse o movimento. O espaço escolhido foi o corredor interno por conter pilares,
disposição que favoreceria a colocação de cordas para pendurar objetos, possibilitando o uso
tridimensional do espaço, com um olhar diferenciado os materiais suspensos.
Este espaço necessitou que os objetos fossem regulados ao tamanho das crianças, visto
que havia crianças de 0 até 6 anos. Propusemos o uso de materiais de baixo custo e que
pudessem dar mobilidade de criação para as crianças inventarem suas próprias brincadeiras,
além de materiais reutilizáveis em que as crianças menores colaboraram com pinturas.
Assim utilizamos para compor este segundo espaço: cestos grandes de plástico; cestos
pequenos da coleta seletiva; caixas de papelão; rede de construção; tela de nylon; bambolês e
bolas de diferentes tamanhos, pesos e texturas.
Com materiais em mãos, começamos a montar o espaço que teria: rede de vôlei; rede
suspensa para arremesso; baldes e caixas para serem utilizadas com brincadeiras com bola -
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ou não - e a cama elástica que continuou no espaço e virou piscina de bolas. Havia ainda
cartazes espalhados pelas paredes com algumas das possíveis formas de uso de cada material
ou da combinação deles. Durante a montagem novamente notamos a curiosidade das crianças
e dos adultos pela modificação do espaço e outras perguntas foram feitas: “Que cê ta fazendo
tia?”; “É pra brincar?” E foram experimentando o que estava pronto. Ex: se pendurando nos
bambolês suspensos; puxando as bolas penduradas com elástico e olhando fixamente para as
que ficavam dispostas na tela suspensa entre os pilares, como bem observado e comentado
por uma das educadoras “Antes eles (os bebês) andavam olhando para os lados, agora eles
olham para cima!”
Observações e Interações
Com o ambiente montado, começou a exploração!
Durante as brincadeiras notamos a interação das crianças com todos os objetos dispostos,
sendo que cada criança, ou pequeno grupo delas, demonstrava interesse por determinado tipo
de material, dando diferentes significados para os mesmos. Algumas deram maior ênfase às
bolas maiores, leves e de tecido que ganhavam maior impulso. A cama elástica também
continuou a ser um grande atrativo e as crianças demonstravam bastante alegria quando a rede
era abaixada e uma chuva de bolas tornava a mesma uma grande piscina.
Um dos grandes desafios se deu por conta da rede suspensa, nela bolas eram
arremessadas por crianças e adultos. As crianças ficavam desafiadas em como tirariam as
bolas lá arremessadas já que a rede estava intencionalmente um pouco alta, dificultando o
acesso das crianças. Algumas pegavam as cadeirinhas do pátio, outras jogavam mais bolas,
pois perceberam que a rede abaixava quando estava mais cheia e pesada, ficando mais
próxima. Quando não conseguiam pediam a ajuda dos adultos.
Cestos grandes tombados transformaram-se em traves de gol.
Quando planejamos a ida das crianças menores para explorarem o espaço bolas,
deixamos previamente as redes abaixadas (estavam amarradas nos pilares com cordinhas de
varal que possibilitavam a flexibilidade das mesmas), as bolas dispersas, assim como os
cestos e as caixas, tudo aleatoriamente organizado. Nós educadores num primeiro momento
ficamos observando quais seriam os interesses dos pequenos, quais usos fariam para então
intervir (ou não).
Assim, um grupo de crianças, em especial os bebês que engatinhavam, interessaram-se
mais pelas caixas, onde se apoiavam para dar alguns passinhos, sentavam dentro das mesmas.
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Uma das crianças maiores empurrou uma dessas caixas próxima à mureta do jardim e de
dentro dela apoiou-se a ficar observando a natureza.
Algumas dessas crianças gostaram de brincar de “vôlei” com os educadores, enquanto
outras usavam as caixas para armazenar as bolas, testando quais cabiam e quais não. O cesto
grande também ganhou vários usos com os bebês: rolavam o mesmo de um lado para o outro,
colocavam as bolas dentro dele ou eles próprios se escondiam lá dentro engatinhando.
Com as crianças maiores de 03 anos conversamos sobre o Espaço bolas antes da
exploração, sobre como havia surgido a ideia do ambiente e sobre os materiais disponíveis
para que criassem suas próprias brincadeiras ou aproveitassem também as sugestões expostas.
Com muito entusiasmo, as crianças experimentaram todos os materiais que compunham o
ambiente, havendo grande circulação e interação entre elas e entre elas e os educadores, que
juntos brincavam de vôlei, de bola ao balde.
Durante a exploração as observações eram feitas pelas professoras responsáveis pelo
projeto que em momento posterior, juntas, refletiam sobre as mesmas, analisando fotografias,
textos e consultando relatos de falas e reações das crianças, que permitiam perceber os
diferentes sentidos e significados dados pelas mesmas a cada objeto e a cada nova relação.
Algumas considerações...
Quando provocadas por uma nova organização de espaço/tempo/materiais as crianças
demonstraram maior espontaneidade, criatividade e imaginação;
As crianças pequenas observaram e perceberam muito facilmente as mudanças no
ambiente, desde as mais simples;
A combinação entre espaços amplos e materiais diferenciados proporcionou às crianças
maior autonomia de escolha, resultando em menos conflitos entre elas e em um tempo maior
de interesse pelos objetos escolhidos;
As descobertas feitas por cada criança se multiplicaram na interação entre elas e na sua
comunicação com os adultos;
O interesse das crianças foi fazer parte do espaço da brincadeira, explorando-o com o
corpo todo “entrar, sair, passar por dentro, etc.”;
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As mudanças feitas no espaço externo só foram possíveis através de horário
complementar à jornada de trabalho das professoras. Este permitiu maior tempo para
planejamento, seleção de materiais e organização diferenciada do espaço;
O trabalho coletivo, bem como formações externas, enriqueceram o trabalho e
motivaram os profissionais a pensar sobre suas práticas e a criar novas possibilidades;
Compartilhar concepções de infância e educação infantil permitiu um trabalho integrado
entre os diferentes seguimentos profissionais, o que é fundamental para que as mudanças
ocorram;
Foi gratificante perceber, ao observar o processo de transformação dos espaços, que o
trabalho despertou envolvimento da maior parte do grupo de profissionais;
O espaço previamente organizado de forma intencional possibilitou maior interesse das
crianças pela interação com os educadores e maior disponibilidade dos mesmos para brincar e
(re)criar com as crianças.
Bibliografia
As especificidades da ação pedagógica com os bebês. Revista Pátio, abril/julho 2010, ano
VIII, Nº 23.
CAMPINAS. Caderno Curricular Temático. Educação Básica: Ações Educacionais em movimento.
Volume I – Espaços e Tempos na educação das crianças. Prefeitura Municipal de Campinas, Secretaria
Municipal de Educação, Departamento Pedagógico. São Paulo, 2014.
FARIA Ana Lúcia G. e Palhares, Mariana S. (orgs). Educação Infantil Pós-LDB: rumos e
desafios. Campinas/SP. 1999.
HORN, Maria da Graça Souza. Sabores, cores, sons, aromas: a organização dos espaços na
Educação Infantil. Porto Alegre: Ed. Artmed, 2004.
VIEIRA, Flaviana R. e GOZZI, Rose M. A Estética como marca da Cultura. In: MELLO,
Ana Maria (et al.) O dia a dia das creches e pré-escolas: crônicas brasileiras. Porto Alegre:
Artmed, 2010.
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O meu espaço na creche
Claudia Hellen S. Vieira17
Diante da necessidade dos educadores do Centro de Educação Infantil (CEI) Casa da Criança,
creche conveniada da rede municipal de São Paulo, de reorganizar os espaços institucionais,
favorecendo as ações das crianças, tendo por referência os eixos e os princípios da Pedagogia
da Infância, o brincar e a interação. Foi desenvolvida uma formação continuada dos
profissionais em parceria com duas pesquisadoras, membros do Contexto Integrado de
Educação Infantil (CIEI) FEUSP. A formação versou sobre a construção de um olhar voltado
para as necessidades das crianças e a otimização do uso dos espaços, tempos e materiais para
a interação e o brincar infantil. As temáticas criança, brincadeira livre, espaço/ambiente, papel
do adulto foram o foco dos encontros. A partir das análises das experiências cotidianas, as
concepções e as práticas educativas foram se transformando sob a orientação da equipe
gestora.
Palavras-chave formação continuada, Criança, brincadeira livre, espaço,
17
Pedagoga, Coordenadora Pedagógica CEI Casa da Criança da Vila Mariana – Integrante do Contexto
Integrado de Educação Infantil – (CIEI) FEUSP
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ÁGORA: ocupações infantis dos processos de escolhas e tomadas de
decisão acerca da rotina e do currículo
Cláudia Pereira de Souza18
Elaine Dantas Valério19
Resumo
Este relato objetiva apresentar uma experiência desenvolvida com crianças de 3 a 4
anos realizada em um Centro de Educação Infantil localizado no bairro periférico da cidade
de São Paulo, chamado Cidade Tiradentes. A metodologia das Assembleias se apresentou
como possibilidade de escuta atenta e qualificada da voz das crianças pequenas. Na sociedade
do consumo, a criança sempre ficou aquém dos processos de tomadas de decisão do universo
adulto, isso se refere, às decisões inerentes ao mundo infantil. Assim, foi necessário pensar
estratégias para colocar a criança no centro da roda, promovendo sua autoria. No CEI Mário
Pereira Costa, tal processo gerou mudanças no planejamento da rotina e no olhar para os
espaços. Observamos que as crianças, a partir da mediação da professora e com a colaboração
da Diretora, contribuíram para a ressignificação do tempo, dos espaços e dos materiais da
Unidade Educacional.
Palavras Chaves: Protagonismo; Assembleia; Direito; Voz Ativa; Escuta.
Relato de Experiência
Neste ano 2015 eu, Cláudia Pereira de Souza, estou como Educadora da turma de Mini
II, no Centro de Educação Infantil Mário Pereira Costa. Fazem parte dessa turma 20 crianças
18
Graduada em Pedagogia pela UMC – Universidade de Mogi das Cruzes, turma de 2011. Professora de Educação Infantil
do Centro de Educação Infantil Mário Pereira Costa, Unidade da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, situada no
bairro de Cidade Tiradentes, Extremo Leste, periferia da cidade de São Paulo.
19
Graduada em Pedagogia pela UNESP Campus Marília– Universidade Estadual Paulista- Júlio de Mesquita Filho- Marília.
Diretora de Escola do Centro de Educação Infantil Mário Pereira Costa, Unidade da Secretaria Municipal de Educação de
São Paulo, situada no bairro de Cidade Tiradentes, Extremo Leste, periferia da Cidade de São Paulo.
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com idade de 3 a 4 anos. Divido uma sala com outra educadora que também possui uma
turma de mini II com, mais 20 crianças. Essa é a turma Mini II – C e D.
Sabendo que a média de frequência, considerando as duas turmas, é de 30 a 35
crianças, notei a necessidade da divisão dos agrupamentos para melhor aproveitamento da
rotina e bem estar, assim, acredito assegurar o desenvolvimento efetivo das crianças.
Conversei com a Educadora Mirlândia, responsável pela turma D, e decidimos pela
separação das turmas. Nós recebemos as crianças na sala e, após o café eu rodízio com o
agrupamento C, a partir das indicações contidas na linha do tempo e, assim, usufruímos das
salas e espaços desocupados.
As crianças do Mini II – C, são dinâmicas e participativas, estão descobrindo as
possibilidades
da
linguagem.
Colocam-se
intensamente
como
sujeitos,
de
seu
desenvolvimento, sendo autores a partir da necessidade de participarem da organização diária
da rotina.
Em nossa cultura as crianças nunca ocuparam lugar de destaque na sociedade. É
novidade para muitas pessoas e, infelizmente para muitos educadores, afirmar que as crianças
desde os primeiros minutos de suas vidas se comunicam com o mundo. A partir desta
afirmação é que fundamentamos o nosso trabalho. Para termos mais subsídios sobre o
assunto, vejamos o que nos informa a Orientação Normativa n.º 01: Avaliação na Educação
Infantil: aprimorando os olhares.
Destaca-se que considerar as falas e expressões das crianças e bebês,
carregadas de indicações sobre como os mesmos pensam a escola da
infância constituem-se em um valioso subsídio para a construção de
espaços mais ricos e significativos para eles, considerando seus
interesses e necessidades. Nesse sentido, a instituição de Educação
Infantil é pensada para e com as crianças e suas famílias. (SME/DOT,
2014 p. 2)
Deste modo temos a certeza de que precisamos por meio de nossos planejamentos
pedagógicos promover espaços que garantam uma escuta qualificada das falas das crianças e,
assim, fazer com que de fato, sejam elas protagonistas da rotina e de seu aprendizados.
Na linha do tempo do CEI, existem os momentos em que as duas turmas, C e D,
dividem a mesma sala, uma dessas ocasiões acontece no horário de vídeo. E foi num desses
espaçotempos de nossa rotina que a, Educadora Mirlândia e eu, podemos presenciar um
profundo exemplo de participação das crianças.
Num certo dia, enquanto os educandos assistiam ao vídeo do Palavra Cantada o
aparelho de DVD parou de funcionar. Imediatamente as crianças começaram a reclamar e
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questionar o motivo do defeito. Depois de tentativas de conserto, foi impossível continuar
com a programação.
A Educadora Mirlândia e eu, explicamos que as crianças deveriam reivindicar o
direito a um novo aparelho de DVD junto a Sra. Elaine – Diretora do CEI. Duas semanas
depois ao fato, as crianças do mini II, enquanto a Diretora passava na sala, comentaram o
ocorrido. Alguns lembraram da necessidade de a escola adquirir um novo aparelho de DVD e
que tinham o direito de argumentar com a Diretora.
Em outros momentos passando pela mesma situação, sinalizamos novamente que eles
teriam o direito de pedir e argumentar com a Diretora. Salientamos também que, nós
educadoras, falaríamos a respeito do aparelho com a Elaine.
Trabalhando a rotina e as mudanças de sala do mini II C as crianças questionavam o
porquê de ir de uma sala para outra, porque não ir ao parque, porque tal atividade na rotina.
Por vários momentos as crianças insistiam questionando, o porquê da separação das turmas,
sendo que dessa forma, momento ou outro da rotina, um agrupamento ficaria sem sala.
Explicava que a sala existia, porém, para melhor aproveitamento e, com menor número de
crianças, seria mais tranquilo para todos. Perguntei se apesar de mudar de espaço estavam
gostando de trabalharem em um grupo menor, disseram que sim. Então em comum acordo,
combinamos que seguiríamos dessa forma, separando as turmas.
Dentre tantas observações da turma e sua forte vontade em participar e questionar a
rotina que lhes era proposta diariamente decidi trabalhar com eles o processo de autoria
infantil, por ter a convicção dessa possibilidade, através da metodologia de Assembleias.
Iniciei explicando o significado da terminologia e qual seria o sentido de seu
desenvolvimento. De modo que percebessem que o espaço educacional e coletivo e deve ser
usufruído e gerido por todos que dele fazem parte. As crianças se animaram com a ideia e
demos inicio a esse processo.
No dia 20 de maio de 2015 iniciamos com uma roda de conversa, na qual, perguntei se
alguém saberia o significado da palavra assembleia. Todos pensaram e não expressaram nada.
Retomei e disse para eles se tratar de um momento em pessoas se reúnem em espaços
públicos e/ou coletivos para questionarem e deliberarem sobre assuntos que fossem de
interesse de todos.
Expliquei que o espaço do Centro de Educação Infantil Mário Pereira Costa é público,
de usufruto da comunidade educativa e que meninos e meninas, famílias, educadores e
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comunidade tinham o direito de intervir naquilo que julgassem necessário para a melhoria do
ambiente.
A princípio foi muito interessante, pois para as crianças, o ato de pedir ou questionar
algo, poderia ser feito somente para o pai, a mãe ou algum membro adulto da família. Não
faziam essa relação quando o sujeito se torna a escola. Aqui podemos perceber o quanto
nossas escolas, ainda servem como massa de manobra do sistema, na formação de pessoas
submissas que não ofereçam risco a ordem estabelecida.
Num segundo momento perguntei o que eles gostariam de pedir, sugerir, questionar
em relação ao espaço escolar e que todas as suas queixas seriam encaminhadas para a Elaine,
Diretora do CEI. Comecei a instigá-los e iniciei a gravação como registro pedagógico.
Perguntei20: “- Vivi você sugere algo, quer pedir?” No momento preferiu se manter em
silêncio. Continuei: “- O que você gosta ou não na escola?” E o silêncio permanecia.
Perguntei para a Carol e, ela respondeu: “- A boneca que ganhei da minha mãe esta
em casa.” Eu disse: “ - Que bom Carol, mas o que você gostaria de dizer algo que a escola
precisa?”. Ela respondeu que não.
Percebi que gravá-los não os deixava a vontade. Perguntei se preferiam que parasse a
gravação e responderam que sim.
Afinal quem fica a vontade em falar com um celular em sua direção?
Até que ao questionar o Davi ele disse: “- Brinquedo”.
“Mas você acha que não temos brinquedos o suficiente?” argumentei. Pensaram e o
Wesley respondeu: “-Mas boneco do Hulk, não tem, prô.”.
Respondi: “- Realmente, esse boneco não tem. Que bela observação Wesley.”
“- E, o que mais?”. Questionei
“- Boneca, prô!” Disse a Leticia.
Prontamente argumentei que bonecas têm na escola. Leticia, logo respondeu que
boneca bonita não, pois as bonecas não possuíam cabelos e nem roupas.
As outras crianças complementaram dizendo que as bonecas não tinham shorts e nem
calcinhas.
Fiquei feliz, pois realmente as bonecas do CEI não estão em bom estado de
conservação e não eram tão atrativas para as crianças, fato que era normal, tendo em vista que
os brinquedos são bem explorados por eles.
20
Todos os diálogos e assembleias foram registrados em vídeos.
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Continuei provocando-os e, o Caio falou “- Carrinhos!” eu disse “- que carrinhos para
brincar eles tinham e, que não poderiam dizer ao contrário para a Elaine.
A Heloisa foi pontual quando disse: ”- Bombeiro não prô!”. E os meninos
continuaram: “- Policial, ambulância, avião.
Entendi que eles gostariam de ter carrinhos referentes às profissões.
A Heloisa pediu fantasia da Frozen21. Disse para ela que o CEI já tinha as fantasias e
que o fato é que não havíamos utilizado ainda.
Ela disse que queria a da Frozen, e, o Davi disse, que não poderia faltar a do príncipe
Kristoff. Claro que as motocas apareceram.
Para mim, enquanto professora de Educação Infantil, estava sendo um momento
maravilhoso e mágico. Afinal realmente as crianças de CEI possuem extremo potencial para
argumentar, justificar, e contribuir para um espaço que de fato é deles.
Talvez de modo utópico esperamos que num futuro não muito distantes as educadoras
e educadores da Educação Infantil se conscientizem da potencialidade de participação das
crianças e consigam de fato escutá-las. Esse pressuposto já figura em muitos documentos e
publicações de autores ligados à educação. Em 2015, por exemplo todas Unidades de
Educação Infantil do Município de São Paulo avaliaram seu serviço por orientação da
Secretaria Municipal de Educação.
Essa avaliação foi orientada por um rico documento produzido por diversos
educadores das escolas diretas e indiretas da prefeitura, e o documento dos Indicadores da
Qualidade na Educação Infantil Paulistana em diversas vezes toca no assunto da participação
das crianças:
Para concretizar tais objetivos no cotidiano educacional, as
educadoras e os educadores precisam favorecer e potencializar a
participação, a autonomia de bebês e crianças, compartilhando
propósitos, considerando as colocações infantis, negociando pontos de
vistas e significados, conversando, tomando decisões conjuntas,
garantindo e valorizando suas criações. (SME/DOT, 2015 p. 63).
Ou seja, de fato as assembleias se mostram como metodologia eficaz no processo de
participação democrática e autonomia das crianças. Esperamos que a Avaliação da Educação
Infantil no município de São Paulo sirva como motor para estimular esse processo em todas
as Unidades.
21
Animação infantil – longa metragem - da Disney, 2013, dirigido por Chris Buck e Jennifer Lee. Conta a
história de uma princesa do gelo que vive um romance com o jovem Kristoff.
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Após tantas experiências significativas, encerramos o inicio desse momento de
Assembleia. Disse que depois colocaríamos no papel todos os pedidos e entregaríamos a
Diretora. E que toda assembleia deveria ser registrada, ou seja, faríamos um documento em
que eu seria a escriba deles e quando todos estivem de acordo entregaríamos a Elaine
assinado.
No dia 27 de maio retomei com eles e perguntei o que mais gostariam de pontuar. A
Leticia voltou a pontuar a importância de mais brinquedos:¨ “- Pro com mais brinquedos não
tem menos briga, tem brinquedo pra todo mundo. O que tem é chato, tem pouco¨.
As meninas logo se lembraram da bolsa de mulher. ¨- Pro a gente quer bolsa de
mulher¨.
Fui registrando na lousa e disse que quando terminássemos iria digitar, expliquei que,
o texto para documento faríamos depois de realizar o levantamento daquilo que eles pediriam.
Disse que no documento não poderíamos deixar de sinalizar o local do qual
escreveríamos o relato. E, no momento em que escrevi na lousa o nome São Paulo, indicando
o local, cidade em que morávamos, o Davi disse.
¨- São Paulo. Eu não moro em São Paulo.
¨- Você mora onde então Davi?”
Ele respondeu: “- Cidade Tiradentes.” ¨Não... Eu moro longe, mas não nesse lugar¨.
A turma logo se manifestou e, eu expliquei para eles partindo do micro com o objetivo
de alcançarmos o macro. Disse que eles moram numa casa que fica em uma vila chamada
Santa Etelvina e, que esta vila está localizada no bairro de Cidade Tiradentes, e, este bairro
fica dentro do município de São Paulo – Estado de São Paulo, país Brasil. Disse que traria um
mapa que apresenta o mundo e suas cidades e países. E que tínhamos ainda o mapa da cidade
São Paulo.
As crianças ficaram ansiosas para verem os mapas e me cobravam a todo o momento,
de modo a não me deixarem esquecer.
Esse momento para mim foi de enorme aflição, afinal como trabalhar localização com
crianças tão pequenas? Até onde poderia ir? Como deixar claro para que as crianças
entendessem que moravam em São Paulo?
Conversei com a professora Christiane dos Santos Ramos e perguntei se ela poderia
me ajudar nesse momento? Ela me disse para apresentar os mapas partindo, do macro para o
micro, e que eles dariam a sinalização de onde partir.
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No dia seguinte continuaram as cobranças e a euforia era grande. Como a escola não
possuía um mapa, pedi ao professor Mário que me emprestasse o dele. Peguei também, na
internet o mapa de São Paulo, para acalmar a ansiedade das crianças.
Realizamos a roda de conversa e todos demonstraram interesse, expliquei novamente
do micro para o macro e prometi os dois mapas maiores. Durante esse intervalo expliquei a
importância de termos dois representantes de sala e disse a necessidade do porque teríamos
que escolher.
Todos ficaram em silencio e disse que seria interessante ter um porta-voz para melhor
organização assim, por exemplo: disse que a sala da diretora era pequena e que não iria caber
todas as crianças no momento da entrega do documento final. Além disso, conversamos sobre
a importância de elegermos pessoas que poderiam representar o grupo todo e que é, dessa
forma que se organizam todos os grupos num sistema democrático.
Completei dizendo que, as crianças eleitas representantes da turma, seriam
responsáveis por encaminharem todas as propostas levantadas nas Assembleias.
Passado alguns dias, realizei o processo de escolha dos representantes, expliquei que a
criança que desejasse representar a turma, poderia se candidatar e, que a escolha seria através
de voto. Como as crianças do Mini Grupo II-C por vezes apresentam características
egocêntricas, pedi para que não votassem em si, porque assim não conseguiríamos chegar ao
escolhido.
Não teria como todos serem representantes então coloquei a seguinte proposta: ¨Pense no colega que você gostaria que fosse o nosso representante.” Questionei um por um e
esperava ouvir tudo, como por exemplo: ouvir o colega do lado dar o mesmo voto do anterior,
esperava que se recusassem a participar por timidez; inocência minha, pois no fim, 12
crianças se candidataram.
Qual não foi a minha surpresa, pois ao realizar o processo de votação, percebi que as
crianças estavam combinando votos. Não de forma a fazer campanha para o amigo, mas sim
cochichando para decidirem em quem iriam votar.
Percebi em um dado momento em o quanto eles estavam aquém do processo, poxa as
crianças já sabiam como se organizava o sistema de votação ao ponto de combinarem seus
votos.
Pedi que deixassem os colegas escolherem em quem iriam votar e orientei que não
seria bom influenciar os votos das crianças.
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Ao iniciarmos a votação, cada criança pensava antes de dizer em quem iria votar. A
Alice que foi a primeira não quis falar logo e pediu para pensar, acabou por ser a ultima a
pronunciar o seu voto. Por fim, os eleitos para entregarem o documento para a diretora foram
o Kaio e como suplente, a Heloisa.
Confesso que diante o caminhar dessa ação, desde o inicio até o momento atual,
comprovei de forma clara o quanto, o professor de educação infantil tem para aprender com
as crianças e o quanto precisa desenvolver o processo da ação reflexão ação em seu
planejamento pedagógico. Alem disso, o que tornasse necessário fazer para não tornar
maçante ou tirar o encanto das crianças no momento em que se descobriam autores de sua
própria rotina.
Com isso resolvi propor às crianças trabalhar toda quarta-feira com a rotina móvel22.
Expliquei que teriam a possibilidade de escolherem as atividades, disse também que algumas
coisas não poderiam mudar, como por exemplo: a hora do suco, a hora do almoço e
determinadas atividades sugeridas, poderiam não entrar na rotina móvel, por conta da linha do
tempo.
Além disso, tenho desenvolvido o projeto de Artes com eles, uma vez que deixaram
claro o quanto apreciam a pintura, a massinha, música, enquanto a expressão do corpo.
Eles adoraram o momento das rotinas móveis, que, passaram acontecer toda semana.
Sempre que necessário proponho outras possibilidades, para que eles, percebam o leque de
atividades que podem realizar.
O quanto ainda tenho por caminhar e ver a importância da primeira infância, o quanto
as crianças tem por oferecer e que não são apenas seres que necessitam somente de cuidados
físicos . Tive a oportunidade de perceber que por vezes as subestimamos como educadoras,
dentro de suas potencialidades.
Não somente eu , mas durante esse processo ao contar para as colegas de trabalho o
que as crianças
falavam e pediam, deixavam as outras professoras com um olhar de
admiração e de espanto.
“- Nossa eles estão assim? Já estão nesse processo de organização das ideias?”.
22
Entende-se por rotina móvel, quando a rotina planejada e organizada previamente pela educadora, não se torna
algo rígido – inflexível, podendo assim ser alterada ao longo do dia a partir das necessidades das crianças e dos
espoçotempos da escola.
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É notório o quanto os próprios profissionais do CEI, ainda veem a primeira infância
com o olhar apenas do bem estar físico e, esquecem-se do potencial que existe nas crianças, a
vontade e disponibilidade para conhecer o novo, o olhar que brilha à cada nova descoberta e
que o cuidado também vem da escuta, do olhar do professor para a criança, sendo que a partir
dessa escuta e atenção cuidadosa, as próprias crianças conduzem, mostram a direção da qual
seguir, são autores de sua trajetória. Momentos em que mostram o quanto devemos ser
flexíveis, atuantes e mediadores a todo instante.
O quanto é importante revermos a todo instante nossa função social, o que espero da
criança, o quanto da minha função social levo para ela. O que realmente estou propondo,
fazendo, mediando que traga cada vez mais à criança o prazer e vontade de conhecer cada vez
mais.
Quando levei finalmente os mapas foi extremamente empolgante para eles. Olharam,
questionaram as bandeiras, lugares, mais uma vez voltou toda a reflexão: Até onde eu,
professora, estava caminhando bem, até onde a atividade não se tornaria maçante. Será que
somente levar os mapas seria o suficiente para eles. Retomei toda explicação do micro para o
macro e para complementar, trouxe para eles o vídeo do Palavra Cantada: O Menino.
O vídeo trabalha justamente localização do micro para o macro. Pedi que prestassem
atenção. Por fim preguntei se tinham entendido e preguntei para o Davi se agora ele morava
em São Paulo. Ele olhou para mim e deu um sorriso.
Passado alguns dias e sempre preferi deixar as terças para as Assembleias, perguntei se
poderíamos fechar a lista de necessidade para escrevermos o texto. Claro que agora eles
pediam o mapa. Perguntei por que e Leticia simplesmente respondeu para ver o mundo.
As crianças estavam ansiosas e perguntei se queriam a presença da Elaine para terem
uma primeira conversa com ela e, todos disseram que sim. A diretora Elaine ficou a par de
todo o processo, uma vez que seria com ela que as crianças conversariam.
Gravei este dia e quase todas as crianças falaram. Foi muito bacana ver a desenvoltura
deles e o quanto estavam dispostos. Disseram tudo e ainda complementaram. A Vitoria disse
que precisa ter banheira e chupeta.
A Elaine perguntou:
“- Para vocês?”
As crianças responderam:
“- Não é para as bonecas.”
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470
Por fim decidimos que estava no momento de escrever o texto.
Depois de uma semana começamos o texto. Então, expliquei para as crianças que elas
falariam e eu escreveria na lousa. Lembrei que primeiro colocaríamos o local onde o
documento foi escrito São Paulo.
Disse também que para iniciar devemos colocar o nome para quem o documento é
destinado. Responderam para a Elaine e em seguida perguntei novamente e qual sua função
aqui. Disseram diretora.
Nesse momento eu, enquanto educadora me perguntei se deveria corrigir a escrita
deles no documento, pois ainda não possuem a organização gramatical e textual em suas falas.
Será que uma das opções antes de partir para o texto seria, por exemplo, eles
desenharem o que gostariam e fazer uma roda de conversa com a Elaine? O que tornaria
menos maçante? Enfim conduzir um trabalho sem tirar o prazer das crianças e instiga-las cada
vez mais complexo requer dedicação do professor e como já disse constante reflexão.
Com esses questionamentos decidi continuar. O mais interessante no momento da
construção do documento foi a participação das crianças. Elas foram construindo
coletivamente. A Heloisa nesse dia falou:
¨- Nossa pro quantas letras você usa!¨
“- É mesmo.” disse Vitoria! As crianças acompanhavam interessadas, e deixei para
continuar na próxima semana. Procurei a professora Christiane para saber até onde poderia
intervir no texto das crianças. Ela disse que poderia realizar tranquilamente e, apontar a
maneira correta de escrever. Procurei a Christiane pela bagagem de formação quanto ao
processo de alfabetização e letramento.
Quando retornamos com o texto apontei para as crianças que a fala deles ¨-Nós quer,¨
precisava ser colocado de forma mais formal no texto e o correto seria ¨- Nós queremos.¨
O documento ficou assim:
São Paulo, 18 de junho de 2015
Senhora Diretora Elaine
Nós queremos boneca porque está feia, não tem cabelo, não tem roupa e não tem
calcinha.
É pouco, se tivesse mais não tinha briga. Não está funcionando a caixa de som e está
raspando o DVD.
Queremos mapa para ver o Planeta Terra. O mundo conhecer.
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Queremos mamadeira, chupeta, banheira para as bonecas.
Os meninos querem mais carrinhos: bombeiros, avião, policial. Bonecos também tipo
Hulk.
Fantasia da Frozen e do príncipe Kristoff, mais motocas e bolsa de mulher.
Mini II C.
Representantes de sala:
Kaio Ruan Santos de Souza;
Heloisa Felix Nogueira.
Mantive o texto sem grandes intervenções para garantir as falas das crianças. Disse
para elas que iria digitar e ler novamente para que dessem o aval. E assim foi feito.
O ultimo momento foi ler e depois chamar os representantes de sala para assinar o
documento expliquei que a assinatura valida o pedido do documento. Chamei a Elaine e disse
para o Kaio entregar o documento. Ela leu e disse que daria a devolutiva por escrito. Depois
disso entramos em recesso escolar.
Diante de todo o ocorrido posso dizer que por varias vezes não cansei de elogiar as
crianças e de falar delas para os colegas de trabalho.
Por vezes ouvi que esse trabalho começa a ser desenvolvido somente no fundamental
II ou ensino médio. Autoria, voz ativa que se iniciam tardiamente quando o que mais
queremos das crianças é a criticidade, conhecimento de mundo. Percebo o quanto devemos
trabalhar a nossa escuta com a criança.
Os documentos da Prefeitura exigem essa escuta para garantirmos voz ativa e o
protagonismo infantil das crianças. Esse trabalho de autoria, também foi amplamente
discutido com as famílias durante um processo de Avaliação da Unidade.
Estando a par de todo trabalho a Elaine levou o documento com os pedidos das
crianças para a reunião da APM, socializou com as famílias e professores o trabalho
desenvolvido e a expectativa das crianças. Informou que incluiria os pedidos das crianças
assim que a verba da Prefeitura chegasse.
Assim que retornamos do recesso, a Diretora Elaine, conversou comigo a respeito dos
pedidos realizados pelas crianças e comentou que tinha, juntamente com as funcionárias,
organizado o espaço do CEI e, durante a organização, constatou que haviam muitas bonecas
e roupas espalhadas aleatoriamente, por isso a sensação de poucos brinquedos. Uma solução
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encontrada pela Diretora foi comprar caixas organizadoras, vestiu as bonecas e as deixou
separadas na caixa, assim seria fácil de as educadoras e crianças encontrarem.
Na sala das crianças foi trocado o aparelho de DVD por um computador, amplificador
de som e um projetor. Assim o espaço foi transformando em uma sala multimídia, dado que
promoverá, ainda mais, o interesse das crianças pela tecnologia e, ajudará as professoras no
desenvolvimento de pesquisas com a turma.
Disse a ela que levaria essas conquistas para as crianças, contextualizando que todas as
melhorias é fruto de um processo iniciado por elas, principalmente a partir das Assembleias e,
dessa forma daria um retorno para elas.
Depois de apresentar a rotina do dia pedi para as crianças sentarem em roda, pois teria
novidades para partilhar com elas. Retomei todo o processo realizado e, as cranças me
questionando o tempo todo, diziam: “- Por que as bonecas estão aqui?” e, eu, os provoquei: “O que mais vocês pediram?
Não precisou muito para que eles retomassem todo o processo em suas memórias.
Nesse momento eu realizei a leitura para eles da resposta enviada pela Elaine. Mostrei a caixa
com as bonecas, enquanto explicava que tínhamos sim, bonecas com roupas, mas que
dependia somente de uma questão de organização. Falei também à respeito da sala com o
equipamento multimídia. E qual não foi minha surpresa, que ao termino da minha fala, as
crianças de tanta felicidade, aplaudiram de pé.
Em seguida distribui as bonecas para as crianças, para perceberem se tudo estava de
acordo com o gosto delas. Após a aprovação, como se não era de esperar, começaram a
brincar com a novidade. Em outro momento, apresentei o computador e as diversas
possibilidades de utilização da nova sala de multimídia. Todas ficaram muito satisfeitas!
Foi um trabalho muito produtivo para nós, enquanto educadoras, pois como dizia
Paulo Freire, o grande educador brasileiro: “O educador democrático não pode negar-
se o dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando,
sua curiosidade, sua insubmissão...” (FREIRE, 2002 p.13) e para a turma do Mini
Grupo 2C, ficamos extremamente contentes com os objetivos alcançados que, foram além da
autoria infantil, conseguimos contribuir com a conscientização das crianças em relação ao
exercício da democracia e desenvolvimento do senso de responsabilidade e cuidado com
aquilo que é de todos. Outra conquista, sem dúvida, foi a sensibilização que as crianças se
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apropriaram em relação à opinião do colega, dado que fortalece a abertura para a
solidariedade, valor fundamental para a superação de uma sociedade individualista.
Com o desenvolvimento desse projeto as crianças se reconheceram como detentores
de dignidade, sentiram-se valorizadas e respeitadas em sua condição de sujeitos de direitos e
de cidadãos produtores de cultura.
O projeto não termina aqui, temos a consciência de que esse é apenas um primeiro
passo num processo que terá continuidade no Centro de Educação Infantil Mário Pereira
Costa de modo, a criar-se uma cultura que se estenda não apenas entre as educadoras e
educadores, mas faça sentido para toda a Comunidade Educativa.
Referências Bibliográficas
SÃO PAULO. Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica.
Orientação Normativa n.º 01: Avaliação na Educação Infantil: aprimorando os olhares.
São Paulo: SME/DOT, 2014.
SÃO PAULO. Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica.
Indicadores da Qualidade na Educação Infantil Paulistana. São Paulo: SME/DOT, 2015.
Disponível em: <http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/13402.pdf>
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia – Saberes necessários à prática educativa. 43ª ed.
São Paulo: Paz e Terra, 2002.
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474
Ambientes Reveladores
Cristiane Aparecida dos Santos de Faria23
Resumo
O Projeto “Ambientes reveladores”2 foi desenvolvido em 2011 com o objetivo de
transformar coletivamente diferentes espaços de um Centro de Educação Infantil, inicialmente
desestruturados e sem vida, em ambientes de desenvolvimento e aprendizagem, reveladores
das concepções de criança, educador e Educação Infantil. A comunidade escolar, mediada
pela gestora da escola, realizou o planejamento participativo dos espaços, por meio da análise
da realidade e da leitura e diálogo com textos, e, efetivamente, transformou de maneira
concreta
24
os espaços em ambientes educativos ricos e adequados às crianças, impactando
significativamente do processo educativo. Planejar as ações para mobilizar e formar os
envolvidos, bem como conquistar novos parceiros foram desafios importantes a fim de
garantir os direitos das crianças e oferecer uma educação de crescente qualidade a elas.
Palavras-chave: Espaço escolar. Concepção de criança. Ambiente educativo. Educação
Infantil
I – Introdução
“O espaço da escola deve ser uma espécie de aquário
que espelhe as ideias, os valores, as atitudes e a cultura das pessoas que vivem nele”.
Loris Malaguzzi
1
Pedagoga formada pela FEUSP em 2001, especialista em Educação Infantil pela UNITAU. Professora de
Educação Infantil da rede municipal da Estância Turística de Tremembé, interior de São Paulo. Recebeu menção
honrosa da Revista Nova Escola, em 2012, por desenvolver este Projeto, que foi classificado entre os cinco
finalistas da categoria Gestor Nota 10 da 15ª edição do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10.
2
Este Projeto recebeu o Prêmio "Qualidade não é obra do acaso" da Secretaria Municipal de Educação da
Estância Turística de Tremembé, em 2011.
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No ano de 2011, visando atender a demanda escolar para Educação Infantil, a
Secretaria de Educação da Estância Turística de Tremembé, no interior de São Paulo,
inaugurou a nossa escola: o Centro de Educação Infantil Jardim Encantado. A escola possuía,
neste ano, cinco salas funcionando em período integral e duas em período parcial, sendo
atendidas 122 crianças na faixa etária de 2 a 4 anos, nos níveis de Berçário III e Infantil I.
Nosso grupo de trabalho tinha um total de trinta e dois funcionários. As crianças eram
provenientes de vários bairros do município, assim como crianças do antigo assentamento do
MST, que hoje estão organizados em cooperativas de produção agrícola. A comunidade
apresentava uma renda familiar mensal de 1 a 3 salários mínimos em média e as mães, em sua
grande maioria, trabalhavam fora.
O espaço da escola apresentou-se com grande potencial para uma Educação Infantil de
qualidade, pois, além das seis salas de aula, a escola possuía uma grande área verde, com
viveiros de pássaros e horta, inicialmente desativados e abandonados.
No primeiro mês de trabalho nesta escola, assumi as funções de Direção e
Coordenação e, junto primeiramente aos professores, muitos sonhos foram surgindo para
nosso
espaço,
que
apresentava
problemas
relativos
à
manutenção,
organização,
funcionalidade e mobiliário. Por isso, comecei a delinear um Projeto Institucional para pensar
coletivamente (funcionários, professores, crianças, pais e comunidade) muitos espaços
inicialmente sem vida, para transformá-los e construirmos ambientes mais acolhedores,
funcionais e educativos.
Por se tratar de uma instituição nova, com muitos funcionários que estavam
trabalhando pela primeira vez em escola ou na função, observei a necessidade de formar as
pessoas para o trabalho a ser desenvolvido com as crianças. Apostei na ideia da formação da
equipe paralelamente à transformação dos espaços em ambientes de aprendizagem. Sendo
assim, o Projeto Institucional ganhou um nome muito representativo: “Ambientes
reveladores”, antes mesmo de ser apresentado aos pais, os quais precisavam também conhecer
as nossas concepções e ajudar a construir a nossa proposta pedagógica. O fundamental é que
nossos espaços, antes sem vida, depois de transformados em ambientes de aprendizagem,
revelassem nossas concepções de criança, de educador e de Educação Infantil.
O Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (MEC, 1998) apresenta a
criança como uma cidadã com direitos, um ser de natureza singular, sujeito social e histórico
que se constitui como tal mediante interações sociais, nas quais atua como co-construtoras de
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conhecimento, de identidade e cultura, e o espaço como um parceiro na construção de
relações entre as crianças e o conhecimento. Considerando também outros referenciais
teóricos fundamentais, os educadores, representantes da infância, devem atuar na construção
do ambiente escolar para promover o exercício da cidadania, o desenvolvimento da
individualidade e a vivência plena da infância em suas múltiplas linguagens. A educação que
se subentende através dessas concepções, segundo Formosinho (2007, p. 20) necessita
construir uma pedagogia da Educação Infantil com bases de atuação democráticas, nas quais
o sujeito-criança possa ser incluído como ator no processo educacional.
Neste processo, segundo os Parâmetros Básicos de Infra-estrutura para Instituições de
Educação Infantil (MEC, 2006), o espaço físico não apenas contribui para a educação das
crianças, mas é em si uma forma silenciosa de educar. Por isso, nosso espaço precisava ser
conteúdo de planejamento, se modificar tornando-se mais propício ao desenvolvimento e
aprendizagem das crianças, retratando ideias e relações coerentes com o projeto educativo da
escola.
Exatamente este era o nosso desafio inicial que, através do Projeto Institucional
“Ambientes reveladores”, explicitei para toda a comunidade escolar, articulando todos os
protagonistas para levantar os problemas e possibilidades de nossos espaços, para discutir as
soluções e colocar em prática os encaminhamentos pensados coletivamente.
II – Objetivos
2.1 – Objetivo Geral

Transformar coletivamente os diferentes espaços da escola em ambientes de
desenvolvimento e aprendizagem para as crianças;
2.2 – Objetivos Específicos

Formar a equipe de funcionários para o desenvolvimento de um trabalho de qualidade,
com clareza das concepções que fundamentam a Educação Infantil;

Promover a participação e o envolvimento de toda a comunidade escolar na transformação
do nosso espaço e, consequentemente, da construção da nossa proposta pedagógica;

Estabelecer parcerias com a comunidade externa (Universidade, instituições, profissionais
diversos) para obtenção de conhecimento científico, suporte técnico ou de mão de obra;
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
Avaliar continuamente os processos de utilização e manutenção de cada ambiente de
aprendizagem para otimizar ações coletivas.
III – Conteúdos

Concepções de espaço e ambiente escolar na Educação Infantil;

Concepções de criança, de educador e de Educação Infantil;

Formação continuada da equipe;

Planejamento de ações;

Trabalho coletivo;

Participação das famílias e da comunidade na escola;

