e-book do livro Completo

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e-book do livro Completo
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Sumário
Seção 1 – Cultura para Inovação
Capítulo 1 — Contribuição da educação superior para a cultura
da inovação e do empreendedorismo no Brasil .............. 11
Capítulo 2 — Desperdício de Talento .......................................... 37
Capítulo 3 — Educação, Trabalho e Cidadania no Brasil do
Futuro ..................................................................................... 47
Capítulo 4 — La formation des Innovateurs ............................... 71
Capítulo 5 — Um modelo coreano de desenvolvimento
baseado no conhecimento ................................................... 83
Seção 2 – Educação para Inovação nas Organizações
Capítulo 6 — Aprendizagem Organizacional como
Instrumento para Inovação ............................................... 103
Capítulo 7 — Aprendizado e Cultura da Inovação no Ambiente
Organizacional .................................................................... 121
Capítulo 8 — Grestão do Conhecimento como Parte do
Processo de Inovação ......................................................... 153
Capítulo 9 — APRENDIZAGEM PARA INOVAÇÃO:
desafios e soluções ............................................................ 171
Capítulo 10 — Os Desafios de uma Educação para Inovação
dentro das Organizações .................................................. 187
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Capítulo 11 — Capital humano em serviços — Coisa de Maluco
pelo Cliente ......................................................................... 201
Capítulo 12 — Mestrado Profissional em Engenharia Aeronáutica
ITA-EMBRAER, Uma Parceria Inovadora ...................... 241
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Prefácio
APRESENTAÇÃO
O Instituto UNIMEP — Fórum Permanente das Relações Universidade-Empresa, através de sua Plataforma de Inovação e Desenvolvimento, apresenta o sétimo volume de sua Coleção Uniemp
Inovação.
Este volume é dedicado à “Educação para Inovação: Desafios e
Soluções” e apresenta diversos artigos que analisam as dificuldades e caminhos na criação de uma cultura nacional e organizacional
voltada para a inovação. Também são apresentados casos bem sucedidos na implementação de modelos, que mostram o impacto
positivo de uma educação estruturada para processos de geração
de inovação para as organizações e países.
Abre-se aqui, o que consideramos uma discussão relevante e
fundamental dentro do contexto brasileiro, afinal a inovação está
diretamente associada à melhoria na qualidade de produtos, processos e tecnologias, que geram riqueza para o país, garantindo os
investimentos sociais necessários. É uma questão que também interessa às organizações, que lutam pela sobrevivência em um mercado cada vez mais aberto e competitivo, tendo que, a todo momento, apresentar inovações para garantir uma posição de destaque e sustentabilidade.
O volume está dividido em duas seções. Na primeira, são apresentados cinco capítulos sobre “Cultura para Inovação”. Os autores colocam seus pontos de vista sobre a Educação para Inovação
tanto no Brasil como no mundo falando de educação fundamental,
média e superior, empreendedorismo, desenvolvimento de talentos e da importância de um processo amplo, de nível cultural, para
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viabilizar de forma consistente e duradoura a geração de inovações para as nações.
Na segunda seção, foram desenvolvidos sete capítulos, que discutem a “Educação para Inovação nas Organizações”. Neste grupo de artigos, os autores concentram suas análises no processo de
geração das inovações que deve ocorrer dentro das organizações
(empresas, corporações, institutos e órgãos de diferentes setores
da sociedade). Os artigos dão uma visão clara e precisa de como
ocorrem as inovações dentro das organizações, e destacam o papel
da educação como condição necessária para a sua concretização.
São abordados exemplos práticos tanto na área industrial como na
de serviços, com a apresentação de casos reais de sucesso na implantação de programas envolvendo tanto o meio universitário
como o corporativo.
Com mais esse volume da Coleção Uniemp Inovação, esperamos contribuir para o desenvolvimento das inovações no Brasil,
aspecto chave para desenvolvimento econômico e a construção de
uma nação moderna.
As idéias expressadas pelos autores não manifestam necessariamente a opinião do Instituto Uniemp. O nosso interesse primordial é acatar opiniões diversas para a promoção do debate saudável, construtivo e permanente sobre os assuntos analisados.
Maurício Prates de Campos Filho
Diretor Executivo
Instituto Uniemp
Márcio Luiz de Andrade Neto
???
César Kyn d’Ávila
Diretor de Marketing
CEDET — Centro de Desenvolvimento Profissional e
Tecnológico
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Seção 1
CULTURA PARA INOVAÇÃO
CONTRIBUIÇÃO DA EDUCAÇÃO
SUPERIOR PARA A CULTURA
DA INOVAÇÃO E DO
EMPREENDEDORISMO NO BRASIL
Dra. Maria Carolina A.F. de Souza
Dr. Miguel Juan Bacic
Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
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Dra. Maria Carolina A.F. de Souza e Dr. Miguel Juan Bacic
Capítulo 1
Contribuição da educação superior
para a cultura da inovação e do
empreendedorismo no Brasil
INTRODUÇÃO
No Brasil, já podemos afirmar com alguma certeza, as Universidades conhecem o caminho das pedras para a realização da pesquisa científica e da publicação de seus resultados com reconhecimento internacional. Este aspecto, não obstante ainda possa sofrer
substancial melhora, pode ser considerado como de solução conhecida. Entretanto, quando abordamos a inovação, aquela parcela das novas idéias que são transformadas em bens ou serviços com
expressão econômica, pouco há para se dizer das contribuições
efetivas das nossas Universidades.
Podem-se distinguir dois tipos de processos que envolvem o
surgimento de novos produtos e/ou processos. O primeiro seria a
inovação propriamente dita, na qual os produtos e/ou processos
novos surgem na própria economia ou pelo menos contam com
uma contribuição significativa dessa economia. O segundo seria
um processo de modernização, no qual os novos produtos e/ou
processos são inseridos na economia sem grande contribuição desta. No primeiro caso, tende a haver uma demanda significativa por
mão-de-obra qualificada, e parte importante das cadeias de geração de valor tende a concentrar-se no país de origem. Tal conduta
gera impactos positivos no desempenho econômico em termos de
crescimento, de comércio exterior e de geração de empregos. No
segundo caso, tende a gerar-se uma demanda mais significativa
por mão-de-obra menos qualificada e mais barata, e as principais
cadeias de geração de valor não se encontram no país. As atividades
realizadas nestas empresas são atividades de montagem e apresentam um alto coeficiente de importação de máquinas, equipa— 13 —
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
mentos, peças e componentes. No primeiro caso, o principal
determinante estratégico das empresas consiste na criação e expansão de mercados; no segundo caso, está voltado para a aquisição
de recursos baratos, tanto naturais como humanos, o que implica
uma construção de vantagens competitivas sobre baixos salários e
a predação de recursos naturais.
Dados empíricos indicam que empresas que realizam inovações
(e diferenciam produtos) em geral propiciam melhores condições
de emprego. Elas têm um maior dinamismo econômico e, devido
ao seu porte e áreas de atuação, são mais estáveis. Os empregos
também são estáveis (os empregados têm baixa rotatividade) e agregam bastante valor. Isso provoca impactos positivos sobre os resultados das empresas e sobre suas políticas salariais. Surgem, no
seu interior, o chamado “salário-prêmio”. Quando as empresas
modernizam processos seguindo estratégias defensivas, há propensão em acentuar as tendências negativas associadas à inovação (sem
trazer como contrapartida os seus aspectos benéficos), isto é, a tendência à eliminação de empregos e à desqualificação do trabalho.
Este processo de inovação defensivo, que envolve grande enfoque
na aquisição externa de P&D, não traz consigo as externalidades
geradas por um processo de inovação endógeno. (IBGE 2000 e 2003;
DE NEGRI e SALERMO 2005)
As vantagens competitivas construídas sobre um sistema de
inovação são bem mais benéficas e sustentáveis do que as
construídas sobre um sistema de modernização. As empresas que
realizam inovação têm um desempenho econômico melhor e também distribuem melhor seus resultados, na forma de melhores
empregos e melhores remunerações (salário-prêmio).
Os países do Sudeste e do Leste Asiático — os Tigres Asiáticos de
primeira e segunda geração (Coréia do Sul, Taiwan, Hong Kong,
Cingapura, Malásia, Indonésia e Tailândia) — são exemplos de sucesso em processos de estímulo à inovação. Esse sucesso se manifesta com a superação do atraso tecnológico e a conquista de uma
inserção internacional relativamente positiva para países que, até
algumas poucas décadas, portanto muito recentemente, apresentavam uma situação de precariedade econômica. A experiência asiática deixa explícita a importância do aprendizado tecnológico para
países em desenvolvimento. A constituição de um sólido processo
de aprendizado, estimulado e viabilizado pela competição e
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Dra. Maria Carolina A.F. de Souza e Dr. Miguel Juan Bacic
integração com o comércio internacional, foi um dos principais diferenciais do desenvolvimento dos países do Sudeste e do Leste Asiático em relação aos países da América Latina (KIM e NELSON 2005).
As três principais políticas idealizadas nas Economias de Industrialização Recente (EIRs) do Leste Asiático são: estímulo ao Investimento Direto Estrangeiro (IDE), formação de campeões nacionais e
criação e adaptação de instituições intermediárias dedicadas à
transferência de tecnologia. O estímulo ao IDE é importante, pois
significa acessos a mercados e tecnologias com esforços relativamente pequenos. A formação de campeões nacionais, representados
por empresas tecnologicamente avançadas e líderes de mercado, é
interessante pelas externalidades que podem inserir na economia.
A criação de instituições dedicadas à transferência de tecnologia
tem por objetivo facilitar e potencializar os processos de aprendizado (KIM e NELSON 2005).
A questão da inovação no Brasil se insere em um contexto histórico e econômico não muito propício. O processo de industrialização
brasileiro baseou-se em grande medida na substituição de importações. Tal processo, embora tenha permitido a rápida implementação
de um sistema produtivo complexo e abrangente, não foi capaz de
criar forças inovadoras endógenas, permanecendo dependente dos
desenvolvimentos científicos e tecnológicos externos. A partir da
década de 1990, com a abertura da economia e uma maior ênfase nos
preceitos neoliberais de gestão política e econômica, a economia brasileira passou a enfrentar desafios de competitividade global (muito
superiores aos padrões nacionais). Essa realidade desencadeou um
processo de ajuste produtivo de caráter defensivo, o qual, ao mesmo tempo em que modernizava processos e equipamentos, tornava
precárias as relações de trabalho.
Surge assim, como questão essencial, introduzir políticas de
estímulo à inovação para melhorar o desempenho da economia (e
da sociedade) brasileira. A Lei de Inovação é fruto do recente desenvolvimento do marco regulatório relacionado a questões de
Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I). Constitui um marco importante para o desenvolvimento industrial brasileiro ao estimular, por um lado, o contato e o intercâmbio entre pesquisadores e
empresas, e por outro, o desenvolvimento de mecanismos de
interação entre as Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs) e a
iniciativa privada.
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Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
Não deve pairar dúvidas a respeito da importância que desempenham as universidades como ICTs, mas seu papel deve ser visto
como mais amplo: o de formador de pessoas que possam agir como
sujeitos da introdução de inovações na economia. É algo que vai
além dos aspectos relacionados com a técnica e deve abranger a
percepção dos aspectos de mercado, de forma a propiciar a percepção de oportunidades desse mesmo mercado, dando lugar aos
esforços empreendedores para introduzir a inovação na economia.
REFLEXÕES SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DAS UNIVERSIDADES NO SURGIMENTO DE NOVAS EMPRESAS A
PARTIR DOS DADOS DE PESQUISA DE CAMPO
Não é mais novidade que, no atual contexto, a busca por inovações mostra-se cada vez mais urgente e que isso não se aplica apenas às empresas que visam aos lucros, mas também às organizações
que têm, de alguma forma, obrigações mais diretas com o desenvolvimento e com bem-estar social. Isso requer diferentes formas de
pensar a inovação, envolvendo um complexo conjunto de variáveis,
sobretudo porque vai muito além da inovação tecnológica.
Aprende-se a inovar inovando. O que a universidade pode oferecer nesse sentido? Uma espécie de ensinar a inovar, ou, mais que
isso, uma espécie de ensinar a como seguir o caminho da transformação da idéia em um produto/serviço com valor para determinado segmento (com ou sem fins lucrativos), ou ainda, contribuir
para a construção de um conjunto de competências atinentes a um
ambiente mais propício à inovação e à competitividade sistêmica
(para tanto são necessárias competências e aprendizagem individuais e coletivas) — ambiente que favoreça a experimentação, a
aquisição de novos conhecimentos, o desenvolvimento e a adoção
de novos processos e ferramentas de gestão (não apenas empresarial), o saber inovar.
Esse papel da universidade fica ainda mais evidente quando se
considera que, além de integrante do sistema de educação, ela é
reconhecida como uma das principais partes dos sistemas nacionais de inovação (SNI)1 , juntamente com outras organizações, incluindo Governos, institutos de pesquisa e empresas com capaci— 16 —
Dra. Maria Carolina A.F. de Souza e Dr. Miguel Juan Bacic
dade de aprendizagem, de financiamento e de investimento em
P&D e em inovação. Silva (2005), em detalhado e cuidadoso trabalho sobre o papel do setor público na inovação e na mudança
tecnológica, destaca que, mesmo nos países menos desenvolvidos,
é fundamental o apoio público às atividades de pesquisa básica.
Embora nesses países a principal preocupação ainda seja a importação, imitação, assimilação e melhoria das tecnologias já disponíveis no exterior, faz-se necessária alguma atividade de pesquisas
em universidades e laboratórios. São igualmente essenciais a educação e a formação de alguns estudantes de pós-graduação no exterior para obtenção e aprofundamento do conhecimento.
A autora enfatiza ainda que o reconhecimento da contribuição
da universidade aparece nas proposições de organizações como o
Banco Mundial, para o qual as políticas públicas voltadas para a
inovação devem abranger medidas de estímulo à pesquisa, seja
indiretamente, incentivando a pesquisa e desenvolvimento em
empresas privadas, seja diretamente, categoria esta que inclui o
financiamento a universidades, institutos de pesquisa e parques
de ciência. As recomendações reforçam que os esforços dos governos são, sobretudo na ciência e tecnologia básicas, necessários tanto no que tange ao acesso ao conjunto global de conhecimentos,
quanto com relação à adaptação desse conhecimento ao uso local.
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Dado o tema deste texto, vale a pena inserir as considerações de Silva (2005,
p.19) sobre certa lacuna nas abordagens dos SNI no que se refere à aprendizagem
na forma da educação. A maior exceção, aponta ela, “são os estudos de Lundvall.
O grupo Aalborg planeou ter um capítulo sobre o sistema de educação, mas no
final não tiveram sucesso (Lundvall e Christensen, 2000). Esta ambição de Lundvall
é também reflectida num outro trabalho, incluindo um grande estudo da OCDE
sobre a gestão do conhecimento na sociedade da aprendizagem, gerido pelo Center
for Educational Research and Innovation (CERI). (Lundvall, 2000; OCDE, 2000). O
CERI tentou integrar inovação e educação no mesmo trabalho conceptual genérico
sobre aprendizagem assim como estudos empíricos do papel da educação e inovação para o crescimento económico a um nível regional (OCDE, 2000).
Consequentemente, a importância crucial da educação para a inovação é apontada em alguma literatura sobre sistemas de inovação. Contudo, não têm sido realmente efectuadas análises profundas da educação no contexto das análises dos
sistemas de inovação.”. Infelizmente, embora apontando essa lacuna e indicando
a importância de um aprofundamento no entendimento da relação educação/
inovação e dos tipos de educação mais apropriados à inovação, a autora não avança nessa linha.
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Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
Contextualizando o reconhecimento da imperiosa necessidade
de esforços articulados no sentido da ciência, da tecnologia e da inovação, a autora (Silva, 2005, p. 107) afirma que “Em síntese, a conjugação das profundas mutações tecnológicas com a acentuação da
concorrência internacional, com base essencialmente no
protagonismo de empresas multinacionais, sob o pano de fundo do
processo de globalização, condicionou os governos e os principais
actores empresariais de cada espaço político a uma conjugação de
esforços que na designação de Dunning (1997) aparece como sendo
o ”alliance capitalism”. De facto, trata-se da coordenação do funcionamento dos sistemas científicos e tecnológicos, de educação, com as
iniciativas de programação estratégica de conjuntos articulados de
empresas, visando a criação de uma diversidade de dinâmicas e de
plataformas de cooperação. A forte dinâmica da ciência, da tecnologia
e da inovação consolidou uma autêntica bateria de argumentos em
defesa do imperativo de intervenção dos poderes públicos nas actividades de C&T e nas dinâmicas decorrentes da alargada difusão e
aplicação dos respectivos conhecimentos.”
O foco nas questões relativas à construção das competências, ao
conhecimento e à aprendizagem evidencia o papel da universidade no que tange à sua função na pesquisa (especialmente, mas não
só a pesquisa básica), na formação de pessoas e na construção de
uma massa crítica, um significativo montante de ativo capital intelectual — conhecimento útil, inteligência formalizada e capturada
(STEWART, 1997).
A universidade é um dos elos do sistema educacional, fundamental para a aprendizagem, por sua vez requisito para a inovação; é igualmente um lócus de desenvolvimento, uso e difusão do
conhecimento. Representa, ademais, poderoso meio de difusão e
compartilhamento dos conhecimentos lá acumulados. As formas e
os procedimentos para tanto são variados e não totalmente
padronizáveis, dado que os conhecimentos são de natureza distinta. Portanto, embora esteja na fase do conhecimento como insumo
intangível valioso, que poderá ser posteriormente aplicado em produtos/serviços, não pode o mesmo ser exposto como mercadoria
para compra em prateleiras sob condições regidas pelo mercado,
nas quais o acesso o torna inacessível para outros. Uma outra realidade é que parte expressiva do conhecimento gerado na univer— 18 —
Dra. Maria Carolina A.F. de Souza e Dr. Miguel Juan Bacic
sidade, se pública, tem, ou deveria ter, muitas características de
bem público. Se o objetivo é o de contribuir para um ambiente mais
favorável à inovação, a difusão a um número grande de receptores
pode ser um meio de ampliar o próprio conhecimento, pela sua
característica de, ao contrário de outros ativos, não se depreciar
pelo uso, ainda que sujeito à obsolescência, se não for fertilizado.
Pelo caráter de intangível, sua efetiva difusão depende da vontade e de políticas específicas por parte de quem os detém (no caso,
a universidade). As ações não podem se restringir ao processo formal de pesquisa; é necessário desenvolver novas formas de participação e valorização do coletivo (sem desconsiderar os diferentes
grupos, mas não “castas”); viabilizar uma infra-estrutura de comunicação; facilitar o acesso às informações, visto que gargalos no acesso ao conhecimento limitam a capacidade de resolução de problemas e de inovar; favorecer a construção de relações mais continuadas com os possíveis receptores — do conhecimento que levará á
inovação, e das próprias inovações já geradas no interior da universidade. Em resumo: agilizar a difusão para a sociedade daquele conhecimento desenvolvido no interior da universidade, sem
que a transferência implique perda da independência dos que o
receberam, e contribuir para a construção de condições que levem
à geração de inovações fora da universidade — uma educação e
formação que incluam, com ênfase, o empreendedorismo, o qual
requer conhecimentos e práticas multidisciplinares e a construção
de um particular saber fazer, ou, mais especificamente, saber empreender.
Como em parte a geração de idéias e seu caminho até um produto/serviço concreto estão ligados ao empreendedorismo, tratase, então, de pensar como a universidade pode contribuir para fomentar o empreendedorismo — ligado à inovação e não necessariamente sinônimo de pequenos empreendimentos, embora se reconheça ser essa uma via importante no processo de transformação
de idéias em produtos/serviços. O potencial de contribuição da
universidade para o empreendedorismo é especialmente relevante em sua inserção como integrante natural da rede institucional de
apoio a novos empreendimentos, inclusive porque parte deles tem
sua origem no interior da própria universidade, enquanto que outra floresce no abrigo das incubadoras no seu interior. A impor— 19 —
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tância das redes de relacionamentos no surgimento de empresas é
amplamente reconhecida e, no caso dos relacionamentos com universidades, isso significa acesso a novas tecnologias, resultados de
pesquisas, benefícios da educação formal e complementar, etc.. A
esse respeito cabe fazer referência aos resultados da pesquisa
“Entrepreneurship Comparative Study in Latin America and Asia”.
(KANTIS, H,, ISHIDA, M., KORNORI, M., 2002.
A pesquisa foi realizada em vários países, incluindo o Brasil,
com apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o
Banco de Desenvolvimento do Japão. Como nos demais países, o
estudo no Brasil, do qual participaram os autores deste texto, um
deles como coordenador (Bacic, M. J., coord, 2001), permitiu sistematizar um amplo e diversificado conjunto de informações primárias sobre o processo empreendedor na década de 90. Nessa pesquisa, foram entrevistados 169 empreendedores, proprietários de
empresas abertas no Estado de São Paulo, a partir de 1990, com 3
anos de vida como mínimo.
As empresas estudadas — empresas industriais e de serviços
relacionados com a indústria — foram divididas em dois conjuntos, conforme o conteúdo do conhecimento implícito da atividade:
empresas convencionais ou tradicionais (têxtil, cerâmica, mecânicas, metalúrgicas, etc) e empresas com base no conhecimento
(software, biotecnologia). Foram pesquisadas 112 empresas tradicionais e 57 empresas com base no conhecimento. A idade média
das organizações estudadas é de 7 anos. Os diferentes aspectos
estudados na pesquisa indicaram a importância dos processos de
aprendizado coletivo e da inovação integrada ao ambiente de atuação das pessoas e das relações pessoais, comerciais e institucionais.
O modelo que norteia a pesquisa supõe a existência de um processo empreendedor composto das seguintes etapas: incubação da
idéia, início do empreendimento e consolidação inicial (ver figura
1). Essas etapas, para serem percorridas, dependem da ação sistêmica de distintos fatores: motivacionais, competências, redes de
sustentação e recursos financeiros.
Dentro das competências, cabe destacar três aspectos: a habilidade para tolerar riscos, o estudo formal e a experiência acumulada no trabalho. Das competências surge o potencial de identificar e
adquirir ou desenvolver a tecnologia-chave necessária ao empreendimento. As competências são também requisito para a capaci— 20 —
Dra. Maria Carolina A.F. de Souza e Dr. Miguel Juan Bacic
dade de identificar a oportunidade que dará origem à idéia do negócio. As redes são de três classes. A rede pessoal é composta por
familiares, amigos e conhecidos, que, de alguma forma, podem
apoiar o empreendedor. A rede profissional é composta pelos
contatos oriundos da experiência de trabalho do empreendedor e
da sua experiência atual como empresário: colegas, fornecedores,
clientes. A rede institucional é constituída pelas instituições de
apoio às pequenas empresas, pelas associações comerciais e empresariais, pelas universidades e pelos professores. As redes permitem acesso a recursos importantes para o empreendimento —
tecnologia, informações sobre o mercado, etc. Da interação entre
redes e competências, obtém-se um ganho sinérgico, tido como
fundamental para o desenvolvimento e a consolidação do empreendimento. A ação desses fatores precisa ainda da sustentação
motivacional e do acesso aos recursos financeiros, ao longo das
distintas etapas, para possibilitar a consolidação e o sucesso do
empreendimento.
As conclusões da pesquisa mostram que, de uma maneira geral, o empreendedor possui motivações endógenas relativas à autorealização e à vontade de colocar em prática seus conhecimentos.
Tem nível de escolaridade sensivelmente superior ao da média
brasileira, experiência prévia de trabalho em atividade relaciona-
Figura 1 — Etapas e fatores necessários para o sucesso do empreendimento
da com seu empreendimento e consegue transformar suas inquietações num empreendimento a partir de uma significativa interação
com pessoas (família, amigos, colegas de trabalho, relações comerciais, conhecidos), com empresas com as quais se relaciona comercialmente e com o apoio relativo de instituições. Nessa interação,
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Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
encontra e desenvolve as competências necessárias para a ação
empreendedora.
