Efeitos de superfície em nanocristais de ZnO.
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Efeitos de superfície em nanocristais de ZnO.
Universidade Federal do ABC Programa de Pós-Graduação em Nanociências e Materiais Avançados Efeitos de Superfı́cie em Nanocristais de ZnO Tese de Doutorado Aline Luciana Schoenhalz Santo André, SP, Brasil 2011 Efeitos de Superfı́cie em Nanocristais de ZnO Aline Luciana Schoenhalz Tese apresentada como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Doutor em Nanociências e Materiais Avançados. Orientador: Prof. Dr. Gustavo Martini Dalpian Banca Examinadora: Prof. Dr. Gustavo Martini Dalpian - UFABC Prof. Dr. Antônio José Roque da Silva - LNLS Prof. Dr. Rogério José Baierle - UFSM Prof. Dr. Caetano Rodrigues Miranda - UFABC Prof. Dr. Hugo Bonette de Carvalho - Unifal Santo André, SP, Brasil 2011 Agradecimentos Ao dar mais esse passo determinante em minha caminhada profissional, não poderia deixar de agradecer as pessoas que estiveram ao meu lado durante esse perı́odo, estando elas perto ou não. Ao meu queridı́ssimo orientador, Prof. Gustavo M. Dalpian, meus sinceros agradecimentos pela orientação e oportunidade de desenvolver esse projeto, pelas discussões e convı́vio cientı́fico, pelos conselhos, puxões de orelha, elogios, incentivos e exemplos! Você foi um pai! Ao professor Adalberto Fazzio pela orientação no inı́cio do doutorado e co-orientação no restante do curso. Ao professor Vilson T. Zanchin por ser sido minha ponte entre a UFSM e a UFABC. Ao professor Jeverson Teodoro Arantes Jr., por tanta ajuda prestada na fase inicial do meu doutorado. Aos meus pais, Maria e Rui, que sempre compreenderam minhas escolhas, mesmo me custando a falta de convı́vio com a famı́lia, me apoiando em minhas decisões: vocês sempre foram e serão meu porto seguro! Aos meus irmãos, Juliano e Léo, agradeço por me mostrarem como as relações fraternais independem da distância e do tempo juntos. À Mitzi, por ter sido mãe, irmã, filha, companheira, conselheira, psicóloga, farmacêutica, nutricionista... Você foi e é muito mais que uma amiga! Agradeço todos os dias por ter te conhecido. 4 À Jaque, pela amizade e companheirismo de longa data. Por dividir ao longo desses anos as alegrias, conquistas, agonias, saudades, contas e malzbiers. Seu humor peculiar, sua personalidade forte e sua determinação me ensinaram muito. Obrigada por tudo! Aos meus amigos e colegas desbravadores, Chris e Cleiton. Obrigada pela amizade que construı́mos e por serem colegas confidentes. Às minhas queridas amigas Aninha e Erina. Vocês apareceram no momento certo para alegrar e animar minha vida. Obrigada por cada momento que passamos juntas. Todos foram especiais e memoráveis! Ao pessoal do ABCSim pelo coleguismo, piadas, cafés e horóscopos. Em especial à Romarly e ao Rodrigo que além de dividirem uma sala, foram amigos pacientes em vários momentos de desabafo. Aos demais colegas de pós-graduação que estão comigo desde o inı́cio, aos que já cumpriram a empreitada nessa instituição e aos que estão se agregando à turma. Obrigada pelas risadas, pizzas, macarronadas, churrascos, tequilas e tantas conversas. Ao Denis por toda a ajuda e empenho em resolver meus problemas computacionais desde que cheguei à UFABC. Ao núcleo de computação cientı́fica da UFABC e ao CENAPAD/Unicamp pelos recursos computacionais. À Universidade Federal do ABC e à CAPES pelo financiamento da bolsa de estudos e pelos recursos para realizar a pesquisa. Resumo Tese de Doutorado Efeitos de Superfı́cie em Nanocristais de ZnO Autora: Aline Luciana Schoenhalz Orientador: Prof. Dr. Gustavo Martini Dalpian Santo André, novembro de 2011. Utilizando a Teoria do Funcional da Densidade, nesse trabalho investigamos os efeitos de confinamento quântico e de superfı́cie nas propriedades estruturais, eletrônicas e magnéticas de nanocristais de ZnO. Fazendo uso do artifı́cio teórico da passivação das nanoestruturas, pudemos investigar esses efeitos separadamente. Após uma investigação sistemática de estruturas passivadas com diversos tamanhos e simetrias, observamos que as nanopartı́culas sofrem o efeito de confinamento quântico, expresso através do aumento do gap de energia conforme o diâmetro das mesmas diminui. Esses nanocristais, assim como no bulk de ZnO, apresentam-se nas estruturas zinc blende e wurtzita, e são paramagnéticos. A incorporação dos efeitos de superfı́cie foi feita através da remoção de toda a passivação seguida da otimização da estrutura. Nesse caso, observamos várias alterações estruturais nos nanocristais, como faces planares, dı́meros e ligações quebradas. Do ponto de vista eletrônico, nı́veis de superfı́cie são inseridos no gap de energia. Em alguns casos, os estados no nı́vel de Fermi são spin polarizados e as estruturas apresentam uma magnetização espontânea sem a adição de impurezas magnéticas. Essa magnetização está associada a vários tipos de reconstrução e é sempre localizada na superfı́cie do nanocristal. A origem dessa magnetização ainda é uma questão aberta na literatura e propomos que os defeitos estendidos são os responsáveis por esse fenômeno. Os efeitos de confinamento quântico e de superfı́cie nas propriedades magnéticas de nanocristais de ZnO dopados com Co também foram estudados. As impurezas magnéticas dentro das nanopartı́culas dopadas e passivadas apresentam um acoplamento antiferromagnético como sendo o mais estável. Isso está de acordo com outros resultados teóricos reportados na literatura utilizando essa metodologia, porém contraria resultados experimentais que reportam casos de ferromagnetismo para esse tipo de estruturas. Levando a superfı́cie em conta explicitamente, observamos que ambos os nı́veis de superfı́cie e de Co são inseridos no gap de energia e podem apresentar uma forte hibridização entre eles, e um acoplamento ferromagnético entre as impurezas magnéticas pode ocorrer. Palavras-chave: Nanocristais de ZnO; efeitos de superfı́cie; dopagem de nanoestruturas. Abstract PhD Thesis Surface Effects in ZnO Nanocrystals Author: Aline Luciana Schoenhalz Adviser: Prof. Dr. Gustavo Martini Dalpian Santo André, november 2011. Using Density Functional Theory, in this work we investigate surface and quantum confinement effects on structural, electronic and magnetic properties of ZnO nanocrystals. These effects could be analyzed separately by artificially passivating the nanostructures’ surfaces. After a systematic study of passivated structures with several sizes and symmetries, we observed quantum confinement effects, expressed by the increase of energy gap as the nanoparticles’ diameter decreases. Such as ZnO bulk, these semiconductor nanocrystals have zinc blende and wurtzite structures, and are paramagnetic. Surface effects were studied by removing all the passivation, followed by the structure optimization. In this case, we observed several structural changes in the nanocrystals, like planar faces, dimes and broken bonds. From a electronic point of view, surface levels are inserted in the energy gap. In some cases, states at Fermi level are spin polarized and the structures have a spontaneous magnetization without the addition of magnetic impurities. This magnetization is associated with various reconstructions and it’s always located at nanocrystal’s surface. The origin of this magnetization still an open question in literature and we propose that extended defects are the responsible for this phenomenon. The surface and quantum confinement effects on magnetic properties of Co doped ZnO nanocrystals were also studied. The magnetic impurities within the doped and passivated nanoparticles show an antiferromagnetic coupling as the most stable one. This agree with reported theoretical results in the literature using this methodology, but is against experimental ones, which report cases of ferromagnetism in these kind of structures. Considering the surface explicitly, we observe that both surface and Co levels are inserted in the energy gap. These levels can have a strong hybridization and a ferromagnetic coupling of magnetic impurities is shown to occur. Keywords: ZnO nanocrystals; surface effects; nanostructures doping. Sumário 1 Introdução 11 1.1 Semicondutores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 1.2 Propriedades e aplicações do ZnO . . . . . . . . . . . . . . . . 17 1.3 Importância da superfı́cie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 Metodologia 2.1 21 25 Teoria do Funcional da Densidade . . . . . . . . . . . . . . . . 26 2.1.1 Aproximação da Densidade Local . . . . . . . . . . . . 34 2.1.2 Expansão Generalizada em Termos de Gradientes . . . 36 2.1.3 Funcionais Hı́bridos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 2.2 Do Método OPW ao PAW . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.3 Geração dos Nanocristais a Partir do Bulk de ZnO . . . . . . 48 3 Nanocristais de ZnO 41 51 10 SUMÁRIO 3.1 Nanocristais Passivados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 3.2 Nanocristais não Passivados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 3.2.1 Magnetização de Superfı́cie de Nanocristais não Dopados 71 3.3 Micro e Nanofios de ZnO - Estudo teórico e experimental . . . 79 4 Dopagem de Nanoestruturas 88 4.1 Cobalto em óxido de zinco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92 4.1.1 Nanocristais passivados . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92 4.1.2 Nanocristais não passivados . . . . . . . . . . . . . . . 99 5 Conclusões 108 Referências Bibliográficas 111 Capı́tulo 1 Introdução Este trabalho aborda uma investigação dos efeitos de confinamento quântico e de superfı́cie nas propriedades estruturais, eletrônicas e magnéticas de nanoestruturas de óxido de zinco (ZnO). Os trabalhos teóricos encontrados na literatura sobre nanoestruturas de ZnO englobam em sua maioria os efeitos de confinamento quântico, muitas vezes usando artifı́cios para contornar os efeitos de superfı́cie. Os resultados experimentais também se concentram nos efeitos de confinamento e dessa forma ainda há uma carência em relação a resultados reportados com detalhes sobre a superfı́cie de nanoestruturas. Aqui, exploramos e reportamos esses dois efeitos nas nanopartı́culas de ZnO. O ZnO é um material descoberto há décadas e cada vez mais é alvo de estudos pela comunidade cientı́fica. Recentemente muita atenção tem sido dada principalmente ao ZnO nanoestruturado. Numa busca rápida numa base de dados de artigos internacionais indexados, o termo ZnO aparece em mais de 16 mil tı́tulos desde 2005. Ao refinarmos a busca, há aproximada- 12 Introdução mente 4 mil artigos cujo tópico são nanoestruturas de ZnO. A importância desse material à comunidade cientı́fica se deve a sua ampla gama de aplicações e pelas novas aplicações que se fazem possı́veis quando nanoestruturado. Nas últimas décadas houve um avanço extraordinário das técnicas para produção, de modo controlado, de estruturas cada vez menores, chegando até mesmo à escala atômica [1]. Em paralelo a isso, as técnicas de caracterização também amadureceram de forma que os cientistas puderam entender melhor as propriedades desses materiais [2, 3]. Juntos, esses fatores são responsáveis pelo surgimento e avanço da nanociência e da nanotecnologia. Quando materiais são reduzidos à nanoescala, surgem novos fenômenos, não presentes no bulk. Um desses efeitos consiste do confinamento quântico, o qual surge devido ao simples fato de o tamanho das partı́culas estudadas ser da ordem de nanômetros. Efeitos de confinamento quântico podem ser observados, por exemplo, como um aumento no gap de energia do material, conforme o tamanho da partı́cula diminui [4]. Além desse efeito, quando o tamanho do material é reduzido, a razão superfı́cie:volume aumenta. Para estruturas na escala nanométrica, isso se torna ainda mais importante porque grande parte dos átomos estará localizada na superfı́cie. Considerando esses aspectos, a superfı́cie tem um importante papel nas propriedades desses materiais. Na seção 1.3 há uma discussão acerca da importância dessa redução para a nanoescala e a importância da superfı́cie nesse regime, mostrando que o correto entendimento da superfı́cie das nanopartı́culas é tão importante quanto os efeitos de confinamento quântico. Uma classe importante de nanomateriais inclui as nanoestruturas semicon- 1.1 Semicondutores 13 dutoras, as quais têm um papel fundamental nas tecnologias atuais [5]. Visto que os semicondutores abrangem vários materiais e compostos, incluindo o ZnO, na seção 1.1, há uma breve revisão sobre as principais categorias deles. O ZnO, além de ser um semicondutor caracterı́stico, surge como uma grande promessa, pois suas potenciais aplicações vão desde dispositivos óticos a cremes bloqueadores solares. Uma breve revisão das principais propriedades e aplicações do ZnO é feita na seção 1.2. 1.1 Semicondutores De acordo com a bibliografia padrão da fı́sica da matéria condensada, um semicondutor é definido como sendo um material com uma resistividade elétrica numa faixa de 10−2 a 109 Ωcm[6]. Além dessa definição, um semicondutor também pode ser visto como um material cujo gap de energia para excitações eletrônicas está entre 0 e 4 eV. Os materiais com gap de energia nulo são considerados condutores e aqueles com gap de energia maior que o de um semicondutor são tidos como isolantes. Sem dúvida, o semicondutor mais conhecido e usado é o silı́cio (Si). Entretanto, podemos encontrar vários minerais semicondutores na natureza, como é o caso da blenda de zinco (ZnS), a cuprita (Cu2 O) e a galena (PbS), para citar alguns exemplos. Além desses, ainda há uma vasta gama de semicondutores sintetizados em laboratório, o que torna os semicondutores uma das mais versáteis classes de materiais conhecidas pelo homem. 14 Introdução Os semicondutores se apresentam em várias composições quı́micas e pos- suem uma grande variedade de estruturas cristalinas [6, 7]. Eles podem ser semicondutores de apenas uma espécie atômica, como o Si; compostos binários, como é o caso do arseneto de gálio (GaAs); compostos orgânicos, como o poliacetileno (CH)n , entre outros. O semicondutor de apenas uma espécie atômica mais conhecido e caracterı́stico é o Si. Junto com o germânio (Ge), o Si é o protótipo de uma grande classe de semicondutores com estruturas cristalinas similares. Essa estrutura é a mesma do diamante, em que cada átomo é ligado a quatro primeiros vizinhos, formando um tetraedro. Esses semicondutores com ligações tetraédricas constituem a maior parte da indústria eletrônica e são a base da tecnologia moderna que usufruı́mos. Alguns elementos dos grupos V e VI da tabela periódica, como o fósforo (P), o enxofre (S), o selênio (Se) e o telúrio (Te), também são semicondutores, podendo ser bi, tri ou tetra-coordenados. Os semicondutores de compostos binários são formados por elementos dos grupos III e V, II e VI, I e VII da tabela periódica, e têm propriedades parecidas com os do grupo IV. Comparado ao grupo IV, os compostos III-V começam a ser parcialmente iônicos devido a transferência de carga do átomo do grupo III para o átomo do grupo V. Isso provoca mudanças nas propriedades do semicondutor, tais como o aumento do gap de energia e da interação coulombiana entre os ı́ons. O caráter iônico aumenta ainda mais no caso dos compostos II-VI, como o ZnS, de forma que a maioria desses têm um gap de energia maior que 1 eV. Dessa forma, esses compostos são potenciais candidatos para aplicação na fabricação de dispositivos optoele- 1.1 Semicondutores 15 trônicos, como displays e lasers. Os compostos I-VII, como o CuCl, tendem a ter um gap de energia ainda maior devido a sua alta ionicidade. Muitos deles são considerados isolantes, ao invés de semicondutores. O aumento da energia de coesão desses compostos devido à interação coulombiana entre os ı́ons favorece a estrutura rock-salt, de forma que os átomos passam a ser hexa-coordenados, ao invés de formarem ligações tetraédricas. Além desses compostos III-V, II-VI e I-VII, alguns compostos binários de elementos dos grupos IV e VI, como PbS, PbTe e SnS, também são semicondutores. Apesar da grande ionicidade, eles têm um gap de energia pequeno e são importantes para aplicação como detectores de infra-vermelho [8, 9]. Em relação aos óxidos, embora alguns sejam bons isolantes, eles também são conhecidos semicondutores, como o CuO e Cu2 O. Em geral, os semicondutores óxidos não são bem entendidos no que diz respeito aos processos de crescimento, limitando a aplicação de alguns desses até o momento. Uma exceção a isso é o composto binário II-VI óxido de zinco, o qual tem uma vasta gama de aplicações, como será discutido em seção posterior. Alguns desses semicondutores óxidos se mostraram supercondutores em altas temperaturas, sendo o primeiro deles baseado no semicondutor La2 CuO4 , descoberto por Müller e Bednorz [10]. Alguns compostos semicondutores como o PbI2 , MoS2 e GaSe se apresentam em camadas. A ligação dentro das camadas desses materiais geralmente é covalente e mais forte que as forças de van der Waals entre camadas. O interesse nesse tipo de semicondutores se deve ao fato de o comportamento dos elétrons nas camadas ser quase bi-dimensional e a interação entre as camadas 16 Introdução serem modificadas pela incorporação de outros átomos, processo conhecido como intercalação [6]. Além desses, existem alguns compostos orgânicos, como o poliacetileno e polidiacetileno, que são semicondutores e grandes promessas para futuras aplicações em dispositivos eletrônicos. Os gaps de energia desses compostos podem ser modificados mais facilmente que os semicondutores inorgânicos para se adequar às aplicações, apenas mudando suas fórmulas quı́micas. Outros exemplos desse tipo de semicondutores são os fulerenos (C60 ) e os nanotubos de carbono, dependendo de como são crescidos. Há também muitos compostos contendo ı́ons magnéticos que têm propriedades semicondutoras e magnéticas interessantes, como por exemplo o EuS e ligas, como Cd1−x Mnx Te. Dependendo da concentração de ı́ons magnéticos nessas ligas, elas podem apresentar diferentes propriedades magnéticas, como ferromagnetismo e antiferromagnetismo. As ligas semicondutoras magnéticas contendo baixas concentrações formam uma categoria de materiais conhecidos como semicondutores magnéticos diluı́dos (DMS, do inglês diluted magnetic semiconductors) [11, 12]. Essas categorias de materiais estão representadas na figura 1.1. Muito esforço tem sido feito no estudo desses materiais para aplicação dos mesmos na fabricação de novos semicondutores funcionais, aproveitando o spin como um grau a mais de liberdade nos DMS’s. Alguns semicondutores não se enquadram nas categorias descritas anteriormente, como SbSI, AgGaS2 , CuInSe2 , ZnSiP2 , As2 Se3 , etc. Muitos desses semicondutores têm propriedades interessantes, entretanto, eles não têm re- 1.2 Propriedades e aplicações do ZnO (a) 6 6 6 (b) 6 6 6 6 6 6 6 17 (c) 6 6 Figura 1.1: Três tipos de semicondutores: (a) um semicondutor magnético, no qual há uma matriz periódica de um elemento magnético; (b) um semicondutor magnético diluı́do, uma liga de um semicondutor não magnético e um elemento magnético; e (c) um semicondutor não magnético, o qual não contém ı́ons magnéticos. cebido muita atenção por terem aplicações limitadas [13, 14, 15] O óxido de zinco é o material constituinte das nanoestruturas abordadas nessa tese e tem grande interesse na comunidade tanto por ser um semicondutor de gap de energia largo bem como por apresentar ferromagnetismo a temperatura ambiente quando dopado com metais de transição [16]. Por isso, na seção a seguir há uma revisão das principais propriedades e aplicações desse material. 