Avaliação contínua.
IV – Metodologia
O Projeto “Ambientes reveladores” foi desenvolvido mediante o planejamento
participativo dos espaços, através do levantamento de conhecimentos prévios dos envolvidos,
análise da nossa realidade, leitura e diálogo com textos, planejamento de mudanças e
transformação concreta dos espaços. Este processo segue relatado em detalhes.
4.1 - Primeiras ações
Para iniciar o Projeto, em reunião com as professoras, as quais, cada uma com suas
experiências anteriores, já dispunham de algum aporte teórico e/ou prático para as primeiras
reflexões necessárias, propus a leitura de um texto apresentando as concepções de espaço e
ambiente escolares. Ao refletirmos, chegamos à conclusão que tínhamos muitos espaços sem
vida, que poderiam se transformar em ambientes ricos de aprendizagem para as crianças. Para
visualizarmos concretamente tais problemas e possibilidades, convidei todas para um passeio
fotográfico pela escola.
Em outro momento, depois de refletir sobre as concepções de criança, educador e
Educação Infantil, analisamos as fotos e registramos em cartaz as ideias práticas referentes às
mudanças de cada espaço, quando já surgiram propostas de sequências de atividades e
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projetos a serem desenvolvidos com as crianças. Procurei aguçar o olhar das professoras, por
vezes, pouco crítico ou restrito a aspectos materiais, suscitando novas reflexões e explicitando
algumas concepções. Dentre as ideias registradas, as que eram mais emergenciais e que
dependiam apenas de ações práticas de organização, foram imediatamente concretizadas.
Outras ações foram sendo encaminhadas por meio da busca de parcerias com a comunidade e
de memorandos de solicitações à Secretaria de Educação. Com as fotos do passeio fotográfico
e os apontamentos feitos com as professoras, montei uma apresentação de slides em power
point, já pensando em utilizá-la na divulgação e ampliação do Projeto junto aos pais e aos
outros segmentos da escola.
Nesta fase inicial do Projeto, recebemos em nossa escola uma Professora
Coordenadora Pedagógica, a qual, estando ciente do trabalho em andamento, se envolveu
prontamente com as ações de formação das professoras e de transformação dos espaços. Para
estruturar a formação, no cotidiano da escola, procuramos nos reunir com frequência para,
enquanto equipe gestora, pensar e avaliar as possibilidades e os encaminhamentos referentes a
cada espaço ou, já, ambiente de aprendizagem.
4.2 - Conquista de novos parceiros
O próximo passo foi divulgar o Projeto para os pais em reunião, na qual tivemos ótima
participação, e os sonhos foram semeados com a apresentação das fotos e das reflexões das
professoras. Procurei deixar claro para os pais nossas concepções e nossos objetivos
educativos ao se utilizar os diversos ambientes da escola, bem como explicitei como poderiam
colaborar. Foram grandes as conquistas: alguns pais se dispuseram a nos ajudar a limpar e
iniciar a horta, outros se prontificaram a doar os periquitos para os viveiros e nos dar
orientações sobre como cuidar deles. Alguns encaminhamentos práticos já puderam ser
combinados neste dia.
Para os funcionários, apresentei as fotos e as ideias a serem ampliadas e estruturadas.
O envolvimento foi grande e novamente vários (merendeiras e estagiários, especialmente)
contribuíram com falas interessantes, carregadas de significados, acerca do que já estavam
observando sobre o uso dos espaços pelas crianças. Ao falar dos espaços, concomitantemente,
expúnhamos nossas concepções e práticas em cada um deles. Em reuniões posteriores, que
foram planejadas e realizadas com cada segmento da escola, foi possível, a partir de um vídeo
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479
e de algumas leituras, explorar com mais profundidade nossa concepção de criança, de
educador (acreditando que todos os adultos da escola o são) e de Educação Infantil. Assim,
reunião a reunião, espaço a espaço, ao planejar ações para as mudanças, fomos revelando e
construindo conceitos fundamentais para que efetivamente delineássemos ambientes de
desenvolvimento e aprendizagem para as crianças.
4.3 - O antes e o depois dos espaços que se tornaram ambientes
Horta
Inicialmente, a Horta era um cercado de mato que necessitava de intervenções
significativas para ser um ambiente apto à aprendizagem das crianças. Quando fui com os
pais apreciar o “cercado de mato”, já agendamos o primeiro dia de trabalho. As professoras,
depois de visitar o espaço com os alunos, foram motivadas a elaborar um Projeto, cujo tema
definido foi: “Mãos à Horta!”.
Um pai e duas mães, com enxadas, serrotes e roçadeira, foram os primeiros a
experimentar as “mãos à Horta”, deixando o espaço sem matos e podando as árvores,
demonstrando muita satisfação em colaborar com a escola e com a educação de seus filhos.
Depois, eles vieram com o combinado de remexer a terra e planejar os canteiros, quando
foram visitados pelas crianças que se interessaram fazendo perguntas como: “Nós vamos
poder plantar salsicha?”. Assim, favorecendo o contato delas com os pais, procurei motivá-los
ainda mais. Neste dia, a terra também foi adubada e crianças e professoras aprenderam com os
pais, que se mostravam bem dispostos a responder os questionamentos de todos.
O próximo passo, conforme combinei com os pais, foi delimitar os canteiros junto
com as crianças, que em sala tinham tingido água dentro de garrafas plásticas para este fim.
Foi o momento em que, efetivamente, as crianças começaram a contribuir com “mãos à
Horta”. Cada professora, juntamente com seu grupo, fazia perguntas, quanto ao tempo de
cultivo, facilidade ou dificuldade no manejo, necessidades de cada planta, visando definir
qual a hortaliça que seria plantada no canteiro da sua sala.
Os pais também nos doaram as mudas e sementes que precisávamos e pudemos pensar
juntos na estética da Horta: pintaram o muro e doaram dois bancos de madeira, deixando o
espaço mais bonito e funcional. Para minimizar a sujeira nos sapatos das crianças durante as
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manutenções e regas, trouxeram uma solução muito adequada: a palha de arroz, que foi
colocada entre os canteiros.
Os momentos de plantação foram significativos para crianças e para muitas
professoras que relataram nunca ter plantado algo antes. Os cuidados com os canteiros se
seguiram pelas semanas seguintes: as crianças limpavam os canteiros e molhavam as
hortaliças, acompanhando dia a dia o crescimento delas.
Dúvidas surgiram quanto à colheita e ao que plantar novamente nos canteiros. Nossa
Horta precisava continuar com vida e como verdadeiro ambiente de muitas aprendizagens...
Foi quando tive a oportunidade de conhecer o Programa Educação para Sustentabilidade do
SESC Taubaté, onde participei de duas oficinas (“Planejando sua Horta” e “Colheita na
Horta”). Precisávamos aprender para melhor desenvolver as atividades com as crianças e
solicitei uma parceria com o SESC. Como tínhamos várias dúvidas quanto ao momento de
colheita de cada hortaliça e sobre como fazê-lo, a primeira ação em parceria aconteceu em
Horário de Trabalho Pedagógico (HTP), no qual um agrônomo esteve na escola para orientar
as professoras. Posteriormente, o mesmo profissional visitou a Horta, respondendo com
interesse as curiosidades das crianças e apreciando com elas suas hortaliças.
As colheitas feitas pelas crianças foram bem proveitosas! Ao final do primeiro
semestre e ao final do segundo também, o cardápio se modificou para acolher as receitas
preparadas pelos grupos com as hortaliças cultivadas por cada um deles. No momento das
refeições, cada sala, com todo orgulho, apresentou sua colheita e ofereceu uma preparação
para as demais crianças da escola.
Refeitório
O espaço do refeitório sinalizava muitos problemas, de diferentes ordens: física
(mobiliário inadequado, espaço sem cor, mesas sem toalhas...) e funcional (crianças
passivamente esperavam ser servidas para se alimentarem). Primeiramente, conversei com as
professoras e com os pais da Comissão de Pais, procurando analisar nosso espaço e pensar
algumas primeiras possibilidades. Mesmo sabendo que em breve chegaria um mobiliário
novo, providenciei tecidos e plásticos para serem usados como toalhas nas mesas provisórias.
Também fizemos a decoração das paredes com imagens com riqueza estética que foram
doadas por uma mãe, bem como por produções artísticas das crianças. Além disso, montamos
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um quadro com o cardápio do dia, com fotos e registros, a serem lidos diariamente para as
crianças.
Quando o mobiliário novo chegou, aproveitei a oportunidade para motivar novas
ações. Para isso selecionei dois textos, que juntamente com a coordenadora, estudamos com
as professoras e, com as ideias iluminadas, pensamos em encaminhamentos práticos para
favorecer a autonomia das crianças no refeitório. Selecionei um dos textos que lemos para
também estudar com as merendeiras.
Iniciamos a prática do self-service em todos os momentos de refeição e, para nossa
surpresa, isso não foi tumultuado como a maioria temia. Para compor sonoramente o espaço,
providenciei um rádio que proporcionou um som ambiente tranquilo para as crianças. Isso fez
muita diferença! Quantas aprendizagens, no ambiente do refeitório, passaram a ocorrer de
forma significativa para as crianças e consciente para os adultos!
Como surgiram algumas dúvidas quanto ao processo de alimentação das crianças,
convidei a nutricionista do Setor de Merenda da Prefeitura para participar de um HTP com as
professoras e merendeiras. Este foi um momento importante de aprendizados para os adultos,
que explicitou a necessidade de alguns ajustes no trabalho que estava sendo feito. Nesta
reunião iniciamos uma parceria com uma estagiária do curso de Nutrição da Universidade de
Taubaté, que realizou um trabalho conjunto com as professoras sobre alimentação saudável
das crianças.
Viveiros
Como queríamos tornar os dois viveiros habitados, pesquisei com as professoras qual
espécie seria mais adequada e resistente, e então definimos que teríamos periquitos.
Alguns pais, quando apresentei o nosso Projeto Institucional, se prontificaram a doar
os pássaros e a ensinar como cuidar deles. Além disso, uma mãe, que é proprietária de um
comércio de rações, se ofereceu para doar o alimento para os periquitos, bem como os
acessórios dos viveiros. Enquanto isso, as professoras elaboraram um Projeto para
contextualizar com as crianças, antes do grande dia: a chegada dos periquitos e a colocação
deles nos viveiros.
Os espaços, antes sem vida, silenciosos e que não inspiravam olhares e cuidados,
passou então a motivar observações, interesses e ações por parte das crianças e dos adultos.
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Muitas atividades de pesquisa foram desenvolvidas em sala com as crianças, buscando
respostas aos seus questionamentos sobre os pássaros. Procurei organizar, juntamente com a
coordenadora, para que cada dia uma sala fosse responsável em cuidar dos pássaros, o que as
crianças logo começaram a fazer.
Salas de Aula
As salas de aula, de modo muito especial, precisavam se constituir enquanto
ambientes de aprendizagem, que espelhassem nossas concepções e o trabalho pedagógico
realizado com as crianças.
Nossas salas precisavam de ajustes visto que a organização de mobiliários e cartazes
das paredes refletia uma concepção de espaço voltado para os adultos e não para as crianças.
A partir de uma formação oferecida aos coordenadores e diretores, pela Secretaria de
Educação, sobre a organização dos cantos em sala de aula, que em muito contribuiu para
repensarmos nossas salas, identificarmos os problemas e motivarmos as soluções, mudanças
foram feitas considerando as necessidades das crianças. A coordenadora assumiu o papel de,
em reuniões de HTP, multiplicar a formação recebida, conforme o que estudávamos juntas.
Nos momentos de reorganização das salas, procurei acompanhar de perto reforçando as falas
da coordenadora e motivando as professoras a estruturarem ambientes (cantos) para o
desenvolvimento de atividades diversificadas e simultâneas. Também repensamos o uso das
paredes e o que nelas era exposto.
Observando as crianças em interação e atividade nos espaços totalmente
transformados, vimos que realmente eles se tornaram mais coerentes com nossas concepções
de criança, de educador e de Educação Infantil, pois passaram a proporcionar momentos
desafiadores e significativos de vivência do brincar, da autonomia e da criatividade, princípios
destacados pelo MEC nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2009).
Nesse contexto, o papel das professoras, que precisa ser continuamente estudado e refletido
com elas, consiste em provocar oportunidades de descobertas, estimular o diálogo e agir de
forma conjunta na co-construção do conhecimento pelas crianças.
Banheiros
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Os banheiros também constituem espaços que podem se configurar como ambientes
de aprendizagem e ser muito bem aproveitados do ponto de vista pedagógico. Contudo,
nossos banheiros, a princípio, eram espaços pouco educativos pela falta de alguns elementos
importantes (a limpeza era precária por falta de funcionários, as pias eram altas para as
crianças, faltavam toalhas, suporte para sabonete, espelho em alguns...)
O primeiro a ser providenciado foi o tablado que possibilitou maior autonomia das
crianças para alcançar a altura da pia. Para melhorar ainda mais pensei em motivar as
professoras a analisar e planejar estes espaços. As professoras pensaram na estética do espaço
e confeccionaram produções artísticas com as crianças para decorar os banheiros. Também
realizaram outras atividades com as crianças, como visitas aos banheiros, rodas de conversa
sobre higiene e as regras de utilização dos mesmos, e registro delas em quadrinhos com fotos
para afixar nas paredes.
Paralelamente a isso, fiz reunião de formação com a equipe de limpeza, que logo ficou
definida e composta por três funcionárias, na intenção de combinar momentos e
procedimentos de limpeza para que o espaço, pelo asseio, passasse a inspirar hábitos de
higiene. Para compor os banheiros, providenciei espelhos para os que não tinham, suportes
para sabonete e papel toalha, e providenciei vasos de flores que alegraram o novo ambiente de
aprendizagem que, através de sua organização e condições materiais, passou a transmitir
valores importantes relativos a respeito, higiene e saúde.
Outros espaços que foram repensados e reestruturados
O parque, que antes dispunha apenas de alguns brinquedos e sucatas para
brincar no tanque de areia, passou a contar com mais brinquedos, baldes e pazinhas, bem
como com balanços de pneus feitos nos galhos de uma grande árvore. Solicitei das estagiárias
que organizassem uma salinha para guardar brinquedos de pátio, onde colocamos bambolês,
pneus para rolamento, boliches, bolas, cordas, carrinhos e outros brinquedos de puxar. Tais
materiais começaram a favorecer um ambiente de relações ricas e diversificadas, bem como
de brincadeiras com desafios motores interessantes para o desenvolvimento das crianças.
Os corredores, cujas floreiras estavam cheias de mato inicialmente, ganharam flores e
estas, cuidados diários por parte das crianças do Berçário, que desenvolveram um projeto
neste sentido.
Para a Secretaria da escola que era um espaço frio e sem vida, mobilizei algumas
ações: confeccionamos um quadro para identificá-la, consegui doação de madeira para fazer
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um mural para os pais (para exposição de fotos das atividades pedagógicas, do cardápio da
semana e de recados importantes), pedi a colaboração de um grupo de crianças que fizeram
uma produção artística que se transformou em dois lindos quadros, providenciei vasos de
folhagens, organizei os mobiliários novos que foram enviados pela Secretaria de Educação,
juntamente com o funcionário que ali trabalhava. Tais ações e alguns combinados quanto à
organização, compuseram um ambiente mais acolhedor e funcional.
A Sala de funcionários que ficava em um cômodo muito pequeno, depois de conversas
com professores e funcionários, com a ajuda de alguns desses, transferi para outro espaço que
antes estava sub-utilizado. Esta mudança foi muito bem avaliada por todos e o ambiente da
Sala dos funcionários, composto por mesa de reunião e cadeiras, mesa do café, quadro mural
para avisos e quadro decorativo feito coletivamente pelos funcionários, se estruturou com
melhor funcionalidade e conforto. Também tivemos muitas melhorias no espaço do
Almoxarifado, na sala da Direção e na sala da Coordenação. Tais espaços não se
configuraram em ambientes de aprendizagem diretamente para as crianças, mas para os
adultos da escola. Entretanto, acredito que tais ambientes, pela sua organização e estética
inspiram valores nos adultos que refletem em suas interações com as crianças.
V – Avaliação
A elaboração e o desenvolvimento do Projeto Institucional “Ambientes reveladores”,
me ensinou muito enquanto gestora sobre como administrar espaços, pessoas, recursos
financeiros, a formação continuada da equipe da escola e, sobretudo, o desenvolvimento e a
aprendizagem das crianças. Assumi para mim, como primeiro passo, olhar para a realidade da
escola com olhar crítico, visando identificar necessidades e possibilidades. E quando comecei
a sonhar as mudanças dos espaços, considerando o que estabelecem os dispositivos legais e
referenciais teóricos, compartilhei tais sonhos que foram ampliados e aprimorados ao se
tornarem coletivos. A partir de então, planejar as ações para mobilizar todos os envolvidos,
bem como conquistar novos e importantes parceiros foram os desafios que exigiram estudo,
dedicação e organização de uma rotina de trabalho pessoal focada nos objetivos que foram se
delineando.
Com a participação da comunidade escolar e também extra-escolar, como já procurei
anunciar à medida que fui relatando os encaminhamentos práticos desenvolvidos, o Projeto,
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485
atingiu seus objetivos, paulatinamente em alguns espaços ou de forma mais rápida em outros.
Um caminho que trilhamos com muito sucesso, foi a conquista e realização de parcerias
próximas e distantes, com os pais, com profissionais e instituições da comunidade, que
possibilitaram avanços práticos e conceituais importantes em nosso Projeto Institucional.
Acredito que os pais foram conquistados através da revelação dos objetivos e práticas
pedagógicas com as crianças, o que gerou envolvimento e comprometimento com a
transformação dos espaços.
Como orienta o documento Parâmetros Básicos de Infra-estrutura para Instituições de
Educação Infantil (MEC, 2006), com o desenvolvimento do Projeto “Ambientes reveladores”,
buscamos e conseguimos ampliar os diferentes olhares sobre o espaço, visando construir um
ambiente físico destinado à Educação Infantil, promotor de aventuras, descobertas,
criatividade, desafios, aprendizagens, facilitador da interação criança-criança, criança-adulto e
deles com o meio ambiente. Por meio de ações simples como a colocação de um vaso de
flores ou a exposição das produções das crianças, e de outras mais complexas, como o
envolvimento da comunidade, o desenvolvimento de projetos nas salas de aula e a realização
de parcerias, foi possível transformar o espaço físico da escola, constituindo ambientes
educativos significativos, onde as crianças passaram a ser respeitadas como atores do
processo educacional. O espaço refletido e organizado começou a promover o respeito aos
princípios éticos, políticos e estéticos elencados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil (MEC, 2009), fundamentais para o desenvolvimento e a aprendizagem das
crianças em todas as atividades que são propostas nos diferentes ambientes da escola.
Muitos foram os avanços obtidos em relação não apenas ao espaço, mas,
paralelamente também, à formação continuada dos professores e funcionários, pois à medida
que transformávamos o espaço, já refletíamos sobre as práticas pedagógicas possíveis. A
reflexão sobre o trabalho, que procurei motivar em reuniões com os diversos segmentos da
escola, concorre para o que Peter Moss (2003, p. 144) chama de “discurso de construção de
significado”, que envolve processos de diálogo e reflexão crítica sobre a experiência concreta
de uso e transformação dos espaços, visando possibilitar maior consciência acerca dos
fundamentos das práticas e a construção de sentido para nossa atuação.
A partir das observações e registros que fiz, quase sempre acompanhada da máquina
fotográfica, em relação às vivências das crianças nos ambientes da escola, pude constatar a
concretização dos objetivos do Projeto. A avaliação contínua do desenvolvimento do Projeto
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e da utilização e manutenção de cada ambiente de aprendizagem, apontou para a necessidade
de investir continuamente na formação da equipe, tanto em relação aos professores quanto aos
demais funcionários da escola, para aperfeiçoar as ações coletivas. Para isso, reformulei o
Plano de Formação da Equipe de Apoio que havia sido feito no início do ano, a fim de
adequar temáticas e assuntos mais prementes, conforme os ajustes ou reflexões que se
mostraram necessários.
Em 2011, nossas salas, banheiros, refeitório, viveiros, horta, jardins ganharam novo
significado para crianças e adultos, o que foi documentado através de fotos do “antes” e do
“depois”, bem como nos portfólios feitos pelas professoras. Reunião a reunião, proposta a
proposta, as mudanças dos espaços foram pensadas e operacionalizadas, deixando explícitas
no cotidiano escolar nossas concepções de criança, educador e Educação Infantil. Assim,
pudemos vivenciar junto ao grupo de adultos da escola, além da transformação dos espaços,
momentos de formação que construíram e deram vida a uma proposta pedagógica que visa
garantir os direitos das crianças e oferecer uma educação de crescente qualidade para elas.
VI – Bibliografia
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental.
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998, 3v.
BRASIL. Ministério da Educação.Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Básicos de
Infra-estrutura para Instituições de Educação Infantil. Brasília: MEC/SEB, 2006.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Nacionais de
Qualidade para Educação Infantil. Brasília: MEC/SEB, 2006.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil. Resolução CNE/CEB nº 5, de 17/12/2009.
CEDAC (Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária). Livro do Diretor:
escolas, espaços e pessoas. São Paulo: CEDAC/MEC/UNESCO, 2002.
EDWARDS, Carolyn et al. As cem linguagens da criança. Porto Alegre: Artmed, 1999.
FORMOSINHO, Julia Oliveira et al. Pedagogia (s) da infância: dialogando com o passado
construindo o futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007.
FORNEIRO, Lina Iglesias. A organização dos espaços na Educação Infantil. In ZABALZA,
Miguel. Qualidade na Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed, 1998.
GOZZI, Rose Mara; SEKKEL, Marie Claire. O espaço: Um parceiro na construção das
relações entre as pessoas e o conhecimento. In: DIAS, M.C.M.; NICOLAU, M.L.M. (org.)
Oficinas de Sonho e Realidade na Formação do Educador da Infância. São Paulo: Papirus,
2003.
HORN, Maria da Graça Souza. Sabores, cores, sons, aromas – A organização dos espaços na
Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed, 2004.
MELLO, Ana Maria et al. O dia-a-dia das creches e pré-escolas – Crônicas Brasileiras.
Porto Alegre: Artmed, 2010.
MOSS, Peter. Reconceitualizando a infância: crianças, instituições e profissionais. In:
MACHADO, Maria L. de A. (org.) Encontros e Desencontros em Educação Infantil. São
Paulo: Cortez, 2003.
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487
O tempo, o espaço e o brincar, limites e desafios: Interface entre Educação Física e
Educação Infantil
Douglas Rodrigues Sauda25
[email protected]
UFGD
Ilma Regina Castro Saramago de Souza 26
[email protected]
UFGD
Resumo:
Os Centros de Educação Infantil têm importante papel de socialização, integração e pleno
desenvolvimento das crianças, pois esse é o primeiro espaço educacional que a criança tem fora
do habitat familiar. Desta forma, é necessário que elas recebam uma aprendizagem de qualidade
com tempo, espaço físico e condições adequadas para o brincar nas aulas de Educação Física.
Neste sentido este texto busca um diálogo entre a Educação Infantil e a Educação Física e tem
como objetivo apresentar e discutir o tempo, o espaço e o brincar, bem como os limites e os
desafios encontrados no horário destinado a Educação Física no cotidiano das instituições
educacionais que atendem o referido público.
Palavras- Chave: Educação, Educação Infantil, Educação Física, Crianças.
Introdução
As primeiras experiências de um profissional, normalmente, são permeadas por ansiedades e
inseguranças. E estes sentimentos, também, fazem parte de um professor de Educação Física,
ainda mais quando o seu trabalho inicial é em um Centro de Educação Infantil. Apesar da
felicidade de ter o primeiro emprego da carreira profissional, descobre-se, ao entrar em sala de
25
Graduado em Educação Física pelo Centro Universitário da Grande Dourados. Discente do curso de
Especialização em Docência na Educação Infantil pela Universidade Federal da Grande Dourados. Professor da rede
municipal.
26
Doutoranda em Educação pela Universidade Federal da Grande Dourados. Membro da equipe de professores
formadoras no curso de Especialização em Docência em Educação Infantil da Universidade Federal da Grande
Dourados.
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aula,as dificuldades, as limitações e os desafios que se apresentam ao trabalhar com crianças
pequenas.
A partir da maturidade profissional, as inquietações começam a aparecer, e, mesmo que as
crianças se adaptem com o professor, gostem de brincar e realizar atividades que desenvolvam
suas capacidades físicas, ainda há um estigma de que as aulas de Educação Física, em especial
na Educação Infantil servem, apenas para ocupar o tempo das crianças enquanto o professor
regente cumpre a sua “hora atividade”.
Mediante tal inquietação algumas questões precisam ser levadas em consideração, dentre elas: É
um profissional da Educação Física, apenas um professor para ocupar o tempo das crianças na
Educação Infantil? Qual o papel do professor de Educação Física na Educação Infantil?Qual a
atenção que os Centros de Educação Infantil têm dado para o tempo, o espaço e para o brincar
nessas aulas?
No caso do autor deste texto, tais indagações o levaram a buscar no conhecimento, na reflexão, e
na sustentação teórica subsídios para a sua prática. Assim, a partir de uma oportunidade, ele
concorreu a uma vaga e foi selecionado no curso de Especialização em Docência na Educação
Infantil da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), o qual cursa atualmente. E,
durante as disciplinas ministradas, as discussões em sala de aula e as reflexões tem buscado
compreender alguns dos desdobramentos implícitos e explícitos na interface entre a Educação
Física e a Educação Infantil, o que suscita novos questionamentos e certamente novos desafios.
A motivação para a produção deste texto iniciou-se por meio de estudos e discussões a partir de
duas disciplinas ministradas no curso de Especialização supracitado: a primeira, Currículo, PPP,
Planejamento, Organização e gestão do espaço e do tempo e das rotinas em creches e pré-escolas
e a segunda, Brinquedos e brincadeiras no cotidiano da Educação Infantil. Posteriormente a
proposta surgiu para que o professor realizasse uma experiência com as crianças da Educação
Infantil durante a sua aula e observasse o tempo destinado para a atividade, os espaços físicos da
instituição, bem como as possibilidades existentes do brincar na Educação Infantil.
Nessa perspectiva, este trabalho tem como objetivo apresentar e discutir o tempo, o espaço e o
brincar na Educação Infantil, bem como os limites e os desafios encontrados no cotidiano das
instituições educacionais que atendem o referido público.
Metodologia
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A Experiência foi organizada e realizada com crianças de idade entre 03 a 05 anos, em duas
instituições educacionais localizadas no município de Dourados/MS que atendem crianças da
Educação Infantil. As atividades realizadas nas instituições concentraram-se em três ambientes
específicos: nas calçadas de cimento, no espaço gramado e no parquinho de areia.
Na instituição 01,a proposta inicial nas aulas de Educação Física era o de explorar o espaço
calçado e o espaço gramado existente na instituição, no entanto, no momento em que as crianças
foram liberadas para saírem da sala com o professor, para suas atividades na calçada de cimento,
as funcionárias da limpeza já estavam com a mangueira de água lavando o local e disseram que o
espaço não poderia ser utilizado. Então, as crianças foram direcionadas para o espaço gramado e
ali foi realizada a brincadeira do “lobo mal” e dos “três porquinhos”.
Como anteriormente a brincadeira já havia sido explicada, todos sabiam qual o seu papel na
brincadeira. Uma criança seria o “lobo” e teria uma casa imaginária, cada criança iria até o lobo
perguntar se ele estava em casa, o “lobo” poderia responder que estava escovando os dentes,
tomando banho, almoçando, etc. Quando o “lobo” saia da sua casinha, todos deveriam correr.
Durante a brincadeira as crianças foram motivadas a acrescentar diversas ações do “lobo”, a fim
de trabalhar a sua imaginação.
A seguir, ainda no espaço gramado, foram realizadas atividades por meio de materiais como a
bola, a corda, a raquete e o bambolê, isto com as seguintes restrições feitas para as crianças: a
primeira delas foi que a bola não poderia cair na horta que havia perto do local e a segunda
restrição era que elas não deveriam ir para as calçadas de cimento, onde as senhoras estavam
fazendo a limpeza. Em um espaço limitado para a atividade foi impossível a bola não cair na
horta, conforme a restrição, no entanto, as crianças não atravessavam o espaço delimitado e
pediam ajuda ao professor para ir buscar a bola.
Outra atividade desenvolvida foi à construção de um balanço de pneu junto as crianças. No
gramado há uma estrutura de ferro em formato de uma trave de futebol, na trave estão fixadas
algumas argolas, das quais as crianças não conseguem alcançar devido a sua altura,mesmo assim
elas tentam subir pela estrutura, sendo um exercício arriscado para elas. A fim de garantir mais
segurança, foi amarrada uma corda em uma das argolas e na sua extremidade um pneu, formando
um balanço para ser explorado pelas crianças, o que para elas foi divertido. Ao terminar o tempo
das atividades as crianças auxiliaram a guardar os materiais utilizados e foram orientadas para
retornarem a sua sala.
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Na instituição 02 o espaço físico e o tempo dispensado ao professor de Educação Física são mais
limitados do que o da instituição 01. O espaço para a atividade fica no fundo do prédio, onde há
uma calçada de cimento e um pequeno local gramado.
As brincadeiras iniciais com as crianças aconteceram na calçada e no gramado. Foram
desenvolvidas atividades com pneus, em que as crianças fizeram uma trilha de pneu e passavam
por dentro do mesmo. Algumas meninas brincaram de pular corda e chamaram a atenção de
outras que vieram fazer a mesma coisa.
A seguir as crianças foram para o lado do gramado onde fica uma cama elástica, no entanto, esta
brincadeira não contempla todas as crianças em um único dia da atividade de Educação Física,
pois mediante orientação da coordenação da instituição, somente três crianças podem brincar por
vez, e com o tempo limitado é impossível que todas consigam brincar no mesmo dia. O que para
elas, evidentemente, é frustrante. Pensando nesta situação, o uso da cama elástica é normalmente
evitado efica restrito apenas para o dia em que o menor número de crianças vai para a Educação
Física.
Na experiência, outro espaço explorado para as brincadeiras foi o parquinho, onde além de
brincarem com os poucos brinquedos existentes, brincaram de “pique-pega” e de “polícialadrão”. Os que estavam na brincadeira correram em volta dos brinquedos, escorregaram no
escorregador e passaram por dentro do túnel de pneus.
A proposta de brincar no parquinho nem sempre é considerada, isto devido ao pouco tempo
destinado as aulas de Educação Física, pois as crianças precisam estar limpas e prontas após as
brincadeiras para o horário do almoço, isso contando o tempo gasto para cuidar da limpeza do
banheiro, já que houve comunicação para que não se deixe o banheiro molhado após as
atividades da Educação Física.
Dentre as falas das crianças, uma chamou a atenção e aconteceu no almoço. Nesse momento, um
dos meninos pediu: “Há professor, a gente quer brincar mais...”. Chamou a atenção porque a
criança mostra a importância do brincar para o seu desenvolvimento. Ela se mostrou tão
envolvida nesse fazer que não se interessou pelo almoço. Ao ser indagado se não queria almoçar,
respondeu: “Não a gente quer ficar aqui brincando de polícia e ladrão”. Apesar das
reivindicações, os alunos aceitaram a justificativa de que precisavam ir almoçar e seguiram sem
questionar mais nada.
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Discussão e Resultados
O espaço e o tempo são fundamentais para o desenvolvimento da criança na educação infantil
elas estão em pleno desenvolvimento motor e cognitivo, explorando o mundo e construindo
através de brincadeiras.
Para Correia (2005) é no espaço e no tempo que a criança se descobre, conecta-se com o mundo,
percebe as situações e as pessoas ao seu redor e cria a realidade. O espaço educacional é muito
importante e pode ser reinventado em uma simples troca de móveis se torna totalmente propício
para outras atividades, outras brincadeiras.
O professor é um arquiteto, e por isso deve ter um olhar pedagógico diferenciado, como
mediador das brincadeiras, deve promover a interação entre as crianças (MARTINS, 2008), para
isso precisa do espaço e do tempo como uma ferramenta educativa. O tempo faz parte
organizacional das instituições, no entanto, não deve somente ser visto cronometradamente, mas
considerado como aspectos das experiências vividas pelas crianças no passado, presente e futuro,
é neste movimento que a criança se desenvolve, projeta cria e recria.
As instituições de educação infantil deveriam ter no projeto arquitetônico espaços e lugares
específicos para o brincar. É através do espaço ocupado pelas crianças que surgirão ideias,
construções e representações para o desenvolvimento cultural, portanto este ambiente deve ter
foco nas crianças, e não na organização que se considera melhor para os adultos (AYOUB,
2001).
Desta forma, os profissionais da Educação Física teriam mais sucesso em seus planejamentos e
atividades. Com espaços gramados e arborizados, com coberturas para os dias de chuva e de frio,
sem improvisos e escassez de recursos materiais, tornariam suas práticas pedagógicas mais
seguras e produtivas para as crianças.
Para Borba (2006) o brincar ensina muita coisa, pois na brincadeira acontecem situações em que
as crianças impõem suas próprias regras, que ao olhar do adulto passa a ser totalmente ilógico. A
imaginação trabalha todo o conhecimento que a criança tem do mundo, fazendo um jogo
cognitivo com todos seus dados coletados para poder aprender cada vez mais sobre o mundo.
O brincar está relacionado à formação da criança como sujeito, é uma das linguagens mais
importantes, confundida muitas vezes com o momento de lazer e diversão, mas consegue ir além
juntando o prazer com o descobrimento, exploração, raciocínio e a resolução dos problemas. A
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brincadeira se torna tão produtiva que até mesmo em momentos de conflitos proporciona
desenvolvimento. Durante uma briga os argumentos usados para convencer o outro, conquistar,
lutar, ceder, todos estes aspectos preparam a criança para o mundo (CITON, 2012).
A brincadeira por mais rica que seja para o desenvolvimento global da criança, não possibilita os
dados para a comprovação, não se torna algo concreto, sendo desvalorizada. Os espaços físicos
não foram feitos para brincadeiras, as salas são estruturadas em modelo padrão com mesas
cadeiras e lousa, o que nos deixa a entender que o foco esta na escolarização das crianças
(BORBA, 2006).
Além disso, a escolarização está presente na rotina da criança que com horários fixos e rígidos
ditam a hora para comer, brincar, dormir, e, em alguns lugares, estipula o horário para beber
água e ir ao banheiro. Tais ações têm institucionalizado os Centros de Educação Infantil e, os
aproximado muito do Ensino Fundamental (BATISTA, 2001).
Como resultado da experiência com os alunos, observou-se que as crianças estão sendo
padronizadas, seguindo rotinas extremamente rígidas. Ao fazer o cálculo de quanto o tempo que
as crianças, em período integral, ficam no Centro de Educação Infantil o resultado se aproxima
de 10 horas sem o contato com a família e com outras pessoas fora da instituição, portanto os
pareceres devem ser seguidos valorizando a cultura da criança e não implantando uma cultura
para ela.
Os professores, assim como as crianças, também se tornam padronizados pelo sistema, pois ao
entrarem na escola recebem as regras e os horários a serem cumpridos, no início pode haver certa
resistência, no entanto, se não há espaços para questionamentos e discussões na instituição, o
profissional acaba se adaptando ao sistema imposto (CORREIA, 2005).
O tempo nos Centros de Educação Infantil não foi programado para as crianças e nem para os
professores, com isso o professor acaba ficando impedido de inovar, sair da rotina. Um exemplo
é na área da Educação Física em que o professor atua durante duas horas semanais. Se o seu
horário é das 9h30minàs11h10min, ele tem que cumprir o horário de almoço que é às10h00min,
após este horário as turmas de crianças com idades menores estarão indo para o “horário do
soninho” e no pátio deve haver silêncio. Supondo que as crianças ficaram no refeitório até
as10h20min, o professor não poderá usar os espaços do pátio para não acordar as crianças, visto
os gramados serem próximos das janelas do berçário. Desta forma, o professor acaba tendo que
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trabalhar dentro da sala de aula em um espaço muito reduzido, limitando as crianças de se
movimentarem e de se expressarem livremente.
Através das observações e das experiências relatadas, percebeu-se que o olhar dos gestores da
Educação Infantil não está voltado para as crianças e nem para os professores que com elas
atuam. Os horários são extremamente rígidos, espaços limitados e precariedades de recursos
matérias, as crianças ficam impossibilitadas de explorar o “mundo” que as cercam. Observa-se
que as crianças estão fadigadas, sempre fadadas a mesma rotina.
É preciso que haja uma reformulação na Educação Infantil. Nos planos pedagógicos, nas
formações continuadas para os professores que atuam na Educação Infantil, onde se discutam
temas conforme a necessidade dos profissionais e não com temas impostos pelo sistema.
A Educação Física Infantil está diante de muitos limites, o professor fica refém do tempo, do
espaço, da impossibilidade de desenvolver a arte do brincar, pois precisa improvisar, fazer
escolhas de quem vai ou não brincar na cama elástica no dia da aula de Educação Física. Do
mesmo modo, a Educação Infantil está repleta de desafios, que precisam ser enfrentados. É
preciso repensar os seus objetivos, pensar de que forma ela está sendo oferecida para as crianças,
repensar em como o sistema educacional tem proporcionado o desenvolvimento físico,
emocional e cognitivo das crianças, sujeitos principais dos Centros de Educação Infantil.
Referências
AYOUB, Eliana. Reflexões sobre a educação física na educação infantil. Rev. paul. Educ.
Fís., São Paulo, supl.4, p.53-60, 2001.
BATISTA, Rosa. A rotina no dia-a-dia da creche: Entre o proposto e o vivido. Santa
Catarina, 2001.
BORBA, Ângela Meyer. O brincar como um modo de Ser e estar no mundo. In: Brasil.
Ministério da Educação. Ensino fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da
criança de seis anos de idade, 2006.
CITON, Flaveli Hartmann Dionísio. Brincar na educação infantil: O papel do professor no
apoio as vivências lúdicas, (UEL) Londrina, 2012.
CORREIA, Eliana Carla. Um estudo sobre tempo e espaço na pratica pedagógica de
educadoras da educação infantil. São Paulo, 2005.
MARTINS, I. C.; CRUZ, M. N. Brincar por brincar ou brincar para aprender? O lugar da
brincadeira na educação infantil. UFGD, 2008.
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Entre a escuta e o silêncio... Entre a verdade e a experiência27
Eliane da Silveira Meirelles Leite28
Resumo: Este trabalho apresenta e discute informações produzidas em uma pesquisa
desenvolvida no ano de 2013, tendo como objetivo aprender a escutar as crianças, buscando
compreender as relações que elas estabelecem ao desenhar. O referencial teóricometodológico utilizado foi o campo de estudos da Sociologia da Infância. Desta forma,
caracterizou-se como uma pesquisa narrativa com crianças, em que foram contadas histórias e
realizadas conversas e produções sobre as mesmas, sendo todos os encontros filmados.
Assim, o que será apresentado se caracteriza como uma das subcategorias de análise da
referida pesquisa, em que se discute os embates entre as culturas da infância e as culturas do
mundo adulto. Os episódios da pesquisa aqui trazidos irão mostrar a insistência da
pesquisadora em querer que as crianças permanecessem na história em seus desenhos. As
crianças, por sua vez, encontravam formas, estratégias de fugir ao seu controle e viviam o
desenhar.
Palavras-chave: crianças; verdade; experiência
Introdução
Este artigo busca discutir informações produzidas no decorrer de uma pesquisa
realizada no ano de 2013, cujo o objetivo foi aprender a escutar as crianças, buscando
compreender as relações que elas estabelecem ao desenhar, envolvendo para isso, um
grupo de dezesseis crianças, todas com idade de cinco anos. Nos encontros foram
contadas histórias com temáticas alusivas à sociedade contemporânea e realizadas
conversas e produções sobre as mesmas. Utilizou-se a análise textual discursiva
(GALIAZZI e MORAES, 2007) para a interpretação das informações produzidas,
estando estas registradas nos vídeos dos encontros e no diário de campo. O referencial
teórico-metodológico que embasou a pesquisa foi o campo de estudos da Sociologia da
Infância.
27
Este texto é fruto da conclusão do curso de Doutorado, realizado no período de março de 2010 a março de
2014, na Universidade Federal do Rio Grande – FURG.
28
Professora do Instituto de Educação da Universidade Federal do Rio Grande – FURG.
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Autores como Delgado e Müller (2005, 2008), Faria, Demartini e Prado (2005) e
Sarmento (2003, 2004, 2005, 2011) defendem a importância de ouvir as crianças, a
necessidade de perceber quais são os seus anseios, suas necessidades, suas dúvidas, propondo
para isso a pesquisa com as crianças e não sobre as crianças. As pesquisas constituídas nessa
premissa veem a criança como protagonista social, aceitando o testemunho infantil como
fonte de pesquisa confiável.
Castro (1998) afirma que essas pesquisas entendem as crianças como sujeitos que no
decorrer da pesquisa colaboram e constroem esta em conjunto com o pesquisador. Entretanto,
ao nos propormos a pesquisar com as crianças precisamos exercitar a escuta e o olhar, para as
suas ações e relações entre si, com os adultos e com a realidade social. Uma escuta que busca
conhecer um ponto de vista diferente daquele que nós seríamos capazes de ver e analisar no
âmbito do mundo social de pertença dos adultos.
Nesta perspectiva, a referida pesquisa trabalhou com as narrativas das crianças ao pesquisar
com elas, assumindo como legítimas as suas diversas formas de comunicação ao entender que
a narrativa pode acontecer em diferentes linguagens, não se restringindo, apenas, a expressão
da escrita ou da oralidade. Por isso os encontros foram filmados, a fim de disponibilizar na
análise um olhar e uma escuta atentos e sensíveis de forma a capturar não apenas os ditos,
mas os não ditos.
Por se tratar de uma pesquisa narrativa, em que as falas das crianças seriam trazidas no corpo
do trabalho, me preocupei com a questão de como trataria com seus nomes. Não gostaria de
identificá-las por iniciais e muito menos por números, visto que isso as relegaria a um
anonimato e seria incoerente com os referenciais que orientam a pesquisa. No entanto, usar
seus próprios nomes poderia ser uma forma de expô-las, revelar suas identidades. Por mais
que a pesquisa não viesse a comprometer as crianças, visto que ela não se constituiu em um
risco real para elas, não temos dimensão da abrangência e das consequências que as
informações produzidas poderiam ter. Dessa forma, a opção foi que as próprias crianças
escolhessem um nome que as identificassem. Assim, esses nomes estarão contemplados nas
transcrições dos fragmentos dos vídeos ao longo deste texto.
Desta forma, o que será apresentado a seguir são dados da análise de uma das categorias que
denominei “Entre verdade, tempo e experiência: a infância que nos escapa”, em que as
informações produzidas permitiram perceber que na intensidade do encontro com a infância
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ela nos escapa. Para este artigo, optei por discutir mais precisamente a subcategoria “Entre a
escuta e o silêncio... Entre a verdade e a experiência”.
O encontro com as crianças
Quando iniciei a pesquisa tinha esquematizado a sequência do que iria trabalhar.
Contar as histórias, conversar com as crianças sobre estas, propor diferentes formas para
expressarem suas ideias. Acreditava que seguiria esse encadeamento, mas conforme fui
encontrando as crianças elas foram falando de coisas que não obedeciam a minha sequência.
Desde a primeira história fui percebendo que as crianças se mostravam diferentes,
principalmente ao acompanhar seus desenhos. Eu insistia que elas trouxessem as histórias,
que seguissem uma teia da história. Mas não foi isso que elas mostraram. Os desenhos
podiam conter personagens das histórias, mas outras tantas contavam.
A proposta que lancei para as crianças a partir da história “Hunf! Quero, quero...
Porque quero!” era que elas escolhessem uma parte para desenhar, a que mais gostou ou não
gostou. Essa era a minha lógica, mas não a das crianças. Olhar o livro, prestar atenção na
história para então escolher. Elas me diziam diferente, poderia ser mais de uma escolha, que
poderia a qualquer momento mudar. As escolhas, assim como os desenhos, também
apresentavam movimento.
(Levei o grupo para a biblioteca para conversar sobre a história Hunf!
Quero, quero... Porque quero! Comecei mostrando o livro e pedi que
escolhessem o que mais gostaram ou o que não gostaram para
representar no papel utilizando materiais variados. Mostrei os
materiais e alguns já foram dizendo o que queriam fazer. Fui, então,
mostrando novamente a história para relembrar. Juliana já foi dizendo
o que ia escolher. Pedi que primeiro vissem tudo para depois escolher.
Vou contando...)
Juliana – Eu já pensei.
Pesquisadora – Tá, mas tem mais.
Juliana – Eu sei.
Continuo...
Juliana – Já escolhi a minha parte. (Transcrição do vídeo – Conversa a
partir da história “Hunf! Quero, quero... Porque quero!”, em
25/4/2013)
Neste episódio busquei organizar a atividade que pretendia desenvolver com as crianças,
mostrando a elas qual seria a sequência. A escolha que fariam deveria ser feita apenas ao
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final, pois, para isso, teriam que relembrar de toda a história e então, escolher entre as
possibilidades apresentadas. Juliana foi me mostrando que não precisava seguir essa
sequência, queria desde o início contar o que havia escolhido e solicitava minha atenção para
isso. Interessante mencionar que a sua escolha não foi a mesma, ela ia mudando conforme a
história acontecia. Uma escolha que se mostrava diferente, não se referia a isso ou aquilo, mas
que podia ser isso e isso e mais isso.
Posso dizer que minha postura frente a essa diferença se mostrava confusa, pois, para mim, as
crianças estavam fugindo do assunto que eu propunha, pareciam não seguir a minha
sequência, a mesma linearidade no pensar. E então, eu insistia para contarem suas escolhas.
Para mim, era importante que se expressassem sobre a história, mas, para elas, o sentido
parecia estar ligado à atividade com os materiais oferecidos. Elas também desenhavam a
respeito da história, mas por que era tão necessário explicar o motivo? Por que escolher uma
parte? Minha inconveniente insistência, por vezes, encontrava a resistência das crianças ao me
dizerem: “Ah, qualquer coisa”, “Ah, não sei”; como se dissessem não me incomoda, ou então
que realmente ainda não sabiam dizer o que iriam desenhar. O desenho não estava definido no
pensamento, ele iria surgindo conforme fossem traçando as linhas no papel. A criação
seguiria a imaginação.
Minha necessidade em saber das suas escolhas acompanhou o momento de produção das
crianças, deixando-as, muitas vezes, confusas com tantas perguntas, como mostra o fragmento
a seguir:
Pesquisadora – Coração, qual era a parte que tu estavas fazendo?
Coração – Ah... eu acho que era... (procura o livro) era a boneca.
(então pega o livro) Deixa eu te mostrar.
(Enquanto ela procura...)
Pesquisadora – Vocês já tinham usado cola colorida?
Crianças – Sim.
Pesquisadora – É legal, né?
(Então Coração mostra a parte do supermercado.)
Pesquisadora – E tu gostou ou não dessa parte?
Coração – Não. Eu só gostei dessa... (e fica procurando o que gostou)
Eu insisto – E por que tu não gostasses dessa parte?
(Ela então acha a parte que gostou que era da mãe da Carla gritando
no supermercado.)
Pesquisadora – E por que tu gostasses dessa parte?
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Coração – Porque ela tava braba, porque ela queria todas as coisas (e
continua folheando o livro)
(Eu faço “hun”, parecendo não muito satisfeita.)
Coração – Do gurizinho eu também gostei. (apontando para a parte
final)
(Coração continua com o livro.)
Pesquisadora – Essa parte tu achaste boa?
Coração – Ah?
Pesquisadora – Tu gostaste dessa parte?
Coração – Ah? De quê? (Transcrição do vídeo – Momento de
produção das crianças a partir da história “Hunf! Quero, quero...
Porque quero!”, em 25/4/2013)
A leitura deste fragmento causa certo desconforto, mas posso dizer que ver e rever diversas
vezes esta cena no vídeo me deixou muito incomodada por perceber a situação embaraçosa
em que coloquei Coração. Busco insistentemente achar em seu desenho a parte que escolheu
para desenhar e ela, percebendo o quanto eu estava presa ao livro, busca encontrá-la. Não
satisfeita, quero entender o motivo de sua escolha e, após tantas perguntas que almejavam por
uma resposta, Coração fica confusa não entendendo mais o que perguntei.
Escolher uma parte significa reproduzir o que está no livro e, como não bastasse, as crianças
devem verbalizá-la. Essa parece ter sido minha proposta ao pedir que elas se expressassem
nessa atividade. Como escutá-las esperando uma resposta? A escuta é mais do que pergunta e
resposta. Aqui trago a ideia de Sarmento (2011) para dialogar a respeito da escuta:
(...) o paradoxo maior da expressão “ouvir a voz das crianças” reside
não apenas no facto de que ouvir não significa necessariamente
escutar, mas no facto que essa “voz” se exprime frequentemente no
silêncio, encontra canais e meios de comunicação que se colocam fora
da expressão verbal, sendo, aliás, frequentemente infrutíferos os
esforços por configurar no interior das palavras infantis aquilo que é o
sentido das vontades e das ideias das crianças. Mas essas ideias e
vontades fazem-se “ouvir” nas múltiplas outras linguagens com que as
crianças comunicam. ( p.28)
Um silêncio que tantas vezes foi difícil escutar, por mais que eu soubesse, a partir dos
referenciais estudados e da prática com as crianças, que ele pode ser a expressão das suas
vozes. Mas também um silêncio que pode ser uma escolha muitas vezes. Posso dizer que ele
foi algo que me desestabilizou com uma criança em especial, como trago no fragmento a
seguir:
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Pesquisadora - E tu, Ben, o que tu estás fazendo? Ah, tu escolheste
aquela parte do supermercado.
(Ele mostra no livro.)
Pesquisadora – Tu gostaste ou não gostaste dessa parte?
(Ben olha para os colegas, me olha.)
Pesquisadora – Tu gostaste ou não?
(Ele faz que sim com a cabeça.)
(Transcrição do vídeo – Momento de produção das crianças a partir da
história “Hunf! Quero, quero... Porque quero!”, em 25/4/2013)
Desde o início da pesquisa percebi que Ben era uma criança que não falava. Ele sentava nas
rodas de histórias, olhando atentamente o livro, desenhava, brincava com seus pares, mas
sempre em silêncio. Quando solicitada a sua opinião, ele simplesmente anunciava sim ou não
com a cabeça. Preocupada com sua atitude, conversei com as professoras para saber o que
faziam a respeito e fui informada que desde o ano anterior, quando ingressou nessa escola, ele
agia desta forma. Assim, mesmo sabendo disso, sempre insisti que ele falasse, fazendo-lhe
perguntas que por muitas vezes devem tê-lo deixado constrangido. Até que após tantas
insistências neste encontro a seguinte situação ocorreu:
(Perguntei para o Ben se podia botar seu nome na folha. Ele não
respondeu. Perguntei de novo e de novo. Ele faz que sim com a
cabeça.)
Leo – Professora, é que ele não fala aqui. Ele fala só lá na rua.
Juliana – Eu vi ele falando na rua.
Pesquisadora - Na escola tu não gostas de falar?
(Ele faz que não com a cabeça.)
Pesquisadora – E na rua, tu fala?
(Ele faz que sim com a cabeça.)
Pesquisadora – Por quê?
(Ele sorri e olha para os colegas, mas não responde.)
Coração – Professora, eu gosto de ficar na escola. (idem)
Fiquei surpresa ao ouvir a afirmativa de Leo de que o Ben só falava na rua. Logo fui povoada
de pensamentos que me levavam a questionar o porquê de sua atitude. Será que a escola não
dá espaço para as crianças falarem? O Ben passou por algum trauma na escola? Ele não fala
por vergonha? Não gosta da escola, como sugeriu a Coração? O que a escola tem feito para
mudar essa situação? Todas essas questões e outras acompanhavam os encontros em que o
Ben se fazia presente. Afinal, ele havia escolhido não falar na escola e eu buscava explicações
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500
para essa escolha ao conversar com as professoras e observá-lo com seus pares. Dois meninos
eram os que ele mais brincava, justamente com quem mantinha contato fora da escola. Mas
do mesmo modo não falava com eles, apenas interagia no brinquedo. Comecei, então, a
reparar que as demais crianças não o excluíam por seu silêncio, ao contrário, pareciam
compreendê-lo e, mais que isso, acolhê-lo. Não buscavam explicações para o seu
comportamento, assim como eu fazia. Apenas o acolhiam. Ele fazia parte do grupo e tinha
seus amigos preferidos, assim como todas as outras crianças.
Depois de um tempo, já afastada do processo da pesquisa, vejo que ela não deu conta
de compreender a escolha do Ben por mais que eu tivesse tentado sugerir algumas explicações
já nos questionamentos feitos acima. Como nos diz Kohan (2007)
Nesse mundo psicopedagogizado da escola seria simples encontrar
explicações sofisticadas e ao mesmo tempo fáceis, usar nossos
corriqueiros poderes e saberes, nossas velhas artimanhas, para traduzir
aquela língua, a princípio, incompreensível. (p.126)
Talvez tenha sido por esse caminho que andei durante a pesquisa, tentando interpretar de
forma simples algo tão complexo. Como o próprio autor diz “esse é o caminho que coloca a
infância como ausência, fora, objeto de interpretação.” (ibdem). Talvez o mais correto, se
assim posso dizer, seja acolher a escolha do Ben e perceber que “a infância fala uma língua
que não se escuta”. (ibdem, p.131) Uma língua que, tantas vezes, eu não soube escutar e nem
compreender, buscando aprisioná-la em palavras. Palavras essas que eu pretendia que
falassem das histórias, que respondessem minhas perguntas.
Num certo momento da pesquisa cheguei a pensar que as crianças poderiam não ter sabido
escolher a parte que mais gostaram, já que muitas não me diziam. Mas no processo de análise,
juntamente com minha orientadora, começamos a compreender que elas não respondiam o
que eu perguntava, a escolha era minha e não delas. Eu escolhi que elas desenhassem sobre
este tema e perguntava a respeito. Elas me mostravam que minha intenção era secundária.
Suas escolhas estavam relacionadas à experiência do desenhar, do reconhecimento dos
materiais a serem usados. O “Eu já escolhi” de Juliana poderia estar me dizendo “Eu já posso
desenhar”, por isso cada cena mostrada da história era uma escolha, ou melhor, uma escolha
para logo começar a desenhar.
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“Pode escolher dois, professora?”, me perguntava Meia Noite. Com isso ela me
mostrava que sabia, com certeza, escolher e seu pedido de permissão anunciava ser sabedora
de que para nós, adultos, a escolha envolve isso ou aquilo. Escolher dois materiais me
ensinava que nem sempre precisa ser desta forma. Mas também pode ser visto como uma
forma de dizer que suas escolhas são diferentes das minhas e, por isso, o pedido. No episódio
a seguir essa situação também acontece:
(Juliana pede emprestada para Coração uma cola que estava usando.)
Juliana – Não pode misturar?
Pesquisadora – O quê?
Juliana – A cola.
Pesquisadora – Pode. Só que aí vai ficar uma outra cor.
Juliana – Pode?
Pesquisadora – Pode.
Juliana – Eu não sei se tu tá sabendo como eu tô te dizendo.
Pesquisadora – É que tu vai misturar mais de uma cor, não é?
Juliana – É.
Pesquisadora – Não tem problema. (Transcrição do vídeo – Momento
de produção das crianças a partir da história “Hunf! Quero, quero...
Porque quero!”, em 25/4/2013)
Juliana sabia que sua escolha envolvia algo diferente do que parecia já estabelecido: não
misturar as cores. Ela não queria minha explicação do que aconteceria se fizesse a mistura,
mas sim minha permissão para essa escolha. O meu “pode” causou espanto a ponto de achar
que eu não havia entendido o que pretendia fazer. Era como se ela dissesse: “Tu me escutaste?
”. Parece que a escuta de sua escolha a deixou surpresa. Em outro momento ela novamente
solicita:
Juliana – Posso fazer uma borboleta?
Pesquisadora – Pode.
Juliana – Mas não é da história, tá?
Juliana me mostra sua borboleta. (idem)
Duas questões chamam minha atenção neste pequeno episódio. A primeira é que Juliana
entende que sua escolha não está de acordo com o que foi solicitado e, por isso, ela pede para
fazer uma borboleta que não está na história. E a segunda é engraçada, pois mesmo tendo
pedido ela já havia desenhado a borboleta, independente se eu iria deixar ou não. Assim, ela
burla a regra estabelecida.
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Todos os fragmentos trazidos falam de escolhas, sejam elas propostas por mim ou pelas
crianças. Mas também falam do controle adulto sob as escolhas das crianças, que impõe
regras que muitas vezes as silenciam. Mas pude perceber que as crianças não se mostram
passivas a essas regras, pois, se suas próprias escolhas não são escutadas, elas acham formas,
estratégias de realizá-las. Às vezes, silenciando à pergunta do adulto, outras, pedindo
permissão e outras ainda, burlando as regras. Assim, elas expressam “a sua competência e
revelam a capacidade que têm de lidar com tudo o que as rodeia, formulando interpretações
da sociedade, dos outros e de si próprias, da natureza, dos pensamentos e dos sentimentos,
fazendo-o de modo distinto dos adultos.” (SARMENTO, 2011, p.44). Dessa forma, elas não
se limitam a imitar ou internalizar o mundo em torno delas, mas, num processo interativo, nas
relações com os adultos e com as outras crianças, buscam dar sentido a ele.
Ao iniciar a pesquisa esse referencial já fazia parte de meus estudos e foi com esse olhar que
fui encontrar as crianças. As informações produzidas pelas crianças e também por mim
vieram ao encontro dessas ideias, sendo possível perceber as crianças como ativas na
construção de suas culturas. Mas não posso deixar de mencionar a dificuldade que tive em
escutar essas culturas e de deixar que as crianças me mostrassem seu saber. Minha ação se
mostrou tantas vezes contraditória ao que buscava. E foi na busca por compreender esse
processo vivenciado que encontrei na filosofia alguns fundamentos que me ajudaram a
pensar.
As palavras de Kohan (2007) serviram para traduzir minhas inquietações:
É o risco mais tentador da hospitalidade, o da paternidade que é, em
última instância, o risco de toda pedagogia: o próprio saber que não
permite perceber o que o outro sabe: a impostação de ignorância no
outro, que não deixa ver o que é preciso ignorar em si mesmo. (p.119)
Essa afirmativa foi plenamente cabível no processo em que eu me encontrava. O meu saber,
as minhas verdades sufocavam o saber das crianças e, assim, o que eu mais escutava era a
minha própria voz. Posso dizer que isso gerou um grande conflito, pois percebi que meu
processo de formação como pedagoga me afastava das crianças. No intuito de saber mais
acerca das crianças e das práticas pedagógicas que melhor as acolhessem em sua educação
acabei construindo saberes e verdades que as ignoravam em suas experiências. Saberes que as
capturavam como bem diz Larrosa (2010):
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A infância é algo que nossos saberes, nossas práticas e nossas
instituições já capturaram: algo que podemos explicar e nomear, algo
sobre o qual podemos intervir, algo que podemos acolher. (...) Nós
sabemos o que são as crianças, ou tentamos saber, e procuramos falar
uma língua que as crianças possam entender quando tratamos com
elas, nos lugares que organizamos para abrigá-las. (p.184)
Apropriada desses saberes, eu encontrava as crianças, certa de falar uma língua que elas
entendiam, mas uma língua que buscava respostas. Assistir aos vídeos me fez compreender
que a experiência vivenciada com as crianças era muito mais complexa do que as respostas
que eu buscava. Assim, me encontrei novamente nas palavras de Kohan (2007) “A pedagogia
está tão cheia de respostas fáceis, simplificadoras e superficiais que um pouco de silêncio e
alguns interrogantes suspensos podem ajudar a respirar.” (p.62) Eu precisava do silêncio para
poder escutar o que as crianças quiseram me dizer, tentando me afastar dos saberes e verdades
tão arraigados. Os “interrogantes suspensos” durante o período de análise das informações
produzidas na pesquisa, realmente me ajudaram a respirar e a compreender, assim, que as
crianças vivem a lógica da experiência, ao contrário do adulto, e posso dizer de mim,
pesquisadora e professora, constituída pelo ensinar a lógica da verdade. Desta forma, pude
compreender e dar sentido ao que Kohan (ibdem) afirma: “Há educação excepcionalmente,
quando se interrompe a lógica da pedagogia, quando a verdade dá lugar à experiência.” (p.53)
Neste momento, não posso negar, me remeti para a escola, para as práticas com as crianças.
Minha pesquisa não teve a intenção de analisar essas questões, por mais que ela tenha
acontecido neste espaço e que ela tenha influenciado as ações das crianças e as minhas. Mas
me remeto a pensar na escola por ela ser o ambiente genuíno das práticas pedagógicas que
ensinam a lógica da verdade às crianças. Arrisco-me a dizer que o conflito entre verdade e
experiência pode gerar a busca pelo controle do adulto sobre a criança. A criança, ao buscar a
experiência encontra a verdade do adulto, resistindo e, muitas vezes, burlando esta. O adulto,
então, busca ensiná-la a partir do controle e da regra. A escola é, assim, um espaço de
encontro das culturas, das crianças com seus pares dentro das culturas infantis e das crianças
com os adultos, nas culturas do mundo adulto. Nesse encontro, segundo Corsaro (2011)
Os adultos, naturalmente, são rápidos para descartar ideias,
conhecimentos e contribuições da cultura das crianças o tempo todo.
(...) isso se relaciona com o fato de encararmos os pontos de vista das
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crianças como naturalmente ingênuos e nossas próprias opiniões como
verdadeiras. (p.65)
Larrosa (2002) chama a atenção que uma das razões da experiência ser cada vez mais rara é o
excesso de opinião, o que, segundo ele, anula nossas possibilidades de que algo nos aconteça.
Quantos acontecimentos passaram, aconteceram no processo de pesquisa com as crianças,
mas não me passaram, não me aconteceram, porque fui sujeito da opinião, alguém que sabia a
respeito do que as crianças poderiam dizer ou pensar. Opiniões tão verdadeiras que, por vezes,
acabaram silenciando os pontos de vista das crianças, como foram trazidas em episódios da
pesquisa acima descritos. Um silêncio que pode ser analisado como uma forma de não se
submeter ao que o adulto pede, ou ainda o anúncio da dificuldade de ser escutado.
Posso dizer que colocar-me em questão foi o que mais fiz nesse processo de análise das
informações produzidas na pesquisa. Afirmo que as percepções, ou melhor, a experiência da
pesquisa só foi possível porque tive a possibilidade de vê-la após ter acontecido e então, neste
momento, ela me aconteceu.
Um início para perceber que a infância é algo que nos escapa. Ao mesmo tempo em que ela é
algo que nossos saberes, nossas práticas e nossas instituições já capturaram, ela é um outro,
como Larrosa (2010) nos coloca:
(...) aquilo que, sempre além de qualquer tentativa de captura, inquieta
a segurança de nossos saberes, questiona o poder de nossas práticas e
abre um vazio em que se abisma o edifício bem construído de nossas
instituições de acolhimento. Pensar a infância como um outro é,
justamente, pensar essa inquietação, esse questionamento e esse vazio.
(p.184)
Esse processo foi o que vivi no encontro com a infância e na busca por compreender as
relações estabelecidas pelas crianças, inquietudes na segurança dos saberes construídos ao seu
respeito, questionamentos quanto às práticas vivenciadas na pesquisa e, assim, um vazio
frente ao que se mostrava e ao que fazer. Compreendi, então, que como um outro a infância
não é o que já sabemos, mas também não é o que ainda não sabemos, pois assim seria o
anúncio de um projeto de vir a saber. Como um outro, ela não é objeto de nosso saber, mas é
algo que escapa de qualquer objetivação. Como afirma Larrosa (ibdem):
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A alteridade da infância é algo muito mais radical: nada mais, nada
menos que sua absoluta heterogeneidade em relação a nós e a nosso
mundo, sua absoluta diferença. E se a presença enigmática da infância
é a presença de algo radical e irredutivelmente outro, ter-se-á de
pensá-la na medida em que sempre nos escapa: na medida em que
inquieta o que sabemos (e inquieta a soberba da nossa vontade de
saber), na medida em que suspende o que podemos (e a arrogância da
nossa vontade de poder) e na medida em que coloca em questão os
lugares que construímos para ela (e a nossa vontade de abarcá-la).
(p.185)
Pensar e perceber desta forma só pode nos colocar em questão, pois é um encontro com um
enigma, e, como nos coloca o autor, com o enigma da infância e, quando nos deparamos com
ele, nossa primeira atitude, ou melhor, o que intencionamos é resolvê-lo. Mas como resolvêlo? Não será reduzindo a infância a algo que já conhecemos, ou como aquilo que temos de
integrar no nosso mundo, nem tampouco concebendo-a como matéria-prima para a realização
de nossos sonhos e projetos futuros de um mundo melhor.
Considerações finais
Neste artigo em que discuto a escuta e o silêncio... a verdade e a experiência a partir de
pesquisa realizada com as crianças não consegui deixar de olhar minha intervenção, como
adulta e pesquisadora cheia de intenções de pesquisa. Ou seriam verdades? E na minha
relação com elas, com todas as suas ações e contradições na busca por escutá-las, percebi a
interdependência entre as culturas da infância e as culturas dos adultos que, imbricadas,
produzem-se mutuamente e, constroem-se em relações de conflitos. As informações
produzidas mostraram a dificuldade do adulto em escutar as escolhas das crianças, moldandoas as suas expectativas e ao seu planejamento, colocando-lhes regras. Mas também mostraram
que as crianças não são passivas a essas regras, pois se suas escolhas não são escutadas, elas
acham formas, estratégias de realizá-las, às vezes, silenciando à pergunta do adulto, outras
pedindo permissão e outras ainda burlando as regras.
Compreendi, para além do que os referenciais teóricos apresentam, que a infância e,
consequentemente, as crianças como sujeitos concretos, que vivem essa categoria geracional,
é um outro, diferente do que eu enquanto adulta digo dela ou posso representá-la. A
experiência da pesquisa me permitiu encontrá-la não a partir do que eu sabia dela, mas do que
ela me escapou.
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ISSN 2448-1157
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Para além do Berçário: os bebês e os espaços coletivos na EEI/UFRJ
Fabiana Maria de Oliveira Nascimento29
(EEI-UFRJ)
A educação que um menino recebe dos objetos, das
coisas, da realidade física – em outras palavras, dos
fenômenos materiais de sua condição social – torna-o
corporalmente aquilo que é e será por toda a vida.
O que é educada é a sua carne como forma do seu espírito.
(Guimarães e Kramer, 2009, p.82)
Resumo
Todos os espaços da escola são lugares de aprendizagem. São nestes espaços que ocorrem as
experiências exploratórias e significativas que as crianças vão elaborando ao longo de seu
desenvolvimento e que contribuem para a compreensão de si e do mundo que as cercam. Ao
educador infantil cabe o papel de reconhecer a importante função desses espaços para que as
crianças aprendam e com isso marquem presença. Nesse sentido, este trabalho discute a
importância dos espaços coletivos da escola como ambientes de aprendizagem para os bebês e
crianças pequenas. Algumas dessas experiências serão relatadas aqui a fim de mostrar como
os bebês aprenderam e se fizeram presentes. Experiências que trouxeram para os bebês,
interações, vínculos e a confiança, pois as crianças e os adultos que partilham esses mesmos
ambientes, passam a se reconhecerem nesses espaços, reafirmando-se e construindo seu
próprio aprendizado.
29
Professora da Escola de Educação Infantil da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEI-UFRJ).
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Palavras-chave: Bebês- espaços- ambientes- relações- aprendizagem
Introdução
Mas os bebês, eles também irão? O berçário também vai participar? Perdi a conta de
quantas vezes ouvi esta expressão este ano. Pátio, pintura coletiva, sala de leitura, são
algumas das experiências cuja participação dos bebês suscitaram surpresa em alguns
integrantes da escola.
Entretanto, se os bebês fazem parte de uma instituição de educação infantil, que é um
espaço coletivo, por que sua participação ainda nos causa admiração?
Todo espaço na escola é um lugar de aprendizagem. O espaço “educa porque promove
o desenvolvimento de habilidades e sensações, com base na sua riqueza e diversidade”
(Guimarães e Kramer, 2009, p. 85). É através das interações com o outro e com o meio
material que as crianças aprendem e experimentam o mundo, ressignificando-o pelo toque,
pelo olhar, pelo gesto, que são suas formas de linguagem.
Assim, se compreendemos os espaços como mediador de nossas relações, eles podem
significar acolhimento, diálogo, confiança ou controle e isolamento. Somos nós, adultos
envolvidos no cotidiano da escola, que atribuímos através de nossa prática sentidos aos
espaços, que irão influenciar as crianças por toda a vida, “o que é educada é a sua carne, como
forma do seu espírito.” (Guimarães e Kramer, 2009, p. 82).
Diante disso, pensar a prática de inserção dos bebês no espaço coletivo de educação
tornou-se necessária, um movimento para compreender qual lugar tem sido designado às
crianças bem pequenas na escola de educação infantil.
O objetivo é discutir a importância dos espaços como ambientes formadores para as
crianças bem pequenas. Além disso, a partir das experiências nos espaços coletivos de
educação, reconhecer verdadeiramente os bebês como parte integrante do grupo escolar, para
que estes tenham seus direitos respeitados.
Para a construção de outros olhares sobre os bebês e sua participação na vida da
escola, veremos como a imagem das crianças bem pequenas foi construída na história e
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atravessam nossa fala e nossa prática com as crianças. Em busca de novos significados, serão
apresentadas algumas práticas desenvolvidas na Escola de Educação Infantil da UFRJ (EEIUFRJ) com o grupo do berçário 2, como possibilidades para a inserção dos bebês no cotidiano
da escola e a importância dessas iniciativas para a construção de uma escola verdadeiramente
para todos. Discutir o trabalho das instituições de primeira infância e dar visibilidade às ações
dos bebês em seu espaço é contribuir para a legitimação dos mesmos na sociedade.
Estranhamento: mas os bebês também irão participar?
A participação dos bebês na vida coletiva da escola e da sociedade em geral ainda
causa estranhamento em muitos. Somente a partir da década de 80, as crianças passaram a ser
compreendidas como sujeitos de direitos: com a Constituição consolidam-se seus direitos à
vida, saúde, educação, cultura, dignidade e como esta, outras perspectivas sobre as crianças
foram sendo tecidas, cidadãs de pouca idade, seres sociais, produtoras de cultura. Antes disso,
diversas concepções sobre ser criança foram construídas e ainda circulam em nossa escola e
sociedade, definindo nossas ações em relação aos bebês.
A trajetória da infância está marcada por diversos sentimentos, da indiferença na Idade
Média, a paparicação (ao ser considerada pela família como um ser puro, ingênuo) e a
moralização (um ser incompleto, sem razão, que precisa ser disciplinado).
A criança pode ser a tabula rasa a ser instruída e formada moralmente,
ou o lugar do paraíso perdido, quando somos plenamente o que jamais
seremos de novo. Ela pode ser a inocência (e por isso a nostalgia de
um tempo que já passou) ou um demoniozinho a ser domesticado
(quantas vezes não ouvimos dizer que “as crianças são cruéis”?). Seja
como for, em todas essas ideias o que transparece é uma imagem em
negativo da criança: quando falamos assim, estamos usando-a como
um contraponto para falar de outras coisas, como a vida em sociedade
ou as responsabilidades da idade adulta (Barbosa e Fochi, 2012, p. 9).
Ambas as perspectivas, a criança é vista de forma negativa, como um ser que ainda
não é, não fala, não anda, não sabe, não entende... Marcado pela falta e pelas especificidades
de sua condição enquanto bebês, eles se tornaram invisíveis em suas competências. Essas
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ideias inspiraram os lugares destinados a atender as crianças bem pequenas e as práticas nele
estabelecidas.
As primeiras creches no Brasil datam do final do século XIX e início do século XX,
demanda que surge a partir da Lei do Ventre Livre e a preocupação das donas de casa com as
crianças de suas escravas, características ainda presentes na creche popular, de atender mais
as trabalhadoras domésticas do que às operárias industriais (Kuhlmann, 2011). Assim, a
guarda e assistência são suas marcas essenciais.
No início do séc. XX, o discurso científico vindo da medicina e da puericultura foi se
constituindo como forma adequada de cuidar das crianças. Sob a influência médicohigienista, as creches tinham como objetivo principal garantir a saúde das crianças através do
combate à desnutrição, da formação de hábitos higiênicos e morais nas crianças e famílias.
A escola onde trabalho também reflete essa política: ela nasceu Creche Universitária
Pintando a Infância em 1981 como um setor do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão
Gesteira (IPPMG), como um lugar para que os servidores deixassem seus filhos durante o
trabalho.
Hoje, mais que um lugar de guarda, somos uma escola, mas após 34 anos de
existência, continuamos nas dependências do hospital.
Essas práticas médicos-sanitaristas ainda têm lugar na creche, quando damos ênfase ao
cuidado na perspectiva da alimentação e dos hábitos de higiene e esquecemos que os bebês
possuem outras necessidades. Essa preocupação transformou a sala do berçário em espaço
privilegiado para atender os bebês, em detrimento dos espaços externos, lugar de
contaminação e ausência de controle.
Privilegiou-se o uso do espaço interno da creche para os bebês por ser
de mais fácil controle quanto às questões de higiene e limpeza, assim
como por se constituir um espaço onde se torna mais simples
assegurar cuidados com relação a vida dos bebês, que dependem
bastante do adulto como Outro em sua relação nos seus primeiros anos
de vida, a quem compete tanto cuidados físicos como significações e
respostas aos seus atos (Gobbato, 2011 p. 29).
Devemos salientar que não se trata de desconsiderar a importância da sala do berçário,
espaço fundamental para o encontro entre os bebês e construção de narrativas com seus pares
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e seus educadores, mas de não permitir que o excesso de proteção impossibilite que as
crianças construam vivências e circulem por outros espaços da instituição (Gobbato, 2011).
Precisamos construir novas imagens das crianças não pela falta, necessidade,
fragilidade, desproteção, que conduz a relações com os bebês sobre o viés da disciplina, do
higienismo e do controle e que transforma a sala do berçário em “espaço que separa os bebês
da creche como um todo” (Guimarães, 2011, p.158), mas sim entendendo que a imaturidade
característica dos bebês “não é impotência, senão possibilidades e potencialidades de crescer”
(Barbosa e Fochi, 2012, p.5).
Precisamos romper com esses laços que consideram os bebês pela falta, como se por
não falar ou andar bastassem ser cuidados, alimentados e higienizados e ver os bebês em sua
inteireza, como sujeito protagonista de suas aprendizagens, com iniciativas, interesses,
sentimentos. Construindo outras lógicas de interação, em busca daquilo que as crianças
podem, negar a presença dos bebês nos espaços coletivos das instituições de educação
infantil, seria equivalente a desconsiderar sua condição de sujeitos de direitos, atores sociais.
A vivência na escola de educação infantil é fundamental, pois segundo Barbosa e
Guimarães (2009, p.52) “trata-se de considerar o espaço da creche como oportuno para a
formação da identidade, a constituição do eu no contato com o social, entendendo que o
conhecimento de mundo acontece imbricado no conhecimento de si”. Quantas oportunidades
de interações seriam perdidas se os bebês ficassem confinados em suas salas de berçário?
A formação da identidade se dá no processo dialógico com os adultos que a cercam,
que ao dar significados a suas ações e objetos, ao interagir por gestos e palavras contribui para
que as crianças construam o conhecimento de si e do mundo (Barbosa e Guimarães, 2009).
Além disso,
nas interações são vivenciadas práticas sociais, a arena onde as
crianças internalizam os signos sociais: regras, normas, valores,
formas e condições de ser e estar no mundo. Nas interações elas
aprendem as formas de ser e estar na escola, com todas as
singularidades que permeiam essas instituições. Tais signos e a
maneira como eles são valorados socialmente e pelo grupo familiar da
crianças mostram-se fundamentais no processo de desenvolvimento
(Nascimento, 2009, p.152).
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Nas interações aprendemos com o outro, nos constituímos e aprendemos sobre o
mundo e também a ser escola. Permitir que os bebês tenham acesso ao espaço coletivo na
educação infantil torna-se primordial, contudo, a presença dos bebês nos interroga e nos
impõe alguns desafios. Como transformar essa necessidade em realidade? Vejamos como
nossa prática pode nos trazer pistas para pensarmos esta questão.
Descobertas: os bebês também podem participar!
Trabalhar com os bebês é estar aberto, ao novo, ao imprevisível, ao inesperado. Cada
criança que nasce traz ao mundo um desafio. Sua necessidade de experimentar sensações –
luz, calor, frio, som, odores, toque, olhares – é fundamental porque “é uma necessidade
cognitiva: um faro para a inteligibilidade das coisas e seu sentido para a existência” (Barbosa
e Richter, 2010, p.94) nos provoca a pensar como podemos garantir a eles que vivenciem este
mundo sem que suas necessidades de atenção e segurança sejam negligenciadas.
O berçário 2 é formado por 14 bebês, sendo a maioria das crianças oriundas do ano
passado e alguns ainda em processo de inserção. As crianças foram integrando-se ao grupo
com idades variadas, sendo o mais velho com 1 ano e 2 meses.
Por parte das professoras, a participação dos bebês nas atividades coletivas foi
acontecendo de forma gradativa e fluiu naturalmente. Para tanto, a observação atenta aos
bebês constituiu-se como ferramenta fundamental nesse processo. Através dela foram
definidas quais atividades seriam viáveis e quais a participação dos bebês não seria possível.
Isso se dá porque diversos fatores estão envolvidos no atendimento aos bebês: se o espaço é
adequado para receber os bebês; se eles se sentirão confortáveis na presença de adultos que
não são de seu convívio diário; se há adultos suficientes para garantir sua segurança, entre
outros. Em cada participação, estes e outros aspectos são considerados para que a experiência
seja realmente válida para os bebês.
A seguir, iremos destacar algumas atividades que deram visibilidade aos bebês e seus
fazeres e nos mostraram a importância da apropriação dos espaços pelos bebês para o seu
desenvolvimento e para que outros olhares sobre a participação das crianças tão pequenas
sejam difundidos.
Os bebês e o pátio
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Muitas histórias são construídas no pátio. Temos um espaço amplo, com uma área coberta
com mesas e cadeiras para atividades diversas, uma área verde gramada com árvores, caixa de
areia, um chuveirão e piscinas de plástico, casinhas de madeira e plástico, alguns brinquedos
como cavalinhos para balançar, velocípedes e um parquinho com escorrega, balanço e
gangorra.
Foi no pátio que aconteceram as primeiras participações dos bebês nas atividades
coletivas da escola. Desde o início do ano, reservamos momentos da rotina para que as
crianças pudessem usufruir desse espaço, seja com o próprio ambiente, seja com suas
interações com o Outro. Também aproveitamos este ambiente para a participação de alguns
projetos anuais que são realizados na EEI.
No início de abril, a escola promoveu a Semana Literária com diversas atrações como
teatro de fantoches, contação de histórias, feira literária e os bebês marcaram presença.
Durante as apresentações, as crianças se mantiveram atentas por um longo período e outras
preferiram o aconchego do colo de seu adulto de confiança. Na feira literária as crianças
ficaram livres para interagir com os livros e também com crianças de outras idades. Permitir
aos bebês que tenham contato com a arte, seja pelo teatro, literatura, músicas e oferecer a eles
outras formas de pensar, sentir, de expressar e compreender a vida, é um dos fundamentos
principais da educação infantil.
Mesmo quando ainda não andavam (no grupo do berçário 1), os bebês já faziam uso
dele para brincar e construir relações com outras crianças e com o meio natural: as árvores, os
insetos, a areia, o vento, o sol, os pássaros e tantas outras coisas. Nessa fase os tatames eram
nossos aliados, construindo uma área onde os bebês poderiam sentar-se e estar ao ar livre,
interagindo com o ambiente de forma agradável, assim como brinquedos e livros da sala que
levávamos conosco para que as crianças pudessem brincar.
Ir ao pátio com os bebês tornou-se uma rotina, pois conforme Barbosa (2010, p.13):
Todos os dias os bebês precisam ir ao pátio, pois este é um
procedimento saudável e também uma importante situação de
integração com as demais pessoas da escola, especialmente porque
promove interações entre crianças de mesma idade e crianças de
diferentes idades. É importante que todos os dias os bebês vivenciem
situações que incentivem a curiosidade, a exploração, o encantamento,
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o questionamento, a indagação e o conhecimento das crianças em
relação ao mundo físico e social, ao tempo e à natureza.
Nesse espaço de interação, os bebês constroem significados com seus pares, com
crianças de outras idades e com outros adultos que integram a escola. No pátio, os bebês
brincam, estabelecendo vínculos e relações de confiança com outros adultos que não fazem
parte da sua rotina; podem construir hipóteses e testar seu corpo e movimentos para resolver
problemas em como alcançar uma bola ou como descer um degrau; podem experimentar
sensações quando brincam com a água com outras crianças e atribuir novos significados às
coisas, transformando algumas folhas em objetos tão preciosos, dignos de nossa atenção.
Essas e muitas outras experiências vivenciadas no pátio, propiciam aos bebês construir
sua história em relação com o espaço e com o outro. Dessa forma, este espaço precisa ser
valorizado em seu potencial tanto sensorial quanto relacional ao promover escolhas e
oportunidade de todo tipo de aprendizagem afetiva, social e cognitiva, ambiente do diálogo,
da escuta, das múltiplas linguagens, do bem estar e da segurança.
Entretanto, se olharmos nosso pátio do ponto de vista da infraestrutura, ele não está
adequado ao atendimento aos bebês. Não há brinquedos que contemplem sua especificidade,
porém não podemos esperar que os espaços estejam adequados para que os bebês possam
usufruir deles. Os bebês precisam ocupar os espaços, assim ele ganha visibilidade e suscita
reflexões sobre a adequação dos espaços coletivos para os bebês.
E ao ocupar estes espaços enquanto brincam, exploram curiosidades na natureza,
correm pelo pátio, interage com outras crianças, seus fazeres e ações tornam-se visíveis para
os funcionários, professores e todos aqueles que circulam pelos espaços da escola,
construindo novas imagens sobre o que pode os bebês nesta instituição de educação infantil.
A partir desses novos olhares, outras práticas que levem em conta a especificidade dos bebês
são construídas.
Os bebês e a Semana de Pinturas
A Semana de Pinturas foi elaborada para que todas as crianças da escola pudessem
interagir e deixar suas impressões. Essa atividade teve como fundamento a pintura de quase
todas as paredes da escola.
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A participação dos bebês nessa Semana de Pinturas despertou diversas emoções. Essa
atividade gerou certa ansiedade, pois não sabíamos quais seriam as suas reações. Além disso,
se envolver na atividade e garantir a segurança das crianças era um desafio.
Iniciamos nossa pintura no corredor de entrada. Como esse corredor é uma rampa,
posicionamos os bebês bem no início, assim poderiam sentar-se para pintar e manipular os
materiais. Enquanto alguns bebês pintaram a parede e experimentaram a textura em seu corpo,
outros preferiram observar. Quando um desses bebês (Miguel, de 1 ano e 2 meses) que apenas
observou se sujou (brincando com outro bebê que estava experimentando a tinta), este veio
correndo para mim e disse:
- Tira para mim! (Com um tom de voz desesperado).
Visto que essa criança não gostava de manusear tintas ou outras texturas que o
sujassem, eu me voltei para ele e perguntei:
- Por que você quer tirar a tinta? Vamos pintar...Eu vou com você...
Daí esse bebê exclamou:
- Tira!!!!!
Então, eu acrescentei:
- Veja, também estou me pintando...
E este bebê ficou me olhando com um olhar desconfiado, não sabendo o que dizer no
momento.
Daí eu disse:
- Pode pintar.
Mas o bebê retrucou:
- Não! Isso não vai sair!!!!
E então eu respondi, com muita calma:
- A tinta vai sair sim...Não precisa se preocupar! Veja! Eu também estou me
pintando... E depois vou retirá-la. Sabe como? Eu vou fazer uma mágica na hora do banho e
vou tirar tudo. Você vai ver. Pode se pintar! Eu prometo a você que vou tirar tudo!
Após esse comentário, a criança voltou para a pintura e deixou que os outros bebês
também pintassem seu corpo. Depois ele voltou sorrindo e disse:
- Olha, Fabiana...Estou me pintando! Ele estava se pintando com uma tinta verde e
aproveitando-se disso, começou a brincar e a fantasiar, pois logo a seguir me disse:
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517
- Eu virei o Hulk!!!!! (E estava levantando os braços como se quisesse mostrar os
músculos).
Eu imediatamente comecei a brincar com ele, dizendo:
- Isso mesmo, Hulk! E eu virei o quê? Já sei! Virei a Mulher Maravilha!
Nesse mesmo momento, todos os bebês se voltaram para nós dois e começaram a
fantasiar que também eram super-heróis. E começamos a brincar por ali mesmo, pintando e
conversando.
Quando percebi que as crianças já não se interessavam mais pelo momento de pintura,
pois já estavam cansados, então, voltamos para a sala para tomar banho. Neste momento,
mostrei para este bebê que a tinta estava saindo de seu corpo e que ele poderia se pintar
sempre, sem medo, ora conversando ora deixando-o retirar a tinta de seu corpo.
Depois disso, essa criança passou a sempre pedir para manusear tintas ou outras
texturas, pois sentia-se seguro e confiante para explorar os materiais.
Assim, podemos inferir com base na cena acima, que:
numa prática dialógica, confirma-se o lugar ativo e interativo da
criança, a importância da sua palavra e da sua presença. À medida que
há possibilidade para experiências, para as ideias que a criança traz,
para as escolhas dela, o vínculo com os adultos e com o espaço é
fortalecido, assim como a percepção de si mesma como importante e
capaz. Ao mesmo tempo que é escutada, a criança vai incorporando o
desafio de escutar, considerar a presença e a ideia do outro,
compreendendo a diversidade como riqueza no cotidiano. Isso
proporciona à criança a participação nos projetos cotidianos junto com
o professor e todos os envolvidos. Paralelamente, o lugar ativo do
professor também é assegurado, à medida que produz organizações e
propostas
em
sintonia
com
os
movimentos
das
crianças
(RONCARATI, pág. 12, 2012).
É nessa dimensão que se coloca o planejamento do professor, a estruturação das
atividades e a organização das rotinas. Ou seja, é importante que o planejamento das práticas
possa nascer da observação das manifestações infantis. Assim, uma brincadeira de heróis
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518
entre as crianças e o vínculo devem estar estreitamente relacionados aos processos de
constituição da identidade da criança: o afeto, a expressão, o brincar, o movimento corporal, a
fantasia.
Nessa perspectiva, as propostas pedagógicas também precisam incluir e acolher as
expressões afetivas, uma vez que essas são as principais formas das crianças buscarem
relacionar-se e comunicar-se com seus colegas e com os adultos. “Um aprendizado
fundamental para a criança é o de gerir e saber lidar com suas próprias emoções. Este é um
processo gradual, que pressupõe um espaço/tempo no qual ela possa vivenciar suas emoções
genuinamente, expressá-las, reconhecê-las e perceber o impacto que causam em si, no outro e
nas suas relações interpessoais” (RONCARATI, pág. 13, 2013).
Essa atividade durou uma semana e percorreu todos os espaços da escola. Foi
percebido por nós professoras deste grupo, que esta atividade não foi uma simples pintura,
pois os bebês deixaram na escola mais do que marcas na parede, eles se fizeram presentes e
com sua participação puderam inserir-se em seu grupo social e consolidar seu pertencimento
na comunidade escolar.
Os bebês e a sala de leitura
A sala de leitura é um espaço dedicado aos livros, mas as linguagens nela envolvida
não se restringem as letras, mas passam pela música, pela dramatização, pelo teatro e ampliam
o universo das crianças em suas múltiplas linguagens.
Em nossa visita, a sala foi preparada com livros específicos para a faixa etária do
berçário. Após a contação da história, fantoches e instrumentos musicais entraram em cena.
Nesse momento, no exercício de sua autonomia, os bebês fizeram suas escolhas entre os
livros, a música, os instrumentos musicais, os fantoches.
As experiências proporcionadas pelo espaço e pelos adultos nela envolvidos
demonstram o respeito as iniciativas e interesses das crianças, o incentivo a sua autonomia.
Mas acima de tudo, abrir as portas da sala de leitura aos bebês que ainda não leem significa
reconhecer a importância das experiências de ouvir histórias desde a mais tenra idade para a
formação de futuros leitores e a construção do prazer de ler, ouvir e contar histórias.
Através desta experiência a escola cumpre seu papel ao
favorecer experiências que permitam aos bebês e às crianças pequenas
a imersão, cada vez mais complexificadora, em sua sociedade através
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das práticas sociais de sua cultura, das linguagens que essa cultura
produziu, e produz, para interpretar, configurar e compartilhar
sensações e sentidos que significam o estar junto no mundo,
construindo narrativas em comum (Barbosa e Richter, 2010, p.10).
As práticas aqui mencionadas trazem algumas das iniciativas de inserção dos bebês
nos espaços coletivos na educação e nos fazem refletir: um outro lugar para os bebês é
possível nesta instituição?
Desafios: os bebês nos interrogam...
A presença dos bebês nos espaços coletivos de educação infantil nem sempre é uma
unanimidade. Como vimos em nosso relato, são muitos os desafios para a participação dos
bebês nesse espaço. Negar ou permitir o acesso dos bebês vai ao encontro ao que pensamos
dos bebês, ao que entendemos por escola para eles e o que devemos propiciar as crianças bem
pequenas nos diversos espaços escolares.
Nosso cotidiano revelou como os bebês são ricos em suas possibilidades e interações,
atuando na construção da vida social e daqueles que o cercam. Assim sendo, devemos superar
a inclinação de considerar como espaço ideal para os bebês aqueles que podem ser
controlados e os bebês se mantenham seguros e protegidos. Nossa prática mostra que integrar
o bebê nos espaços coletivos de educação infantil é possível, sem que sua integridade seja
posta em risco.
Não podemos esperar que os bebês cresçam para que seu direito a participar dos
espaços coletivos seja efetivado. As interações e experiências que eles promovem são
fundamentais para o desenvolvimento dos bebês, que enquanto seres sociais necessitam do
contato, do olhar e da palavra do outro para construir a si mesmo e ao mundo. Logo a escola
precisa mudar suas concepções para atender aos bebês. Hoje.
Segundo Gobbato (2011, p. 207):
A presença dos bebês nos espaços de uso coletivo interroga uma
escola pensada para contemplar apenas as necessidades das crianças
mais velhas, aliás, que é planejada apenas para a participação dessas
nos seus espaços de uso comum. Assim, a inclusão dos bebês como
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frequentadores dos diferentes espaços da escola, promove além do
redimensionamento
do
fazer
pedagógico
com
bebês
um
redimensionamento no modelo de escola de educação infantil.
Superar este modelo significa não apenas ampliar as vivências dos bebês na escola,
mas nos provoca “a pensar uma escola que contemple as diversidades e respeite a
multiplicidade, tanto dos bebês quanto das outras crianças!” (Gobbato, 2011, p.207).
Mudar essa realidade é um desafio. É preciso buscar relacionar-se com os bebês a
partir de uma outra imagem e fazer com que esta imagem se traduza em nossa prática.
Percebemos que pequenos passos foram dados, mas ainda há muito a caminhar.
Nossas práticas estão em construção, por isso esperamos que a presença dos bebês inspire
outras relações e práticas, para a promoção de uma educação verdadeiramente para todas as
crianças.
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521
Referências Bibliográficas:
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Disponível em:
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BARBOSA, Maria Carmem S. & RICHTER, Sandra Regina S. Os bebês interrogam o
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GUIMARÃES, Daniela. Relações entre bebês e adultos na creche: o cuidado como ética. São
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KUHLMANN JR., Moyses. Infância e Educação Infantil: uma abordagem histórica. Porto
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Pedagógica. Belo Horizonte: Dimensão, 2013, p. 44-50.
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522
A especificidade do trabalho pedagógico com a pequena infância na rede municipal de
Niterói: (des)caminhos de pesquisas colaborativas com as crianças de 0 a 3 anos 30
Fabiane Florido de Souza Lima 31
Maria do Nascimento SILVA32
RESUMO
Este trabalho pretende apresentar nossas reflexões iniciais a partir do desenvolvimento de
nossas pesquisas, que ainda estão em andamento, e que vem sendo realizadas em Unidades
Municipais de Educação Infantil de Niterói. Tais estudos abordam questões que dizem
respeito à especificidade e organização do trabalho cotidiano com os bebês e a organização
dos tempos e espaços que os coletivos infantis vivenciam numa jornada de nove horas diárias.
As pesquisas em curso são qualitativas de cunho participante e etnográfico. São
fundamentadas a partir do referencial teórico metodológico da Sociologia da Infância, que é
um campo epistêmico que em nosso percurso investigativo, nos oferece importantes aportes a
partir dos estudos que vem sendo conduzidos por autores como Sarmento (2008), Corsaro
(2011), Faria & Finco (2011), dentre outros. Tais autores tem nos ajudado na compreensão e
no desafio de se pesquisar a pequena infância, nos fornecendo uma maior fundamentação
político e epistêmica sobre as crianças e seus modos de ser e de estar no mundo. Nesse
sentido, os pequenos não são pensados como seres incompletos ou subalternizados numa
perspectiva adultocêntrica. Sabemos que o que há produzido no campo, ainda não dá conta da
complexidade do trabalho de investigação com a pequena infância. Assim, reconhecemos a
importância de nosso trabalho na ampliação do campo teórico e metodológico que envolvem
os estudos sociais sobre a infância(s).
Palavras-chave: Pequena infância; tempos e espaços; bebês; coletivos infantis.
As questões que trazemos em nossas pesquisas são construídas a partir das nossas
experiências com os coletivos infantis na educação da pequena infância de 0 a 5 anos. Tais
questões dizem respeito à especificidade e organização do trabalho cotidiano com os bebês e a
organização dos tempos e espaços que as crianças vivenciam numa jornada de 9 horas diárias
dentro da Unidade Municipal Educação Infantil (UMEI).
As pesquisas em tela estão sendo desenvolvidas em duas (2) UMEIs do município de
Niterói, região metropolitana do estado do Rio de Janeiro. O estudo com os bebês tem como
lócus investigativo a UMEI Lisaura Machado Ruas33, situada no Morro da Cocada, região de
30
31
32
33
Este texto é fruto de Pesquisa de Mestrado iniciada em 2014 na Universidade Brasileira.
UERJ/FFP - Mestranda em Educação
UERJ/FFP - Mestranda em Educação
Para melhor conhecer a Proposta Pedagógica da creche, acessar sua página no Facebook, através da busca
‘UMEI Lisaura Machado Ruas’, ou no You Tube: apenas UMEI Lisaura Ruas.
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Pendotiba, no bairro do Badu. A referida UMEI atende aproximadamente 100 crianças, de 0 a
5 anos.
Já a pesquisa sobre a organização dos tempos e espaços está sendo realizada na UMEI
Vinicius de Moraes34, localizada no bairro do Sapê, que atende aproximadamente 190
crianças de educação infantil de 3 a 5 anos. As UMEIs delimitadas apresentam-se enquanto
espaços potentes de valorização das crianças pequenas, procurando desenvolver práticas
educativas que reconhecem a criança como produtora de cultura e sujeito de direitos.
Um dos grandes desafios que se coloca ao pesquisador (a) da pequena infância diz
respeito à relação do/da pesquisador (a) com as crianças, principalmente na pesquisa
qualitativa, de cunho participante. Todo estudo pressupõe escolhas teóricas e metodológicas,
que de modo geral refletem e dialogam com a biografia do pesquisador (a) e de suas escolhas
políticas e epistêmicas.
Neste sentido, as pesquisas em andamento são fundamentadas a partir do referencial
teórico da Sociologia da Infância; referencial esse que tem nos ajudado na compreensão da
infância como uma construção histórica, cultural e geograficamente contextualizada, bem
como as crianças que a compõem como atores sociais plenos, constituídos na cultura e
construtores de cultura.
O referencial da Sociologia da Infância tem defendido uma ciência mais aberta, mais
dialógica, fomentando a criação de metodologias de investigação com as crianças e não
apenas sobre as crianças, considerando-as atores sociais e produtoras de culturas (FARIA &
FINCO, 2011).
Quinteiro (2002) nos lembra do desafio que é pesquisar com as crianças: “pouco se
ouve e pouco se pergunta às crianças, muito do que afirmamos sobre as crianças são
argumentos construídos por adultos”.
No caso da pesquisa com os bebês o desafio é ainda maior, pois por mais que se queira
ouvi-los, existe a barreira da linguagem verbal, tendo em vista que os bebês ainda não
dominam de forma plenamente compreensível essa forma de expressão. Logo se faz
necessário uma relação estreita com as famílias e uma escuta sensível (BARBIER, 1998) por
parte da pesquisadora, objetivando que se estabeleça uma relação dialógica com os pequenos
através de outras formas de linguagens, como por exemplo, os olhares, os gestos e o corpo, a
linguagem corporal dos bebês como possibilidade comunicacional.
34
Facebook: ‘UMEI Vinicius de Moraes’
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524
Tal pesquisa tem por objetivo investigar as possibilidades educativas do trabalho
pedagógico com os bebês num espaço público de educação infantil, considerando as
experiências e as múltiplas relações/ interações que estes vivenciam no cotidiano do berçário.
Na referida pesquisa, o trabalho de campo tem sido realizado de forma sistemática,
com uma participação frequente da pesquisadora, que permanece na escola/berçário da
investigação, duas vezes por semana para acompanhar o grupo de bebês (crianças de 4 meses
a 1 ano), bem como a participação nas reuniões de planejamento dos profissionais da creche.
Nesse sentido, venho me utilizando de procedimentos etnográficos, que é um
referencial teórico e metodológico oriundo da Antropologia, e que requer a presença
prolongada do pesquisador (a) no contexto social investigado, um contato direto com as
pessoas e os contextos de investigação. Um modo de olhar e compreender baseado na
descrição densa e aprofundada dos fenômenos sociais e culturais que ocorrem no contexto
investigado, nos exigindo muita capacidade de escuta e interpretação rigorosa, ou seja, muita
vigilância epistêmica para não realizar leituras apressadas e preconceituosas dos fenômenos
investigados.
Oliveira (2000) destaca três importantes recursos que, segundo ele, são fundamentais
na pesquisa etnográfica. São eles: o olhar, o ouvir e o escrever. O referido autor enfatiza que
esses três elementos “assumem um sentido todo particular, de natureza epistêmica, pois tais
faculdades nos permitem construir nosso conhecimento (p.18)”.
Ainda segundo Oliveira (2000), a primeira experiência do pesquisador de/no campo é
a domesticação teórica de seu olhar.
Isto porque, a partir do momento em que nos sentimos preparados
para a investigação empírica, o objeto, sobre o qual dirigimos o nosso
olhar, já foi previamente alterado pelo próprio modo de visualizá-lo.
Seja qual for esse objeto, ele não escapa de ser apreendido pelo
esquema conceitual da disciplina formadora de nossa maneira de ver a
realidade. (OLIVEIRA, 2000, p. 19)
A “domesticação do olhar” seria um olhar sensibilizado pela teoria, pois o autor
defende que o olhar por si só não seria capaz de compreender a realidade, sendo a teoria
social o que pré-estrutura o nosso olhar e refina a nossa capacidade de observação.
Os contextos informacionais, a geração de dados estão sendo obtidos através de
filmagens, fotos e registro de caderno de campo sistemático e continuo, pois acreditamos ser
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um importante registro de cada detalhe das vivências do cotidiano investigado, que muitas
vezes são perdidos quando não registrados.
Posteriormente tais dados serão analisados a partir das questões de estudos que foram
previamente definidas antes de minha inserção no campo que são:
 Que práticas educativas podem ser construídas e desenvolvidas no berçário
investigado?
 Como se dão as relações/interações estabelecidas entre bebês, com os adultos e
com as crianças maiores?
 O trabalho pedagógico desenvolvido na creche pesquisada tem buscado
promover/favorecer situações nas quais as crianças da pequena infância
possam se expressar nas mais variadas formas, sentimentos e ideias?
 Como se estruturam os processos de formação humana na escola de Educação
infantil, sobretudo aqueles direcionados aos bebês?
 Como os (as) profissionais docentes enxergam os bebês? Como se dão as
práticas direcionadas a esses sujeitos?
Pensando na possibilidade de reorganizar de forma compartilhada os espaços físicos e
arquitetônicos para a jornada diária do coletivo infantil, intencionando uma maior qualidade
no tempo de permanência deles, na UMEI Vinicius de Moraes a pesquisa “45/5”: Tempo(s) E
Espaço(s) Na Educação da Pequena Infância Numa Escola Pública do Município de Niterói
tem por objetivo investigar a configuração dos tempos/ espaços numa escola pública de
Educação Infantil e suas relações com a organização de práticas educativas favoráveis as
aprendizagens e experiências sociais das crianças de 3 a 5 anos.
A geração de dados com as crianças tem sido feita de forma sistemática, já que se
percebe a presença da pesquisadora diariamente na escola, pois esta faz parte da direção da
UMEI35. Pode-se dizer que a interação cotidiana prolongada no universo da pesquisa colabora
para tal. Utiliza-se o termo geração de dados e não coleta de dados, com base em Graue e
Walsh (2003) que afirmam que os dados não ‘andam por aí’ à espera de serem recolhidos, ao
contrário, eles provêm das relações e das interações estabelecidas com os sujeitos da pesquisa.
Nesse percurso, utilizo-me da estratégia de auscutar (ROCHA, 2008) os coletivos
infantis para a constituição de uma escola voltada prioritariamente para as crianças através da
35
UMEI - Unidade Municipal de Educação Infantil
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assembleia, pois esta possibilita o direito de participação dos pequeninos nas decisões que
envolvam o dia a dia da UMEI. Rocha (2008) utiliza o termo auscutar contrapondo-se ao
termo escutar/ouvir, pois este se associa a uma simples recepção de uma informação. Já
quando se auscuta, também se compreende a comunicação feita pelo outro, envolvendo
sempre: recepção-compreensão-interpretação.
Sobre a assembléia é possível afirmar que, segundo Castro (2010) a criança só aprende
a participar, participando. Assim, é no exercício diário e social de negociação, de escuta, de
argumentação, de escolhas, que se constrói o conceito e as práticas democráticas.
Intencionando qualidade no tempo vivido nos espaços, a UMEI supracitada,
implementou através do Projeto Educacional Instituinte36 o espaço da Brinquedoteca, em
2014 e do Ateliê, em 2015. No contexto, pode-se dizer que a brinquedoteca além de oferecer
atividades lúdicas, também influencia definitivamente na formação e desenvolvimento da
criança, sendo um local que representa não só um ‘depósito ou cantinho’ de brinquedos, mas
sim, espaço para a interação com os pares e desenvolvimento integral do ser humano. O
objetivo de promover esse espaço é compartilhar com a criança mais uma possibilidade de
ampliar o seu universo de exploração e, consequentemente, de conhecimento dentro do tempo
vivido na UMEI.
Quanto ao espaço criado do Ateliê, no ano de 2014, iniciou-se uma tímida experiência
trazida pela Pedagoga da UMEI. Montou-se o espaço e foram disponibilizados materiais que a
escola já possuía, para o trabalho com as crianças. No entanto, a ausência de novidades, pela
proximidade que todos já possuíam cotidianamente com aqueles materiais, acabou por
comprometer um uso mais intenso e planejado do ateliê.
O referencial teórico que vimos usando em nossas pesquisas está situado,
principalmente, entre o nascimento e a continuidade dos estudos da sociologia da infância
(FARIA & FINCO, (2011), QUINTEIRO (2002), CORSARO (2011), SARMENTO (2008),
entre outros). Reconhecemos sua inegável importância no que em relação às concepções de
criança e de infância nos quais os estudos acadêmicos fundamentavam suas principais
perspectivas analíticas e explicativas.
36
Projetos educacionais de aperfeiçoamento pedagógico, formulados por profissionais das Unidades Municipais
de Educação, bem como projetos formulados institucionalmente por estas unidades, que objetivem a melhoria da
qualidade da educação básica, o protagonismo das instituições e dos profissionais envolvidos no contexto sócioeducacional.
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Compreendemos que esta ruptura epistêmica nos estudos da primeira infância esteve
alinhada/ em diálogo a um conjunto de investigações no campo da linguagem, da educação,
da psicologia, da antropologia e claro da própria sociologia, que passam a perceber a criança
como um sujeito ativo, portanto, produtora de cultura. Nesta perspectiva, a própria criança
passa ser o foco (sujeito-objeto direto) das investigações, sendo ela a fonte primária dos
estudos propostos por cada uma destas ciências.
Apesar das nossas pesquisas serem desenvolvidas em Unidades de Educação Infantil
distintas, elas se articulam no sentido de provocar o desafio de pensar/praticar práticas
educativas que possam construir coletivamente significados favoráveis ao coletivo infantil na
jornada diária de nove horas, além de nos desafiar a discutir questões relacionadas à
organização dos tempos-espaços institucionais da pequena infância. Cotidianamente, lutamos
contra a produção de uma experiência escolar infantil que se encaminhe para uma perspectiva
de produtividade, ou seja, que se encaminhe para ideia de antecipação da escola de ensino
fundamental, em que as crianças supostamente seriam preparadas para uma experiência de
sucesso escolar no futuro. Dessa forma, temos nos desafiado em buscar estratégias de
auscutar as crianças e dentro do possível contemplar suas demandas.
Assim, revela-se um desafio pensar a educação da pequena infância no agora, na
criança que no tempo imediato compartilha conosco sua existência. Nossas discussões
apontam para a compreensão de que vivemos uma crise de sentidos sobre a função da escola
infantil: lutamos para que não haja um trabalho somente vinculado à ideia de assistência e,
simultaneamente, guerreamos contra um trabalho de prontidão para o ensino fundamental.
Nesta crise de perceber o sentido da escola da pequena infância e de trabalhar ainda
com os movimentos dicotômicos presentes nas práticas, ora mais fortalecidos pelas ideias do
educar e ora pelas ideias do cuidar, vamos nos desafiando a auscutar nossas crianças que por
vezes narram experiências institucionais escolar e de vida cotidiana com suas famílias e,
mesmo com as pesquisadoras das infâncias que compartilham suas vozes neste texto, que
denunciam como a nós ainda nos encontramos despreparados para “escutar e dialogar de
forma sensível” (BARBIER, 1998) com as leituras que elas nos apresentam do mundo.
I(n) concluindo...
Nossas pesquisas, mesmo que ainda em fase inicial e de aprofundamento
metodológico e conceitual, vêm nos revelando à necessidade de aprofundar o caráter
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emancipatório que ao nosso olhar pode caracterizar o trabalho pedagógico com crianças da
pequena infância. Para isso faz-se necessário uma séria e radical mudança de atitude
profissional por parte do corpo docente, de maneira que esse ressignifique a sua prática,
assumindo uma postura de parceria com as crianças, enxergando-as como produtoras de
cultura e criando possibilidades concretas para que as experiências educativas sejam
vivenciadas de maneira significativa para ambos: crianças,
adultos e conhecimento no
cotidiano da UMEI.Sabemos também que só mudança na postura profissional não basta. A
educação da pequena infância depende, também, do comprometimento dos governos na
implementação e consolidação de políticas públicas que garantam a efetivação do direito de
uma educação de qualidade e atendimento para os/as pequenos/as, principalmente em relação
às crianças de 0 a 3 anos.
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Experiência estética na cidade: Crianças pequenas ocupando lugares
Fernanda Ferreira de Oliveira37
O relato dessa experiência localiza-se no âmbito da Educação infantil, com crianças de
entre 4 e 5 anos de idade, na intensão de apresentar um recorte do Projeto Político Pedagógico
com seguinte temática: Lugar ocupado: espaço das infâncias, em que abarca questões que diz
respeito a diferentes formas de ocupação das crianças pequenas em espaços públicos,
culturais, exposições e históricos, ou seja, que a cidade seja tomada pelos “despropósitos” das
crianças e estas por sua vez se sentiram afetadas pela inusitada urbanidade.
Esta comunicação pensada para o Eixo Temático Tempos, Espaços, Relações e
Infância: bases epistemológicas se propõe pertinentemente fazer aproximação com o conceito
de experiência (Erfahrung) com conotação de vivência (Erlebnis) de Walter Benjamin, na
perspectiva de pensar experiência no campo da sensibilidade e na possibilidade da
reconstrução da experiência contemporânea, presente nos ensaios baudelairianos “Um Lírico
no auge do capitalismo” de Benjamin (1994), e as experiências sensórias em “Infância em
Berlin” também de Benjamin (1987).
Palavras-chave: educação infantil, ocupação, cidade, espaços públicos, Walter
Benjamin.
Pertencer para se perder
A cidade é o espaço moderno por hegemonia, lugar onde se encontram as produções
monumentais e arquitetônicas humanas, o pensamento e tensões modernas, espaços das
contradições, manifestações das linguagens e o lugar do público e privado.
É a partir da cidade, e especificamente a cidade de Piracicaba e seus espaços públicos,
que foi pensado essa prática com crianças pequenas do Jardim II de 5 e 6 anos de idade, da
Escola Municipal de Educação Infantil Antônio Boldrin.
Não é novidade que as escolas de Educação Infantil no Município de Piracicaba
programe para as crianças visitações nos diversos espaços da cidade, principalmente aquelas
que se intenciona na apreciação ambiental do município. Por sua vez é inovador uma proposta
pedagógica que se comprometa em pensar que as crianças pequenas e pequenininhas se
37
Professora de Educação Infantil; mestranda em educação pela UNIMEP- Bolsa Capes.
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embrenhem sistematicamente em espaços pensados e organizados apenas para o mundo
das/os adultas/os.
Esta é uma proposta que tem em sua natureza diversos questionamentos! Que espaços
e tempos são intencionados e criados para as crianças? Qual será o direcionamento dos
espaços que tem sido destinado para que as crianças possam viver esse tempo de vida? Como
os espaços públicos culturais se preparam, ou não, para receber as crianças pequenas? Como
fomentar as ideias e criações dos espaços construídos pela inventividade das crianças e que
ultrapassam o espaço concreto da educação infantil? Como pensar os espaços para que eles
sejam de pesquisa, de experimentações, de sensações e que possibilite a produção do
conhecimento e das produções das culturas infantis? Qual seria o papel da professora nesse
processo?
Se antes a criança podia circular e brincar livremente pelos diversos
espaços das cidades, pautados em leis e regulamentos produzidos
pelas próprias crianças, como bem mostra Florestan Fernandes em as
Trocinhas do Bom Retiro, com o rápido processo de urbanização e
crescimento dos grandes centros, caracterizado pela exclusão da classe
trabalhadora, os espaços públicos de socialização e produção culturais
foram cedendo terreno para os espaços privados e, consequentemente,
assistimos à um processo de privatização e de encurtamento do tempo
e do espaço da infância, na contemporaneidade. (PINTO p. 6)
Vivemos um processo de confinamento da infância, e nos chama atenção,
emergencialmente, a maneira de como as relações entre infância e cultura na conjuntura do
mundo contemporâneo se estabelece. Pois os espaços públicos, no que diz respeito
principalmente aos espaços culturais artísticos, não foram pensados para as crianças; na
maneira de explorar, usufruir e vivenciar. Dessa forma, se faz necessário interrogarmo-nos em
relação a essa sociedade que se constituição de forma que exclui e segrega idades, para pensa
inserção na cidade do público infantil.
(...) o confinamento da infância ocasionou-lhe sérios problemas sóciopolítico-culturais. A cultura produzida pela infância livremente nos
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espaços públicos foi progressivamente sendo assimilada pelos espaços
privados à medida que a urbanização e a vida burguesa
avançavam.(...) Sem poder brincar livremente pela cidade, a
criança perde não apenas o espaço físico, mas sobretudo altera
estruturalmente suas condições de produzir e de se relacionar com
a cultura, com a sociedade, com a vida política. (PERROTTI, 1990,
p. 92, grifos meus)
A desocupação progressiva dos espaços culturais (artísticos, de memória, de
exposições e da cidade), determinados às crianças, devido aos avanços sistematizados de um
tipo de urbanização (LANSKY, 2013) que causam o afastamento das/os pequenas/os da
cidade, fazendo que aqueles por sua vez não compreendessem mais como lidar com a pequena
infância, pois, em nossa sociedade os espaços são organizados, distribuídos e direcionados
pelos que detêm o poder do capital e as crianças não são ouvidas para expor suas
perspectivas, urgências e vontades (MAYUMI, 1995). Por isso a necessidade do debate sobre
a ocupação dos espaços da cidade pelas crianças pequenas.
Ao considerar e imaginar os espaços e tempos para que as crianças possam trazer suas
inquietações, criações e invenções, ou seja, legitimar a infância e refletir sobre as
singularidades no diverso, considerando os grupos sociais as quais essas pequenas e pequenos
pertencem desnaturalizando esta ordem posta, imbuída por meio da alienação histórico, social
e político (CHAUI, 1980).
As diversas expressões, e nessa dimensão estamos falando de linguagens e não apenas
de uma linguagem, mesmo que saibamos que vivemos numa sociedade grafocêntrica
(MELLO, 2005). O prazer e o domínio do olhar, da escuta e dos movimentos sensíveis
construídos no encontro com a arte potencializam as possibilidades de apropriação e de
produção de diferentes linguagens. Somos seres simbólicos e criamos muito a partir das
experiências
vividas,
utilizamos
várias
habilidades
para
registrar
os
pensamentos/conhecimentos e a memória materializada nas relações.
O criar livremente não significa fazer qualquer coisa, de qualquer forma, em qualquer
momento, pois “É preciso ser muito grande para levar a sério as coisas dos/das pequenos/as
(...) sem desbotamento” (FARIA, 2009), que permite às crianças conhecer a partir de seus
jeitos, elaborarem respostas e tramas diferentes daquelas muitas vezes esperadas pelas adultas,
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e que a encorajam a desmentir as hipóteses, mais que conferi-las; considerando e esperando os
imprevistos, fomentando as dúvidas e inspirando perguntas, ao invés de mover respostas a
questões remotas. Assim como nos inspira Bertold Brecht (2012), De todas as coisas seguras,
a mais segura é a dúvida.
As pessoas crescidas têm sempre necessidade de explicações (...).
Nunca compreendem nada sozinhas e é fatigante para as crianças
estarem sempre a dar explicações. (Antoine de Saint-Exupéry, 1943).
Para pensar as experiências estéticas de ocupação de crianças pequenas em espaços
públicos farei uma interlocução entre conceito de experiência (Erfahrung) de Walter
Benjamin, que diz respeito a uma experiência formativa de caráter subjetivo, de uma
necessidade de entender o encontro das experiências humanas historicamente constituídas, e a
necessidade emergencial da ocupação de crianças pequenas em espaços públicos de
exposições, museu, espaços culturais, pinacoteca, teatro, sala de ensaios, ateliês e como a
experiência estética adquirida na cidade poderia modificar e produzir conceitos sobre crianças
em espaços públicos, que a priori sabe-se que estes foram pensados para o público adulto,
porém a ocupação pelas/os pequenas/os e suas descobertas e a dimensão sensorial no contato
com obras de arte, artefatos históricos, objetos culturais, a arquitetura dos lugares, todos estes
influenciadores na experiência estética das/nas crianças.
Para essa conversa aproximarei o conceito de experiência (Erfahrung) com conotação
de vivência (Erlebnis) de Benjamin (1994) na perspectiva de pensar experiência no campo da
sensibilidade, presente nos ensaios baudelairianos de Benjamin (1994), de sujeitos modernos
destituído dos preceitos daqueles que o antecedeu tirando de si o peso e a responsabilidade
com a tradição (Silva, 2014).
Nessa perspectiva, faz sentido evocar a própria vivencias das crianças pequenas para
se pensar urbanidade, como um caminho ético e digno para a cidade.
Esses sujeitos/crianças que percorrem com sutiliza ao mesmo tempo com consistência
a esfera do agora, se projetam para originar um olhar, uma audição, um tatear, um degustar e
um cheirar que desmistifica costumes determinado pelas convenções e regras cristalizadas
historicamente.
Esta ocupação nos espaços públicos envolveu uma gama de profissionais entre eles