Na etapa de incubação, é identificada a oportunidade que dará
origem ao empreendimento e planejado o negócio. Fatores de prérequisito são: estudo formal, experiência prévia de trabalho (desta
experiência emerge a oportunidade identificada), existência de uma
rede de contatos de origem profissional e pessoal (que permite acesso a recursos e é onde são encontrados os sócios do novo empreendimento) e aspectos motivacionais e de habilidade para lidar com
o risco. A existência de uma rede de apoio institucional pode contribuir no aprimoramento do planejamento do negócio.
Na etapa inicial do empreendimento, as redes constituem importante fonte de apoio, seja no acesso aos clientes, seja na solução
de problemas diversos. A estratégia de mercado correta (evitando
a concorrência por meio da diferenciação) e a existência de recursos financeiros próprios são dois aspectos necessários para a consolidação do empreendimento. O acesso ao crédito bancário é restrito, porem crescente à medida que o empreendimento vai-se consolidando. Os recursos financeiros próprios são muito importantes para dar início ao empreendimento..
No que tange à educação e à aquisição de competências empresariais, aspecto mais pertinente ao tema aqui tratado, os resultados
mostram que o empreendedor, de maneira geral, tem um nível de
escolaridade superior ao da população e que as habilidades empreendedoras têm, como fonte mais importante, a experiência no trabalho. Tal experiência representa base fundamental no desenvolvimento
das habilidades e vocações empreendedoras, que alcança o primeiro lugar em todas as menções, com exceção do conhecimento técnico. A universidade provê um conjunto importante de capacidades,
assim como o contexto familiar.
Dois terços dos empreendedores da amostra estudada têm mais
de 12 anos de estudo (no mínimo ingressaram na universidade).
Esse dado contrasta com o perfil da população como um todo, pois,
tomando como exemplo o estado de São Paulo, observa-se que
apenas 17% das pessoas têm 12 ou mais anos de estudo. O quadro
1 mostra as diferenças no estudo formal entre empresários de empresas tradicionais e de empresas com base no conhecimento. Estes últimos apresentam um nível bem mais aprofundado de estudos, especialmente de pós-graduação.
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Dra. Maria Carolina A.F. de Souza e Dr. Miguel Juan Bacic
Quadro 1 — Escolaridade segundo atividade
Fonte: dados pesquisa de campo (Bacic, M. J.,2001)
O estudo formal não é suficiente para adquirir as competências
empresariais, as quais são obtidas a partir da experiência anterior
no trabalho, tal como se observa no quadro 2.
A experiência no trabalho é fonte fundamental onde o empreendedor adquire as habilidades necessárias ao desenvolvimento de
sua futura empresa. A família tem peso significativo quando se trata da competência “capacidade de trabalhar duro” e da capacidade de relacionamento com outras pessoas.
Quadro 2 — Local onde o empreendedor adquiriu as competências empresariais
Fonte: dados pesquisa de campo (Bacic, M. J., 2001)
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Cabe observar que os estudos universitários aparecem como a
base a partir da qual é adquirido o conhecimento técnico; apresentam, também, peso na capacidade de solucionar problemas. A experiência profissional e os estudos formais universitários, somados, possibilitam o acesso à tecnologia necessária para iniciar a
empresa (quadro 3).
Quadro 3 — Importância da experiência profissional e da educação para ter acesso
à tecnologia necessária para iniciar a empresa
Fonte: dados pesquisa de campo (Bacic, M. J. , 2001)
A interação no âmbito de redes de relacionamentos é fundamental para o acesso aos recursos necessários para o empreendimento
(informações, tecnologia-chave e recursos importantes). O quadro
4 mostra a importância das redes pessoais e profissionais com as
quais interage o empreendedor. São bem mais importantes que a
rede institucional. Nota-se que as instituições têm um papel bem
mais importante no acesso às informações e à tecnologia-chave para
as empresas com base no conhecimento, comparativamente às empresas tradicionais. A análise por componente da rede mostra que
amigos e conhecidos são a fonte mais importante para o acesso aos
recursos para o início da empresa. Como muitas dessas amizades
e relacionamentos foram iniciados durante a atuação profissional
anterior (como empregado ou empresário) ou durante o período
de estudos, deve-se considerar a inter-relação, sempre existente,
entre a experiência de trabalho e estudo acumulada e o capital constituído pelas amizades e relacionamentos.
Ao observar o papel de cada componente por atividade e por
tipo de recurso apontado, é possível verificar diferenças entre as
empresas com base no conhecimento e as empresas tradicionais.
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Dra. Maria Carolina A.F. de Souza e Dr. Miguel Juan Bacic
Quadro 4 — Componentes da rede que contribuíram para o acesso aos recursos
necessários para iniciar a empresa – conforme a atividade
Fonte: dados pesquisa de campo (Bacic, M. J., 2001)
No que tange ao conjunto de informações necessárias para iniciar a
empresa, nas empresas convencionais o papel mais importante é
cumprido pelos amigos e fornecedores da região, ficando em terceiro lugar os conhecidos. Nas empresas com base no conhecimento, a ordem de importância é: amigos, conhecidos e consumidores
da região. Isto parece mostrar que as primeiras tendem a ser mais
orientadas aos aspectos relativos à produção, e as demais, às necessidades dos clientes.
Outro aspecto no qual é possível observar sensíveis diferenças
entre as duas categorias está no papel dos diversos componentes
da rede institucional, bem mais ativos no caso das empresas com
base no conhecimento: professores, universidades e instituições
parecem apoiar melhor esta classe de empreendimento. A associação comercial é mais útil para as empresas tradicionais.
No caso do acesso à tecnologia-chave, amigos, conhecidos e professores foram os componentes mais importantes nas empresas com
base no conhecimento. Nas empresas tradicionais, os fornecedores, amigos e conhecidos tiveram o papel mais importante. Fica
evidente, nesse caso, a dinâmica diferente entre as duas categorias
de empresas. Enquanto as empresas tradicionais dependem de for— 25 —
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
necedores para o acesso à tecnologia, as empresas com base no conhecimento têm maior espaço de criação ou pesquisa para obter a
tecnologia. Os componentes institucionais, especialmente professores e universidades, mostraram-se novamente bem mais importantes no caso das empresas com base no conhecimento.
Um aspecto observado na pesquisa é que há uma relação positiva entre a escolaridade do empresário e o tamanho da rede. Uma
rede maior pode significar maior acesso a informações importantes para a consolidação do empreendimento. Outro aspecto é o destaque dado pelos entrevistados no papel da rede para possibilitar
soluções para os problemas encontrados nos anos inicias de vida
da empresa.
Concluindo: trabalho, estudos superiores (especialmente de pósgraduação), família e amigos formam a base a partir da qual se
constroem as redes de relações, fundamentais para o desenvolvimento do empreendimento. As capacidades empreendedoras surgem da articulação de experiência anterior no trabalho, de um contexto familiar favorável e de estudos superiores que possibilitem
as bases técnicas, a construção de um capital intelectual. Observou-se que o peso relativo atribuído às instituições foi muito maior no caso das empresas do setor baseado no conhecimento quando em comparação àquelas de setores convencionais, destacandose os professores, as universidades e instituições públicas, no primeiro caso, enquanto nas empresas convencionais lhes foi atribuído um grau bem menor de importância. Nas empresas com base
no conhecimento, foi atribuído peso significativo ao papel dos professores no fornecimento de tecnologia, o que evidencia que, para
essas empresas, a interação com professores (que pode ter-se iniciado dentro das universidades) é importante no desenvolvimento
tecnológico dos novos empreendimentos. Interessante observar
ainda que as instituições públicas e a universidade foram consideradas mais importantes que as empresas de consultoria na solução
dos problemas. Em síntese, constatou-se que o papel mais importante para o desenvolvimento, sobrevivência e sucesso dos novos
empreendimentos encontra-se nas competências e conhecimentos
da equipe empreendedora (estudos e experiência prévia no trabalho) e em suas relações comerciais e pessoais. Constatou-se que o
acesso à tecnologia depende da articulação da rede pessoal, da rede
de relações comerciais e do apoio de professores e universidades.
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Dra. Maria Carolina A.F. de Souza e Dr. Miguel Juan Bacic
Justifica-se, pois, a reflexão sobre a possível contribuição da
universidade para o empreendedorismo não só porque a iniciativa de empreender é resultado de informações e estudo e porque
parte considerável dos empreendedores reconhece o peso dos cursos de graduação e cursos após a graduação como forma de acesso
à tecnologia para iniciar a empresa (conforme quadro 3), mas também porque este constitui uma valiosa via para a inovação. É
inquestionável a necessidade de efetuar estudos prévios, às vezes
por longo tempo, para avaliar as possibilidades concretas de oferecer determinado produto/serviço (pode haver restrições, inclusive de patentes), e a viabilidade do investimento. Entretanto, ainda são mais freqüentes que o desejado, decisões de iniciar um
empreendimento sem se apoiar em estudos e cálculos básicos sobre o possível retorno do investimento. O quadro 5 é bastante
ilustrativo a esse respeito.
O baixo percentual (relativamente à sua importância) de elaboração de plano de negócios e de cálculo da taxa interna de retorno,
mesmo entre empreendedores com graduação completa e com pósgraduação, reflete uma lacuna na educação no que concerne a conhecimentos técnicos e gerenciais. A universidade pode contribuir
para estreitar essa lacuna, proporcionando cursos regulares ou de
extensão com foco no empreendedorismo, fortalecendo a capacidade de identificar e aproveitar oportunidades.
Quadro 5 — Escolaridade e estudos realizados para subsidiar o projeto
Fonte: dados pesquisa de campo (Bacic, M. J.,2001)
— 27 —
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
POTENCIAIS A DESENVOLVER NAS UNIVERSIDADES
Das características que estimulam o investimento em inovação
— a oportunidade, a apropriabilidade e a cumulatividade —, é
esta última que interessa enfatizar neste estudo. A apropriabilidade
diz mais respeito ao ambiente e à percepção dos empreendedores
inovadores quanto às condições mais ou menos favoráveis à apropriação dos benefícios da inovação. O mesmo vale para a oportunidade (percepção, quanto à oportunidade para a inovação).
Cumulatividade tem a ver com aprendizagem, com conhecimento
e experiência acumulada, isto é, quanto mais se inova, mais se
aprende a inovar. Eis aqui outro aspecto para o qual a universidade pode ter papel relevante.
Ressalte-se que inovação não é apenas inovação radical, ruptura. A inovação tem dois momentos — o momento do novo, em sentido mais estreito, e o momento da difusão — em que duas forças
são bastante visíveis: de um lado, os inovadores (pioneiros) com
estratégias de preservar ao máximo o período em que podem se
apropriar do lucro adicional derivado do esforço da inovação (a
inovação ‘ruptura’); de outro lado, o momento da difusão da inovação, que pode ser mais ou menos lento, em parte em função das
estratégias dos inovadores pioneiros, e em parte em função das
estratégias dos concorrentes, visando a se aproximar ou superar os
pioneiros. Nesse esforço, incluem-se as inovações incrementais,
igualmente inovações importantes, embora não de ruptura. As inovações incrementais também requerem aprendizado (também têm
cumulatividade) e podem ser um caminho para reunir ao menos
parte das condições requeridas para a capacitação em inovações
radicais.
A capacidade de inovação pressupõe aprendizagem, meio de
construção do capital intelectual (conquista e posse individual), e
do capital organizacional — que inclui o capital intelectual das
pessoas que interagem nas instituições, parte dele passando a ser
“posse” da organização, embutido no conjunto de competências
que a distinguem. Assim, uma evidente forma de contribuição da
universidade é o oferecimento de cursos e demais atividades voltadas para o processo do aprender a inovar, sempre ligado ao conhecimento, que também tem como uma das principais características a cumulatividade. Destaque-se que há vários tipos de “apren— 28 —
Dra. Maria Carolina A.F. de Souza e Dr. Miguel Juan Bacic
der”: aprender fazendo (inovando); aprender usando; aprender
interagindo e se relacionando; aprender estudando e pesquisando,
aprender empreendendo, etc., sempre com o envolvimento de educação e formação. Em cada uma dessas formas, a universidade tem
possibilidade de ocupar espaço significativo, que pode ser bastante ampliado pela expansão de parcerias e acordos com universidades e institutos de pesquisas de outros países, seja com ensino (cursos regulares e nos vários formatos de extensão), seja com pesquisa no desenvolvimento, no ensinar a aplicar, e na difusão de seus
resultados, contribuindo para o bem-estar da sociedade.
O apoio à inovação e ao empreendedorismo ocorre algumas
vezes sem a universidade planejar e perceber os resultados de
suas ações. Os potenciais empreendedores são ávidos por conhecimento e estão à procura das oportunidades de mercado. Os cursos de extensão e especialização se constituem num espaço
freqüentado por pessoas com perfil muito semelhante aos descrito anteriormente. Não é de estranhar que os conhecimentos e relações obtidos com os cursos tenham impactos positivos em sua
atitude empreendedora.
Pesquisa aplicada pela Escola de Extensão da Universidade
Estadual de Campinas (Extecamp) para o conjunto de alunos
formandos, independentemente da área e do conteúdo, mostra que
a realização do curso levou-os a desenvolver alguma atividade
empreendedora, inclusive com. abertura de negócio próprio, utilizando os conhecimentos adquiridos: encontra-se nesse caso um
percentual de 22,2% dos alunos. Do restante, 36,8% não foram motivados, 21,1% pensaram em desenvolver alguma atividade mas
desistiram, 13,5% ainda consideravam, na época da pesquisa, iniciar uma atividade empreendedora e 6,4% colaboraram com amigos nesse sentido. Além dos conhecimentos, as relações adquiridas ao longo dos cursos foram positivas no desenvolvimento das
atividades empreendedoras. Do total de entrevistados, 29,4% informaram que as relações adquiridas foram fundamentais para o
início do próprio negócio.
No referente ao aproveitamento dos conhecimentos adquiridos
nos cursos, 78,1% responderam que o conteúdo do curso foi útil
para introduzir novas técnicas dentro das empresas onde trabalhavam, e que o curso teve impacto de bom/ótimo em sua atuação
profissional em 70,4% dos casos (EXTECAMP, 2005).
— 29 —
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
Esses dados, levantados pela Extecamp desde 2002, têm-se mantido estáveis nos diversos anos pesquisados. Mostram que os cursos contribuem com o enriquecimento e a oxigenação do tecido
produtivo local e regional. Caso alguma das ações empreendedoras leve à criação de uma nova empresa, o curso terá contribuído
para o aumento do nível de emprego na economia nacional. De
acordo com os resultados da pesquisa, os alunos dos cursos de
extensão e especialização conseguem, com a participação nas aulas, melhorar sua atuação profissional, introduzir inovações técnicas em suas empresas e apresentar atitudes positivas em relação à
atividade empreendedora. Isso mostra o importante papel que os
cursos de extensão e especialização têm na sociedade e na economia ao contribuir, de certa maneira, com a difusão de conhecimentos, a introdução de novas técnicas e conceitos, a geração de empregos e o enriquecimento dos tecidos social e produtivo.
Um aspecto importante, destacado por vários autores (p.ex.
Johannisson, l993), está na necessidade de focar a questão regional para apoiar as ações empreendedoras. Nessa linha de raciocínio, uma das conclusões de Kantis, H., Ishida, M.e Kornori, M. é
que as universidades devem se reconhecer como agentes ativamente envolvidos em projetos locais e regionais de desenvolvimento empreendedor. Esses projetos devem ser avaliados considerando, de forma equilibrada, as perspectivas acadêmicas e da
comunidade de negócios.. (KANTIS, H, ISHIDA, M KORNORI,
M., 2002, p. 100).
Um dos mecanismos que possibilitaria manter atividades de
desenvolvimento do potencial empreendedor local, encontrar-se-ia,
segundo Veciana (2002), na criação de cátedras de empreendedorismo, da mesma forma que existem cátedras de marketing e
finanças. Estas cátedras teriam a função de dar legitimidade acadêmica ao novo campo de estudo, o entrepreneurship, que, além de
formar os estudantes, realizaria estudos e pesquisas na área, promoveria a cultura empreendedora na universidade e transportaria
conhecimentos técnicos e científicos obtidos na universidade para
a criação de novas empresas.
Uma experiência-piloto desenvolvida na Universidade Estadual de Campinas, pelo professor. Luiz Antonio T. Vasconcelos, do
Instituto de Economia, demonstra o potencial desse caminho. Ao
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Dra. Maria Carolina A.F. de Souza e Dr. Miguel Juan Bacic
longo dos anos 1998-2001, foram oferecidas, de acordo com o
SOFTEX, as disciplinas semestrais “Empreendimentos e Empreendedores em Informática I e II” (Disciplinas de Graduação do Instituto de Economia: eletiva para os alunos dos Cursos de Engenharia da Computação, Ciência da Computação, Engenharia Elétrica e
Economia, carga horária 60 horas). Os alunos ganharam experiência acadêmica na formulação de Planos de Negócios ou Projetos
de Viabilidade Técnica e Econômica para novos produtos na área
de TI. Como resultado concreto, vinte alunos do curso criaram seis
empresas, que conseguiram espaço em incubadoras locais; dessas
seis, duas já graduadas se associaram com capitalistas de risco.
Destaque-se também que a inovação segue um ciclo, ainda que
não rígido, que vai do estado fluido à maturidade, passando pela
transição. A fase fluida pode ser vista como a fase da experimentação, ou seja, os primeiros passos na passagem da idéia ao produto/serviço. Nessa fase, convivem diversas versões (diferentes soluções) para um mesmo produto, sem que nenhuma detenha o poder. A
fase ainda é de aprendizagem, de modo que o espaço está aberto
para inovações e melhorias. Cada solução concorre com as demais
até que uma delas, por diversas possíveis razões, que não cabe
aqui esmiuçar, prevaleça e se consolide como projeto dominante.
Na fase de transição com crescimento da produção e da demanda,
o esforço de inovação transita da inovação radical para a inovação
incremental, do produto para os processos. Os principais investimentos e esforços são no sentido da busca de novos usos para os
produtos, novos segmentos, novas regiões. As inovações em processos produtivos e organizacionais passam a ser relevantes na
busca de maior produtividade, menores custos e produto diferenciado como forma de obter vantagens competitivas em um mercado, já disputado, a essa altura, por grandes empresas. Inovações
relevantes tendem a aparecer apenas em produtos mais sofisticados dos quais se espera obter altos preços e rentabilidade.
À medida que o ciclo avança para a fase específica, as inovações
são cada vez mais incrementais em produtos e em processos, os
espaços no mercado já estão praticamente todos ocupados, e a diferenciação, embora cada vez mais fundamental, torna-se custosa,
dado que o núcleo do produto — projeto dominante — já está totalmente difundido, assim como a tecnologia para sua fabricação.
— 31 —
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
Redução de custos e aumentos nos gastos com propaganda e publicidade tornam-se o motivador das inovações incrementais nessa fase. Embora o processo possa ser longamente postergado com
fôlego adicional dado por versões aparentemente novas, o projeto
dominante vai-se esgotando. Mudanças notáveis no mercado, só
com uma inovação radical, o que significaria um novo mercado e o
reinício do ciclo.
Alguns conhecimentos originados dentro das universidades
podem dar lugar a patentes, que podem eventualmente encontrar
seu espaço dentro da dinâmica dos ciclos da inovação. Mecanismos de transferência e difusão criados para empresas, tais como os
desenvolvidos pela Agência de Inovação da Unicamp, têm-se mostrado muito úteis nesse aspecto.
Com exigências diferentes em cada uma das fases, as universidades podem contribuir de diferentes maneiras, tendo sempre
como referência, o ensino, a pesquisa, a extensão, lembrando outrossim que, no caso das universidades públicas, é clara a obrigatoriedade adicional de ter uma efetiva contribuição para o bem-estar
da sociedade, dada a origem dos recursos. Ações adicionais, tais
como o desenvolvimento de competências empreendedoras entre
pessoas de baixa renda e a geração e transferência de tecnologia
para organizações sem fins lucrativos (num modelo diferente do
comercial) poderiam significar avanços adicionais na atuação das
universidades públicas.
CONCLUSÃO
Observa-se, a partir do exposto, que há fortes potenciais para
pensar e dinamizar a contribuição da universidade tendo em vista
o estímulo à inovação e ao empreendedorismo. Como o ambiente
para as empresas é mais instável que no interior da universidade,
pode caber a esta uma função de âncora no que tange à inovação,
mantendo programas estáveis de estímulo a ações empreendedoras. Dentro das limitações deste texto, que visou a ressaltar aspectos relacionados com a educação superior, cabe salientar que alguns dos principais focos devem ser: o empreendedorismo, com
ênfase na avaliação dos empreendimentos e no processo de tomada de decisões, não só para investimentos tipicamente capitalistas
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Dra. Maria Carolina A.F. de Souza e Dr. Miguel Juan Bacic
mas também para empreendimentos de natureza social; a abertura
de novos espaços da interação universidade/empresa (acesso a
laboratórios, etc.), visto que ainda é relativamente baixo o conhecimento dos diversos agentes sociais e econômicos a respeito do
potencial de contribuição das universidades; novas formas de acesso às pesquisas desenvolvidas no interior das universidades;
projetos de relacionamento universidade/sociedade de longa duração, mais amplos do que as necessárias relações já existentes nos
hospitais universitários e nas salas de aula, por exemplo.
Outra contribuição evidente das universidades é no sentido de
proporcionar um conteúdo mais amplo nos cursos destinados à
educação formal. Faz-se mister a inclusão de conteúdo que propicie conhecimentos requeridos para o desenvolvimento do empreendedorismo, como matemática financeira, elementos de economia,
fluxo de caixa, avaliação da viabilidade do investimento, plano de
negócios, cálculo, concorrência e suas possíveis formas, etc. Obviamente essa ação se fará realizar com material didático adequado,
formas de transmissão do conhecimento e formas de avaliação compatíveis a cada grau, etc., como o desenvolvimento e aplicação de
jogos, por exemplo. A criação de disciplinas e áreas de pesquisas
interdisciplinares sobre empreendedorismo é outra contribuição
importante. A relevância de esforços nesse sentido fica mais clara
quando se leva em conta que, mesmo entre empreendedores com
curso superior, o percentual dos que elaboram plano de negócio,
fluxo de caixa e cálculo sobre o retorno do investimento, como apoio
à decisão de investir (ou não) em um empreendimento, é relativamente baixo, conforme ficou evidenciado pelos resultados da
pesquisa sobre empreendedorismo anteriormente mencionada
(BACIC, M. J. 2001).
A universidade deve valorizar a interação com profissionais já
formados e também em projetos e em cursos de extensão, especialização e pós-graduação, pois, tal como decorre da análise da pesquisa sobre empreendedorismo (Bacic, M.J. 2001), as capacidades
empreendedoras decorrem principalmente do conjunto formado
pela articulação entre a experiência anterior no trabalho, os estudos de nível superior que possibilitem as bases técnicas e um contexto familiar favorável. A soma de tais capacidades empreendedoras com os fatores motivacionais endógenos favoráveis transforma um indivíduo em um potencial empreendedor.
— 33 —
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
O trabalho anterior, em qualquer porte de empresa, é de grande
relevância para o desenvolvimento das habilidades empreendedoras. Pode-se afirmar que é improvável que uma pessoa sem experiência anterior de trabalho inicie um novo empreendimento e
tenha sucesso dentro das atuais estruturas de mercado em que agem
as empresas pesquisadas (empresas industriais e de serviços relacionados com a indústria). Em relação à rede do empreendedor e à
identificação de oportunidades de negócios, constatou-se ser fundamental, para a identificação de oportunidades de negócios, a rede
de relações. Igualmente fundamental é dizer que, se a universidade deseja contribuir com a geração de novos empreendimentos,
deve formular programas que atendam esse perfil de público e
propiciem amplas interações entre os participantes e os docentes.