1.2 Propriedades e aplicações do ZnO O ZnO é um semicondutor de gap de energia largo do grupo de compostos binários II-VI. O zinco tem a configuração eletrônica (1s)2 (2s)2 (2p)6 (3s)2 (3p)6 (3d)10 (4s)2 e a configuração eletrônica do oxigênio é (1s)2 (2s)2 (2p)4 . A ligação do ZnO no cristal envolve uma hibridização sp3 , havendo quatro orbitais equivalentes, distribuı́dos numa geometria tetragonal. No cristal semicondutor, os estados sp3 ligados constituem a banda de valência e a banda de condução é originada pelo respectivo anti-ligante. O gap de energia do ZnO se encontra na faixa do espectro UV, o que desencadeou interesse no ZnO 18 Introdução como material com aplicação em dispositivos eletrônicos transparentes [7, 17]. Além disso, a energia de coesão por ligação é de 7,52 eV, o que o caracteriza com uma alta estabilidade térmica [18]. A geometria de ligação tetra-coordenada define a estrutura do cristal de ZnO. Cada ı́on de zinco tem quatro ı́ons de oxigênios como primeiros vizinhos numa conformação tetraédrica e vice-versa. Esse arranjo geométrico é bem conhecido dos elementos do grupo IV como carbono, silı́cio e germânio, e também acontece em compostos II-VI e III-V. Os tetraedros vizinhos formam bi-camadas e no caso do ZnO, cada uma tendo uma camada de zinco ou de oxigênio. A estrutura cúbica zinc blende é mostrada na figura 1.2(a). Esta consiste de um arranjo de duas subredes cúbicas de face centrada, deslocadas por 1/4 ao longo da diagonal do cubo. A célula unitária cúbica não representa a menor unidade periódica de um cristal zinc blende, ou seja, não é uma célula primitiva [19]. A célula unitária primitiva da estrutura zinc blende é um paralelepı́pedo oblı́quo e contém apenas um par de ı́ons de Zn2+ e O2− . Em teoria de grupos, essa rede é classificada pelo grupo de ponto Td (notação de Schoenfies) ou 4̄ 3m (notação internacional) e grupo de espaço T2d ou F4̄ 3m, respectivamente. No caso da estrutura hexagonal wurtzita, mostrada na figura 1.2(b), o eixo c é dirigido ao longo da ligação tetraédrica. Isso implica que o eixo c corresponde a um eixo diagonal em relação a estrutura cúbica. No plano perpendicular ao eixo c, os vetores primitivos de translação a e b têm comprimentos iguais e formam um ângulo de 120◦ entre eles. Essa estrutura tem 1.2 Propriedades e aplicações do ZnO 19 dois pares de ı́ons, nesse caso de ZnO. Em condições ambiente, a estrutura wurtzita tem constantes de rede a = b = 3, 249 Å e c = 5, 204 Å. (a) (b) c a Figura 1.2: Estrutura (a) tipo zinc blende, cúbica, e (b) tipo wurtzita, hexagonal. A célula unitária das estruturas está representada por linhas pretas. O zinco e o oxigênio podem ser considerados como ionizados Zn+2 e O−2 [17]. No que tange o caráter das ligações, o ZnO está no limite dos semicondutores, cujas ligações são geralmente consideradas como predominantemente covalentes, enquanto que as ligações iônicas ocorrem nos isolantes. A alta polaridade da ligação do ZnO favorece a estrutura wurtzita ao invés da estrutura zinc blende, a qual ocorre para ligações tetraédricas com baixa polaridade (como muitos compostos II-VI e em quase todos os compostos III-V, como o GaAs). O ZnO na estrutura zinc blende é obtido através do crescimento epitaxial do ZnO sobre substratos com estrutura zinc blende. Cálculos teóricos confirmam a preferência do ZnO pela estrutura wurtzita. Entre vários métodos, a melhor concordância com resultados experimentais foi obtida utilizando DFT1 com a aproximação GGA2, com valores para energias de ligação de -7,692 eV para wurtzita, -7,679 eV para zinc blende e -7,455 1 2 Density Functional Theory. Generalized Gradient Approximation. 20 Introdução eV para rocksalt. Esses resultados apóiam a preferência pela estrutura wurtzita, embora a diferença de energia para a estrutura zinc blende seja muito pequena [17]. Uma peculiaridade do ZnO é que esse material apresenta um efeito piezoelétrico notório. Esse efeito descreve a conexão entre uma tensão mecânica externa e uma polarização macroscópica sem um campo elétrico externo, e vice-versa. Para o ZnO esse efeito é extremamente proeminente. Seu piezo efeito é o mais pronunciado entre os semicondutores tetraédricos. Seus coeficientes do tensor piezoelétrico são no mı́nimo o dobro dos demais compostos II-VI com estrutura wurtzita [17]. Dessa forma, há muitos anos o ZnO tem sido explorado para aplicações em acoplamento eletromecânico, incluindo uma grande variedade de sistemas micro e nanoeletromecânicos, sensores, e aplicações em processamento de sinais e telecomunicações [20, 21]. Outro campo no qual o ZnO se destaca é o dos semicondutores magnéticos diluı́dos. A investigação da incorporação de átomos de metais de transição em ZnO tem sido motivada pela potencial aplicação do ferromagnetismo a temperatura ambiente (RT3 ). Nesses DMS, interações de troca mediadas por cargas livres induzem um acoplamento ferromagnético dos spins dos ı́ons dos metais de transição. Mais sobre esse assunto é discutido no capı́tulo 4. Além de dopado com metais de transição, o ZnO nanoestruturado é considerado como um material extremamente promissor para uma grande gama de novas aplicações [5]. Isso se deve ao fato de essas nanoestruturas terem um crescimento auto organizado, possibilitando várias morfologias, como na3 Do inglês Room Temperature. 1.3 Importância da superfı́cie 21 norods, nanofios, nanofitas, etc. No capı́tulo 3 há uma maior discussão sobre nanoestruturas de ZnO. Vale a pena ressaltar que além das propriedades anteriormente citadas, o ZnO é abundante, atóxico, apresenta absorção/emissão ótica [22] e atividade catalı́tica [23]. Outras possı́veis aplicações de materiais a base de ZnO incluem diodos emissores de luz (LEDs) [24], detectores de UV [25], cosméticos de biomateriais [26]. Avanços recentes incluem a miniaturização de dispositivos, estendendo-se até a nanoescala. Nanocristais semicondutores têm sido amplamente estudados, incluindo quase todos os tipos de semicondutores [27, 28, 29]. 1.3 Importância da superfı́cie nas propriedades de nanoestruturas Todos os sólidos reais são limitados por superfı́cies. Mesmo assim, o modelo de um sólido infinito que negligencie a superfı́cie dá bons resultados para muitas das propriedades do material. A razão para isso é que, primeiramente, todos os átomos do material têm aproximadamente a mesma contribuição para as propriedades de transporte, óticas, magnéticas, mecânicas e térmicas. Além disso, há um número muito maior de átomos no bulk de uma amostra de material do que na sua superfı́cie, considerando que o sólido seja de um tamanho macroscópico. No caso de um cubo de silı́cio de 1 cm3 , por exemplo, há 5×1022 átomos no bulk e 4×1015 átomos na superfı́cie [30]. 22 Introdução Os átomos da superfı́cie são observados apenas através de técnicas experi- mentais sensı́veis para superfı́cie ou analisando propriedades ou processos que são determinados apenas pelos átomos da superfı́cie. Entre esses processos, podemos citar fenômenos como crescimento do cristal, adsorção, oxidação ou catálise. Esses processos não podem ser descritos com um modelo de cristal infinito. Há também os processos que são determinados pela combinação do bulk e da superfı́cie (ou, mais estritamente falando, a interface), como por exemplo o canal de transporte de cargas em transistores de efeito de campo (FET, do inglês field-effect transistors). Sob condições normais, ou seja, pressão atmosférica e temperatura ambiente, a superfı́cie de um material está distante de ser um sistema ideal desejado para investigações fı́sicas. Uma superfı́cie de um material recém preparado é normalmente muito reativa em relação aos átomos e moléculas do ambiente que a cerca. Todos os tipos de adsorção de partı́culas - desde a forte quimissorção à fraca fisisorção - dão origem a uma camada adicional às últimas camadas do sólido. Um exemplo é a imediata formação de uma camada óxida fina em um cristal de silı́cio recém clivado. Geralmente, a composição quı́mica e a estrutura geométrica de uma camada adsorvida não é bem definida. Apesar de várias técnicas serem utilizadas para uniformizar e minimizar os defeitos que as superfı́cies apresentam, uma superfı́cie absolutamente regular e livre de defeitos não se torna viável. Qualquer superfı́cie real irá exibir desvios irregulares da suavidade e pureza perfeita, mesmo com todos os cuidados na preparação do material. Uma ilustração representando imperfeições estruturais é apresentada na figura 1.3. 1.3 Importância da superfı́cie Terraço 23 Dobra Degrau Átomo adsorvido Degrau - Átomo adsorvido Vacância Figura 1.3: Ilustração de imperfeições estruturais de superfı́cies de um cristal. Fonte: referência [30]. Como pode ser observado na figura 1.3, degraus atômicos ocorrem nos contornos de planos da rede, os quais nesse contexto, são chamados de terraços. Esses degraus podem exibir algumas dobras. Além dessas imperfeições, defeitos simples como átomos adsorvidos e vacâncias contribuem para o aumento da rugosidade das superfı́cies. No caso de superfı́cies de cristais de compostos, frequentemente átomos de uma espécie atômica podem ser mais expostos na superfı́cie que os de outra, podendo a superfı́cie ser caracterizada como não estequiométrica. Os átomos adsorvidos podem muitas vezes ser de outra espécie e até mesmo serem considerados como contaminação por impurezas. Essas imperfeições podem não ter um papel tão importante da determinação das propriedades de sólidos, mas passam a ser relevantes quando o material encontra-se nanoestruturado. Isso se deve ao fato de que no limite da nanoescala ocorre um aumento na razão superfı́cie:volume. Ou seja, ao contrário do que ocorre em macro estruturas, nas nanopartı́culas uma grande parte dos átomos encontra-se na superfı́cie da mesma e passam a contribuir significativamente para suas propriedades. 24 Introdução Neste trabalho, o alvo são nanopartı́culas de ZnO, portanto, a superfı́cie é muito importante e será levada em conta explicitamente para a descrição do sistema. Nossos resultados foram obtidos através de cálculos ab-initio e parte deles já foram publicados em três artigos. No primeiro deles, intitulado “Surface magnetization in non-doped ZnO nanostructures”, mostramos que o ferromagnetismo apresentado por semicondutores nanoestruturados não dopados podem ser mediados por defeitos estendidos, como a superfı́cie ou contornos de grão [31]. No segundo, intitulado “Surface and Quantum Confinement Effects in ZnO Nanocrystals”, reportamos os principais efeitos associados à redução de tamanho quando estudamos as propriedades dos nanocristais de ZnO: o confinamento quântico e o aumento da razão superfı́cie:volume [32]. O terceiro artigo, intitulado “Origin of FM Ordering in Pristine Microand Nanostructured ZnO”, consiste num estudo teórico e experimental das propriedades magnéticas de nanofios de ZnO. Esse último trabalho consiste de uma validação do modelo proposto no primeiro, em que a superfı́cie da nanoestrutura inserirá nı́veis delocalizados e com polarização de spin no gap de energia, que serão os responsáveis pela resposta magnética do material [33]. Esses resultados são apresentados com detalhes no capı́tulo 3. Além dos resultados para nanoestruturas puras de ZnO, no capı́tulo 4 apresentamos resultados para nanocristais de ZnO dopados com cobalto. Assim como no caso das nanopartı́culas puras, tanto os efeitos de confinamento quântico quanto os efeitos de superfı́cie são considerados para a descrição das propriedades dos nanocristais. Por fim, no capı́tulo 5 apresentamos as conclusões gerais desse trabalho. Capı́tulo 2 Metodologia Partindo de informações dos átomos constituintes, o estudo teórico de sistemas de muitos corpos permite a descrição detalhada e a predição de propriedades e fenômenos de transformação dos materiais. Essa descrição pode englobar diferentes quantidades de informações, o que consequentemente irá resultar em diferentes graus de precisão das propriedades e valores obtidos para as quantidades fı́sicas investigadas. Quanto mais informações sobre o sistema são levadas em conta, mais precisa será a descrição, porém, também maior será o custo computacional para tal. Isso corresponde a dizer que quanto mais preciso o cálculo das propriedades, menor será o sistema possı́vel de ser tratado com determinada técnica. Nesse contexto, a Teoria do Funcional da Densidade permite um cálculo ab intio de sistemas relativamente grandes, contendo até mesmo milhares deles. Nesse campo, as simulações computacionais desempenham um papel fun- 26 Metodologia damental, pois o avanço computacional e o aprimoramento de métodos e algoritmos possibilitam que uma descrição cada vez mais realı́stica do sistema seja viável. Para o estudo do bulk de ZnO bem como das nanopartı́culas de ZnO, empregamos a Teoria do Funcional da Densidade [34], com a Aproximação da Densidade Local (LDA) para o termo de troca e correlação da energia. Os cálculos foram feitos utilizando o software Vienna Ab-initio Package (VASP) [35], empregando o método de ondas projetadas aumentadas (PAW) e usando um conjunto de ondas planas. A seguir esses métodos e aproximações serão detalhados. 2.1 Teoria do Funcional da Densidade O princı́pio básico da Teoria do Funcional da Densidade (DFT1 ) é que qualquer propriedade de um sistema pode ser expressa como um funcional da densidade do estado fundamental do mesmo ρ0 [~r]. A Teoria do Funcional da Densidade original foi proposta independentemente em 1927 por Thomas [36] e Fermi [37], cuja formulação é hoje conhecida como aproximação de Thomas-Fermi. Apesar da Teoria do Funcional da Densidade nessa formulação ter atraı́do muita atenção para o estudo de sistemas eletrônicos, ela parte de aproximações muito drásticas. A energia nessa aproximação é dada completamente em termos da densidade eletrônica clássica, havendo dificuldade de descrever a energia cinética do sistema. Nela 1 Sigla originada do inglês Density Functional Theory. 2.1 Teoria do Funcional da Densidade 27 são desprezados aspectos fı́sicos e quı́micos essenciais, tais como a estrutura das camadas atômicas e ligações das moléculas [38]. A formulação moderna da DFT tem origem no trabalho de P. Hohenberg e W. Kohn em 1964 [39] . Segundo a formulação de Hohenberg e Kohn, a DFT é uma teoria exata de sistemas de muitos corpos. A DFT2 está baseada em dois teoremas provados por Hohenberg e Kohn [39], os quais são apresentados a seguir. 2.1.0.1 Teorema I: O potencial externo sentido pelos elétrons é um funcional único, exceto por uma constante, da densidade eletrônica do estado fundamental, ρ0 [~r]. 2.1.0.2 Teorema II: Um funcional universal para a energia E[ρ] pode ser definido em termos da densidade ρ[~r], válido para qualquer Vext (~r). Para um Vext (~r) em particular, a energia do estado fundamental é mı́nima para a densidade ρ[~r] exata. Isso é aplicado a qualquer sistema de partı́culas interagentes num potencial externo Vext (~r), podendo o hamiltoniano ser escrito como3 : ~2 X 2 X 1 X e2 H=− ∇i + Vext (~ri ) + 2me i 2 |~ri − ~rj | i , (2.1) i6=j 2 A partir desse ponto da tese, toda referência a DFT será aquela da formulação de Hohenberg e Kohn [39]. 3 A contribuição da interação devido aos núcleos será adicionada mais tarde. 28 Metodologia em que o primeiro termo representa a energia cinética, o segundo o potencial externo e o último a interação entre os elétrons. Dessa forma, a energia como um funcional da densidade pode ser escrita como: b E[ρ] = hψ|Tb|ψi + hψ|Vbext|ψi + hψ|U|ψi (2.2) E[ρ] = F [ρ] + hψ|Vbext|ψi . (2.3) ou Na expressão 2.3, o termo hψ|Vbext|ψi é chamado de funcional não universal, pois depende do sistema em questão. Já o termo F [ρ] é um funcional universal válido para qualquer sistema coulombiano e contém as informações sobre a energia cinética, interação de Coulomb e energias de troca e correlação eletrônicas. Considerando que as interações de Coulomb são de longo alcance, é conveniente separar a parte coulombiana clássica do funcional universal: 1 F [ρ] = 2 Z Z ρ(~r)ρ(~r′ ) 3 3 ′ d rd ~r + G[ρ] |~r − ~r′ | (2.4) com E[ρ] = Z 1 v(~r)ρ(~r)d + 2 3 Z Z ρ(~r)ρ(~r ′ ) 3 3 ′ d rd ~r + G[ρ] , |~r − ~r′ | (2.5) em que G[ρ] também é um funcional universal. Até esse ponto, apenas a visão geral da DFT foi apresentada e nada se 2.1 Teoria do Funcional da Densidade 29 falou sobre a forma do funcional F [ρ], que pode ser definido pela expressão: F [ρ] = T0 [ρ] + Exc [ρ] , (2.6) em que T0 [ρ] é a energia cinética de um sistema não interagente com densidade ρ[~r] e Exc [ρ] contém a energia de troca (ou exchange), a energia de correlação de um sistema interagente com densidade ρ[~r] e a correção da energia cinética do sistema. Os primeiros a apresentar uma estratégia para o cálculo de estrutura eletrônica de sistemas envolvendo muitas partı́culas com o uso de E[ρ] foram Kohn e Sham em 1965 [40]. Na aproximação de Kohn-Sham (KS), o problema original de muitos corpos é substituı́do por um sistema auxiliar de partı́culas independentes que pode ser resolvido facilmente. A construção de um sistema auxiliar de Kohn-Sham está baseada em duas suposições: 1. A densidade de carga do estado fundamental exata pode ser representada pela densidade de carga do estado fundamental de um sistema auxiliar de partı́culas não interagentes. 