historiadores, arte educadora, curadora, diretora do museu, diretora de uma Companhia de
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dança, estagiárias, diretora de teatro. Juntamente comigo e com o gestor da escola de
educação infantil cada um desses profissionais se reuniram conosco para conscientização do
trabalho constituído pela Escola de Educação Infantil, e qual era os nossos objetivos em
relação a este tipo de ocupação infantil. Ouve certa preocupação de alguns profissionais pelo
fato de até mesmo acharem que determinados lugares não são mesmo de utilização do público
infantil, mas no processo isso foi se desmistificando, principalmente com a aproximação e
conversas.
Lugar Museu:
O Museu Prudente de Moraes é um espaço da antiga casa do Presidente Prudente de
Moraes (1841-1902). Nesse espaço foi pensado e organizado um cronograma de atividades a
serem realizadas desde a imersão nos espaços do museu, jogos, brincadeiras e experiências
com a arte e a relação de pertencimento.
Nesse local as crianças se deparam com artefatos históricos, objetos antigos que
faziam parte da antiga casa presidencial, documentos e fotos, mas também são reservados
espaços para exposições de obras artes da contemporaneidade, que não devem ser tocadas,
porém lhe causam fascinação e amaravilhamento, da mesma forma surpresa pelas crianças por
descobrirem o número de filhos do presidente; “Dez filhos, nossa muita gente! Devia ser uma
bagunça” (criança da turma).
Este lugar foi pensado numa perspectiva conceitual de tempo cronológico,
consequentemente esta organização foi apresentada as crianças, mas elas não foram afetadas
por essa linearidade, mas tocadas por um tempo passado e presente que se conectam com suas
próprias histórias de vida, não somente o que diz respeito ao real, mas a dimensão ficcional
(Richter, 2005), ou seja, entendendo o mundo a parti de si para conduzir uma história
produzida e aberta. Essa concepção revolucionária na história nos remete à teoria
benjaminiana,
As alegorias construídas por Benjamin para expor sua concepção de
história (...) são imagens dialéticas. Concebidas fundamentalmente
pela articulação temporal que ele encontra nas alegorias
baudelairianas, o primeiro aspecto a ser destacado acerca dessa
concepção pode ser colocada nos seguintes termos: a imagem dialética
constitui-se pelo encontro do antigo com o moderno. ( Mitrovitch,
2001, pg,136)
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Como disse anteriormente as peças que constitui o museu não podem ser tocadas, e é
apresentada ao grupo como um único jeito de observar: “com distanciamento, braços presos
atrás do corpo e em silêncio”, mas elas transgridem, em momentos diversos tocam algo,
cheiram e olham de tão perto parecendo não acreditar no que estão vendo. Desse modo é
necessário salientar as experiências desencadeadas do/no corpo de sensações que se abre para
o mundo, de estética mundana.
O espaço é convidativo para um “se perder”, mas neste caso é um se perder com os
olhos imaginativos, que vagam nos “labirintos” do museu na procura dos cantos, dos móveis,
nas imagens e das portas. Mas esse perde-se requer instrução,
Saber orientar-se numa cidade não significa muito. No entanto,
perder-se numa cidade, como alguém se perde numa floresta, requer
instrução. Nesse caso, o nome das ruas deve soar para aquele que se
perde como o estalar do graveto seco ao ser pisado, e as vielas do
centro da cidade devem refletir as horas do dia tão nitidamente quanto
um desfiladeiro. Essa arte aprendi tardiamente; ela tornou real o sonho
cujos labirintos nos mata-borrões de meus cadernos foram os
primeiros vestígios. (BENJAMIN P. 73, 1987)
As curiosidades permeiam os olhares e a maneira como se olham, as falas e os jeitos
das falas, o movimento do corpo e seus arranjos inquietos, por mais que haja esforço para o
direcionamento do que se vê, do que escuta e do faz não supera a ligeireza “abelhuda” das
crianças, e por isto repito, requer instrução.
No que diz respeito à área externa do museu é cativante as crianças, pelo seu jardim de
época, pela arquitetura de seu prédio, pelo estilo decorativo, pelos corredores externos e pelas
pedras decorativas do quintal perto das mesas de madeira. Chamativas as crianças e que tem
um grande interesse pelos por menores estéticos, apanhando pedras, gravetos, pequenas
madeiras, folhas e flores artefatos ricos em “estímulos” sensoriais;
Lugar Teatro: Espetáculo de Dança38
Teatro Erotides de Campos, localizado no Engenho Central da cidade e muito
conhecida por sua estrutura arquitetônica, considerado também um significativo sítio histórico
da evolução urbana de Piracicaba, foi onde o grupo de crianças pequenas se esbarrou como
uma organização de espaço pensado para apreciação e apresentação de peças cênicas, no caso
38
Experiência relatada a partir das falas das crianças e dos integrantes da Companhia de dança
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um espetáculo de balé, que mesclava coreografias clássicas e contemporâneas, nos relatos das
crianças podemos perceber o quão é valioso o contato delas com a arte e com espaço da arte
do balé tradicionalmente constituído, não que acreditamos num lugar verdadeiro para
manifestação artística, porém no caso esta não é nossa discussão. O foco é considerar a
importância da ocupação de crianças pequenas e como se constitui o processo se pertencer a
esse espaço que historicamente não foi pensado para as crianças, de todas as idades.
Os acentos do teatro são removíveis, uma gostosa brincadeira de vai e vem; a estrutura
física do teatro tem um pé direito “gigantesco” ótimo para os olhos irem longe e devanear; na
hora do espetáculo fica tudo escuro, escutam-se os “UUUUU” das crianças, a luz do palco
acende e começa a apresentação.
A Companhia de Dança sabia que no seu público teria um grupo de crianças pequenas
de Escola de Educação Infantil, e ao termino do espetáculo chamou o grupo parar tirar fotos.
Posteriormente os integrantes da Companhia de Dança relataram que as crianças
queriam tocar neles, sentir suas peles, suas roupas, conversar, elogiar, beijar, mexer (...) e que
é diferente e prazeroso apresentar para crianças pequenas.
Na hora de ir embora as crianças saíram dançando pelo pátio da saída, no balcão da
recepção onde panfletos estão expostos para quem quiser pegar, e atraem elas por suas cores e
formas;
Lugar Pinacoteca: Salão de Belas Artes
Antes mesmo do grupo de crianças entrarem no prédio da Pinacoteca, uma criança no
caminho do jardim envolta da calçada foi apanhando um pedaço de graveto e ia com este
“fuçando” no meio das folhas secas; outra criança pegou uma folhagem grande, também seca
e fez de abano.
As crianças foram recebidas no auditório por uma arte educadora, com um perfil muito
acolhedor. Novamente as crianças se deparam com acentos removíveis! A arte educadora, no
entanto, surpreende as crianças dizendo, “adoro balançar nas cadeiras, todos os dias venho
nessa sala para balançar, e o que mais gosta que a cadeira faz “barulhinho” muito bom”, e aos
poucos as crianças foram prestando atenção e foram parando de se balançar. Ela queria saber
sobre as crianças querendo conhece-las, do que elas sabiam sobre a pinacoteca, o que são
artistas, o que são obras arte, contou a história da construção da pinacoteca, conquistando a
confiança, sem uma preocupação de apresentar regras do local. Num certo momento, a arte
educadora perguntou as crianças se “a gente vê com os olhos, ou com as mãos”, as crianças
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responderam “com os olhos”, ela volta as crianças e diz “há, eu vejo com as mãos também,
adoro pegar nas coisas, sentir, cheirar..., mas obra de arte não dá pra ver com as mão”, e foi
argumento todos os por menores essências à apreciação artística.
Já dentro da sala de exposições as crianças são amaravilhadas pelas obras de arte; as
crianças questionam detalhes ainda não reparados pela arte educadora, que por sua vez
encontra resposta com as próprias crianças para a minuciosidade.
Lugar exposição na Câmara Municipal39
As crianças foram convidadas a participar da abertura da Mostra de Arte Bruta do
arquiteto e artista plástico Tito Cunha no Espaço de Exposição dentro da Câmara de
Vereadores de Piracicaba. O foco era apreciação das obras que surgiram do reaproveitamento
de materiais descartados (AVES, 2015), e chamaram a atenção pelo aspecto lúdico.
As crianças “encherão” o artista de perguntas “O que é isso? Como você fez? Para que
serve? E Tito de forma muito acolhedora, “Não são brinquedos, são esculturas”. As crianças
aqui o presenteou com seus despropósitos assumidos pelo imaginário infantil.
As obras podiam ser tocadas e mexidas, conduzidas para a novidade do corpo; as
sensações, percepções e sentimentos surgem ao poucos com as descobertas com as obras.
Assim como Infância em Berlin em Benjamin onde o corpo da criança esta aberto às
experiências no zoológico, no tocar da campainha do Kaiserpanorama, no passeio do campo a
caçar borboleta entrecruzam com as vivencias da Arte Bruta.
A figura humana na forma de se pessoalizar chama a atenção das crianças, Tito tem
barba grisalha e longa as criança ficaram curiosas e achavam engraçado. No mesmo sentido,
na saída da exposição às crianças gostaram de mais uma figura, um mendigo sentado no
degrau da praça enfrente a sala de exposição, que usava óculos escuros, cantando e penteando
os pelos das axilas. Nessa acepção, vamos nos utilizar as mesmas “mascaras” oferecida por
Walter Benjamin a salvar o poeta da corrosão mercantilista da modernidade (Angelo, 2006)
ao qual recorre Baudelaire pelo fato dele ser “obrigado a reivindicar a dignidade do poeta
numa sociedade que já não tinha nenhuma espécie de dignidade a conceder” (Benjamin, 1994,
p.159).
Alongar a experiência
39
Relato a partir das falas das crianças
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As crianças partem do/no corpo ao encontro com o mundo, desprendidas para as
descobertas, pelo e nos espaços e tempos renovados, abertas as vivencias e sentidos dilatados.
Experiências urbanas nem sempre são experiências do choque, o qual Walter
Benjamin utiliza o choque emocional como uma exacerbada barreira contra experiências de
estímulos, com razão, a urbanidade oferece “experiências sensórias” extremas (buzinas,
autofalantes, construção, indústria, iluminação, outdoor , fumaça, festfood), mas também se
refere ao barulhos de canhões da 1ª Guerra Mundial.. Mas a que venho pontuar é uma reação
afirmativa da experiência moderna na cidade com as crianças pequenas. A cidade oferece
espaço que oportunizam o corpo a se apropriar do agora, assim como um lírico poético
baudelairiano, mencionando por Benjamin (1994), no sentido de reconstruir a cidade distante
dos moldes anteriores e de criar a partir do material que há disponível (LIMA e BAPTISTA,
2013), através das descobertas e as formas inventivas de ver e vivenciar a cidade reagindo à
velocidade urbana.
Os espaços pensados para este momento estão relacionados ainda em territórios locais,
porém, existe uma ânsia de pensar em ocupação da rua, pois algumas experiências tem se
demonstrado exitosas no campo educacional que as crianças estão descobrindo que a rua é
mais um território a ser explorado (MEKARI, 2015). Pois, a temática de ocupação e
experiências de espaços públicos tem se mostrado relevante, desnaturalizando a ausência das
crianças nas ruas.
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ISSN 2448-1157
540
Espaços e Tempos da Educação Infantil: investigando a ação pedagógica com os bebês 40
Flávia de Oliveira Coelho41
Resumo
O objetivo desta pesquisa foi investigar como estão organizados os espaços e os tempos para
bebês, na idade entre 1 e 2 anos, que frequentam uma creche pública do município de
Governador Valadares, em jornada diária integral, como experimentam as rotinas, os espaços
e tempos para eles organizados e como esses elementos integram a ação pedagógica. A
metodologia constituiu-se da abordagem qualitativa, de cunho interpretativo, por meio da
realização de um estudo de caso, utilizando-se da observação participante e da realização de
entrevistas com as professoras. As análises revelaram que as formas de organização dos
espaços e dos tempos regulam as possibilidades de ação dos bebês e das professoras no
ambiente da creche. O estudo evidenciou que é na interação com os pares que os bebês atuam
de modo ativo, compartilham emoções, conflitos, apropriam – se das regras do ambiente e
ampliam suas experiências, assim como o repertório de práticas culturais.
Palavras –chave : Espaço-tempo, Bebês, Interações, Creche
_____________________________________________________________________
INTRODUÇÃO
Assistimos atualmente a um crescimento acentuado da entrada de crianças em creches.
A garantia deste direito, assegurado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN 9394/96- tem se efetivado com muito enfrentamento pela população. A creche vem
sendo construída, ao longo das últimas décadas, por meio de intenso debate político e
ideológico, como instituição positiva cujo objetivo é compartilhar o cuidado e a educação da
criança pequena entre famílias e instituições educacionais (Silva, 2008).
A atuação como professora da Educação Infantil por um período de onze anos na rede
pública municipal e, posteriormente, como coordenadora pedagógica deste mesmo segmento,
na rede privada, levou-me a conhecer as especificidades desta modalidade e a perceber quanto
ainda temos a investigar sobre as crianças, os espaços, tempos, rotinas; sobre modos de ser
criança em espaços coletivos, especialmente sobre os bebês e a ação pedagógica com esta
faixa etária em creches, foco desta pesquisa.
É num contexto de dúvida, mas também de algumas constatações construídas, que a
pesquisa de mestrado teve como tema, Espaços e Tempos da Educação Infantil:
investigando a ação pedagógica com os bebês, e buscou identificar :
40
Dissertação de Mestrado defendida em 31/08/2015 no Programa de Pós-graduação em Educação e Inclusão
Social da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minhas Gerais -UFMG
41
Aluna do Programa de Pós-graduação em Educação e Inclusão Social da UFMG
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541
a. Como está organizado o atendimento à faixa etária de 1-2 anos em uma creche pública
da rede municipal de ensino de Governador Valadares?
b. Como os professores organizam os espaços e tempos e as atividades para os bebês
com idades entre 1 e 2 anos ?
c. Como os bebês de 1 a 2 anos experimentam os ambientes em uma creche pública da
rede municipal de ensino de Governador Valadares?
d. Como são resguardadas as especificidades/demandas de cada bebê na organização do
tempo e dos ambientes que utilizam na IEI?
Assim, este trabalho teve como objetivo identificar como os professores organizam os
espaços e tempos para os bebês, com idades entre 1 e 2 anos, que frequentamas instituições de
educação infantil em tempo integral e como se dá a ação pedagógica nesta faixa etária,
buscando identificar também se e como são resguardadas as especificidades de cada bebê na
organização do tempo, dos espaços e das atividades nesses ambientes.
No Brasil, são poucas as pesquisas que investigam a presença dos bebês em
instituições de Educação Infantil, bem como a qualidade das experiências por eles realizadas
nestes espaços. Pode-se dizer que há uma invisibilidade dos bebês e das suas experiências
nesta idade.
Gobbato (2011), ao pesquisar sobre a educação dos bebês nos espaços da escola
infantil traz à tona a “invisibilidade e o não lugar que as turmas de berçário vêm ocupando no
coletivo das instituições” e nos alerta em relação aos espaços por eles utilizados. Concebendo
a escola como espaço sociocultural, a autora alerta que a utilização que se faz do espaço pode,
tanto facilitar, quanto constranger as experiências dos bebês na creche. Sendo assim, o papel
do professor assume um lugar importante na organização do ambiente.
Assim como o espaço e o tempo, a interação também é uma categoria importante no
processo de compreensão da ação com os bebês. Estudos empreendidos pelo Centro de
Investigações sobre Desenvolvimento Humano e Educação Infantil (CINDEDI) localizado na
Universidade de São Paulo –USP, em Ribeirão Preto, dão conta de que é por intermédio dos
processos interativos que ocorrem em diferentes contextos sociais, que são significadas e
delimitadas as características da pessoa, do parceiro.
Estudos de Tristão (2004), Camêra (2006), Schmitt (2008), sobre as formas como os
bebês constroem conhecimento e interagem com os outros no espaço da creche, têm
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demonstrado que os bebês desenvolvem competências e habilidades interacionais, físicas e
cognitivas. As interações são, portanto, um dos aspectos que mereceram atenção nesta
pesquisa, uma vez que permeiam as relações dos bebês com o ambiente, com os pares, com os
adultos, impulsionando seu desenvolvimento e ressignificando suas ações. Os estudos
recentes vêm demonstrando que as novas concepções de infância, exigem-nos um modo
diferenciado de perceber a atuação dos bebês, que os coloca na condição de sujeitos ativos e
comunicativos:
A nova concepção de criança e o olhar para os processos comunicativos e interacionais
dos bebês têm emergido dos estudos que revelam a sensibilidade dos bebês às manifestações afetivas e estéticas do seu meio cultural, assim como o compartilhamento da
emoção e atenção desde cedo nas relações interpessoais e a capacidade de interagir com
o outro por meio dos recursos de que dispõem. Essas ideias romperam com uma
concepção da infância como uma fase marcada pela negatividade, pelo vir-a-ser. O bebê
passou a ser compreendido como um sujeito que é, agora, inteiro” (SILVA e
PANTONI, 2009, p.6).
Em se tratando de um atendimento em regime de tempo integral essa dimensão é ainda
mais complexa, pois envolve diferentes professores ao longo do dia, bem como uma série de
ações para atender aos cuidados básicos que se desenvolvem por uma jornada alargada
vivenciada pelos bebês. É esta compreensão de como experimentamos diferentes momentos
da jornada, em que situações e momentos expressam maior satisfação e insatisfação, em que
espaços e momentos da jornada são favorecidas interações entre as crianças e quais favorecem
a atenção individual do adulto, bem como do adulto para com o grupo de crianças, que foi
alvo desta investigação. Por se tratar de uma faixa etária pouco investigada e pelas
especificidades que ela apresenta, além de identificar as regularidades e singularidades
presentes no cotidiano dos bebês, minha atitude enquanto pesquisadora exigiu, sobretudo, a
disponibilidade, o olhar atento, a escuta sensível, uma vez que a fala ainda se encontra em
processo de desenvolvimento, buscando compreender nas diversas formas de comunicação
que os bebês de 1 a 2 anos estabelecem (gestos, olhares, movimentos, choros, risos) seus
desejos, suas necessidades, suas especificidades.
Esta pesquisa privilegiou a abordagem qualitativa, por constituir-se em uma estratégia
que considera os motivos, aspirações e, sobretudo, por aprofundar-se no mundo dos
significados (MINAYO,2012). Como local para a realização da pesquisa foi escolhido um
Centro Municipal de Educação Infantil – CMEI em Governador Valadares, MG, e nele, uma
sala de crianças de 1-2 anos de idade. A pesquisa valeu-se ainda da metodologia do estudo de
caso, por ser este “um método que permite penetrar na realidade social e descrever a
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complexidade de um caso concreto, desvelando a multiplicidade de dimensões presentes
numa determinada situação ou problema, focalizando-o como um todo.”(MARTINS FILHO,
2010, p.19).
Os bebês no espaço da creche
A inserção dos bebês em creche já acontece há algum tempo, porém, o estudo sobre os
processos interativos entre bebês em espaços coletivos é algo relativamente novo.
Rosseti-Ferreira, Amorim e Oliveira (2009) ao analisar em, nas últimas décadas, as
interações entre bebês, o fizeram a partir de uma conceituação de rede de significações. Esta
proposta consiste em perceber o desenvolvimento humano a partir da construção de
significados e sentidos, na dinâmica das interações sociais. “Aprende-se, em especial, na
relação com outro, não só com o professor, mas também outras crianças. Além disso,
aprende-se consigo mesmo, ou a partir de objetos e de outras produções abstratas.”(idem,
p.454).Tais evidências incidirão, de modo significativo, na forma como o professor organiza
os espaços e as possibilidades de interação.
Camera (2006), Guimarães (2008), Schmitt (2008), Fochi (2013), evidenciaram as
ações que ocorrem entre bebês em contextos coletivos, elevando-os à condição de sujeitos que
agem e interagem por meio de uma ação autônoma. As capacidades interativas dos bebês,
bem como as formas de educar coletivamente as crianças, mereceram o olhar dos
pesquisadores que buscaram retratar o que o bebe é capaz de fazer hoje e como os professores
são mediadores importantes nesse processo de significar o mundo.
A creche é um espaço de educação e cuidado que se constitui por sujeitos
socioculturais. Considerando que as crianças e os adultos constituem-secomo sujeitos nas
interações que estabelecem e nas experiências que compartilham, esta pesquisa buscou
evidenciar momentos, na rotina de tempo integral, quando as interações entre as próprias
crianças e entre crianças e adultos se fizeram presentes. Os estudos que se sustentamnas
teorias interacionistas revelam as possibilidades de inter-relação dos bebês entre si,
evidenciando que os mesmostêm preferências sociais e utilizam-se de uma diversidade de
meios para comunicarem-se ecompartilharem significados (BARBOSA, 2009)
“Por apresentar-se como espaço social, a creche torna-se um contexto onde os
sujeitos se encontram cotidianamente, se comunicam, produzem e compartilham significados
e sentidos.” (Schmitt, 2011, p.21).São, pois, as interações e as práticas corporais vivenciadas
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de forma contínua e descontínua, previsível ou imprevisível, intencional ou não, que tecem
esta rede de significações na qual os bebês se encontram-se imersos.Foi pensando em
evidenciar essasinterações é que selecionei alguns episódios que demonstram momentos de
interações variadas entre os bebês no espaço da creche.
Aqui, registramos um momento em que o contexto da sala possibilitou a ação
autônoma do bebê.Ao final da tarde, há sempre uma professora responsável por guardar os
pertences e as agendas nas mochilas. Observamos que, à medida em que as professoras
realizam esta ação todas as tardes, incorporando-a à rotina, os bebês também passam a
reconhecê-la e identificar a função à qual ela se destina. Na sequência de fotos abaixo, feita às
16h07’ minutos, em 17 de setembro de 2014, conseguimos registrar o momento exato em que
um bebê percebe o movimento da professora ao recolher as agendas e guardá-las na mochila e
se põe a ajudá-la:
Foto 01: bebê inicia a tentativa de alcançar agenda
Foto 02: vira-se para a professora e percebe o
movimento da mesma de guardar as agendas.
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Foto 03: retoma a tentativa de pegá-la, agora fazendo
um esforço maior para alcançá-la, ficando na ponta
do pé.
Foto 04: após alcançar a agenda caminha ao
encontro da professora
Foto 05: continua seu objetivo de entregá-la
Foto 06: observa a professora que está de costas,
guarda as outras agendas.
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Foto 07 : conclui seu objetivo entregando a pasta
com a agenda para a professora guardá-la.
Três minutos depois, às 16h10’ outra criança, percebendo o movimento da primeira,
imita a ação, desta vez pegando a pasta e tentando colocá-la na mochila. Focchi (2013)
considera como ação dos bebês “aquelas que, sozinhos, com os outros, com materiais ou nos
próprios espaços, indicavam o começo de algo provocado por sua intenção. E ainda, que em
muitos momentos a ação-intervenção do adulto, de modo indireto, parece ser mais
potente(p.109), No episódio relatado, a ação da professora serve como referência para
desencadear a ação do bebê. Ela não o interrompe, pelo contrário, o integra na dinâmica do
seu fazer docente.
Fotos 08.,09 -fotos da sala, estantes e a local das agendas
A percepção em relação ao movimento corporal da professora desencadeia outras
ações, que completam a intenção de quem a iniciou. A ação docente com os bebês é marcada
por diferentes formas de comunicação que não somente a linguagem oral. A continuidade da
ação nos dá indícios de que os bebês estão atentos aos movimentos do outro e constroem
formas peculiares de se comunicarem e se inserirem na dinâmica da sala.A linguagem
corporal ocupou, nesta ação, lugar central ,uma vez que impulsionou a ação da criança. Até
mesmo o fato de ficar na ponta do pé para alcançar o objeto revela o quanto o bebê
experimenta seus limites corporais. Há que se destacar a reciprocidade da professora que,
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atenta ao movimento corporal da criança e à sua ação, a valoriza, compartilhando com ela as
ações do fazer docente.
Durante muito tempo, “as formas de comunicação dos bebês, marcadas pela
expressividade corporal e motora, foram negligenciadas, o que reforçava uma suposta
incapacidade relacional dos bebês com o mundo físico e social”. (SILVA e PANTONI, 2009,
p.5). Em publicação recente de Ramos (2012) encontramos indícios de que esta concepção de
passividade dos bebês frente ao mundo físico vem sendo modificada e nos confirma que há
muito que se pesquisar em relação à ação pedagógica com bebês, principalmente no âmbito da
creche. Vistos muitas vezes como seres passivos, dada a pouca idade, os estudos tem nos
mostrado o contrário: que os bebês podem ser compreendidos como sujeitos ativos no
processo de desenvolvimento, que interferem no ambiente por meio de interações entre si,
com os adultos, com o espaço e com os objetos com os quais se relacionam. Agem e
interagem no mundo, com uma linguagem própria que se expressa no choro, no riso, no modo
de dormir, no modo de solicitar algo, no modo como respondem às demandas do ambiente e
dos adultos que deles cuidam.
As ações dos bebês diante do que lhes é proposto no cotidiano da creche revelam
desejos, necessidades e a capacidade de agir para além do que está sugerido na atividade. Um
dos objetivos centrais da temporalização da vida das crianças está relacionado à estrutura do
tempo coletivo, respeitando-se os tempos pessoais. (BARBOSA,2006).Na creche estas ações
manifestam-se por meio do corpo já que este se constitui uma unidade comunicativa e,
portanto, uma forma privilegiada de relação com os pares.As crianças lançam mão do corpo
para comunicar, interagir,experimentar e o fazem de modo intencional (COUTINHO, 2012).
Bondioli (2004) afirma que a organização temporal na creche não depende apenas das
exigências institucionais, mas constitui-se um dispositivo de
socialização e de
aprendizagem.É certo que compreender as vivências em relação ao tempo por meio dos
comportamentos não verbais, no caso de crianças tão pequenas, não é tarefa fácil.Talvez por
isso, muitas situações acabam por escapar ao olhar do professor, que mesmo organizando as
situações educativas, pode não dar conta da complexidade que as engendram.
a experimentação por meio do corpo permite que as crianças, de modo geral, se
apropriem e elaborem saberes sociais em uma dinâmica bastante ativa, o que por vezes
entra em choque com a lógica institucional que tende a padronizar os comportamentos,
já que possuem uma estrutura centrada em tempos e espaços homogêneos para
determinadas ações (COUTINHO, 2012,P.250).
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Podemos inferir, por meio da rotina estruturada, que existe uma “pedagogia latente”
tal como propõe Bondioli (2004) que se concretiza por meio das experiências infantis frente
às rotinas e rituais instituídos pelos adultos e por eles regulados, excetuando-se os momentos
de brincadeira livre, cuja iniciativa espontânea da criança sobrepõe-se ao direcionamento do
adulto.
A partir dos tempos institucionalizados, passamos a observar as interações que os
bebês estabeleceram entre eles e os adultos com os quais compartilharam a dinâmica do dia a
dia. Para tanto, foi necessário observá-los em diferentes momentos da rotina, com diferentes
adultos, e com as devidas demarcações do tempo; afinal também me ocupei em investigar
quanto tempo era dedicado a cada atividade, quanto tempo os bebês permaneceriam ligados a
ela. Para compreendermos as relações entre os bebês e os adultos que deles cuidam é
necessário incluir o significado social que cada um ocupa nesse contexto, ou seja,
compreender em que espaço e tempo eles se encontram, bem como suas ações e suas
iniciativas nessas relações (SCHMITT, 2011,p.19).
Apesar de constatar que não há, na rotina instituída pelas professoras espaço para o
imprevisto, me deparei, em diversos momentos, com situações que foram desencadeadas
pelos bebês em interação com seus pares e que fizeram com que a professora fosse convidada
a participar, corroborando a afirmação de Barbosa (2009) de que “as crianças pequenas
apreendem o mundo através de práticas culturais, isto é, a partir daquilo que fazem com elas e
do que falam para elas”. (BARBOSA, 2009,p.23)
Destacamos uma situação onde a proposta na rotina era a divisão dos grupos, pois
tratava-se de uma atividade realizada numa 5ª feira, no período da tarde, entre 13h50’ às
14h40’ , horário em que as crianças retornavam do lanche da tarde para alguma atividade
dirigida. A brincadeira teve início às 14h10’ e durou aproximadamente 28 minutos. Um
tempo relativamente “grande”, se pensarmos que a atenção dos bebês em cada situação
registrada no primeiro semestre era muito curta:
“A professora Amanda iniciou a brincadeira com o lençol convidando os bebês a
entrarem no barco. Há uma preocupação por parte da professora que dirige a
brincadeira e que neste caso está sentada à “frente do barco”, de que todos entrem
nele, pois senão“ o barco não pode sair”.Eles assim o fizeram. Sentaram-se no chão e
ficaram por um período ao som da música “um, dois, três, indiozinhos,...”.Depois o
lençol virou uma grande cabana na qual os bebês entravam por baixo e se divertiam,
ao mesmo tempo que jogavam o lençol para cima, ao comando da professora.Por fim,
uma bola foi inserida na brincadeira para deslizar sobre o lençol que agora encontrase seguro pela ponta por cada um dos bebês que ali estavam.O movimento da bola
sobre o lençol gerou muita euforia e o desejo de tocá-la. Algumas interações
escaparam ao olhar da professora. A brincadeira continuou na atividade subsequente a
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esta. Às 14h50’ as turmas foram divididas, conforme previsto no cronograma do dia,
ficando a professora Amanda no corredor externo à sala, com a brincadeira de bolinha
de sabão, e Vanessa e Valéria na própria sala, agora comandando uma brincadeira
musical.Esta última professora era novata na sala.”(Caderno de campo, 18 de
setembro, de 21014)
Barbosa e Richter (2010) argumentam que “a criação de espaços pedagógicos, de
materiais e a construção de ações educativas que desafiem e contribuampara o
desenvolvimento das crianças, exigem preparo e disponibilidade das professoras”(p.91). No
episódio narrado, as professoras organizaram a situação de aprendizagem de modo a favorecer
a interlocução dos bebês, e a participação ativa destes na atividade proposta, ampliando o
repertório de práticas culturais.
Foto 10: Aconvite da professora as crianças entram no “barco”.
Fixo meu olhar em Isabel que está atenta à música cantada e que
tenta acompanhá-la, contando nos dedos,à medida em que ouve
“um, dois, três indiozinhos...” (18 de setembro, 14h17’ )
Foto 11: Agora o “barco” virou uma grande “cabana”.
Segurando o lençol em cada ponta estão as professoras. (18 de
setembro às 14h 22’ )
Foto 12: As professoras compartilham os momentos de interação
entre os bebês e se divertem com eles. (18 de setembro, às 14h23’
)
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Foto 13: Enquanto as crianças interagem com o lençol, duas
crianças se abraçam no canto esquerdo, promovendo outras
interações. (18 de setembro, às 14h24’ )
Foto 14: As crianças interagem e se divertem com o lençol ou
com a possibilidade de jogar a cabana para o alto. (18 de
setembro, às 14h25’ )
Embora as crianças não compreendessem os conceitos de “barco” ou de “cabana”, elas
se entregaram à brincadeira, num primeiro momento obedecendo aos comandos da professora
e depois se libertando das “regras” impostas àquela brincadeira, permitindo-se pular, sorrir,
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divertir-se e até ir ao encontro do outro que ali estava, como retratado na situação do abraço
que ocorreu entre os bebês (Foto 13). Durante a atividade foram estabelecidos muitos
diálogos entre as professoras e os bebês, no intuito de explicar-lhes a situação da qual estavam
fazendo parte.Caberá ao adulto, promover um alargamento dessas experiências.
A alegria em brincar com um tecido e com os movimentos que ele provocava entre
cobrir e descobrir, e nele esconder-se já fora vivenciada pelos bebês em outros momentos da
rotina, como no dia 22 de abril às 9h22’, por ocasião da entrada das professoras do turno da
tarde para cobrir o horário de café das professoras regentes da manhã. Seria, portanto, apenas
uma brincadeira para ocupar os 15 minutos de café, porém ela teve continuidade com o
retorno das professoras regentes da manhã.Também em 15 de setembro às 15h12’ registramos
outro momento desta mesma brincadeira por ocasião do momento livre em sala, após o
retorno do lanche da tarde.Em todas evidenciamos a alegria das crianças.
Foto 15.16-Luan e Isabel se divertem com brincadeira realizada
As experiências vivenciadas no contexto da creche podem potencializar a ação e, por
consequência, o desenvolvimento dos bebês. Nas interações com os pares, as crianças
compartilham emoções, conflitos, apropriam-se das regras do ambiente e ampliam suas
experiências.Registramos muitos momentos em que as interações foram possibilitadas em
diferentes situações da rotina. No espaço coletivo é possível dizer que os bebês têm
preferência por outras crianças. Há momentos em que eles estão “sós” ou entre os pares, e
outros momentos em que estão com os adultos. As imagens e o relato a seguir confirmam esta
afirmação:
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“São 9h59’.As crianças brincam livremente na sala enquanto aguardam
o momento do almoço. Ellen dá a mão a Luan e o convida a brincar.
Augusto se aproxima e tenta desfazer a parceria. Ele se esforça, porém
não consegue e sai de cena. Mila permanece de mãos dadas com Luan.
Ela quer dançar, rodar, pular. Luan cede à brincadeira e se diverte
também.Ellen mostra-se feliz com conquista.”(Caderno de campo, 22 de
abril de 2014).
Fotos– Momentos de interação entre Luan, Mila e Augusto
A confirmação de Schmitt (2008) de que os bebês, no espaço coletivo da creche, não
são indiferentes entre si e que alteram suas ações e constituições nessas relações,pode ser
evidenciada também no contexto pesquisado. No tocante à ação pedagógica das professoras
no período integral, constatei que numa dinâmica onde seis professoras cuidam das crianças
em períodos de tempo distintos, ora em um grande grupo, ora em grupo divididos, as
habilidades para lidar com esta faixa etária revelaram-se de formas distintas, o que a meu ver
pode ser visto como um fator favorável ao desenvolvimento dos bebês, por possuírem saberes
diferentes,umas das outras.
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Conclusão
Considerando que o desenvolvimento é sempre coletivo e compartilhado com os
outros, é na coletividade, nas relações, que as crianças se instituem no campo social, que as
subjetividades vão sendo produzidas. Em se tratando da pesquisa com bebês, percebê-los
como seres competentes amplia as possibilidades do trabalho com esta faixa etária. Deste
estudo depreende-se que a organização do trabalho com os bebês necessita não só de uma
relação espaço-tempo traduzida numa rotina articulada, mas de uma rotina compartilhada,
onde os adultos que permanecem com os bebês durante uma rotina de tempo integral,
realizem planejamentos de forma integrada, em coerência com um projeto pedagógico de
cuidado e educação, em jornada integral. Isso possibilitaclareza das atividades realizadas em
ambos os turnos, para possibilitar a ampliação das experiências das crianças. O tempo de
trabalho integral das professoras na crechepareceu-me uma oportunidade de estabelecimento
de uma comunicação efetiva entre os adultos que se responsabilizam pelos bebêsao longo da
jornada. O fato de haver professoras assumindo turnos diferentes numa mesma turma amplia
o olhar do adulto sobre os aspectos do desenvolvimento das crianças, que podem ser
compartilhados, avaliados, observados por todos os adultos que delas cuidam.
Em relação aos bebês, pude perceber que a conjugação de fatores como espaço, tempo,
os materiais disponíveis, a organização destes em relação ao tempo e ao espaço lhes propiciou
momentos de interação coletiva, momentos de interação com os colegas pelos quais tinham
interesse e momentos para estarem sós, ainda que sob o olhar do adulto. A rotina em tempo
integral possibilitou-me presenciar momentos onde os bebês demonstraram alegria em estar
no espaço, desejo de tocar /conhecer o outro, surpresa frente às descobertas, espaços
preferidos, um movimento frenético durante o período da manhã, o contato com sabores,
cheiros, odores. Também momentos de choro, de cansaço, de indisposição, onde só o gesto ou
o olhar foram suficientes para dizer sobre seus desejos, suas necessidades. Em alguns desses
momentos a sensibilidade dos adultos se fez presente, promovendo a riqueza e evidenciando a
sutileza que há nas interações.
Ao investigar a ação pedagógica com os bebês no espaço da creche, tomando como
eixos o espaço, o tempo e as interações, me surpreendi com tantas novidades apresentadas
pelos bebês. Acredito que o olhar atento, a escuta sensível, a criação de vínculos e uma
postura respeitosa são elementos essenciais que podem fazer com que a vivência nestes
espaços seja muito mais prazerosa, na medida em que bebês e adultos compartilham os
significados, desejos, vidas em movimento e que valorizem as situações inventadas,
imprevisíveis, inusitadas que emergem do cotidiano.
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ISSN 2448-1157
556
Experimentando o Mundo em Nosso Quintal:
Uma parceria possível e necessária entre arquitetura e educação
Gabriela Caldeira Aranha42
Mariana Kubilius Monteiro43
Renan Pinotti de Paula Rodrigues44
Prefeitura Municipal de Campinas - CEI Profª Thermutis Araújo Machado
Resumo
O presente texto apresenta o processo de (re)organização do ambiente externo do
Centro de Educação Infantil Profª Thermutis Araújo Machado, de Campinas - SP, coordenado
por uma comissão de educadoras e que tem como objetivo de trabalho levar a equipe
educacional para repensar os saberes, fazeres e a organização do tempo e do espaço nesse
contexto.
Com base na proposta do Eixo 2 – Tempos, Espaços, Relações e Infâncias: bases
epistemológicas, apresentaremos as origens desse processo, nossos diálogos e reflexões
realizados com o coletivo educacional e com outros profissionais, e a nossa experiência de
trabalho em comissão. A busca de parcerias para além da educação, como a área da
arquitetura, por exemplo, possibilitou pensar os espaços do CEI sob outra perspectiva,
ampliando e transformando nosso olhar
Este trabalho proporciona reflexão sobre os tempos e espaços do centro de educação
infantil, com o reconhecimento das possibilidades de participação e criação das crianças
pequenas (ainda que timidamente) junto com os/as educadores/as e outros profissionais,
favorecendo e ampliando as relações e interações entre crianças, crianças e adultos e o
sentimento de pertencimento.
Palavras chave: Educação, Arquitetura, Parque, Participação, Gestão Democrática.
42
Professora de Educação Infantil da Prefeitura Municipal de Campinas – SP.
43
Doutoranda em Educação pela UNICAMP; Professora do CEI Profª Thermutis Araújo Machado no ano de
2014.
44
Arquiteto pela Faculdade de Belas Artes; Realizou o Trabalho Final de Graduação (TFG) em parceria com o
CEI Profª Thermutis Araújo Machado.
ISSN 2448-1157
557
A escolha do caminho: Origem do processo
A ideia deste projeto surgiu de diferentes maneiras e contou com variadas
contribuições. Foi a partir de discussões e formações sobre “O currículo vivido Compartilhando o cotidiano: a organização dos espaços nas UEs de educação infantil”,
proposto pelo Núcleo de Ação Educativa Descentralizada (NAED) Sudoeste, bem como pela
demanda do próprio coletivo educacional que, nas Reuniões Pedagógicas de Avaliação
Institucional (RPAI), indicava que o(s) parque(s) - seus espaços e seu uso - precisava(m) ser
repensado(s). Outras tantas pessoas45 percorreram conosco por esse caminho, algumas desde
o início, outras por um determinado percurso, e nos ajudaram a escolher/refletir sobre por
onde gostaríamos de nos aventurar.
Desde 2010, a equipe educacional do CEI Professora Thermutis Araújo Machado vem
discutindo, avaliando, estudando e planejando a organização dos espaços em nossa unidade
educacional, processo promovido, por um lado, pelo modo como temos realizado a avaliação
institucional na unidade educacional e, por outro, pelos encontros temáticos, organizados pela
equipe do NAED Sudoeste.
Na RPAI de abril de 2011, em que fazíamos a discussão do item “Espaços, Materiais e
Mobiliários” dos Indicadores de Qualidade na Educação Infantil (BRASIL, 2009), comissões
foram organizadas dentro de cada Grupo de Trabalho (GT) e pesquisaram sobre o assunto,
para depois fazer propostas concretas de intervenções.
Na reunião seguinte - a RPAI de junho de 2012 -, dando continuidade às prioridades
de discussões que a equipe de Autoavaliação Institucional (AAI) havia planejado a partir da
avaliação da equipe educacional, o coletivo teve a oportunidade de fazer visitas a escolas da
rede pública e privada, localizadas em Campinas e São Paulo e visita ao Parque Ibirapuera
para que pudesse ampliar o repertório sobre espaços. As visitas foram relatadas por escrito e
fotografadas, além de detalhadas aos participantes de uma reunião de Trabalho Docente
Coletivo (TDC) ampliado46, quando também houve troca de impressões sobre a experiência.
45
Ana Maria da Silva Rocha Paraguai, Bruna de Souza Pirani, Carolina Gabriel Gimenez, Claudia Regina
Rodrigues Lublanski, Luciana de Assis Duarte, Sálua Domingos Guimarães, Suely Cunha de Oliveira e Tathiane
Rubin Rodrigues Cuesta.
46
Compõe a jornada de trabalho semanal dos docentes e é ampliado à participação facultativa de
monitores/agentes de educação infantil, os quais não têm essa carga horária prevista em sua jornada de trabalho.
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558
Cada profissional teve a oportunidade de observar e/ou vivenciar intervenções
pedagógicas que podem ser realizadas de acordo com a disposição dos equipamentos, o tipo
de material e as possibilidades de uso. Outro encontro com o mesmo objetivo ocorreu em um
TDC ampliado, cuja estratégia foi exibir fotos de parques, equipamentos e materiais de vários
lugares do Brasil e de outros países.
O planejamento da viagem
A equipe do projeto de Autoavaliação Institucional (AAI), que é constituída por
representantes de vários segmentos do CEI e coordena a Reunião Pedagógica de Avaliação
Institucional (RPAI), propôs o trabalho com comissões, optando por começar com apenas
uma, a Comissão do Parque, a título de experiência do processo.
Para a organização do trabalho, a equipe de AAI elaborou um Guia de Orientações
sobre como o trabalho poderia ser organizado, sugerindo os momentos em que poderiam
acontecer (buscando aperfeiçoar os tempos de trabalho no CEI) e em quais formas de registro
o processo deveria ser documentado.
A equipe educacional busca garantir a gestão democrática e participativa através das
RPAIs, reuniões e comissões. Portanto, para as mudanças que seriam pensadas para o parque
não poderia ser diferente. A bibliografia levantada pela equipe que fazia parte da comissão
também afirmava a importância de envolver toda a comunidade para que a mudança fosse
concretizada.
Em artigo publicado na revista Avisa Lá (2001), esse envolvimento é apresentado
como uma tarefa necessária. Nele, se propõe “investigar como é a percepção do espaço do
ponto de vista das crianças, educadores, pais e funcionários, através de desenhos, entrevistas e
construções de maquete” (FILGUEIRAS; FREYBERGER, 2001).
Preparando a bagagem: Diálogos e reflexões
No debate sobre o tema, apoiamo-nos na afirmação de Ana Lúcia Goulart de Faria
(2003) de que o pressuposto da organização do espaço físico reflete as concepções
É descrito como "espaço formativo que compreende reuniões pedagógicas da equipe escolar para a construção, o
acompanhamento e a avaliação do projeto político-pedagógico da Unidade Educacional e para as atividades de
interesse da Secretaria Municipal de Educação" (PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINAS, 2007)
ISSN 2448-1157
559
pedagógicas daqueles que o utilizam, tendo como foco a criança e sua atividade fundamental:
brincar.
Desse modo, o parque se torna lugar privilegiado dentro dos centros de educação
infantil, no qual todas as crianças poderão e deverão ter oportunidades ricas e diversas de
brincadeiras. De acordo com o documento do MEC, Brinquedos e Brincadeiras de Creche:
Manual de Orientação Pedagógica, “a criança é cidadã – poder escolher e ter acesso aos
brinquedos e às brincadeiras é um dos seus direitos como cidadã” (BRASIL, 2012, p.11).
De acordo com Faria (2003, p. 71-72), “as instituições de Educação Infantil convivem
com o binômio “atenção/controle”: ao mesmo tempo em que é dada a necessária atenção
às crianças, elas também estão sendo controladas para aprenderem a viver em sociedade”. O
que buscávamos com o projeto era o “controle” no sentido da solidariedade, generosidade,
cooperação, amizade, tolerância, valores coletivos, como propõe Faria (2003), e não da
submissão, do individualismo e do conformismo.
Anete Abramowicz e Gisela Wajskop (1999) trazem uma discussão rica sobre os
espaços físicos e suas organizações, apontando que devemos propiciar ampla experiência
sensorial, oferecendo objetos e instalações com cores, sons, luminosidade e texturas, além de
garantir um espaço aberto e amplo para os jogos de futebol e outros.
Na busca por referências bibliográficas sobre espaços e ambientes externos,
encontramos diversas possibilidades, mas nos identificamos com as produções do Grupo
Ambiente e Educação (GAE), nas quais encontramos ideias que fundamentam aquilo que
defendíamos no Projeto Pedagógico do CEI.
Quando nos deparamos com a necessidade de planejar e criar outros espaços e lugares,
precisamos ampliar os diferentes
olhares sobre espaço/lugar visando construir ambiente físico à
Educação Infantil, promotor de aventuras, descobertas,
criatividade, desafios, aprendizagem e que facilitem a interação
criança-criança, criança-adulto e deles com o meio ambiente.
(GRUPO AMBIENTE E EDUCAÇÃO, p. 5, sem data)
A partir dessa ampliação do olhar, buscamos realizar um projeto de lugar que favoreça
a exploração pelos pequenos. Para Ana Beatriz Goulart de Faria,
Realizar um projeto de lugar é a possibilidade de juntar ciência e
arte, pois exige raciocínio (tem que parar em pé) e criatividade
(tem que ser bonito). É a amizade entre a mão e a mente, é um
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560
pensar fazendo, um fazer pensando, aproximando as fronteiras
entre o possível e o impossível. [...] Por intermédio de
representações sensíveis dos lugares, de experimentos de lugares
imprevistos, inusitados, nunca antes pensados, passaremos,
possivelmente, a gostar dos lugares, dos nossos lugares, seja berço
ou cabana, escola ou cidade, e de sentir-nos parte deles. (FARIA,
2004, p. 67)
Na perspectiva de uma educação para todos, com ênfase no conceito de inclusão
(MENDES, 2010), cria-se um grande desafio de pensar formas que efetivem o acesso de todas
as crianças às experiências propostas, evidenciando sempre as singularidades de cada um.
Outro pressuposto, neste caso metodológico, é a garantia da participação de todos os
envolvidos - educadores/as, famílias e crianças – de modos diferentes, em diversos momentos
do processo.
Consideramos também o que é destacado no documento do MEC “Parâmetros Básicos
de Infra-Estrutura para Educação Infantil” (BRASIL, 2006), que faz importantes
apontamentos sobre a metodologia que deve ser adotada com o enfoque em equipes
multidisciplinares e sobre a importância da troca de saberes. Sendo assim, para que a
(re)organização do parque fosse possível, buscamos o apoio de outros profissionais, que
contribuíram para o projeto com seus diferentes olhares, pois
para brincar em uma instituição infantil não basta disponibilizar
brincadeiras e brinquedos, é preciso planejamento do espaço físico
e de ações intencionais que favoreçam um brincar de qualidade
(BRASIL, 2006, p.11).
E essa qualidade poderia ser enriquecida com a perspectiva do olhar e com o
conhecimento de outros profissionais, inclusive de outras áreas, aumentando as possibilidades
de trabalho com as crianças em nosso projeto.
Diário de bordo
Iniciamos a Comissão do Parque em setembro de 2011 fazendo um levantamento
bibliográfico sobre a temática e realizando observação e registros, escritos e fotográficos, do
espaço do parque. Com o objetivo de ampliar o repertório foram feitas pesquisas de imagens e
de novas possibilidades de intervenções.
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A Comissão procurou a Coordenadoria de Arquitetura Escolar (CAE), órgão da
Prefeitura de Campinas, tentando estabelecer parceria para o projeto - foram feitos contatos
por e-mail, telefônico e reuniões com pessoas da equipe da CAE.
Com a visita ao Parque Ibirapuera, conhecemos a arquiteta e coordenadora de projetos
do parque, Helena Quintana, a qual demonstrou interesse em nos auxiliar no projeto - além
dos contatos por e-mail, fez uma visita ao CEI e nos deu orientações sobre o que era preciso
para fazer o projeto arquitetônico pensando na reformulação do espaço. As orientações foram
fundamentais para que começássemos a entender como funcionam as questões relacionadas à
arquitetura. Dentre as orientações, Helena disse que para um projeto ser elaborado seria
necessário a planta topográfica do terreno e do prédio da unidade educacional.
Em 2012, a Comissão organizou os primeiros estudos e levou para a equipe
educacional suas sínteses. Esses estudos contribuíram, em vários momentos, para legitimar as
propostas de mudança, diante das resistências de algumas educadoras que defendiam
basicamente a pedagogia do controle, no sentido da submissão e do conformismo (FARIA,
2003).
Os princípios - que foram editados e aprovados pelo coletivo educacional - que
deveriam fazer parte deste processo, foram:
● Participação de todos/as os/as envolvidos/as: educadores/as, funcionários/as, equipe
gestora, pais, crianças e técnicos/as;
● Garantia de segurança das crianças, dos brinquedos e dos espaços (não lotar o parque
de brinquedos e assegurar espaço suficiente entre eles);
● Diversidade de espaços e de materiais;
● Construção de zonas circunscritas fixas e flexíveis;
● Presença, diversidade e preservação dos vários elementos da natureza;
● Garantia de que os espaços e materiais estimulem os vários sentidos;
● Existência de espaços de movimento, de expressão, de descanso, de observação e de
contemplação;
● Desenvolvimento da autonomia das crianças no uso dos espaços e materiais;
● Manutenção e limpeza dos espaços e materiais com qualidade;
● Acessibilidade das crianças e dos adultos aos espaços e aos materiais;
● Sustentabilidade;
● Funcionalidade da execução do projeto.
Após a intervenção com os/as educadores/as, a Comissão propôs uma reunião para
uma conversa inicial com as famílias, apresentando os princípios definidos pelo coletivo
educacional. Na ocasião, foram exibidas imagens para ampliação de repertório sobre o tema.
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562
No final do mesmo ano, a Comissão apresentou a proposta de trabalho por comissões
na Mostra do NAED Sudoeste. A elaboração desse trabalho para compartilhar com outros/as
educadores/as foi uma oportunidade de olhar para nosso trabalho e (re)pensar sobre os
caminhos que queríamos percorrer.
No início de 2013, a arquiteta Helena Quintana explicou a impossibilidade de
continuar participando do projeto e a Comissão foi em busca de possibilidades de parceria
com outros/as arquitetos/as e estudantes de arquitetura. Entretanto, para a elaboração de
qualquer projeto de reforma e adequação do parque seria necessária a planta topográfica do
terreno da unidade educacional. Como naquele momento nem o CEI, nem a CAE tinham este
documento, nosso foco passou a ser procurar entender como funcionaria a solicitação deste
serviço com a prefeitura ou de forma particular.
A procura pela topografia do terreno teve início em meados de 2011 e o CEI
conseguiu que a solicitação do serviço fosse atendida no final de 2013. O arquivo da planta
topográfica foi entregue em março de 2014. Esse processo foi permeado por falta de
documentos, burocracia, falta/insuficiência de profissionais da prefeitura, levando à demora
para dar continuidade ao projeto com ações que se efetivassem na (re)organização do
ambiente externo.
Outra dificuldade enfrentada pela Comissão foi a organização do tempo e mudanças na
equipe de trabalho - além dos afazeres com as crianças, as primeiras integrantes da Comissão
também participavam da equipe de AAI, levando a uma sobrecarga de trabalho e reduzindo as
horas dedicadas à discussão sobre o parque. Realizamos alterações na Comissão, com a
dedicação de mais horas ao projeto, propiciadas pelo desligamento de outros, além da eleição
para novas vagas de integrantes, contando com a representatividade de professor/a e monitor/a
ou agente de educação infantil. No entanto, o desafio da organização de horários para reunião
da equipe permaneceu no decorrer do projeto.
Ao longo desse processo, a Comissão continuou seus estudos e a escrita do projeto
com base nos princípios definidos pelo coletivo, a ampliação do banco de imagens com
propostas para a área externa e a busca por parceiros. Ao mesmo tempo, algumas ações foram
iniciadas, como pequenas reformas (colocação de torneiras e armários no parque) e
manutenções - serviços realizados pela prefeitura.
Uma parada: Possibilidades de novos encontros
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563
Nas buscas constantes sobre questões relacionadas ao espaço/ambiente na educação,
conhecemos o trabalho do CriaCidade47 e estabelecemos contato com a Nayana Brettas, que
estava em parceria com a Faculdade de Belas Artes, com o projeto “Criança Fala na
Arquitetura”. Fomos convidadas a participar do curso “A voz e o olhar das crianças nos
projetos de arquitetura”, que ampliou e (trans)formou nosso olhar. Nos dois encontros nos
quais estivemos presentes conhecemos mais sobre a proposta do CriaCidade, o trabalho
relacionado à BioConstrução48 e a metodologia de escuta das crianças proposta pela Nayana
Brettas. O curso tinha como objetivo fazer a formação dos/as estudantes de arquitetura da
Faculdade de Belas Artes, que se interessaram pelo projeto, e nas oficinas que foram
propostas tivemos a oportunidade de contar um pouco sobre o nosso projeto. Um dos
estudantes de arquitetura, que cursava o último ano de graduação, Renan Pinotti, e fazia a
oficina, se interessou pelo nosso trabalho e naquele momento trocamos contato.
Desse primeiro contato com o Renan, cresceu um interesse mútuo de parceria, e ele
optou por fazer seu trabalho final de graduação pensando em uma proposta para as áreas
externas do CEI. Essa parceria teve seu início com a apresentação do que a unidade
educacional já havia discutido e definido como princípios para o projeto, assim
compartilhamos a documentação arquivada pela Comissão e contamos um pouco do nosso
percurso.
Para conhecer melhor a realidade do CEI, o Renan organizou seu tempo para além das
reuniões com a Comissão. Assim, nos dias em que nos visitava, passava parte do seu dia com
as crianças, conversando sobre o que mais gostavam do espaço externo, perguntando o que
gostariam que tivesse neste espaço, dando vez e escutando os pequenos, com o apoio das
professoras.
Acreditamos que foi muito importante ter o arquiteto, mesmo que em uma curta
duração, no cotidiano dos pequenos e das educadoras, pois isso trouxe informações preciosas
sobre as minúcias que não conseguem ser relatadas de forma tão clara quanto a possibilidade
de experiência para cada um.
47
Empresa de Consultoria e Assessoria em Projetos Sociais e Urbanos que tem como missão desenvolver
projetos com foco na participação social para que todos os habitantes sejam cidadãos, protagonistas, partícipes,
autores, construtores e criadores da cidade que habitam. http://criacidade.com.br/criacidade.html
48
Proposta de Arquitetura ecológica e sustentável.
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564
Nosso objetivo era a realização de um projeto prático e participativo, que mantivesse
os princípios do projeto que até então chamávamos de “Reformulação do Parque”, fazendo a
parceria entre Arquitetura e Educação.
Queríamos também que as crianças, famílias e comunidade tivessem seu olhar e sua
opinião presentes nesse processo. Assim, com base no trabalho de PRONSATO (2005) e do
Instituto Elos49, que defendem a participação e a interação com o espaço na concepção,
execução e/ou utilização como forma de pertencimento, quando as pessoas se envolvem no
processo de construção, desde a sua concepção até a criação, há uma apropriação e
identificação com o espaço.
O arquiteto foi além do que havíamos pensado para o projeto, e nessa ampliação do
olhar ele propôs a possibilidade de mudanças da área externa para além dos “muros” da
escola, pois um terreno grande que é usado como campo de futebol faz divisa com o centro de
educação infantil e é utilizado pela comunidade que vive em seu entorno e pelas crianças e
educadoras do CEI em atividades com as famílias.
Para a escuta das crianças nos inspiramos nas iniciativas da metodologia desenvolvida
pela CriaCidade no projeto “Criança Fala na Arquitetura”, através da observação do modo
como as crianças brincavam e se relacionavam com os espaços, desenhos livres sobre o que
elas gostavam da cidade, de brincar, desejos, desenho coletivo sobre a proposta do parque.
O início da parceria com o Renan trouxe mais foco para o projeto dentro da equipe e
esse assunto foi pauta de muitas reuniões durante o ano de 2014. Os processos até a chegada
da topografia do terreno e do arquiteto eram lentos e havia uma grande expectativa da equipe
educacional com relação à resolução de problemas mais imediatos do parque do CEI.
Pensando em maneiras de avaliar as dificuldades das educadoras, fizemos um
levantamento com as educadoras dos aspectos negativos do parque, pensando em como
poderíamos melhorar. E, com auxílio da equipe gestora, foi realizada a manutenção dos
brinquedos do parque, de acordo com os problemas apontados coletivamente.
Uma dificuldade que tínhamos com relação ao projeto era dar visibilidade às ações da
Comissão, e a parceria com o Renan também favoreceu essa comunicação. Uma das sugestões
do
arquiteto
foi
a
criação
de
um
grupo
fechado
no
Facebook
(https://www.facebook.com/QuintalThermutis) que contasse o andamento do projeto e que
trouxesse textos e imagens que ampliassem o repertório sobre a temática.
49
http://www.institutoelos.org/
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565
As mudanças em nossa embarcação: Experimentando o mundo em nosso quintal
O CEI Professora Thermutis Araújo Machado atende crianças de 0 a 6 anos. Trata-se
de um prédio dividido burocrática e fisicamente em CEMEI - crianças de 0 a 3 anos, que
ficam período integral no CEI, contando com 5 salas neste espaço - e EMEI - crianças de 3 a
6 anos que ficam em período parcial, com 7 turmas no período da manhã e mais 7 no período
da tarde.
Antes da parceria com o Renan, os parques eram organizados da seguinte forma: Um
parque com brinquedos de ferro (balanços, gangorras, gira gira, escorregadores) e um tanque
de areia - espaço que era utilizado somente pelas crianças de 0 a 3 anos do CEMEI. Outro
parque maior, com os mesmos brinquedos de ferro, dois tanques de areia, uma casinha e um
brinquedo de madeira - que era utilizado pelas crianças de 3 a 6 anos da EMEI. Além de um
espaço amplo, gramado em parte, que possibilitava brincadeiras diversas. Neste último
espaço, havia alguns brinquedos mais isolados, alguns balanços, um escorregador, um gira
gira e um tanque de areia. Este espaço era utilizado por todas as crianças.
Após algumas reuniões com a comissão do Parque, a leitura da documentação do
projeto e a escuta das crianças e educadoras, o arquiteto Renan fez a relação de um dos focos
do projeto, que era explorar e enriquecer o contato com a natureza, e uniu esta ideia ao
conceito do desenho “Capitão Planeta”, em que a personagem é formada pela união de cinco
“poderes”: água, terra, fogo, ar e coração. Assim, apresentou uma proposta de tematização
dos espaços, usando como referência os quatro elementos da natureza - Água, Terra, Fogo e
Ar.
Uma das propostas da Comissão era pensar em modificações na entrada do CEI,
pensando em uma recepção que fosse mais acolhedora e lúdica. Não deixando este desejo de
lado, o arquiteto pensou em um quinto “elemento”, o coração, reforçando a acolhida que a
unidade educacional gostaria de oferecer às crianças, seus familiares e à equipe educacional.
Para o design do projeto o Renan usou referências lúdicas, não só de outros projetos
como também de desenhos animados, para fazer a ponte entre projeto e as ideias pedagógicas
propostas, e tornar o processo mais prazeroso. Isso revela que a criança que fomos pode estar
presente e trazer contribuições aos profissionais que somos hoje.
Com a proposta de tematizar os espaços, a concepção do seu uso foi também
modificada. Assim, os parques não seriam mais separados por CEMEI e EMEI (crianças de 0
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a 3 anos e de 3 a 6) como antes, ampliando o uso dos pequenos para todos os espaços. Esta
ideia por si só já possibilitou a ampliação de experiências e interações das crianças e dos
adultos, mas a proposta foi além.
O projeto cresceu com a parceria do Renan, e mais do que isso, ganhou forma e cor.
Antes desta parceria, sabíamos dizer o que não queríamos: um parque cheio de brinquedos e
materiais estruturados, que impossibilitasse o uso criativo dos brinquedos e materiais, que
negasse a curiosidade e a exploração em prol da “segurança” das crianças. Com o olhar do
arquiteto, os desejos se tornaram mais concretos e o caminho por onde seguir foi ficando mais
claro.
O projeto trazia cinco espaços/ambientes pensados para o CEI, além da proposta de
uso e também com uma reformulação do espaço externo, na área do campo de futebol ao lado
do centro de educação infantil. Cada um destes espaços seria caracterizado pensando nas
cores, nos materiais, brinquedos e sons/instrumentos que tivessem relação ao elemento da
natureza proposto.
A ideia foi apresentada para a Comissão e para a equipe de AAI e depois em uma
reunião das professoras com participação de algumas monitoras e agentes de educação
infantil. As famílias tiveram acesso a esta apresentação em um evento do CEI, no qual foi
ambientado um espaço com os cinco elementos, no qual se projetava o vídeo contando o que
estava sendo pensando para o parque e seu entorno.
Como parte da investigação dos usos do campo ao lado do CEI e as preferências de
lazer das famílias, o Renan propôs à comunidade educacional um questionário com perguntas
para levantar os dados que iriam nortear as propostas da área do campo.
Com a ideia mais clara do que poderia ser feito nos espaços, a Comissão pensou em
um novo nome para o projeto, que melhor definisse, e o nome escolhido pela Comissão foi:
“Experimentando o Mundo no Nosso Quintal”, que foi justificado da seguinte maneira: “A
experimentação que deve fazer parte do dia a dia, trazendo novas descobertas; o mundo como
representativo das variadas possibilidades e dos elementos, e o quintal como algo que acolhe,
que é aconchegante e que nos conecta”.
Pensando na identidade visual do projeto, foi solicitado ao Renan que nos ajudasse a
fazer o desenho de um logotipo. A Comissão fez a proposta de ter os elementos da natureza, e
em volta a escrita do nome do projeto no formato de um coração, acolhendo os quatro
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elementos. A representação desses elementos, como cores e formas, além dos universais, foi
baseada no desenho “Avatar: a lenda de Aang”. O logotipo ficou assim:
Outra apresentação foi planejada para as famílias e a comunidade, possibilitando o
diálogo com o projeto. Para essa reunião, foi feita uma vasta divulgação, com folders, cartazes
pelo bairro e informes nos cadernos das crianças. Antes da apresentação do projeto, tivemos
uma abertura cultural protagonizada pelas crianças.
Mesmo com todo o planejamento da divulgação, com o convite as diversas
autoridades e vereadores, poucas pessoas compareceram à reunião. Uma presença importante,
que trouxe contribuições e outra possibilidade de parceria ao projeto foi a do Batata (Ronaldo
Simões Gomes), que é funcionário da Secretaria Municipal de Cultura de Campinas.
Estiveram presentes na reunião algumas famílias e pessoas da comunidade - dentre elas, o
presidente da associação de moradores.
Sabíamos que um projeto dessa amplitude requer planejamento de longo prazo, em
etapas definidas por prioridades e que precisa de verba e muitas parcerias para poder sair do
papel. Assim, fomos pensando no que já era possível organizar/acontecer nos espaços
externos que estivesse já relação com as discussões e propostas aprovadas pelo coletivo, para
que as mudanças não ficassem restritas à questão de verbas que o CEI não teria.
Álbum de fotografia ou novos caminhos: Considerações finais
Seguir viagem, tirar os pés do chão
Outros ares...sete mares...voar...mergulhar
O que nos dá coragem
Não é o mar nem o abismo
É a margem, o limite e sua negação.
(Seguir Viagem - Engenheiros do Hawaii)
Em nossa viagem, até aqui - porque ainda temos um longo caminho - percebemos que
já não somos mais os/as mesmos/as que embarcaram. De modo geral, entre os/as
educadores/as prevalecia a ideia de que o parque infantil é um lugar de gangorra, balanço,
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gira-gira, ou seja, de equipamentos fixos, que buscamos desconstruir. Ainda estamos longe do
que desejamos, mas mudanças nas relações e concepções do espaço já fazem um grande efeito
na prática e nas interações do CEI e, como diria Galeano50, a utopia é que nos faz caminhar.
Temos superado diariamente a pedagogia do controle em busca de estímulo à
criatividade, à imaginação, à expressão, ao desenvolvimento de movimentos corporais, de
interações e de relações.
Acreditamos que as mudanças e reflexões foram possíveis por variados fatores e
pessoas, mas queremos enfatizar que a parceria com o olhar da arquitetura trouxe uma
(trans)formação do nosso olhar. Antes da parceria com o Renan, sabíamos para onde não
queríamos ir, mas não conseguíamos visualizar um caminho possível de se navegar.
O processo tem sido lento, como todo trabalho criterioso e que prima pela participação
coletiva. Mas tem colaborado para o crescimento do grupo! Todos temos tomado mais
consciência do tempo que as coisas levam para amadurecer. A experiência tem sido
desafiadora, pois diariamente precisamos retomar os nossos princípios e buscar a participação
e o envolvimento de todos/as.
50
Vídeo Para Que Serve a Utopia? - Eduardo Galeano - https://www.youtube.com/watch?v=9iqi1oaKvzs
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569
Referências bibliográficas
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ISSN 2448-1157
570
Título: CCI UNESP/Botucatu; lugar de cuidar e educar
Gislene Maria Leite Paixão51
Introdução: O presente trabalho relata a prática educativa vivenciada no “Centro de
Convivência Infantil UNESP, Botucatu, a qual tem como objetivo o desenvolvimento integral
da criança através de um espaço lúdico de aprendizagem que conjugue o cuidar e educar e
possibilite a comunicação, a socialização e a cooperação desta com os adultos,
proporcionando conhecimentos às crianças através de exploração, observação e desafio,
utilizando-se dos referenciais sócio-antropológicos de Wallon (...) e Vygostky (...) sobre a
importância das interações sociais na estruturação da consciência, linguagem, e pensamento
da criança. Objetivo: apresentar os resultados do trabalho educativo em um CCI, destacandose a importância das interações sócio-culturais para o desenvolvimento das crianças.
Metodologia: observação participante e relato de experiência. Resultados: A educação
Infantil desenvolvida no CCI promove situações de aprendizagens que possibilitam a
independência da criança e criam oportunidades de aprender sobre o cuidado de si, do outro e
do ambiente.
Palavras-chave: CCI. Educação Infantil. Cuidar. Educar.
O lugar das interações das crianças e do brincar na educação infantil: contribuições da
pesquisa para a prática educativa
Heloisa Toshie Irie Saito52
Maria Angélica Olivo Francisco Lucas 53
Maria de Jesus Cano Miranda54
Regina de Jesus Chicarelle55
Resumo
51
Supervisora do Centro de Convivência Infantil “Pertinho da Mamãe”- UNESP, Câmpus de Botucatu.
52
Professora doutora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de Maringá.
53
Professora doutora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de Maringá.
54
Professora doutora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de Maringá.
55
Professora doutora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de Maringá.
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Esta comunicação objetiva discutir sobre o lugar das interações das crianças e do brincar na
prática de profissionais que atuam na educação infantil. Revela dados obtidos a partir de um
projeto de pesquisa que justificou-se pela necessidade de realizar leituras cuidadosas e
constantes do âmbito institucional para a realização de práticas pedagógicas de qualidade,
tendo como respaldo pressupostos da Teoria Histórico Cultural.Este texto está organizado em
dois momentos: reflexões sobre o papel das interações e do brincar para o desenvolvimento
infantil; discussão acerca do lugar das interações e do brincar nas práticas pedagógicas
observadas nas instituições pesquisadas. Como resultado, verificamos que os
encaminhamentos práticos quanto ao brincar e às interações necessitam de estudos e
pesquisas que ampliem a visão de infância, tendo em vista a formação continuada dos
profissionais que atuam na educação infantil e a melhoria da qualidade desse nível de ensino.
Palavras-chave: brincar; interações; prática pedagógica; educação infantil.
Introdução
Esta comunicação tem por objetivo discutir o lugar das interações das crianças e do
brincar na prática de profissionais56 que atuam na educação infantil. É resultado de atividades
desenvolvidas no decorrer do projeto de pesquisa institucional denominado “Olhares e novos
olhares: analisando e redimensionando as práticas educativas para as crianças pequenas”57.
Iniciado em 2012 e finalizado no segundo semestre de 2015, objetivamos com o referido
projeto instigar a reflexão acerca das práticas pedagógicas implementadas no âmbito da
educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental, visando ressignificá-las.
As inquietações a respeito da temática das práticas pedagógicas, do processo de
aprendizagem e da formação continuada do profissional que trabalha com a criança pequena,
esteja ela frequentando a educação infantil ou o ensino fundamental, estiveram presentes
desde o início das proposições para a realização do já referido projeto de pesquisa. Dessa
forma,esta foi a principal questão que instigou tal investigação: como favorecer a
ressignificação de práticas pedagógicas de profissionais envolvidos com a aprendizagem e o
desenvolvimento de crianças pequenas?
Justificamos sua realização diante da necessidade de realizar leituras cuidadosas e
constantes do âmbito institucional para a implementação de práticas pedagógicas eficazes,
56
Utilizaremos o termo profissionais para nos referirmos a todos que atuavam na educação infantil nas
instituições pesquisadas, incluindo professores, educadores e auxiliares, com formações específicas.
57
Contou com o apoio das discussões oriundas do Grupo de pesquisa Contextos Integrados de Educação Infantil
(CIEI), da FE-USP, coordenado pelas professoras Tizuko Morchida Kishimoto e Mônica Pinazza.
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tendo em vista uma formação humana emancipatória, tal como afirma Leontiev (1978, p.
284): “[...] criar um sistema de educação que lhes assegure um desenvolvimento multilateral e
harmonioso que dê a cada um a possibilidade de participar enquanto criador em todas as
manifestações da vida humana”.
Almejamos contribuir para o processo de formação de profissionais para atuar nos
dois níveis de ensino mencionados nos moldes de formação continuada. Para isso, pensamos
em situações que possibilitassem reflexões a respeito da ação docente, com a perspectiva de
implementação de práticas pedagógicas inovadoras, visando o desenvolvimento pleno das
crianças, tendo os profissionais das instituições como parceiros da pesquisa. Por isso,
definimos como norte metodológico princípios da pesquisa-ação. Para Gomes (2009, p. 75),
este tipo de pesquisa possibilita “[...] pensar o circuito prática/teoria/prática: partir de uma
prática, buscar sustentações teóricas que não só a expliquem, mas também produzam
elementos para sua superação, e com base nisso delinear alternativas para nova prática que,
se for objeto de reflexão, possa ser transformada”.
Desenvolvido sob a forma de trabalho colaborativo entre universidade e instituições
públicas de ensino de um município do noroeste do Paraná, a equipe desse projeto de pesquisa
foi constituída por professores do ensino superior, assessores da secretaria municipal de
educação, profissionais de instituições parceiras (duas de educação infantil e duas de ensino
fundamental), acadêmicos dos cursos de Pedagogia e de Psicologia e alunos de pós-graduação
em educação.
Escolhemos a metodologia da pesquisa-ação colaborativa por proporcionar elementos
formativos tanto para a equipe responsável pela condução da pesquisa quanto para o grupo
de profissionais das instituições educativas envolvidas, estreitando a relação entre
universidade e instituições de educação básica. Segundo Gomes (2009, p. 86), neste tipo de
pesquisa “há, da parte do pesquisador e dos colaboradores, um esforço para produzir uma
reflexão na prática, pois ambos os lados trazem conhecimentos diferentes para o trabalho
conjunto”. Para isso, é necessária a construção mútua de vínculos que gerem confiança e
profissionalismo.
Para sua consecução, o projeto de pesquisa foi dividido em seis etapas:
a) Constituição do grupo de pesquisa: para tanto realizamos explanações das metas do
projeto a docentes da UEM, representantes da Secretaria de Educação Municipal,
profissionais das instituições parceiras e acadêmicos.
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573
b) Realização de sessões de estudos: com início em março de 2012, foram realizadas
semanalmente sessões de estudo, cujos textos foram selecionados visando
embasamento teórico para as principais linhas de atuação do projeto.
c) Observação em salas de aula: no segundo semestre desse mesmo ano, estendendose até 2013, foi realizada a parte empírica da pesquisa, que consistiu em observações
quinzenais em turmas de educação infantil e de primeiros e segundos anos do ensino
fundamental em quatro instituições públicas de ensino. Cada pesquisador, seguindo
um roteiro pré-estabelecido, registrou os dados observados em diários de bordo a
partir de quatro eixos: elaboração e execução de planejamento; prática docente;
relações interpessoais e estrutura física. Os registros dos dados referentes à prática
pedagógica dos profissionais que atuam com crianças de zero a sete anos foram
transformados em relatórios e disponibilizados aos demais membros do projeto.
d) Análise conjunta dos dados: os relatórios foram analisados em conjunto com os
participantes do projeto. Essa etapa possibilitou à equipe reflexões a respeito das
dificuldades dos profissionais sujeitos dessa pesquisa no que diz respeito à elaboração
e execução de planejamentos, bem como no encaminhamento de atividades realizadas
em sala de aula e em outros espaços.
e) Devolutiva em forma de evento de extensão: diante da necessidade de realizar um
retorno aos profissionais das instituições parceiras acerca da análise preliminar dos
dados obtidos foi proposto um curso de extensão. Nessa oportunidade realizamos
reflexões a respeito dos aspectos teóricos que devem fundamentar a ação docente a
fim de ressignificar a prática dos profissionais envolvidos, contribuindo para a
formação continuada.
f) Ressignificação da prática pedagógica: para concluir o trabalho junto aos
profissionais das instituições parceiras procedemos a elaboração de um planejamento a
ser implementado para possibilitar ampliação e ressignificação das ações educativas.
Cada instituição foi orientada por uma das profissionais da universidade na elaboração
de tal planejamento. Após, foram redigidos relatos das práticas pedagógicas
ressignificadas os quais foram apresentados aos demais participantes para análise e
discussão. Constituiu-se em um momento muito produtivo pela forma como cada
instituição descreveu o caminho percorrido, desde o planejamento, passando pela
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574
produção de materiais didáticos, até a implementação e produção do relato de
experiência.
Em função da amplitude do projeto de pesquisa, da riqueza dos dados obtidos e dos
diferentes resultados alcançados em suas diversas etapas, optamos, nesta comunicação, por
apresentar as reflexões realizadas acerca das interações das crianças e do brincar na prática
dos profissionais que atuam na educação infantil.
Para cumprir o intuito dessa comunicação, organizamos a mesma em duas partes.
Inicialmente, destacamos o referencial teórico que embasou tanto a proposição metodológica
quanto a análise dos dados obtidos, refletindo sobre o papel das interações e do brincar para o
desenvolvimento infantil. A Teoria Histórico Cultural (THC), defendida por Vygotski58 e seus
colaboradores, assevera que o desenvolvimento infantil pode alcançar níveis mais complexos
tendo em vista as possibilidades de interação entre os pares que podem ser ampliadas por
meio do brincar. Para Vygotski (1991), a brincadeira permite à criança variedade de ações no
sentido de atribuir significados diferentes aos objetos transformando-os em brinquedos.
Nesses momentos, é possível a criança levantar suposições ou hipóteses, encontrar resolução
de problemas reais à situação de “faz de conta”, raciocinando, pensando sobre os fatos e
ainda, estimular sentimentos de pertencimento, de rejeição, de afeto conforme ela observa a
vida real. Assim, a atividade lúdica permite que a criança se prepare para a vida. Desse modo
a vida da criança gira em torno do brincar como ferramenta indispensável na formação de seu
psiquismo.
Na sequência refletimos sobre o lugar das interações das crianças e do brincar nas
práticas pedagógicas observadas nas instituições de educação infantil pesquisadas, de modo a
discutir como os profissionais tratam estes dois eixos propostos pelas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2010).
Por fim, reafirmamos a necessidade de reflexão a partir da ação dos profissionais que
trabalham com crianças pequenas como forma de enriquecer o debate acerca da prática
pedagógica, possibilitando ressignificá-la. Desse modo, podemos contribuir para a formação
58
O nome deste autor aparece de diferentes maneiras na literatura consultada, dependendo do idioma de
publicação. Assim, na língua inglesa utiliza-se a grafia Vygotsky. Em espanhol, Vygotski. Em alemão,
Wygotski. Do russo para o espanhol as edições são traduzidas para grafia Vigotski (Cf. DUARTE, 2001, p.2).
Neste trabalho, será adotada a grafia Vygotski, com o fim de padronizar sua escrita, embora nas referências seja
mantida a grafia original das obras citadas.
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575
continuada desses profissionais e para o pleno desenvolvimento das crianças da educação
infantil, compreendendo que as interações entre eles e as crianças, bem como as interações
criança/criança, interações da criança com o ambiente e com os objetos e diferentes materiais
oportunizam o brincar interativo e favorecem o conhecimento de mundo com riqueza de
vivências.
O papel das interações das crianças e do brincar para o desenvolvimento infantil:
fundamentação teórica
A THC entende o homem como um ser pensante que assume a direção de seu próprio
agir e se emancipa pela apropriação e assimilação de sua cultura. Nessa linha de pensamento,
Rego (1995, p.120-121) complementa que Vygotski concebe o homem como um ser que
“pensa, raciocina, deduz e abstrai, mas também como alguém que sente, se emociona, deseja,
imagina e se sensibiliza”.
Nesta abordagem, Prestes (2010, p.38) defende que a obra de Vygotski delineia como
um fio condutor a ideia de “unidade afeto e intelecto, os estudos sobre a relação entre a
instrução e o desenvolvimento das crianças e sobre a dinâmica da atividade do pensamento e
da ação”. Dessa maneira, nessa concepção, a infância é entendida como um momento da vida
da criança propício às novas experiências e vivências que acontecem, principalmente, em
situações lúdicas e de interatividade.
A partir dessa premissa,Vygotski (1991)afirma que o desenvolvimento cognitivo e
perceptivo da criança não nasce com ela, mas se faz pela internalização dos elementos
culturais do meio que a circunda.A criança nasce apenas com as funções psicológicas
elementares, as quais, em contato com a cultura de seu meio, transformam-se em funções
psicológicas superiores, sendo estas o controle consciente do comportamento, a ação
intencional e a liberdade do indivíduo em relação às características do momento e do espaço
presente. Nesse sentido, o desenvolvimento do psiquismo humano é sempre mediado pelo
outro que indica, delimita e atribui significados à realidade. Esses processos, por sua vez,
operam quando a criança interage com os adultos ou realiza atividades de cooperação com
seus companheiros.
Nessa linha de raciocínio a interação da criança com o meio social e cultural é
considerada de fundamental importância na medida em que oportuniza o acesso e a
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576
apropriação do conhecimento. Essa interação com a cultura é considerada, pelo autor, uma
relação de mediação de ferramentas e instrumentos. Aqui compreendemos “mediação” como
toda atividade que ocorre com o apoio de uma ferramenta material, um sistema de símbolos
ou da conduta de outro ser humano que oportunize uma apreensão ou uma mudança de
percepção ou até mesmo de comportamento, sendo a linguagem um signo mediador que
encerra em si os conceitos e significados elaborados historicamente.
Conforme o pensamento de Vygotski (1991), as brincadeiras fazem parte de um
mundo imaginário no qual a criança pode realizar seus desejos. O ato de brincar é uma
importante fonte de promoção de desenvolvimento, pois nele a criança está sempre acima da
média de sua idade, acima de seu comportamento cotidiano. A brincadeira, especialmente a
de "faz de conta", assemelha-se a uma lente de aumento que projeta situações de um mundo
real para o imaginário. Isto ocorre porque no brinquedo "[...] os objetos perdem sua força
determinadora. A criança vê um objeto, mas age de maneira diferente em relação àquilo que
vê. Assim, é alcançada uma condição em que a criança começa a agir independentemente
daquilo que vê” (Vygotski, 1991, p. 127).
O referido autor afirma que o brincar é uma atividade humana na qual se fazem
presentes a imaginação, a fantasia e a realidade, interagindo na produção de novas formas de
construir relações sociais com outros sujeitos. Tal entendimento difere da visão predominante
que considera a brincadeira como atividade restrita à assimilação de códigos e papéis sociais e
culturais, cuja função principal seria facilitar o processo de socialização da criança.
Nessa perspectiva, Kishimoto (2010) ajuda-nos a refletir sobre a situação da
educação infantil nos dias atuais, no que diz respeito a qualidade de suas ações quando o
assunto é o brincar, livre ou dirigido.
A pouca qualidade da educação infantil pode estar relacionada com a
oposição que alguns estabelecem entre o brincar livre e o dirigido. É
preciso desconstruir essa visão equivocada para pensar na criança
inteira, que, em sua subjetividade, aproveita a liberdade que tem
para escolher um brinquedo para brincar e a mediação do adulto ou
de outra criança, para aprender novas brincadeiras (KISHIMOTO,
2010, p.1).
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577
O brincar é uma atividade difícil de ser definida devido ao caráter subjetivo que
apresenta. Contudo, podemos dizer que essa ação encerra uma conotação social e de
liberdade, uma vez que não se pode obrigar alguém a brincar. Reconhecemos que o brincar
possui três componentes: a imaginação, a imitação e a regra. Nesse sentido, Vygotski (1991)
afirma que mesmo que a brincadeira seja livre e não estruturada, ela possui regras. Em todo
tipo de brincadeira já está embutido um rol de regras, até mesmo no “faz de conta”, que
conduzem o comportamento das crianças enquanto nela estão envolvidas. Uma criança que
brinca de "ser mamãe" apresenta um comportamento compatível ao que observa em casa,em
seu cotidiano.
Kishimoto (2010, p.5) ressalta que as crianças pequenas possuem muitas formas de
brincar: “água, terra, areia, fazem experiências com tintas, com alimentos, plantas e outros
materiais, para explorar e ver o que acontece, movidos pela curiosidade”. As experiências
corporais, expressivas e sensoriais também podem e devem fazer parte do rol de atividades a
serem vivenciadas na educação infantil. Ela recomenda que, ao planejar práticas pedagógicas,
os profissionais necessitam conhecer as crianças para atender a singularidade de cada uma,
pois elas têm suas preferências e gostos, além do fato de avançarem em ritmos diferentes.
Assim, "dispor de tempo mais longo, em ambientes com variedade de brinquedos, atende aos
diferentes ritmos das crianças e respeita a diversidade de seus interesses” (KISHIMOTO,
2010, p.5).
O tema brincar na educação infantil tem sua origem naquilo que a criança vive no seu
dia a dia, nas relações com seus pares e, principalmente, nas relações com adultos. É uma
situação imaginária, um faz de conta criado pela criança, mas que só pode ser inventado por
ela graças ao referencial retirado das interações sociais (Vygotski, 1991). Como é possível
perceber, as brincadeiras, o brinquedo e os jogos são fontes inesgotáveis de interação lúdica e
afetiva para a criança, representando momentos da sua vida em que interage e se desenvolve
física, intelectual e socialmente. Nessa perspectiva, ao mesmo tempo em que se diverte,
estabelece relações com os fatos de sua realidade.
Para Kishimoto (2010), a criança, mesmo pequena, já tem internalizado muitos
conhecimentos e sabe interagir com as pessoas por meio de gestos, olhares, palavras, já é
capaz de compreender o mundo. Ao falar da importância do brincar para a criança, afirma:
Ao brincar a criança experimenta o poder de explorar o mundo dos
objetos, das pessoas, da natureza e da cultura, para compreendê-lo e
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578
expressá-lo por meio de várias linguagens. Mas é no plano da
imaginação que o brincar se destaca pela mobilização dos
significados. Enfim, sua importância se relaciona com a cultura da
infância que coloca a brincadeira como ferramenta para a criança se
expressar, aprender e se desenvolver (KISHIMOTO, 2010, p. 1).
No pensamento de Vygotski (2003), um dos aspectos relevantes da brincadeira é a
capacidade criadora e sua importância para o desenvolvimento geral e maturidade das funções
psíquicas superiores. Desde cedo é possível perceber na criança que essa capacidade criadora
se manifesta, essencialmente, em situações de brincadeira. O menino que ao cavalgar em um
cabo de vassoura imagina-se em um cavalo ou a menina que brinca com sua boneca
acreditando ser sua mãe mostram o poder criativo que possuem. Nesse contexto, a brincadeira
atua na zona de desenvolvimento proximal, pois nessa situação a criança é capaz de realizar
coisas além daquilo que faz em seu cotidiano. A vivência de uma situação imaginária e a
criação de uma intenção voluntária, próprias da brincadeira, colocam a criança em um nível
superior de desenvolvimento, tal como a interação dela com pares mais experientes.
Como afirmado anteriormente, o brincar e as interações sociais, segundo a THC,
permitem pensar o homem em constante transformação. As interações dos adultos com as
crianças e das crianças com seus pares, principalmente em situação de brincadeira, podem
conferir às experiências vivenciadas significados diferentes. Assim, sujeitos mais experientes
ao interagirem com as crianças oportunizam não só situações de apropriação de
conhecimentos, como também favorecem o seu desenvolvimento. Esta estrutura humana
complexa é produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas
ligações entre a história individual e a história social.
O lugar das interações das crianças e do brincar na educação infantil: resultados
da pesquisa
Constatamos que as interações entre profissional e criança foram estabelecidas com o
intuito de obter organização da turma, sem que houvesse liberdade de expressão por parte das
crianças. As relações estiveram marcadas pela necessidade de cuidar e de proteger fisicamente
as crianças, para que não houvesse agressões entre elas. Contudo, em duas turmas de crianças
de 4 e 5 anos, observamos que estas eram afetivas e interagiam entre si, aproximando-se por
afinidades, pois brincavam juntas, conversavam bastante, interessavam-se pela atividade,
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579
tendo uma relação marcada pela tranquilidade, criatividade, curiosidade e cooperação.
Importante destacar que quando este tipo de relação foi observado entre as profissionais, nos
pareceu que o mesmo tipo de relação se estendia às crianças, como se as contagiassem,
tornando-as mais seguras.
Em determinadas turmas de crianças de 0 a 3 anos encontramos os mesmos resultados
anteriormente mencionados, visto que algumas profissionais se destacaram pela agilidade,
capacidade de observação e comunicação com as crianças. Atitudes de alegria, calma,
carinho, segurança, das profissionais refletiam diretamente no comportamento e nas
interações das crianças. O nível de desenvolvimento dessas crianças era distinto e
apresentaram pouca incidência de problemas com mordidas que foi a queixa maior de
agressividade entre as crianças da referida faixa etária.
Os momentos de troca de fraldas, banho e de alimentação aconteceram de modo
individualizado, as profissionais se revezavam nessa tarefa procurando envolver a criança
nesse processo. Para isso, verbalizavam o que estavam fazendo ou iriam fazer e deixavam as
crianças manusearem os instrumentos que eram utilizados. Porém, verificamos que a
qualidade das interações se reduziu durante o processo, pois no final do período as
profissionais faziam tudo de modo ligeiro, impossibilitando a articulação entre o cuidar e o
educar. Vale destacar que a situação mais observada foi a atitude autoritária das profissionais.
De um modo geral, observamos que a linguagem das profissionais ao se relacionarem
e interagirem com as crianças era boa. No entanto, algumas delas ainda apresentavam
problemas quanto a algumas expressões e vocábulos ao se dirigirem às crianças, denotando
assim necessidade de aprimoramento e refinamento da comunicação com os pequenos.
Verificamos a preocupação de algumas profissionais em conversar individualmente com as
crianças quando as mesmas apresentavam comportamentos considerados inadequados ou
indisciplinar. Em outros momentos, elas se posicionaram diante das crianças de forma rígida
demonstrando dificuldades em lidar com a indisciplina.
Constatamos também dificuldades de interação das profissionais que trabalham com as
crianças pequenas e suas famílias. Algumas vezes, observamos que havia necessidade de
orientações e intervenções até em questões relacionadas a hábitos de higiene corporal, no caso
do banho diário, por exemplo.
No que se refere às brincadeiras, percebemos que as profissionais possuem um
discurso sobre a importância do lúdico, mas realizam uma prática que não aproveita as
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580
diferentes possibilidades do mesmo para o desenvolvimento infantil. Em um centro municipal
de educação infantil (CMEI) o brincar ocorria entre as crianças maiores no pátio - um lugar
bonito, onde há arvores, vagens, pedrinhas, terras e outros elementos naturais. Mas, por falta
da mediação das profissionais, as crianças começavam a disputar cadeiras e bancos que havia
neste local. Nesse pátio também havia uma casa de boneca grande, de madeira, porém
quebrada, fato que impedia as crianças de utilizá-la. O gramado, espaço perfeito para as
atividades de movimento, poucas vezes era utilizado, dando a impressão que o objetivo era
preservar o gramado, protegendo-o do pisoteio de crianças. As turmas de 3 a 5 anos
utilizaram o parque com frequência e com muita independência, mas as profissionais
preocupavam-se apenas com a organização do grupo e com a preservação da integridade
física das crianças. Em no outro CMEI, o parque não era muito utilizado pelo fato de ser
muito ensolarado, tanto na parte da manhã quanto da tarde, revelando que os espaços
educativos, muitas vezes, não são pensados para atender as necessidades infantis.
No pátio descoberto houve brincadeiras, como por exemplo, “o rabão da serpente”.
Em primeira análise, poderia nos parecer algo somente positivo pelo fato de as crianças
estarem brincando livremente no parque. No entanto, destacamos o uso da brincadeira como
uma maneira de aguardar o horário da refeição e não como uma prática significativa para as
crianças, tanto que as profissionais conversavam entre si e “descansavam” um pouco
enquanto as crianças brincavam.
No interior da sala de aula, espaço constatado com maior ocorrência de permanência
das crianças, as brincadeiras realizadas e brinquedos (sempre as mesmas peças de montar ou
qualquer outro brinquedo que achassem primeiro no armário) oferecidos pelas profissionais
não apresentavam situações de enriquecimento do imaginário infantil, nos parecendo ser
propostos para preencher o tempo delas. As profissionais buscavam maneiras de contê-las de
variadas formas, usando a alteração do tom de voz, broncas e os referidos brinquedos como
prêmio pelo bom comportamento e obediência.
Apesar de todos esses problemas apresentados, percebemos que, da maneira delas, as
crianças se divertiam e procuravam seguir o comando e as ordens das profissionais.
Registramos o início de trabalho de uma nova professora em uma turma de crianças de 3
anos, a qual oportunizou que as crianças utilizassem a pequena brinquedoteca. Nesse espaço
as crianças puderam se expressar livremente, ficando visível uma interação entre elas.
Destacamos também as ações de uma auxiliar, em uma turma de crianças de 3 anos, que
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iniciou uma situação de faz de conta. Ela foi brilhante, pois, de maneira simples, entrou no
mundo imaginário delas. Envolveu a turma inteira na participação na brincadeira, sem forçálas, e de maneira criativa propiciou um momento de encantamento e imaginação, no qual as
crianças expressaram suas emoções, seu pensamento e imaginação.
Considerações finais
A partir dos dados expostos, analisados pelos membros do projeto de pesquisa
“Olhares e novos olhares: analisando e redimensionando as práticas educativas para as
crianças pequenas”, concluímos que muitas das práticas pedagógicas implementadas nas
instituições de educação infantil, apesar de terem situações que envolviam o brincar e, em
certa medida, permitiam interações entre as crianças e com os profissionais, apresentavam-se
desprovidas de ludicidade, entendida como aspecto promotor da aprendizagem e do
desenvolvimento infantil.
O não entendimento, com profundidade, por parte desses profissionais, desse
importante aspecto do desenvolvimento infantil, indo além do jargão “a criança aprende
brincando”, que de tão repetido, esvaziou-se de sentido, gerava dificuldades no
relacionamento com as crianças entre si e com as profissionais, na realização de diversas
atividades previstas pela rotina diária, enfim, na organização do trabalho e no
encaminhamento da prática pedagógica.
Quando defendemos o necessidade de haver lugar nas instituições de educação infantil
para as interações e para o brincar, estamos buscando, parafraseando Kishimoto (2010, p. 1),
garantir a circulação e a preservação da cultura lúdica. Trata-se de reconhecer o papel das
interações para o desenvolvimento infantil e do brincar "[...] como ferramenta para a criança
se expressar, aprender e se desenvolver”.
Reconhecemos que há muito ainda por fazer nessa direção. Contudo, a significativa
participação dos profissionais das instituições parceiras, demonstrando interesse pelas
temáticas abordadas em diferentes etapas do projeto, expondo pontos de vista, apresentando
questionamentos e preocupações, indicam e confirmam o caminho teórico-metodológico
traçado no início da investigação, tendo em vista a ressignificação da prática pedagógica: a
pesquisa-ação colaborativa.
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582
Acreditamos que a pesquisa-ação, de caráter colaborativo, é uma maneira de
compartilhar conhecimentos e experiências e articular a universidade com a educação básica,
promovendo formação continuada aos profissionais que atuam com crianças pequenas. Em
nosso caso, constituiu-se em uma rica oportunidade de discutir a organização do trabalho a ser
implementado na educação das crianças pequenas e de refletir sobre questões afetas ao
desenvolvimento delas. Afinal, esta pesquisa foi realizada para elas, visando uma prática
pedagógica que reconheça o lugar das interações e do brincar em uma educação infantil que
tenha como preocupação maior a formação plena e emancipatória de todas as crianças.
Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes curriculares
nacionais para a educação infantil. Secretaria de Educação Básica. Brasília: MEC, SEB,
2010.
DUARTE, N. Vigotiski e o “aprender a aprender”: crítica às apropriações neo-liberais e
pós- modernas da teoríavigotskiana. Campinas: Autores Associados, 2001.
GOMES, M. O. Formação de professores na educação infantil.São Paulo: Cortez, 2009.
KISHMOTO, T. M. O jogo e a educação infantil. In:______. Jogo, brinquedo, brincadeira e
a educação infantil. São Paulo: Cortez, 2000. p. 13-43.
______. Brinquedos e brincadeiras na educação infantil. Anais do I Seminário Nacional:
Currículo e Movimento – Perspectivas Atuais. Belo Horizonte, nov. de 2010.
LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.
PRESTES, Z. R. Quando não é quase a mesma coisa: análise das traduções de Lev
SemionovitchVigotski no Brasil. 2010. 296f. Tese (Doutorado em Educação) – UnB –
Programa de Pós-Graduação em Educação. Brasília, 2010.
REGO, T. C.Vygotsky: uma perspectiva histórico cultural da educação. Petrópolis: Vozes,
1995.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
VIGOTSKY, L. S. La imaginación y el arte enlainfancia. Ensayo psicológico.
Madrid:EdicionesAkal, 2003.
ISSN 2448-1157
583
O PIBID como possibilidade de inovação na Educação Infantil
Jayne de Oliveira Schlosser59
Aline Klimeck Fragoso 60
Marina Ramos de Carvalho do Nascimento61
A partir da inserção como Bolsistas em escolas da rede municipal de ensino de Santa Maria RS,
pelo
Programa
Institucional
de
Bolsas
de
Iniciação
à
Docência-PIBID
Pedagogia/Educação Infantil, passamos a ter contato com o contexto escolar, onde
observamos que muitas vezes as rotinas são engessadas, os horários são seguidos rigidamente,
o professor é o centro do planejamento e a criança não tem autonomia. Levando em
consideração estes aspectos, atentamos propor atividades diferenciadas durante nossas
inserções, as quais levam em consideração a criança como protagonista do planejamento e
ações. Reorganizamos os espaços da sala de aula de diferentes formas, dispondo de momentos
lúdicos e de interação entre criança-bolsista-criança. Além disso, propomos atividades
integradoras entre as diferentes turmas, sendo que assim nessas oportunidades elas têm a
oportunidade de se relacionar com outras crianças de diferentes faixas etárias.
Palavras-chave:Criança. Espaços. Propostas.
59
Acadêmica do 6º semestre do curso de Licenciatura Pedagogia Diurno da Universidade |Federal de Santa
Maria
60
Acadêmica do 6º semestre do curso de Licenciatura Pedagogia Diurno da Universidade |Federal de Santa Maria
61
Acadêmica do 4º semestre do curso de Licenciatura Pedagogia Diurno da Universidade |Federal de Santa Maria
ISSN 2448-1157
584
Desenvolvimento das emoções e sentimentos na educação infantil62
Jéssica Bispo Batista63
RESUMO
A partir do referencial teórico da psicologia histórico-cultural, este trabalho apresenta
resultados preliminares de uma pesquisa em andamento, que o objetivo de compreender o
papel do processo pedagógico sobre o desenvolvimento das emoções e sentimentos na idade
pré-escolar, por meio da análise da atividade escolar da criança. A pesquisa consistiu em
coletar dados em uma escola municipal de uma cidade no interior de São Paulo, tendo como
sujeitos crianças de uma turma de Jardim I e sua respectiva professora. Foram feitas
observações da sala de aula e uma entrevista com a professora a fim de analisar em que
medida as atividades pedagógicas mobilizam os aspectos emocionais das crianças e
contribuem para seu desenvolvimento afetivo-emocional na direção da auto-regulação da
conduta. A analise dos dados tem revelado que a afetividade não consiste como um objeto do
ensino, mas aparece nas relações escolares como um instrumento e manejo do infantil.
PALAVRAS CHAVE: Emoções e Sentimentos; Psicologia Histórico-Cultural; Educação
Infantil.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho abordará os resultados preliminares de uma pesquisa em
andamento, intitulada “O ensino escolar e o desenvolvimento afetivo-emocional na educação
infantil: um estudo a partir da análise da atividade escolar da criança”. Trata-se de uma
pesquisa empírica, que a partir do referencial teórico da psicologia histórico-cultural, tem
como objetivo compreender o papel do processo pedagógico sobre o desenvolvimento das
emoções e sentimentos na idade pré-escolar, por meio da análise da atividade escolar da
criança.
Para compreender o desenvolvimento da afetividade na infância é preciso retomar a
concepção de desenvolvimento do psiquismo de acordo com o referencial teórico da pesquisa.
Por meio da atividade que funda o ser social, o trabalho, o ser humano se relaciona com a
natureza para satisfazer suas necessidades e ao mesmo tempo é transformado por suas
próprias ações. Esse processo de intervenção ativa e transformadora na realidade natural e
social resultou, historicamente, em uma complexificação dos processos psíquicos, ampliando
e modificando qualitativamente os mecanismos de apreensão e captação dos fenômenos da
realidade pela mediação da cultura. Portanto, apesar de a dimensão biológica dar base ao ser
social, as determinações dominantes deste ser e da análise destes fenômenos só pode ser
62
Este texto é fruto de Pesquisa de Iniciação Científica iniciada em agosto de 2014 na Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” campus Bauru. Agencia de Fomento FAPESP.
63
Estudante de Psicologia da UNESP/Bauru.
ISSN 2448-1157
585
compreendido na práxis social. Como explica Martins (2011), Vigotski aponta para a
constituição de novas funções psíquicas no ser humano de gênese histórico-cultural:
Vigotski postulou primeiramente que às características biológicas asseguradas pela
evolução da espécie são acrescidas funções produzidas na história de cada indivíduo
singular por decorrência da interiorização dos signos, às quais chamou de funções
psíquicas superiores¹³. Considerou que o desenvolvimento do psiquismo humano e
suas funções não resultam de uma complexificação natural evolutiva, mas, de sua
própria natureza social (p.39).
O psiquismo humano se desenvolve mediante a complexificação estrutural do
organismo na relação ativa com a realidade, isto é, na atividade que o condiciona. E nisso
reside o próprio salto de qualidade das funções elementares às superiores. A captação do real,
ou seja, tornar a realidade inteligível depende do processo de apropriação dos signos da
cultura por meio de um sistema interfuncional complexo, o psiquismo. Grosso modo, o
psiquismo é composto por funções cognitivas – sensação, percepção, atenção, memória,
pensamento, linguagem e imaginação – responsáveis pela formação da imagem do objeto em
vista de sua inteligibilidade; e pela função afetiva – emoções e sentimentos – responsável por
afetar o sujeito e construir uma imagem emocional que parta de uma relação singular entre
sujeito e objeto. A realidade passa a ter uma dimensão subjetiva na medida em que os
processos psíquicos captam os objetos e fenômenos da realidade objetiva, formando assim a
imagem subjetiva da realidade objetiva (MARTINS, 2011). Vale ressaltar que a formação da
imagem subjetiva nunca é idêntica à realidade e depende das condições objetivas em que os
indivíduos estão inseridos.
A compreensão da natureza histórica e social das funções psíquicas em geral, incluídas
aí tanto as funções cognitivas quanto afetivas humanas, ou seja, também as emoções e
sentimentos, deriva-se do processo de complexificação e transformação qualitativa (estrutural
e funcional) à medida da internalização dos signos da cultura. Grosso modo, desta constatação
resulta como implicação pedagógica o princípio de que também as emoções e sentimentos
devem, portanto, ser objeto do ensino escolar em geral e da educação infantil em particular.
Faz-se necessário, portanto, atentar para um ensino que compreenda sua especificidade, ou
seja, o professor de educação infantil deve ter clareza sobre o aspecto afetivo-cognitivo da
estrutura da atividade da criança, posto que atua diretamente nela.
Em referência ao contexto particular da educação infantil, segundo Leontiev
(2012) trata-se de um “(...) período da vida em que o mundo da realidade humana que cerca a
criança abre-se cada vez mais para ela (p. 59)”. Por isso, a atividade educativa para com
crianças pequenas deve estar a serviço da organização de sua atividade em todas as
ISSN 2448-1157
586
dimensões. No período pré-escolar a atividade que impulsiona seu desenvolvimento é a
pautada na assimilação e a encenação, pela criança, das relações que as pessoas estabelecem
mediadas pelos objetos da cultura. Portanto, a criança passa a se afetar pelos relações
estabelecidas pelo mundo adulto perpassado por valores que balizam suas condutas, este é um
período que a esfera preponderante na atividade infantil é a esfera afetivo/emocional. Diante
disso, se coloca a relevância de compreender a contribuição específica da educação escolar
para o desenvolvimento do psiquismo, destacando-se aqui os processos afetivo-emocionais,
que intervêm em todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.
REFERENCIAL TEÓRICO
Este um campo de estudo ainda é pouco explorado por essa Escola da psicologia, mas
compõe um dos capítulos fundamentais – e altamente desafiador – de uma nova proposta
teórico-metodológica para a psicologia. No processo de elaboração de uma nova proposta
para a psicologia, Vigotski em Teoría de las Emociones (2004) faz uma revisão das
produções científicas mais significativas da ciência e da filosofia, retomando as investigações
de diversos autores que pesquisaram a respeito das emoções/paixões, sempre apontando os
devidos avanços e contradições.
A partir dos avanços trazidos por teóricos de diversos campos, como o da filosofia, da
neurociência, da psicologia, etc, está pesquisa delineia uma proposta para compreender as
emoções e sentimentos a partir do sistema teórico da psicologia histórico-cultural.
Diferentemente das concepções evolucionista ou das teorias materialistas mecanicistas, que
incorrem às raízes organicistas do psiquismo, a psicologia histórico cultural explica o
desenvolvimento do psiquismo humano a partir de seu afastamento das barreiras naturais,
embora jamais prescinda de seu radical biológico.
Portanto, a partir da base epistemológica que pauta este trabalho, o materialismo
histórico-dialético, o desenvolvimento das emoções e sentimentos na idade pré-escolar só
pode ser compreendido a partir da concepção de desenvolvimento do psiquismo humano ao
longo periodização infantil. Com isso, foi imprescindível apontar o desenvolvimento das
emoções e sentimentos articulado a atividade que guia este período como objeto de estudo
desta pesquisa, uma vez que o psiquismo humano se desenvolve mediante a complexificação
estrutural do organismo na relação ativa com a realidade, isto é, na atividade que o
condiciona.
ISSN 2448-1157
587
JUSTIFICATIVA
A relevância do estudo se justifica, principalmente, pelo fato de que o problema das
emoções é ainda pouco explorado no contexto da teoria histórico-cultural, particularmente no
âmbito da pesquisa empírica e experimental. Considerando as emoções e sentimentos no
contexto da unidade afetivo-cognitiva do psiquismo humano e compreendendo-os como
processos psíquicos que adquirem novas estruturas mediante a aprendizagem, essa
investigação busca responder algumas questões como: a prática escolar tem contribuído pra o
desenvolvimento afetivo-emocional da criança? De que maneira? Em que medida? O
professor tem clareza da unidade afetivo-cognitivo do psiquismo? Estas questões são
decisivas para identificar alguns lapsos da Educação Infantil em relação aos quais a psicologia
possa contribuir em termos de subsídios para os procedimentos e organização pedagógica do
ensino.
Com vistas à superação de concepções dualistas ou idealistas, efetivaremos o estudo
desse objeto por meio da análise da atividade escolar da criança e da investigação da
concepção do professor de educação infantil acerca do problema do desenvolvimento
emocional da criança no contexto escolar.
Na medida em que o ensino escolar é uma mediação fundamental para o
desenvolvimento dos processos psíquicos, essa iniciativa busca contribuir para uma
compreensão mais completa do desenvolvimento infantil, tendo em vista que trará dados da
realidade concreta das vivências emocionais experienciadas em sala de aula da rede pública
de educação infantil. De forma geral, acredita-se também que o desafio posto contribuirá não
somente para a educação escolar, mas para outras dimensões da vida social, como por
exemplo, a interface com a saúde, que interessa diretamente à psicologia.
OBJETIVOS
O objetivo geral da pesquisa consiste em analisar o papel do processo pedagógico da
Educação Infantil sobre o desenvolvimento das emoções e sentimentos na idade pré-escolar
por meio da análise da atividade escolar da criança.
METODOLOGIA E DESENVOLVIEMNTO DA PESQUISA
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588
O referencial teórico-metodológico desta pesquisa pauta-se no materialismo históricodialético, que tem nas formulações de Marx e Engels seus fundamentos (NETTO, 2011), os
quais foram posteriormente desenvolvidos no âmbito particular da psicologia pela Escola de
Vigotski (2004). A partir dessa perspectiva o pesquisador deve reproduzir e interpretar no
pensamento a estrutura e a dinâmica de seu objeto para encontrar as determinações reais e
objetivas que o constituem. Para conhecer o concreto, o pensamento pauta-se em algumas
categorias metodológicas fundamentais, destacando-se a totalidade, que se refere à
interdependência e intervinculação dos fenômenos, a contradição, que aponta as contradições
internas constitutivas dos objetos e fenômenos, e o movimento, que reflete a incessante
transformação da realidade. Na psicologia estes pressupostos teórico-metodológicos são
aportes para encontrar explicações e formulações genéticas e dinâmico-causal dos processos
psicológicos.
Como procedimentos metodológicos foram realizados uma revisão bibliográfica e o
estudo deste material e a coleta dos dados empíricos. A coleta foi organizada em duas etapas,
primeiramente foram feitas observações de uma sala de aula e em seguida uma entrevista com
a respectiva professora. As observações foram realizadas em uma sala de aula de Jardim I
composta por aproximadamente 25 crianças de 3 a 4 anos mais a respectiva professora
responsável. Trata-se de uma escola do sistema municipal de educação infantil de uma cidade
de porte médio localizada no interior de São Paulo, com jornada parcial, ou seja, de meio
período. Também já foi realizada a entrevista com a professora. Após a coleta de dados foi
possível elaborar um protocolo de analise como primeira forma de sistematizar os dados.
Atualmente, a pesquisa encontra-se em sua fase final, de sistematização e analise dos dados
coletados.
RESULTADOS
Após a sistematização dos dados e analise dos mesmos, a primeira conclusão que
podemos fazer é de que as emoções e sentimentos não tem sido objeto do processo de ensino
como uma dimensão do psiquismo a ser desenvolvida. Na maioria das observações realizadas
o desenvolvimento das emoções e sentimentos não faziam parte do planejamento das
atividades pedagógicas, mas durante todas as tarefas a professora mobilizava as emoções e
sentimentos da criança como meio de controle da conduta. Este controle se dava,
majoritariamente, pela mobilização de emoções e sentimentos negativos (coerção/repulsa)
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como, por exemplo, o medo, utilizado pela professora (figura de poder) como um instrumento
de paralisia disciplinar. A dispersão e desinteresse das crianças em situações diversas era
repelido por castigos, ameaças e broncas. Com medo de perder o parque, medo de os
responsáveis saberem sobre seus comportamentos na escola, medo de ir para a diretoria, entre
outros medos, as crianças paralisavam. Estas situações eram um padrão de ação da professora,
ou seja, foram situações que ocorriam frequentemente no cotidiano escolar.
A dispersão e desinteresse das crianças se davam por diversos fatores, porém, o que
mais chamou atenção foi pela ausência de mediação da professora. O envolvimento por uma
ou outra tarefa era “indiferente” para as crianças, ou seja, todas as tarefas propostas pela
professora afetavam as crianças, porém, as observações mostraram que a ausência da
mediação foi determinante para produzir uma afecção negativa pela tarefa proposta, ou seja, a
criança deixa de se interessar pela tarefa e busca outras ocupações, como bater nos colegas. O
envolvimento afetivo da criança com as tarefas escolares depende da compreensão das
finalidades e do sentido da atividade, bem como da possibilidade de conseguir ou não realizar
o que foi solicitado pela professora. Nas situações observa-se que as crianças não aprendem a
organizar suas ações em função das finalidades previamente determinadas a se atingir, que
seria uma conquista fundamental do período pré-escolar.
A analise da coleta de dados demonstra que o papel do processo pedagógico da
educação infantil sobre o desenvolvimento das emoções e sentimentos na idade pré-escolar é,
em ultima instancia, concebido como um manejo instrumental do comportamento tido como
problemáticos na sala de aula. A concepção da professora quanto ao desenvolvimento das
emoções e sentimentos é de que são processos psíquicos que atrapalham o envolvimento da
criança com as atividades escolares, e que portanto, a educação assumi o papel de reparar tal
entrave através do manejo e contenção dos sentimentos. Tanto na entrevista com a professora
como nas observações, o destaque eram sempre para as emoções e sentimentos negativos
expressados pela criança, em raríssimos momentos as emoções positivas (afecção) eram tidas
como importantes para o processo ensino-aprendizagem-desenvolvimento.
Obviamente, os resultados desta pesquisa devem ser vistos como relações sociais
singulares e concretas que se constituem a universalidade das relações sociais da sociedade
vigente. Para compreender a complexidade das práticas presentes na escola como a educação
pelo medo, a reprodução e manutenção da desigualdade de ensino, a opressão, etc. não são
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590
características dos indivíduos presentes desta coleta de dados, muitas mediações precisam ser
feita. Está é, portanto o momento que a pesquisa se encontra, o estudo de tais mediações.
CONSIDERAÇÕES GERAIS
A relação entre os processos emocionais e o ensino escolar tem ganhado dimensão
significativa no cenário científico, político e educacional contemporâneo. O debate sobre a
forma com que a esfera afetivo-emocional da atividade atua no processo de ensinoaprendizagem-desenvolvimento tem permeado diversos espaços e se evidenciado inclusive
nas grandes mídias.
Avaliamos que esta pesquisa traz significativas contribuições para compreender um
tema tão escasso dentro do materialismo histórico-dialético, o desenvolvimento das emoções
e sentimentos. Este trabalho buscou elucidar mesmo que brevemente, o desenvolvimento
afetivo na ontogênese como fenômeno articulado aos demais processos que constituem o
sistema interfuncional psíquico, principalmente no período pré-escolar a partir de dados
empíricos de uma realidade escolar. Apesar de trazer elementos importantes e recentes, este
estudo ainda tem limites, como o de realizar uma analise mais aprofundado dos dados
coletados. Portanto, apesar dos limites, a pesquisa traz subsídios importantes para
aproximação debate acerca do desenvolvimento das emoções e sentimentos na idade préescolar.
REFERENCIAS
LEONTIEV, A. N. Uma Contribuição à Teoria do Desenvolvimento da Psique Infantil. In:
VIGOTSKI, L. S., LURIA, A. R., LEONTIEV, A. L. Linguagem, desenvolvimento e
aprendizagem. 8ª ed. São Paulo: Ícone, 2012.
MARTINS, L. M. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à luz
da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica. Tese (Livre-Docência) Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Bauru. 2011.
NETTO, J. P. Introdução ao estudo do método de Marx. 1ª ed. São Paulo: Expressão Popular,
2011.
VIGOTSKY, L.S. Teoria de las emociones:Estudio Histórico-Psicológico. Madrid: Akal,
2004.
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591
Ser criança na escola da infância: a transformação do ambiente escolar em
campos de experiências
Julio C. Hisatugo64
A transformação do “ambiente escolar” em “campos de experiências” é fruto das inquietações
face às práticas pedagógicas voltadas a um excesso de disciplinarização e escolarização, na
qual as crianças não são pensadas na sua integralidade e singularidade. Assim, a criança,
sujeito de direitos, as infâncias plurais, o protagonismo, princípios que estão presentes nas
políticas para educação infantil, menciono precisamente as Diretrizes Curriculares Nacionais
para Educação Infantil, não são manifestados na prática. Para compreender a fundo o excesso
de disciplinarização e escolarização, se faz necessário recorrer ao passado e compreender
como a criança, a infância e a criação das instituições de educação infantil foram se
constituindo no decorrer dos séculos. As práticas apresentadas pressupõem reinventar novos
ambientes, com diversas possibilidades de criação, experimentação, exploração, interação
com diversos materiais na criação de cenários e significados, evidenciando as crianças
protagonistas que produzem as culturas infantis.
Palavras-chave: infâncias. crianças. práticas. transformação. experiências.
Criança e Infância: Contexto Histórico-Social
As discussões a cerca da educação das crianças pequenas e bem pequenininhas no
contexto atual, pressupõe, a criança como protagonista, sujeito de direitos e que produz as
culturas infantis. Assim, é de extrema importância repensar os ambientes educativos na
educação infantil e a formação docente para garantir que as crianças não sejam submetidas a
um excesso de disciplina e antecipação da escolarização. Daí se faz necessário à
transformação do “ambiente escolar” em “ambientes de experiências”.
Para compreender a fundo o excesso de disciplinarização e escolarização, se faz
necessário recorrer ao passado e compreender como a criança, a infância e a criação das
instituições de educação infantil foram se constituindo no decorrer dos séculos.
64
Professor de educação infantil na escola E.M Eunice Aparecida Rodrigues, localizada no município de
Piracicaba-SP.
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592
O estudo de Bujes (2002), inspirado em escritos de Michel Foucault, sobre o poder
disciplinar, pode servir como suporte a essa análise. Segundo Bujes (2002, p.29):
[...] a infância que conhecemos não é um dado atemporal, é uma
invenção/fabricação da Modernidade. Foi somente a partir do século XVI, no
Ocidente, que as crianças começaram a se tornar objetos de uma maior relevância
social e política, passando, apenas muito recentemente, a fazer parte da história.
Além disso, é importante destacar que a criança e o sentimento da infância,
praticamente não existiram antes do século XVI. As crianças eram vistas como adultos em
miniaturas, a espera do seu desenvolvimento físico. “Na sociedade medieval, que tomamos
como ponto de partida, o sentimento de infância não existia – o que não significa dizer que as
crianças fossem negligenciadas, abandonadas ou desprezadas” (ARIÈS, 2006, p.99).
As noções sobre a criança e a infância começam a ser inseridas, e ganham maior
relevância nos discursos sociais e político, a partir do século XVIII, momento em que surgem