Isto se torna evidente no caso das empresas com base no conhecimento, nas quais se observou um papel mais destacado para a
rede institucional, especialmente professores, universidades e instituições de apoio. Além de recomendações de políticas já tradicionais no Brasil, tais como a abertura de incubadoras de empresas
em cidades e em universidades e de implementar cursos de
empreendedorismo em universidades, os dados da pesquisa mostram a importância de formular ações que incentivem o contato entre
profissionais e professores, especialmente em cursos de pós-graduação, quando ocorrerá a interação entre profissionais que já possuem sua rede de contatos e buscam maiores conhecimentos, com
docentes capazes de transmitir conhecimentos tecnológicos.
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— 36 —
DESPERDÍCIO DE TALENTO
Leandro R. Tessler*
____________________
*
Professor do IFGW — Unicamp. Coordenador Executivo da Comissão Permanente para os Vestibulares (COMVEST), Unicamp. E-mail: [email protected]
Desperdício de Talento
— 38 —
Leandro R. Tessler
Capítulo 2
Desperdício de Talento
Apesar de avanços significativos nos últimos anos, o Brasil continua com uma performance discreta em termos de inovação e aplicações práticas de resultados de pesquisas acadêmicas. Isso certamente se deve a vários fatores conjeturais, alguns dos quais abordaremos neste artigo.
O Brasil tem um índice muito baixo de sua população com
formação superior. Segundo o PNAD 2003 do IBGE1 , somente 10,8%
dos jovens com idade entre 18 e 24 anos estão matriculados em
algum curso superior. Apenas 7,9% da população com mais de 25
anos tem formação superior. Entre os 10 maiores cursos por número
de matrículas2, apenas 2 são da área técnica (Engenharia e Ciência
da Computação) correspondendo a 7,3% dos estudantes. Isso
corresponde à metade das matrículas em Administração (14,9%).
Vale lembrar que cerca de 80% de nossos engenheiros foram
formados em instituições com pouca ou nenhuma atividade de
pesquisa, utilizando curricula bastante limitados e específicos para
seu adestramento na profissão desejada 3.
____________________
1
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2003 (PNAD 2003), http://
www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2003/
default.shtm, acesso em 25/03/2007.
2
Censo da Educação Superior 2004 — Resumo Técnico MEC/INEP/DEAES,
disponível em http://www.inep.gov.br/download/superior/2004/censosuperior
/Resumo_tecnico-Censo_2004.pdf, acesso em 25/03/2007
3
Sinopse Estatística da Educação Superior — Graduação, MEC/INEP/
DEAES, disponível em http://www.inep.gov.br/download/superior/2005
Sinopse_2005a.zip , acesso em 25/03/2007.
— 39 —
Desperdício de Talento
O Brasil desperdiça grande parte de seu talento para a inovação.
Já foi feita várias vezes uma comparação entre inovação e futebol.
Temos uma das melhores equipes de futebol do mundo porque existe
uma rede muito efetiva de caça aos talentos. Todo menino (e nos
últimos anos meninas) passaram pela experiência de jogar futebol
na rua, na escola, no bairro. Se estou escrevendo este artigo é porque
meu talento para o futebol é muito limitado. Se não fosse eu certamente teria encontrado o caminho para as grandes equipes. Assim
como o talento para o futebol, o talento para a pesquisa e para a
inovação deve estar distribuído de forma homogênea na população.
Ocorre que devido a fatores sócio-econômicos uma parcela muito
importante da população abandona a escola desde os primeiros anos
da educação. Processos seletivos para o ensino superior excludentes,
que favorecem a camada mais abastada da população, se por um
lado perpetuam a composição das elites nacionais por outro certamente contribuem para o desperdício de talento. Para completar, a
arquitetura acadêmica do ensino superior brasileiro, ou seja, a forma como se organizam os cursos de graduação e o sistema de seleção
com opção precoce por curso têm conseqüências deletérias sobre a
formação para a inovação.
O ensino superior tem como objetivo último formar cidadãos
que possam contribuir para o progresso da sociedade em que vivem.
Para realizar plenamente essa função diferentes estratégias são
adotadas no mundo todo. Estabeleceu-se um primeiro estágio de
formação que deve capacitar profissionais, a graduação, e um
estágio subseqüente para formar a elite dos profissionais com
vocação para a pesquisa e a inovação. Um modelo extremamente
bem sucedido (ainda que caro) de instituição de ensino superior
chama-se universidade. A universidade é uma instituição milenar
onde cultiva-se o saber. Nas universidades modernas busca-se aliar
a formação do indivíduo à geração de conhecimento através da
pesquisa e da inovação. Como conseqüência, as universidades não
podem prescindir de programas de pós-graduação nos quais a
formação só pode ocorrer através da pesquisa e do desenvolvimento
de novas idéias.
O sistema de educação superior brasileiro é muito peculiar. A
constituição garante a existência de instituições de ensino superior
(IES) públicas e privadas. Ao mesmo tempo, ela não permite a
cobrança de mensalidades nas instituições públicas (algumas IES
— 40 —
Leandro R. Tessler
públicas existentes antes da promulgação da constituição de 1989
podem cobrar mensalidade de seus estudantes). As privadas, ao
contrário, têm em geral como fonte única de recursos as mensalidades pagas por seus alunos. No setor privado, com honrosas e
relevantes exceções, proliferam “universidades” nas quais pesquisa resume-se a consultas bibliográficas (em algumas nem isso, pois
a internet vem substituindo com custo muito inferior as bibliotecas
como fonte única de informação). Existem programas de pós-graduação para todos os gostos, desde mestrados e doutorados até a
“pós-graduação lato-senso”, passando pelos MBAs, modalidade de
extensão que vem proliferando como uma cópia mal-feita do original norte-americano. O sistema todo é regulado pelos Conselhos
Estaduais de Educação, pelo Conselho Nacional de Educação e pelo
Ministério da Educação (MEC). Além disso os conselhos profissionais, versão contemporânea das corporações de ofício, são frequentemente ouvidos sobre como deve ser a formação profissional e
não raro podem intervir na abertura de novos cursos e na própria
formação dos profissionais.
Os estudantes só podem ingressar no sistema de ensino superior
através de exames que buscam aferir o mérito de cada um, os
vestibulares. Cada instituição ou conjunto de instituições organiza
uma bateria de provas para determinar entre os postulantes aqueles
com maior mérito. A escolha da profissão ocorre no momento em
que os candidatos inscrevem-se nos vestibulares, aos 17 ou 18 anos.
Existem pouquíssimas universidades que permitem entrada na
instituição com posterior opção por um curso.
O ensino superior no Brasil começou a existir de fato no início
do século 20, quando em todo o país setores das elites locais
engendraram esforços para o estabelecimento de instituições de
qualidade comparável às então existentes no hemisfério norte. As
primeiras instituições, que mais tarde deram origem ao sistema de
universidades federais, emulavam o modelo organizacional e
acadêmico da Universidade de Coimbra da época. Elas ofereciam
essencialmente cursos para formar profissionais nas ocupações de
prestígio de então: medicina, engenharia, direito. A cada disciplina
era associada uma cátedra, ocupada de forma vitalícia pelo
catedrático. A criação da USP em 1934 inovou ao emular a Sorbonne,
com a importação de intelectuais franceses e italianos para seu
estabelecimento. A reforma universitária de 1968 buscou moderni— 41 —
Desperdício de Talento
zar o sistema de ensino superior e torná-lo mais próximo do sistema norte-americano, então hegemônico. Isso envolveu a extinção
das cátedras e criação dos departamentos, e a passagem do sistema seriado da graduação para um sistema de créditos. No entanto,
muitos dos vícios do sistema anterior continuaram existindo, em
particular a opção precoce por uma determinada formação
profissional e os curricula estreitos e mais voltados para o adestramento em competências do que para a formação. O projeto de
reforma do ensino superior, atualmente tramitando no Congresso
Nacional propõe mais mudanças administrativas do que acadêmicas e se for aprovado como está corre o risco de perpetuar uma das
instituições mais perversas do sistema: o vestibular. Não é o
objetivo deste artigo fazer uma análise profunda do sistema de
educação superior brasileiro, mas apenas discutir as conseqüências
da arquitetura acadêmica e da instituição vestibular sobre a
sociedade e a percepção que a sociedade como um todo tem da
universidade e do ensino superior. Infelizmente, para o cidadão
comum as universidades são percebidas apenas como formadoras
de profissionais.
Comecemos observando a confusão entre ensino superior e
ensino universitário. Atualmente a denominação universidade
aplica-se a um grande número de instituições, em sua maioria
privadas, que produzem pouca ou nenhuma pesquisa e inovação.
Basta darmos um passeio por qualquer grande cidade brasileira
para deparar-mos-nos com coloridos outdoors anunciando a UniXXX, “aprovada” ou “recomendada” pelo MEC, com diversos
cursos de graduação em geral em áreas que dispensam laboratórios
ou instalações dispendiosas. Isso traduz a percepção que setores
majoritários da sociedade têm de universidade, confundindo
escolas de terceiro grau com universidades verdadeiras, onde
seguindo o preceito humbodtiano a pesquisa, o ensino e a extensão
são indissociáveis. Mais de uma vez pessoas me perguntaram que
eu vou fazer na Unicamp em julho ou janeiro, quando os estudantes
estão em férias e consequentemente não temos aulas.
No modelo de vestibular atual, com raras exceções, cada
candidato escolhe a profissão em que deseja ser formado e concorre
com os demais candidatos a uma das vagas oferecidas. O processo
de seleção é implacável. Para cada candidato admitido muitos serão
recusados. Entre os recusados com certeza estão jovens talentosos
— 42 —
Leandro R. Tessler
que poderiam ter sucesso caso tivessem tido a oportunidade de ter
contato com o ensino superior e conhecer melhor o complexo
mundo das profissões atual. A escolha profissional precoce, muitas vezes baseada mais em impressões do que em vocações os deixou fora da universidade. Provavelmente muitos desses candidatos acabam sendo admitidos em uma instituição que proporcionará uma formação menos abrangente e completa do que aquela proporcionada por uma universidade. Hoje em dia no Brasil, e em
particular na região sudeste, considerando o conjunto de IES públicas e privadas, há oferta de mais de uma vaga para cada candidato ao ensino superior.
Outro aspecto importante é o caráter elitista e excludente da
maioria dos vestibulares de universidades públicas, tanto estaduais
quanto federais. Poucos vestibulares de universidades públicas
preservam entre os aprovados a mesma proporção de inscritos
egressos de escolas públicas. Candidatos oriundos de escolas
públicas têm em média perfil sócio-econômico nitidamente
diferente (mais pobre, mais negro) do que os oriundos de escolas
particulares. Por quê isso acontece? A resposta não é óbvia, mas
claramente a forma como o vestibular é elaborado é largamente
responsável por isso.
O vestibular, instituição republicana por excelência (para usar
o jargão atual) no sentido de oferecer a priori chances iguais para
todos segundo sua capacidade revela-se um instrumento de
exclusão. Ocorre que na maioria das universidades públicas a
elaboração e a correção dos vestibulares é delegada a organizações
externas (em geral fundações) que devem determinar segundo seus
parâmetros os mais aptos para o ensino superior. São feitos contratos
de forma que o processo tenha o menor custo possível preservando
a seletividade. Obviamente é muito mais fácil elaborar um processo
seletivo com questões que verificam conhecimento acumulado do
que potencial e talento para o ensino superior.
Se por um lado é impossível prepararmos um instrumento de
seleção completamente imune a influências do perfil sócioeconômico (e consequentemente não podemos prescindir de
mecanismos de ação afirmativa), por outro é possível elaborar
questões muito mais voltadas para a capacidade de leitura,
articulação de idéias e expressão do que para a memorização. Com
questões desse tipo a seleção reduz muito o desperdício de talen— 43 —
Desperdício de Talento
to. A experiência da Unicamp nesse sentido foge à regra: Há 20 anos
na Unicamp a proporção de egressos de escolas públicas é
praticamente a mesma entre os inscritos e os matriculados, cerca
de 30%. O vestibular preserva a proporção. Talvez por isso a
Unicamp tem alguns dos melhores estudantes do país em seu
quadro discente.
Inovação requer uma alta concentração de profissionais com
formação superior de qualidade. Nem todos esses profissionais
precisam ter passado por um mestrado ou doutorado. É fundamental, por outro lado, que os envolvidos na inovação tenham a
mente aberta para diferentes visões de mundo e que sua formação
superior propicie essa abertura. No Brasil, ao contrário, formamos
cientistas e engenheiros em sistemas bitolantes, nos quais todo ou
quase todo o currículo resume-se a disciplinas técnicas. Qualquer
formação mais aberta é obtida por esforço individual de cada
estudante. Além disso, os curricula são em geral pesados, com carga
horária exagerada, como se o aprendizado ocorresse apenas em
sala de aula. Ensinamos muito mais do que a capacidade de
aprender dos estudantes, e nossos curricula são tão densos que
não deixam tempo ou espaço para uma formação mais transversal
ou voltada para valores de cidadania. É comum encontrarmos
estudantes brilhantes em matemática mas que não conseguem
emitir uma opinião sobre arte, sobre diversidade, sobre exclusão.
Eles simplesmente não são estimulados a desenvolver valores
éticos e sensibilidades além do estritamente técnico, ingredientes
importantes em profissionais realmente inovadores.
Como poderíamos formar mais e melhor, aumentando nossa
capacidade para a inovação?
São urgentes pelo menos três movimentos, todos possivelmente
interdependentes:
1. A hierarquização das instituições de ensino superior. É fundamental que fique clara a distinção entre ensino superior
e universitário. Universidades devem formar com a pesquisa. Instituições não-universitárias devem formar com qualidade sem obrigatoriamente envolver a pesquisa. Com
custo operacional menor, instituições desse tipo podem
formar muito mais gente em tempo mais curto. Não é surpreendente o fato de a grande maioria das instituições pri— 44 —
Leandro R. Tessler
vadas serem na verdade instituições de ensino superior nãouniversitárias que se atribuem o título de universidades.
Por outro lado, existem poucas instituições superiores públicas que não são universidades, fazendo com que uma
expansão do sistema público seja demasiado onerosa. Os
CEFETs e as FATECs no estado de São Paulo são exemplos
de instituições superiores não-universitárias públicas. No
entanto, devido a forma como todas as IES são avaliadas
(usando parâmetros de universidades), muitos CEFETs estão se voltando para a pesquisa, aumentando assim seus
custos operacionais e alterando sua missão institucional. A
expansão do sistema público superior deveria ocorrer essencialmente em instituições não-universitárias, especialmente na área de tecnologia. Mais gente com formação superior certamente impulsiona a inovação.
2. Mudanças radicais na estrutura curricular dos cursos superiores. A estrutura atual exige uma escolha de carreira antes
mesmo do vestibular. Uma vez admitido, o estudante é submetido a uma carga horária massacrante e específica da profissão escolhida. Não há espaço para uma formação em disciplinas fora da opção de curso. Mudanças de trajetória ao
longo da formação são dificultadas por cadeias de pré-requisitos complicadas e específicas. A especialização profissional desde o início do curso combina desperdício de recursos materiais e humanos (várias disciplinas são
duplicadas entre as diferentes graduações), diminuindo a
capacidade de absorver estudantes. É preciso criar estruturas curriculares que permitam ingresso geral e único de estudantes com possibilidades de formação individualizada e
escolha de carreira já dentro do sistema superior. É preciso
introduzir interdisciplinaridade e formação cidadã nos
curricula. É preciso criar mecanismos que facilitem a transferência de estudantes especialmente talentosos do sistema
não-universitário para o sistema universitário. Seria muito
recomendável que o sistema de ensino superior nacional fosse compatível com o processo de Bolonha, que está em curso na Europa e permite intercâmbio nacional e internacional
de estudantes. O ingresso único para instituições de ensino
— 45 —
Desperdício de Talento
superior reduziria em muito o desperdício de talentos que o
vestibular por curso impõe. Os estudantes ingressariam na
instituição, e não diretamente no curso desejado. Um novo
processo de seleção ao longo dos primeiros anos de ensino
superior, considerando o desempenho acadêmico determinaria a ordem de preferência para completar as vagas no estágio seguinte. Compatibilidade com o modelo de Bolonha
simplificaria o intercâmbio internacional de estudantes.
3. Mudanças no vestibular. Seria muito interessante termos
vestibulares mais voltados para a identificação do potencial para o ensino superior mais do que para o conhecimento
acumulado. Provas voltadas para avaliação de conhecimento têm como conseqüência o favorecimento de candidatos
com maior acesso a bens culturais e a treinamentos específicos. Assim poderíamos minimizar a exclusão de jovens
talentosos do ensino superior de qualidade devido a fatores sócio-econômicos. Ainda assim, mecanismos de ação
afirmativa continuariam sendo importantes.
— 46 —
EDUCAÇÃO, TRABALHO
E CIDADANIA NO BRASIL
DO FUTURO
José Pastore
Educação, Trabalho e Cidadania no Brasil do Futuro
— 48 —
José Pastore
Capítulo 3
Educação, Trabalho e Cidadania no
Brasil do Futuro
A QUESTÃO DO TRABALHO
As mudanças no mundo do trabalho seguem as transformações
que ocorrem no mundo das empresas.
As empresas vivem um processo de mutação. As profissões também. Surgem, diariamente, novos modos de trabalhar. A boa qualidade do trabalho é cada vez mais crucial. Na verdade, o trabalho
bem feito tornou-se o grande divisor de águas entre vitoriosos e
fracassados.
Setores econômicos vão se mesclando. Eu sou do tempo em que
a General Motors e a Ford ganhavam dinheiro vendendo automóveis. Hoje, elas geram uma colossal receita, através de seus bancos,
emprestando dinheiro. São indústrias que assumiram atividades
financeiras.
Eu sou também do tempo em que a General Electric construiu
um império mundial vendendo turbinas de avião e tomógrafos para
hospitais. Hoje, o grosso de sua receita vem da assistência técnica
às turbinas e aos tomógrafos. É uma indústria que fatura prestando serviços.
Eu sou ainda do tempo em que a VARIG ganhava dinheiro transportando passageiros e cargas. Hoje, grande parte dos seus recursos provém da venda da marca Smiles para os cartões de crédito. É
uma transportadora que casou com os bancos.
São exemplos da metamorfose das empresas. Nos dias atuais,
já não se sabe a que setor uma empresa pertence.
As empresas passam por grande mutação. Há indústrias que
entram no campo dos serviços. Outras entram no campo das finan— 49 —
Educação, Trabalho e Cidadania no Brasil do Futuro
ças. Da mesma forma, há empresas do comércio que passam a fazer trabalhos industriais como é o caso da papelaria que, ao adquirir uma máquina xerox e um computador, passa a funcionar como
gráficas.
Essa mutação é um fenômeno mundial a ponto de colocar em
xeque a tradicional divisão das atividades econômicas em agricultura, indústria, comércio e serviços. A IBM, por exemplo, cresce muito mais no campo da prestação de serviços do que no da
produção de equipamentos. Hoje a empresa é a maior prestadora
de assistência técnica às gigantes das telecomunicações como é o
caso da Alcatel, Luncent Technologies, Nortel e outras. No primeiro trimestre do ano 2001, a empresa registrou um aumento de
16% nos seus lucros, sendo a maioria proveniente da prestação
de serviços. A tendência moderna das grandes empresas é de passar os serviços de informática para fora. No início era apenas a
contabilidade e folha de pagamentos. Hoje em dia, terceiriza-se a
administração de redes, sistemas de telemarketing, “call centers”
e várias outras atividades.
As mutações das empresas estão se tornando revolucionárias. A
UNILEVER, um dos grupos industriais mais fortes do mundo que
fatura US$ 44 bilhões por ano, entrou no ramo da faxina. Para tanto,
criou uma subsidiária (MYHOME) com equipes de funcionários
que são enviadas aos escritórios, fábricas e residências para fazer o
trabalho de limpeza diária. A atividade passou por um bom teste
na Inglaterra e começa a ser praticada nos Estados Unidos. Está aí
uma empresa que produz o detergente e o utiliza para melhor servir seus clientes.
A McDonald´s, conhecida pelos bilhões de sanduíches que serve em mais de 100 países, partiu para o ramo hoteleiro usando o
seu reconhecido know-how nos campos da presteza, higiene e
automação. Seus hotéis se destinam a executivos que são hóspedes particularmente exigentes nesses três quesitos. A entrada e saída do hotel são automáticas. Os aposentos são absolutamente limpos. Cada apartamento é completamente equipado com computador, Internet, fax e até cama automática que se adapta à posição
favorita dos hóspedes.
No Brasil, as empresas de carro-forte estão realizando o serviço
de tesouraria para lojas e supermercado. Esses estabelecimentos
passam a usar os espaços para vendas — que é a sua missão prin— 50 —
José Pastore
cipal — e deixam para as empresas transportadoras a tarefa de administrar os recursos. Tais empresas prestam ainda consultoria na
área de segurança. O McDonald´s entra no ramo de calçados, capitalizando sobre sua marca. O Unibanco já tem nove salas de cinema e promete crescer muito mais no ramo do entretenimento.
IMPACTOS SOBRE O TRABALHO E O EMPREGO
O mundo das empresas está passando por uma reviravolta. Isso
tem grande implicações para o emprego e para as profissões. Toda
vez que uma empresa avança em determinado setor (que é estranho à sua missão original), ela é forçada a incorporar profissionais
de outras especialidades — que, por sua vez, são dispensados pelas
empresas que contratam os seus serviços. Mas, na nova empresa,
esses profissionais enfrentam novos desafios. De um modo geral,
as exigências são maiores. A empresa “metamorfosiada” tende a
trabalhar com padrões mais altos de qualidade e eficiência que, na
maioria dos casos, são próprios das indústrias avançadas como é o
caso da General Motors, IBM, VARIG, General Electric, UNILEVER,
e outras citadas.
O emprego encolhe nas empresas contratantes e aumenta nas
empresas contratadas. Mas não são os mesmos empregados que
migram automaticamente de um lado para o outro. Ao contrário,
nesse processo de mutação de empresas, os trabalhadores também
são demandados a mudar de perfil. As empresas modificadas procuram recrutar quem está perto desse perfil. Além disso, desenvolvem um intenso treinamento em tarefas específicas e ligadas ao
novo negócio. Ocorre que tais treinamentos só dão frutos quando
as pessoas possuem uma boa educação geral. Por isso, viramos
para cá, viramos para lá, e caímos no mesmo lugar: para acompanhar o profundo processo de mutação que atinge as empresas, a
educação dos funcionários é o ingrediente crucial. É com base nela
que as pessoas conseguirão aproveitar as novas oportunidades de
trabalho.
Já foi o tempo em que se podia dividir as atividades em agricultura, indústria, comércio e serviços. Hoje, a interpenetração de setores domina as atividades econômicas. A maior empresa de mineração da Alemanha acaba de comprar uma rede de hotéis. E tudo
funcionará de modo integrado.
— 51 —
Educação, Trabalho e Cidadania no Brasil do Futuro
Essas transformações têm um enorme impacto no mundo do
trabalho. Os quadros de pessoal se tornam mais heterogêneos. Os
grupos de trabalho são verdadeiros mosaicos de profissões.
Os modos de trabalhar também se modificam. Alguns continuam trabalhando na base do emprego fixo e de forma contínua. Ao
lado deles, há os que trabalham por projetos e de forma descontínua.
Há ainda os que trabalham como subcontratados, terceirizados, por
tarefa, e de várias outras maneiras. Hoje em dia se fala em condomínio de empresas. Em empresas satélites. Em sistemistas.
O Brasil não está fora dessas mudanças. Elas já chegaram. E são
decisivas para vencer os desafios da nova economia. Muitas delas
estão em franco andamento. De tudo isso, surge um novo mundo
do trabalho.
Eu conheço um técnico em raio X que trabalha num grande hospital há cinco anos. Mas, ele não é empregado desse hospital. Os
serviços de diagnóstico por imagem são realizados por uma outra
empresa, especializada no ramo. Mas ele não é empregado dessa
empresa tampouco. Essa empresa possui contratos com outras
empresas e com cooperativas de trabalho. O técnico em questão,
trabalha numa micro empresa de seu irmão que presta serviços a
várias empresas de diagnóstico que servem hospitais. Há centenas
de milhares de brasileiros trabalhando dessa forma. Para os fiscais
do trabalho, que têm de zelar pela CLT, essa situação é anacrônica.