2. O hamiltoniano auxiliar é escolhido de forma que tenha um operador cinético usual e um potencial local efetivo atuando num elétron em ~r. Com isso, os cálculos são desenvolvidos para o sistema auxiliar de partı́- 30 Metodologia culas independentes definido pelo hamiltoniano auxiliar4 Haux ~2 =− ∇2 + Vef (~r) 2me (2.7) e a densidade de carga do sistema auxiliar é dada pela soma dos quadrados dos orbitais: ρ(~r) = N X |ψi (~r)|2 . (2.8) i=1 A aproximação de Kohn-Sham para um problema de muitos corpos consiste em reescrever a expressão (2.3) para o funcional da energia para o estado fundamental na forma: EKS [ρ] = T0 [ρ] + Eext [ρ] + EHartree [ρ] + EII + Exc [ρ] (2.9) em que T0 é o termo da energia cinética de um sistema não interagente, escrito em termos dos orbitais eletrônicos e unidades atômicas como: N N 1X 1X hψi |∇2 |ψi i = − T0 [ρ] = − 2 i=1 2 i=1 Z d3 r|∇ψi (~r)|2 , (2.10) Eext é a energia relacionada ao potencial externo devido aos núcleos e quaisquer outros campos externos, EHartree é a energia de Hartree, definida como: 1 EHartree [ρ] = 2 4 Z d3 rd3 r ′ ρ(~r)ρ(~r′ ) |~r − ~r′ | . (2.11) A discussão aqui abordada do formalismo das equações de Kohn-Sham não engloba a dependência no spin. Os mesmos cálculos podem ser feitos adicionando a dependência de spin σ além de ~r aos termos. 2.1 Teoria do Funcional da Densidade 31 O termo EII corresponde à interação clássica dos núcleos e quaisquer outros termos que contribuem para a energia, mas não são relevantes para a descrição dos elétrons. Por fim, a energia Exc agrupa todos os efeitos de troca e correlação de muitos corpos. A solução do sistema auxiliar de Kohn-Sham para o estado fundamental pode ser vista como um problema de minimização em relação à densidade de carga ρ(~r). Sendo T0 expressa explicitamente como um funcional dos orbitais e todos os outros termos considerados funcionais da densidade, podemos variar as funções de onda e usar a regra da cadeia para derivar a equação variacional: δEKS δT0 δExc δρ(~r) δEext δEHartree = + + + = 0, δψi (~r) δψi (~r) δρ(~r) δρ(~r) δρ(~r) δψi (~r) (2.12) sujeita ao vı́nculo de ortonormalização: hψi |ψj i = δij . (2.13) Usando as expressões (2.8) e (2.10) para ρ(~r) e T0 , teremos: 1 δT0 = − ∇2 ψi (~r) δψi (~r) 2 e δρ(~r) = ψi (~r) . δψi (~r) (2.14) Combinando as equações de (2.14) e usando o método dos multiplicadores de Lagrange, obteremos a equação de Kohn-Sham tipo Schrödinger: (HKS − ǫi )ψi (~r) = 0 , (2.15) 32 Metodologia em que ǫi são os autovalores e HKS é o hamiltoniano efetivo de Kohn-Sham: 1 HKS = − ∇2 + VKS (~r) , 2 (2.16) com o potencial efetivo de Kohn-Sham dado por: VKS (~r) = δEext δEHartree δExc + + δρ(~r) δρ(~r) δρ(~r) = Vext + VHartree + Vxc (2.17) , em que o único termo não conhecido é o potencial de troca e correlação Vxc . As equações (2.15)-(2.17) são as conhecidas equações de Kohn-Sham, com a densidade de carga ρ(~r) e energia EKS dadas por (2.8) e (2.9). Essas equações de Kohn-Sham têm forma de equações para partı́culas independentes com um potencial que precisa ser encontrado de forma autoconsistente com a densidade de carga. Um esquema auto-consistente comumente adotado é apresentado a seguir: (i) escolhe-se uma densidade de carga inicial ρI (~r); (ii) obtém-se o potencial VKS associado a essa densidade de carga; (iii) resolve-se a equação KS (2.15); (iv) com a solução de (2.15), calcula-se a nova densidade de carga conforme a equação (2.8); (v) repete-se o processo iterativo até obter-se uma auto-consistência entre o valor de entrada e o valor de saı́da para a densidade de carga. Esse esquema é mostrado na figura 2.1. O formalismo de Kohn-Sham permite um tratamento exato da maioria das contribuições à energia eletrônica de um sistema atômico ou molecular, incluindo a maior fração da energia cinética. Todas as partes remanescen- 2.1 Teoria do Funcional da Densidade 33 ρI (~ r) VKS (~ r) − 12 ∇2 + VKS (~ r ) ψiI = εψiI Não ρI+1 (~ r) = P i |ψi (~ r )|2 ρI (~ r ) = ρI+1 (~ r) Sim Observáveis Fı́sicas Figura 2.1: Representação do esquema de solução auto-consistente das equações de Kohn-Sham. tes - e desconhecidas - estão englobados no funcional de troca e correlação Exc [ρ]. Nele estão inclusas a parte não clássica da interação elétron-elétron juntamente com a correção para a auto-interação e a componente da energia cinética não abrangida pelo sistema de referência não interagente. Todo esforço para a aplicação o esquema Kohn-Sham como ferramenta para a solução da equação de Schrödinger somente faz sentido se houver aproximações explı́citas para esse funcional. A qualidade da aproximação do funcional da densidade está na exatidão da aproximação para Exc [ρ]. Dessa forma, o empenho para a obtenção de funcionais cada vez melhores é um ponto crucial da Teoria do Funcional da Densidade. Na DFT não há uma forma sistemática de aprimorar os funcionais e isso representa o maior desafio associado com essa aproximação [41]. Como observamos no esquema da figura 2.1, para a obtenção do termo 34 Metodologia VKS é preciso fazer uma escolha do funcional de troca e correlação Exc [ρ]. Para tal, existem várias aproximações comumente utilizadas. A aproximação usada nesse trabalho, a Aproximação da Densidade Local, é discutida a seguir. 2.1.1 Aproximação da Densidade Local - LDA A DFT é o método mais usado nos dias de hoje para os cálculos de estrutura eletrônica graças à aproximação proposta por Kohn e Sham em 1965. A quantidade crucial na aproximação de KS é o termo da energia de troca e correlação, expressa como um funcional da densidade Exc [ρ]. Dentre as diversas aproximações existentes para o termo de troca e correlação, a Aproximação da Densidade Local (LDA5 ) se destaca. Ela foi a primeira aproximação proposta e continua sendo muito utilizada. Como ponto central desse modelo, está a idéia de um gás de elétrons uniforme. Na aproximação LDA, a energia de troca e correlação tem caráter local e é simplesmente uma integral sobre o espaço, assumindo que a energia de troca e correlação em cada ponto sendo a mesma que a de um gás de elétrons homogêneo. Assim, o termo Exc [ρ] é expresso por: LDA Exc [ρ] = = 5 Z Z d3 r ρ(~r)εhom r )) xc (ρ(~ (2.18) 3 dr ρ(~r)[εhom (ρ(~r)) x + εhom (ρ(~r))] c Sigla originada do inglês Local Density Approximation. , 2.1 Teoria do Funcional da Densidade 35 em que εhom xc (ρ) é a energia de troca e correlação por elétron de um gás de elétrons homogêneo de densidade ρ = ρ(~r). Dessa forma, a única informação necessária é a energia de troca e correlação como função da densidade. Para tal, existem várias propostas. Independentemente da parametrização, na aproximação LDA o termo de troca, εx , é conhecido, enquanto o termo de correlação, εc é muito mais complexo. Ceperley e Alder [42] obtiveram εc para um gás de elétrons homogêneo e interagente por meio de cálculos usando o método de Monte Carlo Quântico. A partir disso, surgiram várias parametrizações para o termo εc . Uma das aproximações mais utilizadas é a de Perdew e Zunger [43], a qual é utilizada nesse trabalho. Nessa parametrização, a densidade eletrônica em função do raio de Wigner, rs , é escrita como: ρ(~r) = 3 1 4π rs3 (2.19) e os termos εx e εc dados em unidades atômicas6 por: εx = −0, 4582 rs a0 0, 1423 p ; rs > 1 (1 + 1, 9529 arsa + 0, 3334 ar0s ) rs rs rs εc = −0, 0480 + 0, 0311 ln − 0, 0116 ln + 0, 0020rs ln ; a0 a0 a0 εc = − rs < 1 (2.20) Mesmo não sendo uma boa aproximação para sistemas com densidade 6 Em unidades atômicas: e2 2a0 = 0, 5 hartree. 36 Metodologia eletrônica fortemente não uniforme, a LDA tem se mostrado bem sucedida para cálculos de sólidos, com resultados bons para propriedades estruturais e eletrônicas. Sabe-se que a LDA superestima a energia de ligação entre os átomos e, consequentemente, as distâncias de ligação bem como o gap de energia calculado é menor que o experimental. Apesar disso, a forma e a dispersão para as bandas de condução e valência se mostram muito parecidos com o experimental. 2.1.2 Expansão Generalizada em Termos de Gradientes - GGA Apesar do sucesso da aproximação LDA, em sistemas reais a densidade não é homogênea. Uma alternativa para isso no contexto do formalismo da DFT, é expressar o funcional Exc [ρ] em termos do gradiente da densidade de carga total, levando em conta a não-homogeneidade da real densidade de carga. Essa aproximação para o termo de troca e correlação é conhecida como Expansão Generalizada em Termos de Gradientes (GGA) e é geralmente aplicada a sistemas onde a densidade eletrônica não é uniforme, mas varia lentamente. Infelizmente e contra-intuitivamente, se utilizarmos a GGA para resolvermos problemas moleculares, ela não produz uma melhora na precisão, mas frequentemente produz até mesmo resultados piores que a simples aproximação LDA. A razão para essa falha é que a GGA consiste de uma expansão de Taylor, cujo primeiro (e mais significativo) termo corresponde à aproximação de LDA, e os demais termos fazem com que a aproximação 2.1 Teoria do Funcional da Densidade 37 perca muitas das propriedades que tornam a LDA fisicamente significativa [41]. Nessa aproximação, o termo Exc [ρ] é expresso por: GGA Exc [ρ] = = Z Z d3 r f (ρ(~r), ∇ρ(~r)) (2.21) 3 dr ρ(~r)εhom r ))Fxc (ρ(~r), ∇ρ(~r)) xc (ρ(~ , em que εhom xc (ρ) é a energia de troca e correlação por elétron de um gás de elétrons homogêneo e Fxc é uma quantidade adimensional escrita em função de gradientes da densidade de carga. Atualmente, há várias formas para o termo Fxc , o que, consequentemente, GGA acarreta em várias propostas para o funcional Exc . Dentre elas, as mais conhecidas são as propostas por Becke (B ou B88) [44], por Perdew (P ou P86), por Perdew e Wang (PW) [45], por Perdew-Burke-Ernzerhof (PBE) [46] e por Lee, Yang e Parr (LYP) [47]. Em princı́pio, cada funcional de troca pode ser combinado com qualquer outro funcional de correlação, mas há poucos desse tipo em uso atualmente. A parte de troca é quase exclusivamente escolhida como sendo o funcional de Becke o qual é tanto combinado com o funcional de correlação de Perdew de 1986 ou com o de Lee, Yang e Parr, ficando abreviados como BP86 e BLYP, respectivamente. Aqui se faz conveniente uma observação semântica em relação ao GGA. Esse funcional é frequentemente denominado de não-local na literatura. Isso é uma terminologia um tanto enganosa, pois do ponto de vista matemático 38 Metodologia esse funcional é puramente local: o valor do funcional a um ponto ~r depende apenas da informação sobre a densidade ρ(~r), seu gradiente ∇ρ(~r), e possivelmente outras informações desse ponto especı́fico e é absolutamente independente das propriedades de ρ(~r ′ ) com ~r ′ = 6 ~r. Referir-se a esses funcionais como ‘não-locais’ é apenas motivado pelo fato que esses funcionais vão além da aproximação da densidade ‘local’ e levar em conta gradientes é o primeiro passo para considerar a inomogeneidade da densidade real; porém não passa de um jargão comum aos fı́sicos. 2.1.3 Funcionais Hı́bridos Ao utilizarmos métodos ainda mais refinados, podemos obter uma melhor descrição de propriedades que não são bem descritas ao utilizarmos a LDA ou GGA. Em geral, as contribuições de troca são maiores em números absolutos do que os efeitos de correlação correspondentes. Entretanto, uma expressão precisa para o funcional de troca é um pré-requisito para a obtenção de resultados significativos utilizando a DFT. Partindo de uma expressão para o termo de troca e correlação, como na equação 2.22, pode-se integrar sobre a energia de troca e correlação dependente de λ, que corresponde à contribuição não clássica para a interação elétron-elétron para diferentes valores de λ: Exc [ρ] = Z 0 1 λ Encl dλ . (2.22) Analisando os casos limites, para λ = 0 estamos considerando um sistema livre de interações, e a única componente que não é inclusa no termo clássico 2.1 Teoria do Funcional da Densidade 39 λ=0 se deve a antissimetria da função de onda dos férmions. Dessa forma, Encl é composta apenas pelo termo de troca e não há correlação. Para o caso em que λ = 1, as contribuições não clássicas são de um sistema completamente interagente, contendo tanto o termo de troca e de correlação. Essa energia de interação não é conhecida, mas pode ser aproximada. Para calcular de forma λ exata essa integral, precisarı́amos de Encl para valores intermediários de λ. Mas essa informação não está disponı́vel e precisamos encontrar aproximações para essa integral. Nas seções anteriores, foram apresentadas as aproximações LDA e GGA para tal, porém essas são aproximações localizadas. λ Outra forma simples de resolver a equação 2.22 é assumir que Encl é uma função linear em λ. Isso corresponde a: 1 λ=0 1 λ=1 + Exc Exc [HH] = Exc 2 2 . (2.23) λ=1 Usando o funcional de troca e correlação para Exc , a equação 2.23 re- presenta a conhecida half-and-half combinação da troca ‘exata’ e da troca e correlação da DFT, introduzida por Becke, em 1993 [48]. No mesmo ano de 1993, Becke introduziu coeficientes semi-empı́ricos para determinar o peso de várias componentes nesse esquema, conduzindo a uma extensão da equação 2.23. B3 LDA λ=0 Exc [ρ] = Exc + a(Exc − ExLDA ) + bExB + cEcP W 91 . (2.24) Nessa equação há três parâmetros. A quantidade exata de troca no funcio- 40 Metodologia nal é definida por a, enquanto b e c controlam as contribuições do gradiente de troca e do gradiente de correlação para a LDA. Como indicado na equação 2.24, Becke utilizou o seu funcional de troca de 1988 e o funcional de troca de Perdew e Wang de 1991. Os três parâmetros empı́ricos foram escolhidos de forma que as energias de atomização e ionização bem como a energia total fossem bem reproduzidas. Isso resulta em a = 0, 20, b = 0, 72 e c = 0, 81. Deve-se chamar atenção ao fato de que esses parâmetros são ajustados para esses dados especı́ficos e não é claro se essa boa performance é válida para todas as quantidades do sistema. Funcionais desse tipo, em que uma certa quantidade da troca exata é incorporada, são frequentemente chamados de funcionais hı́bridos DFT/HF, pois eles representam um hı́brido entre troca de funcionais de densidade pura e Hartree-Fock. Atualmente, o funcional hı́brido mais popular é o conhecido B3LYP7 , proposto em 1994 [49]. A idéia é muito similar a forma proposta na equação 2.24, porém o funcional de correlação PW91 é substituı́do pelo funcional LYP. Os valores para os três parâmetros foram obtidos do trabalho original de Becke. Dessa forma, a expressão para a energia de troca e correlação é (com a, b e c definidos anteriormente): B3LY P Exc [ρ] = (1 − a)ExLDA + aExλ=0 + bExB88 + cEcLY P + (1 − c)EcLDA . (2.25) Em particular, o funcional B3LYP se tornou rapidamente o funcional mais popular e o mais utilizado. Esse sucesso impressionante foi impulsionado pela boa performance em muitas aplicações quı́micas, incluindo a descrição 7 A sigla B3LYP corresponde a Becke, three-parameter, Lee-Yang-Parr. 2.2 Do Método OPW ao PAW 41 de sistemas considerados difı́ceis como, por exemplo, metais de transição de camada aberta. Há também o caso em que uma fração de 20 a 25 % de troca exata parece apresentar resultados razoáveis, como mostrado por Perdew, Ernzerholf, Burke (1996), e Burke, Ernzerholf, Perdew (1997) [46, 50]. Esses autores propuseram funcionais hı́bridos livres de parâmetros em sua forma geral, em que a quantidade troca exata é de 25%, ficando expresso como: hibrido GGA Exc [ρ] = Exc + 0, 25(ExHF − ExGGA ) . (2.26) Se o funcional de troca e correlação escolhido for o PBE para a componente GGA, o funcional é chamado de PBE0. O funcional PBE0 tem boa performance para obtenção das propriedades mais importantes do sistema, sendo competitivo como os funcionais mais confiáveis e empiricamente parametrizados. Entretanto, enquanto esse 1/4 de troca exata é razoável para a maioria dos sistemas, é necessário ressaltar que esse valor certamente não é universal e pode depender de cada situação. 