as instituições de educação infantil, sob a ótica do poder e controle:
É do interior dessas práticas que vão se extrair e consolidar saberes de
caráter pedagógico: saberes relacionados com a manutenção da ordem e da
disciplina, com o estabelecimento de níveis de conteúdos e com a invenção
de novos métodos de ensino [...] (VARELA e ALVAREZ apud BUJES,
2002, p.36).
Dessa forma, é importante destacar que “a infância tornou-se um domínio de
interesses sobre o qual se tinha vontade de saber e o corpo da criança constituiu, a partir do
século XVIII, um foco de poder saber, uma referência central nos processos de cunho
disciplinar”. (BUJES, 2002, p.37).
Nesse cenário do século XVIII, a criança e a infância definitivamente entram nas
pautas sociais e políticas, os adultos as veem como seres diferenciados, mas ao mesmo tempo,
“a criança é significada como um ser em falta – imaturo, débil, desprotegido, em alguns casos
necessitando de correção, em outros de proteção – que vai justificar a necessidade de
intervenção e de governo da infância”. (BUJES, 2002, p.39).
No final do século XVIII e inicio do século XIX, essas concepções passam a ser
problematizadas, principalmente no que tange às especificidades da criança e da infância. A
filosofia tem uma grande influência nesse processo de repensar a criança e a infância na
sociedade.
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593
Na metade do século XVIII, Rousseau publica o “Emílio”.
65
O “Emilio” é a
“expressão patente do nascimento de uma infância moderna”. (NARODOWSKI apud BUJES,
2002, p.49). Rousseau se contrapõe ao sistema educacional das instituições públicas:
Não posso encarar como instituições públicas esses ridículos
estabelecimentos chamados colégios. Tampouco considero a educação da
sociedade, pois tendo essa educação a dois fins contrários, não atinge
nenhum dos dois; só serve para criar homens de duas faces, que sempre
parecem atribuir tudo aos outros e nunca atribuem nada a si mesmo.
(ROUSSEAU, 2004, p.13)
As criticas que Rousseau faz à educação, dizem respeito aos métodos de submissão
na educação das crianças para com os adultos, e faz um manifesto em favor da criança e da
infância livre:
Amai a infância, favorecei suas brincadeiras, seus prazeres, seu amável
instinto. Quem de vós não teve alguma vez saudade dessa época em que o
riso está sempre nos lábios, e a alma está sempre em paz? Por que quereis
tirar desses pequenos inocentes o gozo de um tempo tão curto que lhes foge,
e de um bem tão precioso, de que não poderiam abusar? Por que quereis
encher de amargura e de dores esses primeiros anos tão velozes, que não
mais voltarão para eles, assim como não voltarão para vós? Não fabriqueis
remorso para vós mesmos retirando os poucos instantes que a natureza lhes
dá. Assim que eles puderem sentir o prazer de existir, fazei que gozem; fazei
com que, a qualquer hora que Deus os chamar, não morram sem ter
saboreado a vida. (ROUSSEAU, 2004, p.73).
De fato, Rousseau traz um novo discurso social para a educação das crianças no
século XVIII, na medida em que formula duras críticas ao excesso de disciplina que as
crianças eram submetidas. Portanto, configura-se um novo cenário no debate a respeito da
educação da criança e da infância.
Inspirado nos postulados de Rousseau e admirador da obra pedagógica de Pestalozzi,
no final do século XVIII, Froebel organiza os princípios para a educação infantil e cria os
jardins-de-infâncias (kindergarten). Em sua defesa, Froebel “pressupõe a criança como ser
criativo e propõe a educação pela auto-atividade e pelo jogo, segundo a lei fundamental do
desenvolvimento humano: a lei das conexões internas”. (KISHIMOTO; PINAZZA, 2007,
p.37).
Além disso, segundo Kishimoto e Pinazza (2007, p.46):
65
O Emilio, obra de Jean Jaques Rousseau, publicado em 1762. É considerado um tratado humanista sobre a
educação das crianças.
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Froebel contrapõe-se ao conceito de educação como preparação para um
estado futuro. A vida em que a criança deve ser inserida não é a vida do
adulto, mas a vida que rodeia o presente, a educação ocorre no processo, não
no passado ou no futuro.
A implicação de Froebel para educação das crianças não deveria ser concebida de
forma preparatória ou algo similar, mas que pudessem vivenciar o presente, que a criança
deveria ocupar o seu lugar de criança e não ser projetada pelo adulto.
Esses fragmentos podem ser semelhantes às políticas para educação infantil
contemporânea, quando são configurados no campo da teoria. Porém, no chão da pré-escola é
voltada para a escolarização, como afirma Pinazza (2014, p.71), fazendo referência à forma
como processou a apropriação da proposta froebeliana, no final do século XIX e inicio do
século XX no Brasil:
[...] os jardins deveriam guardar em si a especificidade da faixa etária da préescola. No entanto, a forma como se processou a apropriação da proposta
froebeliana aproximou-se o jardim de infância dos compromissos da
escolarização, identificando-o uma etapa preparatória para escola primária.
O descompasso entre o que a teorização de Froebel anuncia e como na prática suas
ideias são incorporadas, no inicio do século XX, torna a ser observado, na
contemporaneidade, entre as formulações das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil, publicadas em 1999 e revistas em 2009, podendo ser interpretado como um
dilema da relação entre teoria e prática. A teoria destaca a educação das crianças pequenas
sem concebê-la como uma preparação futura, porém a prática no interior das unidades de
educação infantil é voltada a formas de escolarização e disciplinarização, frequentemente.
Para que se possa compreender essa tendência preponderante das práticas, é
fundamental que se identifique sob que perspectiva pedagógica, constroem-se os discursos e
práticas da educação infantil e, portanto, encontramos duas pedagogias distintas: transmissiva
e participativa.
Antes de mergulhar nas perspectivas pedagógicas, de fato, vale ressaltar que a
educação das crianças pequenas se constituiu sob a ótica da disciplinarização, “o fato de que
tanto a invenção da infância quanto sua manutenção se deram por obra e graça de uma
vontade de poder sobre os sujeitos infantis, que teve (e tem), por sua vez, correlação com uma
vontade de saber, que engendra o quadro moderno de saberes sobre a criança” (BUJES, 2001,
p.21). Portanto, a educação das crianças pequenas, esteve (e está) condicionada ao aspecto
disciplinador do adulto.
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595
Por outro lado, esse modelo disciplinador começa a ser problematizado, no que tange
às especificidades da criança e da infância. Rousseau, Pestalozzi e Froebel, talvez, foram os
que procuraram alternativas a uma pedagogia pautada na disciplina, na transmissão de
conhecimentos estabelecidos, exercida pelo adulto, e propuseram uma pedagogia alternativa,
que respeitassem a criança e a vivência da infância.
Desse modo, temos duas concepções pedagógicas: transmissiva e participativa.
Segundo, Oliveira-Formosinho (2007, p. 17):
A pedagogia da transmissão que se centra na lógica dos saberes, no
conhecimento que quer veicular resolve a complexidade através da escolha
unilateral dos saberes a serem transmitidos e da delimitação do modo e dos
tempos para fazer essa transmissão, tornando neutras as dimensões que
contextualizam esse ato de transmitir.
Já a pedagogia participativa, conforme explicita Oliveira-Formosinho (2007, p.1819):
A pedagogia da participação centra-se nos atores que constroem o
conhecimento para que participem progressivamente, através do processo
educativo, da(s) cultura(s) que os constituem como seres sócio-históricoculturais. A pedagogia da participação realiza uma dialogia constante entre a
intencionalidade conhecida para o ato educativo e a sua prossecução no
contexto com os atores, porque estes são pensados como ativos, competentes
e com direito a co-definir o itinerário do projeto de apropriação da cultura
que chamamos educação.
Pois bem, com estes dois aportes é possível identificar que as práticas pedagógicas
na construção da educação das crianças pequenas são pensadas por um modelo de pedagogia
transmissiva. No entanto, as políticas para educação infantil foram sendo transformadas no
decorrer dos séculos, e hoje, no Brasil, a criança “é sujeito histórico e de direitos que se
desenvolve nas interações, relações e práticas cotidianas a ela disponibilizadas e por ela
estabelecidas com adultos e crianças de diferentes idades nos grupos e contextos culturais nos
quais se insere”, (BRASIL, 2009, p.06).
Assim, o modelo pedagógico estabelecida pelas DCNEIs, dimensiona uma pedagogia
participativa: “as práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da educação
infantil devem ter como eixos norteadores as interações e as brincadeiras...”. (BRASIL, 2010,
p.25).
Além disso, destaca também:
A gestão democrática da proposta curricular deve contar na sua elaboração,
acompanhamento e avaliação tendo em vista o Projeto Político-Pedagógico
da unidade educacional, com a participação coletiva de professoras e
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596
professores, demais profissionais da instituição, famílias, comunidade e das
crianças, sempre que possível e à sua maneira. (BRASIL, 2009, p.06)
Portanto, as DCNEIs, documento mandatório que viabiliza á pratica nas unidades de
educação infantil corresponde a uma pedagogia participativa, não somente das crianças com o
professor, sobretudo, com os agentes que estão inseridos neste ambiente educacional.
É, nesse contexto, que surgem as inquietações: as DCNEIs viabilizam uma
pedagogia participativa que respeita a criança como sujeito histórico e de direitos, porém os
princípios que ali estão estabelecidos não se manifestam na prática, isto é, no chão das
unidades de educação infantil, pois a prática docente é voltada a uma pedagogia transmissiva:
apostilas, filas, controle dos corpos, desenhos estereotipados, adultocentrismo e crianças
sentadas e enclausuradas nas chamadas “salas de aulas”, sob o olhar do adulto.
Além disso, está fortemente enraizado o pensamento da educação infantil como
preparação, no que dimensiona os aspectos voltados à antecipação de conteúdos do ensino
fundamental, onde as crianças são submetidas à escolarização precoce.
Segundo Mello (2014, p.23) destaca:
A concepção que defende a antecipação da escolarização, e essa
escolarização precoce ocupa o tempo da criança na escola e toma o lugar da
brincadeira, do faz de conta, da expressão por meio de diferentes linguagens,
da conversa em pequenos grupos quando as crianças comentam experiências
e conferem os significados que atribuem às situações vividas. Para esses pais
e professores, quanto mais cedo a criança é introduzida de modo sistemático
nas práticas da escrita, melhor a qualidade da escola da infância. Essa prática
de antecipação de escolarização sustenta-se na ideia de que quanto mais cedo
a criança se transformar em escolar e quanto mais cedo se apropriar da
escrita, maiores suas possibilidades de sucesso na escola e na vida e maior
progresso tecnológico do país.
Essa concepção está na contramão do que está estabelecido na Resolução nº 5
(BRASIL, 2009) no artigo 8º:
A proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve ter como
objetivo garantir à criança acesso a processos de apropriação, renovação e
articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens,
assim como o direito à proteção, à saúde, à liberdade, à confiança, ao
respeito, à dignidade, à brincadeira, à convivência e à interação com outras
crianças. (BRASIL, 2009, p.20).
De fato, os suportes teóricos que sustentam as DCNEIs, não correspondem àquilo
que se pratica, ou seja, não são manifestados nas ações, ficando restrito ao campo da teoria,
do discurso e, no máximo, dos projetos pedagógicos e planejamentos de professores.
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Deste modo, os relatos que serão apresentados, compõem um conjunto de
intervenções que foram ocorrendo, principalmente no primeiro semestre, através do projeto
“Identidades”. O projeto tem como objetivo, promover momentos de interações entre as
criança, a escola e as famílias, como também, criar momentos de escutas das crianças,
evidenciando-as protagonistas por meio das múltiplas linguagens, nas observações e registros,
nas experiências e descobertas, na produção das culturas infantis, nas relações que
estabelecem com seus pares e com os adultos. Além disso, explorar os ambientes da unidade
de educação infantil, como novas possibilidades de experiências para momentos de criação e
recriação significados.
Dessa forma, o projeto propõe, acima de tudo, que as crianças sejam evidenciadas no
cotidiano da creche e pré-escola, não só nas propostas pedagógicas ou documentos oficiais,
mas fazer que a teoria seja manifestada na prática.
Contudo, se faz necessário discutir outra concepção de criança e o que é ser professor
de crianças pequenas bem pequenininhas?
Para, Faria (2011, p.12):
Refletir sobre outra concepção de criança provoca-nos a pensar em outra
concepção de professor e de professora. Pensar em um “adulto-professor
diferente”, capaz de proporcionar as condições que permitam e favoreçam a
autonomia infantil [...]
Assim, o aprofundamento dessas questões contribuíram para desconstruir conceitos
adultoscêntricos, disciplinadores, voltados para antecipação da escolarização na infância, sem
pensar nas crianças como protagonistas, nos campo de experiências, nas plurais infâncias e na
especificidade da educação infantil.
Práticas Emancipadoras na Escola da Infância
Pois bem, a prática pensada para o projeto “Identidades“, vai na contramão das
atividades mecânicas produzidas pelos adultos para submissão das crianças, como também o
excesso de disciplina e controle dos corpos, sobretudo, na antecipação dos compromissos do
ensino fundamental para as crianças pequenas, fazendo “com que a criança passe longos
períodos sem se expressar na escola” (MELLO, 2014, p.27).
O projeto contou com estratégias que contribuíram para alcançar os objetivos
traçados, como: o baú de histórias, intervenções nos espaços externos e as interações em
agrupamento (com crianças do maternal I, 2 e 3), e com o pressuposto de que as crianças
produzem as culturas infantis.
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O baú de histórias teve o objetivo de promover a integração/interação das crianças,
da escola com as famílias. Os registros foram realizados pelas crianças e seus familiares: o
registro da criança é composto pelo desenho, imagens e suas falas, já os familiares ficam com
o registro escrito e dissertam como ocorreram as ações, por meio do caderno de registro,
juntamente com fotos. As crianças levaram o baú para realizar as intervenções junto com as
suas famílias, durante uma semana.
Primeiramente foi combinado com as crianças, o que teria dentro do baú para fazer
com os familiares? Daí surgiu: desenhos, brincadeiras, músicas, histórias, vídeos, massinha.
Logo depois foi apresentado aos familiares na primeira reunião bimestral do ano.
As crianças selecionaram as ações que fariam junto dos seus familiares, de modo,
que foi bem acolhida pelas famílias, que demonstraram satisfação ao fazer o registro no
caderno de relatos e enviando os registros fotográficos.
Além do baú de histórias, também compôs o objetivo de aproximação dos familiares
com a escola, a formação. Foram realizadas duas reuniões com os familiares. A primeira foi
com o tema sobre a educação das crianças pequenas. Na qual falamos sobre a educação
infantil, o que representa ser criança, das crianças e seus direitos e suas infâncias, enfatizando
as interações e brincadeiras, eixos norteadores do currículo na educação infantil.
A segunda reunião foi à apreciação das criações produzidas pelas crianças,
destacando as relações/interações como meio para a produção das culturas infantis. Assim,
elaborei um vídeo com os momentos do cotidiano das crianças na unidade de educação
infantil em parceria com a turma de maternal I (turma que compõe a realização das
intervenções em agrupamento), afim das famílias compreenderem a importância das
interações e brincadeiras, como também, as experiências e exploração de diversos materiais e,
assim reconhecer que as crianças produzem culturas.
Contudo, as famílias também participaram das intervenções na escola. Organizamos
um ambiente de criação com tintas, pincéis, lápis de cor, canetinha, giz de cera, cola colorida,
folhas brancas, diversos materiais recicláveis e massas de modelagem caseira. Foi um
momento significativo inovador (a escola nunca teve essa experiência), tanto o que tange a
minha prática, como professor de crianças pequenas, quanto, em evidenciar as crianças no
centro das ações juntamente com os seus familiares.
Estas intervenções estão inteiramente relacionadas a outro objetivo que pressupõe as
crianças como protagonistas e produtoras das culturas infantis. Talvez seja o princípio
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fundamental para o desenvolvimento do projeto, que se deu através de um aprofundamento
teórico, principalmente nas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil
(DCNEIs), mas também, por algumas inquietações face da prática na unidade de educação
infantil. Deste modo, propus à professora responsável pela turma de maternal I (crianças de 2
à 3 anos) que logo se prontificou a participar e a realizar os momentos de interações com
crianças de diferentes idades.
O agrupamento ocorre duas a três vezes por semana nas áreas externas da escola
(parque e solários). Neste agrupamento são realizadas intervenções no espaço que as crianças
estão fazendo as suas brincadeiras e interações, por exemplo: as crianças estão brincando e
interagindo no ambiente do parque, e nesse contexto são inseridos materiais diferenciados que
as crianças transformam em brinquedos, constroem cenários, ressignificam estes materiais
(papelão, corda, caixas, carretéis, pedras, tijolos, tecidos), ou alguma forma de criação e
recriação (pintura, desenho, modelagem, sucatas, etc).
Como protagonistas, as crianças, juntamente com as professoras entram em
cena, num tempo e num espaço de se viver as infâncias, múltiplas, diversas,
personagens das brincadeiras festivas, afetivas, observadoras. Aprendizes e
ensinantes (PRADO, 2015, p.29).
Assim, o professor e a professora se tornam fundamentais para ampliação dos
repertórios das crianças, de ouvir e observar o que elas estão produzindo, das curiosidades e
experiências que compõe o ambiente educativo no universo das infâncias.
No ambiente externo algumas transformações foram realizadas, para ampliar o
repertório e possibilidades nas brincadeiras de pares, na criação de brincadeiras, na construção
de cenários, nas diversas formas de explorar e experimentar. No parque, há um morro, onde
fixado cordas e papelões. As crianças descem escorregando de diversas formas, criando e
recriando possibilidades. As cordas são utilizadas para ajudar na subida do morro, como
também, para inventar uma nova brincadeira. Também, algumas cordas foram amarradas nos
troncos das árvores, onde as crianças criam diversas possibilidades de se divertirem. Por fim,
o labirinto de barbantes ou a “teia gigante”, como definiram as crianças.
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600
No ambiente do solário, ao lado das salas, está sendo construído; uma espécie de
ateliê com diversos materiais (madeira, tijolos, pedras, tintas, pincéis, giz de cera, lápis de cor,
canetinha, papelão, folhas brancas, massas de modelagem, cola e tesoura). Este ambiente é
destinado às criações e invenções, também é utilizado quando realizamos o agrupamento.
Além disso, no ambiente externo (solário) foram inseridos diversos brinquedos e livros de
histórias para uso coletivo de todas as crianças da unidade de educação infantil.
É importante ressaltar que as interações, as relações e as brincadeiras estavam presentes
em todos os momentos, pois as intervenções ocorreram através desses aspectos (agrupamento,
experiência com materiais não-estruturados, criações e recriações). Assim, não houve espera,
não houve excesso disciplina e não houve escolarização.
Práticas Emancipadoras: um leque de possibilidades
O projeto “Identidades” surgiu a partir das inquietações vividas na unidade de
educação infantil, e juntamente com um aporte teórico, possibilitaram a transformação da
prática como professor de crianças pequenas, como também, nos ambientes da escola. Assim,
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os objetivos traçados envolveram a escola, as crianças e suas famílias, visando evidenciar a
criança protagonista, sujeito de direitos, nas interações e brincadeiras.
O trabalho de formação e intervenções junto com as famílias foi de extrema
importância para o desenvolvimento do projeto. Através das formações nas reuniões
bimestrais sobre o que é ser criança na escola da infância, proporcionou uma relação
intrínseca de parceria entre as crianças, à escola e as famílias, de modo que a visão sobre a
educação infantil, o direitos das crianças e as vivências das infâncias, já deixaram de estar
condicionados aos aspectos da escolarização.
De fato, romper com as raízes de uma pedagogia conservadora na educação infantil
foi um desafio nada fácil, por questões culturais, de formação profissional e tempo de
trabalho. Porém, os efeitos gerados com as estratégias pensadas trouxeram transformações em
parte do corpo docente desta escola. Pois, pensam mais nas crianças e nas plurais infâncias ao
fazer o planejamento. Os debates após as reuniões pedagógicas começaram a promover
mudanças significativas na prática com as crianças, consolidando a manifestação da teoria na
prática.
Durante o desenvolvimento do projeto foram ocorrendo diversas intervenções que
proporcionaram momentos significativos de vivências, nas interações das crianças com seus
pares, nas descobertas, nas curiosidades, na exploração dos ambientes, nas experiências com
diversos materiais e, principalmente, no que tange às brincadeiras direcionadas e inventadas.
Assim, a proposta de promover diferentes momentos para as crianças, sem os
aspectos voltados para a escolarização em atividades de reprodução mecânica, onde as
crianças ficam mais enclausuradas nas “salas de aula”, sem poder criar, recriar e expressar
seus sentimentos, foi uma grande conquista. Primeiramente de cunho profissional, onde pude
vivenciar a teoria se manifestar na prática. Segundo, perceber e vivenciar o quanto é
importante o trabalho em parceria com as famílias. O fruto disso é olhar para as crianças e
poder escutá-las e observá-las como sujeitos que produzem as culturas infantis nas interações
e brincadeiras. É, sobretudo, escutar das crianças que “a escola é legal”, e na hora da saída
ouvir que não querem ir, querem ficar mais tempo neste ambiente repleto de infâncias.
O projeto, de modo geral, conseguiu alcançar os objetivos que foram traçados, desde
o envolvimento das famílias em participar efetivamente com as crianças nas intervenções
propostas, como na mudança de pensamento que o projeto proporcionou, com uma questão
fundamental: o que é ser criança na escola da infância? Em que conheceram mais a fundo a
concepção de criança e das infâncias no contexto da educação infantil.
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Também, a exploração de todos os ambientes da unidade de educação infantil,
tornando-os campos de experiências e significados, sobretudo, o que tange os aspectos
educativos no cotidiano da prática docente. Como consequência, a criança é pensada como
sujeito histórico de direitos, que explora, cria, recria, transforma, ou seja, produz as culturas
infantis, nas relações que estabelece com seus pares, nas diversas brincadeiras.
Para proporcionar estes momentos o projeto contou com as intervenções nos
ambientes externos e o uso e disponibilidade de materiais não-estruturados (pedras, madeiras,
tijolos, caixas, cordas, tecidos). Onde as crianças criaram diferentes cenários, possibilidades,
experiências, brincadeiras e jogos. Uma vez que o brinquedo industrializado é pobre em
possibilidades, já os materiais não-estruturados possibilitam que as crianças utilizem a
imaginação e a fantasia, como ferramentas fundamentais para o ato de criar e recriar.
Portanto, os materiais não-estruturados são indispensáveis para se pensar as
intervenções e propostas com crianças pequenas e bem pequenininhas, através dos campos de
experiências, de modo que já estão incorporados na minha prática, mesmo após a finalização
do projeto.
O projeto proporcionou também, uma gama de conhecimentos sobre a concepção de
criança, das plurais infâncias e sobre a educação infantil. Porém, ficou restrito a duas turmas
desta unidade (agrupamento de crianças de 4 e 5 anos e o agrupamento de crianças de 2 e 3
anos, pois ambos se integravam nas intervenções). Será proposto para gestão da unidade que
este projeto seja contemplado no Projeto Político Pedagógico da unidade, proporcionando
momentos de formação e conhecimentos sobre a educação das crianças pequenas.
As experiências vivenciadas através do projeto abriram um leque de possibilidades e
desafios como: ampliar as intervenções nos espaços externos, principalmente no espaço do
parque que possui um único brinquedo, que tem acoplado balanço e dois escorregadores.
Também, ampliar a participação das famílias e da comunidade com mais frequência na escola
de educação infantil. E por fim, envolver os funcionários da unidade a um coletivo visando à
criança como o centro das ações que são realizadas cotidianamente.
Portanto, ficam registradas algumas certezas: na escola da infância as crianças, não
são alunos. Na escola da infância não existe “salas de aula” a sala é de referência, e todos
ambientes são educativos com inúmeras possibilidades. Na escola da infância as crianças
criam e recriam, interagindo com seus pares e com os adultos, constroem uma relação afetiva,
parceira e amiga. Na escola da infância o professor e a professora são diferentes, pois
promovem e recebem “com bons olhos a transgressão, a incerteza, a diversidade, a não
linearidade, a subjetividade, a singularidade, as perspectivas múltiplas e as especificidades
espaciais e temporais” (Finco 2010 apud Faria 2011, p.12).
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ROUSSEAU, Jean Jacques. Emilio ou da educação. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
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A maior riqueza do homem é sua incompletude66: crianças e adultos reconstruindo
o cotidiano da creche
Alex Stefani dos Santos67
Karla dos Santos Pereira68
Anamaria Santana da Silva69
Resumo
Este artigo trata de um relato de experiência de estágio em uma creche, cujo projeto teve o
objetivo de ampliar as possibilidades de apropriação da realidade pelas crianças, dentro de
uma perspectiva pedagógica não diretiva. Nesse sentido,apresenta as atividades realizadas e
analisa o espaço/tempo e o brincar na instituição de Educação Infantil destacando a
possibilidade de superação do modelo adultocêntrico e disciplinalizador,a partir de
intervenções e proposições que rompem com estas características.
Palavras chave: Brincar, Creche, Criança, Pedagogia não diretiva.
Introdução
A educação das crianças pequenas, hoje chamada de Educação Infantil e garantida por
lei para todas as crianças brasileiras de 0 a 5 anos de idade tem sido foco de estudo e análise
de diversos campos do conhecimento, tais como: Filosofia, Pedagogia, Psicologia,
Antropologia, História, Sociologia, dentre outros.
Os conhecimentos acumulados por essas ciências têm embasado a Pedagogia da
Infância que é um campo do conhecimento que busca novas maneiras de pensar e praticar
atividades pedagógicas que tenham como foco os bebês e as crianças pequenas em espaços
institucionais. Isso significa pensar em alternativas pedagógicas que considere a criança como
um ser capaz, que sabe, que faz, que pode produzir e trocar conhecimentos com outras
crianças e adultos.
Este artigo apresenta um relato de experiência de estágio70 em uma creche da rede
pública de Corumbá/MS. O objetivo do projeto foi garantir as condições para que as crianças
66
O título e os subtítulos são fragmentos de poemas de Manoel de Barros.
67
Graduando do curso de Pedagogia UFMS/CPAN.
68
Graduanda do curso de Pedagogia UFMS/CPAN.
69
Doutora em Educação; Professora Associada da UFMS/CPAN.
70
Estágio em Educação Infantil do curso de Pedagogia da UFMS/CPAN realizado de março a junho de 2015 com
as seguintes etapas: observações e intervenções com registro em diário de campo e intervenção a partir de um
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pudessem expandir a capacidade de explorar e conhecer o mundo através das percepções
sensoriais possibilitando o contato com diferentes texturas, formas, cores, gostos e sons.
Partiu-se do pressuposto que a criança se constitui a partir da alteridade, da relação
com o meio ambiente e da relação consigo mesma e que ela é capaz de construir cultura a
partir dessas relações. Sendo assim, deve-se organizar o tempo e o espaço das instituições e
propor atividades pensando nas necessidades e potencialidades da mesma.
De acordo com a DCNEI (Diretrizes Curriculares Nacional para Educação Infantil) é
preciso garantir experiências que: Promovam o conhecimento de si e do mundo por meio da
ampliação de experiências sensoriais. (BRASIL, 2010 p. 25).
A prática pedagógica durante o referido estágio se configurou menos diretiva possível,
possibilitando às crianças autonomia e liberdade para interagir com o meio, com seus pares e
com os adultos.
Assim, os espaços e os tempos foram organizados de maneira a propiciar as condições
para que isso ocorresse. Ou seja, o planejamento continha uma intencionalidade pedagógica
com objetivos e finalidades de promoção do processo educacional de forma integral e
espontânea.
Portanto, o presente artigo pretende apresentar e discutir atividades realizadas durante
o estágio articulando com as idéias da pedagogia não diretiva. 71
Eu penso renovar o homem usando borboletas: apontamentos sobre a pedagogia não
diretiva
Pode-se afirmar que a partir do seculo XX, a criança pequena invadiu a esfera pública
e ela se apresenta plena e inteira, com suas especificidades, desejos, saberes, perguntas e
respostas, seu ritmo próprio, criatividade, brincadeiras, capacidade de encantamento diante do
mundo que está descobrindo e construindo. E nós adultos;professores; pedagogos e
pesquisadores, deparamos com o desafio de elaborar uma proposta de trabalho que atenda as
suas necessidades de cuidado e educação e que lhes garanta o direito à infância.
projeto. Registro feito com câmera fotográfica e filmadora para uma melhor análise das situações vividas. As
fotos aqui publicadas foram autorizadas pelos responsáveis.
71
O trabalho realizado proporcionaria uma discussão sobre outros aspectos não menos importantes, no entanto
para esse artigo destacou-se alguns deles.
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Freinet no inicio do século XX já trazia reflexões sobre o fazer pedagógico diante da
espontaneidade da criança, quando afirmava metaforicamente que:
O pedagogo persegue os indivíduos obstinados a não subir pelos caminhos
que considera normal. Mas terá ele perguntado a si mesmo, por acaso, se
essa ciência da escada não seria uma falsa ciência e se não haveria caminhos
mais rápidos e mais salutares, em que se avançasse por saltos e largas
passadas? Se não haveria, segundo a imagem de Victor Hugo, uma
pedagogia das águias que não sobem pela escada? (FREINET, 2004, p.15).
Nesse sentido, o estágio realizado numa creche, e que está sendo apresentado nesse
artigo, partiu da perspectiva de uma pedagogia não diretiva, ou seja, que garanta a
participação ativa do educando no processo de aprendizagem e de aquisição do conhecimento,
não no sentido do professor que se ausenta desse processo como em Rogers 72(LIBÂNEO,
1985) mas sim como sujeito que planeja e participa do processo educativo das crianças.
Assim, de acordo com Legrand (2010) ao estudar a concepção de Freinet sobre a
autonomia da criança e o planejamento do fazer pedagógico ressalta: A importância do
imprevisível, em sintonia com os acontecimentos cotidianos, e seu interesse pelo
desenvolvimento da autonomia dos alunos levam a conceber o uso do tempo de modo mais
flexível (p. 26).
Duarte (1998) afirma que em contraposição ao modelo epistemológico piagetiano que
prega o interacionismo de bases biologizantes, a abordagem histórico-social do processo do
conhecimento torna possível analisar os aspectos dialéticos da apropriação da cultura pelo
individuo, aspecto este que se constituí em fundamento ontológico
dos processos
gnosiológicos e educativos.
Isso significa que não se dispensa a necessidade de um planejamento pensado pelos
adultos que conduzem as práticas educativas, ou seja, é preciso que exista a intencionalidade
pedagógica que orienta o trabalho no sentido de ser um elemento catalisador das
potencialidades das crianças, mas não as direciona, permitindo que o sujeito livremente possa
72
Carl Rogers: sua linha teórica é conhecida como abordagem centrada no sujeito, na educação esta abordagem
privilegia elementos que favoreçam a constituição de atitudes , “o que explica a esfera psicológico como
prioridade dessa tendência em detrimento das esferas pedagógicas e sociais”(LIBÂNEO, 1985).
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explorar, aprender a conhecer e a interferir no curso dos acontecimentos no contexto em que
se encontra inserido.
O respeito do educador com a criança em sua totalidade, o ato de ser sensível às suas
necessidades, aos seus desejos, às suas diferentes formas de linguagem e expressão é
imprescindível no fazer pedagógico que não planeja direcionar suas ações, mas deixar que a
espontaneidade infantil conduza este fazer.
Nessa perspectiva, o caminho para a compreensão do processo educativo se dá através
da observância de como isso se apresenta permitindo que seu fluxo e fluidez não sejam
interrompidos.
Nesse sentido, o ato pedagógico não diretivo deve ocorrer junto ao planejamento de
um ambiente enriquecedor, onde haja condições para que o potencial de autonomia do sujeito
tenha possibilidades de se concretizar. Contudo, não se deve levar em consideração apenas a
observação como algo essencial, e sim perceber a atuação como especialmente importante
assim como o apreender e a ciência deve estar em constante movimento na busca do
conhecimento (LEGRAND, 2010, p. 23).
Foto1Atividade com tinta
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Portanto, a não diretividade pedagógica não se confunde com perspectivas teóricas que
se resumem a uma explicação psicológica que centra suas expectativas no sujeito subjetivo,
tampouco nas explicações inatistas e nas puramente empiristas, mas sim na predominância da
esfera sócio-histórica e no materialismo sociológico que opera através da análise ontológica
que se processa na realidade dos fatos concretos da vida de maneira dialética.
Acho que o quintal onde a gente brincou é maior que a cidade: a organização do espaço
A organização do espaço é uma questão central na elaboração de uma proposta
pedagógica para a Educação Infantil. Várias autoras (CORSINO, 2009; FARIA, 2003;
RABITTI, 1999) e vários documentos vem apontando a importância de se pensar a forma de
organizar o tempo e o espaço das instituições, no sentido de favorecer a Pedagogia da
infância.
No entanto, a partir das observações realizadas na creche durante o estágio ficou
evidente que a organização dos espaços não contemplava as necessidades e interesses das
crianças: espaços centrais vazios, objetos encostados nas paredes, materiais e brinquedos em
prateleiras altas.
Foto2Espaço da sala
As crianças cantam antes do lanche, encostadas na parede. A professora,sempre se
posiciona no centro, de frente para as crianças, ora sentada no chão, ora na cadeira. Em
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seguida, todas lancham ali mesmo, sendo servidas pelos adultos, não favorecendo
nenhum tipo de movimentação das crianças. (Diário de campo, 24/03/15)
As crianças sentam ao redor da sala, encostadas na parede para diversas situações:
ao aguardar a sua vez no banho, no retorno dele, quando já vestidas e penteadas, no
momento do lanche da tarde e algumas atividades de cantigas direcionadas pela
professora. (Diário de campo, 18/03/15)
Essa organização do espaço limitava a autonomia das crianças na execução das tarefas
e dificultava a exploração do meio. Essa não é uma característica isolada da instituição
observada. Garms e Rodrigues (2011, p. 72) apontam que:
Os ambientes de aprendizagem para as crianças pequenas são marcados pela
escassez de móveis na sala, a falta de mobiliário em tamanho reduzido, bem
como o fato de estes estarem encostados na parede deixando um grande
espaço central vazio.
Siebert (1998) chama a atenção para a maneira como os objetos estão dispostos nas
salas das creches e pré-escolas, no qual objetivam facilitar o trabalho do adulto e não da
criança.
Segundo os Parâmetros Básicos de Infraestrutura para Instituições de Educação
Infantil: as crianças pequenas têm direito as áreas de brincadeira que deverão oferecer
segurança, sem serem limitadoras das possibilidades de exploração do universo infantil
(BRASIL, 2006, p.27).
Barbosa e Horn (2001) assinalam que os espaços educativos não podem ser todos
iguais, pois, o mundo é cheio de contrastes e de tensões, por isso, é importante que as crianças
aprendam a lidar com isso, afirmando que:
Ao pensarmos no espaço para as crianças devemos levar em consideração
que o ambiente é composto por gosto, toque, sons e palavras, regras de uso
de espaço, luzes e cores, odores, mobílias, equipamentos e ritmos de vida.
Também, é importante educar as crianças no sentido de observar,
categorizar, escolher e propor, possibilitando-lhes interações com diversos
elementos (p.73).
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As atividades foram propostas para serem realizadas a partir dos interesses das crianças.
O projeto desenvolvido priorizou a (re) organização do espaço da sala num ambiente que
possibilitasse o movimento, a interação entre as crianças, a autonomia e a execução de atividades
simultâneas, com materiais dispostos de modo que pudessem ser manipulados e descobertos
livremente por elas, garantindo o desenvolvimento e aprendizagem das mesmas.
A apresentação dos sons da natureza foi realizada com as crianças sentadas, no meio da
sala, onde puderam se movimentar livremente: ao ouvirem os sons, gerando surpresa ou
euforia. Engatinhavam para trás e para frente, todas atentas, querendo adivinhar que
som era aquele apresentado no momento. (Diário de campo, 26/05/15)
Foto3 Atividade na sala
Assim, o espaço e a maneira como ele foi pensado e utilizado procurou garantir que as
crianças pudessem: andar, correr, sentar, levantar, engatinhar, deitar, subir, pular, descer.
Os espaços externos da creche, como o parque e o gramado 73 eram pouco utilizados e,
mesmo quando as atividades ocorriam fora da sala o controle e a disciplinalização cerceavam
a espontaneidade das crianças e limitavam a curiosidade das mesmas (GARMS;
RODRIGUES, 2011, P.71). Isto ocorria a todo o momento, ou seja, os movimentos das
crianças eram controlados e supervisionados pelos adultos.
73
O gramado é um espaço localizado atrás das salas, é dividido por um muro de meio metro de altura; do lado
esquerdo encontram-se alguns brinquedos (um balanço, uma gangorra e um túnel de concreto), do lado direito
há uma árvore de tamanho médio e um pequeno cercado de grades. ( Diário de campo, 18/ 03/15).
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Faria (2003, p. 79) considera que:
O espaço, externo e interno deve permitir o fortalecimento da independência
das crianças: mesmo sendo seguro, não precisa ser ultraprotetor, isto é, em
nome da segurança não deve impedir experiências que favoreçam o
autoconhecimento dos perigos e obstáculos que o ambiente proporciona.
Sendo assim, no projeto de estágio foram aproveitados os espaços externos da
instituição.
Realizamos um piquenique na parte de trás da creche, no gramado, embaixo de uma
árvore. Levamos toalha de mesa e algumas cartolinas para forrar o gramado, onde as
crianças puderam se sentar em forma de “caracol”. Trouxemos alimentos (sucos,
vários tipos de pães, queijo, presunto, margarina e frutas) ao qual elas pudessem
tocar e experimentar de acordo com o seu gosto pessoal. A maneira como os
alimentos estavam dispostos, no centro do “caracol” possibilitou a escolha pelas
próprias crianças.(Diário de campo, 03/06/15)
Foto4 Atividade externa- piquenique
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Essa atividade oportunizou ainda a liberdade de movimento, pois as crianças que já
haviam terminado de lanchar ficaram em pé e circulavam pelo local em que o piquenique
estava sendo realizado.
As crianças descobriram no fundo da creche algumas grades, até então
desconhecidas por elas, sendo o objeto mais explorado, no qual: subiam, pulavam,
passavam por entre as grades. As ações das mesmas ocorriam naturalmente, á
medida que brincavam com que mais havia de interessante nesse espaço para
elas.(Diário de campo, 03/06/15)
Foto5 Atividade no espaço externo
Ou seja, ao levarmos as crianças para o lanche ao ar livre, ampliaram-se suas
possibilidades, através do contato com diferentes elementos: árvore, grama, formigas,
gravetos, folhas, grades, canto dos passarinhos. A intenção do piquenique, onde a criança teve
contato com a natureza, foi justamente essa, pois, foi planejado um espaço que pudesse trazer
consigo uma riqueza de exploração infinita, já que a criança é sempre curiosa, criativa, e está
em constante movimento; tudo chama a atenção delas, como no seguinte episódio:
Durante o piquenique, uma das crianças percebeu que estava ventando e falou para
os seus colegas. Essa observação foi compartilhada pelas crianças que ficaram
explorando a sensação do vento. (Diário de campo,03/06/15)
Os episódios acima mencionados demonstram que a criança é capaz de perceber e
explorar outros elementos, além daqueles propostos pelo planejamento inicial. Para isso, basta
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que proporcione á elas, a livre exploração do espaço, em que se movimentam e interagem
com os objetos (no caso, as grades) e com os fenômenos que estão ao seu redor (o vento).
A gente usava mais era encher o tempo: a organização da rotina
As crianças que freqüentam um Centro de Educação Infantil permanecem na
instituição cerca de dez horas diárias. Durante este período, a instituição desenvolve várias
atividades que são realizadas segundo o cronograma previamente estipulado e seguido por
todos. O tempo da creche é organizado com uma divisão rígida: hora do lanche, da atividade,
do banho, da janta, onde o adulto concentra a atenção e importância no cumprimento das
rotinas.
Batista (1998, p.11) aponta que o tempo da creche:
Parece não pertencer nem aos adultos e nem às crianças, mas a uma estrutura
hierárquica regida por uma rede formalizada de normas, em que o tempo
objetivo e linear tenta se sobrepor ao tempo subjetivo dos sujeitos
envolvidos no ato educativo, adultos e crianças. O tempo da creche parece
estar alheio aos adultos e crianças que nele atuam.
Sobre a organização temporal do cotidiano educativo, Gariboldi (2004, p. 97 apud
Garms; Rodrigues 2011 p. 71) aponta que:
[...] as rotinas não deveriam ocupar a maior parte do dia, as atividades
educativas deveriam garantir uma variedade de experiências cotidianas, o dia
não deveria ser tão rigidamente estruturado a ponto de não deixar espaço
para os interesses individuais ou então, ao contrário, o dia não deveria ser tão
desprovido de planejamento educativo ao ponto de ser essencialmente
caracterizado como uma longa situação de brincadeira livre de tipo
recreativa.
Arruda (2011) em sua dissertação de mestrado constatou que:
O tempo de espera pela refeição é longo, crianças e adultos seguem as regras
ditadas pelo CEI. Algumas crianças procuram distrair para passar o tempo,
conversando, brigando, chorando, tocando uma na outra ou no próprio corpo,
procurando alguma coisa, a professora canta com as crianças, mas o tempo
não passa, demora! E quando chega o momento da refeição, que deve ser
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degustada com prazer, devem o fazer rapidamente porque o tempo é curto. Há
certa contradição em relação à organização do tempo na Educação Infantil,
pois como dizer que o tempo é curto, enquanto que o tempo de espera é longo.
(p. 81)
Pensando nisso, as atividades planejadas para o projeto foram propostas no sentido de
que as crianças pudessem manipular e explorar o material, cada uma no seu tempo e de
acordo com seus interesses. A ideia foi romper com a divisão rígida do tempo estipulado pelo
adulto.Destacamos a seguir uma atividade, cujo objetivo era estimular a percepção tátil.
Na sala, foram espalhadas bacias contendo: areia, farinha de trigo, galhos, folhagens
secas e macarrão cru. Também foi levada massinha caseira de modelar, placas
sensoriais de algodão e lixa, caixa de ovos e esponjas, de modo que as próprias
crianças escolhessem os objetos de seu interesse, sem qualquer direcionamento do
adulto na escolha dos objetos. (Diário de campo, 13/05/15)
A intenção era disponibilizar objetos de diferentes texturas para que as crianças
manipulassem livremente, sem estipular a sequência que a atividade aconteceria, tampouco o
tempo de cada um; a intenção não era colocar uma criança de cada vez nas diversas bacias
para que tateassem os objetos. Ou seja, o planejamento foi pensado para ser flexível de acordo
com o interesse e o tempo das crianças e não do adulto.
Foto6 Crianças explorando os materiais
As próprias crianças criaram diversas situações em volta das bacias; uma mostrava
para outra o material que estava sendo explorado, em outras situações manipulavam
juntas o mesmo objeto, enquanto uma manipulava a farinha de trigo, a outra ria e
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divertia-se comtal situação, compartilhando momentos e objetos sem pressa para
acabar.(Diário de campo, 13/05/15)
As crianças andavam pela sala escolhendo o material que cada uma queria pegar,
garantindo a autonomia e o interesse. Deu-se o tempo necessário para que as crianças
pudessem explorar os materiais e estabelecer relações umas com as outras. As crianças se
organizaram em pequenos grupos ao redor das diversas bacias; não houve interferência dos
estagiários no tempo de duração de cada brincadeira.
Foto 7Meninos brincando de jogar areia um no outro
Dois meninos permaneceram um longo tempo ao redor da bacia de areia. Um deles
entrou nela, o outro ficou ao lado tentando entrar; o mesmo jogou areia no colega. O
outro estranhou, mas logo entrou no jogo: riu e também jogou areia no
colega,ficando o tempo todo da atividade explorando a bacia de areia. Um deles
tentou várias vezes entrar na bacia, mas não conseguia. No final, os dois entraram
juntos.(Diário de campo, 13/05/15)
No episódio a cima, as crianças resolveram o conflito entre elas e no tempo delas. Os
estagiários somente observaram, aguardando a história chegar ao fim. As crianças foram
descobrindo os objetos através das interações com o meio e entre si. O papel do adulto, no
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caso os estagiários, foi o de planejar as atividades, organizar o espaço e os materiais,
participando quando solicitado pelas crianças, sempre respeitando o tempo delas.
.
Uma das crianças ao manipular a massinha de modelar mostrou para o estagiário,
dizendo que era um sapo. O estagiário disse que tinha ficado muito legal. Nesse
momento, aproximou outra criança dizendo que iria fazer uma cobra; o estagiário
estimulou falando que era uma boa ideia. Aquela criança que, anteriormente havia
dito que iria fazer um sapo, mudou de ideia dizendo que também faria uma cobra,
mas acabou pedindo que o estagiário fizesse para ela. Este fez a cobra e perguntou
se estava bom. Vieram outras crianças com a massinha, também querendo que
fizesse uma cobra. (Diário de campo, 13/05/15)
Nesse sentido, a atividade possibilitou o respeito com o tempo da criança, através da
liberdade de ação e de escolha. As crianças ficaram um longo período brincando com
areia,trigo, macarrão, folhas, massinha. Elas exploraram as texturas com as mãos, com os pés,
com o corpo todo, pois amassavam, pisavam, jogavam para o alto, jogavam uma nas outras.
Enfim, apesar do planejamento prever outras atividades a serem realizadas no dia, os
adultos não tiveram pressa em encerrar a brincadeira, não delimitaram o tempo que cada
criança ficaria com cada objeto, quem decidiu isso foram as crianças: os protagonistas da
atividade.
A gente brincava no terreiro de cangar sapo, capar gafanhoto e fazer morrinhos de areia: a
importância do brincar
A atividade lúdica já foi reconhecida como essencial para as crianças, tanto pela
pedagogia como por outras ciências. Silva (2012) chama a atenção para existência de duas
concepções do brincar: a primeira como recurso didático em que a atividade lúdica é utilizada
para fins pedagógicos, com direcionamento do adulto em situações de brincadeira. A segunda
concepção refere-se à brincadeira livre, a criança brinca espontaneamente, sem que haja o
controle de suas ações, tampouco qualquer tipo de compromisso pedagógico estipulado pelo
adulto; a criança brinca por satisfação e não para cumprir tarefas.
Nesse projeto foi priorizada a concepção do brincar como atividade de livre expressão
infantil, procurou-se preservar o prazer, a necessidade e o interesse da criança (SILVA, 2012,
p. 125).
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Ao planejar a intervenção, recorremos ao documentário Caramba, carambola: o
brincar tá na escola74.Os materiais foram colocados no chão do pátio, cada criança escolheu
para brincar o material que mais lhe chamava a atenção, ressignificando os objetos que já
conheciam.
Foto8Atividade no pátio com materiais não estruturados
Foram espalhados pelo chão, materiais não estruturados diversos (caixas de papelão
de ovo, pizza; bobinas de diversos tamanhos; vasilhames de plástico; sacola de papel
e papel picado). As crianças demonstraram prazer e euforia, tanto na interação com
os materiais, como também umas com as outras durante toda a brincadeira. Uma
delas transformou a bobina de papelão em uma luneta, em outras situações, a caixa
de papelão virou em carrinho, o papel branco picado virou arroz. Ou seja, em todas
as situações durante a brincadeira houve a descoberta, a invenção e a recriação a
partir dos materiais não estruturados. (Diário de Campo, 05/05/15).
74
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_lQWGDV81Vs
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Dornelles (2001) aponta que a criança ao se relacionar com o outro, repete suas
atitudes durante a brincadeira, colocando-se no lugar do adulto, simulando situações e gestos,
como maneira que utiliza a fim de compreender o seu entorno e a si própria. Kishimoto (1998,
p. 74) apresenta a concepção de Froebel sobre o brincar, afirmando que a criança reproduz as
situações da vida, ressaltando que a liberdade de expressão possibilita a elas representar na
brincadeira, fatos que foram significativos.
Foto9Atividade com materiais não estruturados
No relato a seguir, a criança recriou uma situação vivenciada por ela naquele mesmo
dia durante o lanche:
Uma das crianças recriou uma jarra a partir do pote de plástico dizendo para um dos
estagiários que ia fazer um suco. O adulto perguntou de que sabor seria esse suco,
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ela respondeu que seria suco de abacaxi. Questionada se já estava doce, a criança
respondeu que, foi então que colocou a mão dentro do pote, mexendo, reproduzindo
a ação de adoçar o suco. Serviu em um copo imaginário, “dando” para o adulto. Este
então disse que o suco estava uma delícia. O que acabou encorajando a criança a
fazer outro suco, frisando que dessa vez seria de laranja. (Diário de Campo,
05/05/15)
No episódio, o adulto ao brincar com a criança estabeleceu uma troca de
conhecimentos, valores e descobertas, tanto entre crianças/crianças como criança/adulto
(SILVA, 2012, p. 124). Na brincadeira de faz-de-conta, aquele que inventa é a criança e o
adulto embarca nela, dando continuidade ao imaginário infantil.
Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas: algumas
considerações
O trabalho realizado mostra que a realidade da creche não possibilita a percepção das
crianças como sujeitos ativos, autônomos e capazes de participarem da construção do mundo
e de si mesmas. Mesmo quando isto ocorre, a compreensão desta autonomia se limita apenas
a espontaneidade destas, sem haver qualquer preocupação com a intencionalidade pedagógica
e anulando a importância do processo educativo. Disso decorre o papel do educador que ora
se configura autoritário e controlador, ora permissivo e displicente com as necessidades das
crianças.
No entanto, a partir das intervenções realizadas durante o estágio, conclui-se que é
possível desenvolver um trabalho em consonância com a literatura atual da área e com os
documentos normativos e regulatórios da Educação Infantil.
Porém, ainda assim não se transpõe as limitações do sistema de educação formal posto
pelo Estado que se caracteriza pela égide da lógica mercadológica do sistema capitalista, fato
este que problematiza a questão da Educação Infantil para além dos muros da creche.
Contudo, foi possível organizar o tempo e o espaço da instituição de Educação Infantil
de modo a favorecer um ambiente educativo onde as crianças puderam brincar, se expressar,
criar, recriar, perguntar, interagir, se movimentar, enfim, um espaço onde elas puderam ser
criança.
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622
O uso do brinquedo na Educação Infantil e algumas considerações baseadas em Michel
Foucault75
Letícia Rodrigues de Souza76
Resumo: Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa que foi realizada em uma Escola
Municipal de Educação Infantil do interior de São Paulo, município de Rio Claro, com um
grupo de vinte e cinco crianças de quatro anos e a professora que trabalhava com essa turma.
O foco da investigação foi identificar que posturas têm a professora que trabalha com a
educação infantil no que se refere aos brinquedos à luz de questões caras para Michel
Foucault. Realizamos observações de campo, registros em diário, registros fotográficos,
entrevista semiestruturada e análise documental. As análises, pautadas nas contribuições
teóricas de Michel Foucault e também em grandes estudiosos do brinquedo. Em linhas gerais,
notamos o uso dos brinquedos para controlar o comportamento dos alunos e a presença de
espaços de resistência a esse controle dentro deste ambiente escolar.
Palavras chaves: Brinquedos. Educação infantil. Michel Foucault.
Introdução
O presente texto apresenta a pesquisa realizada no Mestrado em Educação pela Unesp
de Rio Claro – SP, a qual foi intitulada como “O brinquedo na educação infantil: algumas
reflexões do uso do brinquedo à luz da sociedade disciplinar foucaultiana”. O estudo do qual
compartilharemos surgiu ao sentir incomodada com a atuação das professoras da Educação
Infantil com os brinquedos na escola em que lecionava e ao defrontar com as abordagens de
Michel Foucault77.
Com essa inquietação, decidimos pesquisar como os brinquedos eram abordados
dentro da escola de Educação Infantil e em qual concepção isso ocorria. Com o
aprofundamento dos estudos foucaultianos, tivemos a intenção de fazer uma discussão se o
brinquedo molda as crianças em conformidade com a lógica da sociedade disciplinar referida
por Michel Foucault, além de promover um aprofundamento acerca da importância do
Brinquedo para a Educação Infantil.
75
Este texto é fruto de Pesquisa de Mestrado realizada no período de 2012 a 2014 na Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquista Filho” (UNESP), campus de Rio Claro – SP.
76
Mestre em Educação pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquista Filho” (UNESP) campus de Rio
Claro – SP. Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia.
77
Paul-Michel Foucault, pensador e epistemólogo francês, nascido em Poitiers, França em 15 de outubro de
1926. Graduou-se em História, Filosofia e Psicologia. (FERREIRINHA e RAITZ, 2010).
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Durante a minha prática pedagógica, percebi o quanto as crianças eram
institucionalizadas cada vez mais cedo, sempre seguindo as normas e regras, sem muito
participarem ou opinarem nas suas atividades escolares. Desde então, já indagava quais eram
os espaços possíveis de subversão ou de criatividade que a criança vivencia nas instituições de
Educação Infantil.
Assim, veio à seguinte reflexão: será que os brinquedos também padronizam e
normatizam as crianças dentro do ambiente escolar? Ou propiciam algum momento de
criatividade e de diversão às crianças? Será que as escolas ainda são disciplinares, conforme
relatava Foucault (2010) em seu livro “Vigiar e Punir”?
Foi partindo dos pressupostos acerca da importância do brinquedo para a Educação
Infantil e da ideia de “corpos dóceis”78 apresentados por Foucault (2010) que nos propusemos
a investigar e explorar se os brinquedos são utilizados como tecnologia de controle com o
objetivo de dar o direcionamento da vida e dos corpos dos indivíduos, sendo um instrumento
de disciplinas dessas crianças.
Desta maneira, tivemos o intuito de averiguar se a escola de educação infantil se
apropriava dos brinquedos como mecanismos disciplinar da infância ou como um dispositivo
para combater o controle social, proporcionando às crianças, assim, a sua própria maneira de
pensar, agir e ser.
Diante do que foi exposto, definimos a seguinte questão de pesquisa: como se
configura o papel do brinquedo para a formação das crianças na Educação Infantil acerca da
sociedade disciplinar foucaultiana?. A pesquisa de campo realizou-se na Rede Municipal de
Educação Infantil da cidade de Rio Claro – SP, com uma turma da Educação Infantil e a sua
respectiva professora.
Justificativa e objetivos
O presente estudo justifica-se ao tomarmos como base as questões que compreende a
relação dos brinquedos na Educação Infantil às considerações de Foucault sobre a sociedade
disciplinar. Vimos a necessidade de investigar se os brinquedos padronizavam e reproduziam
78
“É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”
(FOUCAULT, 2010, p.132)
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o tipo de sociedade apresentada por esse autor ou se propiciavam a criatividade da criança em
seus momentos lúdicos.
Essa reflexão se torna importante visto que o brinquedo favorece tanto a construção do
conhecimento quanto a forma da criança se aproximar do mundo e dela mesma. Por isso, o
ato de brincar se torna para ela terapêutico, prazeroso e significativo.
Ele propicia o
aprendizado lúdico na Educação Infantil, pois a necessidade de brincar é atividade inerente a
existência das crianças. Assim, para elas brincar é viver, divertir e também aprender.
Ao pensarmos no papel significativo do brinquedo para o desenvolvimento infantil e
refletirmos a luz da sociedade disciplinar de Michel Foucault, nos inquietamos e justificamos
a importância dessa pesquisa para mostrar o quão relevante são os brinquedos para
produzirem conhecimentos e aprendizagens para as crianças das escolas de Educação Infantil.
E o quanto isso pode ser prejudicado caso a Instituição Escolar ainda se baseie em algumas
das concepções que Foucault (2010) apresentou lá no século XVII. Enfoca-se, então, a
importância das escolas repensarem a postura e conduta que adotam com o brinquedo no diaa-dia escolar.
O presente estudo tem por objetivo geral investigar se o brinquedo é usado na
Educação Infantil como instrumento de disciplina e controle das crianças, utilizando como
referencial os estudos de Foucault, e também identificar aspectos que compõem a cultura
punitiva e disciplinar das instituições educacionais
Nos objetivos específicos, buscou-se refletir se os brinquedos reproduzem o tipo de
sociedade existente ou se propiciam a criatividade em seus momentos lúdicos; compreender
como o brinquedo é proposto às crianças das creches e pré-escolas; perceber se as crianças
estão sendo normatizadas e padronizadas por meio dos brinquedos; analisar se o brinquedo
enriquece as práticas pedagógicas ou se leva ao disciplinamento dos corpos; identificar qual a
postura do professor de educação infantil em relação ao uso do brinquedo com as crianças.
Referencial teórico
O referencial teórico deste estudo traz alguns estudiosos renomados no campo da
educação como Lev S. Vygotsky79, Walter Benjamin80 e Gilles Brougeré81. Esses autores
79
Lev Semenovitch Vygotsky (Orsah, 17 de novembro de 1896 - Genebra, 11 de junho de 1934), foi psicólogo
Russo, cursou Direito e também realizou estudos nas áreas de História, Filosofia, Psicologia e Literatura.
(MACEDO, 2012).
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foram escolhidos por terem os temas “brincar” e “brinquedo” como foco dos seus trabalhos,
além de trazerem diversas contribuições para refletirmos sobre essa temática e as crianças.
Temos também como base os estudos de Michel Foucault e suas principais
contribuições acerca da sociedade disciplinar.
Vygotsky (1988) aborda que o brincar surge na situação imaginada que é criada pelas
próprias crianças em busca de seus desejos, diminuindo suas tensões e acalmando conflitos e
frustrações. Ela utilizará de capacidades como a imitação, a imaginação e a observação.
Através da imitação representativa, a criança aprende a lidar com regras e normas sociais.
Para esse autor, o brincar tem como função básica fazer com que a criança aprenda a resolver
situações conflitantes na vivência cotidiana.
Vygostsky (1998) fala sobre o conceito de zona desenvolvimento proximal e acredita
que ao brincar, a criança consegue ultrapassar essa zona, ou seja, o que está habituada a fazer,
tornando-se maior do que ela é. Por isso, o brinquedo e a escola podem propiciar o
desenvolvimento infantil. Conforme nos diz Ramalho (2000),
O brinquedo, o jogo e a brincadeira, interferindo na zona de desenvolvimento
proximal da criança, poderá proporcionar uma maior rapidez no seu
desenvolvimento propriamente dito, um avanço nas suas capacidades e habilidades,
entre elas a criatividade tão necessária na formação de adultos colocados num
mundo de muita competitividade, onde um dos objetivos finais é a própria
sobrevivência. (p.65).
Em seus trabalhos, Vygotsky (1988) enfoca primordialmente a brincadeira de faz-de
conta, como brincar de escolinha, bombeiro, mamãe e papai. Para ele, o termo brinquedo faz
menção ao ato de brincar, ou seja, à atividade em si. Quando a criança brinca de representar
age em outro mundo, consegue criar e imaginar as coisas conforme os temas e papéis que são
assumidos, ou seja, interage em um mundo imaginário criado pela própria brincadeira.
Segundo Vygostky (1988), ao brincar, não é qualquer objeto que pode substituir o
outro e a criança. Para os momentos de brincadeira sempre existem regras e alguns
comportamentos a serem seguidos, pois toda criança assume um papel e a sua ação se
desenvolve em torno desses papéis que foram estruturados dentro da situação imaginária.
Através da brincadeira, as crianças conseguem agir no mundo dos adultos, vivenciar
80
Walter Benedix Schönflies Benjamin (Berlim, 15 de julho de 1892 — Portbou, 27 de setembro de 1940) foi
um filósofo e um dos mais notáveis intelectuais alemães do século XX. Graduou-se em filosofia pela
Universidade de Friburgo e sua obra influencia o pensamento contemporâneo brasileiro. (KIRCHNER, 2007).
81
Gilles Brougère é filósofo, antropólogo, mestre de conferências e diretor do Departamento de Ciências da
Educação da Universidade de Paris-Norte. Realiza pesquisa com a temática do brinquedo e sobre as relações
entre as brincadeiras, educação e a pedagogia pré-escolar. (BROUGÈRE, 1997, p. 110).
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experiências semelhantes, como dirigir um carro, cuidar do bebê, cozinhar, e essas atividades
acabam por satisfazê-las.
Já Walter Benjamin retrata que o significado do brinquedo e a valoração da
brincadeira foram arquitetados como fenômenos homogeneizantes e são produtos da
massificação industrial (FLORES, 2012).
Segundo Araújo (2008) Benjamim contribui bastante para que a brincadeira fosse vista
como algo que está imbricado na cultura. Além disso, acreditava que os brinquedos concebem
traços desses costumes na qual estão inseridos.
Flores (2012) relata que Benjamin, em seus estudos, aborda as transformações do
brinquedo desde a industrialização, ponto onde ocorreu o distanciamento entre os pais e as
crianças que os produziram juntos até o século XIX. Quanto maior era a industrialização, o
brinquedo industrial se tornava mais forte, o que mudava o seu formato original. Isso
ocasionou um encarecimento devido às diversas fases da produção industrial.
Benjamim acredita que o adulto pensa no jogo e na brincadeira como atividade
unicamente de imitação. No entanto, para a criança, a repetição rege o mundo do brinquedo.
(FLORES, 2012)
De acordo com Gilles Brougère (apud CORREIA, 2011), a brincadeira era
considerada algo fútil, pois tinha o intuito de distrair e recrear e alguns até classificavam-na
nefasta. Porém, no início do século XIX, houve uma mudança na concepção da criança e,
consequentemente, da brincadeira, atribuindo-lhes uma “verdade essencial”.
Araújo (2008) enfoca que Brougère, em seus estudos, comenta sobre o uso dos
brinquedos pelas crianças e nos diz que não deixam de estar relacionados a um contexto
cultural específico de consumo.
O mundo globalizado traz novas relações entre o brinquedo e a cultura infantil
contemporânea, que está amplamente relacionada à mídia e ao capitalismo mundial.
O autor utiliza a expressão “cultura comum internacional”. É fato que as crianças
não brincam exclusivamente com os brinquedos industrializados, porém é difícil que
escapem totalmente deles. Mais do que criticá-los, é importante compreender os
usos que as crianças fazem destes brinquedos ao brincarem. Os brinquedos, que
estão ligados às transformações do mundo, participam da construção da infância,
que é vivida diferentemente conforme a época, cultura e classe social. O lugar que o
brinquedo ocupa depende do lugar que a criança ocupa na sociedade. Observa-se
que esse lugar da criança vem tendo destaque pelo mercado consumidor, que a
considera uma consumidora em potencial. Sendo a criança o destinatário legítimo do
brinquedo, este vem ocupando um lugar de destaque, muitas vezes sendo mais
valorizado que a própria brincadeira da criança. (ARAÚJO, 2008, p. 5).
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627
O brinquedo, para Brougère, de acordo com Álvares (2011) é uma das fontes que a
criança usa para aprender os códigos culturais do mundo em que está inserida. É um objeto
cultural que para alcançar seu objetivo deve significar algo para aquele que irá brincar, porém
não é classificado em uma função precisa. Diz ainda que é um instrumento sólido que a
criança pode usar livremente, sem necessariamente condizer com as regras do jogo.
Os brinquedos, de acordo com Brougère, “possuem duas definições que são: em
relação à brincadeira ou em relação a uma representação social.”. (BROUGÈRE apud
SOUZA, 2009, p.30). No que se refere à brincadeira, o brinquedo serve como suporte a
brincadeira, podendo ser construído por quem brinca, desta forma, um objeto adaptado.
Esses autores através de seus estudos contribuíram para nos dar aportes e elementos
para discutirmos o brinquedo para a Educação Infantil. Cada um deles, dentro da sua
abordagem, trouxe visões e discussões que enfatizaram a importância do brinquedo durante a
aprendizagem das crianças.
Além destes renomados autores, tivemos também em nosso trabalho como aporte
teórico os estudos de Michel Foucault com o intuito de compreender a lógica e verificar o
funcionamento da sociedade disciplinar.
Foucault (2010) estudou na Época Clássica o corpo como fonte inesgotável de poder.
Em seu livro “Vigiar e Punir: nascimento da prisão” o autor aborda que o corpo se tornou
objeto e alvo de poder. E ainda relata que é um “corpo que se manipula, se modela, se treina,
que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se multiplicam.” (p. 132).
De acordo com Foucault não existe sociedade que não tenha relações de poder e esse é
exercido de diversas formas. “E, para Foucault, essas forças, a que ele chama de poder, atuam
no que de mais concreto e material temos - nossos corpos” (VEIGA-NETTO, 2011, p.11).
A sociedade disciplinar de Michel Foucault (2010) surge juntamente com as
disciplinas no séc XVII e XVIII como fórmulas gerais de dominação e possui poderes que se
disseminam através das instituições modernas como estratégias para disciplina e
confinamento.
Foucault (2010) nos apresenta a escola primária como uma das instituições
disciplinares que criam corpos submissos e disciplinados, denominados como “corpos
dóceis”. Essas utilizam técnicas disciplinares como mecanismos de aprisionamentos e
padronização dos corpos dos indivíduos, tornando a escola um local de criação de saberes e
poderes.
ISSN 2448-1157
628
Essas novas técnicas de poder conhecidas como práticas disciplinares que exercem o
controle e disciplinamento dos corpos
permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição
constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade – utilidade, são os
que podemos chamar as ‘disciplinas’ [...] O momento histórico das disciplinas é o
momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o
aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a
formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente
quanto é mais útil, e inversamente. (FOUCAULT, 2000a, p. 118-9).
Assim, Foucault embasa a nossa discussão sobre como estão essas relações dentro da
escolas de Educação Infantil da atualidade e nos faz pesquisar se ainda existe algum resquício
dessa sociedade disciplinar.
Metodologia e desenvolvimento da pesquisa
A metodologia adotada para o desenvolvimento deste estudo foi de enfoque
qualitativo, numa perspectiva de estudo de caso por acreditar que possibilitaria um melhor
entendimento dos fenômenos que ocorrem na Educação Infantil.
Adotamos o estudo de caso por considerarmos que ele possuía algumas vantagens que
nos permitiria responder o nosso objeto de pesquisa. Para Gil (1991) “o estudo de caso é
caracterizado pelo estudo profundo e exaustivo de um ou de poucos objetos, de maneira que
permita o seu amplo e detalhado conhecimento...”. (p. 58). Desta maneira, conseguiríamos
lançar diante da totalidade do nosso contexto e de maneira detalhada enxergar o que muitas
vezes está “escondido” ou “entranhado” dentro do contexto escolar.
Conforme dissemos anteriormente, a pesquisa se realizou numa escola da Rede
Municipal da cidade de Rio Claro – SP, a qual nomeamos de escola X. A Escola X está
localizada dentro de um Complexo Educacional na área da periferia desta cidade.82
A pesquisa foi realizada em uma turma de quatro anos de idade, a qual foi escolhida
por meio de sorteio, de acordo com a sugestão da diretora da Instituição. Havia mais de uma
turma com essa faixa etária e ela preferiu que fosse desta maneira para que não houvesse
nenhum tipo de interferência no estudo.
82
A presente pesquisa foi analisada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unesp - RC, recebendo o parecer
APROVADO, que foi registrado em Ofício CEP 151/2013, de 19 de julho de 2013, protocolo Nº 06.
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629
Após a escolha da turma, entramos em contato com a Professora que se disponibilizou
prontamente em participar da pesquisa, desde que pudessem ser lidos os diários de campo. A
maioria dos pais foi autorizando o Termo de Consentimento e a pesquisa pode ser iniciada.
Os nossos sujeitos de pesquisas eram: uma professora regente de turma e seus 25
alunos, sendo estes com faixa etária de quatro anos. Os participantes da pesquisa estavam
alocados na Turma Infantil 1 A desta escola. Os alunos eram de ambos os sexos e se dividiam
em 13 meninas e 12 meninos. E a professora selecionada, a qual chamaremos de Professora
A, tem 51 anos de idade e é formada em Pedagogia e Administração pela Unicamp.
Para a nossa pesquisa pautamos e ampliamos a temática de estudo. Utilizamos como
instrumentos de coleta de dados a observação da prática pedagógica da professora escolhida,
adotando um diário de campo para as anotações dessas observações. Além disso, foram feitos
registros fotográficos das vivências em que os alunos manuseavam os brinquedos e uma
entrevista de áudio, gravada com a professora regente da turma. Também foi realizada uma
análise nos seguintes documentos da Escola: Projeto Político Pedagógico, Plano de Ensino,
Plano de Aula da Professora, com intuito de aprofundarmos um pouco mais sobre como o
brinquedo era discutido nesta Instituição.
A pesquisa de campo se iniciou com a observação das aulas e foi realizada em um
período de aproximadamente quatro meses durante o segundo semestre letivo de 2013, com
carga horária total de 160 horas, em dias letivos alternados, distribuídos em 40 visitas. O
objetivo foi acompanhar a rotina, as vivências e propostas realizadas pela professora e os
alunos desta turma.
Após o encerramento das observações em sala de aula foi realizado a entrevista com a
professora. Essa entrevista seguiu o modelo semi-estruturado5, proposto por Triviños e
Molina (1999), para uma melhor orientação da pesquisadora e para realizá-la de forma
simples e natural. E juntamente a este período, realizamos a análise dos documentos
escolares.
Resultados
Os dados coletados nesta pesquisa foram organizados em quatro eixos temáticos com
o intuito de facilitar a compreensão e atingir os objetivos propostos inicialmente. Isso ocorreu
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depois de organizarmos os aspectos relevantes e categorizá-los através de nova releitura dos
dados.
No primeiro eixo denominado como “Temos uma escola disciplinar?” tivemos o
intuito de apresentar se havia ou não naquela escola alguns dos elementos apontados por
Michel Foucault ao retratar a sociedade disciplinar em seu livro “Vigiar e Punir”. E
conseguimos perceber que essa escola apresentava alguns destes elementos, como
elencaremos agora. Havia a determinação de quem iria sentar em qual lugar, além de que a
professora normalmente se mantinha na frente da turma, onde poderia organizar a sala da sua
maneira.
E também havia sempre o controle do comportamento dos alunos e do tempo, com
regras, horários e rotinas rígidas. Com estes dados e outros, como a punição e a maneira de
organização desta Instituição, conseguimos notar alguns desses elementos foucaultianos e
perceber que há o controle dos alunos e imposição de comportamentos.
O segundo eixo “É hora de aprender ou é hora de brincar?” apresenta as práticas
pedagógicas realizadas pela professora A durante o período de observação das aulas. Aqui nos
apoderamos principalmente nas contribuições do pensamento desta professora em relação as
brincadeiras, os jogos e brinquedos e como esta conduz esses elementos com suas crianças.
Conseguimos notar que a professora A acredita na brincadeira como fator importante
para a aprendizagem das crianças. Enfatizava que ao brincar a criança se sente feliz, se sente
alegre, entra em um mundo e vive ludicamente. A postura adotada pela professora A era mais
livre, as crianças brincavam com os brinquedos da maneira que desejassem, mas na maioria
das vezes, dentro daquilo que era proposto inicialmente.
A professora A utilizava os brinquedos da escola na maioria de suas atividades, mas
nem sempre havia o acompanhamento pedagógico. Em seu discurso, notamos que a
professora via o brinquedo como material para que a criança crie com ele e, assim, viva novas
experiências. Porém, não notamos em sua prática esses momentos. O brinquedo era mais
utilizado nos horários livres das crianças. Desta forma, a prática desta professora com o
brinquedo pode ser considerada mais livre e ainda com alguns elementos de Foucault, ao
sempre controlar e determinar a brincadeira.
No terceiro eixo “E os brinquedos para que servem?” averiguamos como o brinquedo
era utilizado na prática da professora A. Apresentamos neste tópico os diversos brinquedos
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631
disponíveis na escola, tanto na área externa e interna. Era uma escola com grande variedade
de material.
Os brinquedos eram propostos para as crianças no sistema de rodízios ou em práticas
de cantos. A última foi notada em vinte dos quarenta dias observados nesta turma. Portanto,
era bastante frequente. Assim, a professora conseguia realizar a sua atividade pedagógica
enquanto os demais brincavam nos cantos sem muito acompanhamento pela docente.
Vale ressaltar que esses cantos eram estruturados e fixos com os objetos
disponibilizados pela regente. Eram muito utilizado pecinhas de madeira, massinha quebracabeça, o desenho, brinquedos diversos no chão, livros, desenho livre na lousa, lego e
joguinhos pedagógicos.
Com essas observações, notamos que o brinquedo frequentemente era utilizado como
material para dar uma tranqüilidade à professora para que assim, ela pudesse realizar alguma
outra atividade com as crianças, ou até mesmo, alguma organização dentro da sala de aula ou
algum material de trabalho. Dessa forma, a professora conseguia manter o controle dos alunos
através dos brinquedos.
O último eixo “Há possibilidades de transgressão na escola?” buscamos refletir de
enxergar além do que o nosso objeto de pesquisa propunha, do nosso referencial teórico e
investigar se é possível transgredir o que é imposto nas escolas, romper com as relações de
poder e o controle que estão fixados em nossa sociedade.
Neste último, mostramos o quanto a professora A também segue condutas e normas
que são impostas pela própria escola e a escola segue de outras instituições que estão acima
do seu patamar. Mas que mesmo assim, consegue em alguns momentos combater essa
imposição ao prolongar um pouco mais seus horários de almoço para que as crianças
conseguissem comer sem tanta pressa. E também ao dividir o espaço externo com outras
turmas, mesmo que aquele não fosse seu dia naquela atividade.
Além da professora A, as crianças também conseguem “driblar” essa força quando se
recusavam a guardar os brinquedos ao final da aula ou também ao invadir o lado do parque
que a eles não eram autorizados a brincar naquele momento.
Estes são alguns dos apontamentos que trouxemos para mostrar que mesmo existindo
todo esse controle, esse vigiar às condutas e comportamentos das crianças, conforme as
abordagens de Foucault apresentaram, os indivíduos conseguem transgredir. Nem que seja em
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poucos momentos, eles conseguem quebrar toda essa força e amarra que o poder dissemina
pela a escola.
Considerações Finais
Com este trabalho e através dos eixos analisados com as coletas de dados conseguimos
perceber muitos dos elementos apresentados por Foucault na sociedade disciplinar dentro
desta Instituição Escolar. São mecanismos que se encontram na escola e permanecem desde o
séc XVII, quando Foucault nos apresentou esta sociedade.
Conseguimos notar momentos de controle e sanção, além da estrutura rígida e do
controle do tempo e das atividades. As relações de poder são existentes dentro desse
ambiente. Percebemos a prática da professora A e por isso enfatizamos a importância do
brinquedo como um recurso didático para as atividades escolares, e não somente, como
material utilizado muitas vezes para distrair os alunos.
A professora A apresentou suas concepções e importância acerca do brinquedo e como
fazia uso deste durante o seu dia –a –dia na escola. O brinquedo foi notado com algo pouco
utilizado com o intuito pedagógico e como propulsor da criatividade das crianças, sendo um
material para mecanismo de controle das crianças.
Além disso, observamos que há a possibilidade de transgressão desse controle tanto
por parte da professora como também dos alunos. Aos poucos as crianças poderão vivenciar
aquilo que desejam e da maneira que mais gostam se conseguirmos romper cada vez mais
com esse poder enraizado na escola.
Ao romper esse controle, a professora pode dialogar mais com seu aluno e perceber
seus interesses, qualidade e também as habilidades. Pode enxergar o brinquedo como um
material que precisa ser estudado e aprofundado para que propicie momentos de alegria,
divertimento e também de aprendizagens.
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633
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635
EDUCUIDAR: práticas docentes em uma escola da rede municipal de
Ibirité/MG83
Lílian Sipoli Carneiro Cañete84
INTRODUÇÃO
A pesquisa ora apresentada está inserida no campo da Educação Infantil e teve como objetivo
discutir as práticas docentes relacionadas ao cuidar e educar em uma instituição municipal de
Educação Infantil, que atende crianças de 4 e 5 anos, no município de Ibirité, em Minas
Gerais. Com a intenção de analisar as perspectivas das professoras investigadas sobre a ação
de cuidar e educar as crianças da Educação Infantil e também de descrever as práticas
desenvolvidas pelas docentes sujeitos da pesquisa, buscou-se identificar os momentos em que
o cuidar e o educar estão presentes na rotina da instituição estudada.
O princípio geral que orienta a discussão desta pesquisa é o entendimento das crianças da
Educação Infantil como sujeitos singulares, que tem um modo próprio de sentir, pensar e
produzir o mundo que as cerca. Desta forma a Educação Infantil é uma etapa fundamental na
vida das crianças, que permite suas primeiras descobertas e aprendizados. Neste contexto a
escola de Educação Infantil tem o importante papel de possibilitar situações que estimulem a
curiosidade, favorecendo que o momento educativo seja construído de forma participativa,
significativa e lúdica.
As pesquisas em Educação Infantil (CRAIDY e KAECHER, 2001; FARIA e SALES,2007;
HORN, 2004; RCNEI, 1999) tem indicado o cuidar e o educar como processos indissociáveis
e fundamentais para o desenvolvimento integral da criança, apontando a necessidade de
83
Este texto é fruto da pesquisa de conclusão de curso de Pedagogia, orientada pela autora e desenvolvida pelas
alunas Anídia Alves dos Anjos, Flávia Fernandes Menezes Silva e Karine Ferreira da Silva, no período de agosto
de 2013 a junho de 2014
84
Professora da Universidade do Estado de Minas Gerais/Unidade Ibirité, onde leciona a disciplina de
Organização da Educação Infantil. Coordenadora da linha de trabalho Infância, Arte e Educação – diálogos
possíveis, membro fundador do Laboratório de Práticas Pedagógicas Helena Antipoff (LAPPHA), onde coordena
o grupo de Estudos sobre a Infância(GEI)
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proporcionar às crianças de 4 e 5 anos, atividades que relacionem o cuidado e a educação
numa proposição única, dando ao cuidado uma dimensão de educação e à educação uma
dimensão de cuidado.
A pertinência da pesquisa se constrói a partir da relação histórica estabelecida entre
cuidado/creche e educação/ escola infantil, relação ainda encontrada em grande parte das
instituições de atendimento ao segmento das crianças de 0 a 5 anos. Os relatórios de estágios
curriculares produzidos pelos alunos do curso de Pedagogia da UEMG/Unidade Ibirité tem
indicado a dificuldade do estabelecimento da relação cuidado/educação nas práticas das
professoras da Educação Infantil. Outro ponto que se destaca nas observações realizadas nos
estágios é o desconhecimento da indissociabilidade das ações de cuidar e educar por parte
significativa das professoras atuantes nas escolas de Educação Infantil que se apresentam
como campo de estágio dos alunos do referido curso.
A Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9394/96) reforçou a ideia já defendida na Constituição
Federal de 1988, de que a educação é direito de todos, apontando a Educação Infantil como
primeiro segmento da Educação Básica. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil (DCNEI) indicam que o campo da Educação Infantil tem vivido um
processo intenso de discussão da presença das crianças de 0 a 5 anos em espaços coletivos de
educação, bem como das práticas e experiências que possam promover a aprendizagem e o
desenvolvimento das crianças desse segmento. Quanto ao binômio cuidar/educar as DCNEI
reforçam a concepç que a educação deve ser vista em sua integralidade entendendo o
cuidado como algo indissociável ao processo educativo.
CUIDAR E EDUCAR- ARTICULAÇOES POSSÍVEIS
A Educação Infantil ganhou destaque no Brasil a partir do final dos anos 80, do século XX,
quando os movimentos sociais e a legislação brasileira fomentaram debates que permitiram
pensar a Educação Infantil e o seu papel diante da Educação Básica. Surgem então novas
preocupações e interesses relacionados ao desenvolvimento e aprendizagem infantil. Dentre
as discussões favorecidas neste contexto estão as que indicam para a Educação Infantil o
papel de promover o cuidado e a educação das crianças inseridas neste segmento. Cuidar e
educar passam a ser vistos como fatores relevantes e essenciais para as práticas pedagógicas
destinadas às crianças pequenas.
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É relativamente recente a compreensão de que as instituições de Educação Infantil têm como
função o cuidar e educar de forma indissociável e complementar na formação das crianças de
0 a 5 anos. As crianças precisam de afeto, atenção, cuidados e, acima de tudo, ambientes que
promovam constantemente, através de experiências diversificadas, o seu desenvolvimento e
sua aprendizagem. Desta forma, Craidy e Kaercher (2001)afirmam que
Atividades que envolvam o cuidado e a saúde são realizadas diariamente nas
instituições de Educação Infantil e não podem ser consideradas na dimensão
estrita de cuidados físicos. A dicotomia, muitas vezes vivida entre Cuidar e o
Educar deve começar a ser desmistificada. Todos os momentos podem ser
pedagógicos e de cuidados no trabalho com crianças de 0 a 5 anos. (CRAIDY
E KAERCHER, 2001, p.70).
Portanto, a organização do espaço e do tempo, a valorização do brincar e a possibilidade de
diversas interações, articulados às ações de cuidado/educação permitirão o desenvolvimento
de práticas pedagógicas que ampliem as experiências vividas pelas crianças e lhes
possibilitem expandir seu contato com o mundo, favorendo a construção de aprendizagens
mais significativas.
Nesse sentido, a defesa de uma nova terminologia- o educuidar85- se constrói na prerrogativa
de que as crianças precisam de um ambiente acolhedor, seguro e estimulante, que garanta a
vivencia de experiências ricas e diversificadas que contribuam para uma formação desses
sujeitos em todas as suas dimensões. Em português não existe uma palavra que expresse a
dimensão pedagógica proposta pelo binômio educar/cuidar, o que pode propiciar o
entendimento de que essas ações aconteçam desarticuladamente e que existam momentos
separados para educar e para cuidar.
Em alguns países da Europa, África e Estados Unidos, existem expressões que
englobam os termos Cuidar e educar. Na África do Sul por exemplo utiliza-se a
palavra “educare” ao se referir a cuidado e educação. Em nosso país não há uma
expressão que englobe as duas ações, o Educar e o Cuidar, por isso é necessária a
utilização dos dois termos, dados na legislação e por aqueles que atuam na área.
(FARIA; SALES 2007, p. 53).
85
O termo educuidar foi pensado a partir das aulas de Organização da Educação Infantil, na UEMG/Unidade
Ibirité, como alternativa que unisse as ações de educar e cuidar, favorecendo o entendimento da
indissociabilidade desses princípios.
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O educuidar aparece como uma alternativa de terminologia que abarcaria a complexidade das
ações pensadas a partir dos conceitos de cuidado e educação, garantindo ao mesmo tempo
suas peculiaridades assim como uma forma de se considerar a indissociabilidade dos mesmos.
A concepção de cuidado/educação adotada nos últimos anos na Educação Infantil se
apoia no reconhecimento de que para as crianças torna-se cada vez mais sujeito
humano, aprendendo e desenvolvendo-se, é necessário que, no seu processo de
formação, a pessoa que trabalha com ela atue em duas direções. Isso significa dizer
que, em função da extrema dependência motora, afetiva e cognitiva do ser humano
nesta etapa da vida, e da gradativa possibilidade de autonomia, é fundamental que na
IEI se favoreça a apropriação de conhecimentos, valores, procedimentos e atitudes.
(FARIA; SALES, 2007. p. 54).
A complexidade do debate sobre o educuidar nas instituições de Educação Infantil no Brasil,
nos levam a compreender que o binômio cuidado/educação está intimamente relacionado à
outros princípios que orientam as práticas e as experiências da Educação Infantil. Como
discutir educação e cuidado, sem considerar o papel que a organização do espaço e do tempo
na Educação Infantil tem como organizadores/promotores das experiências e das
aprendizagens? Os tempos e os espaços das instituições da Educação Infantil são lócus
privilegiado de cuidado/educação.
A organização do espaço e do tempo na sala de aula/instituição estão impregnados das
concepções que fundamentam o educuidar, podendo ser pensados como lugares de interação
entre o professor e os alunos, onde as crianças são vistas com um olhar atento e sensível.
Deste modo, os objetos presentes nestes espaços influenciam diretamente a forma como as
crianças aprendem e se relacionam, bem como a maneira como constroem o sentimento de
confiança. Isso se torna um grande desafio para os educadores, pois precisam repensar o
ambiente, organizando-o de modo que motive as crianças, possibilitando que elas possam se
desenvolver plenamente. Assim, afirma Horn (2004):
O olhar de um educador atento é sensível a todos os elementos que estão postos em
uma sala de aula. O modo como organizamos materiais e móveis, e a forma como
crianças e adultos ocupam esse espaço e como interagem com ele são reveladores de
uma concepção pedagógica. Aliás, o que sempre chamou minha atenção foi a
pobreza frequentemente encontrada nas salas de aula, nos materiais, nas cores, nos
aromas; enfim, em tudo que pode povoar o espaço onde cotidianamente as crianças
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estão e como poderiam desenvolver-se nele e por meio dele se fosse mais bem
organizado e mais rico em desafios. (HORN 2004, p. 15)
Outra relação preponderante no que se refere as discussões do educuidar é o diálogo entre
educar/cuidar/brincar. A Educação Infantil deve promover oportunidades de experiências
onde os direitos das crianças sejam garantidos, o RCNEI (1998) orienta que o ato de educar
significa propiciar situações de cuidados e brincadeiras organizadas em função das
características infantis, de forma a favorecer o desenvolvimento e a aprendizagem. Perceber a
indissociabilidade das ações de brincar, cuidar e educar significa reforçar o entendimento da
criança como sujeito, protagonista de seus processos de aprendizagem e autor de suas
experiências.
Valorizar o diálogo entre educar, cuidar e brincar implica promover uma ação pedagógica
que considera o desenvolvimento infantil a partir de uma visão integradora, respeitando as
especificidades de cada criança e promovendo situações de aprendizagem significativas e
prazerosas, essa perspectiva possibilita ainda o conhecimento da criança em relação a si e ao
mundo. Conforme esclarece Rosemberg (1999)
[…] atender às suas necessidades de proteção, segurança, bem-estar, saúde.
Estar atento a seus afetos, emoções e sentimentos, às relações com os outros,
com as coisas, com o ambiente. Planejar um espaço que estimule sua
inteligência e imaginação, que permita descobertas e aguce sua curiosidade
(p.23)
O grande desafio que se coloca para os professores das crianças de zero a cinco anos é o de
conseguir a articulação entre o cuidar e o educar na Educação Infantil. Vencer as barreiras de
práticas que ora atendam aos aspectos da higienização, da alimentação, da satisfação das
necessidades básicas e ora atendam aos aspectos ligados ao desenvolvimento cognitivo tem
sido um grande dilema enfrentado pelos professores.
A ação de educuidar seria, pois, uma alternativa de prática pedagógica que vencesse a
barreira que coloca os princípios cuidar e educar em lados opostos. Uma possibilidade dos
educadores compreenderem que essas ações não se desarticulam, e que quando o professor
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propõe suas práticas pelo educuidando, ele se torna capaz de superar as visões dualistas que
ainda impõem à Educação Infantil seu caráter assistencialista e compensatório.
METODOLOGIA
No intuito de analisar como vêm sendo desenvolvidas as práticas do cuidar e educar pelas
professoras da Educação Infantil, no cotidiano das instituições, a pesquisa seguiu uma
orientação de cunho qualitativo, elegendo o estudo de caso como a alternativa mais viável
para a discussão do problema de pesquisa apresentado, que se traduz a partir do
questionamento: como as professoras de uma escola de Educação Infantil, da rede pública de
Ibirité, compreendem a relação entre cuidado e educação em suas práticas cotidianas?
Considerando o problema apresentado e os objetivos propostos a pesquisa iniciou-se com
estudos teóricos sobre os temas: Educação Infantil, Cuidar e Educar e Práticas docentes na
Educação Infantil. Após a construção do referencial teórico, deu-se a coleta de dados a partir
de entrevista semiestruturada e observação não participante, instrumentos de coleta de dados
adequadosa pesquisa de cunho qualitativo proposta para este trabalho, sendo possível
trabalhar com um universo de significados, valores, crenças e atitudes que não podem ser
reduzidos a variáveis (MINAYO, 1992).
A importância desse tipo de pesquisa para o trabalho em questão se deu pelo fato de que
possibilitou analisar os significados que os sujeitos envolvidos dão às práticas de cuidar e
educar na instituição pesquisada. A entrevista foi realizada com cinco professoras da
Educação Infantil, da escola campo da pesquisa. A escolha das participantes foi feita pelo
interesse em participar da pesquisa, desta forma em um grupo de seis professoras da
Educação Infantil, cinco se dispuseram a participar. A observação não participante aconteceu
em um período de um mês, no horário da manhã e da tarde, contabilizando quatro horas de
observações diárias, por turno.
A pesquisa valeu-se das seguintes etapas para alcançar os objetivos propostos. 1ª etapa –
Levantamento bibliográfico e escrita dos capítulos teóricos; 2ª etapa – Trabalho de campo,
com levantamento de dados através das entrevistas semiestruturadas e da observação não
participante; 3ª etapa – Leitura e destaque dos dados encontrados que permitiram responder a
pergunta central do trabalho “Como as professoras pesquisadas compreendem as práticas de
educar e cuidar na Educação Infantil? ;5ª etapa – Tematização dos dados para a análise; 6ª
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etapa – Apresentação dos dados e análise dos dados; 7ª etapa- Apresentação dos resultados da
pesquisa
ANÁLISE DE DADOS
Caracterização da escola
A escola pesquisada está situada na cidade de Ibirité. A instituição atende ao Ensino
Fundamental e à Educação Infantil, em horário matutino e vespertino com 12 (doze) turmas
no total, sendo seis no turno da manhã e seis no turno da tarde. Das seis turmas do turno da
manhã, duas turmas são de Educação Infantil e no turno da tarde, quatro turmas pertencem a
esse segmento. O corpo de funcionários da escola é composto por dezessete professores, uma
diretora, duas coordenadoras pedagógicas, dois secretários escolares, além de funcionários
destinados à limpeza e ao apoio escolar.
A escola é de pequeno porte, dispõe de salas pequenas, considerando a quantidade de alunos,
além de um espaço muito limitado para o lazer das crianças. Em algumas partes da escola não
há uma cobertura capaz de proteger os alunos da chuva e do sol, o que os impede de brincar
livremente pelo ambiente. Os banheiros destinados às crianças são adaptados de acordo com o
tamanho delas, o que também se observa para os bebedouros e as mesas para a alimentação. A
escola possui uma biblioteca pequena, que também é utilizada como sala das professoras,
onde eles planejam suas aulas e fazem seus lanches.
Caracterização dos sujeitos da pesquisa
Foram feitas no total cinco entrevistas com as professoras que atuam com crianças entre 4 e 5
anos na Educação Infantil, o que representa uma amostra de 83% das professoras de Educação
Infantil da escola. Também foram feitas observações não participantes das práticas das
professoras e de suas turmas. Para garantir o sigilo dos sujeitos utilizaremos os pseudônimos
Rosa, Margarida, Gardênia, Tulipa, Florípedes. O perfil das docentes sujeitos dessa pesquisa
foi traçado a partir de um questionário respondido pelas professoras participantes, com
questões que permitiram identificar a formação e o tempo de atuação na educação Infantil.
DOCENTES FORMAÇÃO
TEMPO DE TRABALHO NA
PROFISSIONAL
AREA
DE EDUCAÇÃO INFANTIL
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Rosa
Pedagogia
Margarida
Normal
15 Anos
Superior/
Pós 15 Anos
Graduação
Gardênia
Pedagogia
2 Anos
Tulipa
Normal Superior
1Ano
Florípedes
Magistério/Normal
21 Anos
Superior/ pós Graduação
Quadro 1- Perfil das professoras sujeitos da pesquisa
Fonte: elaborado pelas pesquisadoras
Os sujeitos da pesquisa são em sua totalidade do sexo feminino. O que nos leva a perceber
uma questão cultural ainda presente em nossa sociedade, de que as mulheres são as mais
indicadas para cuidar e educar as crianças. Os dados coletados nos mostram que entre as
professoras todas atendem o exigido na LDB (9394/96).
Art.62 que: “A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em
nível superior, em curso de licenciatura,de graduação plena, em universidades e
institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício
do magistério na Educação Infantil e nas quatro primeiras séries do ensino
fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal (BRASIL, 1996).
O cotidiano da Educação Infantil: a presença do cuidar e educar
A primeira análise possível a partir das observações realizadas diz respeito a própria estrutura
de atendimento da Educação Infantil. As turmas pesquisadas estão inseridas em uma escola de
ensino fundamental, o que indica que os espaços e tempos da escola não são pensados para
atender às especificidades das crianças da Educação Infantil. A organização dos espaços e
tempos está diretamente relacionada às perspectivas de cuidado e educação inerentes às
práticas pedagógicas oferecidas.
A rotina das crianças é outro ponto que se destaca na observação. Foi possível perceber a
ausência de flexibilidade em relação aos horários e ás atividades oferecida. Estão presentes
práticas repetitivas, sem diversificação, onde as crianças são tratadas de forma coletiva,
desconsiderando suas necessidades individuais. Ao chegar à escola as crianças são
encaminhadas para sala e recebidas pela professora, dando-se o nome de Acolhida a esta
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atividade, que acontece no início da aula. A professora convida as crianças a fazerem a
oração, cantar músicas que exercitam a memória e a coordenação motora. Em seguida,
recolhe os cadernos de atividade de casa e propicia as crianças um momento de conversa,
oportunizando que algumas crianças relatem casos vividos por elas.
No Recreio, as crianças são levadas coletivamente aos banheiros, em fila, em seguida lavam
as mãos e são direcionadas a cantina, para serem servidas. Todas são orientadas a merendar a
refeição oferecida pela escola, mesmo assim, alguns trazem seus lanches de casa. Após
merendarem, são orientadas pelas auxiliares a ficarem quietas, com o discurso que “se
correrem podem cair e se machucar”, e que “ali é uma escola e que escola não é local de
correr”. As auxiliares justificam também que estas atitudes de controle são uma forma de
evitar atritos com os pais das crianças, pois dizem receber muitas reclamações quando as
crianças se machucam ou são atingidas pelos colegas.
O pátio da escola é pequeno e não possui brinquedos, as crianças permanecem neste local por
aproximadamente quinze minutos após o lanche.As crianças usam esse tempo/espaço para
correr, pular e inventar brincadeiras, sempre cerceadas pelas auxiliares que “vigiam” o
recreio. Transcorrido esse tempo as crianças são levadas para a sala, pelas auxiliares do
recreio, e orientadas a abaixarem a cabeça até a professora regente retornar. As atitudes aqui
relatadas seguem na contra mão do que é citado no RCNEI. “A interação social em situações
diversas é uma das estratégias mais importantes do professor para a promoção de
aprendizagens pelas crianças” (BRASIL, 1998, v,1, p.31). Portanto, seja qual for o momento,
o mesmo deve ser aproveitado de forma a auxiliar no aprendizado da criança.
Outra abordagem possível a partir da observaçãodo momento do recreio é a relação entre
cuidar/ educar/brincar. A brincadeira é a linguagem privilegiada da infância, portanto a
apropriação que as crianças fazem do mundo se constrói considerando também suas
experiências de brincar. Se pensarmos no binômio cuidar/educar como as ações que
possibilitam o desenvolvimento das crianças e no brincar como a maneira de produzir o
mundo, o recreio observado impede que as crianças vivenciem experiências significativas.
Ao longo das observações realizadas foram observados fatos que indicaram o distanciamento
entre o cuidar e o educar na organização das atividades pedagógicas. No primeiro momento
de trabalho em sala, após a acolhida, a professora organiza a turma em grupos visando a
interação e aprendizagem entre as crianças. A proposta de atividade é relacionada ao ensino
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temático trabalhado semanalmente e é apresentado ás crianças através de folhas xerocadas,
um exemplo disso foram as atividades para trabalhar o alfabeto, partindo da letra inicial do
nome de cada aluno, construindo cada letra, através de colagens, recortes, coloridos, pintura.
No segundo momento, após o recreio, a professora aplica uma segunda atividade também
relacionada ao conteúdo. As crianças são orientadas sobre como fazer a atividade e as
executam de acordo com o permitido, enquanto a professora corrige os cadernos de para casa
e se organiza para a colagem da primeira atividade no caderno de sala.
Durante as observações das aulas pode-se perceber que quanto ao educar e ao cuidar existe
um vago entendimento nas práticas das professoras sobre como trabalhá-los associados. Ora
as práticas pedagógicas são oferecidas com a intenção exclusiva de educar e ora com a
intenção de cuidar, não sendo percebidas as práticas que consideram o “Educuidar”.
No final de cada bimestre acontece a semana avaliativa, é cobrado pela gestão que todas as
turmas passem por uma Avaliação contendo todo o conteúdo dado em sala, as atividades da
prova são semelhantes às atividades vistas pelas crianças no decorrer da etapa, a professora
faz uma leitura parcial e deixa que as crianças desenvolvam livremente em suas respostas.
Essas avaliações são corrigidas e organizadas em envelopes, para serem entregues aos pais no
dia da reunião.
A professora regente desenvolve um projeto com as crianças para ser apresentado na escola e
escolhe um tema que será desenvolvido paralelamente às outras atividades, com as crianças
em sala. Em um dos projetos presenciados por nós, foi trabalhada em sala a literatura dos três
porquinhos, com atividades como contação de histórias, colorir, colagem, pinturas e
construção de casinhas, para serem adaptadas em formato de maquete. De acordo com o
RCNEI
Os projetos são conjuntos de atividades que trabalham com conhecimentos
específicos construídos a partir de um dos eixos de trabalho que se organizam ao
redor de um problema para resolver ou um produto final que se quer obter. Possui
uma duração que pode variar conforme o objetivo, o desenrolar das várias etapas, o
desejo e o interesse das pelo assunto tratado. (BRASIL, 1998,v,1, p.57).
A participação das crianças na construção dos projetos é contrária ao previsto pelo RCNEI,
uma vez que grande parte das tarefas do mesmo é realizada pelas professoras. Foi possível
observar que as dificuldades em associar o educar e cuidar, parecem estar ligadas ao espaço
oferecido e à liberdade para se trabalhar. Há uma cobrança constante no cumprimento das
metas da escola, por parte da gestão.
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Cuidar e Educar: as perspectivas das professoras
A entrevista realizada com as professoras era composta de oito temáticas. Para este trabalho
far-se-a a análise de somente duas das questões apresentadas para as professoras.
Foi perguntando às professoras o que elas compreendem como Cuidar e Educar no contexto
da Educação Infantil? Rosa e Tulipa tiveram respostas similares, respondendo que o cuidado
requer comprometimento com o outro, ser solidário com suas necessidades, confiando em
suas capacidades. É sobretudo dar atenção a criança como pessoa que está em um contínuo
crescimento e desenvolvimento. Margarida respondeu que a ação de Cuidar e Educar são
processos interligados, pois uma completa a outra. A docente indica compreender que os dois
princípios são indissociáveis, sendo necessária a junção dos mesmos para um trabalho
pedagógico de qualidade. Corroborando com as ideias apresentadas pela docente, Craidy e
Kaercher (2001) colocam o Cuidar e o Educar como dois processos complementares e
indissociáveis, voltando a afirmar que a criança nesta fase necessita sempre de atenção,
carinho e segurança, aprendendo a partir das experiências direta com o mundo e com as
pessoas que a cercam.
Ainda refletindo sobre o cuidar e o educar, a docente Gardênia em sua fala descreve tais
conceitos como uma forma de se ensinar com amor, aplicar conteúdos adequados, observar a
criança em seu contexto social e emocional. A fala da docente remete a importância de se
educar e cuidar de uma criança por meio de laços afetivos, pois é dessa forma que a mesma
aprenderá a respeitar o outro e a si mesmo. Quando a criança percebe que está sendo
realmente amada, se sente estimulada, e se desenvolve com mais facilidade.
Os laços afetivos que constituem a interação Professor-Aluno são necessários à
aprendizagem e independem da definição social do papel escolar, ou mesmo um
maior abrigo das teorias pedagógicas, tendo como base o coração da interação
Professor Aluno, isto é, os vínculos cotidianos. (AQUINO, 1996, p. 50)
Florípedes concebe o cuidar e o educar como forma de se proporcionar a criança
aprendizagens bem orientadas, e permitindo a interação com o outro, aprendendo de forma
diversificada com aceitação, respeito e confiança. Cuidar é considerar, valorizar e ajudar o
outro a se desenvolver. A docente Florípedes assim como Gardênia valoriza os conteúdos e as
aprendizagens adequadas para as crianças. Florípedes vai mais além quando diz que tais
aprendizagens devem permitir a interação com o outro, pois é desse modo que a criança irá
adquirir conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural. Florípedes em sua fala faz
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uma separação entre o cuidar e o educar, indicando as ações relacionadas ao cuidado e
destacando que as ações de educar acontecem mais em sala de aula.
Mediante as falas das docentes, podemos perceber que elas não deixam claro seu
entendimento acerca do cuidar e educar como ações indissociáveis. Embora o discurso de
algumas das professoras esteja muito próximo das ideias encontradas no RCNEI, em alguns
momentos as ações de cuidar e educar são claramente apontadas como momentos realizados
separadamente na rotina das crianças, o que pode indicar que provavelmente as professoras
não se sentem seguras para apontar a indissociabilidade entre esses dois termos.
Foi perguntado às docentes se é de sua responsabilidade cuidar e educar. Rosa respondeu
apenas que o cuidar e educar são valores fundamentais de direito de todos os cidadãos, mas
não se posicionou quanto a sua responsabilidade de trabalhar esses dois princípios. Margarida,
Gardênia e Tulipa responderam que sim, mas que isso não se restringe apenas a elas, mas que
equivale a todos dentro do processo educativo. Florípedes respondeu que não, que esses
processos não são apenas de sua responsabilidade, devem ter a participação da família e de
todos que atuam dentro da Instituição de ensino.
Perante as colocações das docentes, percebe-se que estas têm consciência de suas ações como
professoras da Educação Infantil, e não se eximem de seu papel de cuidar e educar, mas
também não se julgam como únicas responsáveis dentro desse processo, corroborando com
esta concepção Didonet (2003, p.08) afirma que “Cuidar e Educar são ações intrínsecas e de
responsabilidade da família, dos professores e dos médicos. Todos têm de saber que só se
cuida educando e só se educa cuidando”.
Após analisarmos todas as questões foi possível perceber através das falas das professoras,
que muitas vezes elas não significavam o binômio cuidar e educar de maneira indissociável,
recorrendo em suas respostas a um discurso pronto que não se traduzia nas práticas
observadas. O profissional da Educação Infantil precisa estar ciente de que suas práticas de
ensino devem sempre integrar o cuidar e o educar. No confronto entre as observações e os
questionários percebemos em algumas situações que as práticas das professoras sujeitos de
nossa pesquisa não condiziam com suas falas, indicando que não basta o conhecimento
teórico do assunto, se não houver uma intenção de efetiva-los na proposição das práticas.
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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Na coleta de dados, via entrevistas e observações, constatamos que as professoras pesquisadas
provavelmente não construíram uma compreensão de “não separação” entre as ações de
cuidar e educar, indicando muitas vezes em suas falas e em suas práticas o educar e cuidar
como uma dupla tarefa. Algumas delas associam o cuidar ao atendimento das necessidades
básicas da criança, demonstrando através de suas falas ser esta uma prática mais distante da
ação docente. Quando questionadas a respeito de suas responsabilidades quanto ao cuidar e
educar, afirmaram que tal ação deve ser realizada tanto por elas quanto por todos os
envolvidos no processo educativo da criança. Ao analisarmos as práticas das docentes no
ambiente escolar, percebemos que o cuidar e educar não assumem as dimensões contempladas
nas pesquisas sobre a Educação Infantil, desconsiderando princípios importantes para o
educuidar como a relação com a organização dos espaços e tempos e com o brincar.Indica-se
que ao propor a educação desvinculada do cuidado e o cuidado desvinculado da educação,
deixa-se de proporcionar as crianças da educação Infantil experiências significativas que
poderiam contribuir para seu desenvolvimento. Uma questão que se coloca após a análise dos
dados é pensar que formação permitiria ao professor de educação infantil integrar o cuidar e o
educar de maneira única, tendo o educuidando como um avanço das práticas presenciadas na
escola?
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Tecendo Diversidades e Brincadeiras
Margarida de Sousa Barbosa¹
Janaina Maria Vicente da Silva²
As crianças enxergam além do que podemos ver com olhar de adultos. Possuem uma
sensibilidade de perceber tudo a sua volta e inventar. Ser princesa, ser herói, ser bruxa,
simplesmente ser...Considerando as singularidades de meninos e meninas de uma unidade
municipal de educação Infantil da cidade de São Paulo propomos o uso de materiais não
estruturados na brincadeira, destacando o uso do tecido. As crianças tinham entre cinco e seis
anos e por meio desses materiais puderam agir, pensar, criar, recriar, ressignificando o mundo
que as rodeia. Levamos o tecido para a brincadeira criando cabanas, modificando o espaço do
parque. Em seguida, as crianças criaram livremente brincadeiras com eles. Surgiu o brinquedo
de vestir que viabilizou uma pesquisa sobre diversos tipos de vestimenta com enfoque na
burca muçulmana, nos trajes africanos, finalizando com uma manifestação cultural brasileira
que as crianças chamaram de “Bumba-meu-brilho”. Experienciasestas, que oportunizaram
construir uma imagem positiva de si e ricas condições de viver suas infâncias.
Palavras chave: Educação Infantil, tecidos, brincadeiras, jogo simbólico, culturas infantis,
protagonismo.
O trabalho foi desenvolvido no ano de 2014 com duas turmas de Infantil II (crianças
de seis e cinco anos), no primeiro turno da EMEI Profª Laura da Conceição Pereira Quintaes,
localizada no Itaim Paulista, periferia da cidade de São Paulo. Essas turmas utilizavam os
espaços externos juntas, organizada pela linha de tempo da Unidade Educacional e dessa
forma, privilegiando o brincar, currículo permanente na Educação Infantil nós, Margarida e
Janaina, professoras das respectivas turmas trouxemos propostas de materiais não
estruturados e de intervenções no parque. Neste mesmo ano o projeto coletivo desenvolvido
na unidade educacional estava relacionado as questões étnico raciais e a diversidade
contemplado no Projeto Político Pedagógico da escola.
¹Professora
de Educação
Infantil
da Prefeitura
Municipal
de Sãopróprio,
Paulo suas expressões, sua
Convivendo
com as
crianças,
observando
seu universo
²Professora
de Educação
de Prefeitura
Municipal
deseus
São pares
Paulo em diferentes espaços,
forma
de explicar
o mundoInfantil
e a interação
que estabelece
com
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tempos que constituem suas culturas próprias, propomos às crianças a utilização de materiais
não estruturados como elemento propulsor do jogo simbólico tão importante para primeira
infância. Dentre os materiais utilizados que vão desde tampinhas àcaixas de papelão,
destacamos o uso de tecidos.
O brincar éuma das características essenciais da infância e o uso destes materiais
propicia a construção de espaços, tempos e brincadeiras na rotina das crianças, levando-se em
consideração o que pensam, sentem, desejam e interagem. Através desses materiais elas agem
e pensam, modificam seu uso, os transformam ressignificandodessa maneira o mundo que as
rodeia. Usam o jogo simbólico para se colocar no lugar do outro, viver papéis diferentes e
assim conhecer e respeitar a diversidade e outros pontos de vista.
Nesse contexto o papel do educador éfundamental na medida em que propicia um
ambiente acolhedor, propulsor de experiências e aprendizagens, além de materiais
desafiadores, estéticos e versáteis, como nos diz GIROTO(2013)
“para isso, éfundamental que os objetos e todo o espaço tenham sido
planejados para as crianças de fato. Que os materiais sejam organizados ao
seu alcance e de maneira compreensível para que possa guardá-los e
recuperá-los. Que ela possa agir sobre os objetos e interferir no espaço com
autonomia e criatividade.”
Trazendo os tecidos queríamos valorizar a brincadeira, oferecer materiais e espaços
para que as crianças pudessem criá-las com liberdade e alegria, e assim expressarem suas
curiosidades e sua maneira especial de entender o mundo. Através deles respeitar o outro,
interagir com seus pares e ser respeitado e ouvido pelos adultos. Sendo assim, os tecidos
seriam uma possibilidade de escuta das crianças “escuta, portanto, como metáfora para a
abertura de ouvir e ser ouvido _ ouvir não somente com as orelhas, mas com todos os nossos
sentidos ( visão, tato, olfato , paladar, audição e também direção).”(RINALDI, 2012). Os
tecidos também trouxeram outra vertente, a de apropriar-se da nossa cultura através das festas
e manifestações populares, em que estes enchem os olhos de magia e dança, assim
entendendo a nossa história e a constituição do nosso povo.
A primeira proposta era de criar “cabanas”com tecidos grandes e modificar os
ambientes do parquinho, tendo outro olhar sobre os brinquedos, pensando em
novaspossibilidades de uso e funções, além de propiciar uma interferencia estética. A
iniciativa foi muito bem recebida pelas crianças que viram uma oportunidade de se
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expressarem e criarem enredos para suas brincadeiras.Isso desencadeou o próximo passo:
levamos os tecidos para o parque, mas desta vez deixamos que a exploração dos mesmos
acontecesse de maneira livre, as crianças poderiam pegar e levar para onde quiserem e como
quiserem e nossa participação foi de observação, interferindo somente quando necessário para
amarrar ou desamarrar um tecido. O que vimos foi extremamente rico: as crianças muito
felizes, sentindo-se empoderadas e donas de suas brincadeiras, criaram novos espaços
principalmente nas goiabeiras do parque que se transformaram em uma casa, com várias
divisões que representavam os quartos que iriam dormir, outros fizeram um piquenique
usando potes de areia representando a comida e outros uma rede para se balançar.
Então os tecidos foram para a sala e se constituíram como cantinhos, com eles as
crianças criaram várias roupas, vestimentas e cabanas. Percebendo o interesse das crianças
pelas roupas trouxemos como suporte o livro “Moda para Crianças”que traz de maneira
resumida a história da moda e a moda em diferentes culturas. Trouxemos também imagens de
vários tipos de vestimentas da humanidade através dos tempos, assim como, roupas e tecidos
dos vários povos. Neste momento, os véus muçulmanos chamaram atenção das crianças,
principalmente o uso da burca das mulheres do Afeganistão. Desse interesse as crianças
sugeriram vivenciar o uso de um tecido grande sobre suas cabeças representando a burca,
queriam saber se conseguiriam fazer atividades do dia-a-dia com ela, ou seja, se conseguiriam
subir escadas, beber água, andar pelo parque. Assim o fizemos, as crianças perceberam a
dificuldade em usar essa vestimenta e ao mesmo tempo disseram estar muito felizes e que
gostariam de usar mais vezes, o que provocou na professora um estranhamento. Porém, meses
depois, quando viram os registros desta experiência elas explicaram que gostaram no sentido
de superar as dificuldades da burca, que conseguiram subir as escadas, beber água e atébrincar
apesar do desafio de usá-la. Na turma isso gerou muitas discussões e debates sobre as
questões de gênero e sobre as roupas das mulheres, quem deve decidir o que a mulher veste
ou não e porque essa decisão deve ser respeitada por todos, além de respeitar o modo de ser e
vestir de outras culturas. Aproveitando o tema e o fato da ganhadora do Premio Nobel da Paz
ter sido Malala Yousafzai, pesquisamos sua vida e sua luta pelas meninas do mundo terem
direito à Educação.
A experiência com os tecidos foi tão significativa que permeou o trabalho durante o
ano todo. Sendo assim, o projeto da Unidade Educacional em consonância com o currículo
sobre diferenças e diversidade em que trazia à tona as questões étnico-raciais e de identidade,
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foi proporcionado diferentes experiências como: as leituras simultâneas com a temática dos
cabelos, filmes e contos africanos em que as crianças apropriaram-se de nossa cultura e mais
uma vez a riqueza de suas vestes chamaram a atenção. Entre as leituras, o livro “O Casamento
da Princesa”de Celso Sisto encantou as crianças, e mais uma vez as vestimentas dos
personagens da ilustração do livro foi alvo de interesse e surgiu como repertório em suas
brincadeiras, principalmente nas dramatizações em que as crianças experimentaram viver os
personagens, a história e suas roupas também escolhidas e criadas com os tecidos presentes na
escola.
Ainda dentro do tema em relação às diferenças, foi organizado um desfile por todas as
turmas da Unidade Educacional em que o foco era a valorização de seus cabelos naturais,
jáque havíamos percebido que muitas meninas alisavam seus cabelos ou tinham vergonha
dele solto e o evitavam a todo o momento molhando os fios que saiam do penteado. Sendo
assim, utilizamos os tecidos para compor roupas inspiradas em trajes africanos, resgatando
nossa história e a nossa identidade como povo brasileiro. Essa experiência permitiu que as
crianças conhecessem sua história e origem e tivessem orgulho de ser como eram, vimos
meninos e meninas empoderados e felizes em se ver aceitos, bonitos e reconhecidos, por isso
decidimos que compartilharíamos com a comunidade em nossa Mostra Cultural. Montamos
um tapete vermelho e música para que todas as pessoas ali presentes (familiares, funcionários,
pessoas da comunidade) pudessem desfilar, seus cabelos e seus modos diversos de vestir-se.
Fizemos a visita ao museu Afro Brasil e láas crianças conheceram pontos decisivos de
nossa história como a vinda dos povos africanos para serem escravizados, viram as diversas
manifestações religiosas, as vestimentas dos orixás e as festas populares que nasceram da
influencia dos vários povos que constituíram o Brasil, entre elas o Bumba-Meu-Boi. As
crianças se encantaram com os personagens e se interessaram pela história e pela festa.
Fizemos com eles várias pesquisas, viram vídeos e leram livros, dentre eles o livro “BumbaMeu-Boi” de Estela Barbieri foi uma grande referência para elas e por isso escolheram essa
festa como apresentação para a Mostra Cultural, com a encenação da história e a dança, além
da confecção do Boi e da Burrinha.
Fazer o boi foi um processo muito divertido e rico, pois quiseram usar os chifres de
verdade tal qual o que viram no museu, usaram jornal para compor a cabeça e tampinhas de
garrafa para os olhos, mas os chifres eram muito grandes e tiveram que fazer várias cabeças
para que ficasse de fato parecido com o boi das festas. Ficaram muito orgulhosos do seu
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trabalho e resolveram batizá-lo de Bumba-Meu-Brilho. A confecção da Burrinha foi feita com
caixas, tecidos e caixas de leite, as crianças pintaram, deram uma carinha para ela e colocaram
muito brilho. Se divertiram muito nas dramatizações e fizeram seriamente um trabalho de
pesquisa da dança, as roupas dos personagens também foram pensados e criados pelas
crianças e nos surpreendemos como dançaram com alegria e conhecimento. Elas envolveram