Mas é essa realidade que se multiplica, desafiando as instituições
do trabalho.
Conheço uma secretária que, nos últimos cinco anos trabalhou
em 12 empresas diferentes. Mas, durante todo esse tempo, ela se
manteve empregada de uma só empresa — de prestação de serviços temporários. Como ela, há centenas de milhares de secretárias
e profissionais liberais trabalhando dessa forma. Os juizes do trabalho ficam em dificuldade quando têm de julgar um caso desses.
Mas são eles que proliferam.
São atividades e profissões novas, decorrentes das mutações das
empresas e da evolução do mercado de trabalho. É o analista de
sistemas que trabalha para várias empresas e para profissionais
liberais. É o “personal trainer” que executa o seu trabalho em várias academias, clubes e casas particulares. É o professor de inglês
que dá aulas a executivos na hora do almoço. É a manicura que
atende a domicílio. É o trabalhador safrista que não tem condições
— 52 —
José Pastore
de superar toda a burocracia para ser contratado por 15 dias. É o
limpador de piscinas que vai de casa em casa nas zonas urbanas. É
o adestrador de cães.
PREPARAÇÃO PARA O TRABALHO
Como se preparar para essas atividades? Como se preparar para
o novo mundo do trabalho?
Como acontece todos os anos, ao se aproximar a época dos vestibulares, o meu e-mail fica repleto com as mesmas perguntas: O
que devo aconselhar para o meu filho? Qual é a melhor profissão
nos dias atuais? Quem tem mais chance de trabalhar?
Para todos, eu ofereço uma só resposta: apoie o estudante para
seguir a profissão que ele diz gostar. Mas, uma vez aprovado no
vestibular, convença-o de que, no mundo atual, vencerá quem for
o melhor profissional.
O tempo do apadrinhamento está acabando. Os empregadores
deixaram de contratar afilhados com base nos pedidos comovidos
de seus padrinhos. Isso é coisa do passado, quando as empresas
podiam passar suas ineficiências para os preços que, por sua vez,
eram pagos por consumidores sem alternativa em uma economia
fechada.
Isso acabou. O velho “pistolão” morreu. Até no governo, ele
começa a definhar. Há ainda alguns focos de nepotismo, é verdade, mas a imprensa e a sociedade estão no seu encalço, não dando
folga a juizes e parlamentares que ainda tentam nomear na base do
parentesco ou amizade.
Hoje, o jogo virou. O mercado está se tornando cada vez mais
competitivo. Preços sobrecarregados pela incapacidade ou preguiça
de quem trabalha “de favor”, levam as empresas à falência. Ninguém quer correr esse risco.
A sugestão que posso dar aos jovens é essa. Seja qual for a profissão escolhida, prepare-se para ser bom nela. O sucesso vai brilhar para quem ficar acima da média.
Vivemos num tempo em que não basta ter um diploma. Aprender a conhecer é importante, sem dúvida. Mas, aprender a fazer é
muito mais importante. Toda vez que alguém passar na porta de
uma firma, que não emprega ninguém há vários anos, e disser ser
— 53 —
Educação, Trabalho e Cidadania no Brasil do Futuro
capaz de resolver o problema da empresa, essa pessoa será imediatamente admitida.
Não estou dizendo que educação cria empregos. Mas, para as
oportunidades existentes, sai melhor quem é capaz. Tem mais
chance no mercado de trabalho, os que usam bem os conhecimentos que aprenderam.
E como conseguir essa competência? Basta ler o que o professor
recomenda? Não. É preciso estudar, pelo menos, o dobro. É preciso se informar constantemente. É preciso ter dentro de si o vírus da
curiosidade.
Muitos me dizem: ora, isso não é novidade. O mercado sempre
esteve atrás de gente boa. É verdade. Mas a corrida tornou-se frenética com o aumento da competição.
As pesquisas são muito claras. As empresas não esperam contratar quem saiba tudo, mas buscam recrutar quem tem obsessão
por apreender continuamente. E isso depende de cultivar o hábito
de ler e se informar o tempo todo.
Mas é inútil querer conhecer tudo. Evite submergir no meio de
muita informação. Use a Internet com inteligência. Seja seletivo.
Não queira ser apenas um bom especialista. O mundo atual exige
especialidade e cultura. Sim, porque, nele, você terá de trabalhar
em equipes, e a conviver com pessoas de formação variada.
Essa é outra sugestão. Estude com afinco a sua profissão, e se
informe à respeito das profissões da mesma família. Se você escolheu economia, leia sobre direito, administração e até de engenharia. Se você vai ser engenheiro, vá lendo economia, direito e até
sociologia, lembrando ainda que, uma boa base de história não faz
mal a ninguém.
Essa é mais uma sugestão. Não se atenha aos assuntos da faculdade. Vá além disso. Entenda que o tempo dos seres humanos já
não mais se divide entre trabalho e lazer. Cada vez mais, ele é composto de três partes: trabalho, lazer e aprendizagem. Apreenda a
dosar o tempo. Coloque na sua agenda, as horas de estudo, as de
lazer e as de trabalho. Busque o equilíbrio.
TENDÊNCIAS DOS SETORES
Assumamos que o Brasil venha a crescer de 4% a 5% ao longo
dos próximos oito anos. Quais os setores que seriam mais bene— 54 —
José Pastore
ficiados em termos de empregos? Quais as profissões mais demandadas? Que tipo de multifuncionalidade pode ser esperada?
A falta de dados impede responder essas questões com precisão. O Ministério do Trabalho dos Estados Unidos tem um departamento exclusivamente voltado para tratar dessas questões (Departamento de Projeções de Emprego do Centro de Estatísticas do
Trabalho). Seus técnicos vêm levantando dados desde a década de
50. Com base nisso, eles fazem projeções da expansão ou redução
de setores e profissões em cenários de crescimento econômico baixo, médio e alto.
Nós não dispomos de tais serviços. O máximo que se pode fazer
é especular sobre o futuro. Mas, como o Brasil já faz parte da economia global, as tendências dos países mais avançados podem servir
de base inicial para uma especulação doméstica. Isto está longe de
ter o rigor exigido pelo método científico. Apresentarei aqui um esforço modesto de especificar as grandes tendências do mercado de
trabalho ficando para mais tarde as correções dos desvios.
Com base em todas essas restrições, o que se pode dizer do nosso mercado de trabalho para os próximos 8 anos, ou seja, até o ano
2010?
Em primeiro lugar é preciso lembrar que as pessoas que vão
entrar no mercado de trabalho no ano 2010 já nasceram: que hoje
têm 10 anos e todos os adultos que têm até 40 anos de idade.
A força de trabalho no ano 2010 será composta de: (1) a força de
trabalho atual; e (2) os que vão entrar; (3) menos os que vão sair por
morte, aposentadoria, etc. O que vão fazer? Quais serão as melhores oportunidades?
Esse crescimento deverá ser mais acelerado no setor de comércio e serviços e cadente na indústria e na agricultura. Entre 19862000, a proporção de pessoas no comércio e serviços passou de
45% para 60%. A força de trabalho da indústria de transformação,
construção civil e agricultura reduziu-se sensivelmente.
É bem provável que a participação da agricultura, pesca e pecuária, que ainda detém cerca de 25% da força de trabalho, caia gradualmente para 15% até o ano 2010. A mão de obra da indústria passe dos
atuais 18% para uns 12%. E a de comércio e serviços (incluindo administração pública) venha a subir dos 60% atuais para 73%.
Dentro do setor de serviços, os sub-setores que prometem crescer de forma mais intensa são os serviços de saúde, educação, hos— 55 —
Educação, Trabalho e Cidadania no Brasil do Futuro
pedagem, alimentação, entretenimento, seguros, administração,
importação, exportação, corretagem imobiliária e atividades financeiras em instituições não-bancárias,
No setor industrial, o sub-setor mais promissor é o da construção civil e pesada, voltada para a infra-estrutura. O restante da
industria, no agregado, deverá aumentar muito a sua produtividade e gerar poucos empregos em relação ao capital investido. No
período de 1988-00, o setor industrial aumentou a produtividade
em cerca de 7% ao ano. Esse padrão deve continuar.
Em todos esses setores, porém, as oportunidades de trabalho
só poderão ser preenchidas por pessoas educadas.
A expansão de um campo tenderá a gerar oportunidades de trabalho em campos correlatos. Tomemos o exemplo da saúde. Basicamente, saúde é atendimento humano. As novas tecnologias médicas permitem diagnosticar doenças até então não-diagnosticáveis
e não-tratáveis. Isso prolongará a vida das pessoas, criando a necessidade de profissionais para lidar com os novos equipamentos.
O prolongamento da vida, por sua vez, demanda não só serviços
de saúde mas também, de seguros, assistência social, psicologia,
administração lazer, hospedagem, entretenimento e governo. Ou
seja, a saúde puxará uma série de outras atividades.
O prolongamento da vida deverá aumentar também o consumo
de vários produtos (medicamentos, dietéticos, vestuário, etc.) mas,
neste caso, os ganhos de produtividade ofuscarão a geração de empregos. Este é um bom exemplo para mostrar que as novas
tecnologias não são, em si, destruidoras de trabalho humano. Elas
podem eliminar um posto de trabalho aqui mas abrem outros acolá.
TENDÊNCIAS OCUPACIONAIS
Em termos ocupacionais, os próximos 10 anos deverão mostrar
um aumento na demanda por administradores, técnicos e profissionais liberais. Em contrapartida, haverá uma diminuição de demanda por lavradores, pescadores, ordenhadores, pecuaristas,
mineradores, carregadores, office-boys, auxiliares de administração e operadores de máquinas convencionais. De um modo geral,
espera-se um aumento de demanda por pessoal com educação póssecundária e um declínio dos que têm menos do que isso.
— 56 —
José Pastore
Em cada um dos dois universos, porém, haverá variações e exceções. Por exemplo, o campo da administração deve ser promissor, mas o trabalho para as chefias intermediárias deve cair devido
ao processo de reestruturação das organizações. O mesmo ocorrerá com o pessoal de apoio administrativo de baixa qualificação (datilógrafos, telefonistas, guardas, seguranças, serviços gerais).
No campo da informática há uma expectativa de aumento para
maioria das profissões exceto para programadores e processadores
de texto, gráficos e cálculos, pois a sofisticação dos “softwares”
permitirá que usuário faça tudo sozinho. Crescerá, porém, a demanda por cientistas, engenheiros e analistas de sistemas e todas
as profissões ligadas ao uso do computador como instrumento de
diversificação de produção, melhoria da qualidade, aumento da
produtividade e atendimento à educação e saúde.
No setor de comércio espera-se um aumento da demanda por
vendedores e compradores mas um declínio de almoxarifes e administradores de armazéns pois os estoques serão controlados por
computadores.
No setor agrícola prevê-se um declínio geral nas profissões atuais, mas um aumento de demanda por pessoal de jardinagem e
protetores ambientais, inclusive de animais (peixes, aves e domésticos).
No setor industrial antecipa-se um declínio da demanda para a
maioria das profissões mas um aumento de demanda para técnicos eletrônicos, eletricistas, encanadores, mecânicos, fresadores,
marceneiros e outros que venham a se envolver com serviços de
manutenção de empresas e aparelhos de uso doméstico e administrativo.
De um modo geral, tenderão a declinar as profissões que
independem de grande contato com outras pessoas e a crescer as que
envolvem uma intensa interação — agentes de viagem, agentes de seguros, recepcionistas de hotel, garçons, maitres, professores, advogados, assistentes sociais, pessoal de saúde (em especial enfermeiros e
para-médicos) e pessoal voltado para em crianças e velhos.
Dentre as ocupações que independem de contato humano, as
que mais declinarão são as do setor industrial: montadores de equipamentos elétricos, eletrônicos e de precisão; operadores de máquinas; reparadores; operadores de computadores; etc.
— 57 —
Educação, Trabalho e Cidadania no Brasil do Futuro
No setor bancário, espera-se um grande declínio nos caixas,
atendentes, pessoal auxiliar de administração e até mesmo profissionais de venda. Todos eles serão grandemente substituídos pelos computadores e pelos “cartões inteligentes” que executam ordens e tomam decisões programadas pelos clientes.
O mundo do futuro será permeado por um grande número de
profissionais autônomos de vários níveis de multifuncionalidade.
Eles envolverão atividades nos campos da administração, cuidados pessoais (crianças, doentes e velhos), reparação e manutenção,
treinamento e educação, compras, vendas, corretagem, etc.
Está claro que o mundo do futuro exigirá muita educação e profissionais polivalentes, multifuncionais, alertas, curiosos — pessoas que se comportam como o aluno interessado o tempo todo. Os
locais de trabalho e a própria casa parecerão escolas onde se estuda e se apreende de forma continuada.
A produtividade do trabalho deverá aumentar de forma brutal.
Com mais informações, estudo contínuo e interação intensa com
pessoas bem informadas — tudo isso tornará as pessoas altamente
produtivas. A renda nacional deverá dar grandes saltos. A distribuição da renda deverá melhorar. As pessoas trabalharão menos e
ganharão mais — ou, pelo menos, igual ao que ganhavam quando
trabalhavam nas então superadas condições de emprego fixo em
determinada empresa.
Tudo isso é especulação baseada nos sinais e tendências atuais.
Mas uma coisa é certa: O Brasil terá de escolher entre muita educação ou pouco trabalho; alta competência ou baixos salários. Quanto menos educada estiver a população, maior será o cinturão de
pobreza e miséria do seu país.
As empresas do futuro estarão cada vez mais em busca das pessoas curiosas e interessadas em aprender o tempo todo. Os critérios de seleção já mudaram bastante, e vão mudar mais. Já foi o tempo em que você tinha grandes chances no mercado de trabalho,
quando anunciava ser engenheiro, administrador ou economista,
formado por um boa faculdade. Isso conta, mas não é tudo.
As empresas pararam de comprar profissões e faculdades. Elas
estão atrás de respostas, e, sobretudo, de pessoas que enfrentam a
realidade com uma clara, comprovada e indomável disposição de
se apropriar do incompreensível.
— 58 —
José Pastore
Por isso, antes mesmo de se formar, fique de olho nas empresas
que dão oportunidades para você “apreender a conhecer”, “apreender a fazer”, e “apreender a ser”.
Esta última dimensão é muito importante nos dias atuais. Apreender a ser, é a aprendizagem que constrói a sua marca. A combinação de um espírito combativo, com uma personalidade harmoniosa e um bom comando de si mesmo, é um capital extraordinário
num mundo que requer cada vez mais cordialidade, atenção aos
clientes, apoio aos consumidores e civilidade na convivência com
os colegas de trabalho.
Virou moda publicar estudos e editar revistas que indicam as
melhores profissões no mercado de trabalho. Essas publicações são
úteis, sem dúvida. Mas, além disso, sinto que os jovens brasileiros
estão precisando formar hábitos de leitura que são essenciais para
o sucesso em qualquer profissão.
As boas escolas estão conseguindo informar bem, sendo que
muitas delas beiram a fronteira da indigestão. Poucas, porém, sabem bem como inocular nos seus alunos o vírus da curiosidade.
Como a maioria das famílias também tem suas dificuldades para
injetar nos seus filhos o zelo e amor pelo saber, e instalar neles uma
espécie de dínamo do conhecimento, resta aos próprios jovens o
desenvolvimento de exercícios de meditação e prática para construírem dentro de si, os indispensáveis ingredientes para vencer a
competição dos mercados de trabalho dos dias atuais e do futuro.
Portanto, jovens estudantes de todo o Brasil, educai-vos! Lembrem que o mais importante na sua aprendizagem depende do que
vocês vão fazer. Demandem seriedade dos professores. Cobrem as
escolas. E, sobretudo, estudem por conta própria.
CIDADANIA: DA TEORIA À PRÁTICA
O que é cidadania? É provável que, nesta sala, cada um de nós
tem a sua própria definição. Como sou o palestrante, tomo a liberdade de apresentar a minha.
A cidadania é o exercício de deveres e direitos individuais, respeitados os deveres e direitos da coletividade.
Notem que estou colocando os deveres antes dos direitos e isso
não é acidental.
— 59 —
Educação, Trabalho e Cidadania no Brasil do Futuro
James Madison dizia que a cidadania começa com o respeito
que os governados precisam ter pelos governantes.
Ela amadurece quando os governantes passam a respeitar os
governados.
E chega à sua plenitude quando os governados passam a controlar os governantes.
O controle dos governantes é o último estágio da cidadania e
isso depende enormemente do exercício de responsabilidades individuais.
Gostaria de enfatizar o papel das responsabilidades individuais como ingrediente básico para o exercício da cidadania.
Há uma grande diferença entre ser membro de uma sociedade e
ser cidadão dessa sociedade. Os membros ficam sentados na arquibancada, aplaudindo ou criticando. Os cidadãos jogam o jogo.
No Brasil, ainda somos mais membros do que cidadãos.
Estamos sempre prontos para criticar e ocupados demais para assumir as nossas responsabilidades individuais.
Uma sociedade baseada em cidadania é muito trabalhosa porque o exercício das responsabilidades individuais exige ação. Permitam-se contar aqui o que fiz na eleição de 1998.
No passado, depois de examinar superficialmente a propaganda eleitoral que me enviavam, eu jogava a correspondência no lixo.
No pleito passado, fiz diferente. Respondi a todos os candidatos a senadores e deputados federais que me mandaram
santinhos, panfletos, cartazetes, etc., a seguinte carta:
Prezado candidato:
Fiquei honrado ao ser considerado um seu eleitor potencial. Como
a única arma democrática que possuo é o meu voto, antes de me
decidir, gostaria que você me respondesse às seguintes questões:
Gerar empregos depende muito de aumentar nossas exportações
e, para tanto, é necessária uma reforma completa do atual sistema
tributário. Que tipo de reforma você vai defender no Congresso
Nacional? Descreva o impacto de sua proposta no campo do emprego.
A geração de emprego depende também de uma reforma completa do nosso sistema de relações do trabalho. Que tipo de reforma
— 60 —
José Pastore
você pretende defender? Demonstre o seu reflexo da criação de postos de trabalho.
Se você não me responder, esqueça o meu voto, assim como o
voto de todas as pessoas às quais vou mostrar esta carta e conversar à respeito da sua conduta.
Se você decidir me responder, comece por fornecer o número do
seu telefone celular, pois desejo conversar muito consigo antes e
depois da eleição.
Insisto no celular, porque gostaria de evitar ligar para aqueles
telefones atrás dos quais se põem batalhões de secretárias para dizer que você está em reunião e não pode atender... Atenciosamente,
Enviei cerca de 40 cartas. Deu um pouco de trabalho, mas não
foi tanto. O modelo estava gravado no computador. A minha tarefa
foi simplesmente de personalizar a carta e o envelope, colocandoos no correio.
Francamente, achei pouco trabalho em vista do tanto que podemos fazer para melhorar a nossa democracia.
Recebi apenas 3 respostas. E não votei em nenhum dos candidatos porque notei, ao telefonar-lhes, que eles não estavam a par
das minhas perguntas que, provavelmente, foram respondidas por
seus assessores.
Mas não desanimei. Vou repetir o processo em outubro de 2002.
Chegou a hora de entrarmos em campo. De jogar o jogo. E decidirmos a partida. Para tanto, é indispensável, como jogadores, assumirmos nossa responsabilidade individual fazendo um balanço
adequado entre deveres e direitos.
TRABALHO E CIDADANIA
Vou voltar mais adiante a essa questão de deveres e direitos.
Permitam-se, agora falar um pouco sobre o papel do trabalho na
formação e desenvolvimento da cidadania.
Os problemas do desemprego e subemprego são
freqüentemente tratados através dos números frios. Nas suas análises, os especialistas tendem a perder de vista a mais importante
dimensão desses problemas: a dimensão humana.
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Educação, Trabalho e Cidadania no Brasil do Futuro
Ao dizer que o Brasil tem cerca de 7% de desempregados nas
regiões metropolitanas, esquece-se que os danos sociais provocados por esse desemprego vão muito além dos 7% indicados.
O trabalhador desempregado perde renda. Ao perder renda, ele
deixa de pagar seus credores. Portanto, os credores perdem receita. Ao perderem receita, eles deixam de pagar seus fornecedores. E
assim, forma-se uma bola de neve que devasta o tecido social.
Mas, além dessas perdas, o desemprego prolongado destroi o
senso de utilidade dos desempregados. Afeta a sua imagem. Altera a sua auto-confiança. Mexe com a sua dignidade. Traz dúvidas
sobre os direitos dos cidadãos, causando frustração, apreensão e
tensão social.
De quem é a culpa do desemprego?
Alguns culpam os trabalhadores: “eles não têm educação suficiente para acompanhar as mudanças”.
Outros culpam a legislação: “a lei trabalhista é demasiadamente rígida, desestimulando a contratação de trabalho”.
Outros culpam a economia: “o investimento é anêmico e o crescimento é insuficiente para gerar o número de empregos que a
Nação precisa”.
Quem tem razão? Todos. Os problemas do mundo do trabalho
são realmente determinados pela educação, pela lei e pela economia. Cada um desses fatores tem uma enorme parcela de responsabilidade.
ESCOLA E CIDADANIA
O que se pode dizer da educação, incluindo-se aqui as duas
principais instituições que atuam nessa área: a escola e a família?
O que se espera da escola atual para ajudar as pessoas a se ajustar no mercado de trabalho?
Nesse campo já existem alguns chavões que, apesar de verdadeiros, francamente, começam a cansar. “A educação tem de ser
flexível, polivalente, multifuncional, tecnológica, informatizada, etc.
etc. etc.”.
Penso ter chegado a hora de ir um pouco além de constatações
óbvias e enfrentar questões mais complexas.
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José Pastore
Como oferecer uma educação flexível quando a escola é rígida?
Como ensinar polivalência se os professores são monovalentes?
Como inocular a noção de deveres se os alunos só vêem o
enaltecimento dos direitos? Como criar o indispensável senso de
responsabilidade se a escola reflete a anomia de valores que se
dissemina na sociedade?
Parece-me urgente explorar mais detidamente essas dimensões
básicas para, depois, alinhar a escola e a família na formação dos
verdadeiros cidadãos.
Permitam-me contar-lhes um fato verídico. Dei uma palestra,
recentemente, para cerca de 900 estudantes universitários que me
carregaram de perguntas sobre as tendências do mercado de trabalho nas suas respectivas profissões: médicos, advogados, assistentes sociais, fonoaudiólogos, etc.
No final de uma longa e agradável conversa, indaguei da platéia quantos haviam sido atingidos pela triste greve das universidades federais que, no segundo semestre de 2001, durou mais de 3
meses.
Cerca de 90% levantaram a mão. Indaguei, então, quantos, durante os dias de greve, estudaram 4 horas por dia. Nenhum moveu o
braço.
Foi um quadro chocante.
Foi lamentável verificar que uma enorme massa de jovens universitários perdeu 360 preciosas horas de estudo! Tempo que poderia muito bem ser usado para atualizar as leituras, repassar o
que foi aprendido no passado, avançar sobre o futuro e explorar
outros campos do saber.
Aqueles jovens, que passaram por tantos anos de escola, não
foram preparados para estudar de forma autônoma, não foram trabalhados no campo das suas responsabilidades individuais.
Sim, porque o bom uso daquele tempo poderia ter sido feito
por iniciativa total e completa dos próprios alunos — tivessem eles,
dentro de si, os valores arraigados da importância do progresso
individual.
Disciplina. Curiosidade. Amor ao conhecimento. Zelo pelo saber. Garra.
Todas essas são atitudes absolutamente fundamentais para o
exercício da cidadania responsável.
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Educação, Trabalho e Cidadania no Brasil do Futuro
Se cada um tivesse crescido com base nas 360 horas de estudo, a
sua voz falaria mais alto. A sua crítica atingiria mais longe.
Os alunos, além de crescer, teriam dado bons exemplos aos professores. Eles estariam mostrando à comunidade que são os jogadores do jogo e não meramente espectadores de uma partida melancólica onde cada um busca direitos desconsiderando deveres.