2.2 Do Método OPW ao PAW Apesar da DFT com a aproximação KS mapear um problema de um sistema de muitos corpos em um sistema auxiliar de partı́culas não interagentes, o problema permanece complicado, havendo muitas dificuldades no cálculo numérico. Próximo ao núcleo, a energia cinética é alta, acarretando em oscila- 42 Metodologia ções abruptas na função de onda e, consequentemente, os cálculos tornam-se complicados. A região do núcleo pouco sente o efeito das mudanças ocorridas em regiões mais externas do átomo. Nesta região mais externa do átomo, a função de onda se apresenta mais suave, porém ela é muito afetada pelo ambiente em que o átomo está inserido. Buscando incorporar esses diferentes comportamentos da função de onda atômica, vários modelos foram propostos. Dentre eles, podemos citar o método de ondas planas aumentadas (APW8 ) proposto originalmente por Slater em 1937 [51], e o método do Pseudopotencial. No primeiro método, o espaço é divido em esferas centradas no átomo e por uma região intersticial. Nele, as funções de onda são expressas como soluções radiais da equação de Schrödinger na região próxima ao núcleo e por funções de onda planas na região intersticial. Dessa forma, a energia potencial tem contribuição de uma parte com simetria esférica centrada no átomo e de uma parte da região intersticial com potencial constante. A fim de garantir soluções contı́nuas, as soluções dessas duas regiões são igualadas na interface. No segundo método, o método do Pseudopotencial, os átomos são divididos em duas partes. A primeira parte contém os elétrons de valência, geralmente correspondendo àqueles da última camada eletrônica e responsáveis pelas ligações quı́micas. A segunda parte contém o caroço iônico, correspondendo ao núcleo e aos elétrons que não são de valência. Esse método se baseia no método de ondas planas ortogonalizadas (OPW9 ), 8 9 Sigla originada do inglês Augmented Plane Wave. Sigla originada do inglês Orthogonalized Plane Wave. 2.2 Do Método OPW ao PAW 43 introduzido por Herring em 1940 [52]. Herring propõe uma expansão da função de onda em ondas planas através de uma combinação linear de estados de caroço. Isso é feito de modo a reduzir o número de ondas planas necessário para se ter uma boa descrição do sistema e satisfazer as condições de contorno do cristal na fronteira da célula unitária. A diferença reside no fato de o método do Pseudopotencial eliminar a necessidade de se introduzir estados de caroço, pois a função de onda nessa região é substituı́da por uma função suave e sem nodos. Dessa forma, a função de onda pode ser descrita por um conjunto de ondas planas muito menor. O fato dessas ondas resultantes serem suaves torna as expansões em ondas planas uma metodologia factı́vel do ponto de vista numérico/computacional. Algumas exigências em relação aos Pseudopotenciais permitiram a evolução da metodologia de construção dos mesmos: (i) os autovalores ǫi obtidos para os estados atômicos de valência devem ser idênticos aos autovalores ǫps i obtidos com o Pseudopotencial; (ii) as autofunções relativas à “solução exata” e a solução obtida com o Pseudopotencial devem ser iguais para r > Rc (Rc = raio de corte); (iii) as integrais de 0 a r, r > Rc das densidades de carga da “solução exata” devem ser iguais às das soluções obtidas com o Pseudopotencial; (iv) a derivada logarı́tmica da pseudofunção de onda deve convergir para a da “função de onda exata” para r > Rc . Essas exigências deram origem ao chamado Pseudopotencial de norma conservada, que foi descrito inicialmente por Hamann, Shluter e Chiang em 1979 [53]. Apesar de bem sucedidos no estudo das propriedades eletrônicas de materiais, os pseudopotenciais de norma conservada não são capazes de descrever 44 Metodologia as propriedades eletrônicas de alguns elementos de forma satisfatória, como metais de transição e elementos da segunda coluna da tabela periódica. Para reproduzir corretamente as propriedades de interesse desses elementos, é necessária uma expansão num número muito grande de ondas planas, o que exige um grande esforço computacional. Uma solução para esse problema foi proposta por Vanderbilt em 1990 [54]. Nesse novo método é incluı́da uma nova energia de referência para a pseudofunção de onda e o vı́nculo de conservação é relaxado. Dessa forma, os pseudopotencias gerados são extremamente suaves e permitem o cálculo de propriedades de metais de transição de maneira eficiente. Esses pseudopotenciais de Vanderbilt, conhecidos como pseudopotenciais ultrasuaves (US), têm sido muito utilizados, mas sua construção é muito difı́cil e sua implementação em códigos de simulação de materiais está longe de ser um processo trivial. Em 1994, Blöchl [55] desenvolveu uma nova metodologia para fazer cálculos eficientes, mas desviando das dificuldades de construção dos pseudopotenciais US. Nesse novo método, chamado de ondas aumentadas projetadas (PAW10 ), Blöchl combinou a aproximação do Pseudopotencial com o método LAPW (Linearized Augmented Plane Wave). A vantagem em relação ao pseudopotencial US é que o método PAW utiliza todos os elétrons para o cálculo. O método PAW é uma aproximação para a solução do problema de estrutura eletrônica que reformula o método OPW, adaptando-o para técnicas 10 Sigla originada do inglês Projected Augmented Wave. 2.2 Do Método OPW ao PAW 45 modernas para o cálculo de energia total, forças e tensão. No PAW é feita uma transformação linear que mapeia as funções de onda verdadeiras (allelectron functions) com as oscilações próximas ao núcleo expressas em termos de funções auxiliares suaves. Dessa forma, o funcional de energia total é determinado aplicando-se essa transformação ao funcional de Kohn-Sham. Assim como no método do pseudopotencial US, ele introduz projetores e funções localizadas auxiliares. Essa relação entre os pseudopotenciais PAW e US foi formalmente demonstrada por Kresse em 1999 [56]. Após esse “overview” histórico da evolução e avanço dos métodos mais conhecidos para tratamento das funções de onda, podemos considerar que, em linhas gerais, o método PAW pode ser encarado como a “versão moderna” do método OPW. Do ponto de vista de formulação, o método PAW considera a função de onda de todos os elétrons, numa forma similar ao método OPW. Entretanto, a função de onda varia rapidamente próximo ao núcleo e, por isso, todas as integrais são calculadas como uma combinação de integrais sobre todo o espaço de funções suaves mais contribuições de integrais radiais da região próxima ao núcleo, como no método APW. Semelhante a formulação do OPW, é definida uma função de onda de valência suave auxiliar ψ̃ (que é uma onda plana ou um orbital atômico), assim como uma transformação linear ψ = T ψ̃ que relaciona a função de onda verdadeira ψ(~r) (all-electron) à função de onda suave ψ̃(~r). Essa transformação é assumida ser linear. Adotando a notação de Dirac, a expansão de cada 46 Metodologia função suave |ψ̃i em ondas parciais em cada esfera pode ser escrita como: |ψ̃i = X cm |ψ̃m i , (2.27) m com a correspondente função de onda verdadeira: |ψi = T |ψ̃i = X cm |ψm i . (2.28) m Dessa forma, a função de onda pode ser escrita como: |ψi = |ψ̃i + X cm {|ψm i − |ψ̃m i} . (2.29) m Sendo a transformação T linear, os coeficientes cm devem ser dados por uma projeção em cada esfera: cm = hp̃m |ψ̃i , (2.30) para algum operador de projeção p̃, escolhido de forma que hp̃m |ψ̃m′ i = δmm′ . (2.31) Podendo a função de onda (2.27) ser escrita como: |ψ̃i = X |ψ̃m ihp̃m |ψ̃i . (2.32) m Assim como no método dos Pseudopotenciais, há muitas escolhas possı́- 2.2 Do Método OPW ao PAW 47 veis para os projetores com funções suaves para o projetor p̃, com exemplos dados na referência [55]. A diferença em relação aos Pseudopotenciais está no fato que a transformação T envolve a função de onda total real: T =1+ X {|ψm i − |ψ̃m i}hp̃m | . (2.33) m Além disso, as expressões se aplicam tanto aos estados de caroço quanto aos estados de valência e, por isso, é possı́vel derivar resultados com informações de todos os elétrons, aplicando as expressões a todos os estados eletrônicos. A forma geral das equações do método PAW pode ser calculada em termos da função (2.33). Assim, para qualquer operador  do problema original (allelectron), pode-se introduzir um operador transformado à que opera na parte suave das funções de onda: à = T † ÂT X =  + |p̃i{hψm |Â|ψm′ i − hψ̃m |Â|ψ̃m′ i}hp̃m′ | . (2.34) mm′ Podemos adicionar ao lado direito da equação (2.34) o operador da forma B̂ − X |p̃m ihψ̃m |B̂|ψ̃m′ ihp̃m′ | , (2.35) mm′ sem alterar o valor esperado. Assim, as expressões para quantidades fı́sicas usando o método PAW são escritas de acordo com as equações (2.33) e (2.34). 48 Metodologia A densidade de carga, por exemplo, é dada por: ρ(~r) = ρ̃(~r) + ρ1 (~r) − ρ̃−1 (~r) , (2.36) cujos termos podem ser escritos em função de auto-estados rotulados com o ı́ndice i e com ocupação fi como ρ̃(~r) = X fi |ψ̃i (~r)|2 , (2.37) i ρ1 (~r) = X fi X fi i X ∗ hψ̃i |ψ̃m iψm (~r)ψm′ (~r)hψ̃m′ |ψ̃i i , (2.38) X ∗ hψ̃i |ψ̃m iψ̃m (~r)ψ̃m′ (~r)hψ̃m′ |ψ̃i i . (2.39) mm′ e ρ̃1 (~r) = i mm′ Os dois últimos termos são localizados em torno de cada átomo e as integrais podem ser feitas em coordenadas esféricas sem problemas próximo ao núcleo, como no método APW. 2.3 Geração dos Nanocristais a Partir do Bulk de ZnO As nanopartı́culas simuladas nesse trabalho foram geradas cortando uma parte aproximadamente esférica do bulk de ZnO (wurtzita ou zinc blende) com um raio definido, como esquematizado na figura 2.2(a) e (b) . Assim, as esferas cortadas do cristal podem ter diferentes tamanhos, de acordo com o 2.3 Geração dos Nanocristais a Partir do Bulk de ZnO 49 raio pré-definido para as mesmas. (a) (b) (c) Figura 2.2: Esquema ilustrando os passos para a geração dos nanocristais: (a) corte de uma parte aproximadamente esférica do bulk de ZnO; (b) remoção dos átomos fora do raio determinado para o NC; (c) saturação das ligações pendentes na superfı́cie do NC. Além do tamanho e geometria, podem ser definidos diferentes centros para a nanopartı́cula. Nós analisamos nanocristais (NC) centrados no átomo (CA) e centrados na ligação (CL), cuja diferença é discutida na seção 3.1 [29]. Após escolher a estrutura e o centro, definimos o raio do nanocristal. Todos os átomos localizados fora da esfera definida por esse raio e o respectivo centro são removidos. Dessa forma, nós analisamos mais de vinte nanocristais, com diferentes tamanhos e estruturas. Como primeiro passo para entender esses nanocristais, as ligações pendentes da superfı́cie foram saturadas com átomos de hidrogênio de carga fracionária [57], conforme figura 2.2(c). Esse procedimento foi adotado para evitar estados de superfı́cie no gap de energia e nos permitir separar os efeitos de confinamento quântico dos efeitos de superfı́cie. O objetivo desses H hipotéticos é simplesmente eliminar os estados de superfı́cie do gap de energia. O estudo da superfı́cie dos nanocristais é muito complexo, pois não há muitos 50 Metodologia resultados experimentais reportando sobre sua superfı́cie ou da estrutura da interface entre os nanocristais e as moléculas que os recobrem. Resultados recentes mostram a estrutura dos solventes de um nanocristal de ouro, embora eles não dêem evidências diretas da superfı́cie do nanocristal propriamente dito [58]. Nosso modelo para a estrutura da superfı́cie desses nanocristais será obtido removendo-se todos os átomos de Hidrogênio de sua superfı́cie, e permitindo que todos os átomos se movam até chegarem à configuração de mı́nima energia. Dessa forma, o ambiente em que os nanocristais encontramse é o vácuo, visto que não há moléculas nem átomos ligados à superfı́cie dos mesmos. Capı́tulo 3 Nanocristais de ZnO O óxido de zinco como encontrado na natureza cristaliza na estrutura wurtzita (wz ), porém esse semicondutor também pode ser encontrado nas estruturas rock salt (rs) e zinc blende (zb). A fim de entender o comportamento desse material quando nanoestruturado, estudamos as duas estruturas de ZnO mais estáveis, ou seja, wurtzita (hexagonal) e zinc blende (cúbica) [59]. Essas estruturas diferem somente na direção de sua quarta ligação, mas essa pequena diferença resulta em diferentes propriedades para o material [60]. O gap de energia do cristal de ZnO wz é de 3,4 eV. Devido às aproximações no termo de troca e correlação para implementação da DFT, o gap de energia calculado tem valor menor que o experimental. Em nossas simulações, os gaps de energia calculados foram de 0,85 eV para a estrutura wz e 0,74 eV para a estrutura zb. Embora ocorra a redução do valor do gap de energia calculado, o caráter das bandas é correto. Nossos cálculos mostram que no ponto Γ 52 Nanocristais de ZnO o Máximo da Banda de Valência (VBM, do inglês Valence Band Maximum) tem um caráter p, predominantemente localizado nos átomos de oxigênio, enquanto que o Mı́nimo da Banda de Condução (CBM, do inglês Conduction Band Minimum) tem caráter s referente aos átomos de zinco. As estruturas de banda calculadas utilizando a metodologia aqui abordada são mostradas nas figuras 3.1 e 3.2 para as estruturas wz e zb, respectivamente. 10 7,5 Zona de Brillouin da rede wurtzita: Energia (eV) 5 2,5 0 -2,5 -5 -7,5 A L M Γ A ~k H K Γ Figura 3.1: Estrutura de bandas calculada para o cristal de ZnO na estrutura wurtzita, com um gap de energia igual a 0,85 eV. As linhas cheias representam as banda ocupadas, enquanto as linhas pontilhadas representam as bandas vazias. À direita da figura, podemos observar a zona de Brillouin para a estrutura wurzita[7]. Como será discutido na próxima seção, o principal efeito do confinamento quântico nas nanoestruturas é o aumento do gap de energia do material. Esse aumento do gap de energia, ou os deslocamentos do VBM e CBM são diretamente relacionados à massa efetiva do material. Segundo nossos cálculos, as massas efetivas para o bulk na estrutura wurtzita é de -1,16 me para o VBM e 0, 043 me para o CBM. As medidas experimentais da massa efetiva do buraco 53 10 7,5 Zona de Brillouin da rede zinc blende: Energia (eV) 5 2,5 0 -2,5 -5 -7,5 L Γ X W ~k K Γ Figura 3.2: Estrutura de bandas calculada para o cristal de ZnO na estrutura zinc blende, com um gap de energia igual a 0,74 eV. As linhas cheias representam as banda ocupadas, enquanto as linhas pontilhadas representam as bandas vazias. À direita da figura, podemos observar a zona de Brillouin para a estrutura zinc blende [7]. e do elétron são indiretas. Para muitos semicondutores, é possı́vel determinar por ressonância de cı́clotron as massas efetivas dos portadores perto das bordas das bandas de condução e valência, através da relação ωc = eB/m∗ , onde m∗ é a massa efetiva do cı́clotron [61]. Os materiais baseados em ZnO têm sido amplamente investigados experimental e teoricamente devido as suas propriedades diferenciadas. Além disso, o ZnO tem sido dopado com Mn, Co, Fe e outros metais de transição para uso como semicondutor magnético diluı́do em spintrônica. Apesar disso, os resultados encontrados na literatura são controversos, podendo a resposta magnética desejada estar presente ou não, como pode ser comprovado em uma variedade de trabalhos de revisão sobre este tópico [62, 63, 64]. 54 Nanocristais de ZnO Ainda mais intrigante é o fato de que alguns resultados experimentais recentes reportam ferromagnetismo à temperatura ambiente para nanoestruturas sem a adição de impurezas magnéticas, fenômeno algumas vezes chamado de ferromagnetismo fantasma1 [65], especialmente em óxidos de gap de energia largo. Esse fenômeno foi relatado inicialmente pelo grupo do pesquisador Coey para o HfO2 [66], e seguido por outros [67, 68]. Cálculos teóricos propõem que o ferromagnetismo nesses materiais se deve a defeitos pontuais [69]. Essa proposta tem sido questionada, pois a população desses defeitos não deve ser grande o suficiente para garantir o acoplamento magnético entre as impurezas [70]. Os defeitos pontuais, como por exemplo as vacâncias, têm uma concentração muita baixa. A polarização de spin induzida por eles é muito localizada e por isso a interação entre esses defeitos não é suficiente para gerar uma magnetização macroscópica. Para que haja uma interação magnética entre essas impurezas, é preciso que sua população atinja o limite de percolação. Nesse regime, as impurezas (ou os defeitos) presentes no material, mesmo que distantes conseguem interagir mediadas por interações de curto alcance entre as impurezas intermediárias. Isso equivale a dizer que as impurezas distantes podem interagir desde que haja um caminho de interação entre elas. O ferromagnetismo em amostras de ZnO não dopadas também tem sido observado, principalmente para nanopartı́culas e filmes finos [71, 72, 73, 68]. Há várias tentativas de explicar esses resultados, mas todas muito controversas. Alguns trabalhos propõem que esse ferromagnetismo se deve a vacâncias de oxigênio [72, 74], enquanto outros alegam que o mesmo é devido a vacân1 Em inglês, phanton ferromagnetism. 55 cias de zinco [75, 76]. Há também resultados propondo que defeitos intrı́nsecos [77] ou átomos de zinco intersticiais na superfı́cie [78] são os responsáveis pela fase magnética observada. Como destacado na Ref. [70], o problema com essas aproximações é que a população desses defeitos intrı́nsecos geralmente não é grande o suficiente para garantir o acoplamento magnético entre as impurezas, e assim, conduzir a uma magnetização macroscópica, pois a interação de troca (do inglês, exchange) entre essas impurezas é esperada ser de curto alcance. Nem as teorias de troca dupla (double-exchange) nem de supertroca (superexchange) [79] são capazes de explicar as temperaturas de Curie nesses materiais. Porém está claro, a partir de um vasto número de resultados experimentais, que o magnetismo em amostras não dopadas está relacionado com algum defeito no material. As amostras como sintetizadas, com uma quantidade maior de contorno de grãos, apresentam uma magnetização maior que aquelas submetidas a tratamentos térmicos por um longo tempo, por exemplo, que reduzem esse tipo de defeitos [68, 33]. Como defeitos pontuais não parecem ser os responsáveis por esse magnetismo, voltamos nossa atenção para defeitos estendidos. Gamelin e co-autores [80, 81] mostraram que é possı́vel direcionar as propriedades magnéticas de TiO2 dopado com metais de transição controlando cuidadosamente a morfologia dos contornos de grão das amostras. Garcia et al. também mostraram que nanopartı́culas de ZnO não dopadas podem ter respostas magnéticas diferentes, dependendo da molécula orgânica que cobre o nanocristal [71]. Outro trabalho publicado pelo grupo do Dr. Coey [65] sugere um mecanismo de transferência de carga para expli- 56 Nanocristais de ZnO car o ferromagnetismo em nanopartı́culas de óxidos. Nesse modelo, elétrons são transferidos do centro para a superfı́cie do nanocristal, conduzindo a uma magnetização. Considerando a variedade de resultados controversos nesse assunto, nós investigamos, através de cálculos ab initio, as propriedades magnéticas da superfı́cie de nanocristais de ZnO de diferentes tamanhos, geometrias e formas. Essas superfı́cies nos dão uma larga variedade de reconstruções e defeitos, os quais devem abranger a maioria dos arranjos possı́veis para a superfı́cie dos nanocristais. 