suas famílias neste processo, jáque estas tem origem nordestina e assim puderam resgatar a
sua memória e cultura.
Todo trabalho foi registrado e documentado por nós e pelas crianças, através de fotos,
desenhos, gravações de áudio das conversas e vídeos, isso permitiu com que pudéssemos
retornar ao trabalho e às experiências fora do momento vivido, facilitando e elucidando o
planejamento e fazendo com que as crianças ao terem acesso a eles pudessem também avaliar
o processo, a si mesmas e a seus pares.
Diante disso percebemos como a simplicidade e a versatilidade dos tecidos foram
propulsores das brincadeiras e de todo o trabalho desenvolvido no decorrer do ano. Foram
instrumentos da escuta, pois através deles conseguimos ouvir, olhar, sentir o que as crianças
pensavam, criavam, sonhavam e conheciam; através deles as crianças se comunicaram, se
expressaram, aprenderam, brincaram; através deles foram protagonistas, ressignificando
espaços, inventando brincadeiras, personagens e enredos; através deles as crianças tornaram
visível sua cultura, seus modos de ver o mundo e de estar nele; através deles conhecerem
elementos de nossa cultura aprendendo a valorizar as diferenças e a construir sua identidade
de maneira positiva além de respeitar a dos outros.
Consideramos, portanto, essencial dar às crianças oportunidade de expressão através
do brincar e incentivado a ludicidade oferecendo recursos, espaços e tempos para que elas
possam ser respeitadas e compreendidas em sua forma de entender e agir no mundo, sendo
reconhecida como produtora de cultura, a cultura da infância!
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Os bebês e a brincadeira livre na creche: concepções e práticas86
Maria Ephigênia de A. C. Nogueira87
Andréa Costa Garcia88
RESUMO
O artigo relata uma pesquisa de observação com bebês de 1 a 2 anos e a brincadeira livre na
creche. O trabalho de observação foi desenvolvido em um Centro de Educação Infantil da
rede pública da cidade de São Paulo, de fevereiro de 2013 a dezembro de 2014. Por meio do
questionamento da liderança formal da creche sobre o brincar livre, buscou- se compreender
os espaços, brinquedos e materiais à disposição dos bebês, concebidos como sujeitos criativos
e em interação. Com metodologia de abordagem qualitativa, envolvendo estudo de caso único
e investigação-ação, as concepções dos educadores em relação ao espaço, brincadeiras, papel
do adulto na mediação foram se transformando a partir do apoio à liderança formal da escola.
A formação continuada, o desenvolvimento profissional, a cultura docente e a cultura
institucional se reorganizaram a partir de concepções e práticas favoráveis à autonomia dos
bebês.
PALAVRAS – CHAVE: bebê, brincadeira livre, creche, espaço, brinquedo
INTRODUÇÃO
O presente artigo aborda a pesquisa sobre a qualidade do espaço do brincar, dos
brinquedos e das brincadeiras para bebês de 1 a 2 anos, a partir do estudo das concepções e
práticas educativas das lideranças formais da creche - diretora e coordenadora pedagógica e
das professoras. A pesquisa foi desenvolvida em um Centro de Educação Infantil – CEI, da
rede pública da cidade de São Paulo de fevereiro de 2013 até dezembro de 2014. O interesse
surgiu do trabalho colaborativo de duas pesquisadoras, uma atuando no ensino superior
visando aproximações da prática educativa das instituições de atendimento à primeira infância
e suas concepções; a outra na supervisão escolar da rede municipal de ensino, com o objetivo
de ampliar a compreensão teórica sobre a prática educativa dos profissionais em relação ao
86
Este trabalho é fruto de pesquisa profissional realizada de fevereiro de 2013 a dezembro de 2014 pelo Contexto Integrado
de Educação Infantil - (CIEI) FEUSP
87
Doutora em Educação, Pesquisadora do Contexto Integrado de Educação Infantil – (CIEI) FEUSP e Docente no Ensino
Superior.
88
Mestranda em Educação, Pesquisadora do Contexto Integrado de Educação Infantil – (CIEI) FEUSP e Supervisor Escolar
na rede municipal de São Paulo.
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brincar. O objetivo compartilhado consiste em articular as produções teórico-metodológicas
com o cotidiano da educação infantil, as concepções e as práticas educativas dos profissionais
da instituição em relação ao brincar, discutindo o ambiente da creche, o espaço e objetos para
o brincar livre dos bebês de 1 a 2 anos.
JUSTIFICATIVA
O relato da liderança formal da escola indicava a necessidade de desenvolver um
trabalho de qualidade junto às crianças atendidas, no brincar livre infantil.
Havia na cultura institucional uma ênfase no que se refere à padrões de higiene,
limpeza e organização no CEI o que de forma associada gerava uma insatisfação dos
educadores em relação ao tempo institucional, considerando que o mesmo envolvia inúmeras
ações de cuidado como: alimentação, trocas, higiene, sono, organização e que isto dificultava
a organização de uma rotina que valorizasse momentos específicos para o brincar livre. O
pouco tempo restante era dedicado a atividades dirigidas de acordo com o plano de trabalho.
A maior dificuldade foi apontada pelas educadoras do berçário, as quais afirmavam ser
bem difícil garantir momentos de brincadeira livre, por não terem brinquedos para todos e
pelas dificuldades das crianças em dividir os brinquedos e brincarem juntas. Referiam-se às
crianças como egocentradas, mimadas e muito “choronas”. A fala recorrente concebia o
brincar como um “peso”, ainda que defendessem a importância de garantir estes momentos.
As formas de ocupação do espaço também foram apontadas pela Equipe como um
problema a ser enfrentado. Nas salas de atividades, os brinquedos e os objetos eram
oferecidos pelo professor, em momentos e com formas pré- estabelecidas e não estavam
acessíveis aos bebês, o que segundo a equipe gestora precisava ser revisto, porém reiteravam
sua dificuldade em visualizar e implementar diferentes formas de organização do espaço
coletivo que favorecesse o brincar e as interações.
Além da necessidade apontada pela instituição, a pesquisa justifica-se pelo pequeno
número de estudos no que se refere à educação de bebês no Brasil e da concepção apresentada
pelos educadores quanto às possibilidades ou não de aprendizagem dos bebês na creche. Na
pesquisa concebemos os bebês como seres ativos, curiosos, criativos, capazes e competentes,
com desejo de conhecer e explorar o mundo de forma singular e contextualizada. Pretende-se
assim ampliar os conhecimentos a respeito da educação de bebês em espaços coletivos,
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destacando a escola como segunda instituição social que a criança freqüenta. Considerando a
criança como ser integro, os educadores passam a ocupar relevante papel de mediação, seja na
montagem do espaço da brincadeira ou na permissão para o brincar, pois esse espaço, pode
tornar-se, com a mediação do adulto- professor, um ambiente para brincar, com cenários que
propiciam vivências e experiências cotidianas, promovem o desenvolvimento do repertório
infantil e de aspectos culturais. Nesse sentido, a escola, torna-se um espaço de desafios e
explorações, assim como de construção de si, do outro e do mundo.
Justifica-se assim a pesquisa, pela necessidade de reconfigurar o ambiente da creche,
como um espaço enriquecido em cenários, objetos, mediações e possibilidade de exploração
livre como parte integrante do trabalho educativo (Kishimoto, 2012). Os bebês como seres
ativos, curiosos, criativos, capazes e competentes, com desejo de conhecer e explorar o
mundo de forma singular e contextualizada e a escola como local privilegiado de vivências,
experiências e conhecimento do mundo.
OBJETIVOS
A investigação está voltada ao bebê, em brincadeira livre, no espaço da creche e às
concepções das professoras diante deste brincar.
O objetivo é compreender o papel da liderança formal da creche e dos professores,
como parceiros e mediadores das brincadeiras infantis.
A pesquisa propõe a discussão sobre concepções teóricas sobre o brincar e a qualidade
do brincar, tendo o bebê como sujeito e a infância como categoria sócio-histórica associada á
análise de concepções das professoras e como essas se refletem na prática educativa.
REFERENCIAL TEÓRICO
Os autores que oferecem sustentação teórica ao trabalho são Kishimoto 1990, 2007;
nas discussões sobre jogo, brinquedo e brincadeira, Sarmento, 2008; Forneiro 1998, Qvortrup,
1995, na consideração da criança como agente, com direitos e destacando-se como um deles
o brincar, que ocorre num contexto social, histórico e cultural e a infância como etapa da vida.
Bandiolli e Mantovani, 1988, tratam do desenvolvimento do bebê, assim como Goldschmied
& Jackson,2006; Kishimoto, 2012, que exploram as atividades dos bebês nas creches, as
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práticas educativas mais significativas que promovem o desenvolvimento e a aprendizagem
infantil. A prática educativa e a desenvolvimento profissional no sentido de uma pedagogiaem-participação Oliveira-Formosinho, Kishimoto e Pinazza, 2007, nos trazem o desafio da
aprendizagem em companhia, no coletivo da escola. A metodologia de pesquisa terá a
fundamentação teórica nos autores Denzin e Lincoln, 2006, os estudos de caso com
Formosinho-Oliveira, Kishimoto, 2002, Yin, 2005 e Stake, 1999.
METODOLOGIA
O projeto foi delineado em conjunto, pelas pesquisadoras e equipe do CEI. A pesquisa
foi organizada a partir de duas frentes de atuação, uma com os bebês e outra com os
educadores.
Os encontros formativos tinham como objetivo problematizar a visão de criança,
discutir as necessidades formativas da primeiríssima infância e o brincar livre numa
perspectiva em que o currículo foi repensado, a partir da organização dos espaços, do tempo,
dos materiais e das mediações necessárias para um brincar de qualidade.
A pesquisa se caracterizou como investigação de inspiração etnográfica, a partir de
uma abordagem qualitativa, tendo o estudo de caso como uma das modalidades e enquanto
lócus um caso único no espaço de uma instituição de educação infantil – CEI (centro de
educação infantil), mais especificamente um agrupamento de berçário II formado por 9 bebês
de 1 a 2 anos, que conta com a presença de 1 professora, que será acompanhada nas atividades
de atividades livres, de 1 a 2 vezes por semana, totalizando duas horas semanais
Para Oliveira-Formosinho ao considerar a pessoa dentro de um contexto educacional e
social e ao realizar a pesquisa, apresenta no seu modus faciende operatório, a possibilidade de
desenvolver uma abordagem ecológica e sócio-construtivista. A abordagem ecológica e
sócio-construtivista tem como conteúdo a ser estudado a história de formação e profissão
docente, sendo os instrumentos para o estudo de caso, a coleta, análise e interpretação da
informação. As técnicas utilizadas são de observação do cotidiano da creche, nas atividades
das brincadeiras livres das crianças, de entrevistas semi-estruturadas, de narrativas e de
histórias de vida profissional, da coordenação pedagógica e das professoras e da participação
nas reuniões de formação continuada.
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A imersão do pesquisador, na realidade a ser problematizada, com o intuito de
conhecer, descrever e analisar as relações e experiências vividas por bebês de 1 a 2 anos e
seus professores, em relação a brincadeira livre, em instituições de educação coletiva, surge
como elemento importante no desenvolvimento da investigação.
Como recursos metodológicos foram utilizados os seguintes procedimentos para coleta
dos dados: observações participantes, anotações e descrições de cenas em diário de campo e
fotografias. Estas estratégias foram escolhidas por possibilitarem a compreensão das relações
estabelecidas entre as concepções e as práticas desenvolvidas junto ao brincar livre na creche.
DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA
A primeira etapa consistiu em entrevistas com a Equipe gestora e as educadoras do
berçário que estariam envolvidas mais diretamente na pesquisa e análise documental do
Projeto Pedagógico da Unidade e Plano de Trabalho da Instituição.
O Projeto Pedagógico da Instituição refere-se às Diretrizes Curriculares Nacionais
para Educação Infantil, considerando as brincadeiras e interações como eixos da prática
pedagógica, com definição de momentos para brincadeiras diariamente no parque e na sala, o
que por outro lado, segundo os próprios educadores, muitas vezes não acontecia pois
passavam uma grande parte do tempo nas ações de cuidado e organização do ambiente.
Na leitura do projeto político pedagógico da creche há a referência ao brincar livre na
proposta pedagógica e no horário das rotinas das turmas na escola. A queixa da coordenação
pedagógica sobre o brincar livre se detinha na pergunta sobre a compreensão da concepção do
brincar pelas professoras e como essa compreensão se revelava no cotidiano da creche. Para a
coordenação o que se revelava presente no cotidiano escolar era deficiente, e o discurso sobre
o brincar havia se tornado um chavão, um slogan sem preocupação de reflexão a partir prática
educativa.
Para dar o apoio ao processo de formação continuada na creche e ao desenvolvimento
profissional da coordenação pedagógica, a investigação partiu da discussão sobre o ambiente
e como esse pode se tornar um espaço desafiador e significativo para os bebês. Para melhor
concretizar a mediação junto à coordenação, partiu-se do diagnóstico realizado por ela sobre
as dúvidas das professoras quanto ao brincar: O brincar como algo sério ou não sério do ponto
de vista da criança? O brincar era coisa de criança, mas como deveria ser organizado pela
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professora? O que se discutia como sendo as características do brincar livre infantil? Como se
relacionam o brincar e a prática curricular? Quais eram as estratégias utilizadas no brincar
livre? A partir daí discutir as práticas e as concepções presentes no cotidiano da creche.
A segunda etapa foi iniciada com a presença das pesquisadoras junto ao grupo de
bebês na observação dos momentos de brincar livre.
A Unidade possui três agrupamentos de berçário II, crianças de 1 a 2 anos com nove
crianças em cada um, que permaneciam juntas num mesmo salão como sala de referência,
num total de 27 crianças e suas três educadoras que se alternavam entre as atividades
pedagógicas e de cuidado para todas as crianças.
As crianças eram mantidas grande parte do dia neste amplo salão vazio, em tempo de
espera. Em outros momentos o brincar aparecia como situação exploratória, no aguardo para
troca e as educadoras se revezavam, enquanto duas trocavam as crianças ou organizavam a
sala, a outra permanecia com as crianças que “brincavam livremente”.
Corriam por todos os lados, aconteciam muitas disputas entre os bebês e nos
momentos de atividades propostas pelas educadoras eram organizados em roda ou
enfileirados, encostados nas paredes ou com o “bumbum” no chão por solicitação das
educadoras.
Os momentos de brincar de forma geral eram orientados e os brinquedos
acondicionados em caixas, localizadas no alto dos armários ou estantes eram apresentados e
distribuídos pelas professoras aos bebês antes do início das brincadeiras.
Foram identificadas duas formas de lidar com o brincar das crianças. Uma, em que o
papel das professoras consistia em distribuir materiais e controlar os bebês, orientando os
comportamentos e por vezes interagindo para demonstrar alguma forma de lidar com o
brinquedo ou dar orientações, mediante o “controle” do lúdico. Outra, em que as professoras
se restringiam a “deixar brincar”, a partir de uma concepção romântica, somente intervindo na
solução de algum conflito para garantir a segurança das crianças.
Não havia diversidade de materiais ou planejamento prévio pelo professor na
organização dos espaços para brincar.
Encontramos um brincar empobrecido, com poucos materiais à disposição, ainda que a
escola dispusesse de um grande acervo de brinquedos, estes não estavam acessíveis às
crianças em seus momentos de brincadeiras livres, que ocorriam em espaços restritos,
ambientes pobres de recursos e sem mediação.
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Havia desconhecimento dos educadores em relação aos interesses dos bebês e o
brincar não era concebido pelas educadoras como algo potente.
Propusemos que cada grupo de 9 bebês com seu educador utilizasse outros espaços da
Unidade durante a jornada do dia, utilizando a sala de referencia somente para os momentos
de acolhida, sono e saída. A partir de então um grupo de 9 crianças e seu educador foram
acompanhados pelas pesquisadoras até o final do processo de investigação.
Surgida a demanda da Unidade de novas formas de organização do acervo de
brinquedos e do fato da unidade receber, durante o período da pesquisa uma grande doação de
brinquedos, procedemos ao levantamento de todo o acervo de brinquedos e dos espaços
disponíveis para brincar por meio de fotos que posteriormente foram apresentadas e
analisadas juntamente com a Equipe. Surge a ideia conjunta da organização de espaços para
brincar.
A modificação da organização do espaço começou na brinquedoteca e posteriormente
passou a se espalhar por todos os espaços disponíveis para brincar.
Destas discussões surgiu a proposta de organização dos brinquedos disponíveis em
cantinhos ou centros /áreas de brincar com organização a partir do equilíbrio entre áreas ativas
e calmas, quantidade de crianças por área...
As observações junto aos bebês se sucederam nesta nova forma de organização das
áreas do brincar, sendo o grande divisor de águas na percepção da própria educadora, que se
surpreende no primeiro momento, quando percebe que os bebês se mantinham imóveis
aguardando a “ordem” da professora para desenvolver suas brincadeiras.
Por homologia de processos, os professores passam a tomar consciência do seu
próprio fazer, observando as formas das crianças em interação diante do seu papel na
mediação, e o quanto pode ser aquele que oferece oportunidades e situações, construindo
pontes para a criança avançar em seu processo de aprendizagem. Da mesma maneira, se
constituem os processos de continuidade e permanência dos bebês na brincadeira livre.
RESULTADOS
Foi possível notar decorrido o tempo da pesquisa que os bebês passaram a ter a
garantia de um brincar livre, mediado pelo adulto que respeita os seus interesses.
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Passa a existir assim deste ponto de vista, uma íntima relação entre os processos de
aprendizagem docentes e os processos de aprendizagem dos bebês.
Após o desenvolvimento da pesquisa é possível constatar algumas transformações no
contexto da prática educativa, a partir da mudança de concepção dos educadores em relação
às necessidades formativas das crianças proporcionando um redirecionamento das formas e
ofertas de brinquedos e na reorganização dos tempos e espaços para o brincar livre na
instituição, principalmente junto aos bebês no berçário.
O espaço anteriormente dedicado à sala de vídeo e brinquedoteca foi modificado assim
como a ação dos bebês na brincadeira livre em que passaram a ter acesso aos brinquedos e
brincadeiras segundo suas preferências e escolhas.
Os brinquedos que anteriormente permaneciam acondicionados em caixas, sendo
oferecidos às crianças pelos adultos em momentos específicos, encontram-se agora
disponibilizados em estantes abertas e na altura do acesso das crianças, não só na
brinquedoteca, mas também nos diferentes espaços da escola e em diversos momentos do
cotidiano.
As fantasias forma retiradas do baú e colocadas na arara, os brinquedos
manufaturados foram disponibilizados, assim como materiais alternativos como sucatas de
diversos tipos.
Os bebês passaram a vivenciar oportunidades de criar e construir brinquedos,
vivenciar cantos temáticos com personagens e atuar em cenários que enriquecem o repertório
e vivências infantis, propiciando o lúdico em diferentes espaços e momentos da creche.
Os espaços da creche, antes vazios, sem identificação, encontram-se atualmente
preenchidos por brinquedos e cenários que convidam ao brincar, como o parque com
cavalinhos, gira-gira, amarelinha; o espaço da arte com os materiais de sucata, tintas, papéis
para a pintura na parede agora organizada para a expressão e exploração livre das crianças; o
galpão de entrada e saída das crianças, com estantes e brinquedos que permitem às crianças ao
entrar na escola e aguardar o horário da primeira refeição explorando e construindo
brinquedos em companhia com as outras crianças, a sala de atividades com estantes e
brinquedos ao alcance infantil, a brinquedoteca toda reorganizada e semanalmente oferecendo
novos desafios e oportunidades de brincar livremente.
O choro foi minimizado assim como as brigas entre os bebês. Segundo a Equipe
gestora, foram inclusive procurados pela vizinhança do CEI para saber o que estavam fazendo
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com as crianças que quase não choravam mais. A mesma sensação de contentamento foi
relatada pelos pais e pode ser percebida pelas próprias observações das professoras e das
pesquisadoras.
Atualmente os bebês têm iniciativa, lhes é permitido escolher o que querem brincar,
elegem os seus pares, brincam e guardam os seus brinquedos num ciclo com começo meio e
fim.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As rotinas da escola foram se modificando, novas práticas incorporadas alteraram a
forma de organização dos tempos e espaços e simultaneamente as ações e interações das
crianças e de seus educadores foram potencializadas.
As relações criança e adulto se modificaram, as crianças escolhem o canto temático e
o brinquedo, ao brincar relatam os conteúdos da brincadeira, procuram o colega a partir do
brinquedo, trocam os brinquedos, constroem seu espaço brincante. A criança passou a ser
percebida como sujeito e construtora de seu conhecimento no espaço da escola.
Ainda estão presentes muitos objetos industrializados, por vezes longe de um ideal de
infância, em espaços organizados pelos educadores, porém, considerando-se o percurso, o
processo de mudança aconteceu e o grande diferencial a ser destacado é que o movimento da
mudança veio da escola, de baixo pra cima.
O foco da pesquisa, de uma perspectiva colaborativa, foi potencializar a ação da escola
e de seus atores. Atualmente, decorrido o tempo, a própria Unidade, no papel da coordenação
pedagógica, tem buscado novas referências teóricas e metodológicas para orientar o seu
trabalho, organizando encontros formativos com seus educadores em parceria com a
Universidade, investindo na formação continuada e na busca constante de melhoria da
qualidade de ensino.
Pudemos notar que o espaço do brincar para as crianças pequenas, precisa da presença
de muito repertórios, caracterizados pela presença na hora da brincadeira, de objetos que
representem a vida real, por meio de temas, cenários presentes no ambiente que levem a
criança a poder brincar com essas representações concretas do mundo, como famílias de
animais, objetos de casa, do campo, dos animais da fazenda, dos animais domésticos, dos
animais selvagens, livros de histórias, brinquedos tradicionais, objetos em forma de cubos que
permitam a construção de casas e outros objetos que as crianças vão descobrindo a medida
que interagem com as crianças, professores, na família e em lugares que freqüenta.
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Nos estudos realizados até a presente data, após dois anos de permanência na Unidade
Educacional, verificamos que ainda há muito que caminhar no que se refere ao olhar da
Unidade sobre o brincar livre das crianças e que este processo não se encerra com a retirada
das pesquisadoras do campo, há que se construir um sistema de auto funcionamento em que
juntos educadores e crianças vivam a brincadeira como um momento de aprendizagem,
aprimoramento na construção de cenários, com mudanças permanentes.
A mediação do adulto se mostra cada vez mais necessária e nesta mediação cada vez
mais é preciso assumir seu papel junto ao brincar livre infantil para um brincar de qualidade.
Seja o professor assumindo personagens, oferecendo oficinas para ampliar o repertório dos
bebês ou observando os fazeres infantis para planejar sua ação educativa, incluindo cada vez
mais as famílias na compreensão do brincar infantil.
O empoderamento da Equipe e consequentemente os avanços nas práticas
implementadas junto às crianças foram os maiores ganhos da pesquisa.
Mais do que práticas, houve mudança nas concepções, em que os educadores passaram
a confiar no brincar da criança, concebendo este fazer infantil como algo relevante e
importante, dotado de valor em si, aprimoraram o como fazer, através da organização de
situações que oportunizam e facilitam o brincar dos bebês, passando a ensinar e aprender pelo
brincar.
O papel das pesquisadoras ao investir na mudança de concepções e consequentemente
de práticas orientou o olhar desde o princípio, não basta oferecer manuais, literaturas,
bibliografias de forma apriorística, mas sim, no momento certo, apresentar elementos que
podem atender às necessidades da Unidade.
Surgem bebês, aos poucos, como sujeito das experiências, processo articulado às
descobertas realizadas por seus educadores.
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A brincadeira na educação infantil: contribuições da Teoria Histórico-cultural
Mariana de Oliveira Faria89
O presente trabalho é um recorte da pesquisa de Mestrado que se encontra em
andamento acerca das contribuições da Teoria Histórico-cultural para a educação infantil, a
partir do estudo teórico de alguns autores dessa matriz teórica. Desse modo, tem-se como
objetivoapresentar importantes questões acerca do papel da brincadeira para os bebês e as
crianças, trazendoconceitos fundamentais da teoria, os quais contribuem para pensar o espaço
da educação infantil, considerando as especificidades do desenvolvimento da criança e a
importância da brincadeira nesse processo. A partir dos clássicos da Teoria Histórico-cultural,
sobretudo D.B. Elkonin, sabe-se que a brincadeira é considerada a atividade principal do
período pré-escolar da criança. Assim sendo, organizar o espaço da educação infantil a partir
da perspectiva histórico-cultural, é considerar que será por meio do brincar que importantes
aspectos no desenvolvimento da criança serão contemplados.
Palavras-chave:Brincadeira. Educação Infantil. Teoria Histórico-cultural.
89
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos (PPGE -
UFSCar).
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667
A organização do tempo em Escolas de Educação Infantil: reflexões sobre a prática
educativa90
Mariana Natal Prieto91
Amanda Valiengo92
Jeniffer de Arruda93
Resumo
Esta exposição retrata encaminhamentos de pesquisa de mestrado em andamento, com foco
em questões da pequena infância de modo especial repensar a organização do tempo em
Escolas de Educação Infantil (E.E.I.). Nosso objetivo é compreender aspectos indicativos da
organização do tempo em E.E.I.s municipais de Avaré (SP), focando os impactos dessa
organização para o processo de humanização na infância. A fim de cumprir o objetivo
proposto, propusemos ações investigativas bibliográficas e de campo, a partir de entrevistas
com oito professoras de cinco turmas de período integral de crianças de três anos em
diferentes Escolas de Educação Infantil do município de Avaré (SP), e observação em cada
uma das turmas. Tais ações têm como perspectiva confirmar ou refutar a hipótese de que a
organização intencional e consciente do tempo na Escola de Educação Infantil pode contribuir
efetivamente para expressões e aprendizagens das crianças e, consequentemente, para o seu
pleno desenvolvimento psíquico.
Palavras-chave: Educação, Educação Infantil, Organização do tempo.
Introdução e Justificativa
Este texto retrata percursos de proposta de pesquisa de mestrado 94 em
desenvolvimento traz como tema: “A organização do tempo em Instituições de Educação
Infantil”. O desejo por esse tema de pesquisa surgiu a partir de apropriações de detalhamentos
de investigação realizada por um grupo de italianos que, após um seminário sobre os diversos
tempos infantis, decidiu avaliar de que maneira esse tempo estava sendo distribuído em
escolas dedicadas à infância (BONDIOLI, 2004). Essas apropriações motivaram-nos a
90
Este texto é fruto de pesquisa de mestrado, iniciada em fevereiro de 2015 junto ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências, Unesp, Marília, SP.
91
92
Faculdade de Filosofia e Ciências, Unesp, Marília, SP; Mestranda em Educação.
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – Campus JK UFVJM; Professora do curso de
Pedagogia junto à Faculdade Interdisciplinar de Humanidades.
93
Faculdade de Filosofia e Ciências, Unesp, Marília, SP; Mestranda em Educação.
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repensar a realidade de Escolas de Educação Infantil (E.E.I.) brasileiras, em especial aquelas
que atendem crianças de até três anos de idade.
Tomando por base os estudos de Bondioli (2004), podemos afirmar que, no cotidiano
infantil, existe uma pedagogia implícita que ensina muito às crianças e contribui para o seu
desenvolvimento, a qual se expressa já na organização temporal. Contudo, em dependência
das relações que as crianças estabelecem durante o período em que estão na escola, suas
experiências podem ser negativas ou positivas ao seu desenvolvimento cultural.
Isso significa que a maneira como se organizam as ações, o modo como o espaço é
planejado para o desenvolvimento das atividades, o papel assumido por cada um (adulto e
criança) e o tipo de direção dada às propostas educativas desenvolvidas nesse período,
constituem-se como elementos que farão do dia a dia na E.E.I. positivo ou não e propulsor ou
não de aprendizagens que promovam o desenvolvimento amplo da personalidade e da
inteligência das crianças desde que nascem.
Refletir sobre a organização do tempo na E.E.I. implica, assim, pensar outras
questões essenciais para uma organização temporal consciente e intencional. Dentre essas
questões, refletir sobre o conceito desenvolvimento infantil é necessário, pois esse conceito,
atrelado a outros, embasarão a prática dentro da instituição.
Com base nessas reflexões surgiu a problemática desta proposta de pesquisa: de que
maneira a organização do tempo nas Escolas de Educação Infantil pode comtemplar o tempo
institucional e o tempo da criança, de forma a promover aprendizagens e o desenvolvimento
infantil.
Objetivo
Para responder a essa problemática lançamos como objetivo: compreender aspectos
indicativos da organização do tempo em E.E.I.s municipais de Avaré (SP), focando os
impactos dessa organização para o processo de humanização na infância.
Referencial Teórico
Este estudo toma por base os conceitos apresentados pela Teoria Histórico-Cultural e
seus representantes e estudiosos. Nessa perspectiva o desenvolvimento humano é histórico e
social e se dá por meio das relações que o sujeito estabelece, desde o nascimento, com os
outros e com o meio a seu redor.
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O homem não nasce dotado das aquisições históricas da humanidade.
Resultando estas do desenvolvimento das gerações humanas, não são
incorporadas nem nele, nem nas suas disposições naturais, mas no mundo
que o rodeia, nas grandes obras da cultura humana. Só apropriando-se delas
no decurso da sua vida ele adquire propriedades e faculdades
verdadeiramente humanas. (LEONTIEV, 1978, p. 282).
Com base nessa citação depreendemos que no decorrer de sua vida, o sujeito vai
adquirindo as capacidades que o farão homem. Desse modo, parafraseando Leontiev (1978),
podemos afirmar que o homem não nasce homem, mas se torna homem ao se apropriar de
elementos da cultura produzida pelas gerações anteriores e estabelecer relações com o outro.
Nesse processo, ele se humaniza. Para os representantes da Teoria Histórico-Cultural, a
educação é o pilar central dessa construção, pois o desenvolvimento se dará a partir do
momento que houver aprendizagens (VIGOTSKII, 1988; MELLO, 2002; VIGOTSKI, 2010).
Embasados na ideia de que o desenvolvimento cultural do homem se dá por meio de
aprendizagens decorrentes da atividade humana, faz-se necessário oferecer a criança um
ambiente rico em relações e atividades motivadoras para que seu desenvolvimento seja
impulsionado e se dê da maneira mais harmônica e plena possível. Afinal esse ambiente traz
estímulos implícitos, para os quais, muitas vezes, não damos valor. É necessário compreender
que tudo o que está ao redor da criança, pessoas, objetos, relações, tudo a afeta.
Dado que, atualmente, muitas crianças permanecem a maior parte do seu tempo nas
Escolas de Educação Infantil, e com isso grande parte dos estímulos e relações necessárias ao
seu desenvolvimento são dadas lá, é de grande importância discutirmos acerca da organização
temporal nessas instituições.
Na Educação Infantil, é possível destacar dois tempos. Segundo Bondioli (2004),
existe o tempo institucional que é construído historicamente e determinado pela sociedade, e o
tempo subjetivo que é individual da criança. Ressalta ainda que a organização do tempo “[...]
constitui, talvez, um dispositivo de socialização e aprendizagem” (BONDIOLI, 2004, p. 44).
Dessa forma, durante a organização do tempo na E.E.I., não deve se pensar somente
no tempo institucional, mas, sobretudo, no tempo individual das crianças, o seu tempo de
desenvolvimento e conhecimento do mundo.
Na organização do tempo, é essencial que haja oportunidade para a criança agir e se
apropriar de capacidades especificamente humanas tais como a atenção voluntária e a
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memória voluntária, por exemplo, com a garantia de que ela viva a infância como criança que
é. Nesse sentido, ao vivenciar o tempo institucional, a criança deve ter a oportunidade de
viver o seu tempo, no seu ritmo, que é único.
Essa organização consciente do tempo está intimamente ligada com a concepção de
criança existente dentro da E.E.I. Mello (2002, p. 1), em seu texto “O espaço e a imagem da
criança”, assinala deforma pontual:
[...] podemos conhecer as concepções das pessoas que trabalham nesses
espaços: a concepção de criança, de processo de conhecimento, a
importância que a criança tem nesse espaço, a importância que os pais
merecem nessa instituição... tudo isso é perceptível a partir do olhar do
espaço da creche [...]
Ainda nesse texto, Mello (2002) destaca a importância de a E.E.I. respeitar a história
individual da criança e assim criar novos motivos para que ela se aproprie e desenvolva
capacidades tipicamente humanas, continuando a escrever sua história dentro da instituição.
Respeitando a história individual da criança esse espaço contribui para a apropriação e o
desenvolvimento dessas capacidades.
Como já comentado, a educação é a mola propulsora do desenvolvimento da
inteligência e da personalidade de homens e mulheres. Com essa defesa, na E.E.I., o professor
é o responsável por organizar o tempo institucional pensando em todos os momentos
essenciais para um desenvolvimento cultural harmônico em qualquer nível da escolaridade,
em especial em turmas de crianças pequenas.
Em primeiro lugar, é fundamental que o professor, embasado na premissa de que a
criança é sujeito ativo e capaz, planeje, organize e execute situações pedagógicas de forma
intencional e conscientemente, possibilitando condições da realização de uma gestão de
tempo que possa ser promotora de aprendizagens e, consequentemente, de um amplo
desenvolvimento cultural na infância. Nesse sentido, fundamentado em conhecimentos sobre
como se dá o desenvolvimento infantil, acercadas atividades principais possíveis de serem
apropriadas e vivenciadas nos primeiros anos de vida, o professor tem possibilidades de criar
situações motivadoras da apropriação de novas necessidades de conhecimento na criança
dentro da E.E.I.
Tendo consciência da criança como sujeito capaz e de como ela se desenvolve, o
professor poderá pensar melhor sobre a organização e divisão do tempo na creche, do tipo de
material oferecido e do tipo de atividades propostas com esses materiais nesses espaços. “A
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função do adulto é de ser leitor das necessidades das crianças e organizador do contexto para
garantir que este responda a necessidades das crianças” (MELLO, 2002, p. 33).
Essas proposições denotam que é preciso que o professor esteja atento a tudo o que
acontece e o que favorece as aprendizagens e desenvolvimento na infância, em todos os
momentos da rotina educativa. Essa atenção é necessária para que os momentos importantes
para o desenvolvimento infantil sejam garantidos.
Para ampliar essas discussões, outro ponto parece importante: o educador não está ao
lado da criança para realizar as ações por ela, mas para oferecer a ela todas as possibilidades
de explorar ativamente o mundo que a rodeia, fazendo, assim, as conexões necessárias para
sua aprendizagem positiva e desenvolvimento: “O educador não faz pela criança nem para
criança, não é controlador, o vigia, mas mediador de sua experiência no mundo” (MELLO,
2002).
Nessa perspectiva de organização do tempo e de concepção de criança e
desenvolvimento, a presença do adulto e as relações que este estabelece com as crianças são
essenciais. A intervenção intencional e consciente do professor em todos os momentos da
Educação Infantil se faz necessária, considerando o diálogo e a escuta como elementos da
prática pedagógica e da própria imagem de criança que a fundamenta.
É preciso deixar a criança livre para que possa experimentar e experienciar o mundo a
sua volta. Isso significa a proposição de situações, tempos, espaços e materiais provocadores
de atividades motivadoras de aprendizagens e de um pleno desenvolvimento cultural da
criança na E.E.I. Nesse processo educativo, a figura do professor é primordial e precisa ser
continuamente repensada e debatida, por ser o profissional habilitado a, intencionalmente,
planejar e desenvolver formas plenas de acesso à cultura mais elaborada, dentre as quais está
a organização do tempo institucional e a atenção ao tempo da criança.
Metodologia
Com o propósito de cumprir o objetivo de compreender aspectos indicativos da
organização do tempo em E.E.I.s municipais de uma cidade do interior paulista, focando os
impactos dessa organização para o processo de humanização na infância, a pesquisa ora
apresentada, de cunho qualitativo, será desenvolvida em três momentos.
Inicialmente, houve o levantamento bibliográfico e estudo teórico com base nos
princípios da Teoria Histórico-Cultural e em outros pesquisadores que contribuíram com a
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ampliação dos conhecimentos sobre o tema. No conjunto dos estudos, sistematizamos
fundamentos sobre os conceitos de criança,
desenvolvimento infantil, atividade,
aprendizagem, tempo na Educação Infantil. Para isso, foram consultadas fontes digitais, como
o Catálogo Athenas da Universidade Estadual Paulista – Unesp, o CatálagoDédalus da
Universidade de São Paulo – Usp, o Catálogo Acervus da Universidade de Campinas –
Unicamp, o Catálogo Parthenon da Universidade Estadual Paulista - Unesp e o Scielo (Brasil)
tendo como referências livros e capítulos de livros, artigos, dissertações e teses.
Esse primeiro momento contribuiu para conhecermos o que já foi escrito sobre o tema
pesquisado e, também, para um aprofundamento de conceitos essenciais à reflexão
pretendida.
Posteriormente, em campo, estão em andamento observações da rotina de cinco
Escolas Municipais de Educação Infantil de Avaré (SP). Em cada escola, a observação
acontece em uma turma de crianças na faixa etária de três anos de idade. De acordo com
André e Ludke (1986), a observação é um dos instrumentos de produção de dados em
pesquisas qualitativas, ao permitir ao observador uma proximidade maior com os sujeitos da
investigação, o que contribui para novas descobertas sobre as hipóteses levantadas no estudo.
O registro dessas observações será realizado em diário de campo.
Em campo, além das observações, concomitantemente, realizamos
entrevista semiestruturada com as professoras de cada turma. Na compreensão de
André e Ludke (1989), a entrevista proporciona um caráter de interação entre
pesquisador e pesquisado o que garante uma melhor apreensão das informações
que se deseja captar.
O terceiro momento da pesquisa consiste em analisar os dados produzidos a
partir dos subsídios teóricos escolhidos.
Desenvolvimento da Pesquisa e Resultados
Em virtude de a pesquisa estar em andamento, neste texto, trazemos resultados parciais da
revisão bibliográfica. Os trabalhos já efetivados de revisão da literatura pertinente à área
indicam que não há quantidades expressivas de trabalhos científicos com foco no tema.
Como já comentado, para as buscas foram utilizadas fontes digitais, como o Catálogo
Athenas da Universidade Estadual Paulista – Unesp, o Catálogo Dédalus da Universidade de
São Paulo – Usp, o Catálogo Acervus da Universidade de Campinas – Unicamp e o Scielo
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(Brasil). Para a efetivação das buscas usamos expressões como: “tempo and rotina
andespaço”; “tempo and Educação Infantil” e “Educação Infantil and Teoria HistóricoCultural” que nos permitiram refinar as buscas com o propósito de encontrarmos trabalhos
relevantes quanto ao tema pesquisado.
Os resultados encontrados foram: no Catálogo Acervus da Universidade de Campinas,
encontramos um total de 144 títulos, dentre os quais a maior parte fazia referência às áreas da
Saúde, Educação Física, Meio Ambiente e Noções espaciais. Dessa forma, aproveitamos 7
trabalhos.
No Catálogo Athena da Universidade Estadual Paulista, localizamos um total de 75
referências das quais, grande parte tratava sobre Currículo, Formação de professores, Ensino
Fundamental, Aquisição da linguagem, Educação Física, Música e Dança, Projeto Político
Pedagógico, Educação Especial, Saúde, Noções Matemáticas e Formação de Leitores. Devido
ao foco dos nossos estudos aproveitamos 16 trabalhos, cujos títulos eram pertinentes ao tema
pesquisado.
Quanto ao Catálogo Dédalos da Universidade de São Paulo, encontramos 114
trabalhos. Entre eles apenas 8 eram pertinentes ao nosso tema de pesquisa, os demais
abordavam assuntos tais como: Saúde, Linguagem, Nutrição, Educação Especial,
Comunicação, Escrita, Matemática, Educação Física, Políticas de Ensino a Distância,
Ciências, Formação de Professores e Sociologia da infância.
Já no Catálogo Parthenon, também da Universidade Estadual Paulista, identificamos
um total de 462 trabalhos, dos quais a maior parte fazia referência às áreas da Saúde,
Coordenação, Ensino Fundamental, Informática, Construção de regras, Engenharia, Formação
de Professores, Educação Especial, Avaliação, Escrita, Música, Dança, Noção de espacial,
Arquitetura, Saúde Bucal, Nutrição, Educação física, Antropologia, Sexualidade, Psicologia e
Trabalho Infantil. Por não serem pertinentes ao tema pesquisado aproveitamos apenas 13
trabalhos deste Catálogo.
Finalizando nossas buscas, no Scielo identificamos apenas 27 trabalhos. Dos títulos
encontrados grande parte tratava de assuntos tais como: Saúde Bucal, Saúde, Linguagem,
Ensino Fundamental, Formação de Professores e Linguagem. Sendo assim aproveitamos
apenas 1 trabalho.
Os dados apresentados confirmam a indicação feita acima de que não há quantidades
significativas de trabalhos sobre o tema da pesquisa ora discutida. Entretanto, os títulos
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encontrados nos dão a oportunidade de compreender um pouco mais sobre a organização do
tempo e do espaço nas Escolas de Educação Infantil tendo por base o enfoque da Teoria
Histórico-Cultural.
Desse modo, destacamos as contribuições apresentadas por Barbosa (2000) em sua
pesquisa de doutorado sobre as rotinas na Educação Infantil. Em seus estudos a autora aponta
à necessidade de se repensar as rotinas dentro das Escolas de Educação Infantil. Para tanto,
busca compreender de onde vieram as rotinas, de que forma elas adentraram as Escolas de
Educação Infantil e como atuam no dia a dia das crianças e adultos que vivem e convivem
diariamente nessas instituições.
De seus estudos evidenciamos algumas discussões sobre os usos dos tempos nas
rotinas da Educação Infantil. Assim como Bondioli (2004), que ressalta a importância da
organização dos tempos como instrumentos de socialização e aprendizagem, Barbosa (2000)
aponta que a forma como vivenciamos o tempo é indispensável para nossa formação social e
para as relações que estabelecemos com o outro.
A autora destaca o fato de dentro das escolas existir uma preocupação com o tempo
baseada na construção da noção de tempo pelas crianças e como forma de organizar o
trabalho com elas. Salienta o fato do controle do tempo, nas Escolas de Educação Infantil,
estar nas mãos dos adultos e o quanto, muitas vezes, esse controle desrespeita a criança.
Barbosa (2000, p. 174) ainda afirma que: “Um dos objetivos centrais da temporalização na
vida das crianças está relacionado à estruturação do tempo coletivo, mas deve-se fazer isso
sem deixar de respeitar os tempos pessoais”.
Com foco no tempo usado como forma de controle, evidenciamos o trabalho de Vieira
(2000) sobre a relação intrínseca entre espaço e tempo. Em seus estudos aponta a existência
do tempo cronológico, dado pelo relógio. E o tempo histórico, construído pelos sujeitos.
Ratifica que espaço e tempo são indissociáveis e que o tempo serve para organizar os espaços.
Pontua o fato de que a organização das escolas diminui o espaço da criança, lhe tira a
liberdade, a criatividade a imaginação. Ressalta que o espaço encontrado é organizado por
meio de um tempo hierárquico, determinado pelo adulto que tem mais poder, onde o objetivo
é controlar e doutrinar as crianças.
Ainda pensando no tempo como modo de controle, as pesquisas de Souza (2013) que
discute e analisa as rotinas propostas para o pré-escolar nas Escolas de Educação Infantil,
apontam que a elaboração da rotina envolve a organização do tempo, do espaço e das
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propostas educativas de maneira que atendam as necessidades das crianças. E o responsável
por essa organização é o professor, que atua como principal mediador entre os objetos da
cultura e a criança.
Ressalta ainda o fato de a rotina nas Escolas de Educação Infantil que investigou
revelarem uma educação disciplinadora, utilizada mais como instrumento de controle do que
como instrumento de aprendizagem, que seria sua real função. Dessa forma afirma ser preciso
rever concepções e repensar a elaboração das rotinas, para que estas cumpram sua função de
organizar o tempo, o espaço e as propostas educativas. Fazendo com que as crianças tenham a
oportunidade de vivenciar um ambiente único e nessas relações, construir suas identidades.
Por meio desses trabalhos é possível perceber que, dentro da Escola de Educação
Infantil existem dois tempos e que estes devem ser organizados de tal forma a privilegiar as
ações das crianças e não como forma de controle. Para apropriar-se das capacidades
especificamente humanas a criança precisa de liberdade para experimentar o mundo e a
cultura que ele carrega, no seu ritmo, que é único e individual e o adulto é responsável por
esta organização temporal.
Nessa perspectiva de pensar o adulto como organizador dos tempos e espaços na
Educação Infantil, trazemos os estudos de Ribeiro (2009) que apontam o professor como
responsável por mediar as relações entre as crianças e os objetos da cultura, de forma que
sejam apropriados pelas crianças, formando nelas as qualidades humanas. Para tanto, cabe ao
professor a organização intencional das propostas educativas, do espaço e do tempo a fim de
permitir uma participação ativa das crianças em seu processo de humanização.
Ainda nessa ótica Marcolino (2013) defende a importância da intencionalidade na
prática educativa: “A Educação Infantil é o tempo/espaço em que condições são
intencionalmente criadas com o objetivo de promover a aprendizagem e desenvolvimento
integral da criança” (MARCOLINO, 2013, p.29).
Singulani (2009) contribui com nossos estudos ao apontar a necessidade de a
organização dos espaços nas Escolas de Educação Infantil, respeitar o tempo individual da
criança. Afirma que um espaço organizado intencionalmente permite que o tempo de espera
da criança dê lugar ao tempo de ação, pois não precisam mais esperar pela atenção do
professor. Tem a oportunidade de explorar o ambiente e estabelecer relações com as outras
crianças.
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Nessa linha de reflexões, trazemos apontamentos da pesquisa de mestrado de Vieira
(2009) que destaca a gerência do tempo dentro das Escolas de Educação Infantil como um dos
elementos que devem ser considerado na organização do fazer educativo, afirmando que a
fragmentação do tempo pode prejudicar o desenvolvimento das crianças.
Isso posto, o trabalho de produção de dados mediante a localização, reunião, seleção e
sistematização bibliográfica contribuiu efetivamente para, à luz de pressupostos da Teoria
Histórico-Cultural, ratificar a ideia da necessidade de organização consciente e intencional do
tempo dentro das Escolas de Educação Infantil como elemento e aspecto essenciais para a
atuação ativa da criança e do professor, propiciando, potencialmente, aprendizagens
motivadoras de desenvolvimento da inteligência e da personalidade na infância.
A título de considerações finais
Pelo exposto, as ações já empreendidas na investigação ora apresentada são
essenciais para refletir sobre o tempo institucional e o tempo da criança a partir das ações
docentes, com vistas à promoção do pleno desenvolvimento infantil.
Esperamos com os encaminhamentos investigativos contribuir com as discussões
acerca da Educação Infantil no que concerne à organização temporal nas Escolas a fim de que
o tempo institucional respeite o tempo subjetivo da criança e que suas necessidades possam
ser atendidas e se ofereça uma prática educativa de qualidade, onde as relações sociais e a
apropriação dos elementos culturais sejam imprescindíveis.
Para que a instituição garanta um pleno desenvolvimento da criança na infância,
torna-se vital a compreensão que todos os participantes da prática educativa são protagonistas
e influenciam no desenvolvimento infantil, porque todas as pessoas, adultas ou não, são
provocadoras de relações que afetarão as crianças, quer seja de modo positivo ou negativo.
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Referências
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LEONTIEV, A. O homem e a cultura. In:______. O desenvolvimento do Psiquismo. Lisboa:
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Crianças na cozinha – a Culinária como experiência de conhecimento
Miriam de Fátima Pinto de Oliveira95
Resumo
O presente relato aponta como as Aulas de Culinária, no contexto da Educação
Infantil, proporcionam experiências de estimulação sensorial e, também, de conhecimento de
mundo. O objetivo dessas aulas é que, a partir de um ano de idade, as crianças tenham contato
com os alimentos – mais do que apenas consumi-los - que possam ver as cores e formatos;
tocar, sentindo a textura; cheirar; experimentar e descobrir como os alimentos podem ser
transformados, acompanhando e participando ativamente desse processo de transformação.
Nesse contexto, de forma gradativa e divertida, as crianças são incentivadas a
descobrir um mundo de informações que cada preparo traz em si: conhecimento nas áreas de
Ciências Naturais, Matemática e Linguagem; orientações sobre a segurança das próprias
crianças (evitar perigos na cozinha); a conquista da autonomia e o incentivo para hábitos
alimentares mais saudáveis.
Palavras-chave: Culinária para crianças. Culinária na Educação Infantil. Estimulação
sensorial.
Desenvolvimento
Na Educação Infantil é essencial que as crianças vivenciem experiências onde os
estímulos sensoriais façam parte do cotidiano escolar, dando oportunidade às crianças de ver,
tocar, cheirar, ouvir, degustar. É por meio dessas percepções iniciais do mundo à sua volta
que há o armazenamento de informações e a memória vai se constituindo. Posteriormente,
essas informações vão sendo ampliadas com novas aprendizagens.
No contexto da Educação Infantil, normalmente essas experiências vêm por meio das
brincadeiras no playground ou tanque de areia, das atividades sistematizadas como pintura,
modelagem, contação de histórias etc.
95
Professora e Psicopedagoga na Escola “Imaculado Coração de Maria” – Araraquara - SP
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Quanto mais conhecemos a respeito do cérebro e de como as crianças aprendem, mais
nos sentimos motivados na busca por novas estratégias a fim de que as crianças ampliem seu
conhecimento de mundo.
Normalmente, se pensa na cozinha como um espaço cheio de perigos e, portanto,
proibido para as crianças pequenas.
Contudo, há se considerar como a manipulação e preparo de alimentos pode contribuir
para as tantas sensações visuais, táteis, olfativas e gustativas: perceber a diferença entre a
textura macia da banana e a consistência firme da maçã; o agradável aroma da laranja, da
hortelã; o sabor refrescante de um suco gelado de melancia numa tarde quente; o verde escuro
de uma folha de couve contrastado ao verde suave de uma folha de alface – percepções que
vão ocorrendo naturalmente, durante as aulas de Culinária, ao longo do ano. Percepções que
são fruto da curiosidade e da exploração, que vão sendo registradas na memória e
possibilitando, dessa forma, que novas informações sejam agregadas.
Optamos por desenvolver conteúdos em Culinária partindo do pressuposto da
Neurociência Cognitiva, que considera a importância da estimulação sensorial nos primeiros
anos de vida da criança.
Segundo Bartoszek & Bartoszek (2007), as vias neurais de aferência sensorial
desempenham papel crucial no desenvolvimento do cérebro nos primeiros anos de vida da
criança.
O Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil aponta para o ensino das
Ciências Naturais: “Para desenvolver noções relacionadas às propriedades dos diferentes
objetos e suas possibilidades de transformação é necessário que as crianças possam, desde
pequenas, brincar com eles, explorá-los e utilizá-los de diversas formas.” (MEC, 2009, p.179)
No mesmo documento, sobre o ensino da Matemática: “aprender matemática é um
processo contínuo de abstração na qual as crianças atribuem significados e estabelecem
relações com base nas observações, experiências e ações que fazem desde cedo, sobre
elementos do seu ambiente físico e sócio-cultural.” (p.217)
Na Escola “Imaculado Coração de Maria” – Educação Infantil, na cidade de
Araraquara, as Aulas de Culinária abrangem, desde o Mini Maternal 1 (crianças a partir de 1
ano) até o Jardim 2 (5 anos).
As receitas que serão utilizadas ao longo do ano não são as mesmas para cada turma
(idade). Para a seleção das receitas são levados em conta os seguintes aspectos: a necessidade
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e curiosidade de cada faixa etária; o conteúdo das Áreas de Conhecimento; a possibilidade de
interação entre as crianças e dessas com o educador durante o preparo; o incentivo à
autonomia (o que a criança já é capaz de fazer e ser estimulada a fazê-lo); a Culinária como
experiência de afeto, de cultura e estímulo à alimentação saudável. Portanto, os objetivos a
serem atingidos para cada turma podem se diversificar, de acordo com a idade das crianças e
seu nível de desenvolvimento.
Por exemplo: o objetivo das aulas de Culinária do Mini Maternal 1 (lembrando que
nessa turma as crianças têm entre 1 e 1 ano e 6 meses), é que as crianças possam tocar,
cheirar e experimentar (degustar) os alimentos antes do preparo da receita – que, para essa
fase, é simples: sucos ou saladas. Elas também são incentivadas a conhecer o nome dos
ingredientes (normalmente frutas, legumes ou hortaliças), estimulando a linguagem.
Já para o Mini Maternal 2, além da experiência de “sentir” o alimento, as crianças são
estimuladas a perceber alguns atributos, como cor, textura e tamanho. A degustação dos
ingredientes antes do preparo proporciona que percebam diferença de sabores: doce, azedo,
salgado etc. As saladas passam a ter mais ingredientes, assim como os sucos. Bolo de fubá,
mingau, doce de banana e pipoca também compõem as aulas, para que as crianças possam
perceber a ação do calor sobre os alimentos.
Nas etapas posteriores, a atividade vai ganhando complexidade, na medida em que as
crianças sejam capazes de perceber diferenças e semelhanças entre os ingredientes (frutas –
hortaliças; doce-salgado; quente –frio etc).
Ao chegarem ao Jardim 2 (5 anos), vão sendo capazes de compreender o valor
nutritivo de cada alimento; como são produzidos/industrializados; a necessidade de
higienização e por que eles se alteram (o fermento faz o bolo crescer; a gelatina deve ser
colocada na geladeira para se solidificar etc). As Ciências Naturais passam a fazer parte do
contexto com a curiosidade das crianças: de onde veio esse ingrediente? Por que tal
ingrediente ou receita ficou assim? O que aconteceu? Por que devemos colocar o bolo para
assar? O que acontece ao colocarmos o sorvete na geladeira? Por que isso acontece?
Os utensílios da cozinha: facas, fósforos, batedeira, liquidificador, microondas etc; vão
sendo conhecidos e, concomitantemente, orientações sobre a segurança e como evitar perigos
na cozinha vão sendo informados. Tais utensílios não são de acesso à criança e elas vão
entendendo o motivo.
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As ideias/hipóteses que as crianças vão tendo durante o preparo são também
importantes para ampliar conhecimento: “o que acontece se a gente não colocar o fermento no
pão?” – “eu acho que o pão fica pequenininho” - “eu acho que ele não cresce, por que uma
vez minha mãe esqueceu e o pão dela ficou duro!”
A Matemática também passa a ser utilizada: as medidas dos ingredientes; a quantidade
utilizada de cada um; a comparação entre eles (duro/mole; pequeno/grande etc); a percepção
de muito/pouco, cheio/vazio e outras percepções vão sendo adquiridas gradativamente.
Na exploração de temas ligados à Sociedade (Ciências Sociais), é possível estabelecer
algumas relações com as comemorações ao longo do ano e a Culinária: em abril, com o Dia
do Índio, conhecer a lenda da Mandioca e poder conhecer esse alimento: vê-lo, tocá-lo e
experimentá-lo, após cozimento (Maternal 1 – turma de 3 anos) ou, no Aniversário da Cidade,
poder ver e experimentar um pedaço de cana-de-açucar, uma das riquezas de Araraquara.
A participação da criança é valorizada, levando em conta a idade: a higienização dos
alimentos para o preparo; medir e colocar no recipiente os ingredientes que fazem parte da
receita e poder misturá-los ou amassá-los (como no preparo de um bolo ou pão, por exemplo)
- ações que estimulam a criança a descobrir-se como alguém que é capaz de fazer
(autonomia).
As conversas durante o preparo das receitas também são importantes: as impressões
que trocam entre si; os relatos de casa: “minha mãe já fez isso” , “eu comi na casa da minha
avó” etc, fazem da Culinária uma experiência de afeto e troca.
Considerações finais
O que percebemos, ao longo do ano, é que as crianças vão sendo capazes de nomear os
diferentes tipos de alimento, reconhecendo suas características quanto à cor, textura, aroma,
sabor etc.
Como a avaliação da Educação Infantil é feita por meio de observação e escuta das
crianças, em momentos como a “roda de conversa”, por exemplo, é possível constatar os
conhecimentos adquiridos nas aulas de Culinária pelas ideias que as crianças são capazes de
expressar: as percepções, as comparações etc.
Nas reuniões de pais, os relatos apresentados são que essas aulas desencadeiam, nas
crianças, um sentimento de autonomia: querem ajudar a mãe na cozinha; reconhecem vários
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tipos de alimentos; sentem-se mais atraídas a consumir frutas, legumes, hortaliças –
desenvolvendo hábitos alimentares mais saudáveis.
Referências
BARTOSZECK, Amauri B.; BARTOSZECK, Flavio K. In: "Neurociência dos seis primeiros
anos: implicações educacionais.” Universidade Federal do Paraná. Departamento de
Fisiologia,
Laboratório
de
Neurociência
&
Educação.
Disponível
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http://www.educacao.mppr.mp.br/arquivos/File/projeto_estrategico/argumentos_neurologicos
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BRASIL. Ministério de Educação e do Desporto. Referencial curricular nacional para
educação infantil. Brasília, DF, 1998.
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A prática psicomotora aliada à musicalização: estudo de caso com crianças de 4 e 5 anos
em Centro de Educação Infantil Municipal de Poços de Caldas, MG (2009-2012)
Paula Mari Sato96
Claudia Luisa Piva Plata97
Evelise Dias Villas Boas98
O desenvolvimento integral da criança, em seus aspectos socioafetivos, motores e
cognitivos, pode ser alcançado na educação infantil por atividades programadas de
psicomotricidade e musicalização. Relata-se a prática de docentes, em Centro de Educação
Infantil Municipal de Poços de Caldas, MG, entre os anos de 2009 e 2012, com 160 crianças
de 4 e 5 anos, sob estudo de caso para compor monografia. As fontes de evidência foram
revisão bibliográfica, análise documental, entrevista semiestruturada e anotação de campo, em
diálogo entre teoria e prática. Atividades agrupadas em relaxamento, brincadeiras, jogos
acompanhados de música ou instrumentos musicais e desenhos das crianças, foram analisados
segundo o desenvolvimento de expressões motoras, cognitivas e socioafetivas. Além de
aprendizado concreto e prazeroso para o educando, a prática vislumbrou a valorização da
vivência, descobertas e cultura.
Palavras-chave: Educação Infantil. Psicomotricidade. Musicalização. Estudo de caso.
96
UEMG - Universidade do Estado de Minas Gerais, graduada em Pedagogia; UNIFAL-MG –
Universidade Federal de Alfenas, Servidora.
97
UEMG - Universidade do Estado de Minas Gerais, graduada em Pedagogia; Prefeitura Municipal de
Poços de Caldas, Professora de Educação Infantil.
98
UEMG - Universidade do Estado de Minas Gerais, graduada em Pedagogia.
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Prover, proteger e participar: os direitos das crianças em relação com as práticas
docentes na creche99
Queila Almeida Vasconcelos100
RESUMO
Este estudo apresenta um recorte dos resultados de uma pesquisa de mestrado que buscou
evidenciar o direito de participação das crianças bem pequenas na creche. A pesquisa, de
caráter qualitativo, teve como base metodológica as discussões do campo interdisciplinar dos
Estudos da Infância sobre pesquisa com crianças. O suporte da fundamentação teórica são os
conceitos da Sociologia da Infância no que se refere aos direitos das crianças e da Pedagogia
da Infância na reflexão sobre as práticas docentes. Participaram da pesquisa treze crianças de
17 a 27 meses e sete adultos (seis professoras e um estagiário) de uma creche pública de Porto
Alegre. O trabalho propõe uma relação entre a tríade de direitos (provisão, proteção e
participação) na organização do cotidiano, visto que os resultados apontam práticas
pedagógicas baseadas essencialmente nas dimensões da provisão e proteção, enquanto o
direito de participação aparece em caráter de acolhimento esporádico à solicitações das
crianças.
Palavras-chave: direitos das crianças; docência na educação infantil; creche.
Por que falar dos direitos das crianças na creche?
O cenário das relações humanas na contemporaneidade está marcado por conexões entre
culturas, gêneros, raças, gerações, religiões. Apesar dessa configuração atual em que a cada
dia temos mais acesso às diversas formas que as pessoas escolhem ou são submetidas para
viver e conceber o mundo, percebe-se que saber da existência do outro não é suficiente para
considera-lo como um cidadão em igualdade de direitos com qualquer outro. O debate atual
sobre a acolhida de refugiados nos países da União Europeia, por exemplo, apresenta uma
diversidade de opiniões a respeito do assunto. Enquanto isso pessoas morrem na guerra ao
ficarem em seus países de origem, morrem nos oceanos buscando por um lugar seguro,
morrem com elas a igualdade de direitos humanos. Recentemente a foto de um menino sírio
morto em uma praia da Turquia chocou as pessoas ao redor do mundo, ao mesmo tempo
99
Este texto é fruto de Pesquisa de Mestrado realizada no período de 01/08/2014 a 30/11/2014 na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.
100
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Aluna Especial do Programa de Pós-Graduação em Educação.
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milhões de outras crianças morrem pela escassez de comida, de remédios, de cuidados, de
saneamento e suas imagens não são divulgadas.
Optei por introduzir este trabalho com essa discussão para justificar que em um
contexto repleto de desrespeito pelos direitos humanos, falar sobre os direitos das crianças na
escola, é uma problematização que se torna a cada dia mais necessária. Isto porque dos
sujeitos pertencentes aos grupos em desvantagem social, as crianças são daqueles que por si
só não podem se organizar para lutar por seus direitos. É preciso portanto, que os adultos que
atuam na área da infância ocupem-se dessa tarefa. A infância afirmada como detentora de
direitos é ainda uma discussão recente, mas que vem crescendo no âmbito dos estudos da
criança: na Pedagogia (OLIVEIRA-FORMOSINHO; KISHIMOTO; PINAZZA; 2007),
(KISHIMOTO, OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2013), (RICHTER; BARBOSA, 2011),
(MOSS, 2009); na Sociologia (SARMENTO, 2002; 2004; 2005, (FERNANDES, 2009); na
Filosofia (KOAHN, 2004); na Antropologia (COHN, 2005), (GOTTLIEB, 2009); e na
Psicologia (CASTRO, 2010), (ROGOFF, 2005). Os estudos supracitados buscam, sobretudo,
qualificar os direitos das crianças à proteção e ao protagonismo nas suas experiências durante
a infância, bem como posicioná-las como informantes qualificadas sobre suas necessidades e
seus desejos enquanto sujeitos dessa categoria geracional.
Nesse sentido, este estudo tem como objetivo evidenciar a relação entre a tríade de
direitos, composta pelos direitos de provisão, proteção e participação, expressa pela
Convenção dos Direitos das Crianças – CDC (1989), nas práticas cotidianas das professoras
de uma turma de crianças de 17 a 27 meses, de uma creche pública de Porto Alegre. A
pesquisa da qual este trabalho faz parte foi realizada durante três meses, registrada em
sequências fotográficas e diário de campo pela pesquisadora. Os períodos de observação
aconteciam tanto no turno da manhã como no da tarde, visto que as crianças permaneciam em
turno integral na creche, porém o grupo de adultos era composto por dois trios de professoras
divididos por turnos e por um estagiário que realizou sua prática docente obrigatória no
mesmo semestre de realização da pesquisa.
A pesquisa tem caráter qualitativo pois se trata de uma investigação no campo da
educação, em que se pretende promover uma discussão teórica e, ao mesmo tempo,
experimentar como a teoria pode promover mudanças na realidade pesquisada, concordando
com Bogdan e Biklen (1994): “os investigadores qualitativos frequentam os locais de estudo
porque se preocupam com o contexto” (p.48). Assim, esta foi uma pesquisa motivada pelo
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interesse na qualificação da Educação Infantil e pela contribuição com os movimentos de
visibilização das crianças como sujeitos de direitos. Essa perspectiva de um investigador que
se preocupa com os sujeitos que participam da pesquisa denota ao trabalho uma condição de
compromisso social do pesquisador. Afinal, há de se fazer pesquisas para que mudanças
possam ser realizadas, para que os sujeitos que viabilizaram a construção do trabalho, bem
como outros sujeitos da mesma categoria geracional, no caso, tenham qualidade acrescida às
suas vidas. Portanto, a interpretação dos resultados, “é uma questão de relação entre os dados
[...] é, simultaneamente, separar e juntar, uma atividade analítica e sintética, descritiva e
evocativa, a bela e o monstro” (GRAUE; WALSH, 2003, p.192).
Para melhor contextualizar esta discussão o texto está organizado em três momentos: (i)
as implicações de cada dimensão da tríade de direitos na vida das crianças em um panorama
mais amplo e geral no mundo contemporâneo; (ii) as descobertas da pesquisa em relação às
práticas pedagógicas e suas relações com as três dimensões de direitos das crianças; e (iii)
possibilidades de organização de uma prática cotidiana na creche que considere a interlocução
entre as três dimensões.
A tríade de direitos e suas implicações na vida das crianças
Após a CDC os direitos das crianças passam a ter maior evidência na agenda pública
mundial, de toda forma a maior preocupação esteve voltada para garantir o direito à vida,
considerando o grande número de países onde as crianças morrem diariamente devido à
epidemias e à fome. Assim, prover as crianças é a dimensão de maior consensualidade, pois
diferente das dimensões de proteção e participação envolve em menor escala outras relações
como costumes culturais e religiosos.
Quanto ao direito de proteção, Natália Fernandes afirma que, “a sua não salvaguarda
coloca a criança em situações extremamente precárias, nas quais um dos seus direitos pessoais
fundamentais – o direito ao respeito, à integridade física e moral – é posto em causa”
(FERNANDES, 2009, p.43, grifo da autora). Porém os conceitos de respeito e moral são
permeados pelas referências culturais de cada sociedade e as crianças ficam expostas às
práticas de cuidado e às concepções de infância sem chance de se defenderem ou opinarem a
respeito na maioria das vezes.
É nesse ponto que o direito de participação das crianças apresenta-se como alternativa
para garantir que elas sejam vistas como cidadãs em sua integralidade. À respeito dessa
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dimensão diversos autores da Sociologia da Infância ( QVORTRUP; CORSARO;
HONIG, 2011; FERNANDES, 2009; SARMENTO; FERNANDES; TOMÁS,
2007; ALDERSON, 2005;) vem contribuindo significativamente, colocando as crianças
em evidência social como sujeitos de direitos pertencentes a uma categoria geracional que é
produtora de cultura e que precisa ter suas peculiaridades respeitadas durante a infância.
A tríade de direitos e as práticas docentes na creche
Inicio esse tópico retomando uma discussão apresentada por Barbosa (2009) no
relatório produzido para o Ministério da Educação do Brasil sobre as práticas cotidianas na
Educação Infantil, no qual a autora pontua que:
A presença de profissionais docentes nos estabelecimentos de educação
infantil é uma novidade, apesar de existirem docentes envolvidos nessa
modalidade de educação desde os primeiros jardins de infância e jardins de
praça. Durante muitos anos esse trabalho foi realizado por profissionais sem
formação específica, pois a educação e o cuidado de crianças não eram
vistos como tarefa e responsabilidade educacional, apenas como um direito
assistencial das famílias. (BRASIL, 2009, p.35).
Essa realidade caracteriza ainda grande parte das escolas de Educação Infantil
brasileiras. No caso da instituição onde foi realizada a pesquisa, a formação mínima exigida
para o trabalho com as crianças não é a de nível superior. Não que a formação universitária
por si só, garanta a qualidade do atendimento às crianças, mas reduz as possibilidades de
organização da prática docente com base apenas em conhecimentos do senso comum. E é este
conhecimento do senso comum, muitas vezes transformado em uma repetição de
comportamentos empíricos sobre a educação de crianças, que coloca em risco os direitos das
mesmas.
É neste sentido que a autora citada acima, aponta que trabalhar com crianças pequenas
exige formação, pois não é apenas uma tarefa de guarda ou proteção, mas uma
responsabilidade educacional, na qual são necessárias proposições teóricas claras,
planejamento e registros. Assim sendo, uma professora que conhece sobre o desenvolvimento
infantil não coloca uma criança de castigo em uma “cadeirinha do pensamento”, pois sabe que
crianças bem pequenas não “pensam sobre o que fizeram” por longos períodos, ao contrário
disso, ao terem seus corpos impedidos de sair do lugar, elas aprendem sobre controle e
obediência, mas não sobre cuidado e respeito pelo outro e por si mesmo.
Durante essa pesquisa as práticas pedagógicas dos adultos evidenciaram concepções
que remetem à história da Educação Infantil no Brasil, que teve seu início marcado pelo
assistencialismo e atendimento às necessidades das famílias, especialmente das mães
trabalhadoras que precisavam de um lugar para deixar seus filhos. Nesse sentido, as
professoras comportavam-se como profissionais “tarefeiras”, cumpriam suas funções diárias
alimentando, higienizando, colocando para dormir e realizando “atividades pedagógicas” com
as crianças. Quero aqui deixar claro, que todas essas ações considero como práticas
indispensáveis na creche, porém todas precisam ser vistas como pedagógicas e portanto,
refletidas, registradas, planejadas e avaliadas sistematicamente.
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Em meio às tarefas diárias percebi nas relações das professoras com as crianças e com
suas próprias funções as seguintes conexões com a tríade de direitos: (i) prover as crianças
significa, essencialmente, alimentá-las e mantê-las higienizadas. Porém, a realização desses
momentos não evidencia qualquer reflexão sobre o direito da criança de ser comunicada, de
autorizar, ou não, e de ter respeitada a sua individualidade a respeito dos meios mais
confortáveis e emocionalmente seguros para cada criança na realização dessas práticas; (ii) a
proteção está principalmente relacionada com o fato de não deixar que as crianças se
machuquem, proibindo, assim, situações que, ao seu olhar, são de risco e agindo
enfaticamente na resolução de conflitos entre as crianças, práticas que se aproximam do
conceito maior do significado de proteger uma criança, mas que ainda estão distantes do
princípio central desse direito; (iii) quanto ao direito de participação, pequenos momentos
evidenciaram o acolhimento aos desejos e interesses das crianças, porém, na maioria das
vezes, essa acolhida era significada pelos professores como uma “autorização à transgressão”,
ou seja, uma permissão para fazerem algo diferente do que os adultos haviam proposto,
sempre por um curto período de tempo e com grande parcela de controle dos adultos. Nesse
ponto, a discussão está ainda muito longe do conceito do direito de participação explicitado
pela CDC (1989).
Considerações finais: o papel do adulto na garantia dos direitos das crianças
Pretendo aqui pensar os direitos de provisão, proteção e participação evidenciados pela
CDC e as possibilidades de exercício desses direitos pelas crianças através do
comprometimento dos adultos por elas responsáveis em nossas creches. As crianças bem
pequenas, grupo do qual fazem parte os sujeitos dessa pesquisa, não reclamam seus direitos,
dependendo das relações que os adultos estabelecem com elas, se quer os conhecem.
Entretanto, diversas ações das crianças refletem atos de recusa à submissão ao
descompromisso dos adultos.
Assim, a interlocução entre os direitos de provisão, proteção e participação é uma
questão fundamental quando discutimos a vida de crianças bem pequenas na escola. Isso
porque quanto menores as crianças, maior o seu grau de dependência à ação do adulto na
garantia de seus direitos. Utilizo, nesse momento, uma cena recorrente observada na pesquisa
em que uma das crianças sempre que colocada no cadeirão na hora da refeição se recusava a
comer, porém, quando sentava ao redor da mesa com os demais colegas, comia sem nenhuma
contestação. Considero essa cena como uma reivindicação da criança pelo seu direito à
participação em interlocução com os direitos de provisão e proteção.
O fato é que as crianças, especialmente as bem pequenas, utilizam múltiplas
linguagens para expressar suas posições e opiniões, portanto, é imprescindível a atitude
comprometida dos adultos de observar, identificar e conhecer as suas necessidades.
Considerando a cena descrita, podemos pensar que, conforme afirma Fernandes (2009, p.42),
os direitos de provisão são os mais consensuais, ou seja, as professoras estavam
comprometidas em alimentar a criança, porém não consideraram que o fato de fazer parte –
participar – do grupo sentado à mesa era naquele momento para a criança tão importante
quanto se alimentar.
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Desta forma, sugiro uma postura de comprometimento dos adultos tanto com a
garantia dos direitos das crianças como com sua própria condição profissional. Pensar em
como os momentos de provisão das crianças, poderíamos pensar aqui nos horários de
alimentação, de higiene, de sono, etc. podem se tornar ações pedagógicas refletidas e
fundamentadas pelas necessidades das crianças não apenas de manterem-se vivas, mas
essencialmente de estarem em contato com a vida. Esses momentos não precisam ser
escolarizados, podem ser pensados a partir do significado que cada um deles tem em nossa
cultura e assim, tornarem-se experiências e aprendizagens da vida cotidiana, com sentido e
razão de ser para cada criança.
Podemos pensar que proteger as crianças não pode significar impedi-las de descobrir
sobre o mundo, mas também não significa coloca-las em risco. Além disso, a proteção precisa
ser pensada para além dos cuidados físicos. É preciso proteger as crianças da falta de afeto; da
ausência de escuta; da impossibilidade de conviver com crianças diferentes, de diferentes
idade, com os irmãos; da escassez de experiências; do excesso de julgamento; da antecipação
de etapas; da não confiança em suas potencialidades.
Por fim, a participação de que devemos falar é aquela que evoca a criança
emancipada: aquela cujos conhecimentos e experiências sustentam suas capacidades de
participar, e a criança participativa: aquela que é sujeito em igualdade de direitos com todos
os demais cidadãos. (FERNANDES, 2009, p.47-48). Ao evocar essa criança, promove-se no
cotidiano da escola situações que atendam suas necessidades de aprendizagem sobre a vida.
Essas situações vão muito além de trabalhos repetidos ao longo dos anos para crianças de
diferentes contextos, períodos históricos e experiências de vida.
Finalizo apontando a importância de que os profissionais de Educação Infantil tenham
em seus repertórios de formação – inicial e continuada – possibilidades de reflexão acerca da
cidadania das crianças. Posicionar as crianças como sujeitos políticos não significa deixar que
as crianças façam tudo que desejam ou escolham sozinhas os melhores caminhos para suas
relações sociais e de aprendizagem. Fazer escolhas é um processo que requer conhecimento
prévio sobre as possibilidades a seguir. Neste sentido, considerar as crianças como cidadãos,
sujeitos de direitos dentro da escola deve significar que os adultos, por eles ali responsáveis
estejam abertos e disponíveis a mediar as relações das crianças com o mundo, ofertando
diversas estratégias, descobertas e desafios que possibilitem a formação das crianças no
âmbito da criticidade, da alteridade, da empatia. Aponto então para a frase daquele que tenha
sido talvez o maior educador de nosso país – Paulo Freire – de que a educação é um ato
político (FREIRE, 1997, p.57). Portanto, precisamos nos comprometer com o futuro das
crianças sim, mas essencialmente com seu presente, com as possibilidades que lhes
oferecemos desde sua chegada ao mundo.
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690
Referências
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Quem conta histórias acende um fogo: a experiência da roda da fogueira na Creche
Ramiro Penha Seabra Malaquias 101
O relato de prática Quem conta historias acende um fogo apresenta uma atividade
permanente realizada na Creche/Pré-Escola Oeste, pertencente à Divisão de Creches da USP.
A atividade, iniciada no ano de 2013, reúne crianças (de 0 a 6 anos) e adultos em uma grande
roda em torno de uma fogueira. Os contos de tradição oral, da literatura escrita e as
experiências vividas são celebrados em um momento coletivo, preparado minuciosamente
junto com as crianças. Para o desenvolvimento dessa prática partimos das contribuições de
autoras como MACHADO (2004) e RUBIRA (2006) para refletir sobre o significado de
contar e ouvir histórias, possibilitando às crianças vivências e experiências de apreciação e de
interação com diferentes narrativas da linguagem oral e escrita. Hoje a atividade está
apropriada pela comunidade e tornou-se um momento singular ao resgatar nas pessoas que ali
estão uma tradição da humanidade.
Palavras-chave: contação de historia, linguagem, interação e Educação Infantil.
Motivação para iniciar a prática
“Ao pé das fogueiras acesas,
crianças, jovens, adultos,
até os já passados dos noventa,
teciam calorosos cantos e contos
grupais, envolventes e encantados.
Hoje, em tempos de fogueiras apagadas,
precisamos fuçar a memória
e catar os cacos dos sonhos
para engrandecer a vida
e não sufocar o mito e a poesia.”
Elias José
101
Professor de Educação Infantil da Creche/Pré-Escola Oeste- Divisão de Creches- SAS- USP
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A roda de história na fogueira é uma atividade permanente na Creche/ Pré-Escola
Oeste, que teve início no ano de 2013 com um grupo de 15 crianças, com idades de 2 a 3
anos, e se configurou como uma forma diferente de se reunir para ouvir histórias.
Na Creche para esta faixa etária e quantidade de crianças, contamos com a estrutura de
dois professores para o grupo e ao longo de nossa rotina diária propomos diversos momentos
nos quais as crianças podem ouvir histórias. Durante os planejamentos fomos pensando na
roda de fogueira como mais uma celebração desse momento de narração. Com a roda de
história na fogueira na Creche, além de criarmos um momento de socialização, respeito e
convivência, nós tentamos resgatar uma tradição da humanidade de se reunir ao redor do fogo
para compartilhar histórias e experiências, nos remetendo à ancestralidade do humano e sua
constituição.
“Às vezes, quando as crianças me perguntam por que
acendo uma vela antes de contar uma história, digo que é
para lembrar de antigamente, quando as pessoas se
encontravam em volta do fogo.” (MACHADO, 2004)
A partir deste entendimento, contar histórias para as crianças da Creche ao redor de
uma fogueira ganhou muito mais significado para nós. Fomos compreendendo que era
fundamental propiciar um momento de ouvir histórias vivenciando o que existe de mais
antigo na história da humanidade em um momento coletivo, proporcionando à criança
vivenciar experiências de identificação como ser humano e apropriação das contribuições
histórico-culturais dos povos do mundo. Além disso, a roda constituiu-se como uma
construção de um momento coletivo, no qual promovemos interações entre crianças de
diferentes idades e entre crianças e adultos.
Além disso, ao contarmos uma história para uma criança, ou um adulto, estamos
oferecendo a oportunidade de construção de uma narrativa singular, de serem protagonistas
em sua própria história e nos conectamos com nossos ouvintes nas diferentes possibilidades
de existir dentro do conto, pois como afirma Kobayashi (2013), contar e ouvir histórias são
tramas de um mesmo tecido fiado no tempo.
Os caminhos percorridos para o desenvolvimento da prática e as referências
teóricas
Na época combinamos que escolheríamos um dia da semana para nos reunirmos em
torno de uma fogueira para ouvir histórias. Ao nos voltarmos para nossa sequência de
atividades semanais vimos que ela já estava completa, era hora de recriarmos nossa semana.
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Nós também tínhamos dúvidas, não sabíamos como seria a recepção das crianças e dos outros
adultos da Creche diante dessa proposta, já que criança e fogo no mesmo espaço é para nós,
enquanto sociedade, significado de perigo, e a maneira de lidarmos com isso é proibindo a
criança de “mexer com fogo”, impossível não lembrar do ditado popular referente à
brincadeira com fogo por parte de crianças “levadas”.
Dentro da literatura de Freud e tantos outros autores da psicologia encontramos
afirmações que para que se tenha uma boa lembrança, uma lembrança afetiva positiva, de
determinado objeto ou situação, é importante, não imprescindível, que as experiências com
este objeto ou situação tenham sido positivas. Minha experiência individual com o fogo,
desde muito novo, foi de curiosidade e experimentação. Na casa de meus avós, no interior,
havia certa permissividade supervisionada, das minhas experiências com fogo. Eu, desde
pequeno, sempre acompanhado de meu avô, ou avó, sempre ajudei a buscar a lenha no
quintal, ajeitar o papel e a madeira para acender o fogo, alimentá-lo sem apagar, eram
momentos de encantamento por minha parte, hipnotizantes, eu ali, acompanhando a dança das
labaredas do fogo, o desenho das cinzas subindo, sentindo o calor no corpo. Com esta
experiência de infância impregnada em mim, combinamos que eu iria cuidar de acender a
fogueira.
O RITUAL DA FOGUEIRA
 CENÁRIO
O lugar da Creche escolhido para receber a roda de fogueira foi o tanque de areia,
pois, pelo formato do tanque, redondo, com degraus no seu entorno, seria ideal para acolher
as pessoas de maneira mais confortável e segura. As pessoas se sentam nos degraus do tanque
e no meio do tanque cavamos o buraco no qual será acesa a fogueira. Dentro deste espaço
montamos os diferentes cenários que podem compor nossas histórias.
 COMBINADOS
Precisamos ter certos cuidados quando temos crianças e fogo no mesmo ambiente.
Para a construção dos combinados em relação à roda e ao fogo, pensamos que a melhor
maneira de fazer era já na primeira roda na fogueira. As crianças já sabiam de todos os
perigos que envolviam o fogo, não foi difícil chegar em um consenso de que na hora de
acender o fogo, e enquanto estiver aceso, nós ouviríamos a história sentados nos degraus, só
quem estivesse manipulando o fogo, ou contando a história ficaria na areia, também
combinamos que quem quisesse se levantar durante a história e se dirigir a outro espaço daria
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a volta por fora do tanque de areia. No final da história quem estivesse cuidando do fogo
chamaria as crianças para ajudarem a apagar o fogo e colocaríamos uma caixa por cima para
evitar o risco de alguém pisar ali, pois a areia ainda estaria quente já que teria brasa da
madeira. Estes foram os principais combinados em relação à segurança construídos no início,
e antes de cada roda nós lembrávamos os combinados, atualmente muitos já foram
incorporados, e também outros foram construídos, como por exemplo: é perigoso para quem
está cuidando do fogo se as pessoas ficarem jogando gravetos ou areia na fogueira.
Entendemos que para além da segurança os combinados norteiam alguns princípios, neste
caso, os princípios do respeito ao outro, da convivência no espaço coletivo. Por essa razão,
acreditamos que essa dinâmica da construção coletiva dos combinados faz parte da
convivência das crianças e adultos.
 O FOGO
O fogo é um dos quatro elementos da natureza essenciais para existir vida. Quando o
ser humano descobriu a maneira de fazer/criar o fogo, sua vida e jeito de estar no mundo se
transformaram. O fogo é o único elemento que o ser humano consegue criar por si só, é fonte
de calor e de energia. Com a descoberta do fogo o ser humano passou a cozinhar a comida
para comer, isso possibilitou que ele ingerisse mais vitaminas e proteínas em sua alimentação
dando condições para que seu cérebro crescesse e se desenvolvesse. O fogo trouxe proteção,
trouxe calor nos dias frios, tudo isso com o domínio do fogo. E como o ser humano fez para
que esse conhecimento passasse a diante, através dos desenhos rupestres e principalmente
através da tradição oral. Os ensinamentos passados de geração para geração a partir da
oralidade foram fundamentais para que as descobertas e desafios vencidos pela humanidade
não se perdessem no tempo e fossem esquecidas, não é por acaso que o momento de contar
histórias está ligado na nossa memória com a presença de algum tipo de fogo, como afirma
Regina Machado.
 A HORA DA HISTÓRIA
Foi preciso pouco tempo para que as crianças se apropriassem da roda de fogueira com
todo seu ritual de preparação e o formato para ouvir as histórias. Organizamos a sexta-feira
como dia oficial da roda de fogueira, mas lá pela quarta ou quinta-feira, as crianças do grupo
já começavam a falar dela e fazer preparos como, cavar buracos onde acendemos o fogo,
pegar os baldinhos para recolher gravetos caídos das árvores, sentar no tanque de areia,
chamando os amigos para hora da fogueira e para ajudarem a acendê-la.
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O ritual em si é simples, algumas crianças pegam os baldes de areia e saímos em busca
de galhos e gravetos caídos das árvores – em tempo, outro combinado importante foi o de
recolhermos somente os galhos do chão, não cortaríamos nem um galho ou graveto das
árvores, nós já temos também uma reserva de galhos e restos de madeira guardados que
completamos com os gravetos para a fogueira. Depois vamos até o tanque de areia e fazemos
o buraco, com tudo pronto as crianças se sentam em seus lugares e eu começo a montar a
fogueira usando papel higiênico embebido com um pouco óleo de cozinha, reutilizado como
tocha, e vamos e conversando sobre a história do dia, se teremos convidados, se será uma
peça de teatro, ou ainda, perguntamos que história que elas querem ouvir.
A oportunidade de experimentar todo ritual é importante para dizer como a criança
vivencia esta integração, pudemos perceber que conforme a roda crescia em participação de
crianças de outros grupos, e elas não tinham participado do ritual de preparação, apenas
chegavam para ouvir a história. A maneira como estas crianças interagiam com a roda era
diferente, percebemos que seria importante se o maior número possível de crianças
participasse de todo ritual, interagindo, reinventando o ritual e constituindo esse momento
construído de forma mais coletiva e autônoma.
 OS CONTOS
Para falar sobre os contos me vem uma pergunta, por que contamos histórias para as
crianças? Os aspectos positivos de se contar uma história para uma ou várias crianças são
todos bem compreendidos, a construção de uma boa relação afetiva com os adultos que lhes
contam as histórias, desenvolver o hábito pela leitura, o desenvolvimento da linguagem oral e
escrita, entre outros. Contudo, o principal deles seria afirmar contamos histórias para as
crianças porque elas gostam. Reparem nos brilhos dos olhos quando miram o livro aberto,
nos movimentos de seus corpos se balançando no ritmo da narração, nas intervenções que
surgem quando achamos que elas não estão prestando atenção. Bem, podemos também nos
perguntar sobre porque elas gostam de ouvir as histórias? Jung nos diz que ao contarmos uma
história estamos reinventando o mundo, pois a história possibilita que cada pessoa que a ouve
tenha uma vivência particular única e enquanto ouve a história, a pessoa tem a possibilidade
de construir uma narrativa no nível do imaginário que se constitui fora do tempo cronológico,
do tempo cotidiano, se constrói no tempo do inconsciente, da fantasia. É como se o tempo
parasse no momento em que estamos ouvindo uma história. Passado e o presente se fundem, o
Era uma vez acontece agora, o que não é possível na gramática é permitido nos contos, pois
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estes estão em outro lugar, fazem parte dos domínios do imaginário, onde começar uma frase
com “Faz de conta que eu era...” faz todo sentido, vira assim um complemento que
organizará toda ação em torno da fantasia: “este lugar para onde a pessoa se transporta é o
lugar da imaginação enquanto possibilidade criadora e integrativa do homem” (Machado,
2004, p. 24). É este também o lugar dos sonhos, portanto ao criarmos espaços e momentos de
compartilhar histórias estamos alimentando a imaginação criativa das pessoas.
Ainda de acordo com Regina Machado, pesquisadora de contos tradicionais, as
histórias, principalmente as da tradição oral, permite à criança entrar em contato consigo
mesma, com seus aspectos mais profundos. O conto oferece à criança a possibilidade de lidar
com suas emoções da forma mais direta e simples, de ordenar suas imagens internas da forma
que lhe faz mais sentido naquele momento. No conto a criança pode reconhecer o medo, a
coragem, a aflição, uma série de afetos e experiências misteriosas com sendo parte dela e
pode expressá-lo. As histórias e os elementos contidos nos contos lhe permitem transitar pelos
dois lados, o de sentir o medo, como um personagem indefeso a espera da ajuda, ou ainda, de
enfrentar o medo, assim como o herói, destemido, corajoso, pronto para enfrentar o perigo e
salvar quem estiver precisando de sua ajuda.
Quando crescemos aprendemos que a expressão destes sentimentos profundos,
algumas vezes confusos, nem sempre são aceitas, ou mesmo, bem vindas socialmente. Nós
começamos a privilegiar a razão como a forma mais sensata de explicar algo, com isso o que
antes era só “desconhecido” passa a ser, no mínimo, “perigoso”, e colocamos tudo em um
lugar que não deve ser visitado, em algo que não se fala mais, quase proibido, para elas
reservamos horários na terapia, na ioga, ou ainda na academia, em resumo, lugares fechados.
Os contos ajudam a resgatar esse lugar e torná-lo visitável, até amigável, ou ainda, eles
mantém viva a chama da imaginação, da fantasia e ajudam a construir um lugar o qual o
misterioso possa despertar a curiosidade, onde as experiências e afetos inexplicáveis possam
fazer sentido, um sentido construído de maneira singular e individual.
Como já dissemos, mais importante que pensar sobre quais efeitos os contos podem
exercer sobre seus ouvintes, é entender que o momento de ouvir um conto, uma história, traz
uma oportunidade de reorganização interna para quem ouve. É como se a pessoa, criança ou
adulto, pudesse transitar por uma infinidade de significados e escolher um que lhe sirva para o
momento. Naquela hora ela tem a oportunidade de reviver, de recontar sua própria história e,
se assim quiser, ressignificar seu lugar no mundo.
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Resultados obtidos com a prática
“ Contar e ouvir histórias é uma forma de brincar. A
estória, principalmente a de tradição oral, ademais de ser
obra de arte de tempos imemoriais, composta de
metáforas, que não são imagens ricas em significados,
podem ser também brinquedo. Como tal, ela possibilita
mais que um
mero divertimento e distração para
crianças, pois solicita de nós um exercício imaginativo
que estabelece vínculos importantes entre quem brinca e
a vida. A linguagem poética usada para criar as estórias é
um jogar com as palavras e, esse caráter lúdico, faz do
contar e ouvir estórias conhecimento de si mesmo e do
mundo”
FABIANA RUBIRA
A proximidade com o fogo trouxe encanto e magia para este momento, que embora
seja simples em termos de recursos materiais, é muito rico em possibilidades de imaginação e
participação. Começamos a replanejar o momento, olhar as dicas que as crianças sempre dão
e fomos mudando um pouco o formato da roda. Os adultos da Creche se envolveram e
começamos a contar com convidados especiais: outros funcionários trouxeram suas
experiências de vida; os personagens dos contos saíram dos livros para a roda da fogueira, a
bruxa, a Emília; fizemos teatro na fogueira; uma estagiária que esteve conosco por dois anos,
e que no passado havia sido criança desta Creche, veio contar a história de quando sua avó
pegava peras no quintal do vizinho, com direito a fotos de sua avó ainda criança. As histórias
ao redor da fogueira foram se incrementando a partir destes e de outros convidados especiais.
O ponto alto foram as participações de professores e crianças mais velhas que vieram
compartilhar seus conhecimentos a respeito do personagem do Saci, onde vivia, como
poderíamos pegá-lo, entre outras coisas. As crianças participaram ativamente da conversa:
- O Saci é irmão da Cuca?
- Como é que pega ele na garrafa?
- Eu sei onde tem uma peneira.
- Eu tenho medo.
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Nesse dia saímos da roda da fogueira e fomos para outro espaço externo da Creche, o
Pátio do Gramado, onde temos um bambu e ver se havia algum Saci por lá, já que ouvimos
das crianças que ele nascia e vivia no bambu. Na busca as crianças encontraram um pedaço de
pano vermelho no chão que logo denominaram como gorro do Saci.
Pudemos sentir o envolvimento de todos, pouco a pouco, com a proposta e o que
antes era uma questão, de como seria a aceitação da atividade, hoje já temos a resposta, a roda
de história na fogueira é uma atividade permanente na Creche/Pré-Escola Oeste.
Não vivemos nosso cotidiano pensando no tempo, em função de um relógio, de um
cronograma a ser cumprido. Como apresentamos lá no início, a nossa rotina é bem flexível,
mesmo assim, queríamos propiciar um momento de pausa de tudo para compartilhar histórias,
pois, para além de aumentar o repertório de histórias das crianças e todas contribuições que os
contos trazem para nossa vida, acreditamos que oferecer um momento destes é tão amplo, tão
vasto de significados ligados a nossa ancestralidade que a atividade por si só é muito
significativa, não pretendíamos nada além de ofertar um tempo para compartilharmos juntos
uma experiência ligada aos nossos antepassados.
Termino aqui com o relato de A., colega de trabalho, parceira de grupo no ano de
2014, revelando como as crianças com suas cem linguagens, como diz Lóris Malaguzzi,
reinventam nossas pretensões:
“Ao final das histórias as crianças ajudavam a apagar o fogo jogando areia e
cobrindo o buraco com uma caixa. Às segundas-feiras, quando estamos no mesmo pátio onde
acontece a roda de fogueira, algumas crianças brincando de cavar na areia, acharam os
gravetos queimados, levamos para sala estes foram utilizados de maneiras diversas como
comidinha, lixa de unha etc. Em outra semana a escavação foi intencional e assim que
encontraram os carvões, as crianças correram pra desenhar no chão e no pilar do pátio. As
crianças estão cada vez mais apropriadas da roda de fogueira. No decorrer da semana as
crianças começam a perguntar se é dia da roda de fogueira e fazem isso com as mãos ou
baldes cheios de gravetos. Ajudam a organizar o pátio, guardando os brinquedos, fazendo o
buraco onde o Ramiro vai acender o fogo e em seguida sentam em volta do tanque de areia
esperando a história começar. Sempre ficam atentas aos próximos acontecimentos da história
que sendo contada e, quando a conhecem até antecipam os fatos. Certa vez, Ramiro estava
contando a história da Branca de Neve. No decorrer da narrativa, uma pessoa que passava
na calçada da Creche, ouviu a história e fez uma participação especial, não programada.
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Ramiro estava na parte em que a madrasta pergunta ao espelho se existia alguém mais bela
do que ela... nessa hora a mulher que passava na rua, disse: “Eu sou a mais bela! Mate a
Branca de Neve!”. Ao ouvir aquela voz, as crianças ficaram assustadas, sentando bem
juntinhas umas das outras, com os olhos arregalados. Ao final da história fomos até a cerca
ver se a suposta bruxa havia deixado algum vestígio. Uma das primeiras crianças a se
aproximar da cerca – e talvez a única que não apresentou sinais de medo, disse: “Olha, tem
uma maçã!”. As outras crianças não quiseram se aproximar muito para ver. Algumas
disseram: “Vou olhar daqui mesmo, porque eu tenho medo”. Essa participação inusitada, foi
bem aceita pelo grupo: por diversas vezes antes do fogo se acender nos pediam que
contássemos uma história de medo.
(Relato de A., professora do grupo amarelo de 2014)
Referências
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental.
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEB, 2010.
JOSÉ, Elias. Ao pé das fogueiras acesas. São Paulo: Editora Paulinas, 2008.
JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964.
KOBAYASHI, Maria do Carmo (Org.). Literatura infantil na formação do leitor: teorias e
vivências. Bauru: Canal6, 2013
MACHADO, Regina. Acordais: fundamentos teórico-poéticos da arte de contar histórias. São
Paulo: DCL. 2004
RUBIRA, Fabiana Pontes. Contar e ouvir estórias: um diálogo de coração para coração
acordando imagens. São Paulo: FEUSP, dissertação de mestrado, 2006.
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A situação social de desenvolvimento das crianças de dois a três anos e a intervenção
intencional do professor
Renata Aparecida DezoSingulani.
UNESP – Campus de Marília.
[email protected]@terra.com.br
Resumo
O artigo tem como objetivo apresentar a tese de doutorado intitulada “A situação social de
desenvolvimento na Primeira Infância: um estudo sob o enfoque histórico – cultural”. O
estudo parte do pressuposto de que a situação social de desenvolvimento da criança é
condicionada por suas condições de vida e educação. A pesquisa tem com como objetivo
analisar a situação social de desenvolvimento das crianças de dois a três anos por meio das
situações vivenciadas na escola da infância. A hipótese inicial é de que as atividades na escola
de Educação Infantil podem ser potencializadas quando se foca na observação dos fazeres, na
situação social de desenvolvimento e nas funções psíquicas superiores em formação. A
metodologia consistiu em observação e filmagem da rotina de uma turma de crianças de dois
a três anos. A pesquisa revela que a intervenção intencional do professor é condição
fundamental para criar as condições adequadas ao desenvolvimento infantil, assim como, a
sua potencialização.
Palavras chave: Educação Infantil. Situação social de desenvolvimento. Intervenção do
professor.
1 - Introdução
Este artigo tem como objetivo fazer uma breve apresentação da minha tese de
doutorado, intitulada “A situação social de desenvolvimento na Primeira Infância: um estudo
sob o enfoque histórico – cultural” a qual, encontra-se em processo de finalização.
Diante dos meus estudos referentes a teoria histórico – cultural e a educação das
crianças pequenas e da minha presença no ambiente escolar, sinto-me impactada com a
pobreza de experiências e atividades que são realizadas pelas crianças na escola de Educação
Infantil, ficando muito aquém do que poderiam de fato fazer, e com o predomínio da
concepção biologizante do desenvolvimento, considerado como dependente apenas dos
fatores biológicos. Por isso, procureina pesquisa, observar como se apresenta a atividade das
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crianças de dois a três anos nas escolas de Educação Infantil e como ela pode vir a ser
realizada a partir do referencial da teoria histórico – cultural.
Nesse caso, compreender as atividades das crianças implica olhar para o conjunto de
elementos que a determinam como: a cultura presente na escola, a organização do tempo e do
espaço, as intervenções realizadas no processo de aprendizagem e desenvolvimento e a forma
como se estruturam as relações entre as crianças, crianças/cultura/ e criança/professora, visto
que, para a teoria histórico – cultural, esses elementos constituem as condições materiais
concretas essenciais para promover o desenvolvimento infantil. Por isso não basta olhar,
isoladamente, para a criança, mas sim para o contexto social, na qual ela está inserida, ou seja,
para as suas condições de vida e educação.
Parto do pressuposto de que são as condições de vida e educação das crianças na
escola de Educação infantil que condicionam a sua situação social de desenvolvimento e,
quando são intencionalmente organizadas, podem promover vivências que conduzam ao
máximo desenvolvimento. Adotar o conceito de situação social de desenvolvimento significa
considerar o desenvolvimento infantil como fruto das vivências que são realizadas pelas
crianças na escola da infância, a partir das condições concretas criadas pelo educador como:
acesso à cultura, realização de atividades, relação de parceria entre crianças e educadores e
intervenções adequadas.
Assim, a tese visa demonstrar que a intervenção intencional do professor, como uma
das condições objetivas constitutivas da situação social de desenvolvimento, impacta os
processos psíquicos atuais e em formação possibilitando a complexificação ou não desses
processos naturais que podem vir a ser tornarem processos culturais. Nesse caso, a
intervenção tem uma qualidade que promove a relação da criança com a cultura e as pessoas e
permite a sua atividade autônoma, colocando ambos os sujeitos - criança e professora - como
protagonistas do processo educativo. Dessa forma, a intervenção deve ser planejada no
sentido do professor criar as condições adequadas à atividade autônoma das crianças, a
exploração dos bens culturais, a criação da zona de desenvolvimento eminente, ampliando as
experiências e vivências das crianças na escola da infância.
A pesquisa teve como objetivo geral identificar e analisar a situação social de
desenvolvimento da criança de dois a três anos por meio das situações vivenciadas na escola
da infância e tem como objetivos específicos analisar as condições objetivas e subjetivas em
que se efetivam as experiências das crianças de dois a três anos na escola de Educação
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Infantil, refletir sobre como acontece a intervenção intencional do professor nessas
circunstâncias e identificar como tais condições se objetivam em elementos indicadores do
desenvolvimento psíquico.
A hipótese inicial é de que o desenvolvimento da criança pode ser potencializado
quando se identifica a situação social de desenvolvimento, o que implica reconhecer as
condições objetivas e subjetivas em que acontecem a atividade e como essa atividade impacta
as funções psíquicas em formação.
Sendo assim, a pesquisa buscou não apenas fazer a crítica quanto ao trabalho que é
realizado hoje nas escolas de Educação Infantil, mas a partir da teoria histórico – cultural,
apresentar possibilidades de uma educação desenvolvente, no sentido de promover o avanço
no desenvolvimento das crianças.
Desse modo, a relevância da pesquisa está em oferecer elementos para ampliar as
reflexões sobre a educação das crianças de zero a três anos à luz da teoria histórico-cultural e
em esclarecer o lugar do professor nessa relação com a criança.
A pesquisa foi realizada numa Instituição de Educação Infantil, localizada numa
cidade do interior do estado de São Paulo, a qual atendia crianças de quatro meses a cinco
anos, no período das 7:00hs às 17:00hs. Durante a coleta de dados, a Instituição estava
atendendo um total de cento e trinta e nove crianças que se dividiam em várias turmas:
berçário, maternal I, maternal II, nível I e nível II. A turma selecionada para a pesquisa foi a
do maternal I, composta por vinte crianças com idade entre dois a três anos que ficavam sob a
responsabilidade de duas professoras. Todas as crianças da turma frequentavam a Instituição
por um período de dez horas e residiam nos bairros adjacentes ao Centro de Educação
Infantil.Antes do início da coleta, todos os pais foram comunicados sobre a realização da
pesquisa e foram unânimes em autorizar a participação das crianças. As duas professoras
responsáveis pela turma também consentiram em recepcionar a coleta em sua sala.
A identificação dos sujeitos na pesquisa não seguiu o mesmo critério para as crianças
e as professoras. No caso das professoras, foi dada a oportunidade de escolherem o nome,
pela qual, elas gostariam de ser chamadas na pesquisa, em relação às crianças, a opção foi
chamá-las pela inicial do nome de cada uma, visto que, elas mantinham uma forte relação
com o nome, enquanto marca de sua individualidade.
Diante do objetivo da pesquisa, o procedimento metodológico adotado para a coleta
de dados foi a filmagem, considerada como o instrumento mais adequado para captar os
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diversos elementos que compunham as situações vivenciadas pelas crianças na escola da
infância. Assim, as crianças eram observadas em sua forma viva de se expressar e se
relacionar com as pessoas e a cultura.
Conforme Francisco e Rocha (2008, p. 309), a filmagem
[...]perpetua de maneira plena gestos, olhares, silêncios, sons, sentimento,
diálogos e movimento das situações selecionadas pelo investigador ao
ajustar o foco de seu olhar através da lente da câmera filmadora”
(FRANCISCO; ROCHA, 2008, p. 309).
Segundo os autores supracitados, esse instrumento permite ao pesquisador “a
apreensão das relações/interações ocorridas, mesmo as mais sutis, com maior riqueza de
detalhes, a medida em que possibilita presentificar o passado a partir de um ver de novo, e
novamente... parte da realidade” (FRANCISCO; ROCHA, 2008, p. 309). A filmagem
possibilita ainda com que o pesquisador possa ver e reviver as situações gravadas várias
vezes, a fim de uma melhor compreensão dos dados coletados.
Após a definição do instrumento metodológico a ser adotado, iniciou-se a realização
de um projeto piloto com o objetivo de aperfeiçoar os elementos técnicos e analisar a
adequação do roteiro de orientação da coleta. O projeto piloto foi realizado durante o segundo
semestre do ano de 2012, na mesma instituição onde foi realizada a pesquisa.
O roteiro teve como foco a observação da relação criança/criança, criança/educadora
e criança/cultura.Com o roteiro em mãos as filmagens começaram no mês de março de 2013 e
prosseguiram até outubro do mesmo ano.
Durante as filmagens a pesquisadora movimentava-se entre as crianças, com a
filmadora nas mãos, focando a lente nas situações condizentes ao roteiro elaborado
anteriormente, o qual envolvia as diversas situações vivências pelas crianças na escola. A
maioria das filmagens aconteceu no período da manhã, dentro da sala e apenas duas vezes
foram realizadas no período da tarde, a fim de observar as crianças brincando no parque.Ao
todo, foram transcritas trinta e três situações.
Considerando que o objetivo da pesquisa é compreender as condições da atividade
das crianças e os indícios do seu desenvolvimento psíquico a análise procurou compreender
os processos que suscitam tal desenvolvimento, por isso, a criança não foi observada,
isoladamente, mas no contexto vivenciado por ela na escola. Assim, a pesquisa não se limitou
a aparência dos dados, mas buscou compreender a sua essência.
Conforme Martins (2006, p. 10 -11),
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Se queremos descobrir a essência oculta de um dado objeto, isto é, superar
sua apreensão como real empírico, não nos bastam descrições acuradas
(escritas, filmadas, fotografadas etc!!!), não nos bastam relações íntimas com
o contexto da investigação, isto é, não nos basta fazer a fenomenologia da
realidade naturalizada e particularizada nas significações individuais que lhe
são atribuídas. É preciso caminhar das representações primárias e das
significações consensuais em sua imediatez sensível em direção à descoberta
das múltiplas determinações ontológicas do real.
Nesse contexto, a análise buscou compreender o processo, no qual, o objeto em
estudo foi sendo construído. Segundo Vigotski (1995, p. 100), é fundamental “apresentar
experimentalmente toda forma superior de conduta não como objeto, senão como um
processo, e a estudá-lo em movimento, para não ir do objeto a suas partes, mas do processo a
seus momentos isolados”.
Buscou-se ainda realizar uma análise explicativa dos fatos e não somente descritiva.
Conforme Martins (2013, p. 85), “apenas a análise explicativa do processo poderia pôr a
descoberto a essência do fenômeno psíquico, as relações dinâmico-causais e o conjunto de
condições que levam à sua formação e desenvolvimento”.
Outro elemento apontado por Vygotski (1995) como essencial na análise, e que a
pesquisa buscou contemplar é o “descobrimento da gênese do fenômeno, sua base dinâmicocausal”.
Conforme Vigotski (1995, p. 104),
Por isso a análise não se limita somente ao enfoque genético e estuda
obrigatoriamente o processo como uma determinada esfera de possibilidades
que somente em uma determinada situação ou em um determinado conjunto
de condições, leva à formação de um determinado fenótipo.
2- Desenvolvimento
A pesquisa fundamenta-se na teoria histórico – cultural, que tem Vigotski como seu
principal representante. Tal teoria considera que as características humanas não são
determinadas apenas por fatores biológicos, mas dependem, essencialmente, das condições de
vida e educação do sujeito.
Conforme Leontiev (1978, p. 267):
[...] cada indivíduo aprende a ser um homem. O que a natureza lhe dá
quando nasce não lhe basta para viver em sociedade. É lhe ainda preciso
adquirir o que foi alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da
sociedade humana.
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Nesse processo de humanização, o papel do Outro, enquanto sujeito mais experiente,
é fundamental para a apropriação das qualidades humanas, visto que, é nas relações que o
sujeito torna-se humano. Conforme Vigotski (1994, apud Pino, 2005, p. 167), “o caminho do
objeto (mundo externo) à criança e desta ao objeto passa por outra pessoa”, ou seja, depende
do que o Outro lhe apresenta da produção cultural, criada historicamente, pela humanidade.
Assim, entendemos que os elementos que compõem a rotina da criança dentro e fora
da escola impactam, diretamente, na constituição de sua situação social de desenvolvimento.
O conceito de situação social de desenvolvimento é utilizado por Vigotski para caracterizar o
conjunto das condições internas de desenvolvimento do indivíduo,ou seja, as suas
particularidades expressadas na forma como percebe, vê e compreende as coisas. Por isso, a
situação social de desenvolvimento é específica de cada criança e de cada período do seu
desenvolvimento, como diz Vigotski (1996, p. 264), ela é “totalmente peculiar, específica,
única e irrepetível”.
Conforme Vigotski (1996, p. 264), “a situação social de desenvolvimento é o ponto
de partida para todas as mudanças dinâmicas que se produzem no desenvolvimento durante o
período de cada idade”, por isso é importante que na escola de Educação Infantil o professor
compreenda esse processo de formação da criança para que possa planejar intervenções que
possibilitem com que ela avance em seu desenvolvimento.
Nesse contexto, o desenvolvimento infantil não é determinado pela idade biológica
da criança, mas pela situação social de desenvolvimento, ou seja, pela sua condição de
apropriação da cultura que se manifesta nas relações que estabelece com as pessoas e a
cultura.
Para Vigotski (2010, p. 695), o meio tem o “papel de fonte do desenvolvimento [...]
e não de circunstância”, por isso, quanto mais amplo for o contato da criança com o meio,
mais condições ela terá para desenvolver suas máximas qualidades humanas.Ao anunciar a
importância do meio para o desenvolvimento infantil, Vigotski não considera que ele em si
próprio propicie tal desenvolvimento, mas sim às relações que são estabelecidas entre a
criança e o meio.
Na escola da infância, o professor, será o Outro mais experiente, responsável por
apresentar a cultura às crianças, inclusive em sua forma mais elaborada. De acordo com a
teoria histórico – cultural, a cultura representa:
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707
[...] tudo aquilo que o ser humano tem construído, o que não se encontra de
forma natural na natureza, senão que o homem, teve que construir para poder
adaptar-se ao meio, adaptando o meio às suas possibilidades. 102 (BEATÓN,
2005, p. 170).
Segundo Vigotski (2010), na relação da criança com o meio, é fundamental que a sua
forma ainda rudimentar de desenvolvimento se relacione com a forma final e ideal de
desenvolvimento,
ou
seja,
com
aquilo
“que
deve
ser
obtido
no
final
do
desenvolvimento”(VIGOTSKI, 2010, p. 693), pois, “se não há no meio uma forma ideal
correspondente, então, na criança, não se desenvolverá a ação, a propriedade correspondente
[...]” (Ibidem, p. 695).
Sendo assim, é importante que as crianças, mesmo as bem pequenininhas, se
relacionem com que temos de mais elaborado da cultura, para que essa relação entre o
primitivo e o final propicie o seu desenvolvimento.
Visto que, para a teoria histórico – cultural, o desenvolvimento psíquico não é
considerado um processo natural que depende apenas dos fatores biológicos, a aprendizagem
tem um papel fundamental nesse processo, pois, segundo Vigotski, é ela que conduz o
desenvolvimento. Para o autor (2010a, p. 115), “[...] todo o processo de aprendizagem é uma
fonte de desenvolvimento que ativa numerosos processos, que não poderiam desenvolver-se
por si mesmos sem a aprendizagem”.
A relação estabelecida entre a criança e o meio é marcada ainda pelo caráter afetivo
do relacionamento, considerado por Bozhovich (1976, p. 123) como “vivências emocionais
prolongadas e profundas, diretamente relacionadas com as necessidades e aspirações ativas,
que tem para o sujeito uma importância vital”.
Para Gomes (2008, p. 124), “o afeto diz respeito àquilo que afeta, o que mobiliza – e
por isso reporta a sensibilidade, sensações – ser tomado por, atravessado, perpassado, quer
dizer: afetado”. Ao ser afetada pelos elementos do meio, a criança passa a vivenciar as
situações num alto grau de satisfação, de maneira que tal vivência provoque uma mudança
qualitativa em seu desenvolvimento.
Vigotski (2010, p. 686), define a vivência como:
102
No original: “es todo aquello que há construido el ser humano, como ya señalé, lo que no se encuentra de
forma natural en la naturaleza, sino que el hombre, lo tuvo que construir para poder adptarse al medio, adaptando
el medio a sus posibilidades”.
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Uma unidade na qual, por um lado, de modo indivisível, o meio, aquilo que se
vivencia está representado – a vivência sempre se liga àquilo que está localizado
fora da pessoa – e por outro lado, está representado como eu vivencio isso, ou seja,
todas as particularidades da personalidade e todas as particularidades do meio são
apresentadas na vivência, tanto aquilo que é retirado do meio, todos os elementos
que possuem relação com dada personalidade, como aquilo que é retirado da
personalidade todos os traços de seu caráter, traços constitutivos que possuem
relação com dado acontecimento.
Assim, a vivência se constitui quando os elementos do meio afetam, profundamente,
as crianças de modo, a conduzirem a atividades promotoras do desenvolvimento. Segundo
Bozhovich (1976) o que determina o caráter das vivências são as necessidades da criança
associadas ao seu grau de satisfação, ou seja, quando elas encontram no meio os elementos
que satisfaçam as suas necessidades, naquele momento.
As experiências que promovem mudanças qualitativas no desenvolvimento infantil
são nomeadas por Leontiev (1978) como atividade. Segundo o autor, o termo atividade é
designado aos
[...] processos que são psicologicamente caracterizados pelo facto de aquilo
para que tendem no seu conjunto (o seu objeto) coincidir sempre com o
elemento objectivo que incita o paciente a uma dada atividade, isto é, com o
motivo (LEONTIEV, 1978, p. 296).
Por isso, nem todas as atividades realizadas pelas crianças na escola da infância
podem ser consideradas como atividade, mas apenas aquelas que respondem às suas
necessidades de aprendizagem. Assim, podemos dizer, que quando a criança encontra no meio
os elementos que atendem as suas necessidades e, de alguma forma, sente-se afetada por eles,
pode realizar vivências/atividades que promovam o seu desenvolvimento.
Desta forma, cada vez que a criança sente-se afetada pelo meio e coloca-se em
atividade, há possibilidade de que sua vivência promova um avanço em seu desenvolvimento,
resultando em uma nova situação social de desenvolvimento.
3- Considerações Finais
A pesquisa, mesmo estando em fase de conclusão, revela que embora na sala não
houvesse muitos materiais diversificados e disponíveis às crianças, elas em vários
momentosse colocavam em atividade com os objetos que lhes eram apresentados e
disponibilizados. Quando a professora oferecia algum brinquedo ou objeto novo, o interesse
das crianças era geral, todos queriam ver e experimentar tal novidade.
Em muitas situações as crianças brincavam, livremente, sem nenhuma intervenção
do professor, e nesses casos, realizavam o que já eram capazes de fazer de maneira autônoma,
não avançando no desenvolvimento. Às vezes, por não conseguirem finalizar a atividade, as
crianças a abandonavam.
Outro dado apontado pela análise demonstra que mesmo a professora não
interferindo nas brincadeiras das crianças, algumas vezes, elas próprias sentiam-se afetadas
pelo fazer dos amigos, colocando-se em novas atividades.
Nas poucas vezes, em que a professora envolveu-se na brincadeira das crianças,
houve grande participação das mesmas, o que demonstra o interesse delas pela atividade
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709
conjunta com a professora. Nesses momentos, a professora, enquanto sujeito mais experiente,
possibilitava às crianças ampliar seus referenciais, criava nelas novas necessidades e realizava
intervenções sobre os processos psíquicos em desenvolvimento como: a atenção, a memória,
o pensamento e a linguagem.
Nas várias atividades realizadas pelas crianças, durante a coleta, foi possível perceber
as funções psíquicas que eram exigidas pelas mesmas e o quanto a intervenção da professora
era fundamental para promover a sua potencialização.
Enfim, a pesquisa demonstrou que as condições da atividade das crianças impactam a
sua situação social de desenvolvimento e a intervenção intencional do professor é
fundamental para promover uma educação desenvolvente, que promova a potencialização do
desenvolvimento infantil.
Referências Bibliográficas
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VYGOTSKI. L. S. Obras Escogidas III. Madrid: Visor Distribuiciones, 1995.
_______. Obras escogidas IV: Madrid: Visor Distribuiciones, 1996.
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710
Projeto Brincando de Fazer Arte
Rosana de Sousa Aquino 103