A IMPORTÂNCIA DOS EXEMPLOS
Esse tipo de conduta autônoma e responsável é básico. Exercer
a cidadania depende de ter “cacife”. Cacife moral. Cacife de conhecimento. Cacife de exemplos.
Àqueles jovens não foi dada a oportunidade de acumular tais
cacifes nem na escola, nem na família.
O mundo de hoje está desvalorizando a importância dos exemplos. Os jovens já não sabem qual é a hierarquia dos valores.
Muitos pensam que o mais correto é não ter hierarquia. O mais
grave é que os adultos os seguem, por falta de uma concepção
amadurecida da importância da responsabilidade individual e do
exemplo na formação de atitudes, valores e comportamentos que
são básicos para o exercício da cidadania.
Como podem as crianças estudarem depois do jantar, se os seus
pais ficam se divertindo na televisão? Que tipo de exemplo é esse?
Afinal, o que a família deseja dos filhos? Será que ela acha ser
possível à escola compensar todos os maus exemplos difundidos
no lar?
A preparação para assumir responsabilidades é o ingrediente
mais essencial para a formação da cidadania.
A ESCOLA COMO FONTE DE EXEMPLOS
No momento atual, não basta observar o andamento das grandes reformas da sociedade. O exercício da nossa responsabilidade
exige que nos coloquemos no centro dessas reformas. E isso dá
muito trabalho. Temos de escrever cartas, mandar telegramas, juntar aliados e agir continuamente.
— 64 —
José Pastore
Não tenham ilusões. A vida dos cidadãos é muito mais trabalhosa do que a vida dos espectadores.
Para ser cidadão, não basta criticar. É preciso participar. Não
basta votar. É preciso trabalhar para aperfeiçoar a democracia.
Não basta exigir disciplina do lado dos outros. É preciso cultivar, antes de tudo, a nossa auto-disciplina. E isto pode e deve ser
trabalhado pela escola e pela família.
A escola tem um enorme trabalho a fazer nesse campo. Os desafios são enormes.
A sociedade moderna precisa construir mais e melhores pontes
entre escola, trabalho e cidadania.
A escola está sendo desafiada a desenhar programas educacionais que se enquadrem nas características da vida moderna.
Vejo com simpatia o esforço de se trabalhar os valores, atitudes
e condutas na nova concepção da estrutura curricular. Mas, no campo
da cidadania, os “Parâmetros Curriculares Nacionais”, enfatizam
dimensões particulares do exercício da cidadania, tais como, o cultivo dos direitos humanos, a prática da igualdade de direitos, a
recusa à discriminação, a defesa do meio ambiente, a prática de
discussões e vários outros itens que caem na área dos direitos.
Pouco se fala em deveres. Nada se propõe para desenvolver
nas crianças e nos jovens o senso de responsabilidade individual.
O desenvolvimento das responsabilidades individuais exige
muitas inovações. Neste mundo em que só se fala em direitos, a
escola terá de vislumbrar uma metodologia para demonstrar aos
jovens que jamais se chegará aos direitos se não passarmos pelos
deveres.
Mais do que isso, a escola está sendo convidada a criar sistemas
de ensino que valorizam os deveres da mesma maneira que o restante da sociedade valoriza os direitos.
Parametrizar deveres é um desafio bem maior do que
parametrizar direitos.
ESCOLAS FLEXÍVEIS
Como instituições transmissoras de conhecimentos, as escolas
precisam incorporar muita flexibilidade para poder agir de forma
permanente em várias faixas da sociedade e não somente na sua
clientela tradicional de crianças e jovens.
— 65 —
Educação, Trabalho e Cidadania no Brasil do Futuro
Daqui para frente, as escolas terão de manter as portas abertas
para os que iniciam a educação e para os que voltam a ela em busca de reciclagem.
Isso implica em pensar em novos horários de funcionamento,
em turnos de revezamento, em horários flexíveis, etc. Isso implica
em utilizar os sábados, domingos, feriados e dias de férias para
atender os que precisam se educar e reeducar.
O desdobramento dessas mudanças desembocará em políticas
mistas que combinam a abordagem tradicional com a flexibilidade
moderna. Por exemplo, será essencial, ter políticas de educação
para crianças, adolescentes, adultos e idosos.
Só dessa forma a escola poderá contribuir melhor para a
empregabilidade dos seres humanos em uma sociedade que se
torna mais complexa e que depende cada vez mais do exercício
das responsabilidades individuais na construção da cidadania.
O exercício da cidadania depende de ter conhecimentos da mesma maneira que a empregabilidade depende de uma educação
ajustada aos novos tempos.
Nos dias de hoje, o domínio de conhecimentos e o exercício de
condutas responsáveis tornaram-se o capital mais precioso do homem moderno.
Mas, as carreiras estão cada vez mais dinâmicas. Elas não mais
percorrem uma trajetória linear como o faziam há 50 anos atrás.
As carreiras avançam em direções diferenciadas. O sucesso depende da educação recebida, da auto-disciplina, do culto à curiosidade e do estudo continuado. E aqui entra outra vez o senso de
responsabilidade individual.
Nós sabemos como transmitir direitos. Mas ainda não sabemos
como inocular deveres.
O desenvolvimento do senso de responsabilidade individual é
a chave da autonomia e da liberdade dos seres humanos. É isso
que vai facilitar o nosso envolvimento com os temas maiores da
sociedade.
É isso que vai nos permitir controlar os governantes e chegar a
um tempo de progresso. De justiça. De pragmatismo. De bem estar.
Essa é a grande tarefa da escola: descobrir os métodos eficientes
para gerar dentro das pessoas o senso de responsabilidade para
que elas possam desfrutar as oportunidades de liberdade.
Penso que esses métodos terão de se basear mais nos exemplos
e menos na doutrinação.
— 66 —
José Pastore
EXEMPLOS, RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL E CIDADANIA
Na minha vida de professor, o que mais me gratificou foi o fato
de lecionar anos a fio aos calouros de 17, 18 e 19 anos. Tratam-se de
jovens que entram na universidade com muita curiosidade, interesse e esperança. Eles chegam com uma chama de saber que vale
a pena ser cultivada.
Sempre lecionei às 7:30 hs. da manhã. Sistematicamente, eu entrava na sala de aula às 7:25 hs. e fechava a porta, com chave, às 7:30 hs.
As reclamações no início do semestre eram sempre as mesmas:
“Professor, atrasei-me um minuto e perdi a aula. Isso não é justo. Eu não fiz de propósito. O dia estava chuvoso e o trânsito, terrível...”.
Depois de 2 ou 3 semanas de aula, os alunos pediam uma reunião para discutir o assunto — ao que eu atendia, fora do horário
de aula.
Os anos foram passando, os alunos eram sempre diferentes, mas
o pedido era sempre o mesmo. Eles queriam uma tolerância de 5
minutos.
Pacientemente, eu procurava examinar as vantagens e desvantagens daquela medida.
A primeira reunião nunca era conclusiva. Eu mesmo procurava
deixar algumas questões para eles pensarem:
O que eu deveria fazer com o aluno que chegasse às 7:36 hs.?
Perguntava ainda se não havia o risco de todos os alunos considerarem 7:35 hs. como horário normal. E assim por diante.
Através de conversas pausadas, íamos falando sobre hábitos,
condutas, valores, atitudes, etc.
E, evidentemente, falava muito sobre os meus próprios hábitos.
Começava por enfatizar o respeito que tinha por eles ao dizer:
“Vocês são jovens inteligentes, cheios de vida e movidos pela
curiosidade e vontade de aprender. Vocês merecem o melhor de mim.
— 67 —
Educação, Trabalho e Cidadania no Brasil do Futuro
Por isso, chego sempre às 7:00 hs., subo para a minha sala, faço uma
revisão final da aula anteriormente preparada, desço às 7:20 hs., tomo
um café no bar da faculdade e entro na sala às 7:25 hs.
Preciso cultivar a calma e a tranqüilidade para fazer um bom
papel. Aos que estão na sala eu dou toda a atenção. Respondo todas as perguntas. Entrego-me inteiramente a elas, num clima de
máxima interação e intimidade”.
Perguntava, então, se a eles parecia justo que esse clima fosse
interrompido por retardatários. A resposta sempre foi não. E isso
era um bom começo.
Em seguida, dizia a eles que, nos meus 35 anos de ensino, atrasei-me 3 vezes. Só que, por moto próprio, nunca entrei na sala de
aula e sempre pedi para a universidade descontar o meu dia de
trabalho por considerar esse lapso como um profundo desrespeito
aos alunos.
Para finalizar, perguntava aos membros da reunião por que eu,
com os meus 60 anos podia chegar às 7:00 hs. e eles com seus 18
anos não podiam chegar às 7:30 hs.?
Era uma longa troca de exemplos de condutas que, por fim, convencia os alunos a chegar às 7:20 hs. e aproveitar a minha oferta de
pagar um café para todos para, com calma e tranqüilidade, começarmos a aula, todos juntos, às 7:30 hs.
DEVERES, DIREITOS E PODER
O ensino dos deveres dá muito trabalho. Os métodos sofisticados pouco ajudam. A formação das responsabilidades individuais
depende de coisas simples, de bons exemplos.
É através dos exemplos que as pessoas formam hábitos arraigados e passam a exigir igualdade de tratamento, neste caso, com
muita moral, pois elas mesmas praticam o que desejam antes de
reivindicar.
Ao adquirir essa sistemática de comportamento, podemos passar à fase seguinte para, então, dizer um basta aos que insistem em
fazer o poder fluir de cima para baixo.
Para deixar claro que o poder precisa florescer nas mãos dos
cidadãos comuns.
— 68 —
José Pastore
Assim como nós respeitamos e controlamos os governantes, os
governantes têm de respeitar os governados.
Afinal, os seres humanos não são objetos. São cidadãos de
opinião. De vontades. De valores. De atitudes. De deveres. E de
direitos.
Gosto muito da sabedoria inglesa. Os ingleses costumam dizer
que, muitas vezes, as nossas faces são pressionadas tão fortemente
contra os vidros da janela que isso nos impede de perceber a escala
das mudanças e até mesmo a sua direção.
O mundo avança de maneira veloz. E essa velocidade aumentará cada vez mais.
De nada adianta dizer: parem o mundo que eu quero descer.
Para nós, só resta nos adaptarmos à velocidade do mundo.
As mudanças sociais têm sido mais rápidas do que supomos.
Olhemos para trás.
Há cerca de dez anos, o muro de Berlim estava em pé. A cortina
de ferro era impenetrável. A União Soviética era uma fortaleza.
Nelson Mandela era um prisioneiro. O Japão era a menina dos olhos
dos desenvolvimentistas. A Ásia dava um show de crescimento. O
FMI era uma cidadela fortificada. E Fernando Henrique se dizia
um esquerdista.
Quem diria que tudo isso seria revirado de pernas para o ar em
poucos anos?
O muro caiu. A cortina se abriu. A União Soviética ruiu. Nelson
Mandela é líder da democracia mundial. A economia japonesa desabou. A Ásia provocou uma crise planetária. O Fundo Monetário
Internacional ficou sem fundos. E Fernando Henrique é acusado
de néo-liberal.
CIDADANIA E MUDANÇA SOCIAL
Será que estamos no fim de um processo de mudança? Penso
que não.
Esse é apenas o começo. Os motores da mudança estão cada
vez mais ativos. Quais são eles?
Em primeiro lugar, a globalização. O mundo encolheu.
A eletrônica acabou com as distâncias. Foi o fim das fronteiras.
O fim das barreiras. O fim da geografia.
— 69 —
Educação, Trabalho e Cidadania no Brasil do Futuro
Em segundo lugar está o colapso das ideologias.
Morreu o debate entre esquerda e direita.
Nasceu a batalha pela qualidade de vida. Pela saúde do povo.
Pela educação. Pelo direito de ser bem informado. E de questionar
os governantes.
O mundo de hoje quer resultados concretos e não tertúlias
especulativas.
No campo do trabalho, a redução do desemprego e a geração
de bons empregos são as melhores medidas de eficiência social
dos governos.
É isso que queremos cobrar dos governantes. Essa é a forma de
controlar as suas ações.
Para o povo, pouco interessa orçamentos complexos ou demonstrações contábeis. O que interessa são os resultados.
De quanto diminuiu a evasão escola? De quanto diminuiu a reprovação? E a mortalidade infantil?
Quantos empregos foram gerados? Quantos foram destruídos.
Qual foi o saldo final?
Temos de fazer essas exigências. É isso que nos transforma de
espectadores em jogadores. Não podemos poupar as cartas, os faxes,
os e-mails, as reuniões comunitárias e tantas outras oportunidades
nas quais os governados devem exercer o controle dos governantes.
— 70 —
LA FORMATION DES
INNOVATEURS
Michel Brunet
Ex Directeur de l’Incubateur Midi Pyrénées
Attaché de Coopération Scientifique et d’Innovation
Technologique
Consulat de France à Sao Paulo (Brésil)
La formation des Innovateurs
— 72 —
Michel Brunet
Capítulo 4
La formation des Innovateurs
‘’ L’innovation est la voie de la survie de nos pays occidentaux, en concurrence sévère avec les pays émergents’’. Partout, on entend ce leitmotiv, probablement vrai. Mais sommes nous tous d’accord sur ce
qu’est l’innovation? Pour beaucoup, elle n’est que technologique,
ce qui est très , trop, réducteur.
L’innovation peut être, doit être, aussi partout : dans les services, dans nos structures administratives et économiques, dans nos
méthodes, nos comportements, notre vision du monde, etc…
Et comment faire pour que l’innovation soit aussi répandue, sinon en formant des Innovateurs.
SOYONS TOUS DES INNOVATEURS
Innovons en technologie
Oui, bien sur, mais innovons utile. Une innovation est une invention de produit/service utile à l’Homme, qui lui est accessible,
et qui est donc sur le marché. Ce n’est pas forcément une découverte technologique, une avancée scientifique. Ce peut être tout
simplement une bonne idée de juxtaposition de technologies non
encore réalisée, et qui amène un vrai progrès à l’Humanité. Pour
les découvertes scientifiques ou technologiques, préoccupons nous
d’amener cette découverte sur le marché pour la rendre accessible
au plus grand nombre. Motivons nos chercheurs à se préoccuper
de cette valorisation en l’amenant à son stade d’utilité, et en ne se
contentant pas de faire progresser les connaissances.
— 73 —
La formation des Innovateurs
Innovons dans les services
Beaucoup trop d’entreprises, d’organismes, veulent tout faire
en leur sein. Et le font mal. Acceptons l’idée que des professionnels
de telle ou telle fonction, ne faisant que cela toute la journée, sont
plus compétents et plus efficients que des services internes, dont
ce n’est pas le métier principal, et qui ne sont pas au cœur du métier de la structure. Acceptons d’organiser notre Société en
externalisant à de vrais professionnels toutes les fonctions qui peuvent l’être. C’est déjà vrai pour beaucoup, classiquement: production, études, logistique, paye/comptabilité, ou en émergence: R&D.
Allons encore plus loin avec des fonctions plus sensibles : Ressources Humaines, marketing, fonction commerciale, etc… Non seulement nous y gagnerons en efficience, mais cela contribuera à développer des emplois qualifiés dans le service.
Et pourquoi ne pas aller chercher ces services dans d’autres pays,
là où le rapport service/qualité/prix est le plus attractif. Le Brésil
par exemple.
Innovons dans nos mécanismes
Plus en France qu’au Brésil, tout le monde s’accorde à vilipender le nombre pléthorique de nos différents mécanismes d’aides
aux entreprises. Mais se pose t’on la question de leur efficience?
De manière générale, tous nos mécanismes d’aide financière,
pour la plupart institutionnels, financent la R&D, le développement industriel et les investissements qui s’y rattachent, mais pas
la mise sur le marché des produits. Or à quoi sert d’avoir le meilleur
produit du monde qui n’est pas sur le marché?
Remettons en cause ces mécanismes, innovons, et complétons
les pour financer des innovations jusqu’à leur début de pénétration sur le marché, par la prise en charge : des campagnes de communication, des salons et présentations des produits, des préséries de démonstration, de leur lancement commercial, etc...
L’innovation est encore beaucoup trop l’affaire de personnes
académiques ou institutionnelles qui n’ont jamais connu l’entreprise, et pas assez de personnes de Business.
— 74 —
Michel Brunet
Innovons dans nos structures
Nos structures d’aide et d’accompagnement de l’innovation, dont
les Incubateur font partie, sont nombreuses. Pour ma part, je pense
qu’elles sont pour la plupart utiles, compte tenu de la diversité
des cas à traiter. Mais leurs objectifs de résultats ne peuvent plus
être, ne doivent plus être, des objectifs égocentriques pour justifier
leur existence et se développer. Nous travaillons pour le bien de
tous. Nos résultats ne sont pas ceux de un tel ou un tel. Ce sont
ceux d’une équipe, d’un réseau qui travaille ensemble. Accompagnant les créateurs d’entreprises, cessons de nous quereller et d’agiter les drapeaux de nos structures, quand notre objectif devrait être
uniquement l’intérêt des projets : où tel projet sera t’il le mieux
accompagné?; où celui-ci a t’il le plus de chance de réussir?. A Toulouse, au pays du Rugby, nous savons bien que l’essentiel est de
marquer l’essai, et non pas qui l’a marqué.
Innovons dans nos ambitions
Innovons au bon niveau. Cessons de jouer ‘’petit bra’’, en ne situant pas les projets au niveau d’ambition où ils doivent être, avec
des innovations sous financées qui ne percent jamais. Combien de
nos innovations se sont transformées en échec par manque d’ambition, et corrélativement par manque de ressources pour aller au
bout. Combien de nos innovations nous sont revenues mises sur le
marché par les Etats Unis. Quel gâchis !
Pour nos innovations majeures, et nous en avons pas mal en
France, comme le montrent les résultats du Concours National de
Création d’Entreprises Technologiques Innovantes, préoccupons
nous tout de suite du marché mondial, et mettons y les moyens
nécessaires, tant humains que financiers.
Prenons exemple sur ceux qui voient grand : l’avion 14Bis, la
Tour Eiffel, Microsoft, le lancement de l’A380, etc…
Innovons dans notre vision
Cessons d’être Franco-Français. Acceptons l’idée que d’autres ,
qui ont d’autres points de vue, d’autres systèmes, aient aussi de
bonnes idées. Acceptons d’aller les étudier et de ramener ce qui
— 75 —
La formation des Innovateurs
peut s’appliquer chez nous et nous faire progresser. Aidons ceux
qui veulent s’ouvrir sur l’International pour améliorer leur vision
du monde et nous en ramener les aspects intéressants.
Innovons dans nos méthodes
Il paraît que nous, Français, sommes les champions du contrôle
financier à priori. Et pour certains, fiers de l’être.
Est-ce cela l’objectif ? Est-ce là le vrai problème ? Et en mesure
t’on le coût ?
Ne pourrait-on innover en imaginant des procédures plus souples, plus rapides, avec des contrôles et justifications à posteriori.
Quitte à sanctionner plus gravement les égarements constatés.
Dans un monde où tout s’accélère, à quoi sert : une innovation
qui arrive trop tard sur le marché?; un financement de développement économique pluriannuel sur 3 ans, qui arrive à la fin du programme?.
Cessons de préférer ne rien faire, que de risquer quelques %
d’un programme de l’argent du contribuable.
Osons analyser le risque et les conséquences de ne pas faire un
projet, et acceptons de le mettre en balance dans l’analyse du risque pour la collectivité.
Acceptons de libérer les énergies créatives, de laisser s’exprimer les initiatives et d’en contrôler à posteriori l’application et les
résultats.
Innovons dans notre perception du risque
Innover, c’est prendre des risques. Arrêtons d’encenser ceux qui
risquent et réussissent, tout en vouant aux gémonies ceux qui risquent et qui échouent.
Dans le monde incertain où nous vivons, l’échec est aussi une
question de statistique et d’évènements totalement aléatoires (11
septembre par exemple).
Osons valoriser ceux qui osent, qui tentent, qui innovent et quittent l’abri bienfaisant du parapluie.
Sanctionnons les échecs frauduleux, mais cessons de marquer
au fer rouge les entrepreneurs qui osent et qui échouent. Ils appartiennent aux forces vives de la nation. Aidons les plutôt à rebondir.
— 76 —
Michel Brunet
Innovons dans nos comportements
Sommes-nous, en tant qu’acheteurs, clients, consommateurs,
suffisamment pionniers pour acheter des produits innovants, encourant les risques qui s’y rattachent ?
Au delà du Small Business Act obligeant les administrations US
à acheter pour 20% de leurs besoins à des PME, les ‘’Start-up’’ US
bénéficient également de l’esprit pionnier de leurs clients. Ceux-ci
mettent en balance les gains escomptés par l’utilisation d’une innovation, malgré le risque de non pérennité de celle-ci, et le risque
de laisser leurs concurrents bénéficier seuls de ces gains,. Et ce comportement déclenche un cercle vertueux, l’innovation devenant
pérenne, parce qu’utilisée et donc financée.
Innovons, cessons de nous réfugier sous nos parapluies. Achetons nos propres innovations sans attendre qu’elles nous reviennent validées, confortées et valorisées d’outre Atlantique.
Innovons, incitons fiscalement, financièrement ceux qui assumeront ce genre de risque.
Innovons dans la gestion de notre patrimoine
Dans un monde où la ’’Française des Jeux’’ (les Bingos au Brésil)
réussit si bien, pourquoi ne risque t’on pas plus une partie de notre patrimoine dans la création d’entreprise ? Le risque de perdre y
est pourtant beaucoup plus faible qu’au loto, et de surcroît, les gains
s’accompagnent de retombées pour notre Société : création d’emplois, de richesses.
Osons risquer une part de notre patrimoine à contribuer à la
création des emplois de nos enfants, de nos petits enfants, tout en
risquant d’augmenter notre patrimoine
Soyons tous des Innovateurs
Comme on le voit, chacun d’entre nous, à son niveau, peut et
doit être source d’innovation. Bien sûr, pour cela il faut une dose
de non conformisme. Osons bousculer les idées reçues et les situations établies. Soyons de ceux qui imaginent et font le monde de
demain.
C’est grâce à cela que nous préserverons notre niveau de développement économique, ce qui est indispensable à la préservation
de nos valeurs humaines, sociales, culturelles et démocratiques.
— 77 —
La formation des Innovateurs
COMMENT DEVIENT ON INNOVATEUR ?
Mais comment faire pour que chacun d’entre nous se transforme,
à son niveau, en Innovateur. Devient on Innovateur, ou naît on Innovateur ? La qualité d’Innovateur relève t’elle de l’ ‘’acquis’’ ou
del’ ‘’inné’’? Suffit il de le vouloir pour être Innovateur ? Non, il y
faut des qualités qui relèvent de l’inné, et qui ne s ‘acquièrent pas,
mais il y faut aussi de l’acquis pour apprendre les méthodes qui
permettent de conduire l’innovation.
L’inné
Non conformisme
La qualité fondamentale d’un Innovateur est d’être non conformiste. C’est à dire la capacité à contester, refuser l’ordre établi, les
règles et les lois établies que l’on ne comprend pas, et qui ne trouvent pas leur justification dans un raisonnement et des arguments
acceptables et reconnus. C’est la capacité à remettre en cause des
règles qui, valables à une époque peuvent se révéler inadéquates
dans un monde en perpétuel mouvement. La rengaine ‘’on fait ainsi,
parce qu’on a toujours fait ainsi’’ n’a pas cours chez l’Innovateur. Il
veut comprendre pourquoi on fait ainsi, et si cela est encore justifié.
Mais c’est aussi la capacité à se remettre en cause soi même, pour
être non conformiste avec soi même, pour évoluer avec son époque.
Et attention à ne pas confondre le ‘’non-conformisme’’, avec l’ ‘’
anti-conformisme’’, qui consiste à refuser les règles et les ordres établis, quels qu’en soient leurs justifications, et qui ne propose rien de
constructif.