3.1 Nanocristais Passivados Assim como no bulk, diferentes politipismos, estruturas e formas po- dem ocorrer nos nanomateriais a base de ZnO. Isso irá depender das condições de crescimento, tais como pressão, concentração das espécies atômicas, temperatura e substrato [82]. Para estudar as nanopartı́culas de ZnO utilizamos nanocristais nas estruturas wurtzita e zinc blende. Para construir os modelos estruturais para as nanopartı́culas estudadas nesse trabalho, utilizamos nanocristais centrados no átomo (CA) e centrados na ligação (CL), cuja metodologia de construção foi detalhada no capı́tulo anterior. A principal diferença entre os nanocristais centrados num átomo e dos nanocristais centrados na ligação é que os CL são sempre estequiométricos, enquanto os primeiros não, mesmo possuindo um mesmo centro e raios 3.1 Nanocristais Passivados 57 similares. Para os nanocristais zb, a simetria da estrutura é também reduzida dos CA para os CL. No caso do CA, a simetria da estrutura é a Td e quando CL, passam a ter simetria C3v . Para cada estrutura e centro, definimos três diferentes tamanhos de nanocristal, classificados como pequenos, médios e grandes, tendo diâmetros variando de 0,9 nm a aproximadamente 1,8 nm. Como discutido anteriormente, após gerar os nanocristais passivamos todas as ligações pendentes para remover estados de superfı́cie do gap de energia do nanocristal. Isso é feito adicionando átomos fictı́cios H de modo que cada átomo na superfı́cie (tanto Zn ou O) irão fazer quatro ligações, como no bulk de ZnO. Esses átomos de H têm suas cargas nucleares e eletrônicas alteradas, com valores de 1,5e e 0,5e quando ligadas ao Zn2+ e O2− , respectivamente, na superfı́cie. Isso nos permite entender os efeitos de confinamento quântico separadamente dos efeitos de superfı́cie. Para a simulação das nanopartı́culas, utilizamos condições periódicas de contorno, com o vácuo entre as nanopartı́culas e suas imagens periódicas sendo de ∼0,6 nm. As simulações foram feitas permitindo as estruturas relaxarem até que a força total em cada coordenada cartesiana fosse menor que 25 meV/Å. A figura 3.3 mostra alguns dos nanocristais passivados estudados. As primeiras seis estruturas são de NC centrados no átomo e as últimas seis são de NC centrados na ligação. Ambos os conjuntos (CA e CL) foram gerados nas estruturas wurtzita (Fig. 3.3 a, b, c, g, h, i) e zinc blende (Fig. 3.3 d, e, f, j, k, l). 58 Nanocristais de ZnO (a) (b) (c) (d) (e) (f) (g) (h) (i) (j) (k) (l) Figura 3.3: Nanocristais passivados com (a) 79, (b) 174, (c) 431, (d) 71, (e) 163, (f) 247, (g) 72, (h) 162, (i) 408, (j) 80, (k) 164 e (l) 396 átomos. As esferas cinzas, vermelhas e brancas representam os átomos de zinco, oxigênio e hidrogênio, respectivamente. 3.1 Nanocristais Passivados 59 Quando o sistema é confinado, ocorre um aumento na diferença de energia entre o último nı́vel de energia ocupado e o primeiro nı́vel de energia desocupado, ou diferença HOMO-LUMO2 . Nas figuras 3.4 e 3.5 podemos ver nı́veis de energia para diferentes diâmetros de nanocristais na estrutura wurtzita e zinc blende, respectivamente, mostrando a abertura do gap de energia quando as estruturas se tornam menores. Nas figuras 3.4 e 3.5 os autovalores para diferentes nanocristais foram alinhados pelo nı́vel de energia mais profundo. Em nossos cálculos, os mesmos correspondem aos nı́veis s do oxigênio. Esse efeito de aumento do gap de energia pode ser entendido através de um modelo simples de poço quântico, onde a diferença entre os autovalores aumenta quando a largura do poço diminui. Utilizando esse processo, podemos observar que o deslocamento do LUMO é mais rápido que o do HOMO, como esperado pelos modelos de massa efetiva (massas efetivas menores irão produzir um maior deslocamento na energia). Esse conjunto de nanocristais passivados nos permitiu observar efeitos relacionados com o confinamento quântico. O principal efeito nos semicondutores é o aumento do gap conforme o tamanho da nanoestrutura diminui [83]. A relação teórica entre essas quantidades deriva do modelo simples de uma partı́cula dentro de um poço de potencial. Nesse nı́vel de aproximação, ∆Eg depende linearmente com 1/d2, onde d é o diâmetro da partı́cula, e consiste apenas de uma primeira aproximação para nanoestruturas semicondutoras [4]. Outro modelo simples através do qual pode-se obter essa relação, porém mais refinado que o do poço de potencial, é o da massa efetiva. Entretanto, 2 Em inglês, HOMO=Highest Occupied Molecular Orbital e LUMO=Lowest Unoccupied Molecular Orbital . 60 Nanocristais de ZnO 4 6 6 6 2,13 eV 2,84 eV 3,73 eV 0 -4 ? d∼1,4 nm -2 ? d∼1,1 nm ? d∼1,9 nm Energia (eV) 2 Figura 3.4: Da esquerda para a direita: abertura do gap de energia para nanocristais wurtzita com d∼ 1, 9 nm (431 átomos), d∼ 1, 4 nm (174 átomos) e d∼ 1, 1 nm (79 átomos). Os respectivos gaps de energia são: 2,13 eV, 2,84 eV e 3,73 eV. novamente a relação entre o gap de energia com o tamanho é de 1/d2 [84]. No presente trabalho, em que cálculos ab initio são feitos, uma quantidade maior de informações do sistema é levada em conta e, assim, acredita-se que a descrição desse comportamento seja mais realı́stica e, obviamente, ∆Eg não será proporcional a 1/d2 . Na figura 3.6 mostramos que o gap de energia aumenta conforme o tamanho dos nanocristais CA e CL diminui. Nessa figura, podemos observar uma pequena dispersão para os valores de gap de energia do nanocristal (triângulos), que estão relacionados a diferentes formas e simetrias dos nanocristais. Os valores obtidos para o cálculo do gap de energia com LDA foram deslocados rigidamente de forma que o gap de energia do bulk coincidisse com o experimental. Em nosso caso, esse deslocamento (ou shift) foi de 2,61 eV, e isso significa que, para todos os nanocristais, o gap 3.1 Nanocristais Passivados 61 4 Energia (eV) 2 6 6 6 2,39 eV 2,90 eV ? ? 3,93 eV 0 d∼1,1 nm d∼1,4 nm -4 d∼1,6 nm ? -2 Figura 3.5: Da esquerda para a direita: abertura do gap de energia para nanocristais zinc blende com d∼ 1, 6 nm (247 átomos), d∼ 1, 4 nm (163 átomos) e d∼ 1, 1 nm (71 átomos). Os respectivos gaps de energia são: 2,39 eV, 2,90 eV e 3,93 eV. de energia foi deslocado esse valor. Os cı́rculos vermelhos indicam valores experimentais da referência [85], e outras nela citadas. Tomando uma média sobre os valores teóricos (LDA+shift) e os valores experimentais apresentados nesse gráfico, o melhor ajuste para a variação do gap de energia como função do diâmetro do nanocristal é (em eV): Eg = 3, 41 + 3, 87d−1,83 , onde d é o diâmetro do nanocristal. O ajuste considerando os valores experimentais mostra que a dependência do gap de energia não é proporcional a 1/d2, como nos modelos do poço de potencial e da massa efetiva. Isso ocorre porque a quantidade de informações 62 Nanocristais de ZnO 10 LDA+shift rı́gido Experimental Eg (eV) Eg =3,41+3,87d−1,83 5 1 Diâmetro (nm) 10 Figura 3.6: Dependência do gap de energia com o tamanho para vários nanocristais passivados. Os triângulos representam os gaps de energia deslocados de 2,61 eV, os cı́rculos vermelhos são os valores experimentais extraı́dos da referência [85], e a linha verde pontilhada é o ajuste para Eg . sobre o sistema levadas em conta no nosso modelo é muito maior que os modelos simples anteriormente citados. Outro efeito observado está relacionado às propriedades estruturais dos nanocristais. Para o bulk de ZnO, o comprimento de ligação entre os átomos de Zn e O é de aproximadamente 1,94 Å, mas para o caso dos nanocristais ele pode ser maior/menor no centro/superfı́cie do mesmo, como pode ser observado na figura 3.7. Isso corre pois na superfı́cie do NC, há um maior grau de liberdade para a relaxação dos átomos comparado aos que estão no interior do NC. Na figura 3.7 temos a dependência da distância de ligação ZnO com a distância do ponto médio dessa ligação ao centro do NC. Cada ponto no gráfico representa uma ligação ZnO. Nos gráficos relativos aos nanocristais com estrutura wurtzita da figura 3.1, aparentemente há muito mais pontos que os nanocristais de estrutura zinc blende de tamanho e número de átomos similares. Isso se deve ao fato de os nanocristais zinc blende terem uma 3.1 Nanocristais Passivados 63 simetria maior (Td ), portando haverá uma degenerescência para os valores da distância de ligação. O primeiro conjunto de pontos, em ∼ 1Å correspondem às quatro ligações que o átomo central de Zn faz com os oxigênios que o circundam. No caso da wurtzita, temos que o átomo central fará três ligações iguais (∼ 1, 945 Å) e a quarta será ligeiramente maior (∼ 1, 965Å), como ocorre no bulk de ZnO. As linhas pontilhadas representam o valor médio dos comprimentos de ligação dos dı́meros de ZnO dentro do NC. Esses valores estão esboçados na tabela 3.1. ↓ Wurtzita 2 1,98 (a) d∼ 11 Å Zinc Blende ↓ (b) d∼ 11 Å 1,96 Comprimento de ligação (Å) 1,94 1,92 2 1,98 (c) d∼ 14 Å (d) d∼ 14 Å 1,96 1,94 1,92 2 1,98 (e) d∼ 19 Å (f) d∼ 16 Å 1,96 1,94 1,92 1,90 0 2 2 8 0 8 4 4 6 6 Distância da ligação ao centro do NC (Å) Figura 3.7: Distribuição dos comprimentos de ligação Zn-O para nanocristais com (a) 39, (b) 35, (c) 92, (d) 87, (e) 265 e (f) 147 átomos de ZnO. As linhas pontilhadas indicam o valor médio dos comprimentos de ligação para cada nanocristal. 64 Nanocristais de ZnO ¯ para vários nanoTabela 3.1: Valor médio dos comprimentos de ligação (d) cristais. Wurtzita ¯ 1,9336 Å 39 átomos → d= ¯ 1,9449 Å 92 átomos → d= ¯ 1,9496 Å 265 átomos → d= Zinc Blende ¯ 1,9361 Å 35 átomos → d= ¯ 1,9371 Å 87 átomos → d= ¯ 1,9418 Å 147 átomos → d= O comprimento de ligação do zinco (oxigênio) aos átomos de hidrogênio da superfı́cie é de aproximadamente 1,59 Å (1,07 Å), embora isso possa mudar dependendo da forma de como o potencial para o H é gerado. Nos nanocristais com estrutura wurtzita, observamos que a razão c/a varia de 1,63 (NC menores) a 1,61 (NC maiores), mostrando que este valor tende ao valor do bulk (1,6018 Å) quando o tamanho do nanocristal aumenta. 3.2 Nanocristais não Passivados A saturação da superfı́cie usada na seção anterior é um artifı́cio teórico para remover os estados de superfı́cie do gap de energia. Em princı́pio, esta superfı́cie não pode ser comparada diretamente ao que acontece nos nanocristais reais, embora os efeitos de confinamento quântico sejam modelados corretamente. Esse tipo de saturação modela uma saturação perfeita, em que todas as ligações pendentes são satisfeitas, o que não ocorre experimentalmente. A fim de analisar os efeitos de superfı́cie nas nanopartı́culas e suas implicações em algumas propriedades dos nanocristais, removemos todos os átomos de hidrogênio da superfı́cie dos nanocristais e então otimizamos essas estruturas, permitindo todos os átomos irem para as posições de mı́nima 3.2 Nanocristais não Passivados 65 energia. Observamos que a superfı́cie se reconstrói em vários novos arranjos atômicos. Devido a essas mudanças estruturais, a estrutura eletrônica do nanocristal também é alterada. Todas as estruturas mostradas na figura 3.3 para os nanocristais passivados também foram estudadas quando não passivadas. Considerando que foram analisadas as superfı́cies de mais de 20 nanocristais diferentes, variando a estrutura: zinc blende e wurtzita; simetria: decorrente da mudança de estrutura e do centro escolhido; e tamanho: diâmetros variando de 0,9 a 1,8 nm, acreditamos que amostramos a maioria das configurações estruturais possı́veis para esses nanocristais. Em geral, os ângulos de ligação mudam e reconstruções ocorrem de modo a minimizar a energia do sistema após a remoção da passivação. Um exemplo das mudanças de ângulos é mostrado na figura 3.8. No caso do nanocristal dessa figura, podemos observar que os ângulos cujos vértices estão localizados nos átomos de oxigênio são reduzidos. O oposto ocorre com os átomos de Zn que antes eram passivados: após a estrutura ser relaxada sem passivação, os ângulos O-Zn-O aumentam. Um cenário geral acerca das mudança de ângulos para os nanocristais é apresentado na figura 3.9. Essa figura apresenta a distribuição dos ângulos entre ligações Zn-O para nanocristais em função da distância ao centro da nanoestrutura. Assim como para o gráfico das distâncias de ligação em função da distância ao centro, as maiores mudanças nos ângulos de ligação para os nanocristais não passivados ocorrem na superfı́cie da nanopartı́cula. Entretanto, não é possı́vel identificar uma tendência que se aplique a todos 66 Nanocristais de ZnO 107,4◦ 108,6◦ 107,4◦ 109,7◦ 109,7◦ 108,8◦ 113,4◦ 141,5◦ 115,8◦ 108,8◦ - 141,5◦ 102,1◦ 113,8◦ 102,1◦ 113,8◦ 97,4◦ Figura 3.8: Ilustração da mudança nos ângulos de ligação dos átomos da superfı́cie após a remoção da passivação de um nanocristal de ZnO com 35 átomos. os nanocristais no que se refere a qual espécie atômica que apresentará maior aumento ou diminuição do ângulo, quando esta for o vértice do ângulo entre as ligações. Mesmo as maiores variações ocorrendo para os NC não passivados, notamos que para os nanocristais passivados também há uma dispersão significativa dos ângulos entre as ligações próximas e/ou na superfı́cie. Na figura 3.9 (a), correspondendo ao nanocristal wurtzita de diâmetro 11 Å, os pontos superiores estão relacionadas aos ângulos formados pelas ligações entre os planos superior e inferior, como indicado na figura 3.10. Os valores para esses ângulos são grandes e podem chegar a valores próximos a 180º. 3.2 Nanocristais não Passivados ↓ Wurtzita 180 67 Zinc Blende ↓ (a) d∼ 11 Å (b) d∼ 11 Å (c) d∼ 14 Å (d) d∼ 14 Å (e) d∼ 19 Å (f) d∼ 16 Å 150 Ângulos entre ligações (◦ ) 120 90 180 150 120 90 180 150 120 90 0 2 4 2 4 8 0 6 6 Distância ao centro do NC (Å) 8 10 Figura 3.9: Distribuição dos ângulos entre ligações Zn-O para nanocristais com (a) 39, (b) 35, (c) 92, (d) 87, (e) 265 e (f) 147 átomos de ZnO. Os cı́rculos pretos (vermelhos) com a parte central cinza representam os ângulos com vértice nos átomos de Zn (O) para os nanocristais passivados. Os cı́rculos completamente pretos (vermelhos) representam os valores para os nanocristais não passivados. Todos os nanocristais acima são centrados no átomo de Zn. Analisando as reconstruções que ocorrem na superfı́cie (ou motifs) dos nanocristais ao se remover a passivação, observamos que as mais comuns e recorrentes foram: (i) faces planares, (ii) dı́meros na superfı́cie, (iii) anéis em forma de coração (ou ligações quebradas) e (iv) átomos adsorvidos 3 As faces planares observadas nos nanocristais são também reportadas em 3 Esse motif remete aos estágios iniciais de nucleação do crescimento sobre uma superfı́cie. 177 ,7 ◦ Nanocristais de ZnO 175 ,7 ◦ 68 Figura 3.10: Nanocristal wurtzita de diâmetro 11Å, com 39 átomos de ZnO. Após a relaxação desse nanocristal não passivado, a mesma apresenta uma estrutura grafitizada. Os ângulos formados pelas ligações entre os planos podem chegar a valores próximos de 180◦, como indicado. outros trabalhos [86, 87]. Essa estrutura ocorre em ambas as fases wz e zb. Na figura 3.11 temos um exemplo de nanocristal que apresenta esse motif. Para nanocristais grandes o comprimento da ligação Zn-O na superfı́cie varia de 1,784 a 2,012 Å, e para nanocristais pequenos esse comprimento da ligação varia de 1,827 a 1,992 Å. Os menores e maiores valores para esses comprimentos de ligação ocorrem quando os anéis hexagonais das faces expostas são mais deformados, o que geralmente acontece nas bordas das faces planares. Não observamos uma tendência que correlaciona a dependência do tamanho com o quão planar a superfı́cie do nanocristal será. Porém, quando o nanocristal é muito pequeno, quase todos os átomos que o constituem estarão na superfı́cie, e o efeito estrutural da face planar é mais radical na nanopartı́cula. Os dı́meros na superfı́cie ocorrem nas extremidades dos nossos nanocristais, como mostrado na figura 3.12. Esses dı́meros são compostos do mesmo elemento, ou seja, dı́meros de oxigênio ou dı́meros de zinco. Eles estão presentes tanto na estrutura wz quanto na zb. Para os dı́meros de Zn, observamos para o nanocristal grande um comprimento de ligação médio de 2,302 Å, enquanto que para um nanocristal médio o comprimento de ligação médio 3.2 Nanocristais não Passivados 69 - @ I @ Face Planar Face Planar Figura 3.11: Ilustração de faces planares que ocorrem em alguns nanocristais após a remoção da passivação. Nesta figura, o nanocristal de ZnO tem 147 átomos. de 2,352 Å. Nos nanocristais pequenos estudados, esses dı́meros não foram observados. Dı́meros de Zn @ R @ - Dı́meros @ I @ de Zn Figura 3.12: Ilustração de dı́meros de Zn que ocorrem em alguns nanocristais após a remoção da passivação. Nesta figura, o nanocristal de ZnO tem 147 átomos. Também observamos a formação de anéis de 10 átomos, os quais aparecem devido à quebra de ligações de Zn-O internas. Dependendo da perspectiva de visualização, esses motifs são em forma de coração, como pode ser visto na figura 3.13. Esse motif é visto principalmente nos nanocristais zb. É interessante perceber que alguns átomos nesse anel têm somente dois primeiros vizinhos. Nós tentamos rearranjar as posições desses átomos de modo que o 70 Nanocristais de ZnO átomo de O que pertence ao anel, e que tem apenas dois primeiros vizinhos, fizesse quatro ligações, num arranjo tetragonal similar ao padrão das ligações do ZnO. Após a estrutura ser otimizada através da minimização da energia total do sistema, o átomo voltou à posição bi-coordenada. Quebra de ligações ) - Figura 3.13: Ilustração de quebra de ligações sofrida por um nanocristal com 87 átomos de ZnO. Para o nanocristal da figura, essa quebra resulta num motif em forma de coração. Para alguns nanocristais, quando existe uma superfı́cie grande, também observamos motifs do tipo átomo adsorvido compostos por quatro ou mais átomos, como no NC da figura 3.14. Essas estruturas provavelmente são a “semente” de novos planos de crescimento da superfı́cie do nanocristal. Átomo adsorvido - Figura 3.14: Ilustração de motif do tipo átomo adsorvido. O nanocristal da figura tem 87 átomos de ZnO. 3.2 Nanocristais não Passivados 71 Essas alterações estruturais também podem ser observadas na distribuição dos comprimentos de ligação Zn-O das nanoestruturas analisadas, conforme mostrados na figura 3.15. Nesse gráfico, assim como na figura 3.7, temos a distribuição das distâncias de ligação ZnO em função da distância do ponto médio dessa ligação ao centro do NC. Os cı́rculos vermelhos representam os resultados para os nanocristais não passivados e os cı́rculos acinzentados representam os dados para os nanocristais passivados. Podemos observar