Angélica Oliveira Poon 104
Cristiane Domingos de Souza 105
O vídeo apresenta o projeto “Brincando de fazer arte”, realizado com crianças de 0 a 3
anos, na Creche/Pré-Escola Oeste da USP. Surge impulsionado pela observação do
movimento das crianças durante as brincadeiras, das relações que constroem com o outro e
que desenvolvem com a natureza. Inspiradas por autoras como Anna Marie Holm, buscamos
desafiar as crianças a vivenciarem situações de criação, elaboração, exploração e integração
com o meio. As professoras realizaram pesquisas de forma a despertar o prazer de estar,
pensar, imaginar e interagir. Como uma paleta de possibilidades, a configuração das propostas
em ateliês de artes permitiu às crianças a escolha de suas brincadeiras e experimentações. O
desenvolvimento desse projeto, em 2015, tem nos revelado o quanto o papel do professor
pesquisador com um olhar sensível favorece a compreensão do que é a arte para as crianças
pequenas, permitindo assim transformar as práticas.
Palavras chave: Artes- Brincadeira- Educação Infantil
103
Professora de Educação Infantil da Creche/Pré-Escola Oeste- Divisão de Creches- SAS-USP
104
Professora de Educação Infantil da Creche/Pré-Escola Oeste- Divisão de Creches- SAS-USP
105
Professora de Educação Infantil da Creche/Pré-Escola Oeste- Divisão de Creches- SAS-USP
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711
O conhecimento na Educação Infantil: um estudo a partir da produção bibliográfica
brasileira106
Rosane Cândida de Almeida107
Esta pesquisa inscrita na linha de pesquisa Educação Sociedade e Cultura tem como
objetivo investigar o que se nomeia por conhecimento nos artigos científicos apresentados no
GT nº 07, Educação de crianças de 0 a 6 anos da ANPED – Associação Nacional de PósGraduação e Pesquisa em Educação –
no período de 2009 a 2013. Portanto, parte da
compreensão sobre o debate científico, produzido cultural e historicamente, em relação ao
conhecimento na educação infantil. Neste campo, toma, ainda, a análise sobre o discurso
oficial expresso na legislação vigente e o “estado do conhecimento ”
do tema a partir dos
trabalhos disponíveis no Portal de Periódicos da CAPES produzidos no mesmo período.
Dessa forma, pretende-se contribuir com o debate das questões da educação infantil
ampliando o que já foi produzido sobre o tema em articulação com outras temáticas –
currículo e conteúdo – que estabelecem mediação com o objeto de estudo. O trabalho a ser
produzido constituir-se-á em um estudo bibliográfico de base documental com análise de
conteúdo. Terá como método de análise o Materialismo Histórico Dialético e os fundamentos
dos estudos críticos a partir de Marx, Adorno e Horkheimer.
106
Pesquisa em 2014 no Mestrado em Educação da PUC-GO, sob a orientação do Prof. Dr. Romilson
Martins Siqueira.
107
Mestranda em Educação na PUC Goiás, Pesquisadora no Projeto de Pesquisa “O que as crianças
pensam sobre o mundo? ”, financiado pelo CNPq e em execução pelo GEPCEI. Bolsista CAPESPROSUP.
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712
Brincadeiras Populares Para Além do Mês de Agosto
Sandra Regina do Nascimento1
Fatima Rosacacia Fernandes Macari2
Marta Martins Valentim3
Resumo
Este trabalho é uma critica as brincadeiras dos dias atuais, onde os brinquedos eletrônicos
tomam o lugar das brincadeiras populares, também faz uma reflexão ao trabalho docente
voltado para as datas comemorativas, onde as atividades são reducionistas e sem um contexto
significativo para as crianças, onde a criança desenvolve o papel de banco de informação,
apenas. E mostra que as brincadeiras são ferramentas que desafiam a criança facilitando suas
descobertas e a compreensão de que o mundo está cheio de possibilidades e oportunidades
para a expansão da vida com alegria e vivência grupal. Trata-se da experiência de um
grupo formador
por controlador
de
acesso,
agente
educacional, pessoal
da
limpeza, professores, alunos e demais pessoas envolvidas no trabalho no Cemei “Maria
Consuelo Brandão Tolentino”, escola de educação infantil situada na região da periferia da
cidade de São Carlos, desenvolvido a partir das concepções de Vygotsky, da importância do
brincar e da apropriação da cultura.
Palavras-chave: Educação Infantil, Brincadeiras, Desenvolvimento e Aprendizagem.
Justificativa
As atividades na educação infantil são dirigidas pelo calendário de datas comemorativas, no
mês de agosto a data que mais se baseiam as atividades na educação infantil é o folclore. Mas
o que é o folclore senão o conjunto de costumes, lendas, provérbios, manifestações artísticas,
preservado por um povo ou grupo populacional, por meio da tradição oral, passadas ao longo
dos anos, logo podemos considerar dentre estas tradições as brincadeiras populares. De
acordo com MELLO:108
108
Professora de Educação Infantil do Município de São Carlos
2
Professora de Educação Infantil do Município de São Carlos
3
Professora de Educação Infantil do Município de São Carlos
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713
...aprendemos a perceber que cada criança aprende a ser um ser humano. O
que a natureza lhe provê no nascimento é condição necessária, mas não basta
para mover seu desenvolvimento. É preciso se apropriar da experiência
humana criada e acumulada ao longo da história da sociedade. Apenas na
relação social com parceiros mais experientes, as novas gerações internalizam
e se apropriam das funções psíquicas tipicamente humanas – da fala,
do pensamento, do controle sobre a própria vontade, da imaginação, da
função simbólica da consciência –, e formam e desenvolvem sua inteligência e
sua personalidade. (MELLO, 2007)
Este projeto surge a partir do olhar de uma professora depois de dar aulas na região central da
cidade e na periferia de São Carlos, e a partir das brincadeiras desta professora com uma
criança de 3 anos de idade. Esta brincadeira de ambas era o “Babalu”.
Babalu, babalu é Califórnia
Califórnia é Babalu
Estados Unidos, balança seu vestido
Pra frente pra trás
Rebola um pouco mais.
Pisa no chiclete
Da uma rodadinha
Imita o Capetinha UH
A professora observou que a brincadeira de crianças na periferia se diferenciava e muito das
brincadeiras de crianças na região central e a partir desse evento percebeu algumas das razões
que levavam a região periférica a cultivar e promover brincadeiras populares tais como
amarelinha, balança caixão, pipa, entre outras. E qual é a razão destas brincadeiras fazerem
parte tão ativamente na vida destas crianças.
A professora percebeu que fatores como situação econômica e acesso a aparelhos eletrônicos
influenciavam nesta questão. Enquanto crianças da região central brincam desde cedo com
equipamentos eletrônicos, crianças da periferia ainda cultivam as brincadeiras populares. O
que é necessário para criança brincar com brincadeiras populares: é seu próprio corpo e a
presença do outro, para sua interação parceria e cooperação, enquanto jogos eletrônicos com
celulares tablets e computadores a criança precisa de um equipamento caro.
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714
Nas brincadeiras populares a criança se
apropria
da
cultura
de
forma
ativa
e
participativa, pode o professor a partir, destas brincadeiras, trabalha os mais variados
conceitos (atrás, na frente, maior, menor, primeiro ultimo, dentro, fora e muitos outros)
também significando este conhecimento. Ao soltar pipa a experiência cientifica com os
ventos, céu e terra são realmente de muita importância. A criança libera energia ao brincar
correr, conhece melhor seu companheiro. Quando a criança participa de brincadeiras
populares como, por exemplo, corre cutia ela esta desenvolvendo sua linguagem, suas
relações
interpessoais
e, seu
desenvolvimento
motor,
entre
outros
aspectos
do
desenvolvimento.
Como nos aponta Pimentel:
A escolha da atividade lúdica e dos meios mais apropriados para oferecêla
à criança é definida de acordo com os objetivos educativos pretendidos,
visando atender às suas necessidades sócio-afetivas e psíquicas da criança.
Por isso é fundamental promover, na escola, motivações semelhantes às
que ela encontra no jogo em ambiente não-escolar. ( PIMENTEL, 2008)
Também para os outros envolvidos as experiências são importantes integra, valoriza a
importância seus conhecimentos e sua participação nas atividades desenvolvidas com
as crianças tornando-as elementos que também irão transmitir seus conhecimentos para os
pequenos valorizando também os seus saberes.
O projeto então tomou forma e as brincadeiras propostas foram desenvolvidas durante todo o
ano de forma a salientar a importância destas brincadeiras e a possibilidade das
mesmas, extrapolarem o mês de agosto.
Procedimentos Metodológicos
Com o envolvimento de diferentes atores que compõem o quadro de funcionários da unidade,
participação em todas as etapas desde o pintar a amarelinha no chão do pátio da escola como
brincar junto com as crianças estes envolvidos foram: agentes educacionais, crianças,
controlador de acesso, pessoal da limpeza, e professores foi proporcionado às crianças o
contato com as mais diversas atividades tais como: amarelinha, corre cutia, balança caixão,
casinha, cobra cega, pião, esconde-esconde, brincadeiras circulares, passa anel, mãe da rua,
peteca, queima, pega-pega, morto vivo, mãe da rua, entre outras. As brincadeiras ocorreram
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715
ao longo do ano e contou a cada vez com a participação de mais pessoas se envolvendo no
processo de aprendizagem das crianças, proporcionando maior riqueza de interação e
oportunidade de aprendizado.
Objetivo Geral
. Desenvolver a inteligência e personalidade a partir do incentivo e valorização das
brincadeiras culturais populares.
Objetivo específico
. Desenvolver linguagem verbal (oral) e não verbal (músicas, gestos, tom de voz, corpo) nas
crianças de 0 a 3 anos;
. Valorizar as expressões e cultura do povo;
. Valorizar os movimentos corporais nas brincadeiras;
. Incentivar as relações interpessoais na educação infantil;
. Valorizar as brincadeiras de interação com o outro;
. Estimular, a atenção, a imaginação e a memória;
. Estimular a autonomia e a livre escolha das atividades e brincadeiras.
Conclusão
Verificamos
que
criança
aprende
através
da
participação
e
da
brincadeira
de forma significativa e vimos como desenvolveram sua atenção, memória e imaginação a
partir destas vivências. Reinventando estas mesmas brincadeiras, ativando o processo criativo
destas crianças. Recordavam as músicas e as sequências das brincadeiras. Desenvolveram
imaginação nas brincadeiras de casinha, onde meninos e meninos brincavam juntos.
Com o tempo as crianças brincavam com os outros amigos e aproveitavam melhor os espaços
da escola sem a necessidade da participação do adulto desenvolvendo sua independência, e
quando o adulto participava a criança ficava ainda mais envolvida, pois mostrou uma relação
horizontal entre todos. As crianças se sentiram importante percebendo que o adulto faz parte
do “seu mundo” o mundo da imaginação e do brincar reiterando a importância destas
atividades.
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716
Concluímos a partir deste trabalho a importância do envolvimento de todos nas atividades da
unidade escolar, por que desta forma valorizou os saberes dos envolvidos, saberes com
pintura,
histórias
diferentes, maneiras diferentes de
brincar
e
cantar
uma
mesma
brincadeira, e isso os fez perceberem que todos fazem parte da aprendizagem da criança de
maneira intencional ou não. Também proporcionou momentos de descontração e alegria o que
consideramos muito importante para a experiência.
Brincar é repetir e recriar ações prazerosas, expressar situações imaginárias,
criativas,
compartilhar
brincadeiras
com
outras
pessoas,
expressar
sua individualidade e sua identidade, explorar a natureza, os objetos,
comunicar-se, e participar da cultura lúdica para compreender seu universo.
Ainda que o brincar possa ser considerado um ato inerente à criança, exige um
conhecimento, um repertório que ela precisa aprender. (Brasil, 2012)
Vimos, sobretudo como é rica e desafiadora a experiência vivida pela criança nas brincadeiras
que envolvam o corpo e a interação com as outras crianças. Em detrimento das brincadeiras
com equipamentos eletrônicos que não possibilitam a expressão e o movimento corporal.
As brincadeiras populares colaboraram como ferramentas que desafiam a criança facilitando
suas descobertas e a compreensão de que o mundo está cheio de possibilidades e
oportunidades para a expansão da vida com alegria, emoção, prazer e vivência grupal.
Brincar é fonte de lazer, mas fonte de conhecimento que nos possibilita a considerar o brincar
parte integrante da atividade educativa.
Referências Bibliográficas:
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MELLO, Suely Amaral. Infância e humanização: algumas considerações na perspectiva
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MUKHlNA, V. Psicologia da idade pré-escolar. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
PIMENTEL, A. A ludicidade na educação infantil: uma abordagem histórico-cultural.
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VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. Martins Fontes: São Paulo, 1984.
ISSN 2448-1157
717
A sociologia da infância no contexto brasileiro: um balanço das produções da ANPED
(1998 a 2013)109
Tammi Flávie Peres Borges110
Sílvia Adriana Rodrigues111
RESUMO: Este artigo apresenta a investigação realizada com objetivo de mapear as
produções que utilizam como referencial teórico pressupostos da Sociologia da Infância,
apresentados nas reuniões anuais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação (Anped). A pesquisa, com caráter qualitativo, se configurou em um estudo
bibliográfico que procurou analisar os trabalhos divulgados no período compreendido entre os
anos de 1998 e 2013, que adotaram uma abordagem que privilegia olhares, falas e expressões
da(s) criança(s). O estudo, do tipo estado do conhecimento, teve como material de análise os
trabalhos publicados nos anais das reuniões da Anped, especificamente do GT-7 (Educação
de crianças de 0 a 6 anos). A coleta resultou na seleção final de 40 textos, cuja análise revelou
que a maior parte das produções optou por utilizar a corrente interpretativa como referência;
e, três ou mais estratégias de aproximação e registro das representações das crianças sobre seu
entorno. Com relação aos sujeitos privilegiados, destacam-se as crianças e infâncias
escolarizadas, em detrimento de uma atenção maior a estas como partícipes de outros
contextos.
Palavras-chave: Estado do conhecimento. Sociologia da Infância. Protagonismo infantil.
Premissas teóricas
“Não conhecemos a criança, pior ainda: nós a conhecemos através de
preconceitos [...] É sempre a moral que reina e não o espírito
científico”.
(KORCZAK, 1983, p. 231-232)
A epígrafe trazida chama a atenção para uma questão delicada: a percepção que temos
da criança, o olhar negativo que direcionamos à ela, pois sempre a tomamos em comparação
com o ser adulto e nesse exercício, a mesma sempre sairá “perdendo” ...
Em diversos contextos, nas mais distintas situações cotidianas, a criança foi vista e
entendida pelo que não é e pelo que lhe falta em relação ao adulto, um ser invisível em suas
particularidades, acometido por uma ideia dominante de negatividade, que até os dias atuais
muitas vezes a persegue através de um conjunto de interdições e prescrições que nega ações,
capacidades ou poderes de decisão sobre si mesma (BORBA, 2008; SARMENTO, 2007).
109
Este texto é fruto de Pesquisa de Conclusão de curso de Especialização em Educação Infantil, realizada no
período de 2013 a 2015 na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).
110
Pedagoga; Mestre em Educação pela UFMS - Campus do Pantanal.
111
Mestre em Educação; Professora Assistente da UFMS - Campus do Pantanal.
718
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No que diz respeito à percepção que permeia grande parte do imaginário social, sobre o
tempo de vida da criança - a infância - há marcas profundas de um modo idealista de percebêla (RODRIGUES, 2014). De acordo com Bujes (2003, p. 2), isto ocorre porque a maneira de
se conceber a infância foi constituída numa perspectiva que a percebe como universal e
atemporal, que se realiza para todos da mesma maneira. Trata-se de um período marcado por
uma progressão linear, um período em que se manifestariam a pureza, a inocência e as
melhores promessas do gênero humano.
Steinberg e Kincheloe (2001, p. 12) ainda afirmam que “[...] a infância é uma criação da
sociedade sujeita a mudar sempre que surgem transformações sociais mais amplas”; ao passo
que Sarmento (2005, 2008) indica que a criança de hoje, de nossa cultura, não é um
paradigma de toda infância ou infâncias, entendidas aqui como formas diferenciadas de se ver
e de se tratar esses seres de pouca idade. Tal apontamento se assenta no entendimento que
considera como passíveis de determinante influência “[...] os distintos contextos de
nascimento, as variadas práticas de cuidados – que mudam de um lugar a outro –, a
diversidade dos universos infantis – que variam não só historicamente, mas também
localmente – e as diferentes incidências da cultura simbólica e material sobre a criança”
(RODRIGUES, 2014, p. 142).
Cabe então apontar que o conjunto de complexidades alusivas à realidade social das
crianças é produto de um processo intenso de invisibilidade ramificado em três esferas:
histórica - referente ao interesse tardio para com a infância, anulando a complexidade da
realidade infantil; cívica - que diz respeito ao confinamento da infância a um espaço social
condicionado pelos adultos; e científica - concernente à ausência de investigação sobre as
crianças e as infâncias, predominando concepções epistemológicas dominantes, que rasuram
as interpretações das crianças na ação social (SARMENTO, 2007).
Nesta direção, em contraposição a perspectiva adultocêntrica amplamente disseminada e
até mesmo ratificada hegemonicamente na produção do conhecimento sobre as crianças e a
infância, a partir de 1980, no cenário científico internacional, surge um movimento
investigativo cuja finalidade principal consiste em compreendê-las (crianças e infâncias) sob
uma nova ótica: a partir de si próprias. Trata-se dos chamados “novos estudos sociais da
infância”, intitulado Sociologia da Infância (MARCHI, 2010), que tem como proposta
compreender a criança como ser biopsicossocial e considerar a infância como categoria
estrutural da sociedade, em interlocução com outras áreas do conhecimento, tais como: a
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719
História da Infância, a Antropologia, a Psicologia Crítica e a Psicologia Cultural, as
Neurociências, a Filosofia, entre outras...
Tal empenho provém, especialmente, da sensibilização de um olhar que rompe com as
clássicas teorias da socialização, enunciando uma orientação epistemológica distinta que ao
atribuir um papel central a criança e valorizar as suas percepções contribui para uma inversão
hierárquica discursiva na lógica preponderante dos processos de subalternização, herdadas
cientificamente de algumas teorias psicologizantes.
Sarmento (2013, p. 20) ainda esclarece que a Sociologia da Infância não perfaz os
Estudos da Criança e tampouco compõe uma nova teoria substitutiva da Psicologia do
Desenvolvimento; de acordo com o autor, esta nova proposta científica, filiada a Sociologia
tem o firme propósito de se configurar num trabalho interdisciplinar que “[...] contribua para
impedir uma visão fragmentária da criança e que seja sustentado numa superação de
dicotomias tradicionais, profundamente redutoras da compreensão da infância [...]”.
Assim, a Sociologia da Infância “[...] tem vindo, sobretudo no decurso das duas últimas
décadas, a ganhar maior expressão, através da criação dos seus próprios conceitos, da
formulação de teorias e abordagens distintas e de constituição de problemáticas autônomas”
(SARMENTO, 2008, p. 18).
Nesta direção, Abramowicz (2013) aponta os conceitos fundamentais construídos pelo
novo campo, sendo eles: protagonismo infantil, processos de socialização, autoria social,
cultura da infância, geração e etnografia com crianças.
É importante salientar que a Sociologia da Infância, assim como outras ciências, se
constitui de diferentes abordagens e focos no interior de seu próprio campo, que de forma
paradoxal gera controvérsias, mas também define quais são suas particularidades. Partindo
deste pressuposto Sarmento (2008, p. 11) considera imprescindível esclarecer tais diferenças,
pois estas “[...] tanto podem ser de ênfase, foco privilegiado, método ou problemáticas
seleccionadas, como da escola de pensamento sociológico em que se filiam [...]”.
Os estudos do campo da Sociologia da Infância subdividem-se em três correntes
fundamentais: a perspectiva estruturalista (estudos estruturais), a corrente interpretativa
(estudos interpretativos) e a orientação crítica (estudos de intervenção), as quais
sumariamente serão abordadas conforme suas distinções quanto: ao objeto, a ênfase, as
metodologias de pesquisa e as temáticas que selecionam.
No tocante a perspectiva estruturalista, a infância é adotada na sua condição de
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categoria permanente na estrutura social, isto é, assume-se como objeto as “condições
estruturais” em que a infância se situa e em que ocorrem as possibilidades de ação das
crianças. Nesta abordagem a ênfase é dada numa perspectiva macroestrutural (indicadores
demográficos, econômicos e sociais), sendo que, a orientação metodológica se encaminha a
partir de estudos extensivos, métodos estatísticos e estudos documentais. Com relação aos
temas privilegiados temos as imagens históricas da infância, políticas públicas, a demografia e
a economia, direitos e cidadania... (SARMENTO; MARCHI, 2008; SARMENTO, 2008;
SARMENTO 2013).
Por sua vez, a corrente interpretativa, prioriza como objeto de estudo as práticas sociais
das crianças (entendidas como ação ou agency); ou seja, o processo da construção social e o
papel da criança como sujeito ativo nessa construção. A ênfase é colocada no que Corsaro
(2011) denomina de “reprodução interpretativa”, que diz respeito à capacidade que as crianças
têm, nas interações de pares, de interpretação e transformação da herança cultural transmitida
pelos adultos. Esta perspectiva orienta-se metodologicamente com base em estudos
etnográficos com crianças, estudos de caso e outros estudos qualitativos, priorizando temas,
tais como: as relações de pares e com os adultos (interações intra e intergeracionais), as
culturas da infância, os rituais e as práticas sociais, as crianças no interior das instituições, no
espaço urbano, e bem como as brincadeiras o jogo e o lazer no interior destes e outros
contextos variados... (SARMENTO; MARCHI, 2008; SARMENTO, 2008; SARMENTO
2013).
Por último, mas não menos relevante, a orientação cuja inscrição no paradigma crítico é
dominante, preocupa-se em analisar a infância enquanto categoria social sobre a qual se
exprime a dominação social (grupo que vive condições especiais de exclusão). A ênfase então
é dada a “emancipação” da infância como componente da emancipação social mais ampla, ou
seja, a uma intenção transformadora da realidade social, o que mobiliza metodologias como a
investigação-ação (investigação participativa) que possibilitem uma intervenção junto às
crianças, especialmente, nas escolas, nos centros de acolhimento ou no espaço urbano.
Portanto, os temas privilegiados são: dominação política, social e cultural da infância, além da
patriarcal e de gênero, assim como, os maus-tratos, as políticas públicas e os movimentos
sociais que destacam a condição das crianças em posição subalterna: as crianças pobres, o
trabalho infantil, os meninos de rua, as crianças institucionalizadas, as crianças migrantes ou
pertencentes a grupos étnicos minoritários... (SARMENTO; MARCHI, 2008; SARMENTO,
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2008; SARMENTO, 2013).
Desta maneira, os apontamentos trazidos assinalam a pertinência de se realizar uma
leitura dos esforços e contribuições de pesquisadores brasileiros que, embasados pelos
postulados advindos da Sociologia da Infância, vêm se debruçando nos estudos da criança
abordando os mais diferentes objetos e utilizando múltiplas e diferentes estratégias, que se
configura no objetivo da investigação ora relatada e cujos dados serão apresentados a seguir.
A Sociologia da Infância em produções brasileiras
Na atualidade, a produção de investigações que utilizam a Sociologia da Infância como
aporte teórico-metodológico vem se tornado cada vez mais intensa. Os estudos elaborados
nessa perspectiva, ao abordar os mais diferentes objetos, bem como utilizar múltiplas e
diferentes estratégias para resgatar as expressões e percepções que as crianças possuem sobre
os diferentes contextos em que vivem/frequentam, têm se configurado como uma porta aberta
para a valorização das formas idiossincráticas com as quais as crianças se apropriam e
expressam a realidade.
À vista disto é que se reafirma como relevante o propósito deste trabalho de mapear as
produções nacionais que adotam a Sociologia da Infância como perspectiva teórica de base,
bem como partem de uma abordagem que privilegia as diferentes formas de expressão da(s)
criança(s). Este intento se deu na tentativa de elucidar alguns questionamentos: de que
maneira as investigações realizadas têm olhado para a criança e a infância; quais temas,
categorias, tendências e referências teórico-metodológicas vêm sendo privilegiados neste
campo que progressivamente se amplia; e ainda, quais são os instrumentos considerados mais
pertinentes na busca deste encontro com o “outro”...
Considerando o objetivo delineado, adotou-se a abordagem de investigação qualitativa,
do tipo estado do conhecimento, tendo em vista que, conforme Ferreira (2002, p. 158) este
tipo de pesquisa se propõe aos desafios de:
[...] mapear e de discutir uma certa produção acadêmica [...], tentando
responder que aspectos e dimensões vêm sendo destacados e privilegiados
em diferentes épocas e lugares, de que formas e em que condições têm sido
produzidas certas dissertações de mestrado, teses de doutorado, publicações
em periódicos e comunicações em anais de congressos e de seminários.
Desta forma, o material de análise selecionado foi circunscrito aos textos publicados nos
anais das reuniões anuais da Anped, apresentados especificamente no GT -7, no período
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compreendido entre os anos de 1998 e 2013. Tal fonte de dados foi eleita tendo em vista que
este é um dos mais importantes espaços de divulgação de trabalhos científicos do país. No que
diz respeito ao recorte temporal delimitado, este abarca desde o ano do surgimento do GT-7
até o último ano da divulgação dos trabalhos no site da Anped112 no momento de início desta
pesquisa113, ou seja, da 21ª à 36ª reunião.
A escolha do GT-7 para busca dos dados se deu para privilegiar os trabalhos que teriam
sido desenvolvidos com crianças em idade pré-escolar, sem, no entanto, pressupor de que
somente neste GT encontraríamos trabalhos que adotassem os pressupostos da Sociologia da
Infância como referência.
Assim, para o mapeamento no portal da Anped, que incluiu trabalhos encomendados,
comunicações e pôsteres publicados no referido GT, privilegiou-se o uso de aproximações
com palavras que remetiam a temática em questão nos títulos, bem como a realização da
leitura dos resumos. O primeiro trabalho de compilação dos textos resultou na seleção de 43
deles. Deste total, nenhum estava na modalidade trabalho encomendado, 12 foram
apresentados no formato de pôster e 31 como comunicações.
A partir da leitura mais detalhada dos textos na íntegra, três artigos foram descartados,
permanecendo o total de 40 textos, sendo seis deles referentes a discussões exclusivamente
teóricas e 34 resultantes de investigações que envolviam dados empíricos.
A fim de verificar o contexto em que tais produções vêm se destacando, foi
considerado pertinente organizar a produção dos artigos por região; nesse intento observou-se
que a região Sul produziu cerca de 47% do total de trabalhos selecionados. A região Sudeste,
apesar de abrigar o maior número de programas de pós-graduação no país, encontra-se em
segundo lugar com 30% das produções. Em terceiro a região Nordeste com cerca de 13% dos
artigos publicados; e, na região Centro-Oeste, onde se localiza o estado no qual esta pesquisa
foi desenvolvida, o índice foi de 10% dos trabalhos; cabe ainda o destaque para a região Norte
que não apresentou nenhuma produção sobre a temática em questão.
O passo seguinte foi a realização de análise acerca da abordagem ou uso que cada um
dos trabalhos trazia dos fundamentos da Sociologia da Infância; a partir deste exercício os
trabalhos foram organizados em quatro grupos, apresentados no Quadro 01 a seguir.
112
Os trabalhos dos dois primeiros anos de consulta - 1998 e 1999 - não estão disponíveis no site da Anped;
desta forma, o acesso a esses foi garantido com a consulta na página do Núcleo de Estudos e Pesquisas da
Educação na Pequena Infância (NUPEIN) que disponibilizava a totalidade dos trabalhos apresentados no GT-7
desde sua criação.
113
Ano letivo de 2013.
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Quadro 01 – Agrupamentos
AGRUPAMENTOS
Cita textualmente autores de referência da SI e/ou a área e
considera a voz da criança
Não cita autores ou a área, mas trabalha com a
perspectiva da SI
Usa o referencial da SI, mas não o olhar da criança e sim
o do pesquisador
Usa o referencial da SI, mas não o olhar exclusivo da
criança (seleciona diferentes sujeitos)
TOTAL
QUANTIDADE
32
04
02
02
40
Fonte: Quadro organizado pelas autoras com base nos dados levantados no acervo eletrônico da Anped.
A análise dos dados permitiu identificar que o conceito de criança como sujeito ativo,
crítico e competente (um dos pontos centrais defendidos peça Sociologia da Infância), de
maneira implícita foi abordado em todos os textos, sendo trazido explicitamente em 20 artigos
(50%). No que diz respeito ao conceito de infância entendida como construção social e
categoria geracional, este aparece de forma explícita em 23 textos (cerca de 57%).
Sobre as diferentes correntes da Sociologia da Infância apropriadas pelos investigadores
brasileiros, a interpretativa é a mais recorrente; do total de 40 artigos, detectou-se que 35 deles
(cerca de 87%) foram orientados por esta linha; cinco foram conduzidos pelos preceitos da
abordagem estrutural e nenhum com base na orientação crítica.
Acerca das categorias de estudo ou conceitos da Sociologia da Infância abordados nos
trabalhos, destacamos: culturas infantis, presente em 19 do total de 40 trabalhos (cerca de
47% deles); e alteridade, norteador de 14 (35%) pesquisas.
Observou-se que a maior parte dos estudos que privilegiaram a discussão sobre as
culturas infantis foi realizada em contextos educativos, ocupados predominantemente por
crianças e por esta razão, locais preciosos de encontro dos pesquisadores com seus sujeitos de
investigação, quais sejam, as instituições de Educação Infantil, nos agrupamentos da préescola e da creche, selecionadas em 12 do total de 19 produções (cerca de 63%).
Outro ponto que merece atenção refere-se à questão da idade dos sujeitos das
investigações. Notou-se uma grande predominância de estudos com a criança na faixa etária
pré-escolar e escolar, justificada na ideia de que a criança pequena, isto é, nas idades
investigadas, já se expressa através da linguagem oral, que pelo visto vem sendo amplamente
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visada no âmbito científico. Assim, do total de 34 artigos empíricos analisados, 31 (91%)
deles realizaram investigação com crianças na faixa etária entre 2 e 12 anos de idade, e apenas
três (9%) se dedicaram à pesquisa com bebês, com idade entre cinco meses e dois anos de
idade. Nesse sentido, vale ressaltar a importante discussão realizada por um dos trabalhos
com cunho teórico (17%), que se propôs exatamente a ressaltar a ideia de se constituir o bebê
como um conceito singular e autônomo frente ao de criança a partir de uma “reconstrução
teórica” nos estudos sociológicos da infância.
Concernente aos pressupostos metodológicos gerais da pesquisa científica, a maioria
das produções se enveredou no campo da abordagem qualitativa do tipo estudo de caso e
privilegiou a orientação etnográfica como suporte essencial para a busca e compreensão do
ponto de vista da criança, justificada pelo potencial de imersão na vida cotidiana e
consequentemente na riqueza de detalhes dos espaços e situações.
Com base no pressuposto de que as crianças/bebês se expressam através de diferentes e
múltiplas formas, constatou-se nas produções o consenso de que para se aproximar e captar o
ponto de vista destes seria necessário não um, mas vários instrumentos e procedimentos de
pesquisa. Desta maneira, na tentativa de vivenciar da melhor forma o movimento de
compreender e serem compreendidos pelos pequenos, os pesquisadores utilizaram vários tipos
de estratégias/recursos metodológicos, com diversas variações, conforme apresentado no
quadro 02 a seguir:
Quadro 02 – Estratégias/Instrumentos utilizados nas pesquisas com crianças
ESTRATÉGIAS/INSTRUMENTOS
Observação participante
Diário de campo/Diário de Bordo/Nota de campo
Artefatos/produções culturais: Desenhos/Desenhos
com e a partir de
história/Redações/Brincadeiras/Jogos
Registro Fílmico
Entrevistas/Conversas/Questionário
Registro Fotográfico
Gravação em áudio
Historia para Completar
Malafala
Visita guiada
TOTAL
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QUANTIDADE
27
17
17
16
15
14
5
3
1
1
116
725
Fonte: Quadro organizado pelas autoras com base nos dados levantados no acervo eletrônico da Anped
Convém destacar que a maioria das produções privilegiou a utilização de três ou mais
estratégias e instrumentos apresentados e que desta forma a quantidade total refere-se à
recorrência destes múltiplos procedimentos, diferindo-se do total de pesquisas analisadas.
Notou-se o uso expressivo da observação participante na maioria das produções, que
nos textos fora justificado com base na possibilidade de entrada e aceitação no campo
investigado, para que as possíveis e necessárias participações pudessem ocorrer. Neste
sentido, infere-se que a maioria dos pesquisadores adotou esta estratégia levando em
consideração que a partir da mesma poderiam conquistar a confiança das crianças, e assim
melhor conhecê-las nas suas ilimitadas experiências, isto é, nas suas formas de se relacionar,
aprender e apreender os contextos nos quais estão inseridas.
Diante da variedade de estratégias e recursos expostos é possível afirmar que há uma
crescente tendência em legitimar as particularidades das crianças, a partir dos seus próprios
olhares, falas, registros e produções culturais infantis, bem como na adequação e criação
destes para atender as particularidades comunicativas das crianças. Todavia, convém
esclarecer que a elaboração de orientações teórico-metodológicas para recolher os pontos de
vistas das crianças e compreendê-las nas suas relações sociais e culturais, tanto no que se
refere à definição de procedimentos, quanto no que diz respeito a análise dos dados, não
constitui tarefa fácil, tendo em vista a iniciante construção do campo no Brasil sujeito, ainda,
a muitas controvérsias e equívocos na busca pela autonomia conceitual acerca das crianças e
infâncias.
Reflexões Finais
Com base na análise dos trabalhos levantados, é possível afirmar que, ainda que numa
condição embrionária, a Sociologia da Infância vem crescendo e se afirmando no Brasil a
partir de um olhar sensível que fomenta o uso e a construção de metodologias de pesquisa que
consideram de fato as crianças como sujeitos e protagonistas das investigações.
Mesmo diante dos inúmeros desafios colocados na busca pelo encontro com a alteridade
da infância: a exigência de um rigor analítico; o cuidado metodológico; a inexperiência adulta
em de fato, “ouvir” e “considerar”, a fala das crianças, seja através do dito e/ou do não dito; a
exigência de uma reflexividade contínua dos pesquisadores que, com frequência estarão
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diante de manifestações afetivo/emocionais, devendo ocultar suas convicções, a fim de evitar
o contágio da pesquisa pelos seus valores, orientações e sentidos políticos; a exigência do
“dar a ver” e a ouvir a voz das crianças; o compromisso ético... – vários pesquisadores
brasileiros vêm se esforçando para descentrarem-se de seus olhares de adultos para legitimar
as particularidades das crianças, a partir de registros das suas próprias concepções,
comportamentos e produções culturais com base numa relação de confiança com a criança.
Embasados pelos pressupostos da Sociologia da Infância, explicitamente ou não, os
autores das produções analisadas demonstram compreender a criança como um ser
competente, ativo, crítico e comunicativo, consequentemente capaz de criar e manter vínculos
interpessoais, levantar hipóteses explicativas, posicionar-se a respeito das situações que mais
diretamente lhe afetam, enfim, de produzir saberes e culturas.
Ao priorizar como objeto de estudo o processo da construção social e o papel da criança
como sujeito ativo nessa construção e como escopo dar visibilidade às ações criativas infantis;
conhecer as dinâmicas das relações que as crianças estabelecem umas com as outras;
compreender os sentidos e significações do mundo e seus espaços para as crianças, entre
outras questões chave, podemos afirmar que a maioria das produções brasileiras tem sido
guiada a partir dos preceitos da corrente interpretativa.
Nesta linha de proposições, convêm destacar os dois conceitos que de forma coerente
sobressaíram-se no conjunto dos artigos selecionados: culturas infantis e alteridade. Justificase a grande utilização do primeiro em virtude da sua própria essência, definido por Sarmento
(2013, p. 20) como os “[...] modos sistematizados de significação do mundo e de ação
intencional realizados pelas crianças [...]” que de modo progressivo vem despertando o
interesse dos pesquisadores da infância e do segundo, com base na consideração de que as
crianças se apropriam e compreendem a realidade de forma idiossincrática e que esta merece
respeito e atenção.
Ao partirem do reconhecimento da multiplicidade da infância e de que a criança se
expressa por meio de diversas formas, a maior parte das produções optou por três ou mais
estratégias de aproximação e registro das representações das crianças sobre o mundo das
ideias e das coisas que as rodeiam, assinalando um esforço para de fato “ouvir”, “ver” e
considerar com mais precisão as produções e percepções da criança.
Com relação aos sujeitos e objetos privilegiados nos trabalhos analisados, destacam-se
as crianças e infâncias escolarizadas, em detrimento de uma atenção maior a estas como
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partícipes e membros de outros contextos.
Além disto, dois fatos depreendidos das análises merecem atenção. O primeiro diz
respeito ao elevado número de estudos empíricos realizados nas instituições de Educação
Infantil e o segundo refere-se à ínfima quantidade de pesquisas conduzidas com os bebês.
Cabe ressaltar que nossa inquietação com o primeiro fato não significa supor que estes
contextos não devam ser pesquisados ou até mesmo privilegiados nas investigações com
crianças, tendo em vista que, talvez, este seja mesmo o local mais acertado para encontrá-las.
Porém, é necessário retomar as considerações trazidas no início deste texto com relação aos
mecanismos de iluminação-ocultação dos sujeitos infantis (SARMENTO, 2007), para que
seja possível nos atentar à complexidade das condições de existência das crianças e de suas
infâncias ouvindo e, principalmente, percebendo-as em suas diversas particularidades que se
manifestarão em diversos contextos, não só no escolar.
O segundo fato de destaque, quer seja, o número incipiente de pesquisas com bebês,
principalmente empíricas, apesar de ocorrer pautado nas dificuldades que os pesquisadores,
enquanto adultos, enfrentam na medida em que se faz necessário produzir formas de “escutar”
e “compreender” o que estes sujeitos dizem não pode eximir os pesquisadores do
compromisso de percebê-los enquanto seres singulares. Acredita-se que estes pequenos
sujeitos merecem a nossa atenção para além dos cuidados básicos de saúde e higiene, têm o
direito de serem percebidos na sua particularidade, como “bebês” e que por este motivo não
podem ser estudados com base nos mesmos conceitos e metodologias direcionados ao grupo
de crianças maiores.
Nesta trilha de proposições, mesmo que de forma breve, há a crença de que o presente
trabalho traz reflexões relevantes; que este pode se constituir em mais uma ferramenta
norteadora para os pesquisadores que desejam se enveredar pelos caminhos das pesquisas que
elegem como propósito o encontro, a escuta e a confiança com crianças, bebês e infâncias.
Ao encerrar a experiência de realização deste trabalho, tem-se como produto uma certa
dose de otimismo e confiança, por perceber que mesmo frente aos inúmeros desafios postos,
vários pesquisadores brasileiros vêm se esforçando para confiar nas crianças e a valorizar os
seus pontos de vista, se abrindo para novas posturas frente a estes pequenos atores sociais.
Neste sentido, reitera-se a importância do exercício de construção de um olhar que
perceba e valorize as crianças, os bebês e as infâncias que estão por toda parte, para que
possamos ir ao encontro destes nos mais diversos contextos, não somente para ver o que
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julgamos que deve ser visto, ratificar o que pensamos ou o que aos nossos olhos precisa ser
mudado, mas, principalmente para confiar no que estes pequenos sujeitos consideram
significativo dizer, mostrar, desejar, temer, sonhar e viver...
Referências
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729
Um encontro com o Parque Lajeado
Silvia Cristina Herculano114
O objetivo do trabalho é apresentar uma experiência sobre o encontro das crianças, famílias e
educadores da EMEI Professora Helena Lopes Santana da Silva com o Parque Lajeado. Esta
experiência caracterizou a ocupação dos territórios do brincar, numa concepção de cidade
educadora. A ação inicial foi o contato dos professores com o local, propondo a reflexão
sobre currículo integrador, em que o espaço, suas características e possibilidades são
condições aprendentes, numa ideia de pertencimento, de parte do bairro e da cidade. Em
seguida, a proposta estendeu-se para as crianças e suas famílias, caracterizando o Dia da
Família na Escola como um momento lúdico, de contato com a natureza, com a sua história e
com a sua identidade.
.
Palavras-chave: Território do brincar. Interação. Espaço Social.
114
Mestranda em Educação: Psicologia da Educação pela PUCSP, Coordenadora Pedagógica na Prefeitura
Municipal de São Paulo.
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O impacto da obrigatoriedade da matrícula das crianças de 4 anos e o espaço reservado
para o brincar nas instituições educativas115
Tammy Silveira Ito 116
Fabiana de Oliveira117
Em meio ao movimento de ampliação e consolidação da institucionalização das crianças,
destaca-se a Lei nº 12.796/ 2013 que tornou obrigatória a matrícula de crianças a partir dos4
anos de idade. Diante dessa lei, buscamos analisar o impacto dessa obrigatoriedade e o espaço
reservado para o brincar nas instituições educativas. Para isso, foram feitas observações na
rotina de uma pré-escola do de Alfenas/MG, por meio de filmagens e registro em diário de
campo. Os dados coletados foram analisados a partir de categorias de brincadeiras, por meio
do referencial teórico da Sociologia da Infância. Constatamos que a obrigatoriedade da
matrícula de crianças nas pré-escolas tende a imprimir um caráter escolarizante nessa etapa e,
diante disso, o espaço reservado para o brincar reduziu-se à utilização como metodologia das
atividades e dispositivo de controle. Nessa perspectiva, a importância e valorização da
brincadeira como uma cultura infantil encontra-se secundarizada.
Palavras-chave: Pré-escola – Brincar – Lei nº12.1796/2013
Introdução/ Justificativa
Revisando a história da Educação Infantil não há como negar o reconhecimento e
avanço que essa etapa se encontra no cenário educacional. Atualmente, temos um novo
ordenamento legal iniciado com a Constituição de 1988 e Estatuto da Criança e do
Adolescente de 1990 e, posteriormente, com a Lei de Diretrizes e Bases de 1996. Mais
recentemente, em abril de 2013, foi promulgada a Lei nº 12.796 que altera a LDB nº 9.394,
tornando obrigatória a matrícula de crianças nas escolas a partir dos 4 anos de idade.
No entanto, é válido lembrar que a atual configuração da Educação Infantil é precedida
de um longo percurso histórico cujas variações acerca das concepções sobre infância e criança
foram determinantes na institucionalização de seu atendimento. Assim, é possível afirmar
115
Este texto é fruto de pesquisa de Conclusão de curso de Graduação realizada no período de agosto a
dezembro de 2014 na Universidade Federal de Alfenas/ MG.
116
Mestranda em Educação - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP/ Rio Claro, SP)
117
Docente do Instituto de Ciências Humanas e Letras - Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL/ Alfenas,
MG).
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731
que a história da Educação Infantil tem início a partir do momento em que a criança e a
infância passaram a ser vistas em suas particularidades e diferenciadas do mundo adulto,
reivindicando-se, dessa forma, um atendimento especializado para essa etapa.
Não cabe aqui refazermos o percurso histórico das instituições de Educação Infantil no
Brasil, mas chamamos atenção ao movimento de ampliação e consolidação de
institucionalização das crianças. É em meio a esse movimento que destacamos a Lei nº
12.796, promulgada em abril de 2013, que ajustou a LDB 9394/96 ao tornar obrigatória a
matrícula de crianças a partir dos 4 anos de idade.
Com esse novo “status” conferido à Educação Infantil, ou seja, sua obrigatoriedade,
surgem diferentes posicionamentos em relação a sua importância. Existem, por um lado,
grupos que sinalizam a imprescindibilidade do atendimento de crianças de 4 e 5 anos nas préescolas, de forma a garantir a continuidade no processo de aprendizagem e desenvolvimento
preparando-as para o ensino fundamental. Nesse viés, a obrigatoriedade de matrícula nas préescolas tende a imprimir um forte caráter escolarizante sobre essa etapa. Por outro lado, há
grupos que defendem uma pré-escola não-escolarizante, que não antecipe os conteúdos
acabando por desconsiderar as especificidades dessa faixa etária, como por exemplo, o
brincar.
É considerando, portanto, a especificidade e a importância do brincar na Educação
Infantil, que formulamos a questão norteadora da pesquisa: a obrigatoriedade dessa etapa
escolar impactou de alguma forma nos tempos e espaços institucionalmente destinados ao
brincar?
Buscando responder tal indagação, a pesquisa se desenvolveu em uma pré-escola de
Alfenas/ MG, onde buscamos compreender, por meio de observações, registros e entrevista
semiestruturada, os modos como o brincar era vivenciado naquela instituição pelas crianças e
professora. Para isso, apoiamos nossa reflexão nos estudos da Sociologia da Infância, na qual
o brincar passou a ser compreendido enquanto uma atividade simbólica de produção de
culturas por parte das crianças e que também possibilita por meio desta atividade questionar
as imposições do mundo adulto, principalmente as práticas de controle e disciplina dentro das
instituições.
Objetivos
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A pesquisa teve como objetivo geral analisar o impacto da obrigatoriedade da matrícula
das crianças a partir dos 4 anos de idade e o espaço reservado para o brincar nas instituições
educativas. Diante disso, desdobram-se os objetivos específicos:
 Descrever os momentos de brincadeira, institucionalizados ou não, de uma turma préescolar, identificando os espaços, tempo e material para esses momentos;
 Compreender as concepções da professora da turma pesquisada sobre o brincar e
verificar, por meio da organização do espaço e tempo, os momentos de sua aula que
eram destinados às brincadeiras.
Referencial teórico
Se por um lado Ariès (1985) conta a descoberta da infância a partir de uma perspectiva
historiográfica, Corsaro (2011) estuda a redescoberta da infância na perspectiva sociológica.
Esta última perspectiva é que orientou nosso trabalho a partir da compreensão contemporânea
que se tem da criança como um ator social que não somente reproduz a cultura do mundo
adulto, mas também a modifica e a transforma.
Corsaro (2011) afirma que atualmente há estudos de variados tipos sobre a Sociologia
da Infância, porém, esse interesse pelas crianças é recente, visto que até pouco tempo o estudo
nessa área era quase inexistente.
É nesse sentido que Sarmento (2009) nos explica que o motivo da longa ausência da
infância do estudo sociológico se justifica na marginalização e subalternidade que as crianças
ocuparam durante anos. Por muito tempo, as crianças não foram vistas na sua existência,
desejos, necessidades e especificidades, mas apenas consideradas como um futuro adulto, ou
seja, o que viria a ser, e que, portanto, não valiam a pena de serem estudas na sua
incompletude e imperfeição. Assim, os estudos voltaram-se principalmente, para a pedagogia,
a medicina e a psicologia, pois as crianças estavam em “trânsito” para a vida adulta, e dessa
forma, eram estudadas e analisadas enquanto alvo de tratamento, de ação, socialização e
orientação dos adultos sobre elas e, portanto:
(...) não adquirem um estatuto ontológico social pleno – no sentido em que
não são “verdadeiros” entes sociais completamente reconhecíveis em todas
as suas características, interativos, racionais, dotados de vontade e com
capacidade de opção entre valores distintos – nem se constituem como um
objeto epistemologicamente válido, na medida em que são sempre a
expressão de uma relação de transição, incompletude e de dependência
(SARMENTO, 2009, p.20).
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Diante disso, viu-se a emergência no discurso sociológico acerca da infância e criança,
entendendo-a como ator social pleno e a infância como uma categoria social permanente, e
não apenas uma fase transitória. Assim, a criança e a infância sairão do terreno dos estudos
que as colocavam como seres biopsicológicos, passivos e socializados pela inculcação de
valores pelos adultos, e passarão a ser pensados como atores sociais portadores e produtores
de cultura, a partir de outros referenciais de uma nova Sociologia da Infância.
A importância em enfatizar a criança em suas falas, ações, pensamentos e interações
configura a Sociologia da Infância estudada e pesquisada por Corsaro (2011), que se distancia
das teorias tradicionais de socialização, para compreendê-la como ator social e produtora de
culturas. Diante disso, o autor propõe a noção de reprodução interpretativa, na qual a criança
não se limita à imitação ou a mera reprodução, mas transforma, cria e participa, internalizando
informações e conhecimentos do mundo adulto e socialmente formado, e constrói ativamente
por meio da produção de culturas:
Em vez disso, proponho a noção de reprodução interpretativa. O termo
interpretativo abrange os aspectos inovadores e criativos da participação
infantil na sociedade. Na verdade (...), as crianças criam e participam de suas
próprias e exclusivas culturas de pares quando selecionam ou se apropriam
criativamente de informações do mundo adulto para lidar com suas próprias
e exclusivas preocupações. O termo reprodução inclui a ideia de que as
crianças não se limitam a internalizar a sociedade e a cultura, mas
contribuem ativamente para a produção e mudança culturais (CORSARO,
2011, p.31-32).
Corsaro (2011) ainda nos apresenta a noção de culturas infantis ou cultura de pares. De
acordo com o autor, o termo pares é usado para referir ao corte ou o grupo de crianças que
passa seu tempo junto. Portanto, culturas infantis ou cultura de pares referem-se às rotinas,
atividades, valores e interesses que as crianças produzem e compartilham com os demais.
Através das brincadeiras entre as crianças é possível observar a cultura de pares, cujas
interações e relaçõesnão apenas imitam e reproduzem elementos tirados da realidade, mas por
meio do brincar, as crianças estão sendo afetadas pelo mundo adulto, mas afeta e influencia
também.
Diante do exposto, o que é fundamental para nosso estudo é o reconhecimento da
importância da atividade conjunta e como as crianças negociam, compartilham e criam cultura
com os adultos e entre si, principalmente por meio da brincadeira.
Metodologia
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A pesquisa teve cunho qualitativo (BOGDAN; BIKLEN, 1994) e foi desenvolvida em
uma sala de pré-escola situada em uma escola de ensino fundamental de Alfenas, Minas
Gerais. Esta escola, por já não possuir mais condições de acolher todas as crianças
matriculadas, devido ao aumento do número com a Lei 12.796/13, transferiu as turmas de
Educação Infantil para um “anexo”, que era uma casa residencial composta por:
- 4 quartos: todos os quartos eram utilizados como sala de aula. A turma acompanhada
durante a pesquisa utilizava o quarto-suíte.
- 1 sala de estar: espaço amplo que funcionava como sala da supervisora e recepção.
- 1 cozinha e 1 sala de jantar: a sala de jantar era o espaço onde tanto as crianças quanto
as professoras faziam as refeições.
- 1 banheiro: comum aos três “quartos-sala de aula”, dividido entre professoras e
alunos/as.
- 1 garagem: esse espaço era utilizado durante o recreio.
- 1 quintal: área ampla e descoberta, com pequena parte cimentada e o restante chão de
terra. Esse espaço era utilizado pelas professoras para recreação externa.
Diante dessa breve descrição da instituição pesquisada, abrimos um parênteses para
refletirsobre o fato de essas crianças serem atendidas no “anexo”. O que se coloca em questão
aqui é a “provisoriedade” das instalações destinadas às crianças que foram transferidas para
uma casa. Assim, como uma política compensatória e emergencial, a Educação Infantil foi
transferida para um espaço provisório. A sua estrutura não é de uma escola, todas as salas de
aulas e demais espaços são improvisados e não há locais adequados para as crianças
brincarem. Se considerarmos a importância do espaço físico na Educação Infantil,
valorizando-o como elemento educativo e parceiro pedagógico do professor(HORN,2004;
ZABALZA,1992; FORNEIRO,1998; BARBOSA,2006), a alocação dos pequenos em uma
“casa” que foi “adaptada” para ser uma escola, vemos uma contradição legal e pedagógica.
A sala da pré-escola na qual foi desenvolvida a pesquisa era denominada na instituição
por turma da “Formiga e a Cigarra”.Participaram da pesquisa a professora Ana (nome
fictício), responsável pela turma, e também, as dez crianças que compunham a turma, sendo 5
meninos e 5 meninas, todos/as com 4 anos de idade. Na apresentação dos dados, as crianças
são identificadas a partir da letra inicial de seu nome seguida do seu sexo.
Para a observaçãodo modo como o brincar era vivenciado pelas crianças e a professora,
foram utilizados instrumentos variados, tais como filmagens, diário de campo e entrevista
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semiestruturada. O desenvolvimento da pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da
instituição a partir do parecer nº 683.044.
Durante a pesquisa, os focos de observação foram os seguintes: a rotina da turma
pesquisada; o desenvolvimento das atividades didáticas; a organização do tempo e do espaço
reservado para os momentos de brincadeira tanto dentro da sala como nas áreas externas; e a
organização das brincadeiras pelos adultos e também pelas crianças.
Além da observação, foi realizada uma entrevista semi-estruturada com a professora
Ana, possibilitando a compreensão de vários aspectos observados durante a rotina de sua
turma, bem como entender suas concepções sobre o brincar.
Desenvolvimento da pesquisa
A análise dos momentos de brincadeiras vivenciados pelas crianças e professora, a
partir da organização do espaço e do tempo, pautou-se na observação da rotina, das atividades
didáticas e das atividades lúdicas. A partir desses aspectos norteadores, buscamos apresentar
os momentos de brincadeira considerando três categorias: momentos de brincar “dirigido”;
momentos de brincar “livremente”; e os momentos que denominamos de brincadeira “fora de
hora”.
- Brincar “dirigido”:
Os momentos de brincar “dirigido” referem-se às situações de brincadeiras em grupo
que eram direcionadas e conduzidas pelas profissionais da instituição. Por meio da
observação dessas brincadeiras, buscamos um entendimento de como o tempo, espaço e
materiais eram organizados institucionalmente para as brincadeiras.
Durante o recreio as brincadeiras dirigidas eram coordenadas pela monitora e
coordenadora, que supervisionavam as crianças enquanto as professoras tinham seu horário de
café. Diversas vezes, foi observado que durante esse período as crianças sempre brincavam
de uma brincadeira que envolvia muita movimentação pelo espaço: o “trenzinho”. A
brincadeira consistia no enfileiramento de uma criança atrás da outra, segurando a da frente
pela camiseta, e a que está no início do “trenzinho” conduzia essa movimentação, correndo e
fazendo movimentos bruscos, refletindo nas que estavam atrás, com o intuito de desordenar a
fila.
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O que queremos relatar com a descrição dessa brincadeira é que tal “trenzinho”, à
medida que ia crescendo com a junção de mais crianças na fila, criava uma “desordem” que se
tornava generalizada. Com um espaço sem muitas áreas vazias para que o “trenzinho”
pudesse movimentar-se livremente, as crianças que compunham essa fila “passavam por
cima”, literalmente, de outras crianças que estavam sentadas ou deitadas no chão, brincando
de outras coisas:
São diversas brincadeiras durante o recreio, mas uma me chamou atenção:
crianças deitadas no chão, como se estivessem desmaiadas ou mortas.
Atentei-me a essa brincadeira, pois fiquei imaginando o perigo delas estarem
deitadas em meio a tantas outras crianças que correm, brincam de pega-pega,
“lutinha”, e elas estão ali, simplesmente deitadas. A brincadeira era a
seguinte: algumas crianças desmaiavam e vinham outras “crianças médicas”
para examiná-las e acordá-las. As crianças que desmaiavam eram sempre as
mesmas, mas os “médicos” variavam. Apareciam médicos examinando as
crianças que estavam brincando de trenzinho, mas no momento que viu a
criança estendida ao chão e vendo os outros colegas brincar, se desligou da
fila e aproximou-se da criança deitada, pegando a peça de encaixe mais
próxima que estava no chão, utilizando de instrumento para examinar a
criança. O exame consistia em colocar a peça em várias partes do corpo,
tentando “acordar” a criança. A monitora entra na brincadeira, faz cócegas
na criança “desmaiada”, levantando-a e dizendo para que fique de pé porque
senão alguém acabaria pisando nela. As crianças deitadas não lhe ouviram, e
o trenzinho continuava a passar por cima delas (Diário de campo, 09 de
setembro).
Diante desse episódio, com muitas crianças deitadas no chão, outras correndo atrás do
trenzinho, umas ainda se agarrando brincando de “lutinha”, a coordenadora começou a falar
em voz alta, “vivo, morto, vivo, morto...” e as crianças passaram a se aglomerar em sua volta
respondendo aos comandos da brincadeira. Muitas crianças continuaram com suas
brincadeiras, mas a monitora foi chamando-as e colocando-as no ritmo do morto-vivo de
modo que o maior número possível de crianças estivesse fazendo a mesma coisa: brincando
sob o controle da coordenadora.
Em outra situação, na qual a coordenadora havia faltado e a monitora estava sozinha
cuidando das crianças, foi observado que a supervisora da instituição interviu no recreio e,
diante de toda aquela correria e percebendo que muitas crianças estavam descalças, começou
a organizar uma brincadeira. Percebemos nesse momento, que da mesma forma que a
coordenadora, a supervisora utilizou a brincadeira para organizar o momento do recreio.
Ela (supervisora) começou a chamar as meninas que estavam sem sapato,
pedindo para que pegassem seus calçados e deixassem em determinado
lugar. Elas fizeram isso e então a supervisora começou a organizar duas filas
na varanda em direção oposta aos calçados. Depois de organizadas as filas, a
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supervisora explicou a brincadeira: as duas filas formadas seriam dois
grupos. A primeira pessoa de cada grupo deveria correr em direção ao monte
de calçados, procurar o seu, calçar, voltar correndo para a fila e bater na mão
do colega para que o próximo fizesse o mesmo movimento. A fila que fosse
mais rápida seria a campeã (Diário de campo, 20 de outubro).
Vimos, portanto, que as brincadeiras dirigidas desenvolvidas no recreio eram uma
espécie de “carta na manga” das profissionais, que utilizavam como instrumento de controle
da “desorganização” que se tornava esse horário. Ou seja, diante de muitos corpos correndo,
passando por cima do outro, agarrando-se no chão, ultrapassando barreiras de áreas proibidas,
a coordenadora, supervisora ou monitora davam início a uma brincadeira direcionada.
As brincadeiras dirigidas também aconteciam durante a aula, no espaço externo da
escola. Para essas brincadeiras na área externa não era preciso uma organização específica do
espaço; as crianças apenas se dirigiam até lá e brincavam conforme o comando da professora
Ana. Mesmo com a utilização de materiais simples e sem a necessidade de uma organização
do espaço, toda vez que se dirigiam para o espaço externo a professora consultava seu
caderno para relembrar quais brincadeiras havia planejado para aquele dia.
Portanto, diferentemente do momento do recreio, as brincadeiras dirigidas
desenvolvidas pela professora, não eram improvisadas como instrumento para controlar
corpos exaltados e agitados, mas sim uma brincadeira que fazia parte de um planejamento na
rotina da turma pesquisada.
- Brincadeiras “livres”:
Nos momentos de brincadeira “livre” buscamos analisar as brincadeiras em que a
professora proporciona o tempo, espaço e material, mas, diferentemente das brincadeiras
dirigidas, não conduz ou direciona a atividade.
Na sala de aula, esses momentos aconteciam geralmente entre uma atividade didática e
outra, onde conforme as crianças iam terminando a tarefa, Ana distribuía algum brinquedo
para que brincassem enquanto esperava todos finalizarem a atividade:
Para quem já terminou a atividade, a professora distribui uma massinha para
cada um brincar enquanto espera todos terminarem a tarefa. Observei que as
crianças brincam e conversam bastante nesse momento, inclusive com quem
ainda está fazendo a tarefa. J (menino), D (menino) e K (menino), sendo este
o único que ainda não tinha terminado a lição, conversam bastante sobre o
cachorro que K (menino) disse que iria trazer no dia do brinquedo. J
(menino) questiona como o cachorro vai fazer xixi se ficar com vontade. K
(menino) responde que vai trazer um caminhão para o cachorro fazer xixi.
Não entendi a relação entre o cachorro e o caminhão, mas D (menino) parece
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que sim, pois disse que iria trazer um carrinho e emprestaria para o cachorro
do K (menino). K (menino) ficou feliz e perguntou “é mesmo?!”. D
(menino) respondeu que sim, mas que “era de mentirinha”. O assunto se
encerrou com a professora chamando a atenção de K (menino), pois ele
conversava muito e ainda não tinha terminado a atividade (Diário de campo,
16 de setembro)
As brincadeiras “livres” também foram observadas quando, quinzenalmente, as crianças
se dirigiam para a sede da escola, onde existe uma brinquedoteca, e utilizavam o espaço
durante 45 minutos.
- Brincadeiras “fora de hora”:
As brincadeiras “fora de hora” se configuraram em situações que não eram destinadas a
brincar, mas as crianças encontravam estratégias e brincavam mesmo assim. Essas situações
foram importantes para se pensar no papel ativo da criança que não apenas reproduz o que lhe
é dado, mas subverte algumas situações que não eram autorizadas a brincar.
Foram diversas situações em que as crianças encontravam brechas para brincar mesmo
não sendo o momento institucionalmente destinado a isso, seja na fila, no almoço, ou mesmo
durante a realização de algumas atividades didáticas. Muitas dessas brechas para as
brincadeiras foram observadas nos momentos em que a professora distribuía os materiais para
uma determinada atividade, mas não dava início a esta tão prontamente, e então as crianças
aproveitavam para brincar, como pode ser observado no trecho a seguir:
Observei que assim que a professora distribuiu o material para atividade, J
(menino) perguntou ao D (menino): “vamos brincar de corrida?” De início
não entendi como seria a brincadeira, mas continuei observando e a
“corrida” que eles se referiam era sobre quem terminava primeiro de
encaixar as letras nos moldes. Isso tudo aconteceu antes da professora iniciar
a atividade, que consistia em colocar as letras ditadas por ela, no molde
correto (Diário de campo, 08 de setembro).
As brincadeiras “fora de hora” também foram observadas em momentos da rotina como
o almoço, a fila e a rodinha. Durante a rodinha, por diversas vezes, foi possível observar que
as crianças brincavam muito, mesmo sendo um momento não destinado às brincadeiras:
Enquanto cada criança canta sua música, L (menina) e B (menina), que estão
sentadas lado a lado, brincam o tempo inteiro. As duas se olham e brincam
tampando os ouvidos e a boca. L (menina) faz o gesto e B (menina) imita.
Depois, brincam com a tiara da B (menina), vestindo em suas cabeças,
colocando uma na outra. A professora vê essa movimentação, toma a tiara de
suas mãos e pede para L (menina) sentar direito e escutar os colegas
cantando (Diário de campo, 23 de outubro).
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Também vemos criação de resistência e subversão por parte das crianças em alguns
momentos de brincadeiras dirigidas, ou seja, mesmo a criança estando “autorizada” a brincar,
nem todas “aceitavam” brincar daquilo que era proposto pelas profissionais da instituição. É
interessante destacar que nem todas as crianças participavam da brincadeira, mostrando que
algumas subvertiam e continuavam em suas próprias brincadeiras, individuais ou em grupos,
mas não seguindo a maioria na brincadeira orientada.
M.F (menina), que há pouco, era uma das crianças que estavam desmaiadas
na brincadeira de médico, agora está em um canto da garagem brincando
individualmente com as peças de montar espalhadas pela garagem. A
monitora chama-a para se juntar aos colegas na brincadeira de vivo-morto,
mas ela não atende ao convite, e continua na sua brincadeira de peças de
encaixe (Diário de campo, 09 de setembro).
Tal subversão também foi constatada quando as crianças brincavam da brincadeira
planejada pela professora, mas não exatamente da forma proposta por ela, como pode ser
exemplificado no excerto a seguir, durante uma brincadeira de dança da cadeira:
K (menino) era um dos últimos quatro na final da brincadeira e teve que sair,
pois ficava brincando com um relógio que estava colado na parede,
desfazendo a ordem do círculo que rodeava as cadeiras e o ritmo da
brincadeira. A professora chamou sua atenção duas vezes e ele continuou a
mexer nos ponteiros do relógio. Diante disso, a professora tirou-o da
brincadeira. (...) a professora dá início a outra rodada já chamando a atenção
do K (menino) que agora brinca com as pulseiras que estavam em cima de
uma mesa (Diário de campo, 23 de outubro).
Assim, vemos nos exemplos acima que as crianças criavam espaços de resistência com
suas brincadeiras como uma forma de esvaziamento e questionamento da autoridade adulta.
Segundo Corsaro (2011), as crianças no movimento de suas culturas fazem isso o tempo todo
como forma de garantir alguma possibilidade de autonomia.
Resultados
A partir do que foi observado como “espaço-tempo” reservado para o brincar nessa
instituição, por meio das três categorias anteriormente apresentadas, foi possível delinear os
momentos que são institucionalmente reservado para o brincar nessa pré-escola:
1-
As brincadeiras “dirigidas” realizadas durante o recreio;
2-
As brincadeiras “dirigidas”, realizadas pela professora da turma pesquisada,
geralmente no último horário de aula;
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3-
E as brincadeiras “livres”, que geralmente aconteciam num curto intervalo de uma
atividade e outra, e quinzenalmente quando frequentavam a brinquedoteca.
Os momentos do brincar observados e categorizados como brincadeiras “fora de hora”
não podem ser definidos como institucionalmente reservado para o brincar, visto que esses
momentos só aconteciam porque as crianças encontravam estratégias para desenvolver suas
brincadeiras mesmo não sendo o “espaço-tempo” destinado a isso.
Diante disso, constatamos que a brincadeira está presente nesta instituição tendo seu
“espaço-tempo” garantido na rotina escolar, porém, era muito mais utilizada como
instrumento de controle (observado nos exemplos das brincadeiras no recreio), e também
como metodologia para atividades (visto nas atividades desenvolvidas em sala de aula). Isso
pôde ser confirmado pela entrevista realizada com a professora.
Ana destacou a relevância do brincar nessa etapa escolar, afirmando que a “brincadeira
é essencial para a vida social da criança visto que ao brincar a criança expressa seus desejos e
sua compreensão de mundo, sendo que o brincar é a linguagem do pensamento infantil” (fala
da professora). É importante considerar, porém, que quando questionada sobre os momentos
que os alunos têm para brincar, ela responde que “em grande parte das atividades inseridas na
rotina eu tento inserir a brincadeira, pois quando estão brincando realizam as atividades de
forma mais satisfatória” (fala da professora). Ou seja, é possível constatar que a maior
perspectiva da brincadeira para a professora era a utilização da brincadeira como recurso para
o desenvolvimento das atividades.
Portanto, diante da observação da organização do “espaço-tempo”destinado às
brincadeiras nessa pré-escola, concluímos que, institucionalmente, o espaço reservado para o
brincar encontra-se muito mais atrelado ao controle dos corpos infantis e como recurso
pedagógico. Assim, entendemos que a obrigatoriedade da matrícula de crianças nas préescolas tende a imprimir um caráter escolarizante nessa etapa escolar e, diante disso, as
brincadeiras ficam reduzidas à utilização como metodologia das atividades. Nessa
perspectiva, a importância e valorização da brincadeira como uma cultura infantil encontra-se
secundarizada.
Considerações Finais
As considerações finais desse trabalho longe de serem conclusões dadas como
permanentes, se apresentam como possibilidades de novas investigações aprofundadas de um
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estudo sobre as pré-escolas, etapa que se tornou obrigatória. Cada vez mais as crianças estão
sendo colocadas nos holofotes das pesquisas e é preciso um olhar atento sobre suas
expressões, linguagens, interações e culturas, para além da perspectiva do adulto.
Nesse estudo, procuramos compreender se, de alguma forma, a obrigatoriedade da
matrícula a partir dos 4 anos impactava nos espaços reservados para o brincar nas instituições
educativas. Diante do que foi observado durante a pesquisa em campo, constatamos que tal
obrigatoriedade acaba por exigir da pré-escola uma primazia das atividades escolarizantes –
que se aproximam das atividades do ensino fundamental – em detrimento dos momentos para
o brincar. Ou seja, cada vez mais professores/as e alunos/as encontram-se aprisionados/as
pelos horários e conteúdos a serem cumpridos, o que impedem ou diminuem o espaço para as
brincadeiras.
Nesse contexto, os momentos de brincadeiras “livres” ficam reduzidos perante a
perspectiva de um brincar dirigido utilizado como recurso para o desenvolvimento de
atividades didáticas, não contemplando, dessa forma, as especificidades de uma Educação
Infantil para a criança de 0 a 5 anos. De acordo com Rocha:
(...) de fato, a multiplicidade de fatores que estão presentes nestas relações,
sobretudo nas instituições responsáveis pelas crianças pequenas, exigem um
olhar multidisciplinar que favoreça a constituição de uma Pedagogia da
Educação Infantil e tenha como objeto a própria relação educacional–
pedagógica, expressa nas ações intencionais que, diferentemente da escola
de Ensino Fundamental, envolvem além da dimensão cognitiva, repito, as
dimensões expressiva, lúdica, criativa, afetivas, nutricional, médica, sexual
etc (ROCHA, 2001, p. 33).
Por outro lado, é importante destacar que mesmo diante dessa perspectiva institucional
do brincar, foi possível observar que as crianças encontravam brechas para suas brincadeiras
mesmo não sendo o momento destinado a isso, destacando sua postura ativa que não somente
reproduz o que é dado numa socialização adulto-criança.
Assim, entendemos que as brincadeiras estão presentes na pré-escola mais em razão da
postura da criança que subverte as perspectivas dos adultos e da instituição sobre o brincar.
Porém, somente a subversão da criança que cria seus momentos de brincadeiras não é o
suficiente, pois é preciso que os/as profissionais estejam atentos/as para as brincadeiras, uma
vez que são nesses momentos em que as crianças negociam, compartilham e criam cultura
com os adultos e entre si.
Portanto, a importância do brincar na Educação Infantil não deve apenas fazer parte de
um discurso cristalizado, mas ser verdadeiramente valorizado, tornando imprescindível a
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organização dos “espaços-tempos” nas pré-escolas que privilegie os momentos do brincar
como experiência lúdica das crianças.
Referências
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Disponível
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BRASIL. Lei nº12.796, de 4 de abril de 2013. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de
1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para dispor sobre a
formação dos profissionais da educação e dar outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12796.htm. Acesso em:
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CORSARO, William Arnold. Sociologia da infância. Tradução: Lia Gabriele Regius Reis;
Rev. Técnica: Maria Letícia B. P. Nascimento. São Paulo, Artmed, 2011.
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FORNEIRO, Lina Iglesias. A organização dos espaços na educação infantil. In: ZABALZA,
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HORN, Maria da Graça Souza. Sabores, cores, sons, aromas: a organização dos espaços na
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SARMENTO, Manuel. Sociologia da infância: correntes e confluências. In: SARMENTO,
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ZABALZA, Miguel. Didáctica de la educacion infantil. Rio Tinto: Asa, 1992.
ISSN 2448-1157
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“É divertido ser criança lá fora”118 A produção das culturas infantis, intervenções e
esquisitices de um coletivo brincante.
Tatiana Maria Zanella²
RESUMO
Em uma sociedade grafocêntrica marcada pela escrita é preciso pensar em uma Educação
Infantil que respeite o tempo de ser criança, por isso, o relato de experiência originado de
uma EMEI na cidade Piracicaba-SP, tem como objetivo apresentar o processo de produção
das culturas infantis, sem que haja a antecipação da escolarização na pré-escola (4 a 6 anos).
Para dialogar com este não conformismo, os estudos das autoras e autores: MELLO (2014),
FARIA (2005), BRASIL (2010), RUSSO(2007), BUFALO (1999) nos traz reflexões sobre o
protagonismo e autoria das crianças pequenas. A cultura da escrita não é negada na pequena
infância ao contrário ela é uma das cem linguagens que podem ser vivenciadas pelos
pequenos. O desafio da Educação Infantil é o de não mecanizar o processo de aquisição da
cultura da escrita, desmistificar o adultocentrismo é potencializar um espaço dialógico entre
adultocriança, criança-criança e assim trazer práticas emancipadoras, valorizando o
protagonismo infantil, as culturas, suas descobertas e seus saberes.
Palavras-chave: Educação Infantil. Pré-Escola. Cultura da Escrita. Escolarização.
Protagonismo. Culturas Infantis.
118
Diálogos do parque: Criança faz este breve comentário quando saímos da sala de referência para o
parque/solário.
² Professora da Rede Pública de Piracicaba – SP, “E.M. Profº Oracy da Silva”
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Sou criança e meu trabalho é brincar, brincar de ler o mundo mesmo sem saber o B-ABA
A criança é feita de cem. A criança tem cem mãos, cem pensamentos, cem
modos de pensar, de jogar e de falar. Cem, sempre cem modos de escutar as
maravilhas de amar. Cem alegrias para cantar e compreender. Cem mundos
para descobrir. Cem mundos para inventar. Cem mundos para sonhar. A
criança tem cem linguagens (e depois, cem, cem, cem), mas roubaram-lhe
noventa e nove. A escola e a cultura separam-lhe a cabeça do corpo. Dizemlhe: de pensar sem as mãos, de fazer sem a cabeça, de escutar e de não falar.
De compreender sem alegrias, de amar e maravilhar-se só na Páscoa e no
Natal. Dizem-lhe: de descobrir o mundo que já existe e de cem, roubaramlhe noventa e nove. Dizemlhe: que o jogo e o trabalho, a realidade e a
fantasia, a ciência e a imaginação, o céu e a terra, a razão e o sonho, são
coisas que não estão juntas. Dizem-lhe: que as cem não existem. A criança
diz: ao contrário, as cem existem. (MALAGUZZI, 1999)
Propositalmente trouxe para esta introdução a poesia de Lóris Malaguzzi, pra que de fato
possamos entender que a criança, um único ser, possui cem linguagens, cem maneiras que
nós adultos e adultas podemos explorar nas escolas, porem fatidicamente vem acontecendo o
esquecimento destas noventa e nove linguagens, sobrando apenas uma, a linguagem oral e
escrita, a histeria em querer fazer com que meninas e meninos da pré-escola entrem em
contato com as letras faz com que se antecipem conteúdos e percam se as infâncias. As
inquietações surgem constantemente no cotidiano do trabalho o qual me faz refletir sobre
estas ações colonizadoras que separam “a cabeça do corpo”, “o pensar do fazer” mesmo eles
sendo indissociáveis,
Neste processo reflexivo da prática, me atento para não reproduzir ações
escolarizantes, e sim potencializar a produção das culturas infantis, as brincadeiras, os
agrupamentos, enfim, se respeito o tempo de ser criança na infância. A composição da
Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil bem como os estudos de autores/as
ISSN 2448-1157
745
que serão evidenciados aqui ajudam a dar forma a uma Professora brincante que por sua vez
consegue escutar, compartilhar e vivenciar uma visão poética e sublime de criança.
Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas
cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca,
imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e
constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura.
(DCNEI, 2010, p. 12)
Antecipar a escolarização ou qualquer outro tipo de modelo de escola é privar as
crianças dos seus direitos fundamentais, é preciso respeitar o tempo de ser criança na
Educação Infantil, potencializar suas infâncias e a produção das culturas infantis seja sela
sozinha, com seus pares, nos agrupamentos e ou no coletivo de crianças. Entender que a
criança é protagonista deste processo da construção do conhecimento contribui para que a
visão adultocêntrica seja minada da Escola.
Resgatar este ser brincante dentro de cada Professora é o mesmo que trazer para os
espaços da infância crianças inventivas, que serão escutadas e valorizadas. Neste sentido cabe
usar aqui um criancista, se a ciência e os estudiosos da educação foram capazes de produzir
conteúdo e produtos para crianças, a arte tratou logo de propagar uma imagem brincante de
criança, uma criança que suplica por sons mesmo sem falar, que observa os gestos sem se
mexer, que está viva mesmo quando tratada com monotonia. A poesia de Manoel de Barros
rompe os padrões para fazer arte com o jeito de falar das crianças, por isso ele não define
como é uma criança, ele valoriza as suas infâncias e como ele mesmo diz: Tudo o que somos
vem da infância
No descomeço era o verbo. Só depois é que
veio o delírio do verbo. O delírio do verbo
estava no começo, lá onde a criança diz: Eu
escuto a cor dos passarinhos. A criança não
sabe que o verbo escutar não funciona para
cor, mas para som. Então se a criança muda a
função de um verbo, ele delira. E pois em
poesia que é voz de poeta, que é a voz de
faze nascimentos – O verbo tem que pegar
delírio. (BARROS, 2001, p. 15)
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746
Corpos que escrevem: “A gente faz experiências para experimentar o mundo”
É difícil ser Professora de criança
pequena sem copiar a casa, a escola ou o
hospital, porque é uma outra profissão.
Professora de creche, Professora de préescola não é a mesma Professora que dá
aula. (FARIA, p.138, 2005)
Parafraseando está citação bem como os estudos do Danilo Russo na Itália, como é
ser Professora de criança pequena, sem dar aula? Esta pergunta movimenta minhas ações nos
espaços da creche e pré-escola, por tanto, meus questionamentos que evidenciarão estas
práticas têm como objetivo: Explorar o processo de produção das culturas infantis como um
enfrentamento da antecipação da escolarização na pré-escola (4 a 6 anos), demarcando o
quanto as crianças são autoras e protagonista das suas produções.
De acordo com Faria (2005), às crianças produzem culturas infantis, entre elas, no
mundo dos adultos e as cinco imagens acima trazem um pouco deste movimento constante
que potencializa as infâncias sem qualquer tipo de escolarização, muito pelo contrário, além
disso não é possível dedilhar nos dedos quais as linguagens que foram exploradas, pois eu
digo, foram cem e mais cem.
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747
Para Búfalo (1999) entender a creche e pré-escola como um espaço da e para a
criança, onde ela possa realmente ser criança, brincar, inventar, produzir e ter acesso ao
conhecimento, este é o papel da Professora (o) de Educação Infantil, tornar este espaço
brincante e excitante, em que as crianças tenham a possibilidade de criar seja com os
materiais não estruturados como é o caso dos carreteis que virou uma pirâmide, ou com,
qualquer outro material que possibilite reproduções e produções de culturas.
De acordo com a DCNEI (2010) as propostas da Educação Infantil precisam respeitar
os princípios: éticos, políticos e estéticos, contudo é valido ressaltar a importância da
participação das crianças neste planejamento, o olhar atento da criança para as coisas do
cotidiano nos trazem amostras incríveis de como planejar, o protagonismo na escolha seja em
qual ateliê participar, ou não participar, decidir no coletivo como o dia será estruturado,
deixar as crianças se organizarem não é tirar o protagonismo do Professor ou da Professora, é
tornar esta jornada que por muitas vezes é integral um processo democrático, tirando assim as
amarras da escolarização, os resquícios de adultocentrismo que ainda nos resta, logo, os
professores e professoras contribuem com seus aspectos propositivos e as crianças
introduzindo elementos casuais e não planejados.
Por isso a essencialidade da escuta, para Bufalo (1999) quando a criança introduz o
inesperado e o não planejado, é necessário que o adulto seja capaz de interpretar e reorganizar
as condições do momento. Por isso eu digo quem teve a ideia de fazer uma fogueira no
parque ou pular na lama feito prancha, foram eles, sim, foi um imprevisto previsto, não estava
em meu planejamento, porém sem a minha escuta refinada jamais ocorreria, que bom que
tenho orelhas verdes, como o homem do poema de Gianni Rodari e posso passarinhar por
entre estes diálogos e possibilitar estas experiências, ajudando na construção quando eles não
conseguem, como no caso da fogueira:
Diálogos no parque entre duas meninas:
- A gente precisa de folhas, pedra e madeira. (o grupo sai a procura pelo parque)
- Mas e o fogo?
- A gente faz, eu sei fazer.
- Eu vi no desenho que quando bate as pedras sai faísca e pega fogo”
- Eu também vi este desenho, mas também dá para fazer com pauzinho, assim ó:
(mostrando com o graveto como se faz)
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748
Enquanto está roda linda acontecia eu estava ao lado, sempre ao lado, nunca na frente
ou atrás, numa relação igualitária como acontece no nosso espaço eu sou aceita em todos
estes momentos, eles dividem comigo estes conhecimentos que produzem com riqueza de
detalhes e eu como Professora de criança pequena, me sinto honrada em poder auxiliar e
potencializar estas descobertas e neste caso “fogueira no parque” expliquei aos pequenos que
esta é sim algumas possibilidades de fazer fogo, porém não são todas as pedras e gravetos que
o geram e que isso demanda tempo etc, e assim a construção de um conhecimento num
parque em que não necessariamente precisou envolver o coletivo, pois a ideia surge de um
pequeno grupo. Ao perguntar se poderia ajuda-los, aceitaram minha ajuda, forneci a eles a
fósforo e então, o fogo brilhou junto com os olhos dos pequenos e do mesmo jeito que a ideia
surgiu, quando o fogo se apagou, eles descobriram as cinzas e com ela a possibilidade de
pintar o corpo, imagine que incrível, pintar o corpo com o que restou de uma fogueira?
Nesta busca não há uma direção única, porque meninos e meninas não são
objetos nem de estratégias, nem de aprendizagens: por um lado eu tento me
tornar interessante à medida que proponho brincadeiras interessantes, por
outro, as brincadeiras que proponho são acolhidas como interessantes ou
não, dependendo de como eles me vêem. (RUSSO, p. 82, 2007)
Como será que as crianças me vêm, quando coloco tinta embaixo do balanço, quando
deito no chão para brincar ou quando lhes dou fogo, se elas me considerarem criancista como
elas, já estarei com minhas estratégias prontas, brincarei pelos próximos anos, serei o faz de
conta que faz acontecer, criançologa brincante. Já dizia Faria (2011) refletir sobre outra
concepção de criança provoca a nos pensar em outro professor e professora. Pensar em um
“adulto-professor-diferente”, que proporciona e favoreçam a autonomia infantil.
Agrupamentos, interações, o uso dos elementos da natureza, materiais estruturados e
não estruturados, os corpos aqui escrevem sem ter que pedir, sem ter que fazer repetecos,
cada movimento é único, cada um com sua liberdade de expressão, com o seu tempo de ser
criança, produzindo culturas infantis em todas as linguagens e como dizia o poeta que fala da
criança:
Que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças em
barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a
coisa produz em nós. Manoel de Barros (2011, p.12)
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749
Referências Bibliográficas.
BARROS, Manoel. Memórias Inventadas:A Segunda Infância. São Paulo: Planeta, 2006.
___________. Poesia Completa. São Paulo: Leya, 2011.
BUFALO, Joseane Maria Patrice. O imprevisto previsto. Pró-posições. Vol.10 Nº 1,
Campinas, 1999, p. 119-131.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Diretrizes curriculares
nacionais para a educação infantil. Secretária de Educação básica. Brasília: MEC, SEB.
2010.
FARIA, Ana Lúcia Goulart. Sons sem palavras e grafismo sem letras: linguagens, leituras
e pedagogia na Educação Infantil. In: FARIA, Ana Lucia Goulart & MELLO, Suelly
Amaral (orgs). O Mundo da escrita no universo da pequena infância. Campinas, SP:
Autores
Associados, 2005 – (Coleção polêmicas do nosso tempo,93)
FARIA, Ana Lúcia Goulart & FINCO, Daniela (orgs): Sociologia da Infância no Brasil.
Campinas: Autores Associados, 2011.
MELLO, Suely Amaral. O Processo de Aquisição da Escrita na Educação Infantil:
contribuições de Vygotsky. In: FARIA, Ana Lucia Goulart & MELLO, Suelly Amaral
(orgs). Linguagens Infantis: outras formas de leitura, Campinas, SP: Autores Associados,
2005 – (Coleção polêmicas do nosso tempo,93)
RUSSO, Danilo. De como ser professor sem dar aulas na escola da infância. In: FARIA,
Ana Lúcia Goulart (org.). O coletivo infantil em creches e pré-escolas: falares e saberes.
São Paulo: Cortez, 2007, p. 67-93.
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750
Brincar, brinquedos, brincadeiras e brinquedoteca no GT07 da ANPEd:
Discutindo possibilidades na educação infantil e nas infâncias119
Tatiani Rabelo Lapa Santos 120
Myrtes Dias da Cunha 121
RESUMO: Esta pesquisa tem como objetivo investigar a produção acerca das temáticas
relacionadas às crianças, as infâncias, o brincar, as brincadeiras, os jogos e a brinquedoteca
nos trabalhos apresentados e publicados no período de 1988 a 2010, no Grupo de Trabalho
“Educação de criança de 0 a 6 anos” (GT07), nas Reuniões Anuais da Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd). A partir de uma pesquisa bibliográfica e
documental constatamos que os autores valorizam as crianças como seres capazes de falar em
seu próprio direito, de dar informações e opiniões sobre seu mundo educacional, social e
cultural. Como resultado desta pesquisa, depois de reunir o material apresentado no GT07 no
período de 1988 a 2010 e além da análise temática em questão, organizamos uma mídia
digital (CD-ROM) com esse conjunto de produções para ser disponibilizado ao grupo de
trabalho e para quaisquer outros pesquisadores interessados.
Palavra-chave: infâncias, crianças e brincadeiras.
Introdução
O interesse em conhecer crianças e infâncias, desejos e perspectivas infantis, modos de
brincar, as manifestações e as formas de interação das crianças culminou na realização da
pesquisa desenvolvida no curso de Mestrado que teve como propósito compreender a
produção acerca das temáticas relacionadas às crianças, às infâncias, o brincar, às brincadeiras
e à brinquedoteca nos trabalhos apresentados e publicados entre os anos de 1988 a 2010, no
Grupo de Trabalho “Educação de criança de 0 a 6 anos” (GT07), nas Reuniões Anuais da
119
Este texto é fruto de pesquisa realizada no Curso de Mestrado em Educação na Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Uberlândia (MG), no período de 2012 a 2014.
120
Professora da Educação Básica da Rede Municipal de Educação de Uberlândia - MG..
121
Professora associada da Universidade Federal de Uberlândia (MG) – Programa de Pós-graduação em
Educação.
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751
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd). Para tal,
elencamos os seguintes objetivos: compreender concepções de criança e infância, do brincar,
da brincadeira, dos brinquedos e das brinquedotecas apresentadas nos trabalhos publicados no
GT07; conhecer qual é a produção do GT07 sobre brincar, brincadeira, brinquedos e
brinquedotecas; identificar quais são os referenciais teóricos e metodológicos utilizados por
estes autores para discutir os temas de interesse na presente investigação; identificar
posicionamentos conceituais e outras considerações sobre as vivências infantis na produção
do GT07; compreender quais áreas do conhecimento subsidiam as discussões sobre culturas,
brincar, brinquedos, brincadeira e brinquedotecas nos trabalhos apresentados e qual é o lugar
da Sociologia da Infância nessa produção.
As análises realizadas neste trabalho apoiam-se principalmente nos estudos da
Sociologia da Infância; tal área de estudo abriu novas possibilidades de entendimento das
infâncias e das crianças, tendo como objeto de investigação as infâncias consideradas como
construções sociais que se transformam de acordo com o tempo e com os diferentes espaços;
mediante tal entendimento, é possível afirmar que existem variadas e distintas infâncias. Essas
análises evidenciam que as crianças também participam de formas individual e coletiva nas
sociedades em que vivem, pois são sujeitos ativos. Trata-se de uma maneira diferente de
estudar as infâncias, num esforço de abandonar o adultocentrismo e concebendo a criança
como um ser ativo, capaz e criativo, valorizando a realização de pesquisas com crianças e não
apenas sobre elas.
A partir desses pressupostos, investigamos o que os autores escrevem, observam e
pesquisam sobre crianças, brincar, brincadeiras, brinquedos e brinquedotecas, elegendo os
trabalhos apresentados no GT07 da ANPEd no período de 1988 a 2010 como fonte de
investigação.
A definição do período pesquisado, de 1988 a 2010, deveu-se ao fato de 1988 ter sido
o ano em que se determinou a atual denominação para o Grupo de Trabalho: Educação de
criança de 0 a 6 anos, fundado em 1981 com o nome de “Educação Pré-escolar”; já o ano de
2010 foi escolhido como término dessa investigação por ser o ano anterior ao ingresso no
Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Uberlândia,
2011. Desta forma, como precisávamos delimitar um período para nossa proposta de
pesquisa, escolhemos o ano de 2010 para finalizar a investigação.
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752
A escolha da produção do Grupo de Trabalho Educação de criança de 0 a 6 anos
(GT07) está relacionado ao fato deste grupo ter sua produção caracterizada por estudos
importantes e referenciais sobre crianças, políticas públicas para crianças de 0 a 6 anos,
formação de profissionais, trabalho pedagógico na Educação Infantil, funções do brincar e das
brincadeiras no desenvolvimento e na aprendizagem, relações entre as crianças e adultos,
dentre outros relacionados com crianças e infâncias.
Para alcançar os objetivos elencados nesta pesquisa e responder às perguntas
problematizadoras, realizamos uma pesquisa bibliográfica e documental, a partir dos
seguintes procedimentos: localizamos e recolhemos os textos que foram apresentados e
publicizados no GT07 a partir de 1988 e realizamos leitura e análise dos resumos para
identificar aqueles que abordavam os temas iniciais selecionados (crianças, infâncias, brincar,
brincadeiras e brinquedoteca); nessa etapa do trabalho, de um total de 375 textos recolhidos,
selecionamos 62 para leitura dos textos completos. Esse trabalho de leitura e análise dos
textos completos selecionados pautou-se em procedimentos utilizados na pesquisa
documental com análise de conteúdos previamente selecionados, mas também buscando
encontrar associações destes temas prévios com outros e buscando também desenvolver uma
compreensão histórica sobre as permanências ou modificações de temáticas, enfoques
epistemológicos, metodológicos e bibliográficos que caracterizam e caracterizaram o GT07.
Dessa forma, ao pesquisar os documentos produzidos pelo GT07 da ANPEd no
período de 1988 a 2010, buscamos realizar uma leitura e análise desse material considerando
as informações ali contidas, mas também buscando compreender de que maneira essas
produções projetam tendências que conformam o GT07 como grupo, portador de consensos e
divergências em relação a temas e posicionamentos importantes para compreensão das
infâncias, especialmente no tocante ao papel do lúdico na educação escolar de crianças no
Brasil.
Apoiados em tal compreensão realizamos o levantamento dos textos apresentados de
1988 a 2010 no GT07 e encontramos 375 trabalhos em formatos de trabalho completo,
comunicação e pôster. Desse total geral, identificamos 62 artigos que abordavam em seus
títulos e resumos as temáticas de estudo de nosso interesse. Realizamos tal procedimento por
meio da leitura dos títulos e resumos da totalidade dos textos recolhidos e selecionando
aqueles que mencionavam e/ou abordavam os temas de nosso interesse (culturas, brincar,
brinquedos, brincadeira e brinquedotecas). Para compreender como as temáticas de nosso
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753
interesse se apresentavam nos textos selecionados começamos a organizá-los de acordo com
os seguintes itens: título da pesquisa; autor(es); ano de publicação; temas abordados; tipo de
pesquisa informada; referencial teórico informado; metodologia de pesquisa informada;
procedimentos, técnicas e instrumentos de pesquisa informados.
O levantamento geral e a reunião do conjunto de trabalhos que compõem o GT07
foram realizados através de visitas, contatos eletrônicos e telefônicos com algumas bibliotecas
de universidades e outras instituições, por exemplo, Universidade de São Paulo - USP,
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, Universidade Federal de Santa Catarina UFSC, Biblioteca Ana Maria Poppovic na Fundação Carlos Chagas e na Associação Nacional
de Pós-graduação em Educação - ANPEd.
Constatamos que os trabalhos apresentados no GT07 entre 2000 a 2010 encontram-se
disponíveis no sítio eletrônico da ANPEd; entretanto, no que se refere ao período de 1988 a
1999, os trabalhos apresentados no GT07 foram encontrados em diversos locais: bibliotecas
de diferentes universidades, em acervos particulares de autores e se apresentavam em
formatos distintos: boletins, cadernos de resumo, textos impressos e em um CD organizado
pela Anped, com trabalhos apresentados no GT07 nos anos de 1986 a 1994, neste CD faltam
alguns trabalhos.
Neste sentido, um dos resultados desta pesquisa consistiu na organização de um
material de mídia digital (CD-ROM) contendo a dissertação de mestrado da pesquisadora e os
trabalhos apresentados no GT07 durante 22 anos nas reuniões anuais da ANPEd.
Trabalhos do GT07 da ANPEd: discutindo possibilidades na educação infantil e nas
infâncias
É importante esclarecer que a nossa pesquisa explora desdobramentos além dos que
apresentamos aqui, mas optamos por abordar no presente texto as seguintes questões: o
movimento quantitativo de trabalhos apresentados sobre as temáticas de nosso interesse no
período de 1988 a 2010, os referenciais teóricos utilizados no GT07, as concepções e os
entendimentos que autores que apresentaram trabalhos no GT07 possuem acerca do brincar,
brincadeiras, brinquedos e brinquedoteca.
No que se refere aos trabalhos apresentados no GT07 da ANPEd, encontramos na
Tabela 01 uma apresentação do número total de trabalhos publicados no período de tempo de
nossa pesquisa e o quantitativo de trabalhos selecionados para a presente análise.
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Tabela 01: Quantidade de trabalhos apresentados no GT07 no período de 1988 a 2010 e de
trabalhos selecionados para análise na presente pesquisa.
Ano de apresentação e
publicação dos trabalhos
(incluindo trabalhos
completos, comunicações
e pôsteres) no período de
1988 a 2010
Quantidade total de trabalhos
apresentados por ano no
GT07, no período1988 a 2010
1988122
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Total Geral
Fonte: Elaborado pela autora (2014).
----------14
13
14
16
18
14
27
15
16
15
17
20
16
09
15
28
26
23
21
21
17
375
Número de trabalhos do GT07 que
abordam temáticas de interesse dessa
pesquisa no período1988 a 2010
------------01
02
01
05
03
01
05
02
04
02
03
05
02
04
05
03
01
01
04
03
05
62
Conforme pode ser constatado na Tabela 01, apresentada acima, no que se refere à
produção de trabalhos do GT07, verificamos a partir de 1993, uma presença relativamente
maior de trabalhos que tratam de crianças e infâncias; tal quantitativo está relacionada,
provavelmente, às transformações sinalizadas a partir da Constituição Federal de 1988, vista
como um marco na garantia de direitos para as crianças, com a criação do Estatuto da
122
Nos ano de 1988 e 1989 não havia apresentações de trabalhos, as discussões no GT07 aconteciam em forma
de mesas redondas, coordenadas por pesquisadores. Apenas no ano de 1990 inicia-se a apresentação de trabalho
no formato atual em que os pesquisadores enviam seus textos para avaliação e, no caso de aprovação, são
apresentados e publicados. De acordo com o Boletim ANPEd (1990, p. 58), pela primeira vez, foram enviadas
cartas aos pesquisadores, no mês de março, solicitando o envio de textos escritos para serem apresentados no
encontro e também foram definidos critérios para seleção de artigos a serem apresentados, tais como: relevância
do tema, consistência teórica e levantamento de pontos críticos.
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Criança e do Adolescente (ECA) em 1990, com o reconhecimento do texto da Convenção
sobre os Direitos da Criança - (CDC), adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em
novembro de 1989, dentre outras conquistas legais importantes que contribuem para a
consolidação de uma visão das crianças como sujeitos plenos e como cidadãos cujos direitos
são reconhecidos em todos os aspectos.
Ao buscarmos compreender qual é o lugar das infâncias e das crianças, quais são as
possibilidades das infâncias nas produções acadêmicas apresentadas no GT07, podemos dizer
que as pesquisas com crianças adquirem certa constância a partir da década de 1990; as
crianças têm ganhado lugar nos estudos sobre as infâncias. Educadores e pesquisadores da
área da Educação Infantil procuram compreender cada vez mais as temáticas de estudos
referentes à faixa etária de 0 a 5 anos, trabalhando com práticas de pesquisa que apresentam
as crianças como sujeitos, possibilitando conhecer a infância nas várias formas de ser criança.
Nos trabalhos selecionados e analisados, verificamos que as crianças ocupam um lugar
na produção acadêmica, as crianças são caracterizadas como sujeitos ativos e possuidores de
direitos. Os autores ao se referirem as crianças em seus textos reforçam a importância de
considerá-la como um ser social e cultural, tal como pode ser visto nos trabalhos de Faria
(1994), Prado (1998), Kishimoto (2000), Oliveira (2001), entre outros.
Quanto à fundamentação teórica dos trabalhos que discutem as questões relativas ao
lúdico, brincar, brinquedo e brinquedotecas, selecionados para esta pesquisa, podemos
constatar que os que se destacavam nos primeiros anos - 1988 a 1999 - são os trabalhos
realizados a partir de uma perspectiva histórico - cultural, a partir de Vigostsky e
colaboradores: Elkonin, Leontiev, Usova (11 trabalhos), tal como pode ser visto, por
exemplo, nos trabalhos apresentados por Wajskop (1991, 1994), Kishimoto (1992,1994),
Góes (2000), e Nascimento (1998) respaldando-se em Henri Wallon.
Aparecem também, neste período, de 1988 a 1999, trabalhos apoiados em outros
referenciais, no entanto, se apresentam com menor frequência, como, por exemplo, os
trabalhos pautados em autores italianos, na Psicanálise, Sócio-Antropologia e outras teorias,
como a Teoria da Ecologia do Desenvolvimento Humano proposta por Urie Bronfenbrenner,
usada no trabalho de Ramalho e Krebs (1996).
Em relação aos trabalhos apresentados e publicados a partir do ano 2000, constatamos
que os referenciais teóricos utilizados e as metodologias desenvolvidas começam a se
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756
modificar, e outras áreas começam a se destacar. A partir daí encontramos a fundamentação
da Sociologia da Infância, Antropologia, Filosofia e outras áreas de estudo.
No que se refere à produção acerca da Sociologia da Infância (06 trabalhos),
acreditamos que os estudos realizados por esta área tem se expandido em produções
brasileiras devido ao fato de que consideram as crianças mais que ativas, como sujeitos
sociais, produtores de cultura, valorizando suas vozes e atitudes, considerando que, ao mesmo
tempo em que as crianças são influenciadas, também influenciam pessoas e relações à sua
volta.
A expansão da Sociologia da Infância como fundamentação teórica para pesquisas na
Educação Infantil pode estar relacionada ao tratamento e a valorização que a criança passou a
receber com a criação dos ordenamentos legais para a Educação Infantil, que a partir de 1988,
com a promulgação da Constituição Federal, têm influenciado de forma positiva na
implementação de leis relacionadas à proteção das infâncias e a produção acadêmica sobre as
crianças e as infâncias, valorizando tais sujeitos como cidadãos políticos, portadores de
direitos sociais. Dessa forma, a legislação ao apresentar um novo olhar para criança pode
influenciar a produção acadêmica da área e esta, por sua vez, também produz seus
desdobramentos na realidade.
Assim, o fato da Sociologia da Infância apresentar as crianças como sujeitos sociais de
direito, sujeitos culturais que participam da vida social e que constroem suas culturas, tratá-las
como seres criativos e importantes na sociedade corrobora com o que é defendido em alguns
documentos apresentados no âmbito da legislação, tal como pode ser visto, por exemplo, no
Artigo 4º das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil que defende que a
criança é um sujeito histórico e de direitos que se constitui nas interações, relações e práticas
cotidianas que vivencia. (BRASIL, 1999). Nessa direção, os estudos na área da Sociologia da
Infância ganham mais espaço nas pesquisas voltadas para o universo infantil, à medida que
vem reafirmar, mesmo que de forma diferenciada, o que é apresentado nos ordenamentos
legais: a criança como um sujeito importante, um cidadão que merece ser ouvido e respeitado.
No entanto, ressaltamos que mesmo encontrando outros/novos referenciais na
produção do GT07 a partir do ano 2000, como por exemplo, a Sociologia da Infância,
Antropologia, Filosofia e outras áreas, consideramos que são estudos ainda incipientes na
produção analisada.
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Constatamos que prevalecem no GT07 durante o período analisado - 1988 a 2010 - os
trabalhos que apresentam uma fundamentação teórica diversa, ou seja, dentre os 62 textos
analisados por nós, 26 trabalhos citam diferentes autores e não deixam claros os aportes
teóricos utilizados, levando-nos a compreender que, embora alguns autores façam opção por
defender um referencial teórico específico, como por exemplo, Psicologia, Sociologia da
Infância, Antropologia, Filosofia e outras, a grande maioria dos trabalhos optou por usar
autores sem nomear uma fundamentação teórica especifica, entretanto, pudemos subentender
nas referencias bibliográficas utilizadas por estes trabalhos uma afinidade e aproximação com
determinadas áreas de estudo. Tal questão nos chama atenção. Questionamos o que tal
procedimento pode significar em termos de ampliação de referencias e de compreensão das
infâncias ou se demonstram certo ecletismo teórico-metodológico que indicam a necessidade
de uma ampliação do debate sobre as pesquisas que realizamos, o modo pelo qual as
realizamos e sobre o vínculo entre as pesquisas realizadas e a realidade.
No que se refere à produção acerca dos temas brincar, brinquedo e brinquedoteca,
apresentamos inicialmente a Tabela 02, a qual intenta dimensionar a movimentação
quantitativa da produção sobre esses temas no intervalo de tempo pesquisado.
TABELA 2: Quantidade de trabalhos do GT07 que tratam o brincar, o brinquedo, os jogos, as
brincadeira e a brinquedoteca n período de 1988 a 2010.
Ano
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
Total
de
trabalho
selecionados
para análise
no período de
1988 - 2010
1
2
1
5
3
1
5
2
4
2
3
5
2
4
Brincar
Brinquedos
-
-
3
1
1
1
2
2
Brincadeiras
-
1
1
4
1
1
1
2
1
1
1
2
1
2
Brinquedotecas
2
2
2
1
2
3
2
3
1
ISSN 2448-1157
Jogos
1
2
1
2
2
1
1
1
2
1
1
1
1
758
2004
5
2
2005
3
1
2006
1
1
2007
1
1
2008
4
2009
3
2
2010123
5
4
Total
62
21
Fonte: Elaborado pela autora (2014).
1
3
4
1
2
1
1
1
1
23
4
2
1
30
3
1
21
Em relação aos trabalhos que discutem o brincar, os brinquedos, as brincadeiras, os
jogos e as brinquedotecas, chama-nos a atenção, em primeiro lugar, o fato de que, todos eles
aparecem como temáticas de pesquisa a partir de 1991 e principalmente a partir de 1993, mas
dentre os 62 trabalhos selecionados encontramos apenas três textos que tratam da
brinquedoteca: Porto (1996), Giroux e Macias (1998) e Góes (2000). O que tal situação nos
levou a discutir?
Porto (1996) realizou sua pesquisa nomeada como Do brinquedo à brincadeira:
práticas e representações sobre o brinquedo e o ato de brincar na brinquedoteca numa
brinquedoteca pública em fase de constituição, com objetivo de compreender os significados
que as crianças davam aos brinquedos e às brincadeiras. Giroux e Macias (1998) procuraram
compreender a brinquedoteca como um processo metodológico na construção do
conhecimento da pré-escola e Góes (2000) apresentou os resultados de um projeto realizado
numa instituição pública de educação infantil, com crianças de 3 a 6 anos, com objetivo de
contribuir para a ampliação de conhecimentos sobre as relações entre linguagem e imaginação
na infância e para a discussão da importância do brincar nas instituições de educação infantil.
Estas três pesquisas, de maneira geral, discutem aspectos da brincadeira e da
brinquedoteca como espaço do brincar e apresentam a brincadeira como uma prática
relacionada a um determinado espaço social, que as diferentes condições sociais, culturais e
históricas das crianças determinam uma utilização diferenciada dos brinquedos, dos jogos, das
diferentes maneiras de se relacionar e de ressignificar o mundo. Igualmente, estes trabalhos
apresentam que as vivências das crianças e os conhecimentos adquiridos no cotidiano
reproduzem modos culturais distintos.
123
É importante ressaltar que ao analisar os textos que tratam das temáticas de interesse desta pesquisa,
constatamos que dentro do número total encontrado por ano existem vários autores que discorrem sobre o
brincar, brinquedo e brinquedoteca em um mesmo trabalho, além de relacionarem tais assuntos a outros que
também se tornaram de nosso interesse, por exemplo, o termo jogos. Neste sentido, os números apontados para
representar cada temática separadamente podem ser diferentes do número total apresentado na segunda coluna.
759
ISSN 2448-1157
Podemos observar também nestes três trabalhos que tratam da temática brinquedoteca
e nos outros que discutem o brincar, as brincadeiras e aos brinquedos, em sua grande maioria,
convergem em uma mesma direção: uma discussão acerca da cultura e das culturas infantis,
ou seja, a grande maioria dos autores cujos trabalhos foram aqui analisados defende que a
forma de brincar das crianças, as brincadeiras e uso dos brinquedos vão variar de acordo com
a cultura e as diferentes condições sociais e históricas que permeiam a vida das crianças.
Os textos apresentados no GT07 no período de 1988 a 2010, ao apresentarem as
observações realizadas nos espaços escolares - local em que é realizado a maior parte das
pesquisas apresentadas no grupo de trabalho investigado (40 trabalhos dos 62 selecionados
para análise na presente pesquisa) -, apontam que o brincar e as brincadeiras são vistos por
muitos profissionais da educação como uma a hora de fazer nada, segundo tais pesquisas,
estes profissionais tratam o brincar como ação pouco séria, reservada geralmente para hora do
recreio ou para os momentos de trocas de professores. Constatou-se, ainda, a partir dos artigos
analisados, que nos espaços educativos os profissionais valorizam o brincar sem correr e sem
o que eles consideram bagunça, elogiando as meninas por se comportarem adequadamente, ou
seja, consideram que as meninas são adequadas porque elas permanecerem mais quietas, e
criticando a forma pela qual os meninos brincam (de correr, de polícia e ladrão, de pique
esconde, dentre outras).
Os trabalhos analisados demonstram que seus autores, ao observarem creches, préescolas e escolas denunciam um predomínio do papel disciplinador e as atividades
escolarizantes propostas pelos profissionais que trabalham com crianças nesses locais;
segundo as pesquisas analisadas, nos espaços educativos ainda se fazem presentes a dicotomia
entre o cuidar/educar e prevalecem práticas educativas assistencialistas. O brincar e as
brincadeiras são vistos como tempo para descarregar a energia ou apenas como prêmio pelo
cumprimento das tarefas, tal como pode ser visto, por exemplo, no trabalho Rotina e
experiências formativas na pré-escola, de San’tana (2004) que apresenta a fala de uma das
professoras ao se dirigir às crianças: - “se vocês não acabarem logo essas tarefas não sobrará
tempo para brincar” (SAN’TANA, 2004, p. 6). Desta forma, os momentos de brincadeira e
de trabalho são separados e demarcados pelas professoras, sendo as brincadeiras consideradas
como a hora de fazer nada e de mudar de atividade, atividades secundárias nas rotinas
escolares.
ISSN 2448-1157
760
No entanto, também é importante ressaltar que os trabalhos investigados nessa
pesquisa apontam que independentemente da forma pela qual as brincadeiras, os jogos e o
lúdico são tratados pelas professoras e outros profissionais nas creches, pré-escolas e escolas,
as crianças brincam, ou seja, muitas vezes, crianças criam mecanismos de resistência ao
estabelecido e alteram proibições ao brincar, não se restringindo ao que é imposto por
professoras, inventando brincadeiras e diferentes formas de brincar, “recriando no mundo da
ordem, uma outra ordem, alternativa, entendida pelo adulto como desordem, barulho e
bagunça” (PRADO, 1998, p. 8).
Nessa direção, ao realizarmos a análise dos 62 trabalhos selecionados constatamos que
houve, a partir da década de 1990, uma expansão de trabalhos relativos às infâncias, crianças,
brincar, brinquedos e brinquedotecas, relacionando tais temas com os assuntos jogos e lúdico.
Constatamos nos textos analisados que os autores valorizam as crianças, considerando-as
como sujeitos de direitos que possuem autonomia diante do mundo em que vivem e como
seres capazes de influenciar pessoas e relações à sua volta.
Palavras finais
Constatamos através das análises realizadas que a grande maioria dos trabalhos ao
discutirem o brincar, as brincadeiras, os brinquedos e as brinquedotecas ressaltam a sua
importância para a educação das infâncias, para o desenvolvimento das crianças e para a
instauração de um ambiente mais prazeroso e significativo nas escolas, uma vez que estes
possibilitam situações em que as crianças interagem, compartilham saberes, criam, inventam e
dão outros significados às diferentes situações vividas. Enfim, consideram que as brincadeiras
tornam espaços educativos mais prazerosos e humanizados.
Neste sentido, acreditamos na importância do brincar e das brincadeiras no contexto
educativo e que a forma que profissionais das escolas entendem e vivenciam com as crianças
as situações do brincar e das brincadeiras precisam ser revistas, pois quando professores
valorizam o brincar, as brincadeiras, os jogos e o lúdico, o ambiente escolar se torna outro,
mais adequado à condição infantil, por isso mesmo mais humanizado. Ressaltamos ainda que,
quando se trata da Educação Infantil, ao fazermos a opção por defender a brincadeira, o
brincar, o uso de brinquedos, de jogos como possibilidades de aprender, admitimos que
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761
aprender de outras modos também é possível e defendemos também que brincadeiras e jogos
são muito importantes na educação das infâncias.
Portanto, consideramos importante refletir sobre as possibilidades que a valorização
das infâncias e das crianças trazem para o trabalho com a educação infantil e sobre o lugar das
brincadeiras nesse processo, já que grande parte dos trabalhos analisados, ao apresentarem
resultados de pesquisas desenvolvidas em espaços institucionais (40 trabalhos), denunciam a
forma como o brincar, as brincadeiras e o lúdico são (mal)tratados, (pouco)vivenciados e
valorizados em instituições de educação infantil; tais trabalhos demonstram, sobretudo, que
professores valorizam uma escolarização disciplinada em detrimento da realização de
atividades significativas para crianças.
Nessa direção, recomendamos que a reflexão realizada nesta pesquisa possa ser
compartilhada com educadores e profissionais que trabalham com as crianças em diferentes
espaços educativos, de forma que possa contribuir para efetivação de práticas educativas mais
humanas e humanizadoras no trabalho cotidiano de creches, pré-escolas e escolas.
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762
REFERÊNCIAS
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1999.
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_________. Tizuko Morchida. Piaget, Vygotsky e Bruner: paradigmas sobre o jogo. In: 17º
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ISSN 2448-1157
763
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SANT’ANA, Ruth Bernardes de. Rotina e experiências formativas na pré-escola. In: 27º
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_______. Gisela. A brincadeira na pré - escola em São Paulo/ Brasil e em Paris/França:
qual seu lugar nas representações dos adultos? In: 17º Reunião Anual da ANPEd,
Caxambu/MG, mimeo, 1994.
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764
Projeto Interações
Fabiane Lucia Pinto Bolsari124
Gislaine dos Anjos Oliveira Alves 125
Maria Aparecida Rigonato126
Thaís Silva Nonô127
RESUMO
De forma intencional, promovemos experiências de interação entre sujeitos de diferentes
idades, exercício da autonomia e liberdade da movimentação ampla, permeados pela
brincadeira e imaginário infantil. Tais interações acontecem diariamente em nossas creches
com crianças de quatro meses a quatro anos de idade. O objetivo é que elas possam escolher
com quem e onde querem se alimentar, bem como com quem e onde brincar, com autonomia
para mudar de proposta a qualquer momento e quantas vezes desejar. Nas salas, há cantos
diversificados de brincadeiras, arte e cultura em geral, planejados a partir da observação dos
campos de interesse das crianças, com materiais separados prévia e minuciosamente
(mobílias, materiais estruturados e não-estruturados), para que sejam criados cenários de
aprendizagem, com possibilidades de ampliação da curiosidade infantil. O papel dos
educadores é interagir com as crianças, observando, avaliando, acolhendo necessidades e
criando desafios para o desenvolvimento infantil pleno, com respeito à corporeidade.
Palavras-chave: Crianças pequenas. Interações. Movimento. Autonomia. Brincadeira.
Desenvolvimento Infantil.
124
Especialista em Gestão Escolar e graduada em Pedagogia – Coordenadora Pedagógica da EMEB Antonio
Brunholi Netto, da rede municipal de Jundiaí.
125
Especialista em Gestão Escolar e Educação Infantil e graduada em Pedagogia – Diretora da EMEB Professora
Angela Rinaldi Bagne, da rede municipal de Jundiaí.
126
Especialista em Psicopedagogia e Educação Especial e graduada em Pedagogia – Coordenadora Pedagógica
da EMEB Professora Angela Rinaldi Bagne, da rede municipal de Jundiaí.
127
Especialista em Gestão Escolar e graduada em Pedagogia - Diretora da EMEB Antonio Brunholi Netto, da
rede municipal de Jundiaí.
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765
As Escolas Municipais de Educação Básica de Jundiaí que atendem crianças de 0 a 3
anos contam individualmente com o trabalho de uma diretora, uma coordenadora pedagógica,
professores, agentes de desenvolvimento infantil (ADIs), cozinheiras e agentes de serviços
operacionais de acordo com o número de crianças atendidas, que são divididas em grupos por
faixas etárias.
Já dessa divisão física dos grupos e da observação diária das crianças em atividades de
“confinamento em suas salas de aula”, sem explorar outros espaços de convivência, surgiu a
motivação e necessidade de cumprir com as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
Infantil (2009), haja vista que:
Art. 8º A proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve ter como
objetivo garantir à criança o acesso a processos de apropriação, renovação e
articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens, assim como o
direito à proteção, à saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito, à dignidade, à
brincadeira, à convivência e à interação com outras crianças. [...]
Art. 9º As práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da Educação
Infantil devem ter como eixos norteadores as interações e a brincadeira.
Partindo do pressuposto de que as crianças são cidadãs, capazes, competentes,
produtoras de cultura e que devem ser ouvidas, respeitadas e valorizadas, enquanto instituição
de educação infantil e local privilegiado para difundir a cultura da infância e a promoção do
desenvolvimento infantil de forma plena e sadia, buscamos aliar experiências de interação
entre os sujeitos de diferentes idades, o exercício da autonomia e a liberdade do movimento,
permeados pela brincadeira e o imaginário infantil.
Com relação aos educadores, a necessidade era de mostrar a importância das
interações sociais, da exploração das crianças nos diferentes espaços, bem como a
organização estética desses espaços, considerando a movimentação autônoma das crianças, a
intencionalidade no planejamento das propostas e a observação atenta, buscando sempre
novos desafios e pontos de interesse das crianças, acabando com as atividades estanques, de
confinamento, sem desafios e que não valorizam a brincadeira e as culturas infantis.
Como construção social, a brincadeira é um direito da criança, mas não é uma
disposição inata, é preciso aprender a brincar (Brasil, 2012). E aprender a brincar se faz em
parceria com pessoas, inclusive com os adultos que são responsáveis pela sua formação. Pais,
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766
professores, ADIs e outras crianças são elementos importantes na ampliação do universo das
brincadeiras das crianças.
Neste contexto, e também nos baseando em experiências de outras unidades escolares,
em 2014 surgiu timidamente o “Projeto Interações” nas EMEBs Professora Angela Rinaldi
Bagne e Antonio Brunholi Netto, do município de Jundiaí. Cabe salientar que ambas atendem
as crianças em período integral, de segunda a sexta das 7h30 às 17h.
No ano de 2015, por meio de avaliações permanentes realizadas pelas equipes
escolares, reformulamos etapas, ajustamos ações e ampliamos o foco com o objetivo de
promover cada vez mais os momentos de interação. Apesar das especificidades e identidades
de cada uma das escolas, atualmente o projeto se estrutura da seguinte maneira:
Interações diárias 1 – café da manhã
 Essas interações acontecem todos os dias, das 7h30 às 8h10, ou enquanto houver
crianças no refeitório, no café da manhã;