Mais comment remettre en cause ou contester, sans le sens critique qui permet d’analyser une problématique de manière rationnelle et objective, avec une vision multicritère qui permet d’en voir
toutes les facettes.
Imagination créativité
Une fois cette analyse critique effectuée, savoir en tirer une synthèse, et mettre à profit son imagination, sa créativité pour se forger
une opinion, ou mieux, une conviction innovante. Mais une conviction tellement forte qu’elle en devient presque une foi. Car il en faut
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Michel Brunet
de la foi pour bouger les règles établies, modifier les habitudes, bousculer les ordres et les conforts établis. Sans une conviction profondément ancrée en soi, et une ténacité à toute épreuve, les 1ers obstacles
ont raison de cette envie d’innover.
Mais en même temps, il faudra garder suffisamment d’humilité :
même convaincu de sa conviction, il faut avoir l’humilité de penser
qu’elle peut être erronée, que ce sont ‘’les autres’’ qui ont peut-être
raison.
Comment faire une analyse critique sans un certain nombre de
capteurs sur le monde qui nous entoure?
• La curiosité, de voir et comprendre son environnement ;
• Le sens de l’observation, à la fois en vue d’ensemble, mais
aussi des détails ;
• L’écoute des autres, pour connaître, et mieux comprendre
leurs comportements et leurs aspirations ;
• L’envie et la volonté d’apprendre sans cesse, tellement il y a
de choses intéressantes à découvrir.
Goût du risque
La troisième qualité fondamentale pour innover, est la capacité
à prendre des risques. Il y a toujours un risque à innover, à explorer une voie inexplorée, à défricher un terrain vierge, à adopter des
idées nouvelles. Souvenons nous de Galilée : ‘’et pourtant elle
tourne!’’.
La majorité des humains n’aime pas le changement, préfère rester en terrain connu , identifié, balisé. C’est pourquoi la Société est
très résistante au changement. Elle rejette tout ce qui remet en cause
elle même, ses habitudes, ses acquis. Elle n’évolue que sous la pression d’Innovateurs, qui prennent des risques à imposer leur innovation :
• Risque technique, que l’innovation ne se révèle pas vraie,
qu’elle ne fonctionne pas, qu’elle ne génère pas les résultats
et les bienfaits attendus.
• Risque commercial, que l’innovation ne soit pas perçue
comme bénéfique par la Société, qui la rejette, et ne se l’approprie pas.
• Risque sociétal, que l’Innovateur soit perçu comme un trublion, un perturbateur, un empécheur de tourner en rond,
dont la Société doit se défaire.
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La formation des Innovateurs
• Risque financier, parce que, à un moment, pour convaincre
et imposer ses idées, l’Innovateur devra engager son énergie, son patrimoine. Souvenons nous de Bernard Palissy brûlant ses meubles pour réaliser son innovation.
• Risque familial et personnel. Défendant corps et âme une
innovation, a t’on le temps de s’occuper comme il faut d’une
famille? de soi même ?
Entrepreneurship
On ne saurait être Innovateur, sans être un entrepreneur. C’est à
dire quelqu’un qui a le goût de créer, de faire, d’entreprendre quelque chose. Car innover, c’est mobiliser beaucoup d’énergie, de travail, de volonté, de ténacité, pour affronter et lever tous les obstacles qui jonchent le chemin de l’innovation.
Il faut également une bonne dose d’enthousiasme communicatif, pour faire partager aux autres ses propres convictions et son
idée innovante : d’abord une équipe, qui va s’approprier le projet
et participer à son développement, puis des financiers qui vont le
financer, et enfin la Société qui, en s’en appropriant l’usage, en fera
un succès ou un échec commercial.
L’acquis
Pour innover, il ne suffit pas d’avoir une idée innovante. Encore
faut il savoir la conduire à son terme. Faire en sorte que celle ci
devienne une innovation.
Pour mener une innovation à son terme, ce qui relève d’un projet, un certain nombre de savoir faire sont nécessaires, qui relèvent
de l’acquis, et que l’on peut regrouper sous le vocable de conduite
de projet:
• Planification des tâches : découpages en tâches, articulation
entre elles, positionnement dans le temps, ..
• Travail en équipe : distribution des tâches, coordination des
acteurs, contrôle des résultats, conduite de réunions, …
• Gestion des risques : appréciation des risques dans les choix
possibles, et solutions de repli ou de sauvegarde, …
• Gestion des Ressources Humaines : identification des compétences nécessaires, recrutement des ressources humaines
affectées au projet, affectations adéquates, management des
personnes, …
— 80 —
Michel Brunet
• Gestion de projet, reporting : identification des coûts, contrôle de gestion, recherche du financement, …
• Communication interne : que tous les acteurs du projet aient
toute l’information nécessaire, et la même information au
même moment.
• Communication externe : promouvoir le projet, le «vendre»
aux «acheteurs» potentiels.
S’agissant d’innovation, on parle très souvent de management
de l’innovation, qui comprend en plus de la conduite de projet classique, les concepts de :
• Propriété Intellectuelle : brevets, marques, copyrights, …
• Financement de l’innovation : financement de la R&D, capital d’amorçage, capital risque, …
LA FORMATION À L’INNOVATION
A l’énoncé des vertus énoncées précédemment pour être Innovateur, on comprend aisément qu’il ne peut y avoir d’Ecole d’Innovateurs, comme il y a des Ecoles d’Ingénieurs. Quelle école va enseigner le non-conformisme ? Quelle école va enseigner la prise de
risque ?. L’acquis peut être enseigné. Pas l’inné.
Par contre, il est tout à fait envisageable de réaliser des formations qui aident à révéler les capacités innées cachées à l’intérieur
d’une personne, et à les développer, pour en faire un Innovateur.
Certains sports vont révéler et développer le goût du risque .
Des ateliers de travail collectifs de questionnement et de remise
en cause vont aider à révéler et développer l’esprit critique et le
non conformisme.
Des séances de brainstorming vont révéler et développer la créativité.
Des projets personnels, ou en petites équipes, de fins d’études,
de stages, vont laisser s’exprimer les entrepreneurs, et les révéler à
eux même et à leur environnement.
Des voyages à l’étranger permettent de voir d’autres systèmes,
d’autres cultures, d’autres modes de fonctionnement, qui vont contribuer à révéler, et développer l’esprit critique, l’ouverture sur le
monde , la curiosité, le sens de l’observation l’écoute des autres, la
volonté d’apprendre, etc..
— 81 —
La formation des Innovateurs
En ajoutant ce type de pédagogie à des formations incluant la
conduite de projets innovants, alors on a de bonnes chances de générer et former des Innovateurs.
C’est ainsi que la plupart des Grandes Ecoles en France, principalement les Ecoles d’Ingénieurs, mais également quelques Ecoles
de Commerce et de Management, intègrent dans leurs cursus, au
long de la scolarité, tout ou partie des programmes suivants :
• La conduite de projets, avec toutes ses facettes décrites précédemment ;
• Des stages en entreprise, de plus en plus obligatoires, de
durées de 6 mois ;
• Des projets personnels, pendant la scolarité ou en fin d’études ;
• Des animations de groupes, par des psychologues ;
• Des échanges internationaux, obligatoires dans de plus en
plus d’écoles ;
• Des sports à ‘’prise de risque’’: ski, montagne, parachutisme,
canyoning, rugby, etc..
CONCLUSION
Avec des formations adéquates, nous générerons de plus en plus
d’Innovateurs, à condition que la Société soit prête à les accueillir,
et les soutenir:
• Acceptation du changement;
• Limitation raisonnable du devoir de précaution, tant sclérosant pour l’innovation dans ses abus;
• Reconnaissance et valorisation de la prise de risque et de l’innovation;
• Soutien aux Innovateurs;
• Droit à l’échec de l’Innovateur.
Il est donc important de former des Innovateurs, mais il est aussi
important de former la Société à vivre dans une innovation permanente.
— 82 —
UM MODELO COREANO DE
DESENVOLVIMENTO BASEADO
NO CONHECIMENTO
Vera Bier
Miguel Lizárraga
Um modelo coreano de desenvolvimento baseado no conhecimento
— 84 —
Vera Bier e Miguel Lizárraga
Capítulo 5
Um modelo coreano de
desenvolvimento baseado
no conhecimento
INTRODUÇÃO
A partir da década de 80, os países do Pacífico começaram a
apresentar altos índices de crescimento mundial e interferência no
mercado mundial, sendo por isso designados como ‘tigres asiáticos’ e ‘dragões asiáticos’. Os termos lembram agressividade e é
exatamente essa característica fundamental dos quatro países que
formam esse grupo: Coréia do Sul, Taiwan (Formosa), Cingapura e
Hong Kong. Em particular, a Coréia do Sul tem alcançado um dos
crescimentos mais significativos.
A Coréia do Sul está localizada na península coreana e seu território possui 98.480 Km2, o que equivale ao tamanho aproximado
do estado de Pernambuco. Possui uma das densidades médias de
população mais altas do mundo (444 hab/km2 e com valores de
até 600 hab./km2 em determinadas zonas do sul do país). A população coreana é homogênea com respeito a sua composição étnica
e se concentra preferencialmente nas regiões de planície (de modo
particular em Seul, sua atual capital, com mais de 11 milhões de
habitantes). Outras cidades importantes são Suwon, Pusan, Taegu,
Inchon y Kwuangju, todas com mais de um milhão de habitantes.
Há algumas décadas, seu Produto Interno Bruto (PIB) per capita
era comparável aos dos países mais pobres da Ásia e da África.
Hoje, é nove vezes o da Índia e quase três vezes o do Brasil. Seu
PIB per capita registrou um assombroso crescimento, passando de
US$ 60 anuais na década de 50, a US$ 8.000 na década de 80, US$
10.000 na década de 90, atingindo, no ano de 2006, um patamar
— 85 —
Um modelo coreano de desenvolvimento baseado no conhecimento
acima de US$ 20.0001 . A Coréia do sul, que há pouco mais de meio
século era um dos países mais pobres do mundo, alcançou, no ano
passado, um PIB per capita próximo aos de alguns dos países da
Europa.
Depois do Japão, a Coréia do Sul é um dos países mais industrializados da Ásia Oriental, tendo destaque em importantes setores
como automobilístico, eletrônico, metalúrgico, têxtil, químico,
petroquímico, siderúrgico, naval e, mais recentemente, o de
informática. Embora notavelmente industrializada, a Coréia ainda
não é auto-suficiente em combustíveis, importando seu petróleo junto
com outras matérias-primas. Consegue, porém, extrair quantidades
significativas de carvão para produzir eletricidade, da qual metade
tem origem nuclear. Sua atividade agrícola está centrada nas lavouras de algodão, tabaco e principalmente arroz, as quais suprem a
demanda interna. A pecuária é pouco desenvolvida, de modo que
as proteínas da alimentação provêm principalmente da pesca.
O sucesso da economia coreana tem-se obtido pela união de
um governo que intervém diretamente em setores tanto econômicos
como sociais, além de trabalhar fortemente em áreas estratégicas
como a da inovação. O governo coreano tem subvencionado a aquisição da tecnologia, protegendo a exportação e ao mesmo tempo
favorecendo a importação de máquinas e matéria-prima em vez de
bens de consumo; tem também incentivado a massa operária a um
esforço de trabalho, não apenas do ponto de vista braçal, mas principalmente no aprimoramento de sua base de conhecimento e crescimento intelectual.
Coréia é uma sociedade tecnológica, tem a taxa mais alta de
penetração de banda larga do mundo. Para dar uma idéia da magnitude de índice, a população total da Coréia do Sul é de 48,8 milhões de habitantes, dos quais 34 milhões têm acesso à internet, o
que representa quase 70% dos habitantes. Desses, uma quantidade
em torno de 25 milhões usa banda larga. No Brasil, com uma população aproximada de 190 milhões de habitantes, a internet tem
uma penetração de pouco mais de 17%2 .
____________________
1
Fonte : Agencia Central de Inteligência (CIA) : http://www.cia.gov
Fonte : Internet World Stats : http://www.internetworldstats.com / http://
koreaweb.ws/ks/ksr/ksr99-11.htm
2
— 86 —
Vera Bier e Miguel Lizárraga
O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DA CORÉIA
Na Coréia do Sul, a relação entre o governo e a empresa é mais
semelhante ao modelo japonês do que ao ocidental. Esta abordagem faz sentido se nos remetemos à forte influência que a Coréia
do Sul adquiriu durante sua longa ocupação japonesa de 1910 a
1945. Por conseguinte, até os anos setenta, o governo era o motor
primário do desenvolvimento. As empresas eram ferramentas do
governo para a criação da uma economia moderna, e, nessa época,
os grandes conglomerados, os chamados Chaebols, muito se beneficiaram dessas políticas protecionistas. Foi no final da década de
50 que surgiram as principais Chaebols. Na tabela 1, podemos observar uma amostra dos principais conglomerados de empresas ao
longo das últimas décadas.
Tabela 1 — Conglomerados de empresas coreanas
Nos anos setenta, o foco da Coréia era o de desenvolvimento;
nos anos oitenta, a estabilidade. Na década de noventa, sua atenção recai nas questões sociais, porém sem sacrificar seu crescimento econômico, visto que os interesses internacionais e locais se voltaram mais para meio ambiente, qualidade de vida, bem-estar social. Enquanto o foco principal das empresas coreanas está nas tendências globalizadas de comércio exterior, estas tentam cada vez
mais traçar seus objetivos calcados nas necessidades dos seus consumidores e no público em geral, isto é, na produção voltada para
o mercado.
Quais são as causas que explicam o fato de a Coréia estar sendo
vista como um exemplo de desenvolvimento econômico? Em primeiro lugar, a política decidida e constante do governo de impulsionar o desenvolvimento da sociedade do conhecimento e da informação. Trata-se de um esforço contínuo que, desde suas origens
em 1985, com as primeiras medidas para potencializar o setor das
Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), até as mais recen— 87 —
Um modelo coreano de desenvolvimento baseado no conhecimento
tes que estão traçadas no último plano “Conhecimento para Desenvolvimento”3, demonstra claramente sua visão e plano estratégico, não obstante esforços por um sistema educacional que venha
a sustentar a demanda de pessoas capacitadas numa sociedade
baseada no conhecimento, venham desde muito antes.
Vale salientar que, ao contrário do que muitos pensam, o conceito de uma economia baseada em conhecimento não necessariamente gira em torno de alta tecnologia ou tecnologia da informação. A aplicação de novas técnicas à agricultura de subsistência,
por exemplo, pode fazer com que lavouras tenham uma produção
maior do que o previsto, ou o uso de serviços de logística modernos pode acarretar que setores tradicionais de manufatura alcancem novos mercados no exterior.
Eun Mee Kim, em sua obra “Big Business, Strong State: Collusion
and Conflict in South Korean Development, 1960-1990”4 , indica explicitamente, nas suas discussões, os seguintes fatores como explicação para o crescimento sul-coreano:
1. O desenvolvimento econômico da Coréia do Sul foi alcançado
inicialmente por uma estreita aliança formada por um estado
forte, focado e preocupado por um desenvolvimento e um setor
empresarial forte e comprometido.
2. As relações entre o estado e os capitalistas mudaram durante o
curso do processo de desenvolvimento econômico, tornandose cada vez mais dinâmicas.
3. O estado, embora sendo um dos atores do processo de desenvolvimento, experimentou transformações significativas no curso do processo econômico, passando de um estado
“protecionista e abrangente” para o de “intervenção limitada”.
4. Os Chaebols não se limitaram à espera passiva por subsídios e
proteção governamental, estes saíram à busca de novas fontes
de renda extrapolando o mercado local coreano.
____________________
3
“K4D: Knowledge for Development” — Fundamenta-se na infra-estrutura criada
pelo Banco Mundial para o desenvolvimento sustentável da economia com base
no conhecimento.
4
http://koreaweb.ws/ks/ksr/ksr99-11.htm
— 88 —
Vera Bier e Miguel Lizárraga
Figura 1 — Características da Coréia do sul para alcançar o desenvolvimento
baseado em conhecimento
Além destes 4 fatores, podemos acrescentar um quinto, o qual é
condição fundamental para a manutenção e evolução do que até o
momento a Coréia tem alcançado: a educação.
Na figura 1, apresentamos o que consideramos como as principais causas da Coréia ter evoluído e alcançado um patamar elevado de desenvolvimento econômico. Além das iniciativas governamentais e da força dos conglomerados de empresas que atuam no
setor privado, existe um ingrediente fundamental que serve como
amálgama para a sustentabilidade desse modelo de desenvolvimento, que se encontra nos seus aspectos culturais, os quais prezam pela busca da excelência e responsabilidade, dando ênfase à
formação educacional.
SISTEMA ESCOLAR NA CORÉIA DO SUL
Assim como outros países asiáticos de herança confucionista,
na qual se estabelece um modelo que enfatiza o equilíbrio social, a
consciência de grupo, a hierarquia, a disciplina e o nacionalismo, a
Coréia do Sul tem uma longa história de promoção da educação
— 89 —
Um modelo coreano de desenvolvimento baseado no conhecimento
formal. Embora, nos tempos antigos, o Estado não desse suporte à
educação primária, o governo central estabelecia um sistema de
escolas secundaristas em Seul e em províncias próximas. No final
do século XIX e início do século XX, escolas privadas modernas
foram instaladas tanto pelo governo como por missões cristãs estrangeiras. Estas últimas foram de particular importância porque
promoveram a educação de mulheres e a difusão de idéias políticas e sociais do ocidente.
Atualmente, o sistema escolar na Coréia do Sul consiste de um
a três anos de pré-escola, seis anos de ensino fundamental, três anos
de ensino médio, três anos de avançado e quatro anos de universitário (Vide tabela 2). Em 1945, a taxa de alfabetização era estimada
em 22%; nos anos oitenta, girava em torno de 93%; atualmente, segundo dados das Nações Unidas, esta taxa encontra-se em torno
de 99% da população masculina e 97 % entre a feminina.
Tabela 2 — Sistema escolar na Coréia do sul
O ensino fundamental é obrigatório com uma taxa de adesão
próxima a 100%. Três anos de ensino médio obrigatório tem sido
implementado em todo o país desde 2002. Não obstante a pré-escola ainda não seja obrigatória, sua importância tem sido
gradativamente reconhecida nos últimos anos. A educação pré-escolar é considerada como um fator relevante para ajudar a aumentar a baixa taxa de natalidade, resolvendo a polarização social e
permitindo que um maior número de mulheres possa trabalhar fora
de casa. O número de jardins de infância cresceu de 901 em 1980
para 8.275 em 2005. Desde 1999, o governo tem dado suporte a um
projeto nacional de subsidiar a educação de crianças abaixo de 5
anos de idade em famílias de baixa renda.
A média do número de estudantes por professor no ensino fundamental era de 58,8 em 1960. Esta média foi reduzida para 34,9
— 90 —
Vera Bier e Miguel Lizárraga
em 2002 e 34,8 em 2003. Esta condição continua melhorando, chegando a alcançar 26,2 em 2004. Dos candidatos a professor do ensino fundamental exige-se como requisito que se graduem num curso de quatro anos da universidade para professores ou obtenham
o grau de bacharel em educação fundamental na Universidade
Nacional Coreana de Educação.
Uma vez terminado o ensino fundamental, o grupo de crianças
de 12 a 14 anos ingressa no ensino médio para completar do sétimo
ao nono grau. A relação aluno/professor no ensino médio em 2004
foi de 19:1, enquanto que em 1975 esta mesma relação era de 43:1.
Existem dois tipos de ensino avançado na Coréia: o geral e o
vocacional. Alunos que escolhem o ensino avançado vocacional, o
qual cobre agricultura, engenharia, comércio, estudos marítimos e
economia são admitidos através de um exame administrado pela
própria escola. O currículo da escola vocacional divide-se usualmente em 40 a 60% de cursos gerais e o restante vocacional. Quanto ao ensino avançado geral, existem várias escolas especializadas
em artes, física, educação, ciências e língua estrangeira. O objetivo
destas escolas é prover a educação apropriada para alunos com
talentos especiais nessas áreas. Por outro lado, os cursos do ensino
avançado geral tendem a concentrar-se na preparação para ingresso na universidade. Combinando os dois tipos de ensino avançado, a taxa de alunos do ensino médio que alcançam o nível avançado foi de 99,7% em 2004.
Existem vários tipos de instituições de educação superior para
graduar profissionais na Coréia, entre os quais estão as escolas técnicas e as universidades. Aproximadamente 80% de todas as instituições de educação superior são privadas. Tanto as particulares
como as públicas estão sob supervisão do Ministério de Educação
e Desenvolvimento de Recursos Humanos. O ministério tem o controle sobre assuntos tais como: quotas de alunos, qualificação do
ensino, quadro docente e currículo.
Uma sociedade baseada no conhecimento demanda o desenvolvimento de diversas habilidades, entre elas a criatividade. Assim
sendo, a entrada em escolas técnicas ou universidades é feita através da prestação de um exame cujo objetivo é medir vários fatores
e índices com o intuito de qualificar o potencial do estudante. Durante o último ano do ensino avançado, os alunos são submetidos
a um Teste de Habilidade Escolar (THE). O THE é um exame ad— 91 —
Um modelo coreano de desenvolvimento baseado no conhecimento
ministrado pelas escolas com a finalidade de medir as habilidades
analíticas requeridas para completar de forma satisfatória a graduação da educação superior. O THE avalia os conhecimentos gerais
de cada estudante e não um conhecimento específico. O resultado
do THE, em conjunto com as notas do aluno obtidas durante sua
passagem pelo ensino avançado e alguns outros elementos, tais
como atividades extracurriculares, publicações, entrevistas, entre
outras, são levados em consideração de forma ampla pelas universidades para determinar sua admissão.
A educação superior visa a ensinar teorias acadêmicas básicas e
mostrar como aplicá-las às diferentes necessidades da sociedade e
utilizá-las para o progresso da comunidade global. Em 2005, havia
419 instituições de nível universitário com um total de 3,55 milhões
de alunos e 66.862 professores. Nesse mesmo ano, a taxa de alunos
do ensino avançado matriculados em instituições de ensino superior foi de 88,3 % para escolas de ensino geral e 67,6 % para escola
de ensino vocacional.
A Coréia conta também com um sistema de educação especial
que atende estudantes portadores de necessidades especiais, através de educação acadêmica, clínica e vocacional, que utilizam currículo, métodos instrucionais e mídia educacional especiais visando
suprir suas dificuldades diferenciadas. Em 2002, existiam 136 escolas para educação especial, com um total de 23.453 inscritos. Elas
incluem 12 escolas para estudantes com dificuldades visuais, 16
para estudantes com dificuldade auditivas, 19 para estudantes com
dificuldades físicas e de locomoção, 82 para estudantes com dificuldades de aprendizado devido a problemas mentais e 7 para estudantes com problemas psicológicos. Além disso, para outros
26.975 alunos com algum tipo de incapacidade foi oferecida educação especial em quase 4000 salas de aula de escolas regulares.
Além de oferecer programas de educação especial, estas escolas
provêm programas de transição da escola para o mercado, desenhados para preparar esses alunos para um emprego produtivo e
uma vida independente.
O sistema educacional coreano, apesar do seu sucesso demonstrado nas estatísticas, tem sido criticado pela forma como os estudantes acabam encarando o desafio de buscar sempre a excelência.
Levando em consideração a importância que o exame de admissão
na universidade é determinante para o futuro da carreira profissio— 92 —
Vera Bier e Miguel Lizárraga
nal, alunos são submetidos a uma pressão muito grande e a longas
horas de estudo. Marginson5, em seu estudo “Competition and
Markets in higher education”, ilustra este fato remetendo-se ao que
denomina ultracompetitivo sistema educacional coreano, no qual,
estima-se, os pais dos alunos gastam o equivalente a 3,2% do PIB
anualmente em aulas particulares para seus filhos, com o propósito de lhes assegurar o ingresso nas melhores escolas e universidade do país.
CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA CORÉIA DO SUL
Para revigorar o desenvolvimento de ciência avançada e
tecnologia, o governo coreano estabeleceu o Instituto Coreano de
Ciência e Tecnologia (ICCT) e o Ministério de Ciência e Tecnologia,
em 1966 e 1967 respectivamente. Inicialmente, as políticas coreanas
de ciência e tecnologia focavam principalmente a introdução, absorção e aplicação de tecnologia estrangeira. A partir dos anos oitenta, a ênfase mudou para o planejamento e execução de projetos
de pesquisa e desenvolvimento (P&D), visando a elevar os níveis
de capacitação científica e tecnológica. Isto incluiu programas para
aumentar o investimento em P&D tanto do setor público como do
privado.
Desde o início da década de noventa, o governo tem-se concentrado em três áreas: promover a pesquisa em ciências básicas, assegurar a eficiente distribuição do uso de recursos de P&D e expandir a cooperação internacional. São esforços necessários para aumentar a competitividade tecnológica da Coréia. Com esse objetivo
em mente, em 2003, o governo definiu Ciência e Tecnologia como
sua principal prioridade dentro da agenda política para alavancar
o crescimento econômico.
Em 2004, o governo anunciou o plano de reestruturar o Sistema
Nacional de Inovação. O plano enfatiza a mudança de um modelo
de busca de oportunidades para uma abordagem mais criativa, o
aumento da rede de relacionamento entre os players do mercado e
____________________
5
Margison, Simon; ”Competition and markets in Higher Education: a ´glonacal´
analysis”, Policy Futures in Education, volume 2, Number 2, 2004.
— 93 —
Um modelo coreano de desenvolvimento baseado no conhecimento
o trabalho visando ao desempenho e paradigmas orientados para
demanda. No final de 2004, os investimentos de P&D da Coréia
alcançaram US$ 19 bilhões, o que significa 2,85 de seu PIB. A Coréia
também investe ativamente no desenvolvimento da tecnologia para
o bem social com o intuito de melhorar a qualidade de vida e das
tecnologias que levem à criação de novas indústrias.
ESTRUTURA ECONÔMICA BASEADA EM CONHECIMENTO
Diz-se que uma economia está fundamentada em conhecimento quando o uso contínuo e a criação do conhecimento estão
centrados no seu processo de desenvolvimento econômico. O sucesso da transição para uma economia tipicamente baseada em
conhecimento envolve elementos tais como investimentos de longo prazo em educação, desenvolvimento da capacidade de inovação, modernização da infra-estrutura de inovação e ambiente
econômico aberto a transações comerciais. O Banco Mundial (World
Bank) tem se manifestado favoravelmente a esses elementos como
pilares para a economia de conhecimento. De forma mais específica, os quatro pilares que a Coréia está utilizando são os seguintes:
• Um incentivo econômico e regime institucional que proporcionam boas políticas econômicas, as quais promovem alocação
eficiente de recursos e incentivam, de forma eficiente, a criação,
disseminação e o uso do conhecimento existente.
• Força de trabalho educada e capacitada que continuamente se
aperfeiçoa e adapta suas habilidades para eficientemente criar
e utilizar conhecimento.
• Um sistema eficiente de empresas, centros de pesquisas, universidades, consultorias e outras organizações compromissadas
com a revolução do conhecimento que acompanhe o crescimento do conhecimento global, assimile e adapte o novo conhecimento às necessidades locais.
• Uma infra-estrutura moderna e adequada que facilite a comunicação efetiva, a disseminação e o processamento de informação
e conhecimento.
— 94 —
Vera Bier e Miguel Lizárraga
A interação entre estes quatro pilares faz-se necessária para a
manutenção da criação, adoção, adaptação e uso do conhecimento
na produção da econômica doméstica. O resultado será um alto
valor agregado a produtos e serviços, que por sua vez aumenta a
probabilidade do sucesso econômico na atual economia altamente
competitiva e globalizada.
CONCLUSÕES E NOVOS DESAFIOS
A Coréia é um exemplo para os países em desenvolvimento.
Existem, entretanto, aspectos únicos desse país que limitam
diretamente a aplicação do seu modelo em outros países:
homogeneidade étnica e cultural, uma forte tradição confucionista
que agrega alto valor à educação e forte envolvimento do Estado
na orientação e gerenciamento da economia.
A revolução científica tecnológica tem provocado grandes câmbios nos aspectos sociais, econômicos, políticos e internacionais.
Estes câmbios se produzem a uma velocidade cada vez mais rápida, deixando para trás aqueles que não conseguem se acoplar ou
manter esse ritmo de inovação e produção tecnológica. A maioria
dos países asiáticos tem podido se juntar bem a este caminho, seja
por questões geopolíticas, culturais ou por conjunturas internacionais. O exemplo coreano de modernização e competência nos mercados mundiais é importante de ser destacado, pois demonstra que,
apesar de seu atraso econômico na década dos anos cinqüenta, foi
capaz de levar adiante políticas estratégicas de desenvolvimento
que permitiram o crescimento do país em aspectos econômicos,
políticos, sociais e internacionais. Atualmente compete com os países do Primeiro Mundo em questões tecnológicas e se estabelece
na vanguarda da ciência e tecnologia. Um dos ingredientes mais
importantes do caso coreano está dado pela construção compartida do futuro do país e de sua sociedade baseada no gerenciamento
do conhecimento.
SAMSUNG
O espírito da Samsung está baseada no questionamento dos
pensamentos de forma criativa. Assim como uma criança pergunta
— 95 —
Um modelo coreano de desenvolvimento baseado no conhecimento
o porquê das coisas, ela também pergunta. Mas não se limita a isso:
a Samsung pergunta, além do porquê, o como e o quando. Continuamente se questionam as necessidades e os processos, o que por
sua vez leva a questionar de que forma se pode suprir as necessidades através de processos mais eficazes. Questiona-se o desconhecido, e das respostas surge a inspiração para criar novos produtos. Perguntar, indagar, questionar é a essência do processo de
criatividade e é um dos motores que impulsionam a Samsung. Criando uma cultura aberta a questionamentos, a empresa também
fica aberta a possibilidades infinitas. Através dos questionamentos
é possível mudar. Assim sendo, esta prática é estimulada em todos
os níveis, de forma que a empresa esteja sempre mudando, e nessas mudanças se encontrem as oportunidades para o contínuo crescimento.
REINVENTANDO A RODA
Reinventar a roda pode parecer um exercício sem sentido, ou
ainda pode ser visto como um ponto de ruptura que cria uma mudança de paradigma da forma como as pessoas pensam e se comportam. É utilizando o conceito de mudança de paradigma que a
empresa se reinventou com sucesso na última década, todos os
produtos da Samsung começam e terminam com o desafio de melhorar aquilo que for percebido como “suficientemente bom”. Através desse processo, objetiva-se criar mudanças significativas e duradouras.
Uma das chaves para reinvenção contínua é a educação, que a
Samsung oferece de várias formas, desde programas educacionais
dentro da empresa, atraindo profissionais altamente capacitados
para atuar como professores, até programas que encaminham seus
funcionários para as mais diferentes partes do mundo em busca de
conhecimento, entendimento e comunicação, abrindo a mente para
novas possibilidades de criação e desenvolvimento de idéias.
REDE MUNDIAL DE CENTROS DE P&D
O forte comprometimento do P&D é fundamental para se manter na liderança e estabelecer os padrões globais de tecnologia as— 96 —
Vera Bier e Miguel Lizárraga
sim como influenciar os caminhos da indústria para os próximos
anos. Como mostra disso, a Samsung tem um em cada quatro dos
128.000 empregados da empresa, isto é, 32.000 pessoas diretamente
envolvidas na criação e desenvolvimento dos produtos do amanhã, nos 16 centros de pesquisa espalhados por quase todos os continentes. Tais centros compõem uma rede eficiente, que dá vazão
aos esforços de desenvolvimento em tecnologias líderes em mídia
digital, telecomunicações, dispositivos eletroeletrônicos e
semicondutores. Os pesquisadores da Samsung, nesses centros,
estão voltados a buscar os melhores produtos, utilizando, para esse
fim, as mais inovadoras tecnologias. Em 2005, a empresa investiu
perto de 7% do seu faturamento em P&D, investimento este que
tende a subir nos próximos anos. Como resultado, mais de 1.600
patentes foram inscritas na oficina de patentes dos EUA e chegouse a uma lista impressionante de prêmios internacionais e de produtos inovadores, como o telefone DMB, que recebe sinal de TV
por satélite em telefones celulares.
Tabela 3: Patentes depositadas no USPTO 2005
O TALENTO É A CHAVE PARA O FUTURO
Sendo a qualidade uma das prioridades da empresa, esforços
têm sido despendidos no sentido de liderar o desenvolvimento de
tecnologias de nova geração, assim como aumentar o portfólio de
patentes, sempre que possível, sobre tecnologias-chave para a empresa. A Samsung tem feito um investimento muito forte em talentos, porque, na sua concepção, uma capacidade tecnológica supe— 97 —
Um modelo coreano de desenvolvimento baseado no conhecimento
rior é resultado direto do esforço contínuo de pessoas que trabalham em P&D. A empresa ao redor do mundo busca pessoas com
criatividade, inteligência, disposição para trabalho árduo, ao mesmo tempo que cuida do crescimento dos seus talentos locais. Existem hoje mais de 2.700 doutores dentro da empresa, devendo este
número crescer significativamente nos próximos anos. É uma empresa que presta particular atenção aos ambientes em que as pessoas trabalham e nos processos nos quais elas podem interagir. Julga importante que as pessoas saibam trocar idéias e informações
umas com as outras de forma fácil, entre diferentes grupos, setores
e departamentos, sejam estes fisicamente localizados numa mesma unidade de negócios ou distribuídos pelo mundo.
Como disse o presidente e CEO da Samsung Electronics da divisão de semicondutores, Dr. Chang-Gyu Hwang: ”Os esforços da
Samsung em desenvolver seus recursos humanos, atrair os melhores designers, inventores e pessoas inovadoras são fundamentais para
o sucesso de criação da tecnologia da nova era. Hoje, uma pessoa
com essas qualidades afeta a sobrevivência de outras 10.000. A necessidade por um quadro de recursos humanos forte nunca foi tão
urgente e não pode ser alcançado sem ajuda das universidades do
mundo ...”6.
O BRASIL É PARTE DA REDE MUNDIAL DE P&D DA
SAMSUNG
Hoje o Brasil abriga dois centros de P&D da Samsung, um na
árae de celulares, em Campinas, outro na área de TV Digital em
Manaus. A idéia é associar o espírito Samsung de questionamento
dos pensamentos de forma criativa ao talento e versatilidade do
brasileiro para gerar soluções inovadoras,com padrão de qualidade e eficiência mundiais. A sinergia desta composição deve gerar
inovação com sabor brasileiro e cotribuir para assimilarmos o bom
exemplo de desnvolvimento baseado em conhecimento, alinhamento e talento.
____________________
6
The business innovation insider: The secrets of Samsung innovation success,
Julho de 2006.
— 98 —
Vera Bier e Miguel Lizárraga
INFORMAÇÃO SOBRE OS AUTORES:
Vera Bier obteve sua graduação em Ciência da Computação em
1981 pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em 2003
obteve a certificação internacional em gestão de projetos pelo PMI
(Project Management Institute) e em 2006 obteve o MBA em Gestão
Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Desde sua graduação
tem trabalhado na área de P&D junto a renomadas instituições de
pesquisa como CPqD, CTI e Tropico, tendo atuado nas áreas de
comutação de dados e de comutação de voz. Desde 2004, ocupa a
posição de Diretora de P&D do Instituto Samsung na área de terminais de telefonia móvel.
Miguel Lizárraga obteve sua graduação em Engenharia Elétrica
em 1994 pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde
também completou sua formação acadêmica com o Mestrado e
Doutorado na área de processamento de imagens e reconhecimento de padrões, nos anos de 1996 e 2000 respectivamente. Seus trabalhos acadêmicos se concentram em estudos de novas técnicas e
métodos biométricos para autenticação pessoal. Foi pesquisador
colaborador da Unicamp de 2001 a 2003 e prof. na Universidade
Estadual do Ceará em 2004. Passou a atuar na empresa privada
junto ao Instituto Genius de Tecnologia focando seus conhecimentos de pesquisa na prospecção de novas tecnologias para fins
industrias. Atualmente trabalha no Instituto Samsung na área de
gestão de inovação.
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Um modelo coreano de desenvolvimento baseado no conhecimento
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Seção 2
EDUCAÇÃO PARA INOVAÇÃO
NAS ORGANIZAÇÕES
APRENDIZAGEM
ORGANIZACIONAL COMO
INSTRUMENTO PARA INOVAÇÃO
Marco Antonio Silveira1
1
Pesquisador da “Divisão de gestão de empresas” do CenPRA/
Centro de Pesquisas Renato Archer. É o Coordenador geral do “GEIAGrupo de estudos em inovação e aprendizagem em organizações”, entre
outras atribuições.
Aprendizagem Organizacional como Instrumento para Inovação
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Marco Antonio Silveira
Capítulo 6
Aprendizagem Organizacional
como Instrumento para Inovação
Os mercados atuais impõem novos e grandes desafios a organizações e profissionais: margens de lucro em queda, inovações com
velocidade crescente e posições continuamente ameaçadas. Nesse
novo ambiente econômico, o conhecimento é um elemento fundamental dentro do jogo competitivo, uma vez que ele viabiliza a realização de dois movimentos fundamentais para a sobrevivência da
organização. O primeiro movimento requerido pelo momento atual
é a mudança ininterrupta da organização para níveis de desempenho cada vez mais altos, de modo a fazer frente às forças competitivas que estão em contínua evolução. O segundo movimento é o
reposicionamento contínuo da organização dentro do seu mercado,
de modo a implementar as adaptações requeridas pelos demais agentes como organismos legisladores, organismos de normalização/
acreditação, forças macro-econômicas, entre outros.
Portanto, um dos desafios mais importantes impostos às organizações atuais é desenvolver práticas sistemáticas para administrar a autotransformação. Isso porque, nesse contexto, mais que em
outros, o desenvolvimento econômico se efetiva a partir de inovações ou, novas combinações de materiais e forças empregadas de forma diversas, como preconizado por Schumpeter, economista que apresentou o enfoque da inovação como destruição criadora (1988: 43).
Uma inovação pode ser entendida da maneira proposta por Tidd
et alli (1997: 6), como sendo, essencialmente, uma mudança benéfica para a organização. Os benefícios de uma inovação podem ser
ganhos, grandes ou pequenos, de eficiência no uso de algum de
seus recursos ou, de eficácia no atendimento a um dos seus vários
propósitos, tais como, lucratividade, melhorias internas, contribuições sociais, entre outros.
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Aprendizagem Organizacional como Instrumento para Inovação
As inovações — sejam elas mudanças radicais, pequenas
melhorias ou adaptações — resultam da aplicação do desenvolvimento científico e tecnológico (em qualquer área do conhecimento)
nas organizações. Para que as mudanças tragam melhorias efetivas
para a organização, isso é, que sejam realmente inovações, é preciso,
portanto, que sejam resultantes da aplicação de novos conhecimentos úteis para a organização.
Essa importância vital do conhecimento nos mercados atuais
trouxe uma série de mudanças significativas, necessárias para lidar com a nova realidade . Isso inclui a definição de novos conceitos e enfoques, como nova economia, que é o reconhecimento do conhecimento como um ativo empresarial, capital intelectual, que
corresponde ao conjunto de valores econômicos derivados dos
ativos intangíveis da organização, capital humano, termo que designa os conhecimentos (somados às habilidades e atitudes) dos colaboradores colocados à serviço da organização, entre outros.
Como os diferentes tipos de organização — empresas, instituições de P&D e universidades — estão em contínua interação com
seu ambiente, de onde importam os recursos para as suas atividades
e para onde exportam os seus produtos (bens tangíveis ou não), elas
precisam desenvolver estruturas e sistemas mais adaptáveis e eficientes para dar respostas às mudanças que ocorrem em seus ambientes externos. É isso que torna a aprendizagem organizacional um
elemento de destaque no universo empresarial moderno.
Aprender, no sentido amplo do termo, é o processo de adquirir
novos conhecimentos. Portanto, nesse contexto, onde o conhecimento tem importância destacada, a gestão da aprendizagem organizacional
se tornou uma competência estratégica fundamental para a manutenção de vantagens competitivas sustentáveis ao longo do tempo,
pois toda inovação pode ser pensada, em última análise, como resultado da aprendizagem.. Essa relação é discutida em Silveira
(2004), de onde se extraiu a figura mostrada abaixo.
Relação entre Inovação e Aprendizagem no Contexto Empresarial
(Silveira, 2004)
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Marco Antonio Silveira
UM NOVO SIGNIFICADO PARA APRENDIZAGEM
O que foi acima exposto é um indicativo das razões pelas quais
um dos conceitos que mais evoluíram no universo organizacional
é o de aprendizagem, que vem ganhando novo significado e importância à medida que aumentam a competitividade e a velocidade
das mudanças nos mercados. Em função da dinâmica dos mercados atuais, pode-se afirmar com segurança que a aprendizagem
organizacional é hoje condição chave para a competitividade e a
sobrevivência de organizações. Mas, para tanto, é preciso que se
saiba que aprendizagens são cruciais para a organização.
Sendo a aprendizagem organizacional ao mesmo tempo um fenômeno individual e coletivo, é importante identificar os agenteschave para os processos de aquisição, processamento e disseminação de informação, além de definir quais e como são as estratégias
e políticas da organização para o desenvolvimento de competências associadas à aprendizagem entre os agentes-chave, e que condições estruturais e de interação são dadas aos agentes-chave.
Aprender desempenha um papel central na vida dos seres humanos. Ao contrário da maioria dos outros seres vivos, ao nascer
somos totalmente dependentes, não tendo autonomia ou capacidade para praticamente nada, sendo dependente dos adultos próximos para a aprendizagem das coisas mais elementares como falar,
andar, fazer necessidades fisiológicas de maneira socialmente compatível, entre outras do gênero. A nossa qprendizagem ao longo dos
anos passa a incluir a educação formal nos bancos escolares, até
chegar o momento de nossa primeira experiência profissional. E, o
quê nos espera na nossa primeira organização contratante? A aprendizagem na forma de estágios, orientações, treinamentos formais e
informais.
Cabe, portanto, a pergunta: de que trata a aprendizagem
organizacional? Do fornecimento de conteúdos de conhecimento, como
ainda predomina nos bancos escolares? No desenvolvimento de
habilidades técnicas e instrumentais, objetivo dos treinamentos convencionais? Ou, ainda, no cultivo de atitudes melhores, mais condizentes com as necessidades de vida em grupo?
É inerente à aprendizagem organizacional uma relação intrínseca com a cultura organizacional. Isso remete à questões sobre as
formas de interação privilegiadas na cultura da organização, sobre
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Aprendizagem Organizacional como Instrumento para Inovação
quais são as áreas da organização mais permeáveis a aprendizagens, que situações específicas decorrentes da cultura da organização apresentam potencial de aprendizagem e, como o sentido
coletivo é desenvolvido?
As respostas completas para todas essas questões são objetos
de muitos estudos e pesquisas, uma vez que trazem em si importantes diretrizes para a boa condução dos negócios nos mercados
atuais.
EVOLUÇÃO DA APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL
Embora a aprendizagem seja tradicionalmente um interesse da
educação e da psicologia, ela passou a ser também uma preocupação no campo das organizações, onde tem crescido ao longo dos
anos como resposta às exigências da era do conhecimento e da
globalização, como acima mencionado. A aprendizagem
organizacional tem caráter multidisciplinar, envolvendo principalmente, a psicologia, desenvolvimento organizacional, administração, sociologia e a antropologia. Como consequência, existem
enfoques bastantes distintos dados pelos diversos especialistas.
Alguns autores pensam a aprendizagem como se referindo ao
contínuo processo de modificações cognitivas, no sentido de a aprendizagem ser um processo infindável. Outros especialistas pensam
a aprendizagem como o resultado do processo de aprendizagem.
Um exemplo do primeiro foco, é entender a aprendizagem
organizacional como o resultado de um processo de codificação
de insights, estudos e inferências em procedimentos e rotinas que
guiam novos comportamentos. O segundo foco concebe a aprendizagem organizacional como o processo de detectar e corrigir erros,
compreendendo-a como uma construção social que transforma o
conhecimento criado pelo indivíduo em ações concretas em direção
aos objetivos organizacionais.
A compreensão ampliada de aprendizagem engloba tanto as
mudanças cognitivas como as mudanças comportamentais, o que
nos remete para uma área de conflito entre os especialistas. A despeito da existência de linhagens competitivas na busca de entendimento das bases da aprendizagem organizacional, a perspectiva
cognitiva possui um ponto de convergência fundamental, que tem
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Marco Antonio Silveira
suas raízes em abordagens como a de Kant, um dos precursores do
Iluminismo, que rompe com a imutabilidade e objetividade científica platônica, sugerindo que o conhecimento é construído pelo
homem a partir de objetos e outros conhecimentos apresentados a
este. Esse conhecimento construído é dinâmico, indo além do apresentado, sendo, portanto, resultante de uma reconfiguração criativa e, portanto, não-neutro e subjetivo (diferentemente do conhecimento imutável, da essência de Platão).
Com base nos pressupostos acima, entende-se que a aprendizagem diz respeito a alterações sistemáticas em estruturas cognitivas
e estados de conhecimento, na qual os estados de conhecimento
individual configuram-se na base cognitiva para novos conhecimentos, tanto em nível individual como organizacional. Portanto,
a perspectiva cognitiva à aprendizagem pode ser compreendida
como a transformação de uma dada estrutura cognitiva por meio
da integração de nova informação, o que leva ao entendimento que
o resultado imediato da aprendizagem se restringe a um conhecimento novo ou aperfeiçoado e não qualquer ação ou comportamento particular. Assim, o foco da aprendizagem inclui a antecipação da capacidade de resolver problemas, não se referindo à experimentação reativa do tipo tentativa e erro.
O processo da aprendizagem cognitiva relacionado com o nível
de análise do indivíduo, elemento fundamental no processo, gera
um poderoso instrumento de alavancagem à aprendizagem
organizacional. Novos conhecimentos individuais podem, então,
ser institucionalizados e ampliados organizacionalmente, gerando
a desejada aprendizagem coletiva. Garvin afirma que uma organização que aprende é aquela que, como um coletivo, possui capacidades na criação, aquisição e transformação do conhecimento, assim como na modificação de seu comportamento para refletir os
novos conhecimentos e insights.
Independentemente do foco que se dê ao conceito de aprendizagem organizacional, as organizações precisam ter colaboradores
em condições de bom desempenho de suas atividades. E essas condições envolvem tanto competências instrumentais, isso é, relacionadas diretamente com a tarefa, como competências atitudinais,
uma vez que uma organização é um (micro)sistema social, onde, a
despeito das suas tarefas profissionais, as pessoas devem relacionar-se entre si.
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Aprendizagem Organizacional como Instrumento para Inovação
Treinar indivíduos para o desenvolvimento de suas competências instrumentais a partir de critérios preestabelecidos é prática
antiga, existente desde sempre e relacionada ao trabalho sistematizado. As técnicas de treinamento foram sendo criadas e adaptadas
ao longo dos séculos em função das mudanças na natureza e na
forma das organizações, e geradas pelo processo de racionalização
das sociedades ocidentais. E, as percepções sobre o significado, o
valor e a importância das técnicas de treinamento também sofreram alterações ao longo dos anos.
Embora presente há mais tempo na literatura sobre teoria
econômica da firma e teoria das organizações, o conceito de aprendizagem organizacional ganhou notoriedade na década de noventa,
Se em suas abordagens iniciais, no contexto da teoria econômica
da firma, falar em aprendizagem organizacional significava avaliar resultados de desempenho, na medida em que o conceito é apropriado pela teoria das organizações, o foco passa a ser nos processos,
buscando-se entender como as organizações agem para conquistar
os resultados que indicam a realização de aprendizagens.