que quando a passivação é removida, temos uma dispersão muito maior nas distâncias de ligação. Essa dispersão é ainda mais significativa quanto mais próxima à superfı́cie encontra-se a ligação. Novamente, devido a maior simetria dos nanocristais zinc blende, os pontos no gráfico estarão degenerados e, por isso, vemos uma quantidade maior deles no gráfico para as estruturas wurtzita de tamanho similar. Na tabela 3.2 estão os valores médio dos comprimentos para os nanocristais não passivados. ¯ para vários nanoTabela 3.2: Valor médio dos comprimentos de ligação (d) cristais. Wurtzita ¯ 1,9460 Å 39 átomos → d= ¯ 1,9421 Å 92 átomos → d= ¯ 1,9427 Å 265 átomos → d= 3.2.1 Zinc Blende ¯ 1,9152 Å 35 átomos → d= ¯ 1,8847 Å 87 átomos → d= ¯ 1,9460 Å 147 átomos → d= Magnetização de Superfı́cie de Nanocristais não Dopados Além dos efeitos de rearranjos estruturais dos nanocristais, também ocorrem mudanças profundas na estrutura eletrônica desses nanocristais. A exis- 72 Nanocristais de ZnO ↓ Wurtzita 2,2 2,1 (a) d∼ 11 Å Zinc Blende ↓ (b) d∼ 11 Å 2 Comprimento de ligação (Å) 1,9 1,8 1,7 2,1 (c) d∼ 14 Å (d) d∼ 14 Å 2 1,9 1,8 1,7 2,1 (e) d∼ 19 Å (f) d∼ 16 Å 2 1,9 1,8 1,7 0 2 2 4 4 6 6 8 0 8 Distância da ligação ao centro do NC (Å) Figura 3.15: Distribuição dos comprimentos de ligação Zn-O para nanocristais com (a) 39, (b) 35, (c) 92, (d) 87, (e) 265 e (f) 147 átomos de ZnO. Os cı́rculos/linhas vermelhos representam os valores para os nanocristais não passivados e os cı́rculos/linhas acinzentados representam os valores já apresentados na figura 3.7 para os nanocristais passivados. As linhas pontilhadas indicam o valor médio dos comprimentos de ligação para cada nanocristal não passivado. tência dessa superfı́cie reconstruı́da conduz a formação de nı́veis de defeitos (ou nı́veis de superfı́cie) no gap de energia do nanocristal. A densidade desses nı́veis de defeito irá depender do tamanho do nanocristal e da estrutura de sua superfı́cie. Embora nenhuma magnetização seja observada nos nanocristais passivados, alguns dos nanocristais não passivados mostram uma magnetização espontânea sem a adição de impurezas magnéticas. Essa magnetização pode 3.2 Nanocristais não Passivados 73 ser originada de uma grande variedade de reconstruções e motifs, tais como dı́meros de zinco, ligações quebradas e átomos de zinco e oxigênio com ligações pendentes. Independente do tipo de reconstrução, a magnetização é sempre localizada na superfı́cie do nanocristal. Isso pode ser observado na figura 3.16, que apresenta a distribuição radial da densidade de spin, a qual consiste da diferença entre a densidade de spins para cima e spins para baixo. Na inserção temos uma representação gráfica da densidade de spin, ou densidade de carga de spin, para os nanocristais de cada caso. Podemos observar que a magnetização é localizada na superfı́cie. A função distribuição radial da densidade de spin permite uma comparação quantitativa entre a densidade de spin no centro e na superfı́cie do nanocristal. Para as nanopartı́culas dessa figura, observamos que a magnetização está mais concentrada a uma distância ao centro de 4 Å, para o NC com 35 átomos; 6 Å, para o NC com 87 átomos; e 7 Å, para o NC com 147 átomos. Além da observação qualitativa da localização da magnetização em uma determinada espécie, podemos identificar qual a espécie atômica tem maior concentração da densidade de spin. Na figura 3.17, observa-se que para o nanocristal médio, com 87 átomos de ZnO, a maior contribuição para a densidade de spin vem dos átomos de oxigênio da superfı́cie. Na figura 3.18 mostramos a densidade de estados projetada de nanocristais caracterı́sticos, mostrando a presença de estados no gap de energia. Esses estados são relacionados a reconstruções da superfı́cie presente nos nanocristais de ZnO não passivados. Observamos que, em alguns casos, os nı́veis inseridos no gap de energia apresentam polarização de spin. Conseqüentemente, 74 Nanocristais de ZnO 4 (a) r∼ 4 Å 3 J J J ^ 2 1 ρ↑ − ρ↓ (u. a.) 0 (b) r∼ 6 Å - 3 2 1 0 (c) 3 r∼ 7 Å PP PP PP PP q 2 1 0 0 2 4 6 8 10 Distância ao centro do NC (Å) Figura 3.16: Função distribuição radial da densidade de spin para nanocristais com (a) 35, (b) 87 e (c) 147 átomos de ZnO. No canto direito superior estão especificados os respectivos raios de cada nanoestrutura. Essa a diferença entre ρ↑ − ρ↓ , mostra que a magnetização se concentra na superfı́cie do nanocristal. eles podem conduzir a uma magnetização macroscópica nessas nanoestruturas mesmo sem a inserção de impurezas magnéticas. Também é interessante comparar a DOS projetada de nanocristais CA similares, mas com as espécies atômicas invertidas, isto é, um nanocristal será centrado no átomo de Zn enquanto o outro será centrado no átomo de O. Isso fará com que superfı́cies terminadas em átomos Zn passem a ser ter- 3.2 Nanocristais não Passivados 75 4 ρ↑ − ρ↓ (u. a.) (a) r∼ 6 Å 3 2 1 Número de átomos 0 (b) Zn O 15 10 5 0 0 2 4 6 8 r (Å) Figura 3.17: (a) Função distribuição radial da densidade de spin e (b) histograma de número de átomos de cada espécie em função da distância ao centro do nanocristal com 87 átomos de ZnO. minadas em átomos de O para o nanocristal em questão, e vice-versa. O nanocristal rico em átomos de oxigênio na superfı́cie não sofre tantas mudanças/reconstruções em sua estrutura comparado ao NC com mais átomos de zinco na superfı́cie. Nós também observamos que o comportamento eletrônico e magnético é muito diferente. Na figura 3.19(a) e 3.19(b) podemos comparar a DOS desses dois tipos de nanocristais. Embora ambos possuam um grande número de ligações não satisfeitas, para o nanocristal aqui analisado, centrado no Zn, e nesse caso rico em Zn na sua superfı́cie, observamos que a magnetização têm contribuição dos nı́veis s. Para o nanocristal centrado no O, nesse caso rico em O, observamos uma magnetização principalmente 76 Nanocristais de ZnO (a) 6 DOS total DOS s DOS p DOS d ? DOS (u. a.) (b) 6 ? (c) 6 ? -6 -4 -2 0 2 4 E-ǫf (eV) Figura 3.18: Densidade de estados projetada (nı́veis s, p e d ) para nanocristais de ZnO com (a) 35 átomos, (b) 87 átomos e (c) 147 átomos. A energia de Fermi (linha pontilhada) é o nı́vel de referência. devida aos nı́veis p. No nanocristal rico em O, a quantidade de nı́veis próximos ao nı́vel de Fermi é maior que no caso do nanocristal centrado no Zn. Além disso, o momento magnético do NC centrado no oxigênio é três vezes maior que o do centrado no zinco. O comportamento diferente entre esses nanocristais, que são basicamente a mesma estrutura, mas com concentração atômica diferente, resulta em propriedades diferentes, indicando que cada superfı́cie de nanocristal terá uma “assinatura” diferente e conduzirá a um 3.2 Nanocristais não Passivados 77 comportamento magnético diferente. (a) NC rico em Zn na superfı́cie: 6 DOS (u. a.) ? (b) 6 DOS total DOS s DOS p DOS d -6 NC rico em O na superfı́cie: -4 -2 0 E-ǫf (eV) 2 ? 4 Figura 3.19: Densidade de estados projetada para nanocristais de ZnO com (a) 35 átomos (centrado no Zn - rico em Zn) e (b) 35 átomos (centrado no O rico em O). A energia de Fermi é o nı́vel de referência. Embora observemos que muitos motifs apresentem magnetização, a magnetização devido a superfı́cie não foi observada em todos os nanocristais, conforme dados na Tabela 3.3. É interessante destacar que algum grau de ordem no interior do nanocristal é necessária para a magnetização ser observada: para os nanocristais cuja estrutura foi drasticamente reorganizada, quase parecendo uma estrutura amorfa, a magnetização não foi observada. A caracterı́stica mais interessante dessa manifestação de magnetização é que ela ocorre sem a presença de impurezas magnéticas, pois é estritamente relacionada à reconstrução da superfı́cie que os nanocristais de ZnO apresentam [31]. 78 Nanocristais de ZnO Tabela 3.3: Magnetização total de superfı́cie para alguns nanocristais, com diferentes tamanhos (relacionados com o número de átomos) e estruturas. Número de átomos Estrutura 35 zb/CA 87 zb/CA 147 zb/CA 38 zb/CL 86 zb/CL 238 zb/CL 39 wz /CA 92 wz /CA 34 wz /CL 88 wz /CL 246 wz /CL Magnetização total 2 µB 4 µB 2 µB 0 2 µB 0 0 2 µB 2 µB 0 0 A origem desse tipo de magnetização presente em nanoestruturas de ZnO e outros óxidos não dopados ainda é uma questão aberta na literatura. Como enfatizado no inı́cio desse capı́tulo, muitos estudos experimentais e teóricos têm sido desenvolvidos com o intuito de explicar essa magnetização em nanoestruturas óxidas não dopadas. Porém, nenhum estudo até o momento é conclusivo, sendo a maioria deles até mesmo controversos. Em nosso estudo sobre os nanocristais de ZnO, não foi possı́vel isolar apenas um defeito responsável por esse fenômeno e propomos que defeitos estendidos (o que nesse caso significa a superfı́cie) são os responsáveis pela inserção de estados delocalizados e com polarização de spin no gap de energia, resultando numa magnetização macroscópica das amostras. Nossos dois modelos para nanocristais - totalmente passivados e totalmente não passivados - correspondem a dois extremos e as nanoestruturas obtidas experimentalmente estão no intermédio desses limites. Os nanocristais 3.3 Micro e Nanofios de ZnO - Estudo teórico e experimental 79 sintetizados pelo método de sol-gel, por exemplo, terão moléculas orgânicas ligadas a sua superfı́cie [71], porém elas não são capazes de passivar todas as ligações que ficam pendentes na estrutura. Visto que para passivações por diferentes moléculas, a resposta magnética dessas nanoestruturas também sofre alterações, pode-se constatar que a magnetização da nanopartı́cula está diretamente ligada à superfı́cie. Isso reforça nosso modelo de defeitos estendidos como origem desse fenômeno. Como extrapolação desse modelo, propomos que os contornos de grão também irão desempenhar o papel de defeito extenso, inserindo estados delocalizados e levando à magnetização do sistema. Assim, serão eles os responsáveis pelos nı́veis spin polarizados inseridos no gap de energia. Uma forma de validar e aplicar o modelo aqui proposto foi a realização de um estudo experimental e teórico das propriedades estruturais e magnéticas de nanofios de ZnO. 3.3 Micro e Nanofios de ZnO - Estudo teórico e experimental Em 2009, tivemos a oportunidade de desenvolver um trabalho de colaboração com um grupo experimental da Universidade de Clemson, Carolina do Norte, EUA. Esse grupo sintetizou nanofios de óxido de zinco através de deposição quı́mica de vapor (CVD4 ) e vaporização por laser pulsado (PLV5 ), 4 5 Do inglês Chemical Vapor Deposition. Do inglês Pulsed Laser Vaporization. 80 Nanocristais de ZnO bem como realizou tratamento térmico das amostras em vapores de Ar e O2 . Em contrapartida, nosso grupo realizou cálculos ab initio que sugerem que defeitos extensos são os responsáveis pelo ferromagnetismo observado nas amostras [33]. A figura 3.20 (a e b) mostra imagens de microscopia eletrônica de nanofios ZnO preparadas pelos métodos CVD e PLV. Predominantemente, uma alta cristalinidade é obtida no processo PLV. As amostras crescidas por CVD são relativamente mais defeituosas que os nanofios crescidos por PLV. As nanoestruturas variam em diâmetro de 50 a 100 nm ao longo do comprimento e têm ∼1 - 2 µm de comprimento (figura 3.20a). (a) (b) Figura 3.20: (a) Imagens de microscopia eletrônica de varredura (SEM) de microestruturas como preparadas. (b) Imagens de SEM de nanoestruturas de ZnO num substrato de Si (100). As figuras da inserção representam a análise dos elementos mostrando que não há fases de impurezas nas amostras. Os estudos de magnetização foram desenvolvidos nas amostras como preparadas (‘AP’, sem tratamento térmico) e também após o tratamento térmico das mesmas (annealing). Assim, os principais resultados correspondem às seguintes amostras: - como preparadas por CVD e por PLV(AP-CVD, AP-PLV) - como preparadas por método CVD com annealing em: 3.3 Micro e Nanofios de ZnO - Estudo teórico e experimental 81 - uma atmosfera de O2 a 100◦C por 5,5h (O2 -100-5,5h); - um fluxo de Ar a 400◦ C por 5 min (Ar-400-5m); Na figura 3.21, uma evidência clara de ferromagnetismo (FM) é observada nas amostras AP-CVD. Esse FM satura a baixos campos magnéticos (∼1 T) e é embebido em uma resposta de background diamagnética. Magnetização (emu/g) 0,6 300 K 0,3 0,0 -0,3 ZnO como preparado Annealing em O2 a 100◦ C -0,6 -6 Annealing em Ar a 400◦ C -4 -2 0 2 4 Campo Magnético (T) 6 Figura 3.21: Curvas de M-H para nanoestruturas de ZnO preparadas por CVD. As amostras como crescidas apresentam uma resposta FM fraca, mas clara (inserção no topo), embebida numa resposta diamagnética dominante. A inserção inferior mostra o aumento do ordenamento FM de no mı́nimo uma ordem de magnitude quando exposto a um annealing em O2 a 100◦ C. Observa-se que no annealing em O2 a 100◦ C (O2 -100-5,5h), a assinatura FM é bem aumentada, como visto na figura 3.21. Nota-se que a forma da transição da resposta FM para diamagnética implica que a magnetização medida não se deve simplesmente a superposição de um ordenamento ferromagnético e uma resposta diamagnética. Esse ordenamento ferromagnético é observado principalmente quando a amostra sofre um annealing em O2 e ausente nas amostras AP-CVD em annealing em Ar a 400◦C por um pequeno 82 Nanocristais de ZnO perı́odo de tempo (AR-400-5m). Presume-se que um annealing em Ar conduz à fusão de grãos que consequentemente reduz a área de superfı́cie/interface. A fim de contribuir com uma abordagem teórica para esses nanofios e corroborar nosso modelo para a magnetização em nanoestruturas puras de ZnO, nosso grupo realizou cálculos ab initio para esse sistema. Assim como para os nanocristais, a investigação teórica dos nanofios de ZnO foi feita usando a Teoria do Funcional da Densidade, com a aproximação LDA para o termo de troca e correlação da energia. Esses cálculos foram desenvolvidos com uma metodologia semelhante a utilizada nos nanocristais, empregando o método de ondas projetadas e aumentadas (PAW). O vácuo definido entre os nanofios foi de 8 Å e as estruturas foram relaxadas até que as forças em cada coordenada cartesiana fossem menores que 25 meV/Å. Essas nanofios também foram estudados nas estruturas wurtzita (wz ) e zinc blende (zb). Os nanofios foram gerados fazendo um corte aproximadamente cilı́ndrico no bulk de ZnO para um determinado raio. Os fios foram definidos pelos ı́ndices de Miller perpendiculares a direção do fio. Para os nanofios zb, analisamos as direções [111], [100] e [110]. Para os nanofios wz, analisamos as direções [0001], [1210] e [1120]. Todas as estruturas geradas são estequiométricas e foram otimizadas de forma que os átomos ocupassem as posições de menor energia. Todos os cálculos foram feitos utilizando polarização de spin e observamos que algumas das estruturas não passivadas convergidas apresentam magnetização. A tabela 3.4 mostra os principais resultados de nossos cálculos. Como pode ser observado, alguns dos nanofios com estrutura wz apresentam uma 3.3 Micro e Nanofios de ZnO - Estudo teórico e experimental 83 magnetização espontânea. Para o nanofio na direção [0001], que é muito similar ao da estrutura zb na direção [111], a magnetização não foi observada. Testamos nanofios com diferentes diâmetros até 20 Å e nenhuma magnetização foi observada para estruturas crescidas nessa direção. Para todos esses nanofios, as superfı́cies expostas são similares, exibindo dı́meros de ZnO ao longo da direção do fio na superfı́cie. Os nanofios caracterizados como ‘rico em O’ e ‘rico em Zn’ correspondem à nanofios submetidos à remoção de átomos de Zn e O da superfı́cie, respectivamente. Isso foi feito visando reproduzir diferentes tendências experimentais, como situações em que ocorre o annealing em atmosfera de oxigênio (nanofio rico em O) ou zinco (nanofio rico em Zn). Tabela 3.4: Valores de diâmetro e magnetização/átomo para nanofios em diferentes direções, estruturas e estequiometrias. Estrutura Direção [0001] Wurtzita Zinc Blende [112̄0] [12̄10] [110] [111] Diâmetro (Å) 6,0 12,0 20,0 13,0 13,0 13,0 13,0 11,0 8,0 Mag/átomo (µB ) 0,000 0,000 0,000 0,036 0,182 2,000 0,059 0,000 0,000 Estequiométrico sim sim sim sim sim rico em O rico em Zn sim sim A magnetização espontânea foi observada para nanofios crescidos na direções [1120] e [1210]. Na figura 3.22, temos a visão transversal da estrutura do nanofio na direção [1210]. Esse nanofio está na mesma direção de crescimento do nanofio crescido experimentalmente. Observa-se que essa estrutura também possui dı́meros de ZnO, mas eles estão perpendiculares à direção do fio, e um lado (i.e., esquerdo) do nanofio possui uma estrutura diferente do outro (i.e., direito). A figura 3.23 mostra a estrutura de bandas decomposta para o nanofio 84 Nanocristais de ZnO O Zn - ⊙[1210] 13 Å Figura 3.22: Visão da seção transversal de um fio crescido na direção [1210], após a relaxação da geometria. crescido na direção [1210]. Comparando as estruturas de banda up (esquerda) e down (direita), observamos que a magnetização vêm de duas bandas: uma representada por cı́rculos pretos e a outra por losangos azuis. A banda preta é mais achatada que a banda azul, mostrando que os estados associados com a banda de pontos pretos é mais localizada que a com pontos azuis. A banda localizada (preta) está relacionada com os orbitais px que apontam na direção perpendicular ao nanofio, enquanto que a banda delocalizada (azul) está relacionada aos orbitais pz ao longo da direção do fio. A interação entre essas contribuições do nanofio o torna magnético. A magnetização por átomo resultante, como mostrado na tabela 3.4 é de 0,182µB . Energia (eV) 1,5 6 ? 1,0 0,5 0,0 -0,5 Γ Z Γ Z Figura 3.23: Estrutura de bandas para o nanofio crescido na direção [1210]. 