Conforme as crianças chegam à escola, são acolhidas pelas educadoras e, em seguida,
encaminhadas para o café da manhã (cada criança chega num horário e fica no
refeitório o tempo necessário para se alimentar, ou seja, não há momentos de espera,
consideramos o tempo da criança);

Ao chegarem no refeitório, as crianças escolhem com quem e onde querem se
acomodar para tomar o café (com os irmãos, amigos do próprio grupo, amigos do
transporte escolar e de outros grupos, etc.);

Um grupo de educadoras permanece no refeitório para ajudar e auxiliar as crianças
nesse momento, havendo um rodízio semanal do grupo responsável, conforme
organização prévia organizada e compartilhada com a equipe toda;

As cozinheiras também participam das interações com as crianças, conversando sobre
as refeições, incentivando que se alimentem e proporcionando momentos de
aconchego.
Interações diárias 2 – Cantos de atividades diversificadas

Enquanto as crianças tomam o café da manhã, nas salas já estão preparados cantos de
atividades diversificadas, planejados e organizados antecipadamente pelas professoras
e agentes de desenvolvimento infantil, sendo que as crianças chegam e encontram
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767
ambientes atrativos, especialmente organizados para elas (e, por vezes, organizados
com elas);

Durante e após o café da manhã, as crianças podem escolher a proposta que querem
participar, podendo mudar de sala e/ou de proposta a qualquer momento e quantas
vezes desejarem (podem inclusive brincar e depois tomar o café da manhã, haja vista
que muitas já chegam alimentadas e preferem brincar primeiramente);

Os cantos trazem propostas que respeitam a liberdade de movimento e a autonomia
das crianças, como por exemplo: circuitos de atividades motoras (com colchões,
bambolês, fitas, tecidos, elásticos, espumados de alta densidade, cones, etc.), espaço
das artes (com diferentes meios e suportes: tintas, canetões, carvão, desenho no
espelho, papeis diversos em cavaletes, no chão, na parede...), jogo simbólico e
brincadeiras de faz-de-conta (casinha, fazenda de animais, festa de aniversário,
mercado...), espaço da massagem, brincadeiras de roda, música, entre tantas outras
propostas que, a saber, tem seus materiais pensados e separados previamente e de
forma minuciosa (mobílias, brinquedos estruturados e não-estruturados, CDs, etc.);

Em cada sala há um grupo de educadoras que interage com as crianças, acolhendo
suas necessidades, buscando desafios, incitando e ampliando possibilidades de
brincadeiras, observando os enredos e campos de interesses das crianças, a fim de
promover diferentes vivências e experiências;

Essas propostas ficam à disposição das crianças diariamente das 7h30 às 9h.