3.3 Micro e Nanofios de ZnO - Estudo teórico e experimental 85 Na figura 3.24 mostramos a densidade de spin, que é a densidade de spin up menos a densidade de spin down, para um nanofio ao longo da direção [1210]. Um forte momento magnético localizado é observado próximo à superfı́cie dos nanofios (ordenamento ferromagnético), enquanto o interior dos fios não mostram uma contribuição similar (resposta diamagnética). Observase também que a magnetização está localizada principalmente no lado esquerdo do nanofio, nos átomos de oxigênio, que em sua maioria não são tetra-coordenados como no centro do nanofio. Dessa forma, a magnetização de rede vem de duas possı́veis contribuições: uma devida aos orbitais p localizados do oxigênio e outra devida a orbitais p delocalizados. Em nosso modelo, os orbitais localizados (px ) são preferencialmente alinhados perpendiculares à direção do fio, enquanto os orbitais delocalizados (pz ) apontam numa direção paralela à direção do fio. Isso sugere que orbitais locais contribuem para um momento magnético local que pode interagir com outros através de orbitais delocalizados, resultando numa magnetização macroscópica na rede. O Zn ⊙[1210] - 13 Å Figura 3.24: Densidade de spin para o nanofio crescido na direção [1210]. A origem dessa magnetização nos orbitais p é reforçada pela presença de nı́veis p de oxigênio desemparelhados na energia de Fermi na densidade de estados projetadas (PDOS) (figura 3.25). Essa PDOS mostra a densidade de estados projetada para o nanofio crescido na direção [1210]. A DOS é muito 86 Nanocristais de ZnO assimétrica próximo à energia de Fermi. Também é possı́vel observar nessa figura que a magnetização nesse caso se deve principalmente aos orbitais p do oxigênio. 6 Op PDOS (u. a.) Znd ? -3 -2 -1 0 1 Energia (eV) 2 3 Figura 3.25: Densidade de estados calculada e projetada para nanofios de ZnO. A parte superior corresponde ao canal de spin up e a inferior para o spin down. A linha pontilhada representa a energia de Fermi. A figura 3.26 mostra esquematicamente o que ocorre na densidade de estados calculada e representada na figura 3.25. A parte em verde claro representa a densidade de estados da banda de valência, e a parte verde escuro é a banda de condução. Os nı́veis em vermelho/branco representam os nı́veis de superfı́cie inseridos no gap de energia. Como pode ser visto, esses nı́veis de superfı́cie são polarizados, levando à magnetização macroscópica do sistema. Este modelo, bem como os resultados experimentais reportados anteriormente, estão em completo acordo com o que foi proposto por nós para explicar a magnetização das nanopartı́culas de ZnO. Propusemos que a magnetização era oriunda de estados delocalizados, situados ao longo da superfı́cie dessas 3.3 Micro e Nanofios de ZnO - Estudo teórico e experimental 87 nanoestruturas. No caso de nanofios, onde há periodicidade ao longo da direção de crescimento do fio, existem bandas delocalizadas que dão origem a essa magnetização macroscópica. DOS 6 Energia εf ? Figura 3.26: Visão esquemática da densidade de estados. As bandas em verde claro e verde escuro são as bandas de valência e de condução, respectivamente. As bandas vermelhas representam estados de superfı́cie delocalizados e a linha pontilhada representa a energia de Fermi. Além do nosso modelo, ainda há outros vigentes na literatura para explicar essa magnetização espontânea em nanoestruturas não dopadas. Esses modelos estão principalmente vinculados à existência de defeitos pontuais. Mais trabalhos teóricos e experimentais serão necessários para elucidar melhor a existência desse fenômeno. Capı́tulo 4 Dopagem de Nanoestruturas O óxido de zinco dopado com metais de transição tem sido muito estudado na literatura, principalmente por esse material possuir um gap de energia largo e propriedades optoeletrônicas diferenciadas [88]. O ZnO pode ser dopado por vários metais de transição, formando os chamados Semicondutores Magnéticos Diluı́dos abordados no capı́tulo da introdução. O principal objetivo desse tipo de incorporação de impurezas é desenvolver um material que apresente, ao mesmo tempo, propriedades de um material magnético, bem como de um semicondutor [89, 63]. Espera-se que esses materiais sejam utilizados em novas tecnologias, como em dispositivos para spintrônica, onde o spin do elétron possa também ser usado como um grau de liberdade. Embora o número de artigos sobre esse material seja grande, ainda não há um consenso sobre o “estado fundamental magnético” do mesmo. Para o caso do Co em ZnO, por exemplo, é possı́vel encontrar trabalhos reportando que o material é ferromagnético [90, 91], enquanto outros artigos reportam 89 que o material é paramagnético[92, 93]. Em casos controversos como esses, estudos teóricos desses materiais podem ser úteis para entender a natureza das interações magnéticas entre os átomos de metais de transição inseridos no semicondutor. Diversos estudos teóricos sobre esse material foram feitos. Entretanto, esses estudos teóricos também não concordam entre si. O problema, nesse caso, é a metodologia teórica usada para desenvolver esses estudos, ou seja, a Teoria do Funcional da Densidade (DFT). As aproximações utilizadas nesse tipo de metodologia geralmente falham na correta descrição do gap de energia dos semicondutores [94]. Os valores calculados são geralmente menores que os encontrados experimentalmente. Isso não costuma ser um problema para maioria dos materiais e defeitos. Porém, para alguns casos especı́ficos, como para o Co em ZnO, isso é um ponto importante, pois utilizando a metodologia padrão (DFT+LDA), os nı́veis de impureza ocupados do Co são inseridos na banda de condução, como representado na figura 4.1. Nessa figura, é feita uma comparação entre resultados experimentais (lado esquerdo) e resultados teóricos usando DFT (lado direito). Medidas de absorção indicam que os nı́veis ed minoritários (spin down) do Co estão aproximadamente 1,5 eV acima do máximo da banda de valência [95]. Nos cálculos DFT, essa separação é reduzida para 0,8 eV, estando esses nı́veis localizados dentro da banda de condução, cujo mı́nimo calculado utilizando essa metodologia é subestimado. Há uma ocupação parcial tanto dos nı́veis do mı́nimo da banda de condução do ZnO quanto dos estados ed do Co, resultando numa estrutura eletrônica metálica incorreta [96]. 90 Dopagem de Nanoestruturas ←Banda de Condução 6 6 1, 9 eV Eg = 3, 4 eV Co t2 ↓ ? 6 1, 5 eV ? ? Co e ↓ ց 6 1, 2 eV ? Co t2 ↓ 6 0, 8 eV ? Co e ↓ ←Banda de Valência→ Experimental DFT+LDA Figura 4.1: Diagrama comparativo entre o resultado experimental (lado esquerdo) e teórico (lado direito) para a localização dos nı́veis d do Co em relação às bandas de condução e valência do ZnO [96]. Por isso, muitas metodologias alternativas têm sido usadas para corrigir e/ou contornar esse problema de subestimação do gap de energia, bem como da localização desses nı́veis do Co, dentre as quais merecem destaque: (i ) a correção de auto-interação [97]; (ii ) a DFT+Ud [98]; (iii ) os funcionais hı́bridos [99]; (iv ) a DFT+Ud/s [96]. Cada uma dessas metodologias dá um resultado diferente para o cálculo analisado e, consequentemente, é difı́cil escolher a melhor delas. Além de apresentarem resultados diferentes, esses métodos passam a utilizar vários parâmetros a fim de obter o melhor ajuste aos valores esperados, distanciandose dos cálculos de primeiros princı́pios. Como essa questão permanece um tópico aberto na literatura, nós desenvolvemos um estudo teórico de nanocristais de ZnO dopados com Co. A 91 principal diferença dessa aproximação para o estudo do cristal infinito de ZnO é que aqui nós também consideramos o confinamento quântico e os efeitos de superfı́cie dos nanocristais [32]. Esse tipo de estudo nos permite analisar esses dois efeitos separadamente, o que nos leva a confirmar alguns dos resultados anteriores, e também acrescentar novos discernimentos sobre esse assunto. O efeito de confinamento quântico é usado em favor de nossas simulações, visto que ele aumenta o gap de energia do material, evitando o problema da ocupação incorreta dos nı́veis de impureza. Após isso, nós também analisamos os efeitos de superfı́cie, os quais podem influenciar no estado fundamental magnético desse material visto que esse defeito extenso também insere nı́veis de impureza no gap de energia. Assim como os nanocristais puros, as nanopartı́culas dopadas com metais de transição foram estudadas usando a DFT [34] com a aproximação LDA para o termo de troca e correlação. Os cálculos foram realizados com o VASP, empregando o método PAW e usando ondas planas. O vácuo entre as nanopartı́culas e suas imagens foram de aproximadamente 6 Å e as simulações foram feitas permitindo que as estruturas relaxassem até que a força total em cada coordenada cartesiana fosse menor que 25 meV/Å. Os nanocristais dopados consistem da estrutura convergida do NC puro, substituindo-se o átomo de Zn por um átomo de Co, visto que estudos preliminares mostram a preferência de substituição do Zn ao sı́tio de oxigênio [100]. Isso ocorre porque o Co tem a mesma valência do Zn, excetuando-se os nı́veis d. 92 Dopagem de Nanoestruturas 4.1 4.1.1 Cobalto em óxido de zinco Nanocristais passivados Primeiramente, nós examinamos os nanocristais de ZnO passivados dopados com apenas um átomo de Co. Dessa forma, podemos analisar primeiramente os efeitos de confinamento quântico para essas nanoestruturas. A configuração eletrônica dos nanocristais dopados podem ser observadas na figura 4.2. Três diferentes tamanhos de nanocristais são mostrados em (a), (b) e (c). O primeiro conjunto de nı́veis no lado esquerdo da figura representa os nı́veis do NC puro, não dopado. O segundo e terceiro representam os canais de spin majoritário e minoritário, respectivamente, para o NC dopado. O alinhamento dos nı́veis é feito através do nı́vel de menor energia do NC puro. O NC’s puros têm (a) 35, (b) 87 e (c)147 átomos de Zn e O. Para os dopados, há um dos átomos de Zn (nesse caso o central) substituı́do por um átomo de Co. Os nı́veis inseridos no gap de energia do nanocristal de ZnO vêm dos estados 3d do Co (linhas verdes). As setas indicam a ocupação desses nı́veis enquanto as linhas vermelhas pontilhadas indicam o nı́vel de Fermi para cada caso. As estruturas zinc blende possuem um campo cristalino com simetria tetraédrica, como é o caso da figura 4.2. Nesse caso, os nı́veis de impureza Cod se dividem em um nı́vel bi-degenerado e e um nı́vel tri-degenerado t2 , sendo os nı́veis e os de menor energia e o t2 os de maior energia para ambos os canais de spin. Visto que os estados ocupados e estão abaixo do nı́vel de 4.1 Cobalto em óxido de zinco 4 93 (a) 2 0 ǫf 666 66 ?? -2 Energy (eV) 4 (b) 2 0 ǫf 666 66 ?? -2 4 (c) 2 0 ǫf 666 66 ?? -2 -4 Figura 4.2: Comparação dos nı́veis de energia para NC’s de ZnO puros e dopados. O primeiro conjunto de cada figura representa os nı́veis do NC puro e o segundo e terceiro, os canais de spin majoritário e minoritário, respectivamente, para o NC dopado. O NC’s puros têm (a) 35, (b) 87 e (c)147 átomos de Zn e O, e têm estrutura zinc blende. Para os dopados, um dos átomos de Zn (o mais próximo ao centro) é substituı́do por um átomo de Co. Fermi, os cálculos LDA nos dão o momento magnético de 3µB , como esperado para a nanoestrutura dopada, em que apenas um átomo de cobalto está contribuindo para a magnetização total do sistema. Já no caso das estruturas wurtzita, o campo cristalino divide o nı́vel tridegenerado t2 em um nı́vel bidegenerado e e um nı́vel não degenerado a1 . Dessa forma, os nı́veis do canal de spin majoritário permanecem ocupados, bem como o canal de spin minoritário permanece apenas com o nı́vel e de menor energia ocupado. Assim, os nanocristais wurtzita passivados também dão um momento magnético de 3µB para estruturas dopadas com apenas um átomo de Co. 94 Dopagem de Nanoestruturas Diferentemente do que ocorre para o bulk de ZnO, em nossos cálculos uti- lizando a aproximação LDA nós não temos o problema da ocupação incorreta, onde os nı́veis Cod do canal minoritário aparecem acima do mı́nimo da banda de condução. Para o nanocristal menor, na figura 4.2(a), ambos os nı́veis t2 e e estão dentro do gap de energia. Para os outros nanocristais da figura, os nı́veis e ocupados estão dentro do gap de energia, enquanto que os nı́veis t2 vazios estão acima do mı́nimo da banda de condução. Consequentemente, nossos cálculos não sofrem os problemas reportados anteriormente [101, 102]. Devido ao caráter localizado dos nı́veis d, também observamos que não há alteração significativa na posição relativa entre os nı́veis conforme o tamanho do nanocristal aumenta, como pode ser observado na figura 4.3. Dessa forma, podemos concluir que esses nı́veis não são tão afetados pelo efeito de confinamento quântico como os nı́veis com caráter p e s do HOMO e LUMO, respectivamente. Esse tipo de efeito já foi observado anteriormente para nı́veis localizados em nanoestruturas [103, 104]. A natureza substitucional para a dopagem com Co é observada experimentalmente por vários estudos experimentais e teóricos [1, 105, 106]. A fim de verificar a posição mais estável desse metal de transição dentro dos nanocristais de ZnO aqui estudados, variamos a distância ao centro da posição do átomo para uma determinada nanopartı́cula e analisamos o seu comportamento energético. Na figura 4.4 observamos que quanto mais próximo ao centro estiver o átomo de Co, mais estável será o sistema. Dessa forma, essa observação valida o nosso modelo em que a impureza é colocada de forma substitucional ao átomo de Zn central do nanocristal, ou ao Zn da ligação 4.1 Cobalto em óxido de zinco 95 ∆E1 6 ∆E3 ? ∆E2 Energia (eV) 1,5 1 ∆E3 ∆E2 ∆E1 0,5 0 5 6 7 r (Å) 8 Figura 4.3: Esquerda: Esquema indicando ∆E1 (Low field splitting); ∆E2 (High field splitting); e ∆E3 (diferença entre os nı́veis t2↑ e e↓ . Direita: valores de ∆E1 , ∆E2 e ∆E3 para nanocristais com 35 (r ∼ 5, 45Å), 87 (r ∼ 6, 65Å) e 147 (r ∼ 8, 29Å) átomos de ZnO. central da nanoestrutura. O último ponto do gráfico é desconsiderado, visto que o átomo de Co faz uma ligação com um átomo de H fictı́cio, não sendo assim possı́vel comparar esse valor com os demais para os quais o Co está ligado a 4 átomos de oxigênio. Além da dependência radial para a estabilidade da impureza, também estudamos a estabilidade relativa delas com relação ao tamanho e tipo de nanocristal. Resultados recentes indicam que quanto menor o nanocristal, maior seria a energia de formação da impureza devido a efeitos de confinamento quântico [107, 108]. Os resultados para impurezas de Co em ZnO são mostrados na figura 4.5, onde reportamos a energia de formação relativa em função do raio do NC. Os resultados para uma ampla gama de nanoestruturas demonstra que não há uma relação clara de estabilidade com o tamanho do nanocristal. Após entender as propriedades de um átomo de cobalto inserido num 96 Dopagem de Nanoestruturas 0,10 Energy (eV) 0,08 0,06 0,04 @ @ 0,02 0 1 0 4 3 2 5 6 d (Å) Figura 4.4: Energias relativas (Epuro − Edopado ) para diferentes posições do átomo de Co dentro do nanocristal. O eixo horizontal do gráfico representa a distância do Co ao centro do NC (d). A nanopartı́cula utilizada para essa análise possui 87 átomos de Zn e O. CA /w z 5/ /w z CL / 2 4 zb 6/ CL 14 /C A /z L/ b 23 8/ zb L/ 6 86 5,5 /C 5 87 38 /C A /z /C -4,0 b -3,9 zb 7/ 92 26 /C CA /z b A /w z wz L/ /C 88 34 39 -3,8 /C -3,7 A /w /C z L/ wz -3,6 35 E0(Co:ZnOH) - E0(ZnOH) (eV) -3,5 6,5 7 7,5 8 r (Å) 8,5 9 9,5 10 Figura 4.5: Diferenças de energia para NC’s dopados e puros, para várias estruturas passivadas. Os números que identificam os nanocristais indicam quantos átomos de ZnO há no NC puro. 4.1 Cobalto em óxido de zinco 97 nanocristal, podemos analisar a interação magnética entre duas impurezas dentro da nanopartı́cula. Para fazer isso, nós colocamos dois átomos de Co em sı́tios vizinhos na rede do Zn, e forçamos seus momentos magnéticos serem paralelos, o que corresponde a uma configuração ferromagnética (FM), ou antiparalelos, correspondendo a uma configuração antiferromagnética (AFM). Nossos cálculos mostraram que tanto para a estrutura wurtzita quanto a zinc blende, o acoplamento mais estável é o antiferromagnético. Para o NC wurtzita obtivemos ∆E0(AF M −F M ) = −0, 0549 eV e para o NC zinc blende, essa diferença é de ∆E0(AF M −F M ) = −0, 0461 eV. Esses nanocristais têm 163 e 174 átomos, respectivamente. A densidade de spin dos nanocristais caracterı́sticos dessa nanoestrutura são mostrados na figura 4.6. É possı́vel observar que a magnetização é localizada principalmente nos átomos de Co. Essa configuração magnética já era esperada, visto que não há cargas livres nesses sistemas. Na figura 4.7, nós observamos a densidade de estados para dois nanocristais dopados diferentes, um com estrutura zinc blende e outro com estrutura wurtzita, para ambas as configurações FM e AFM. A posição dos nı́veis d do Co, e o acoplamento entre eles é similar ao descrito pelo Modelo do Acoplamento de Bandas1, onde a configuração AFM é mais baixa em energia devido a supertroca, ou superexchange [109]. Os resultados apresentados nos levam a duas diferentes conclusões. Primeiro, nós observamos que os efeitos de confinamento quântico podem contornar os problemas do gap de energia do LDA, ou seja, da localização dos nı́veis ocupados do Co, e que nossos resultados podem, em princı́pio, ser compara1 Em inglês, Band Coupling Model. 98 Dopagem de Nanoestruturas AFM: FM: Wurtzita Co2 Zn39 O51 H82 AFM: FM: Zinc Blende Co2 Zn42 O43 H76 Figura 4.6: Densidade de spin para nanocristais dopados com dois átomos de Co. As figuras superiores têm a estrutura wurtzita e as inferiores zinc blende. As isosuperfı́cies em cores diferentes no mesmo NC (verde e azul) representam densidades de spins com sinais opostos (acoplamento AFM), enquanto as de mesma cor (verde) representam densidades de spin de mesmo sinal (acoplamento FM). dos com trabalhos experimentais. A segunda principal conclusão, entretanto, mostra que a interação magnética mais estável entre duas impurezas de metal de transição é antiferromagnética. Consequentemente, esses resultados não são suficientes para explicar resultados experimentais que relatam ferromagnetismo nesse tipo de material [1, 97, 110]. Na próxima seção, mostraremos que os efeitos de superfı́cie também devem ser levados em consideração para descrever corretamente esse tipo de material. 