Cabe salientar que os agentes de serviços operacionais também participam dessas
interações, interagindo com as crianças durante as propostas, acolhendo e orientando
as crianças nos banheiros, corredores e demais dependências da escola, já que todos os
espaços são educadores (colocamos brinquedos permanentes nas paredes dos
corredores e também deixamos materiais à disposição das crianças fora das salas, caso
queiram também brincar em outros locais e inventar suas próprias propostas de
brincadeiras, numa brincadeira livre e espontânea, com intuito de fortalecer a
autonomia das crianças e tornar todos os espaços da creche mais interativos);
O brincar é uma ação livre, que surge a qualquer hora, iniciada e conduzida
pela criança; dá prazer, não exige como condição um produto final; relaxa,
envolve, ensina regras, linguagens, desenvolve habilidades e introduz a
criança no mundo imaginário (KISHIMOTO, 2010, p. 1).
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768

Ao término do tempo de desenvolvimento destes cantos, as crianças são orientadas e
auxiliadas a voltar para as suas salas de referência, para a sequência da rotina diária
(que inclui outros momentos de interação com pequenos grupos, atividades ao ar livre,
momentos de leitura, música, entre tantas outras opções que consideram a criança
como centro de todo o processo, sem se preocupar com produtos finais).
Eu e a natureza

Essa etapa tem como objetivo o “desconfinamento”, de acordo com Tiriba (2010), é
preciso “desemparedar” as crianças e religá-las à natureza, isto é, a aproximação do
ser humano com a natureza, permeado pelo brincar espontâneo. Neste sentido, é
garantida diariamente uma hora e meia de brincadeiras no parque. As crianças ficam à
vontade para brincar com areia, terra, água, folhas, madeira entre outros elementos
naturais de forma livre. Ao adulto cabe a função de observar, perceber elementos que
possam incrementar a brincadeira e participar quando solicitado, ficando atento às
necessidades das crianças.
Interações mensais – Salas ambientes

Essas interações acontecem uma vez ao mês, durante o período da manhã, das 7h30 às
9h30 e todas as crianças participam ao mesmo tempo (como já acontece nas interações
diárias);

Cada sala é planejada e organizada, nos mínimos detalhes, de acordo com o tema
eleito pelo grupo;

As educadoras e agentes operacionais ficam distribuídas pelos diferentes ambientes,
conforme combinado antecipadamente;

As crianças podem escolher em qual ou quais estações querem brincar, com quem e
com quais objetos, podendo mudar de escolha a qualquer momento.
Interações volantes – Compartilhando a rotina

Os grupos compartilham de diferentes momentos e atividades da rotina como, por
exemplo, parque, hora da história, roda de música, jogo simbólico, artes plásticas,
entre outros, que são planejados e organizados pelas educadoras (professoras e ADIs);
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769

A duração dessas interações depende da proposta planejada e do interesse das
crianças;

Acontecem em diferentes ambientes (espaços internos ou externos), em qualquer dia
da semana, tanto no período da manhã quanto da tarde (depende da comunicação e
interação entre os grupos).
A equipe gestora procura: garantir os materiais necessários para a efetivação das
ações; pesquisar materiais teóricos para a formação dos educadores a fim de comprometer a
equipe com o projeto e as aprendizagens das crianças; acompanhar e observar os diferentes
momentos do projeto; auxiliar a equipe e intervir na organização dos espaços e no
planejamento das ações; compartilhar com os pais o projeto, suas intenções e ações. Com
relação aos pais, os mesmos inicialmente participaram de pesquisas sobre a importância das
interações na creche e reuniões pedagógicas em que o projeto foi exposto e compartilhado,
com o intuito de acrescentar suas sugestões, tirar dúvidas a respeito das atividades
desenvolvidas e os receios da comunidade com relação à liberdade e autonomia das crianças,
contudo, com o crescimento do projeto e visibilidade que ganhou no segmento, os pais foram
envolvidos também em oficinas de interação com as crianças, como rodas de música,
matroginástica (atividade física que valoriza o contato entre pais e filhos, o movimento
corporal e o estreitamento de laços afetivos), artes plásticas e oficinas de cultura popular
(maracatu).
As professoras e ADIs organizam e planejam as atividades do projeto (materiais,
ambientes, propostas); garantem os momentos da realização das ações do projeto em suas
rotinas; empenham-se no desenvolvimento das ações, garantindo sua efetivação;
compartilham antecipadamente as atividades e ações com as crianças; interagem com as
crianças durante as propostas, ampliando as possibilidades de brincadeiras, incitando novas
formas de brincar e incentivando que circulem pelos espaços para conhecer os diferentes
ambientes. Participam ativamente dos momentos de estudo, discussão e avaliação; socializam
ideias, estratégias, conteúdos e materiais que enriqueçam o projeto; observam, registram,
documentam e avaliam as etapas e as aprendizagens das crianças, compartilhando-as com
todo o grupo de educadores.
Os agentes de serviços operacionais e as cozinheiras participam dos momentos de
estudos, discussão e avaliação, pois também trazem e socializam ideias, estratégias e materiais
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770
que enriqueçam o projeto; colaboram no desenvolvimento das ações, garantindo sua
efetivação; compartilham com o grupo de educadores suas observações acerca das interações
das crianças, sugerindo melhorias e discutindo aprendizagens.
AVALIAÇÃO DO PROJETO
As gestoras das Escolas Municipais “Angela Rinaldi Bagne” e “Antonio Brunholi
Netto”, responsáveis pelo projeto em coautoria (Gislaine Alves, Maria Rigonato, Thaís Nonô
e Fabiane Bolsari) promovem a avaliação do projeto de forma permanente, por meio da
observação do desenvolvimento das ações e das respostas das crianças diante das propostas,
bem como nas reuniões semanais, em que discutem com as equipes as manutenções, ajustes
ou alterações das ações, com vistas a garantir o objetivo do projeto, que é a efetiva interação
por meio da brincadeira, do movimento e da autonomia das crianças. As ações de avaliação
nos ajudam no replanejamento das ações e redirecionamento das práticas.
As observações são registradas nos portfólios das crianças para que as oficinas sejam
sempre pensadas e repensadas pela ótica das crianças, que nos dão o feedback de seus campos
de interesse.
Quando mostramos um respeito profundo por aquilo que a criança faz, por
aquilo por que ela se interessa - mais por ela mesma que por seus atos todas as nossas ações se tornam impregnadas de um conteúdo que
enriquece a personalidade: desenvolve a segurança afetiva, a consciência e
a autoestima da criança (Falk, 2011, p. 27)
De acordo com Torneiro (1998), nossa intencionalidade está em promover as
interações em ambientes estimulantes, aconchegantes, bonitos, arejados, confortáveis, seguros
e organizados funcionalmente, que ofereçam e ampliem as experiências das crianças com
vistas ao desenvolvimento humano, afetivo, motor, lúdico, estético, cognitivo, social,
linguístico, criativo, político e expressivo.
Algumas mudanças que pudemos observar com o projeto é que, anteriormente, o
horário da refeição era tumultuado e bem mais demorado, cada grupo de crianças tinha que
esperar todos os colegas chegarem para tomar o café, havia o tempo de espera (ainda que
alguma criança tivesse acabado de comer, deveria esperar todos os colegas acabarem para sair
da mesa), não havia interação entre as diferentes idades e havia o lugar certo para cada um se
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771
sentar, sem escolha e exercício da autonomia. Com as interações no café da manhã, as
crianças permanecem no refeitório somente para se alimentar e já podem brincar pelos
diferentes espaços, sem tempo de espera. Inclusive, se a criança chegar à escola e quiser
primeiro brincar um pouco e depois comer, também poderá fazê-lo.
Além disso, tivemos outros bons resultados, como a diminuição dos momentos de
choro e mordidas (que são tão comuns nessa faixa etária e conseguimos quase que abolir), já
que são tantas atividades concomitantes, muitas opções para brincar e que não apresentam
tempos ociosos, em espera.
Avaliamos também o grande desenvolvimento motor e capacidade de relacionamento
interpessoal, principalmente dos bebês e das crianças do grupo 1, que estão começando a
andar e, teoricamente, deveriam estar numa fase mais egocêntrica. Inicialmente a expectativa
era de que a interação aconteceria quando as crianças maiores viessem até as menores,
contudo, já no início do projeto, verificamos que os bebês também tiveram a movimentação
autônoma e saíram de suas salas de referências para buscar outros espaços, outras
brincadeiras, outras crianças e outros adultos. Ao final das atividades, voltavam cansados para
suas salas de referência e muitos se recusavam a permanecer dentro de um mesmo espaço, o
que nos mostrou que estávamos no caminho certo em permitir a movimentação, a liberdade,
sabendo ouvir a voz das crianças e sempre repensando as atividades e materiais para fomentar
e encorajar cada vez mais essas ações.
O projeto nos mostrou que além das interações, que são intensas e com resultados
surpreendentes, como o cuidado e carinho das crianças maiores com as menores, ele traz à
tona, com toda a força, o exercício da autonomia pelas crianças, que vai sendo cada vez mais
elaborado e exercitado, dando a elas a oportunidade real de atuarem ativamente nas escolhas
das propostas, na escolha de seus parceiros e da liberdade do movimento, que por sua vez
permitem que aprendam, percebam relações sociais, descubram a si mesmas e o mundo,
ampliando suas aprendizagens e desenvolvimento (Rosseti-Ferreira e Oliveira, 1993). Quanto
mais liberdade na participação ativa do movimento da escola, mais as crianças se mostram
felizes, motivadas, interessadas e criativas para reinventar suas vivências, ampliar seu
repertório e criar suas próprias brincadeiras.
Ainda no que tange à avaliação, percebemos que muitas atividades outrora planejadas
pelas educadoras e que já geravam incômodo e questionamentos da equipe gestora, pois não
acolhiam as necessidades e interesses das crianças e que mesmo assim eram propostas a
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772
portas fechadas, foram abolidas ou totalmente replanejadas, pois quando o projeto começou a
fluir, tais atividades deixaram de ser procuradas e exploradas pelas crianças, reforçando a
hipótese de que eram desinteressantes e que não propunham desafios. As mudanças no
planejamento das propostas e no olhar do educador só foram possíveis porque o projeto
possibilitou que as próprias crianças, mesmo tão pequenininhas, nos mostrassem, na prática, o
que querem e o que precisam.
Buscamos sempre aperfeiçoar as atividades planejadas, criando novos desafios para as
crianças, que não nos deixam estagnar. Atualmente estamos realizando mudanças estruturais
nas áreas externas e internas, para que todos os ambientes sejam educadores. Além disso,
estamos trazendo os pais para participarem mais ativamente junto com as crianças, numa
interação mais ampla e que fortaleça os vínculos com a comunidade, além de possibilitar que
a sociedade entenda que a creche é sim uma instituição de educação, que vê o educar e o
cuidar como indissociáveis, mas que não tem mais o caráter assistencialista. Estar na escola é
direito da criança.
Este projeto ganhou visibilidade no município de Jundiaí. Recebemos visitas de outras
unidades escolares, que acompanharam as atividades de interação com o mundo cultural e
natural e ficaram encantadas com a autonomia de nossas crianças, bem como com a grande
competência oral e gestual. Podemos dizer que a escola se tornou mais viva quando passou a
ser pensada pela ótica das crianças, o que nos engrandeceu e motivou para continuar com
muitas outras mudanças. Conforme TIRIBA (2010, p. 5), “se as crianças são o centro do
planejamento escolar, este convívio não é uma opção de cada professor ou professora. É um
direito”.
Especificamente sobre a gestão de pessoas, o projeto facilitou o trabalho com as
relações humanas, pois o compartilhamento e troca de ideias e experiências entre os
educadores trouxe mais unidade na diversidade, comprometendo e aproximando os sujeitos
para a efetivação das ações, sempre trabalhando em prol da educação de qualidade, com foco
nas crianças.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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nº 5. Brasília: MEC, 2009.
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TIRIBA, Léa.
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Currículo em Movimento – Perspectivas Atuais. Belo Horizonte,
novembro de 2010.
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criança-criança em creches no desenvolvimento infantil. Caderno de Pesquisa. São
Paulo, n.87, p. 62-70, nov. 1993.
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Berçário: lugar de muitas experiências e descobertas
Vanélli Pires Amaro128
Esta prática pedagógica foi desenvolvida com uma turma de berçário em uma
instituição de educação infantil pública do município de Sorocaba-SP. Tendo em vista o que
preconizam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil quanto a uma
prática pedagógica que garanta o conhecimento de si e do mundo com a ampliação de
diferentes experiências e por meio de estudos sobre a infância, identificamos a necessidade de
um trabalho que atendesse às especificidades dos bebês, que descobrem o mundo ao seu redor
principalmente através dos sentidos. Assim, buscamos desenvolver propostas que
potencializassem esse processo, planejando e proporcionando diversos materiais e espaços a
serem experimentados e investigados pelos bebês, sendo estes protagonistas das ações, bem
como os adultos ao observar, intervir e registrar. Alguns teóricos também subsidiaram os
estudos e discussões como Kishimoto (2008), Barbosa (2010) Focchi (2013).
Palavras-chave: berçário, educação infantil, experiências
Imigrantes Estrangeiros: jogos e brincadeiras nas memórias de infância129
Vivian Iwamoto130
128
Orientadora Pedagógica de Educação Infantil da Prefeitura Municipal de Sorocaba/SP.
Este texto é um recorte de uma pesquisa mais ampla intitulada “Histórias de Estrangeiros no Brasil:
infância, memória e educação” desenvolvida no Programa de Pós-graduação da UNIMEP na
bibliografia deste trabalho (SARAT, 2004).
130
Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação pela Universidade Federal da Grande
129
Dourados (UFGD). Bolsista pela FUNDECT/CAPES. E-mail: [email protected]
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Magda Sarat131
Resumo
A História Oral como metodologia tem se consolidado nas pesquisas acadêmicas como
recurso teórico metodológico que possibilita uma visibilidade à historiografia em diferentes
vertentes. Neste trabalho, ela viabilizou a produção de fontes documentais a partir de
memórias de infância de um grupo de imigrantes estrangeiros que vieram ao Brasil depois de
ter passado a infância na Europa. Neste artigo enfocamos as memórias de jogos e brincadeiras
relatadas por estes imigrantes que viveram a infância na primeira metade do século XX e
depois imigraram para o Brasil na década de 1950, estabelecendo-se no Paraná, na região de
Guarapuava. Entrevistamos homens e mulheres de diferentes partes da Europa, que no
momento das entrevistas tinham entre 60 e 80 anos. As pessoas relataram suas memórias de
infância, contribuindo assim com a reflexão acerca da História da Criança no Brasil.
Palavras Chave: História Oral. Infância. Brincadeiras. Imigração.
Introdução e Justificativa
Algumas mudanças mais significativas que acontecem na sociedade não se verificam
somente nos macros contextos, como a influências das guerras, mas sim, na vida cotidiana das
pessoas. Nesse sentido, as guerras particulares, as mudanças a que as pessoas são envolvidas
cotidianamente e a luta diária para continuar a sobrevivência, que está o nosso alvo de
interesse. O desejo de mudar-se para o Brasil em busca de paz nos motivou a contar a história
de pessoas que vieram ao país, compondo parte da história da imigração brasileira, iniciada no
século XIX. A história dos estrangeiros entrevistados na pesquisa é representada por um
grupo de imigrantes da primeira geração, procedentes de diferentes países europeus, que
passaram a infância em seus países de origem antes de imigrarem para o Brasil, entre as
décadas de 1930 e 1950.
A opção pela História Oral tornou-se possibilidade de ouvir não somente minorias,
mas de alguma forma valorizar vozes de pessoas, trajetórias de vida, memórias, biografias,
131 Professora Associada do PPGedu da Faculdade de Educação (FAED) da Universidade Federal da
Grande Dourados (UFGD). E-mail: [email protected]
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enfim histórias que possam dar respostas aos nossos questionamentos. A História Oral vista
por uma grande maioria de pesquisadores como uma metodologia ou método de pesquisa
utiliza a técnica da entrevista para registrar as narrativas das experiências das pessoas,
histórias que há muito as pessoas sabiam e contavam, mas que estavam à margem da
documentação produzida pela História documental oficial.
Sobre a questão, Alberti (1997, p. 218) afirma que a metodologia é uma “história que
se caracteriza pela interdisciplinaridade e pelas muitas possibilidades de emprego [...] se
insere no campo da história presente; que está intimamente ligada às noções de biografia e
história de vida”. Portanto, aqui é utilizada como possibilidade de compreender a história da
criança a partir da memória da infância de indivíduos que lembraram suas experiências e
relataram no presente, suas percepções sobre o que viveram em um período que
convencionamos chamar passado.
A memória e as questões que a envolvem são fundamentais para a História Oral, pois
nos valemos dela para recuperar a história nas entrevistas e produzir documentos que tem
como desafio dar credibilidade à pesquisa. Tal opção metodológica permite construir uma
documentação crível à medida que como Portelli (1997, p. 32) aponta: “não há fontes orais
‘falsas’. Fontes orais são aceitáveis, mas com uma credibilidade diferente”. Assim podemos
afirmar que a documentação produzida a partir da memória é essencial para ampliar as
perspectivas de investigação acerca da história da criança.
Como produtora da documentação percebida por Le Goff (1992, p. 423), a memória,
“como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um
conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou
informações passadas, ou que ele representa como passadas”. Neste contexto, para o autor, a
memória coletiva se construiu ao longo da história humana e se constituiu em várias formas,
desde as sociedades sem escrita até a invenção da prensa, como a possibilidade de produzir
documentos para guardar o passado da humanidade.
Além disso, a memória que se constitui ao longo do tempo, alterna-se em diversas
formas de registro e possibilita contar uma parte da história no tempo presente, trazida em
fragmentos que foram guardados e valorizados por cada pessoa. Conforme aponta Benjamin
(1993, p. 37): “um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do
vivido, ao passo que o acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave
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para tudo o que veio antes e depois”. Neste contexto, seguido por tais fragmentos, trazidos e
guardados pela memória do grupo que continuaremos a seguir.
Objetivos
Na pesquisa, o contexto familiar foi o lugar privilegiado e, dentre os aspectos mais
enfatizados pelas lembranças de infância de cada um, tentamos abordar questões como a
relação entre adultos e crianças; a experiência dos jogos, brincadeiras e atividades de lazer;
a presença na educação das crianças de tradições, costumes, valores e religiosidade da
família e da comunidade; o tratamento dado a assuntos que se apresentavam como tabu; a
utilização dos espaços físicos, os níveis de privacidade e separação entre atividades de
adultos e crianças; as sanções e recompensas acerca de comportamentos esperados e
impostos e finalmente a percepção de cada um sobre a sua própria infância.
Enfim, a percepção sobre comportamentos, regras e códigos de etiqueta social foi analisada
à luz das teorias de Norbert Elias (1994). Para este trabalho especificamente, destacamos
as memórias de brincadeiras e jogos vividos por estas pessoas em seus diferentes contextos
e suas influências na constituição da infância.
Metodologia
A documentação da pesquisa foi composta por relatos de dez entrevistados, que passaram a
infância em diferentes países (Alemanha, Polônia, Portugal, Espanha, Itália). No momento
da entrevista residiam na região de Guarapuava e distrito de Entre Rios/PR há pelo menos
cinco décadas, compondo uma geração com filhos, netos e alguns bisnetos. Como
imigrantes de primeira geração, na faixa etária entre 60 e 80 anos, foram cinco mulheres e
cinco homens que tinha em comum o fato de terem vindo para o Brasil depois de passarem
a infância na Europa.
Do grupo de entrevistados, três mulheres eram viúvas e dos homens apenas um. Os demais
ainda vivem com seus companheiros e companheiras, e somente um senhor estava
divorciado e morava sozinho. Apenas duas pessoas ainda estão trabalhando e não se
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aposentaram; os demais todos estão aposentados. A maioria das mulheres e dois dos
homens afirmam participar de atividades ou grupos de terceira idade. Todos de alguma
forma estão envolvidos em grupos de igreja ou grupos de oração. As mulheres têm grupos
que se reúnem para bordar, fazer trabalhos manuais e jogar cartas. Alguns homens reúnemse, também, para jogar cartas, bocha, pescaria e estão continuamente envolvidos em
atividades com as pessoas de sua comunidade.
Os países de origem dos entrevistados são Itália, Portugal, Áustria, Iugoslávia, Espanha e
Polônia. Os que vieram da Iugoslávia e da Áustria se consideram de origem alemã. Os
italianos são Rita Accardi e Giuseppe Martinelli. Os portugueses, Tereza Gomes e
Fernando Verdasca. Os alemães vindos da Áustria e Iugoslávia, Stefan Remlinger,
Katharina Schimdt, Johann Reinert e Rosina Spiess. O espanhol, Pedro Mendes; e a
polonesa, Stefania Wolaniuk132.
A imigração desse grupo para o Brasil se deu no período compreendido entre as décadas de
1930 e 1950. Todos vieram com a família ou com parte dela. Quem veio separado logo
depois trouxe o restante da família para o Brasil, ou se juntou ao grupo que tinha vindo
anteriormente. Todos ainda têm parentes no país de origem. Os motivos que
impulsionaram a imigração foram vários, mas foi atribuída maior ênfase à condição em
que se encontravam seus países no período pós II Guerra Mundial, ou pós-guerras locais,
no caso da Espanha e algumas regiões da Polônia. Estes motivos de expulsão estão aliados
às condições de vida, moradia, desemprego, falta de alimento, inchaço populacional e
miséria que envolve a história da maioria das pessoas, ou seja, a eterna questão da
sobrevivência e da manutenção da própria vida e das gerações posteriores que
impulsionavam as pessoas a se mudarem. Os grupos se organizaram em diversas
comunidades, adquiriram terras, formaram cooperativas e montavam colônias.
Apenas duas pessoas expressam em seus relatos terem figurado em um quadro diferente e
vieram por um suposto espírito aventureiro e vontade de conhecer outras terras. Ente eles
estão o senhor português e o espanhol. Ambos tiveram motivos curiosos para explicar a
sua vinda: “Eu não sei lá da minha terra todo mundo procurava sair. Um espírito muito
aventureiro! Eu tenho amigos de infância que hoje estão na Austrália, outros que estão no
132
Todos os procedimentos técnicos, éticos, burocráticos e institucionais, bem como todas as
autorizações em relação à pesquisa possuem a documentação devida de cada depoente.
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Canadá, outros nos Estados Unidos, são muito aventureiros, pode ser uma coisa do nosso
povo!” (Fernando, 64 anos). E ainda o outro relato: “Lá eu estava com 22 anos, e nesse
tempo a Carmem Miranda era sucesso tremendo, e eu fiquei entusiasmado com a Carmem
Miranda e o Brasil e pensei comigo: – É pra lá que eu vou” (Pedro, 75 anos). Estas pessoas
compõem a investigação empírica e participam com suas memórias de jogos e brincadeiras
a partir de agora.
Referencial Teórico e Desenvolvimento da Pesquisa
As memórias são lembradas tendo como referência o tempo que aqui é contado
como algo que faz parte de um passado remoto, mas, ao mesmo tempo, presente, à medida
que vai sendo apresentado pela memória. Um tempo da ludicidade, do brincar, do não
trabalho, um aspecto fundamental na infância de qualquer criança. Portanto, quando se fala
deste período, a memória da brincadeira torna-se a protagonista, pois ela expressa o desejo
e o prazer vivido neste momento, ainda que levem em consideração os contextos adversos
da infância de trabalho, dificuldades, guerras e tentativas de sobrevivência.
Interessante perceber isso no relato de Katharina (66 anos) quando ela diz: “Mesmo no
campo, a gente achava... Sempre há alguma coisa, assim quando estava tudo quieto a gente
brincava normal. Daí a gente corria já com aquele medo e, sabe...”. Ela se refere às
experiências vividas nos períodos de guerra habitadas nos campos de refugiados e áreas de
bombardeios e relata que, quando tudo estava calmo, todos brincavam, mas quando
jogavam bombas, todos corriam para se esconder. Neste contexto para iniciarmos a
discussão sobre a temática admitimos que a concepção de jogo, intimamente ligada à
infância, apresenta características que o descreve como tal. Portanto, conforme Caillois
(1990), o jogo pode ser uma atividade livre, delimitada, incerta, improdutiva,
regulamentada e fictícia que pode estar presente na infância como forma da criança
relacionar-se com o mundo a sua volta.
O fato de ser livre oportuniza a decisão de participar pela vontade própria. Se
fôssemos forçados a jogar, como uma obrigação, não seria jogo, tornar-se-ia uma coação da
qual desejaria nos libertar rapidamente. Além disso, é delimitado, por possuir tempo e espaço
determinados. Conforme cada caso, o tabuleiro, o estádio, a pista, o ringue, o palco, ou
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simplesmente a rua. O mesmo acontece com o tempo, que não é necessariamente o tempo do
relógio, mas o iniciar e o terminar do próprio jogo, regulado nas crianças pelas emoções que a
atividade provoca.
O jogo também é incerto, porque não se sabe o resultado a ser conquistado. Ganhar ou
perder o jogo, ou quando o resultado já não oferece mais dúvidas, não se joga mais. O que se
considera é a imprevisibilidade da situação. Da mesma forma, o jogo é improdutivo, pois não
gera bens e nem riqueza. Mesmo nos jogos que envolvem apostas, os chamados jogos de sorte
ou azar, nada de novo surge, nem colheita, nem obra-prima, nem capital acrescido, há apenas
uma transferência de propriedade que afeta somente os próprios jogadores. Quanto aos
profissionais que recebem dinheiro para cumprir suas atividades (pugilistas, ciclistas, atores,
etc.), estes devem ser encarados como trabalhadores e não jogadores, uma vez que o jogo é
ocasião de gasto total, de tempo, de energia, de destreza e, muitas vezes, de dinheiro.
As regras são inseparáveis do jogar, podem ser implícitas ou explícitas, elas são
estipuladas antes de iniciar o jogo. Por isso, ele é regulamentado, muitas vezes a satisfação de
participar vem exatamente do cumprimento dessas normas. Outra característica do jogo é ser
fictícia, por algo que acontece fora da realidade, por uma situação criada em um ambiente
diferenciado. Isto é, ocupa-se de um papel ou se finge ser alguém ou alguma coisa que não se
faz verdadeiramente na realidade. Temos um exemplo dos nossos entrevistados quando
expressa:
Eu comecei a criar na época da infância minhas fantasias de capa e espada,
na época de mocinho e bandido... A rua era das crianças. Nós pegávamos um
aro redondo qualquer, nós fazíamos o nosso brinquedo. Nós corríamos com
aquilo lá... Nós imitávamos aquele que andava a cavalo, pegávamos um
pedaço de pau e montávamos em cima, era nosso cavalo! (Giuseppe, 69
anos).
Podemos perceber essa característica bastante evidente nos jogos de faz de conta a
qual, ora as crianças imitam o cotidiano do mundo adulto, agindo da mesma forma que
observa, ora instituindo uma situação criadora e inventiva. Para Vigotski (2007, p. 109), “no
brinquedo a criança cria uma situação imaginária”, que aparece de modo explícito nesses
jogos de faz de conta. Eles, ainda, também são regidos por regras, uma vez que há convenções
que organiza o comportamento e estas têm relação com as regras morais e culturais da
sociedade de forma internalizada.
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Nesse sentido, ao enfocarmos a aspecto do jogo e da brincadeira nos propomos a
compreender como os entrevistados se relacionaram com tais atividades na infância e de que
modo foi afetado pelos laços sociais de seu país de origem que podem ser expressos nas
diferentes experiências de brincadeira. Benjamin (1984, p. 72) aponta que, “assim como o
mundo da percepção infantil está marcado por toda a parte pelos vestígios da geração mais
velha, com os quais a criança se defronta, assim também ocorre com seus jogos”. A geração
mais velha, portanto, enquanto meio social em que a criança se insere e disposição de modos
e comportamentos por ela disponibilizados, faz parte dos processos da realização dos jogos e
das brincadeiras. Além disso, permite que estes passem de uma geração a outra de modo a
construir um arcabouço de experiências sociais que estão presentes e se repetem em vários
contextos.
Em consequência da aprendizagem em sociedade e seus valores nela impregnados,
Kishimoto (1993) identifica o jogo tradicional infantil e o relaciona como parte da cultura
popular, já que mantém o conteúdo de um povo em certo período histórico mesmo que não se
conheça a origem desses jogos, pois é transmitida pela oralidade de uma geração a outra.
Deste modo por não estar cristalizado, o jogo tradicional infantil se torna um elemento
folclórico, que pode tanto preservar sua estrutura inicial, quanto modificar-se recebendo
novos conteúdos dependendo da convivência social. Nessa experiência tivemos vários
momentos em que as pessoas relataram jogos e brincadeiras que eram comuns em diferentes
contextos. Como exemplo,
Tinha brinquedos como tinha aqui no Brasil, mas só que, como era tempo de
guerra e era tempo geralmente de inverno... Tinha aqueles brinquedinhos de
escola, de roda... Eu me lembro que nós íamos cantar em roda da igreja, os
brinquedos como nós cantamos aqui, de roda (Stefania, 81 anos).
Nós brincávamos daquele... Que faz casinha no chão, de amarelinha, tinha
essa brincadeira lá... (Rita, 63 anos).
Aquela brincadeira de amarelinha, ou a brincadeira de pega-pega...
(Giuseppe, 69 anos).
Jogávamos capelinha, pedrinha. A pedrinha já é um jogo que se joga e pega
no chão e assim vai... Dançávamos muito de roda, o melhor divertimento
que eu tive tanto de criança, quanto de adolescente, e depois de moça era a
dança (Tereza, 67 anos).
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Esses jogos e brincadeiras tradicionais presentes em diferentes países acontecem
também no Brasil e fazem parte de nossa tradição cultural que, segundo Kishimoto (1993),
caracteriza-se como sendo proveniente da miscigenação de diferentes grupos (brancos, negros
e índios) e suas relações. Sendo assim, a etnia branca, estabelecida enquanto povo
colonizador; a indígena, instituída pela tendência de preparar-se para as atividades da vida
adulta, como lidar com a natureza e harmonizar-se a ela; e a etnia negra, denunciando os maus
tratos relativos à escravidão e as perseguições, formam um universo e um espaço que se
constituem e se resumem em brincadeiras de competição, de caça e de perseguição.
Outro aspecto interessante é que o jogo só possui certo sentido dentro de um contexto
social, pressupondo interpretações e projeções sociais. Da mesma forma que o mesmo jogo
pode acontecer em culturas diferentes, haverá também significados distintos. Pensando assim,
brincar de boneca no Brasil, pode criar diferentes ações e distintas situações imaginárias para
uma criança que brinca de boneca na Itália, na Alemanha ou na Espanha. Kishimoto (2008, p.
17) aponta que “enquanto fato social, o jogo assume a imagem, o sentido que cada sociedade
lhe atribui. É este aspecto que nos mostra por que, dependendo do lugar e da época, os jogos
assumem significações distintas”. Portanto, ainda que estas pessoas tenham sido crianças no
mesmo período e vivido em contextos diferentes, todas estiveram envolvidas em jogos e
brincadeiras que se aproximam dos modos e regras do mesmo brincar infantil, característico
de seu país de origem.
A rua era o espaço da brincadeira por excelência com atividades da comunidade, na escola,
na igreja, nos encontros com parentes, com primos e amigos em diversos momentos. Na
rememoração desse território de jogos e brincadeiras que envolviam as crianças é possível
perceber indícios da forma como se conduzia a vivência cotidiana e como se comportavam
entre si, os códigos que regulavam esse espaço não somente para as crianças, mas também
para os adultos (ELIAS, 1994).
Outro aspecto se expressa no universo das brincadeiras tradicionais sendo marcado pela
presença de diferentes tipos de brinquedos, de jogos e de brincadeiras, que na maioria das
vezes era feito artesanalmente com objetos do cotidiano e improvisados por adultos e
crianças. A escassez do brinquedo como objeto permitia que as relações entre adultos e
crianças se estreitassem à medida que os adultos precisavam muitas vezes despender seu
tempo na confecção de objetos para as mesmas. E na relação entre as crianças era
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importante a possibilidade das construções permitindo a criatividade, o improviso e a
imaginação.
Então, todas as brincadeiras que podiam ser feita... Pedrinhas de gude, nós
tínhamos sementes de nozes, semente de pêssego; então, nós usávamos
aquilo lá para jogar, e fazia bolinha de gude. Na minha cidade era uma
cidade de cerâmica, a gente construía passarinho que cantava soprando,
carrinhos tipo carroça feita de barro... As meninas se contentavam com as
bonecas de barro, de porcelana, fazia roupinha e assim... (Giuseppe, 69
anos).
Naquele tempo a gente não tinha bola e fazia uma bola de meia e brincava.
A gente não tinha muito brinquedo e a gente tinha que fazer! A gente fazia
motos pra andar e aquele de bater com o dedo, bolinha de gude, era uma
porção de brinquedos, pião! (Fernando, 64 anos).
As meninas tinham boneca de pano, com pedaço de pau e cruza os
pauzinhos e fazem roupinhas. Os meninos brincavam de fazer vacas de
pepino, cavalos de pepino, de batata (Johann, 81 anos).
Arrumávamos uma bola por lá, com uns panos e umas ramas e amarramos
com barbante e jogamos um pouco (Stefan, 75 anos).
Eu lembro que eu tinha uma boneca de pano. Meu irmão fazia móveis para
minha casinha de boneca, tinha guarda-roupa, tinha mesinha, tinha
cadeirinha. Ele trabalhava na marcenaria, então ele fazia e trazia pra mim,
aquelas coisinhas bonitinhas, guarda-roupinha, cabidinho (Rita, 63 anos).
A gente brincava com castanhas, eles fizeram carrinhos pequenos pra gente
encher. Brincamos com boneca de pano ou a avó ou a mãe faziam as
bonecas de pano. Na época do milho nós fazíamos boneca com espiga de
milho, fazíamos calça, tanta coisa! (Rosina, 67 anos).
Brinquedos eu não tive. Eu fazia a boneca de pano essas bruxinhas. Os meus
irmãos se queriam um carrinho eles faziam. Tiravam uma casca de um
pinheiro faziam uma roda e pegavam uma cana, taquara, faziam aqueles
ferrinhos e içavam tão felizes com aquilo, porque tinha criatividade e
inventavam o brinquedo (Tereza, 67 anos).
As memórias demonstram que a presença das brincadeiras tradicionais infantis estava
presente nos diferentes contextos de infância mesmo considerando as distintas décadas e os
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lugares vividos por estas pessoas. As brincadeiras de bolinhas de gude adaptada com
sementes de nozes, pião, amarelinha, boneca de pano feita com materiais disponíveis na
comunidade estavam presente na vida das pessoas. O fazer de um brinquedo era importante
para a criança, já que “enquanto objeto, é sempre suporte da brincadeira. É o estimulante
material para fazer fluir o imaginário infantil” Kishimoto (2008, p. 21). Por isso, a
construção de brinquedos como parte do processo da brincadeira se faz evidente nas
entrevistas.
As experiências como a falta de brinquedos industrializados; a extensão de espaço físico
que propiciava inúmeras brincadeiras em distintos lugares; as diferenças entre brinquedos
de meninos e meninas, indicando os papéis sociais de homens e mulheres, foram evidentes:
Nas brincadeiras as meninas não saíam tanto pra rua, elas eram mais... Os
meninos tinham mais liberdade, muito mais! As meninas sempre foram
mais... Mas elas também brincavam, brincavam juntas, mas não era igual
(Fernando, 64 anos).
Nós brincávamos de uma brincadeira chamada ‘bilizki’133. Quando estavam
as moças junto, porque esse jogo era só de meninos. No inverno colocamos
sempre o par dois em dois, uns eram obrigados a correr e ficar em frente da
fila, e os próximos dois tinham que pegá-los antes que dessem as mãos um
para o outro. Uma brincadeira divertida! (Stefan, 75 anos).
Nós brincávamos daquele... Que faz casinha no chão... Eu já não passava
muito tempo brincando que a mãe não deixava sair na rua pra brincar! (Rita,
63 anos).
Havia uma definição do que seriam atividades de meninos e meninas, brincadeiras distintas
conformando espaços e um padrão de comportamentos que dividiam brincadeiras, tarefas,
modos de tratar, modos de se portar e modos de disciplinar as crianças (ELIAS, 1994). As
meninas não brincavam na rua, os meninos sim. Eles eram mais livres, elas não. A
educação da menina moldada para os espaços privados, para o aprendizado da vida
133
“Era um pedaço de madeira com duas pontas e cada um pegava um pau e batia nele para ele pular.
Enquanto ele pulava e estava no ar, você era obrigado a bater e acertar nele para ele voar. Depois que
ele foi uns metros pra cima e voou, cada grupo tinha uma pessoa responsável para pegar. Esse grupo
se revezava, e cada vez um batia. Essa brincadeira a gente chamava ‘bilizki’” (Stefan, 75 anos).
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doméstica, dos símbolos de feminilidade como recato, o pudor, o controle e o autocontrole
das emoções expresso nas brincadeiras de boneca, casinha, panelinhas e outros. E os
meninos educados para o aprendizado dos espaços públicos, para a força física, para a
liderança, as corridas, o futebol, as atividades na rua.
E, por fim, um aspecto de brincadeiras infantis que foram lembradas por transgredirem
alguma norma, gerava consequências sérias como punições e castigos. Os adultos tendo o
controle do tempo e das atividades das crianças instigava uma brincadeira que divertia e
proporcionava prazer e, ao mesmo tempo, ser motivo de castigos físicos por parte dos
adultos. Uma experiência foi lembrada por uma das entrevistadas que foi surrada pelos pais
porque brincava em cima de um muro, não respeitando um funeral de uma pessoa da
comunidade que passava ao lado de sua casa. Outra experiência foi lembrada por outro
entrevistado que assistiu a uma autópsia feita em um colega de classe, cuja morte fora
provocada por uma brincadeira. Conforme ele mesmo conta:
Na nossa aldeia não tinha pedra. Trouxeram de longe as pedras para a aldeia,
para fazermos aquela estrada de pedra! E as pedras estavam do lado da
escola. As crianças ficaram brincando, e nisso alguém pegou a pedra atirou,
bateu na cabeça de um menino, ele caiu e morreu! Nossa professora... nunca
vou esquecer... Chamou todo mundo e começou a falar sobre essa briga
toda... Primeiro era brincadeira, começou como uma brincadeira, e ninguém
ia pensar que poderia acertar o outro e provocar aquilo. Mas aí estava lá, e
um acertou a cabeça do outro (Stefan, 75 anos).
Nesse caso, ainda que o resultado da brincadeira tenha sido trágico, as crianças sabiam que
não havia como prever tais situações, pois estavam brincando. Apesar dos infortúnios,
havia momentos agradáveis e situações em que adultos e as crianças compartilhavam
atividades lúdicas, tais como contar histórias, confeccionar brinquedos e dividir os mesmos
espaços. Tais experiências fazem lembrar que a infância foi um momento particular e
único, marcado por uma linguagem que é própria da criança, ou seja, a brincadeira como
possibilidade de fazê-la compreender o mundo à sua volta.
Resultados e Considerações Finais
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Diante do exposto, indicamos que o trabalho com a História Oral permitiu utilizar uma
metodologia de investigação que possibilitou registrar memórias de estrangeiros que
imigraram para o Brasil em meados do século XX. Imigrantes que vieram por diferentes
motivos, mas principalmente pelas condições que a Europa se encontrava depois da II Guerra
Mundial. O grupo pesquisado formado por imigrantes de diferentes nacionalidades se
estabeleceu no Paraná, mais precisamente na região de Guarapuava e distrito de Entre Rios.
Todos os entrevistados tinham como característica o fato de ter passado a infância na Europa
antes de imigrar e relataram importantes aspectos de sua experiência que nos permitiu
compreender aspectos da história da infância e da criança.
Considerando os limites da memória contada, o que foi dito e o que foi silenciado, o
que foi lembrado e o que foi esquecido por estas pessoas que na atualidade se encontravam
em uma faixa etária entre 60 e 80 anos, ainda assim, foi possível perceber de que forma
viveram e se comportaram as crianças europeias em meados do século XX. Para este artigo
trabalhamos principalmente com as experiências relativas aos jogos e brincadeiras.
Assim, enfatizamos que jogos e brincadeiras alimentam o universo da criança e
permitem sua relação com o mundo e com outras pessoas; demarcam espaços de poder e
relações entre seus pares; possibilitam construção de saberes; diferenciam lugares para
meninos e meninas na construção da identidade e das relações de gênero nos grupos sociais;
instigam estratégia para burlar regras e normas impostas nas sociedades; enfim, jogos e
brincadeiras se estabelecem enquanto linguagem infantil. Acreditamos que a História Oral
como fonte tem cumprido a tarefa de socialmente dar visibilidade a diferentes contextos e
grupos contribuindo com a historiografia, principalmente, a história da educação e, nesse caso
específico, a história da infância e da criança.
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Espaços e Tempos da Educação Infantil: investigando a ação pedagógica com os bebês
134
Flávia de Oliveira Coelho135
Resumo
O objetivo desta pesquisa foi investigar como estão organizados os espaços e os tempos para
bebês, na idade entre 1 e 2 anos, que frequentam uma creche pública do município de
Governador Valadares, em jornada diária integral, como experimentam as rotinas, os espaços
e tempos para eles organizados e como esses elementos integram a ação pedagógica. A
metodologia constituiu-se da abordagem qualitativa, de cunho interpretativo, por meio da
realização de um estudo de caso, utilizando-se da observação participante e da realização de
entrevistas com as professoras. As análises revelaram que as formas de organização dos
espaços e dos tempos regulam as possibilidades de ação dos bebês e das professoras no
ambiente da creche. O estudo evidenciou que é na interação com os pares que os bebês atuam
de modo ativo, compartilham emoções, conflitos, apropriam – se das regras do ambiente e
ampliam suas experiências, assim como o repertório de práticas culturais.
Palavras –chave : Espaço-tempo, Bebês, Interações, Creche
_____________________________________________________________________
INTRODUÇÃO
Assistimos atualmente a um crescimento acentuado da entrada de crianças em creches.
A garantia deste direito, assegurado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN 9394/96- tem se efetivado com muito enfrentamento pela população. A creche vem
sendo construída, ao longo das últimas décadas, por meio de intenso debate político e
ideológico, como instituição positiva cujo objetivo é compartilhar o cuidado e a educação da
criança pequena entre famílias e instituições educacionais (Silva, 2008).
A atuação como professora da Educação Infantil por um período de onze anos na rede
pública municipal e, posteriormente, como coordenadora pedagógica deste mesmo segmento,
na rede privada, levou-me a conhecer as especificidades desta modalidade e a perceber quanto
ainda temos a investigar sobre as crianças, os espaços, tempos, rotinas; sobre modos de ser
criança em espaços coletivos, especialmente sobre os bebês e a ação pedagógica com esta
faixa etária em creches, foco desta pesquisa.
134
Dissertação de Mestrado defendida em 31/08/2015 no Programa de Pós-graduação em Educação e Inclusão
Social da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minhas Gerais -UFMG
135
Aluna do Programa de Pós-graduação em Educação e Inclusão Social da UFMG
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É num contexto de dúvida, mas também de algumas constatações construídas, que a
pesquisa de mestrado teve como tema, Espaços e Tempos da Educação Infantil:
investigando a ação pedagógica com os bebês, e buscou identificar :
e. Como está organizado o atendimento à faixa etária de 1-2 anos em uma creche pública
da rede municipal de ensino de Governador Valadares?
f. Como os professores organizam os espaços e tempos e as atividades para os bebês
com idades entre 1 e 2 anos ?
g. Como os bebês de 1 a 2 anos experimentam os ambientes em uma creche pública da
rede municipal de ensino de Governador Valadares?
h. Como são resguardadas as especificidades/demandas de cada bebê na organização do
tempo e dos ambientes que utilizam na IEI?
Assim, este trabalho teve como objetivo identificar como os professores organizam os
espaços e tempos para os bebês, com idades entre 1 e 2 anos, que frequentam as instituições
de educação infantil em tempo integral e como se dá a ação pedagógica nesta faixa etária,
buscando identificar também se e como são resguardadas as especificidades de cada bebê na
organização do tempo, dos espaços e das atividades nesses ambientes.
No Brasil, são poucas as pesquisas que investigam a presença dos bebês em
instituições de Educação Infantil, bem como a qualidade das experiências por eles realizadas
nestes espaços. Pode-se dizer que há uma invisibilidade dos bebês e das suas experiências
nesta idade.
Gobbato (2011), ao pesquisar sobre a educação dos bebês nos espaços da escola
infantil traz à tona a “invisibilidade e o não lugar que as turmas de berçário vêm ocupando no
coletivo das instituições” e nos alerta em relação aos espaços por eles utilizados. Concebendo
a escola como espaço sociocultural, a autora alerta que a utilização que se faz do espaço pode,
tanto facilitar, quanto constranger as experiências dos bebês na creche. Sendo assim, o papel
do professor assume um lugar importante na organização do ambiente.
Assim como o espaço e o tempo, a interação também é uma categoria importante no
processo de compreensão da ação com os bebês. Estudos empreendidos pelo Centro de
Investigações sobre Desenvolvimento Humano e Educação Infantil (CINDEDI) localizado na
Universidade de São Paulo –USP, em Ribeirão Preto, dão conta de que é por intermédio dos
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processos interativos que ocorrem em diferentes contextos sociais, que são significadas e
delimitadas as características da pessoa, do parceiro.
Estudos de Tristão (2004), Camêra (2006), Schmitt (2008), sobre as formas como os
bebês constroem conhecimento e interagem com os outros no espaço da creche, têm
demonstrado que os bebês desenvolvem competências e habilidades interacionais, físicas e
cognitivas. As interações são, portanto, um dos aspectos que mereceram atenção nesta
pesquisa, uma vez que permeiam as relações dos bebês com o ambiente, com os pares, com os
adultos, impulsionando seu desenvolvimento e ressignificando suas ações. Os estudos
recentes vêm demonstrando que as novas concepções de infância, exigem-nos um modo
diferenciado de perceber a atuação dos bebês, que os coloca na condição de sujeitos ativos e
comunicativos:
A nova concepção de criança e o olhar para os processos
comunicativos e interacionais dos bebês têm emergido dos
estudos que revelam a sensibilidade dos bebês às manifestações afetivas e estéticas do seu meio cultural, assim como
o compartilhamento da emoção e atenção desde cedo nas relações interpessoais e a capacidade de interagir com o outro por
meio dos recursos de que dispõem. Essas ideias romperam
com uma concepção da infância como uma fase marcada pela
negatividade, pelo vir-a-ser. O bebê passou a ser
compreendido como um sujeito que é, agora, inteiro” (SILVA
e PANTONI, 2009, p.6).
Em se tratando de um atendimento em regime de tempo integral essa dimensão é ainda
mais complexa, pois envolve diferentes professores ao longo do dia, bem como uma série de
ações para atender aos cuidados básicos que se desenvolvem por uma jornada alargada
vivenciada pelos bebês. É esta compreensão de como experimentam os diferentes momentos
da jornada, em que situações e momentos expressam maior satisfação e insatisfação, em que
espaços e momentos da jornada são favorecidas interações entre as crianças e quais favorecem
a atenção individual do adulto, bem como do adulto para com o grupo de crianças, que foi
alvo desta investigação. Por se tratar de uma faixa etária pouco investigada e pelas
especificidades que ela apresenta, além de identificar as regularidades e singularidades
presentes no cotidiano dos bebês, minha atitude enquanto pesquisadora exigiu, sobretudo, a
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disponibilidade, o olhar atento, a escuta sensível, uma vez que a fala ainda se encontra em
processo de desenvolvimento, buscando compreender nas diversas formas de comunicação
que os bebês de 1 a 2 anos estabelecem (gestos, olhares, movimentos, choros, risos) seus
desejos, suas necessidades, suas especificidades.
Esta pesquisa privilegiou a abordagem qualitativa, por constituir-se em uma estratégia
que considera os motivos, aspirações e, sobretudo, por aprofundar-se no mundo dos
significados (MINAYO,2012). Como local para a realização da pesquisa foi escolhido um
Centro Municipal de Educação Infantil – CMEI em Governador Valadares, MG, e nele, uma
sala de crianças de 1-2 anos de idade. A pesquisa valeu-se ainda da metodologia do estudo de
caso, por ser este “um método que permite penetrar na realidade social e descrever a
complexidade de um caso concreto, desvelando a multiplicidade de dimensões presentes
numa determinada situação ou problema, focalizando-o como um todo.”(MARTINS FILHO,
2010, p.19).
Os bebês no espaço da creche
A inserção dos bebês em creche já acontece há algum tempo, porém, o estudo sobre os
processos interativos entre bebês em espaços coletivos é algo relativamente novo.
Rosseti-Ferreira, Amorim e Oliveira (2009) ao analisar em, nas últimas décadas, as
interações entre bebês, o fizeram a partir de uma conceituação de rede de significações. Esta
proposta consiste em perceber o desenvolvimento humano a partir da construção de
significados e sentidos, na dinâmica das interações sociais. “Aprende-se, em especial, na
relação com outro, não só com o professor, mas também outras crianças. Além disso,
aprende-se consigo mesmo, ou a partir de objetos e de outras produções abstratas.” (idem,
p.454).Tais evidências incidirão, de modo significativo, na forma como o professor organiza
os espaços e as possibilidades de interação.
Camera (2006), Guimarães (2008), Schmitt (2008), Fochi (2013), evidenciaram as
ações que ocorrem entre bebês em contextos coletivos, elevando-os à condição de sujeitos que
agem e interagem por meio de uma ação autônoma. As capacidades interativas dos bebês,
bem como as formas de educar coletivamente as crianças, mereceram o olhar dos
pesquisadores que buscaram retratar o que o bebe é capaz de fazer hoje e como os professores
são mediadores importantes nesse processo de significar o mundo.
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A creche é um espaço de educação e cuidado que se constitui por sujeitos
socioculturais. Considerando que as crianças e os adultos constituem-se como sujeitos nas
interações que estabelecem e nas experiências que compartilham, esta pesquisa buscou
evidenciar momentos, na rotina de tempo integral, quando as interações entre as próprias
crianças e entre crianças e adultos se fizeram presentes. Os estudos que se sustentam nas
teorias interacionistas revelam as possibilidades de inter-relação dos bebês entre si,
evidenciando que os mesmos têm preferências sociais e utilizam-se de uma diversidade de
meios para comunicarem-se e compartilharem significados (BARBOSA, 2009)
“Por apresentar-se como espaço social, a creche torna-se um contexto onde os
sujeitos se encontram cotidianamente, se comunicam, produzem e compartilham significados
e sentidos.” (Schmitt, 2011, p.21). São, pois, as interações e as práticas corporais vivenciadas
de forma contínua e descontínua, previsível ou imprevisível, intencional ou não, que tecem
esta rede de significações na qual os bebês se encontram-se imersos. Foi pensando em
evidenciar essas interações é que selecionei alguns episódios que demonstram momentos de
interações variadas entre os bebês no espaço da creche.
Aqui, registramos um momento em que o contexto da sala possibilitou a ação
autônoma do bebê. Ao final da tarde, há sempre uma professora responsável por guardar os
pertences e as agendas nas mochilas. Observamos que, à medida em que as professoras
realizam esta ação todas as tardes, incorporando-a à rotina, os bebês também passam a
reconhecê-la e identificar a função à qual ela se destina. Na sequência de fotos abaixo, feita às
16h07’ minutos, em 17 de setembro de 2014, conseguimos registrar o momento exato em que
um bebê percebe o movimento da professora ao recolher as agendas e guardá-las na mochila e
se põe a ajudá-la:
Foto 01: bebê inicia a tentativa de alcançar agenda
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Foto 02: vira-se para a professora e percebe o
movimento da mesma de guardar as agendas.
Foto 03: retoma a tentativa de pegá-la, agora fazendo
um esforço maior para alcançá-la, ficando na ponta
do pé.
Foto 04: após alcançar a agenda caminha ao
encontro da professora
Foto 05: continua seu objetivo de entregá-la
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Foto 06: observa a professora que está de costas,
guarda as outras agendas.
Foto 07 : conclui seu objetivo entregando a pasta
com a agenda para a professora guardá-la.
Três minutos depois, às 16h10’ outra criança, percebendo o movimento da primeira,
imita a ação, desta vez pegando a pasta e tentando colocá-la na mochila. Focchi (2013)
considera como ação dos bebês “aquelas que, sozinhos, com os outros, com materiais ou nos
próprios espaços, indicavam o começo de algo provocado por sua intenção. E ainda, que em
muitos momentos a ação-intervenção do adulto, de modo indireto, parece ser mais potente
(p.109), No episódio relatado, a ação da professora serve como referência para desencadear a
ação do bebê. Ela não o interrompe, pelo contrário, o integra na dinâmica do seu fazer
docente.
Fotos 08.,09 -fotos da sala, estantes e a local das agendas
A percepção em relação ao movimento corporal da professora desencadeia outras
ações, que completam a intenção de quem a iniciou. A ação docente com os bebês é marcada
por diferentes formas de comunicação que não somente a linguagem oral. A continuidade da
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ação nos dá indícios de que os bebês estão atentos aos movimentos do outro e constroem
formas peculiares de se comunicarem e se inserirem na dinâmica da sala. A linguagem
corporal ocupou, nesta ação, lugar central ,uma vez que impulsionou a ação da criança. Até
mesmo o fato de ficar na ponta do pé para alcançar o objeto revela o quanto o bebê
experimenta seus limites corporais. Há que se destacar a reciprocidade da professora que,
atenta ao movimento corporal da criança e à sua ação, a valoriza, compartilhando com ela as
ações do fazer docente.
Durante muito tempo, “as formas de comunicação dos bebês, marcadas pela
expressividade corporal e motora, foram negligenciadas, o que reforçava uma suposta
incapacidade relacional dos bebês com o mundo físico e social”. (SILVA e PANTONI, 2009,
p.5). Em publicação recente de Ramos (2012) encontramos indícios de que esta concepção de
passividade dos bebês frente ao mundo físico vem sendo modificada e nos confirma que há
muito que se pesquisar em relação à ação pedagógica com bebês, principalmente no âmbito da
creche. Vistos muitas vezes como seres passivos, dada a pouca idade, os estudos tem nos
mostrado o contrário: que os bebês podem ser compreendidos como sujeitos ativos no
processo de desenvolvimento, que interferem no ambiente por meio de interações entre si,
com os adultos, com o espaço e com os objetos com os quais se relacionam. Agem e
interagem no mundo, com uma linguagem própria que se expressa no choro, no riso, no modo
de dormir, no modo de solicitar algo, no modo como respondem às demandas do ambiente e
dos adultos que deles cuidam.
As ações dos bebês diante do que lhes é proposto no cotidiano da creche revelam
desejos, necessidades e a capacidade de agir para além do que está sugerido na atividade. Um
dos objetivos centrais da temporalização da vida das crianças está relacionado à estrutura do
tempo coletivo, respeitando-se os tempos pessoais. (BARBOSA,2006).Na creche estas ações
manifestam-se por meio do corpo já que este se constitui uma unidade comunicativa e,
portanto, uma forma privilegiada de relação com os pares. As crianças lançam mão do corpo
para comunicar, interagir, experimentar e o fazem de modo intencional (COUTINHO, 2012).
Bondioli (2004) afirma que a organização temporal na creche não depende apenas das
exigências institucionais, mas constitui-se um dispositivo de
socialização e de
aprendizagem.É certo que compreender as vivências em relação ao tempo por meio dos
comportamentos não verbais, no caso de crianças tão pequenas, não é tarefa fácil. Talvez por
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isso, muitas situações acabam por escapar ao olhar do professor, que mesmo organizando as
situações educativas, pode não dar conta da complexidade que as engendram.
a experimentação por meio do corpo permite que as crianças,
de modo geral, se apropriem e elaborem saberes sociais em
uma dinâmica bastante ativa, o que por vezes entra em choque
com a lógica institucional que tende a padronizar os
comportamentos, já que possuem uma estrutura centrada em
tempos e espaços homogêneos para determinadas ações
(COUTINHO, 2012,P.250).
Podemos inferir, por meio da rotina estruturada, que existe uma “pedagogia latente”
tal como propõe Bondioli (2004) que se concretiza por meio das experiências infantis frente
às rotinas e rituais instituídos pelos adultos e por eles regulados, excetuando-se os momentos
de brincadeira livre, cuja iniciativa espontânea da criança sobrepõe-se ao direcionamento do
adulto.
A partir dos tempos institucionalizados, passamos a observar as interações que os
bebês estabeleceram entre eles e os adultos com os quais compartilharam a dinâmica do dia a
dia. Para tanto, foi necessário observá-los em diferentes momentos da rotina, com diferentes
adultos, e com as devidas demarcações do tempo; afinal também me ocupei em investigar
quanto tempo era dedicado a cada atividade, quanto tempo os bebês permaneceriam ligados a
ela. Para compreendermos as relações entre os bebês e os adultos que deles cuidam é
necessário incluir o significado social que cada um ocupa nesse contexto, ou seja,
compreender em que espaço e tempo eles se encontram, bem como suas ações e suas
iniciativas nessas relações (SCHMITT, 2011,p.19).
Apesar de constatar que não há, na rotina instituída pelas professoras espaço para o
imprevisto, me deparei, em diversos momentos, com situações que foram desencadeadas
pelos bebês em interação com seus pares e que fizeram com que a professora fosse convidada
a participar, corroborando a afirmação de Barbosa (2009) de que “as crianças pequenas
apreendem o mundo através de práticas culturais, isto é, a partir daquilo que fazem com elas e
do que falam para elas”. (BARBOSA, 2009,p.23)
Destacamos uma situação onde a proposta na rotina era a divisão dos grupos, pois
tratava-se de uma atividade realizada numa 5ª feira, no período da tarde, entre 13h50’ às
14h40’ , horário em que as crianças retornavam do lanche da tarde para alguma atividade
dirigida. A brincadeira teve início às 14h10’ e durou aproximadamente 28 minutos. Um
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tempo relativamente “grande”, se pensarmos que a atenção dos bebês em cada situação
registrada no primeiro semestre era muito curta:
“A professora Amanda iniciou a brincadeira com o lençol
convidando os bebês a entrarem no barco. Há uma
preocupação por parte da professora que dirige a brincadeira
e que neste caso está sentada à “frente do barco”, de que
todos entrem nele, pois senão“ o barco não pode sair”.Eles
assim o fizeram. Sentaram-se no chão e ficaram por um
período ao som da música “um, dois, três,
indiozinhos,...”.Depois o lençol virou uma grande cabana na
qual os bebês entravam por baixo e se divertiam, ao mesmo
tempo que jogavam o lençol para cima, ao comando da
professora.Por fim, uma bola foi inserida na brincadeira para
deslizar sobre o lençol que agora encontra-se seguro pela
ponta por cada um dos bebês que ali estavam.O movimento da
bola sobre o lençol gerou muita euforia e o desejo de tocá-la.
Algumas interações escaparam ao olhar da professora. A
brincadeira continuou na atividade subsequente a esta. Às
14h50’ as turmas foram divididas, conforme previsto no
cronograma do dia, ficando a professora Amanda no corredor
externo à sala, com a brincadeira de bolinha de sabão, e
Vanessa e Valéria na própria sala, agora comandando uma
brincadeira musical.Esta última professora era novata na
sala.”(Caderno de campo, 18 de setembro, de 21014)
Barbosa e Richter (2010) argumentam que “a criação de espaços pedagógicos, de
materiais e a construção de ações educativas que desafiem e contribuam para o
desenvolvimento das crianças, exigem preparo e disponibilidade das professoras”(p.91). No
episódio narrado, as professoras organizaram a situação de aprendizagem de modo a favorecer
a interlocução dos bebês, e a participação ativa destes na atividade proposta, ampliando o
repertório de práticas culturais.
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Foto 10: A convite da professora as crianças entram no “barco”.
Fixo meu olhar em Isabel que está atenta à música cantada e que
tenta acompanhá-la, contando nos dedos,à medida em que ouve
“um, dois, três indiozinhos...” (18 de setembro, 14h17’ )
Foto 11: Agora o “barco” virou uma grande “cabana”.
Segurando o lençol em cada ponta estão as professoras. (18 de
setembro às 14h 22’ )
Foto 12: As professoras compartilham os momentos de interação
entre os bebês e se divertem com eles. (18 de setembro, às 14h23’
)
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Foto 13: Enquanto as crianças interagem com o lençol, duas
crianças se abraçam no canto esquerdo, promovendo outras
interações. (18 de setembro, às 14h24’ )
Foto 14: As crianças interagem e se divertem com o lençol ou
com a possibilidade de jogar a cabana para o alto. (18 de
setembro, às 14h25’ )
Embora as crianças não compreendessem os conceitos de “barco” ou de “cabana”, elas
se entregaram à brincadeira, num primeiro momento obedecendo aos comandos da professora
e depois se libertando das “regras” impostas àquela brincadeira, permitindo-se pular, sorrir,
divertir-se e até ir ao encontro do outro que ali estava, como retratado na situação do abraço
que ocorreu entre os bebês (Foto 13). Durante a atividade foram estabelecidos muitos
diálogos entre as professoras e os bebês, no intuito de explicar-lhes a situação da qual estavam
fazendo parte. Caberá ao adulto, promover um alargamento dessas experiências.
A alegria em brincar com um tecido e com os movimentos que ele provocava entre
cobrir e descobrir, e nele esconder-se já fora vivenciada pelos bebês em outros momentos da
rotina, como no dia 22 de abril às 9h22’, por ocasião da entrada das professoras do turno da
tarde para cobrir o horário de café das professoras regentes da manhã. Seria, portanto, apenas
uma brincadeira para ocupar os 15 minutos de café, porém ela teve continuidade com o
retorno das professoras regentes da manhã. Também em 15 de setembro às 15h12’
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registramos outro momento desta mesma brincadeira por ocasião do momento livre em sala,
após o retorno do lanche da tarde. Em todas evidenciamos a alegria das crianças.
Foto 15.16-Luan e Isabel se divertem com brincadeira realizada
As experiências vivenciadas no contexto da creche podem potencializar a ação e, por
consequência, o desenvolvimento dos bebês. Nas interações com os pares, as crianças
compartilham emoções, conflitos, apropriam-se das regras do ambiente e ampliam suas
experiências. Registramos muitos momentos em que as interações foram possibilitadas em
diferentes situações da rotina. No espaço coletivo é possível dizer que os bebês têm
preferência por outras crianças. Há momentos em que eles estão “sós” ou entre os pares, e
outros momentos em que estão com os adultos. As imagens e o relato a seguir confirmam esta
afirmação:
“São 9h59’.As crianças brincam livremente na sala enquanto
aguardam o momento do almoço. Ellen dá a mão a Luan e o
convida a brincar. Augusto se aproxima e tenta desfazer a
parceria. Ele se esforça, porém não consegue e sai de cena.
Mila permanece de mãos dadas com Luan. Ela quer dançar,
rodar, pular. Luan cede à brincadeira e se diverte
também.Ellen mostra-se feliz com conquista.”(Caderno de
campo, 22 de abril de 2014).
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Fotos– Momentos de interação entre Luan, Mila e Augusto
A confirmação de Schmitt (2008) de que os bebês, no espaço coletivo da creche, não
são indiferentes entre si e que alteram suas ações e constituições nessas relações ,pode ser
evidenciada também no contexto pesquisado. No tocante à ação pedagógica das professoras
no período integral, constatei que numa dinâmica onde seis professoras cuidam das crianças
em períodos de tempo distintos, ora em um grande grupo, ora em grupo divididos, as
habilidades para lidar com esta faixa etária revelaram-se de formas distintas, o que a meu ver
pode ser visto como um fator favorável ao desenvolvimento dos bebês, por possuírem saberes
diferentes, umas das outras.
Conclusão
Considerando que o desenvolvimento é sempre coletivo e compartilhado com os
outros, é na coletividade, nas relações, que as crianças se instituem no campo social, que as
subjetividades vão sendo produzidas. Em se tratando da pesquisa com bebês, percebê-los
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como seres competentes amplia as possibilidades do trabalho com esta faixa etária. Deste
estudo depreende-se que a organização do trabalho com os bebês necessita não só de uma
relação espaço-tempo traduzida numa rotina articulada, mas de uma rotina compartilhada,
onde os adultos que permanecem com os bebês durante uma rotina de tempo integral,
realizem planejamentos de forma integrada, em coerência com um projeto pedagógico de
cuidado e educação, em jornada integral. Isso possibilita clareza das atividades realizadas em
ambos os turnos, para possibilitar a ampliação das experiências das crianças. O tempo de
trabalho integral das professoras na creche pareceu-me uma oportunidade de estabelecimento
de uma comunicação efetiva entre os adultos que se responsabilizam pelos bebês ao longo da
jornada. O fato de haver professoras assumindo turnos diferentes numa mesma turma amplia
o olhar do adulto sobre os aspectos do desenvolvimento das crianças, que podem ser
compartilhados, avaliados, observados por todos os adultos que delas cuidam.
Em relação aos bebês, pude perceber que a conjugação de fatores como espaço, tempo,
os materiais disponíveis, a organização destes em relação ao tempo e ao espaço lhes propiciou
momentos de interação coletiva, momentos de interação com os colegas pelos quais tinham
interesse e momentos para estarem sós, ainda que sob o olhar do adulto. A rotina em tempo
integral possibilitou-me presenciar momentos onde os bebês demonstraram alegria em estar
no espaço, desejo de tocar /conhecer o outro, surpresa frente às descobertas, espaços
preferidos, um movimento frenético durante o período da manhã, o contato com sabores,
cheiros, odores. Também momentos de choro, de cansaço, de indisposição, onde só o gesto ou
o olhar foram suficientes para dizer sobre seus desejos, suas necessidades. Em alguns desses
momentos a sensibilidade dos adultos se fez presente, promovendo a riqueza e evidenciando a
sutileza que há nas interações.
Ao investigar a ação pedagógica com os bebês no espaço da creche, tomando como
eixos o espaço, o tempo e as interações, me surpreendi com tantas novidades apresentadas
pelos bebês. Acredito que o olhar atento, a escuta sensível, a criação de vínculos e uma
postura respeitosa são elementos essenciais que podem fazer com que a vivência nestes
espaços seja muito mais prazerosa, na medida em que bebês e adultos compartilham os
significados, desejos, vidas em movimento e que valorizem as situações inventadas,
imprevisíveis, inusitadas que emergem do cotidiano.
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803
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Acesso em08/06/2013
DESENVOLVIMENTO DAS EMOÇÕES E SENTIMENTOS NA EDUCAÇÃO
INFANTIL136
Jéssica Bispo Batista137
RESUMO
A partir do referencial teórico da psicologia histórico-cultural, este trabalho apresenta
resultados preliminares de uma pesquisa em andamento, que o objetivo de compreender o
papel do processo pedagógico sobre o desenvolvimento das emoções e sentimentos na idade
pré-escolar, por meio da análise da atividade escolar da criança. A pesquisa consistiu em
coletar dados em uma escola municipal de uma cidade no interior de São Paulo, tendo como
sujeitos crianças de uma turma de Jardim I e sua respectiva professora. Foram feitas
observações da sala de aula e uma entrevista com a professora a fim de analisar em que
136
Este texto é fruto de Pesquisa de Iniciação Científica iniciada em agosto de 2014 na Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” campus Bauru. Agencia de Fomento FAPESP.
137
Estudante de Psicologia da UNESP/Bauru.
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medida as atividades pedagógicas mobilizam os aspectos emocionais das crianças e
contribuem para seu desenvolvimento afetivo-emocional na direção da auto-regulação da
conduta. A analise dos dados tem revelado que a afetividade não consiste como um objeto do
ensino, mas aparece nas relações escolares como um instrumento e manejo do infantil.
PALAVRAS CHAVE: Emoções e Sentimentos; Psicologia Histórico-Cultural; Educação
Infantil.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho abordará os resultados preliminares de uma pesquisa em
andamento, intitulada “O ensino escolar e o desenvolvimento afetivo-emocional na educação
infantil: um estudo a partir da análise da atividade escolar da criança”. Trata-se de uma
pesquisa empírica, que a partir do referencial teórico da psicologia histórico-cultural, tem
como objetivo compreender o papel do processo pedagógico sobre o desenvolvimento das
emoções e sentimentos na idade pré-escolar, por meio da análise da atividade escolar da
criança.
Para compreender o desenvolvimento da afetividade na infância é preciso retomar a
concepção de desenvolvimento do psiquismo de acordo com o referencial teórico da pesquisa.
Por meio da atividade que funda o ser social, o trabalho, o ser humano se relaciona com a
natureza para satisfazer suas necessidades e ao mesmo tempo é transformado por suas
próprias ações. Esse processo de intervenção ativa e transformadora na realidade natural e
social resultou, historicamente, em uma complexificação dos processos psíquicos, ampliando
e modificando qualitativamente os mecanismos de apreensão e captação dos fenômenos da
realidade pela mediação da cultura. Portanto, apesar de a dimensão biológica dar base ao ser
social, as determinações dominantes deste ser e da análise destes fenômenos só pode ser
compreendido na práxis social. Como explica Martins (2011), Vigotski aponta para a
constituição de novas funções psíquicas no ser humano de gênese histórico-cultural:
Vigotski postulou primeiramente que às características biológicas
asseguradas pela evolução da espécie são acrescidas funções
produzidas na história de cada indivíduo singular por decorrência da
interiorização dos signos, às quais chamou de funções psíquicas
superiores¹³. Considerou que o desenvolvimento do psiquismo
humano e suas funções não resultam de uma complexificação natural
evolutiva, mas, de sua própria natureza social (p.39).
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O psiquismo humano se desenvolve mediante a complexificação estrutural do
organismo na relação ativa com a realidade, isto é, na atividade que o condiciona. E nisso
reside o próprio salto de qualidade das funções elementares às superiores. A captação do real,
ou seja, tornar a realidade inteligível depende do processo de apropriação dos signos da
cultura por meio de um sistema interfuncional complexo, o psiquismo. Grosso modo, o
psiquismo é composto por funções cognitivas – sensação, percepção, atenção, memória,
pensamento, linguagem e imaginação – responsáveis pela formação da imagem do objeto em
vista de sua inteligibilidade; e pela função afetiva – emoções e sentimentos – responsável por
afetar o sujeito e construir uma imagem emocional que parta de uma relação singular entre
sujeito e objeto. A realidade passa a ter uma dimensão subjetiva na medida em que os
processos psíquicos captam os objetos e fenômenos da realidade objetiva, formando assim a
imagem subjetiva da realidade objetiva (MARTINS, 2011). Vale ressaltar que a formação da
imagem subjetiva nunca é idêntica à realidade e depende das condições objetivas em que os
indivíduos estão inseridos.
A compreensão da natureza histórica e social das funções psíquicas em geral, incluídas
aí tanto as funções cognitivas quanto afetivas humanas, ou seja, também as emoções e
sentimentos, deriva-se do processo de complexificação e transformação qualitativa (estrutural
e funcional) à medida da internalização dos signos da cultura. Grosso modo, desta constatação
resulta como implicação pedagógica o princípio de que também as emoções e sentimentos
devem, portanto, ser objeto do ensino escolar em geral e da educação infantil em particular.
Faz-se necessário, portanto, atentar para um ensino que compreenda sua especificidade, ou
seja, o professor de educação infantil deve ter clareza sobre o aspecto afetivo-cognitivo da
estrutura da atividade da criança, posto que atua diretamente nela.
Em referência ao contexto particular da educação infantil, segundo Leontiev
(2012) trata-se de um “(...) período da vida em que o mundo da realidade humana que cerca a
criança abre-se cada vez mais para ela (p. 59)”. Por isso, a atividade educativa para com
crianças pequenas deve estar a serviço da organização de sua atividade em todas as
dimensões. No período pré-escolar a atividade que impulsiona seu desenvolvimento é a
pautada na assimilação e a encenação, pela criança, das relações que as pessoas estabelecem
mediadas pelos objetos da cultura. Portanto, a criança passa a se afetar pelos relações
estabelecidas pelo mundo adulto perpassado por valores que balizam suas condutas, este é um
período que a esfera preponderante na atividade infantil é a esfera afetivo/emocional. Diante
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disso, se coloca a relevância de compreender a contribuição específica da educação escolar
para o desenvolvimento do psiquismo, destacando-se aqui os processos afetivo-emocionais,
que intervêm em todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.
REFERENCIAL TEÓRICO
Este um campo de estudo ainda é pouco explorado por essa Escola da psicologia, mas
compõe um dos capítulos fundamentais – e altamente desafiador – de uma nova proposta
teórico-metodológica para a psicologia. No processo de elaboração de uma nova proposta
para a psicologia, Vigotski em Teoría de las Emociones (2004) faz uma revisão das
produções científicas mais significativas da ciência e da filosofia, retomando as investigações
de diversos autores que pesquisaram a respeito das emoções/paixões, sempre apontando os
devidos avanços e contradições.
A partir dos avanços trazidos por teóricos de diversos campos, como o da filosofia, da
neurociência, da psicologia, etc, está pesquisa delineia uma proposta para compreender as
emoções e sentimentos a partir do sistema teórico da psicologia histórico-cultural.
Diferentemente das concepções evolucionista ou das teorias materialistas mecanicistas, que
incorrem às raízes organicistas do psiquismo, a psicologia histórico cultural explica o
desenvolvimento do psiquismo humano a partir de seu afastamento das barreiras naturais,
embora jamais prescinda de seu radical biológico.
Portanto, a partir da base epistemológica que pauta este trabalho, o materialismo
histórico-dialético, o desenvolvimento das emoções e sentimentos na idade pré-escolar só
pode ser compreendido a partir da concepção de desenvolvimento do psiquismo humano ao
longo periodização infantil. Com isso, foi imprescindível apontar o desenvolvimento das
emoções e sentimentos articulado a atividade que guia este período como objeto de estudo
desta pesquisa, uma vez que o psiquismo humano se desenvolve mediante a complexificação
estrutural do organismo na relação ativa com a realidade, isto é, na atividade que o
condiciona.
JUSTIFICATIVA
A relevância do estudo se justifica, principalmente, pelo fato de que o problema das
emoções é ainda pouco explorado no contexto da teoria histórico-cultural, particularmente no
âmbito da pesquisa empírica e experimental. Considerando as emoções e sentimentos no
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contexto da unidade afetivo-cognitiva do psiquismo humano e compreendendo-os como
processos psíquicos que adquirem novas estruturas mediante a aprendizagem, essa
investigação busca responder algumas questões como: a prática escolar tem contribuído pra o
desenvolvimento afetivo-emocional da criança? De que maneira? Em que medida? O
professor tem clareza da unidade afetivo-cognitivo do psiquismo? Estas questões são
decisivas para identificar alguns lapsos da Educação Infantil em relação aos quais a psicologia
possa contribuir em termos de subsídios para os procedimentos e organização pedagógica do
ensino.
Com vistas à superação de concepções dualistas ou idealistas, efetivaremos o estudo
desse objeto por meio da análise da atividade escolar da criança e da investigação da
concepção do professor de educação infantil acerca do problema do desenvolvimento
emocional da criança no contexto escolar.
Na medida em que o ensino escolar é uma mediação fundamental para o
desenvolvimento dos processos psíquicos, essa iniciativa busca contribuir para uma
compreensão mais completa do desenvolvimento infantil, tendo em vista que trará dados da
realidade concreta das vivências emocionais experienciadas em sala de aula da rede pública
de educação infantil. De forma geral, acredita-se também que o desafio posto contribuirá não
somente para a educação escolar, mas para outras dimensões da vida social, como por
exemplo, a interface com a saúde, que interessa diretamente à psicologia.
OBJETIVOS
O objetivo geral da pesquisa consiste em analisar o papel do processo pedagógico da
Educação Infantil sobre o desenvolvimento das emoções e sentimentos na idade pré-escolar
por meio da análise da atividade escolar da criança.
METODOLOGIA E DESENVOLVIEMNTO DA PESQUISA
O referencial teórico-metodológico desta pesquisa pauta-se no materialismo históricodialético, que tem nas formulações de Marx e Engels seus fundamentos (NETTO, 2011), os
quais foram posteriormente desenvolvidos no âmbito particular da psicologia pela Escola de
Vigotski (2004). A partir dessa perspectiva o pesquisador deve reproduzir e interpretar no
pensamento a estrutura e a dinâmica de seu objeto para encontrar as determinações reais e
objetivas que o constituem. Para conhecer o concreto, o pensamento pauta-se em algumas
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categorias metodológicas fundamentais, destacando-se a totalidade, que se refere à
interdependência e intervinculação dos fenômenos, a contradição, que aponta as contradições
internas constitutivas dos objetos e fenômenos, e o movimento, que reflete a incessante
transformação da realidade. Na psicologia estes pressupostos teórico-metodológicos são
aportes para encontrar explicações e formulações genéticas e dinâmico-causal dos processos
psicológicos.
Como procedimentos metodológicos foram realizados uma revisão bibliográfica e o
estudo deste material e a coleta dos dados empíricos. A coleta foi organizada em duas etapas,
primeiramente foram feitas observações de uma sala de aula e em seguida uma entrevista com
a respectiva professora. As observações foram realizadas em uma sala de aula de Jardim I
composta por aproximadamente 25 crianças de 3 a 4 anos mais a respectiva professora
responsável. Trata-se de uma escola do sistema municipal de educação infantil de uma cidade
de porte médio localizada no interior de São Paulo, com jornada parcial, ou seja, de meio
período. Também já foi realizada a entrevista com a professora. Após a coleta de dados foi
possível elaborar um protocolo de analise como primeira forma de sistematizar os dados.
Atualmente, a pesquisa encontra-se em sua fase final, de sistematização e analise dos dados
coletados.
RESULTADOS
Após a sistematização dos dados e analise dos mesmos, a primeira conclusão que
podemos fazer é de que as emoções e sentimentos não tem sido objeto do processo de ensino
como uma dimensão do psiquismo a ser desenvolvida. Na maioria das observações realizadas
o desenvolvimento das emoções e sentimentos não faziam parte do planejamento das
atividades pedagógicas, mas durante todas as tarefas a professora mobilizava as emoções e
sentimentos da criança como meio de controle da conduta. Este controle se dava,
majoritariamente, pela mobilização de emoções e sentimentos negativos (coerção/repulsa)
como, por exemplo, o medo, utilizado pela professora (figura de poder) como um instrumento
de paralisia disciplinar. A dispersão e desinteresse das crianças em situações diversas era
repelido por castigos, ameaças e broncas. Com medo de perder o parque, medo de os
responsáveis saberem sobre seus comportamentos na escola, medo de ir para a diretoria, entre
outros medos, as crianças paralisavam. Estas situações eram um padrão de ação da professora,
ou seja, foram situações que ocorriam frequentemente no cotidiano escolar.
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A dispersão e desinteresse das crianças se davam por diversos fatores, porém, o que
mais chamou atenção foi pela ausência de mediação da professora. O envolvimento por uma
ou outra tarefa era “indiferente” para as crianças, ou seja, todas as tarefas propostas pela
professora afetavam as crianças, porém, as observações mostraram que a ausência da
mediação foi determinante para produzir uma afecção negativa pela tarefa proposta, ou seja, a
criança deixa de se interessar pela tarefa e busca outras ocupações, como bater nos colegas. O
envolvimento afetivo da criança com as tarefas escolares depende da compreensão das
finalidades e do sentido da atividade, bem como da possibilidade de conseguir ou não realizar
o que foi solicitado pela professora. Nas situações observa-se que as crianças não aprendem a
organizar suas ações em função das finalidades previamente determinadas a se atingir, que
seria uma conquista fundamental do período pré-escolar.
A analise da coleta de dados demonstra que o papel do processo pedagógico da
educação infantil sobre o desenvolvimento das emoções e sentimentos na idade pré-escolar é,
em ultima instancia, concebido como um manejo instrumental do comportamento tido como
problemáticos na sala de aula. A concepção da professora quanto ao desenvolvimento das
emoções e sentimentos é de que são processos psíquicos que atrapalham o envolvimento da
criança com as atividades escolares, e que portanto, a educação assumi o papel de reparar tal
entrave através do manejo e contenção dos sentimentos. Tanto na entrevista com a professora
como nas observações, o destaque eram sempre para as emoções e sentimentos negativos
expressados pela criança, em raríssimos momentos as emoções positivas (afecção) eram tidas
como importantes para o processo ensino-aprendizagem-desenvolvimento.
Obviamente, os resultados desta pesquisa devem ser vistos como relações sociais
singulares e concretas que se constituem a universalidade das relações sociais da sociedade
vigente. Para compreender a complexidade das práticas presentes na escola como a educação
pelo medo, a reprodução e manutenção da desigualdade de ensino, a opressão, etc. não são
características dos indivíduos presentes desta coleta de dados, muitas mediações precisam ser
feita. Está é, portanto o momento que a pesquisa se encontra, o estudo de tais mediações.
CONSIDERAÇÕES GERAIS
A relação entre os processos emocionais e o ensino escolar tem ganhado dimensão
significativa no cenário científico, político e educacional contemporâneo. O debate sobre a
forma com que a esfera afetivo-emocional da atividade atua no processo de ensino-
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aprendizagem-desenvolvimento tem permeado diversos espaços e se evidenciado inclusive
nas grandes mídias.
Avaliamos que esta pesquisa traz significativas contribuições para compreender um
tema tão escasso dentro do materialismo histórico-dialético, o desenvolvimento das emoções
e sentimentos. Este trabalho buscou elucidar mesmo que brevemente, o desenvolvimento
afetivo na ontogênese como fenômeno articulado aos demais processos que constituem o
sistema interfuncional psíquico, principalmente no período pré-escolar a partir de dados
empíricos de uma realidade escolar. Apesar de trazer elementos importantes e recentes, este
estudo ainda tem limites, como o de realizar uma analise mais aprofundado dos dados
coletados. Portanto, apesar dos limites, a pesquisa traz subsídios importantes para
aproximação debate acerca do desenvolvimento das emoções e sentimentos na idade préescolar.
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