4.1 Cobalto em óxido de zinco 99 DOS (u. a.) (a) AFM (b) FM 6 6 ? ? (c) AFM -6 -4 -2 0 2 (d) FM 6 6 ? DOS total ? DOSCo2 d DOSCo1 d -6 -4 -2 0 2 4 E-ǫf (eV) Figura 4.7: Densidade de estados para nanocristais dopados com dois átomos de Co, com estrutura wurtzita [(a) e (b)], e zinc blende [(c) e (d)], para as configurações AFM e FM. As PDOS em cores diferentes para o mesmo NC (verde e azul) representam densidades de estados dos nı́veis d dos átomos de Co com momentos magnéticos locais de sinais opostos (acoplamento AFM). As PDOS de mesma cor (verde) representam densidades de estados para o caso em que os momentos magnéticos têm o mesmo sinal (acoplamento FM). No caso do acoplamento FM, as PDOS se sobrepõem. 4.1.2 Nanocristais não passivados Quando a superfı́cie é explicitamente levada em conta em nossos cálculos, nós observamos que as propriedades das estruturas dopadas mudam. As mudanças estruturais e eletrônicas para nanocristais puros de ZnO quando a superfı́cie está exposta já foram reportadas na seção anterior e nos trabalhos [31] e [32]. Além das mudanças na estrutura, ela pode ser responsável pelo sinal ferromagnético observado em amostras não dopadas. 100 Dopagem de Nanoestruturas Essa magnetização de superfı́cie junto com o momento magnético do átomo de cobalto dentro do nanocristal caracteriza um modelo interessante para estudar uma possı́vel interação magnética entre os spins localizados do átomo de Co, e os spins delocalizados da superfı́cie. Para analisar essas estruturas, nós removemos a saturação de hidrogênio de nossas amostras dopadas, e deixamos o sistema relaxar para sua configuração estrutural mais estável. A nanoestrutura sofre distorções estruturais a fim de reorganizar seus átomos, principalmente aqueles localizados na superfı́cie. Na figura 4.8, mostramos a função distribuição radial de densidade de spin para um nanocristal com 87 átomos e com um átomo de Co em seu centro. Os picos nessa figura representam a localização radial dos momentos magnéticos no nanocristal. É possı́vel observar um forte sinal até 1 Å, que está relacionado ao átomo de Co, e outro em torno de 6 Å, que está relacionado com a magnetização de superfı́cie do nanocristal. Nesse caso, a configuração do Co e da superfı́cie têm o mesmo sinal, o que caracteriza um arranjo ferromagnético entre eles. Dependendo do nanocristal, nós também observamos um arranjo antiferromagnético, em que o momento da superfı́cie é antiparalelo ao momento do Co. Isso leva a uma configuração interessante, onde a superfı́cie pode acoplar magneticamente com o spin do Co, tanto em configurações FM ou AFM. Nós tentamos convergir essas duas configurações para o mesmo nanocristal, mas apenas uma delas foi estável para cada estrutura, mostrando que a interação entre a superfı́cie e o átomo de Co deve ter uma natureza diferente de um acoplamento magnético normal entre spins. Nossa análise indica que a superfı́cie atua como um doador ou aceitador para 4.1 Cobalto em óxido de zinco 101 os átomos, mudando a configuração magnética do Co. ρ↑ − ρ↓ (u. a.) 5 NC Puro (superfı́cie) NC Dopado (superfı́cie+Co) 4 3 2 1 00 1 4 3 5 7 2 6 Distância ao centro do NC (Å) 8 9 Figura 4.8: Função distribuição radial de spin para um nanocristal com 87 átomos e com um átomo de Co em seu centro. O eixo y representa a diferença entre a densidade de spin up e down e o eixo x a distância ao centro do nanocristal. A curva em amarelo representa a densidade de spin do nanocristal puro não passivado, onde a magnetização devido a superfı́cie é observada. A curva em verde representa a densidade de spin de um nanocristal dopado e não passivado, onde a magnetização devido ao Co é observada próxima ao centro além da magnetização devido a superfı́cie. Além dos nı́veis de defeitos associados com as reconstruções da superfı́cie, também há nı́veis associados com as impurezas magnéticas inseridos no gap de energia. Dessa forma, comparado ao nanocristal puro e passivado, a configuração eletrônica dessas estruturas sofre muitas mudanças. A figura 4.9 mostra a comparação entre as densidades de estado de um nanocristal dopado e não dopado. Nessa figura, podemos observar que os nı́veis de Co começam a hibridizar com os nı́veis de superfı́cie, como indicado na figura. Ainda é possı́vel observar os nı́veis e e t2 do Co em ambos os canais de spin. Além de uma redução da contribuição Cod nos nı́veis caracterı́sticos do Co, também é possı́vel observar um caráter Cod em outros nı́veis. 102 Dopagem de Nanoestruturas DOS (u. a.) (a)Co1 Zn18 O16 e e DOS total DOSCo d -4 e t2 t2 /hibdp ? 0 2 e/hibdp t2 t2 (d)Zn43 O44 m = 2µB -2 m = 6, 9µB 6 (c)Zn19 O16 -6 (b)Co1 Zn42 O44 m = 1µB t2 6 ? m = 4µB 6 6 ? ? -6 -4 -2 0 2 4 E-ǫf (eV) Figura 4.9: Comparação da densidade de estados de nanocristais não passivados puros (figuras inferiores, c e d) e dopados (figuras superiores, a e b). As nanoestruturas possuem (a) e (c) 35 átomos e (b) e (d) 87 átomos. Um dos principais efeitos dessa hibridização é a mudança no valor do momento magnético local do átomo de Co. Na tabela 4.1, nós comparamos as contribuições total s, p e d para o momento magnético total para vários nanocristais. Para cada conjunto de estruturas nós temos o caso puro (primeira linha do conjunto, por exemplo ‘ZnO/35/zb’), em que podemos observar apenas a contribuição da superfı́cie; o caso dopado sem a contribuição das superfı́cie (terceira linha do conjunto, por exemplo ‘Co:ZnOH/35/zb’); e o caso em que tanto a adição de impureza e efeitos de superfı́cie são levados em conta (segunda linha do conjunto, por exemplo ‘Co:ZnO/35/zb’), cujas linhas estão destacadas na tabela. Isso nos permite analisar esses efeitos separadamente. Nanocristal 0.376 -0.205 0.044 0.115 -0.111 0.039 0.383 0.414 0.040 0.000 0.009 0.043 0.267 0.090 0.040 – – 0.042 0.000 0.042 0.042 -0.058 0.014 0.043 0.010 – 0.040 0.000 0.011 0.043 0.039 -0.079 0.040 0.000 – 0.042 (0.007) (0.008) (-0.006) (0.007) (0.008) (0.007) (0.003) (0.008) (-0.007) (0.008) (0.008) (0.016) (0.008) (0.008) (0.008) (0.008) (0.007) (0.008) (0.007) (0.008) (0.008) µp (µpCo ) 0.519 0.011 0.382 2.427 -2.808 0.401 0.814 1.223 0.405 0.000 0.880 0.372 0.874 -0.071 0.387 – – 0.389 0.000 0.429 0.384 1.672 0.423 0.384 -0.173 – 0.403 0.000 0.677 0.372 0.499 0.658 0.403 -0.001 – 0.387 (0.042) (0.061) (-0.080) (0.061) (0.054) (0.060) (0.050) (0.059) (-0.063) (0.058) (0.058) (0.041) (0.059) (0.057) (0.057) (0.060) (0.049) (0.059) (0.049) (0.060) (0.058) µd (µdCo ) 0.111 1.707 2.387 0.644 -3.229 2.374 0.137 2.504 2.364 0.000 1.903 2.396 0.127 -2.457 2.384 – – 2.379 0.000 2.329 2.387 0.198 2.422 2.388 -0.030 – 2.368 0.000 2.125 2.396 0.118 2.420 2.368 0.000 – 2.380 (1.730) (2.334) (-2.591) (2.320) (2.321) (2.311) (1.78) (2.354) (-2.476) (2.341) (2.338) (2.291) (2.336) (2.386) (2.339) (2.316) (2.114) (2.353) (2.349) (2.316) (2.338) µtotal (µtotal Co ) 1.007 1.513 2.812 3.187 -6.148 2.814 1.334 4.141 2.809 0.000 2.792 2.812 1.268 -2.437 2.812 – – 2.810 0.000 2.800 2.813 1.812 2.859 2.815 -0.194 – 2.812 0.000 2.813 2.810 0.656 3.000 2.812 -0.001 – 2.810 (1.779) (2.402) (-2.676) (2.389) (2.383) (2.379) (1.834) (2.421) (-2.547) (2.408) (2.404) (2.348) (2.403) (2.450) (2.404) (2.383) (2.170) (2.420) (2.404) (2.383) (2.404) 103 ZnO/35/zb Co:ZnO/35/zb Co:ZnOH/35/zb ZnO/87/zb Co:ZnO/87/zb Co:ZnOH/87/zb ZnO/147/zb Co:ZnO/147/zb Co:ZnOH/147/zb ZnO/39/wz Co:ZnO/39/wz Co:ZnOH/39/wz ZnO/92/wz Co:ZnO/92/wz Co:ZnOH/92/wz ZnO/265/wz Co:ZnO/265/wz Co:ZnOH/265/wz ZnO/38/zb Co:ZnO/38/zb Co:ZnOH/38/zb ZnO/86/zb Co:ZnO/86/zb Co:ZnOH/86/zb ZnO/238/zb Co:ZnO/238/zb Co:ZnOH/238/zb ZnO/34/wz Co:ZnO/34/wz Co:ZnOH/34/wz ZnO/88/wz Co:ZnO/88/wz Co:ZnOH/88/wz ZnO/246/wz Co:ZnO/246/wz Co:ZnOH/246/wz µs (µsCo ) 4.1 Cobalto em óxido de zinco Tabela 4.1: Contribuições total s, p e d para o momento magnético total para o nanocristal indicado na primeira coluna (em µB ). Os valores dentro dos parênteses correspondem à contribuição do átomo de cobalto. O texto contém a discussão dos resultados. 104 Dopagem de Nanoestruturas Na primeira linha de cada conjunto de dados nós observamos a decomposição do momento magnético total para um nanocristal sem a passivação da superfı́cie. Esse é o caso da magnetização intrı́nseca, discutida no capı́tulo anterior. Nós observamos que o momento magnético total se deve principalmente devido à contribuição Op , com uma pequena contribuição dos nı́veis Zns . Na segunda linha de cada conjunto, temos os momentos locais para nanocristais não passivados dopados com Co. A principal contribuição para o momento local agora vem dos nı́veis Cod , como esperado. Nós também observamos grandes mudanças na contribuição p, que pode ser tanto um aumento ou uma diminuição nos momentos. Essas mudanças são explicadas através da hibridização entre os nı́veis Op e Cod [111]. Essa hibridização é também evidente quando comparamos os valores para os nanocristais dopados com a passivação com H (terceira linha), em que não há efeitos de superfı́cie sendo levados em conta. Para esse caso especı́fico, nós observamos uma grande contribuição dos nı́veis Cod , mais uma pequena contribuição dos nı́veis Op e uma contribuição ainda menor dos nı́veis Zns . Essa pequena contribuição dos nı́veis Op vêm da hibridização entre os nı́veis p e d. Nesses casos, a magnetização dos átomos vizinhos (Op e Zns ) é sempre do mesmo sinal do átomo de Co. Fica claro a partir desses resultados que essa hibridização d − p é maior para os nanocristais não passivados que para os passivados. Esse efeito é também evidente observando o momento local do átomo de Co para os nanocristais passivados e não passivados. Essa forte hibridização indica claramente que os defeitos devem ser levados em conta explicitamente quando 4.1 Cobalto em óxido de zinco 105 esses sistemas são estudados. Quanto à estabilidade, para o nanocristal não passivado dopado, podemos observar um comportamento dependente do tamanho da nanoestrutura. Na figura 4.10 temos os valores para as energias relativas para NC’s não passivados dopados e puros, para estruturas de vários tamanhos. Observamos uma diferença de energia entre essas nanoestruturaas maior que 2 eV, e quanto menor for a nanopartı́cula, mais estável ela será. Isso está relacionado com a maior relaxação estrutural que os átomos em torno da impureza sofrem, visto que as reconstruções dos átomos em torno do Co serão maiores quando não há a passivação do sistema. -3,5 E0(Co:ZnO) - E0(ZnO) (eV) 92/CA/wz 88/CL/wz 38/CL/zb -4 147/CA/zb 87/CA/zb 86/CL/zb -4,5 35/CA/zb -5 34/CL/wz -5,5 39/CA/wz -6 3 4 5 6 7 r (Å) 8 9 10 Figura 4.10: Diferenças de energia para NC’s dopados e puros, para várias estruturas passivadas. Os números que identificam os nanocristais indicam quantos átomos de ZnO há no NC puro. O eixo horizontal indica o raio do nanocristal. As diferenças observadas nas propriedades eletrônicas de uma impureza magnética dentro do nanocristal indicam que mudanças também devem ocorrer quando mais que um único átomo de Co é inserido na nanopartı́cula. 106 Dopagem de Nanoestruturas Para o caso de duas impurezas dentro do NC, nós observamos uma mudança na configuração magnética mais estável das impurezas. Levando em conta a superfı́cie, nós observamos que o acoplamento mais estável entre duas impurezas pode ser ferromagnético em alguns casos, ao contrário do caso das nanopartı́culas passivadas. Para o caso da estrutura zinc blende, temos ∆E0(AF M −F M ) = 0, 0309 eV, ou seja, um acoplamento ferromagnético. Para o caso da estrutura wurtzita, temos ∆E0(AF M −F M ) = −0, 0517 eV, persistindo o acoplamento antiferromagnético para essa estrutura. A fim de tentar entender esses resultados, nós analisamos a densidade de estados projetada, figura 4.11, para as configurações AFM e FM. DOS (u. a.) (a) AFM (b) FM 6 6 ? ? (c) AFM -6 (d) FM 6 6 ? ? -4 -2 0 2 -6 DOS total DOSCo1 d DOSCo2 d -4 -2 0 2 E-ǫf (eV) Figura 4.11: Densidade de estados para nanocristais não passivados e dopados com dois átomos de Co, com estrutura wurtzita (a) e (b), com 92 átomos, e zinc blende (c) e (d), com 87 átomos, para ambas as configurações AFM e FM. 4 4.1 Cobalto em óxido de zinco 107 Observa-se que a hibridização dos estados de superfı́cie com os estados de impureza inseridos no gap é grande, principalmente para o nanocristal wurtzita. Isso acarreta numa redução do momento magnético local dos átomos de Co. Dessa forma, nesse capı́tulo nós mostramos que apenas os efeitos de confinamento quântico não podem descrever corretamente as propriedades magnéticas desses sistemas. Observamos que os nı́veis d do Co estão localizados no gap de energia, assim como acontece no bulk. Isso se deve à natureza fortemente localizada desses nı́veis. Também observamos que para as estruturas passivadas, o acoplamento magnético mais estável é o antiferromagnético, assim como reportado para os cálculos de primeiros princı́pio para o bulk. Os efeitos de superfı́cie foram considerados através da remoção da passivação com hidrogênio em nossos nanocristais. Como as superfı́cies dessas nanoestruturas também apresentam magnetização, nós analisamos a possibilidade de uma interação magnética entre as superfı́cies e as impurezas magnéticas. Esse acoplamento ainda não está claro, mas observamos que há uma hibridização entre os nı́veis d do Co e as superfı́cies. Essa hibridização induz uma mudança no acoplamento magnético entre a impureza de Co quando mais de uma delas são inseridas no nanocristal. Esses resultados indicam que defeitos extensos, como superfı́cies, podem atuar como doadores/aceitadores, mudando a configuração magnética dessas nanoestruturas semicondutoras dopadas com metais de transição. Isso também indica que esses defeitos devem ser levados em conta explicitamente, devido ao grande número de diferentes hibridizações possı́veis. Capı́tulo 5 Conclusões Neste trabalho, através de cálculos ab initio realizamos uma investigação detalhada sobre os efeitos de superfı́cie e de confinamento quântico em nanocristais de ZnO nas estruturas wurtzita e zinc blende. Essa investigação foi feita para nanopartı́culas puras e dopadas com Co. Os nanocristais puros e passivados permitiram observar o efeito de confinamento quântico que as nanopartı́culas sofrem, manifestado através do aumento do gap conforme o diâmetro diminui. Apesar de existirem modelos simples para a explicação desse fenômeno, como o poço de potencial e modelo da massa efetiva, nossos cálculos para a dependência do gap de energia com o tamanho do nanocristal não é proporcional a 1/d2. Fazendo um ajuste considerando os valores aqui calculados e valores experimentais reportados na literatura, a relação entre o gap de energia e o diâmetro do nanocristal varia com 1/d1,83 . 109 Quando a passivação dos nanocristais é removida e as estruturas são otimizadas, a superfı́cie das nanopartı́culas se reconstrói de várias formas. As reconstruções mais comuns observadas foram faces planares, dı́meros na superfı́cie, ligações quebradas e átomos adsorvidos. Além das alterações estruturais, os nanocristais não passivados sofrem alterações na sua configuração eletrônica. Em alguns casos, os nı́veis de superfı́cie inseridos no gap de energia são spin polarizados e os nanocristais apresentam uma magnetização associada a esses nı́veis delocalizados. São várias as reconstruções na superfı́cie que dão origem a essa magnetização. O mais interessante nesse fenômeno é que a magnetização se manifesta sem a adição de impurezas magnéticas. Os resultados de um estudo experimental e teórico para nanofios de ZnO corroboram o modelo proposto para explicar a magnetização dessas nanopartı́culas puras. No caso do nanofio, a magnetização de rede vem de duas possı́veis contribuições: uma devida aos orbitais p localizados do oxigênio e outra devida a orbitais p delocalizados. Em nosso modelo, os orbitais localizados são preferencialmente alinhados perpendiculares à direção do fio, enquanto os orbitais delocalizados apontam numa direção paralela à direção do fio. Assim, os orbitais locais contribuem para um momento magnético local que pode interagir com outros através de orbitais delocalizados, resultando numa magnetização macroscópica na rede. Devido a importância desse material na área dos semicondutores magnéticos diluı́dos, também investigamos nanocristais dopados com átomos de Co. O confinamento quântico que os nanocristais sofrem, permite o estudo dessas nanopartı́culas sem os problemas que a metodologia aqui empregada 110 Conclusões apresenta na descrição do bulk de ZnO dopado, no que diz respeito à localização dos nı́veis de impureza ocupados inseridos no gap de energia. Os nanocristais de ZnO passivados dopados com dois átomos de Co sempre apresentam o acoplamento antiferromagnético como sendo o acoplamento mais estável entre as impurezas magnéticas, não explicando resultados experimentais que relatam ferromagnetismo nesse tipo de material. Levando em conta a superfı́cie explicitamente, observamos que os estados de superfı́cie e os das impurezas hibridizam e o acoplamento ferromagnético entre os dois átomos de Co pode ser o mais estável, como relatado e discutido para o nanocristal com 87 átomos de ZnO. Experimentalmente, esses nanocristais são geralmente crescidos em soluções coloidais. Consequentemente, eles são de alguma forma saturados. Infelizmente, as medidas experimentais ainda não têm a precisão necessária para dar a natureza exata da interação entre as moléculas orgânicas e os nanocristais. Entretanto, podemos inferir que a saturação devido a essas moléculas orgânicas não serão perfeitas como o nosso modelo com átomos de H, nem totalmente ausentes, como no nosso modelo sem saturação alguma. Podemos considerar que os resultados experimentais estão entre esses dois modelos. Nesse caso, as ligações pendentes não estão todas saturadas nem completamente não saturadas. A segunda situação é improvável experimentalmente, pois nas condições de crescimento dessas nanopartı́culas, as mesmas sempre terão algumas moléculas ligando-se a elas. Nosso modelo sem saturação é um bom modelo para nanocristais envoltos por um meio gasoso inerte. Referências Bibliográficas [1] D. A. Schwartz, N. S. Norberg, Q. P. Nguyen, J. M. Parker e D. R. 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