A ênfase no conceito de aprendizagem organizacional e sua retomada são atribuídas à relação inextricável com os processos de
mudança organizacional, de modo que a preocupação em melhorar os mecanismos de aprendizagens se torna crucial em contextos
competitivos nos quais a inovação em produtos e processos é fundamento da sobrevivência de organizações. Busca-se compreender que estruturas e políticas organizacionais, que modo para gestão de pessoas, que cultura, valores e tipos de liderança, que competências e demais aspectos podem favorecer ou dificultar a aprendizagem organizacional.
CONHECIMENTO E APRENDIZAGEM
As concepções sobre o conhecimento organizacional estão associadas a uma ampla gama de disciplinas. A história econômica, por
exemplo, tem examinado a importância do conhecimento no desenvolvimento de novas industrias e tecnologias, bem como a
institucionalização da aprendizagem como mecanismo para o desenvolvimento da pesquisa e desenvolvimento. A aprendizagem é
vista pelos economistas como melhorias quantificáveis nas
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Marco Antonio Silveira
atividades ou alguma forma abstrata de resultado positivo decorrentes da utilização do conhecimento. Os economistas industriais
tem argüido que a conhecimento afeta a produtividade e a estrutura industrial, o que é ilustrado através das idéias das curvas de
aprendizado. A relação entre conhecimento e inovação tem sido
um campo fértil de estudo, tanto em nível da estratégia como de
gerenciamento tático e operacional, principalmente quanto da introdução de novos produtos.
Já na literatura pertinente às áreas de administração e de negócios o conhecimento é relacionado a uma eficiência competitiva,
sustentável e relativa, enquanto na literatura sobre inovação normalmente se refere a uma eficiência vinculada diretamente à capacidade para inovar. Estas várias literaturas concentram-se mais constantemente no exame dos resultados advindos do conhecimento do
que propriamente nos fundamentos de seu estudo. Em
contrapartida, a literatura sobre teoria organizacional e psicologia
enfatiza predominantemente o processo de aprendizagem e geração do conhecimento.
Nonaka e Takeuchi (1997) abordam o processo de geração do
conhecimento a partir da identificação de dois tipos de conhecimento. O primeiro tipo é o conhecimento explicito, que pode ser
formalizado, e que é contido nos manuais, procedimentos, normas
e outros documentos. O conhecimento tácito, ou implícito, é obtido somente através da interação direta entre as pessoas, pela experiência, sendo só comunicável indiretamente através de metáforas
e/ou analogias. Eles entendem que o conhecimento é criado apenas por indivíduos, sendo que a sua teoria do conhecimento
organizacional descreve um processo que tem por objetivo ampliar “organizacionalmente” o conhecimento criado pelos indivíduos
a fim de cristalizá-lo na rede de conhecimentos da organização. Esse
processo referido se dá através do que os autores denominam de
“espiral do conhecimento”.
O processo inerente à espiral do conhecimento é tal que os conhecimentos (tácitos e explícitos) são mobilizados e ampliados
organizacionalmente através de quatro formas de conversão sucessiva, a saber: socialização (transformação do conhecimento tácito em
tácito), externalização (tácito em explicito), combinação (explícito em
explícito),internalização (explícito em tácito). Portanto, o conhecimento que se inicia no nível individual, se amplia, cristalizando-se em
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Aprendizagem Organizacional como Instrumento para Inovação
níveis ontológicos superiores, cruzando fronteiras entre setores,
departamentos, divisões e organizações, e retornando ao indivíduo em estágios superiores. O conhecimento organizacional, assim, é desenvolvido a partir do interjogo entre o conhecimento tácito e o conhecimento explícito, nas quatro formas identificadas (socialização, externalização, combinação e internalização).
A relação entre aprendizagem e gestão do conhecimento pode
ser estabelecida na medida em que aquela se configura como uma
forma de aumentar o estoque de conhecimentos em uma organização. Embora essa relação pareça ser direta não é tarefa trivial estabelecer as relações causa-efeito entre aprendizagem e conhecimento. Vários trabalhos indicam que a aprendizagem tem um papel
importante a desempenhar no aumento do estoque de conhecimento de uma organização, ao contribuir para o desenvolvimento da
amplitude e da profundidade do conhecimento, bem como para o
desenvolvimento do conhecimento exploratório — o qual consiste
nas rotinas organizacionais desenvolvidas para facilitar o desenvolvimento de novos produtos e processos — e o conhecimento
explorável — que diz respeito à aprendizagem de rotinas relacionadas com a inovação de produtos e processos. A aprendizagem,
portanto, é uma prática que promove o fluxo de conhecimento dentro da organização e, conseqüentemente, auxilia no alcance do
objetivo principal da gestão do conhecimento.
APRENDIZAGEM COMO DESENVOLVIMENTO DE
COMPETÊNCIA
O conceito de competências vem ganhando espaço nas organizações, e requerendo uma compreensão mais ampliada da aprendizagem organizacional. Perrenoud (1999) afirma que são múltiplos os significados da noção de competência e a define como uma
capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles. Uma definição com ampla aceitação nos meios acadêmico e empresarial é a de competências como combinações sinérgicas de conhecimentos, habilidades e atitudes, expressas pelo desempenho profissional, dentro de determinado contexto organizacional. Esse enfoque é conhecido como modelo C.H.A.
(abreviação de Conhecimentos, Habilidades e Atitudes, onde:
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Marco Antonio Silveira
• os conhecimento estão relacionado com o “saber o que fazer e
o porque fazer” (know-what e know-why)
• as habilidades estão relacionadas com o “saber fazer” (knowhow)
• as atitudes estão relacionadas com a pessoa dentro do trabalho, e com questões de natureza psico-sociais relativas ao
trabalho
Essa noção de competência indica um enfoque de aprendizagem como algo que transcende a aquisição de novos conhecimentos. E, analogamente às idéias de conhecimento individual e
organizacional, é possível classificar as competências como profissionais ou humanas (relacionadas à indivíduos ou equipe) e
organizacionais (da organização como um todo).
Em Silveira (2004) a competência organizacional é enfocada como
sendo a capacidade de executar um processo de forma a atender às necessidades a ele relacionadas. Kim tem uma perspectiva alinhada com essa
proposta de entendimento de competência, ao afirmar que a aprendizagem organizacional é definida como um aumento crescente da
capacidade organizacional de realizar ação efetiva.
Uma vez que os processos organizacionais envolvem tanto pessoas como outros tipos de recursos, identificamos dois componentes distintos de primeiro nível na competência organizacional, a
saber, o humano e o estrutural. A competência humana (seja ela individual ou de uma equipe) pode ser desdobrada em conhecimentos, habilidades e atitudes, como mencionado anteriormente, enquanto que a competência estrutural engloba equipamentos, materiais e infra-estrutura. A figura a seguir sintetiza essa proposta.
Esse enfoque de competência amplia bastante o conceito de
aprendizagem organizacional, alcançando inclusive a dimensão
estrutural da organização. Mas o que nos interessa aqui é o fator
humano, ou, o capital humano, o qual pode ser entendido como
“as competências dos colaboradores colocados à serviço da organização”. Portanto, pertence ao indivíduo, mas o seu uso gera valor
para as organizações. Ao se estabelecer a relação entre aprendizagem e capital humano de uma organização, pode-se dizer que aquela
proporciona aumento desta. Portanto, quanto maior a competência, maior é o capital humano para ser investido na Organização.
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Aprendizagem Organizacional como Instrumento para Inovação
O resultado das competências reunidas habilitarão a organização no desenvolvimento de produtos e processos com alto valor
agregado. O ganho e desenvolvimento de competências requer tanto
organização, envolvimento e boa comunicação, como um profundo comprometimento na geração de valor, sobretudo a partir do
trabalho nas suas interfaces da organização.
APRENDIZAGEM INDIVIDUAL E APRENDIZAGEM
ORGANIZACIONAL
Uma importante questão que se coloca para o gerenciamento
da aprendizagem organizacional, é a relação desta com a aprendizagem individual. Na medida em que a aprendizagem proporciona o aumento do estoque de conhecimento organizacional, ela o
faz por meio do desenvolvimento de mudanças cognitivas individuais, sendo que a transformação dessa mudança cognitiva em
mudança integrada em outros níveis da estrutura organizacional
(grupo e organização como um todo) configura-se no grande desafio da aprendizagem organizacional, como discutido anteriormente com base no modelo de Nonaka e Takeushi apresentado.
A aprendizagem organizacional tem caráter que é, paradoxalmente, ao mesmo tempo individual e coletivo, de modo que, muito embora a aprendizagem individual não seja sinônimo de aprendizagem organizacional, esta não ocorre sem aquela. É possível pensar a
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Marco Antonio Silveira
aprendizagem organizacional como o crescimento ao longo da estrutura de insights e reestruturações bem sucedidas de problemas
organizacionais, os quais são realizados por indivíduos mas com
impacto nos elementos estruturais e nos resultados da organização.
Portanto, existe a necessidade de se diferenciar o fenômeno que
ocorre em nível individual e aquele que ocorre em nível organizacional. É bastante significativa a importância do aprendizado
individual na aprendizagem organizacional, uma vez que a informação que entra na organização é, via de regra, transmitida por
intermédio dos indivíduos. Portanto, é útil entender que fatores
influenciam a aprendizagem em nível individual e a relação desses com a aprendizagem organizacional.
A aprendizagem organizacional é usualmente pensada relativamente aos indivíduos, de maneira que a apropriação do conhecimento pela organização como decorrência da aprendizagem
organizacional, é vista como sendo similar ao processo que ocorre
individualmente. Vários autores têm essa compreensão da aprendizagem organizacional como a aprendizagem individual que ocorre na organização, pois é o indivíduo que possui a capacidade de
agir nesse contexto. Esse enfoque pressupõe que as pessoas são a
entidade primária do aprendizado nas organizações, e que elas criam as formas organizacionais que possibilitam a geração do conhecimento e a mudança organizacional.
Uma perspectiva ligeiramente diferente da anterior é defendida
por outros estudiosos que postulam que a aprendizagem individual
é pré-requisito da aprendizagem organizacional. Há o entendimento
que as estruturas cognitivas de cada gerente em uma organização
proporcionam a base para a aprendizagem organizacional, sendo
esta o resultado da aprendizagem individual. Assim, as pessoas se
constituem nas entidades primárias de aprendizagem no âmbito das
organizações, sendo elas responsáveis pela criação das formas
organizacionais que permitem a aprendizagem, que promove as diferentes formas de mudanças organizacionais. Essa compreensão se
fundamenta no fato de que o conhecimento só pode ser criado por
pessoas, e que, portanto, a aprendizagem individual é a base para
que se estabeleça o processo de aprendizagem organizacional.
Dado que a aprendizagem das organizações é maior que a soma
da aprendizagem individual de seus membros, vários estudos
buscam entender como isso ocorre, inclusive partindo da dimen— 115 —
Aprendizagem Organizacional como Instrumento para Inovação
são cultural. A associação entre cultura e aprendizagem organizacional se estabelece na busca de se entender as relações entre
aprendizagem individual e organizacional.
A aprendizagem individual no contexto organizacional não pode
ser reduzida a um ato promovido pelas pessoas isoladamente, pois
as organizações têm suas regras (tácitas e explícitas) de aceitação e
exclusão de pessoas, suas histórias de sucesso e fracasso, seus mitos, heróis, símbolos, os quais constituem a cultura organizacional
(a qual, por sua vez, é constituída de diversas sub-culturas associadas). É essa cultura que caracteriza a organização e a distingue de
outras organizações. Essa relação de aspectos culturais com a aprendizagem pode ser percebida também pelo fato de que uma parte
considerável do conhecimento compartilhado em uma organização é tácito, o que confere especial valor à transmissão de saber e à
aprendizagem que ocorre através de mecanismos informais, pertinentes à dimensão sóciocultural da organização.
Organizações, diferentemente de indivíduos, desenvolvem e
mantêm sistemas de aprendizagem que, não apenas influenciam
seus membros imediatos, mas são também transmitidos para outros, via histórias e normas organizacionais. É possível fazer essa
afirmação, tendo como base o fato que os funcionários mudam,
as lideranças se modificam, mas permanece uma memória remanescente que preserva conhecimentos, comportamentos, visões de
mundo, ideologias normas, valores e modelos mentais. Assim,
seria um erro afirmar que a aprendizagem organizacional é o resultado cumulativo da aprendizagem dos seus membros.
Analogamente, existem muitos casos em que as organizações sabem menos que seus membros.
Existe um modelo integrado de aprendizagem organizacional proposto por Kim (1993), o qual é composto pelo modelo experiencial da
aprendizagem e a noção de modelos mentais, que provoca uma
síntese entre as crenças individuais e as crenças compartilhadas. A
existência de crenças compartilhadas deriva do fato que, embora a
aprendizagem organizacional ocorra através dos indivíduos, e que
apesar das organizações não terem, fisicamente, cérebro, elas possuem algo semelhante aos sistemas cognitivos e às memórias.
Os modelos mentais derivam e representam os resultados das
aprendizagens individuais. Essas aprendizagens realizadas pelos
indivíduos, contribuem, reciprocamente, para as aprendizagens dos
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Marco Antonio Silveira
pequenos grupos os quais, através de mecanismos de interações
sucessivas, trafegam pela organização como um todo. Esse processo de interações sucessivas e recíprocas, resulta em modelos mentais compartilhados, os quais guardam regras tácitas, e portanto,
intangíveis, que irão orientar a ação dentro da organização, transcendendo à memória organizacional contida em rotinas escritas.
Portanto, não são meramente o repositório de informações mas,
antes, processos ativos de construção de teorias da realidade com
fortes impactos na ação. Os modelos mentais estão fortemente associados à cultura das organizações, sendo expressão de seus valores, de suas crenças e do senso comum dominante no contexto
organizacional.
Muito embora possa estar no domínio de ações e decisões individuais, a aprendizagem organizacional associada a modelos mentais,
situa-se em um campo de difícil definição, por ser pouco tangível.
Ao dar destaque ao aspecto da aprendizagem organizacional na produção da noção de oportunidades de aprendizagem organizacional, valoriza-se, por um lado, as decisões e ações individuais com impacto nas ações e no desempenho da organização e, por outro lado, a
noção de que ações e decisões derivam de modelos mentais. Isso
nos remete para o conceito de aprendizagem de segundo nível, do tipo
aprender-a-aprender, isto é, aquela aprendizagem que propõe a revisão dos pressupostos orientadores da ação subjacentes aos modelos mentais existentes, e que encontra uma expressão singular no
indivíduo. Identificar a teoria-em-uso na ação individual tem o sentido de buscar as variáveis que governam a ação no contexto
organizacional. Esse é o primeiro passo necessário a qualquer proposição de aprendizagem que tenha como efeito qualquer mudança organizacional mais profunda.
Modelos mentais favoráveis à boa saúde organizacional, são
aqueles cujos paradigmas associados à aprendizagem contemplam
a capacidade de renovação dos conhecimentos passados, ou seja, a
capacidade de desaprender mesmo aqueles conhecimentos que resultaram em sucesso no passado, evitando-se o risco de
obsolescência em virtude das contínuas mudanças do ambiente
externo. Desse modo, haverá um caldo cultural favorável para que
seja implementada uma gestão competente da aprendizagem, envolvendo tanto a aquisição de novos conhecimentos como a adequada eliminação de conhecimentos obsoletos e inúteis. Essa aten— 117 —
Aprendizagem Organizacional como Instrumento para Inovação
ção com o ato de desaprender irá aumentar a capacidade da organização se adaptar à dinâmica do ambiente onde ela está inserida.
Fica claro, portanto, que não são simplesmente os conhecimentos individuais de cada pessoa que estão em jogo na aprendizagem organizacional mas, sim, aqueles conhecimentos que são compartilhados de algum modo e, que mobilizam a ação. De forma
complementar, destacamos que são os indivíduos, ao atuarem como
agentes da organização, que irão produzir ações aptas à aprendizagem, sendo também as pessoas que individualmente podem inibir, retardar, diminuir ou produzir barreiras à aprendizagem. Esse
reconhecimento é feito por vários estudiosos que reconhecem a
necessidade da aprendizagem individual para a aprendizagem
organizacional, mas reforçam que a aprendizagem organizacional
significa mais do que a soma agregada das aprendizagens individuais. Nesse contexto, assume-se que a aprendizagem (o processo
cognitivo) ocorre no nível individual, mas com a participação de
um fenômeno organizacional mais amplo.
Portanto, independentemente da definição ou abordagem que
se faça à aprendizagem organizacional, esta será sempre mediatizada pela aprendizagem dos membros da organização, pois uma
organização só pode aprender por intermédio das pessoas que dela
fazem parte ou através dela atuam. O “modelo dos quatro is” descreve como o conhecimento individual é distribuído através de uma
organização, delineando e possibilitando a aprendizagem
organizacional. Nesse modelo, a aprendizagem organizacional é
constituída de quatro processos inter-relacionados, a saber, intuição, interpretação, integração e institucionalização. Cada um desses quatro processos pode ocorrer tanto no nível individual, como
nos níveis grupal e organizacional. Esses três níveis definem o
arcabouço por meio da qual ocorre a aprendizagem e os processos
que irão amalgamar a estrutura organizacional.
Intuir envolve a presença e o reconhecimento de padrões e/ou
possibilidades em nível pré-consciente no indivíduo. Esse processo afeta o comportamento individual, sendo que, nesse contexto,
aprender significa identificar e reconhecer similaridades e diferenças entre padrões e possibilidades. O processo de intuir ocorre somente no nível individual.
O processo de interpretar ocorre tanto no nível individual, como
no nível grupal. Interpretar diz respeito ao ato de verbalizar um
insight, idéia ou conhecimento para si mesmo e/ou para outras
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Marco Antonio Silveira
pessoas. Significa a passagem de elementos pré-conscientes para
níveis conscientes, com o uso da linguagem (seja ela falada, escrita
ou pensada). A linguagem possibilita a compreensão dos padrões
intuitivos, o que reforça a aprendizagem.
A integração é o processo de construção de uma compreensão
compartilhada entre indivíduos e o desenvolvimento de uma ação
coordenada a partir de ajustamentos mútuos. Portanto, o processo
de integrar transcende o indivíduo, ocorrendo nos níveis grupal e
organizacional.
Por fim, a institucionalização é o processo que garante que as
ações rotinizadas se estabeleçam na organização. A institucionalização ocorre através das camadas de conhecimento que são incorporadas a sistemas, estruturas, estratégias, rotinas e práticas
organizacionais. A institucionalização é o conceito que descreve esse
processo de incorporação dos conhecimentos à organização como
um todo e, portanto, ocorrendo somente no nível organizacional.
Os quatro processos de aprendizagem definidos no modelo dos
quatro is perpassam os três níveis– indivíduo, grupo e organização — sendo muito difícil identificar quando um processo se finaliza e o outro se inicia, pois a aprendizagem organizacional é um
fenômeno ao mesmo tempo constituído e constitutivo. O conhecimento individual e os processos de intuir e interpretar delineiam
as rotinas e ações organizacionais, resultantes da integração e da
institucionalização, que, em seu turno, influenciam o processo de
intuição e interpretação, formando um processo de aprendizagem
com elementos dialéticos. Destaque-se também que a aprendizagem não ocorre apenas entre os níveis, ela também cria uma tensão
entre a assimilação de novas aprendizagens (feed-forward) e a utilização de conhecimentos já aprendidos (feedback).
Levando-se em consideração esses aspectos, compreende-se
aprendizagem organizacional como uma construção social que
transforma o conhecimento criado no nível individual em ações
concretas em direção aos objetivos organizacionais. Essa síntese
da relação entre aprendizagem individual e aprendizagem organizacional, a qual — em sua essência — se aproxima muito do modelo
proposto por Nonaka e Takeushi para a criação de conhecimento em
organizações.
O fato de indivíduos aprenderem não significa por si que houve um ganho coletivo, pois a aprendizagem organizacional ocorre quando a aprendizagem contribui para alcançar propósitos
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Aprendizagem Organizacional como Instrumento para Inovação
organizacionais, e é de alguma forma compartilhada com os membros da organização ou os resultados da aprendizagem são incorporados em estruturas, sistemas e cultura organizacionais. Portanto, tendo em vista essa realidade, o principal desafio para uma
competente gestão da aprendizagem organizacional é criar estruturas e práticas que possam auxiliar na conversão do conhecimento individual em conhecimento organizacional, e vice-versa. Como
o processo de criação do conhecimento organizacional baseia-se
na amplificação e internalização do conhecimento individual, que
é parte do capital de conhecimento da organização, a incorporação do conhecimento individual no capital de conhecimento da
organização baseia-se no fato de que as organizações podem ser
representadas por padrões de interações entre indivíduos que
tendem a perdurar mesmo quando vários desses indivíduos deixam a organização.
REFERÊNCIAS
GARVIN, D. A. Learning in action: a guide to putting the learning
organization to work. Harvard Business School Press: Boston,
Massachusetts, 2000.
KIM, D. The link between individual and organizational learning.
Sloan Management Review. pp. 37-50, 1993.
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— 120 —
APRENDIZADO E CULTURA DA
INOVAÇÃO NO AMBIENTE
ORGANIZACIONAL*
Dalton Oswaldo Buccelli
Engenheiro Mecânico pela Faculdade de Engenharia
Industrial, Mestrando em Administração de Empresas pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Sócio-Diretor da Getac Assessoria e Consultoria Ltda.
E-mail: [email protected]
Março 2007
* Artigo elaborado para a COLETÂNEA UNIEMP INOVAÇÃO:
“Educação para Inovação: Desafios e Soluções”
Instituto UNIEMP — São Paulo — SP.
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
— 122 —
Buccelli, Dalton Oswaldo
Capítulo 7
Aprendizado e cultura da inovação
no ambiente organizacional
RESUMO
Este artigo examina a importância do aprendizado e da inovação
nas teorias modernas sobre o ambiente organizacional. Ele fornece
uma análise crítica da literatura existente focalizando as características apresentadas pelas organizações que aprendem e inovam em
relação às principais teorias organizacionais ambientalistas, buscando identificar sua importância relativa para cada uma delas. A
discussão leva em conta as principais teorias de relacionamento
entre organizações e o ambiente externo, agrupadas em quatro perspectivas: Contingencialista, Dependência de Recursos, Ecológica e
Neo-Institucional. Este trabalho analisa a inter-relação entre as teorias e busca demonstrar a adequação do aprendizado e da inovação em função do grau de institucionalização / estabilidade, do
grau de complexidade / desenvolvimento tecnológico e do grau
de incerteza / necessidade de informações dos ambientes organizacionais.
Palavras-chave: teoria organizacional ambientalista; inovação;
aprendizado; mudança organizacional.
ABSTRACT
This paper examines the importance of learning and innovation in
modernist organization-environment theory. It provides a critical review of
the literature, focusing on the presented characteristics of innovative and
— 123 —
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
learning organizations related to organizational theories to identify the relative
importance for each of them. This is discussed with reference to major
organization-environment theories grouped in four perspectives:
Contingency, Resource Dependence, Ecology and Neo-Institutionalism. This
paper analyses the interrelation between theories and try to show the adequacy
of learning and innovation practices related to organizational environment
degree of institutionalization / stability, degree of complexity / technical
development and degree of uncertainty / need of information.
Keywords: organizational environment theory; innovation; learning
organization; organizational change.
1. INTRODUÇÃO
A habilidade de uma organização aprender e inovar vem sendo
frequentemente apresentada como condição necessária para sua
sobrevivência e sucesso num ambiente de negócios cada vez mais
turbulento e competitivo. No entanto, a literatura existente sobre
estes temas é muito recente e, de maneira geral, muito diversa, não
permitindo estabelecer um quadro teórico integrado.
O objetivo principal deste trabalho é analisar criticamente a literatura existente para levantar as diferentes abordagens sobre o
aprendizado organizacional e a inovação nas diversas teorias modernas, principalmente naquelas que estudam as relações organização-ambiente. Por outro lado, diversos autores têm estudado as
principais teorias organizacionais e sumarizado suas principais
características, similaridades e diferenças, principalmente no que
se refere à estrutura física, estrutura social, cultura, tecnologia e
ambiente (Mintzberg, 1979; Pugh et al, 1968; Hatch, 1997). Porém,
não encontramos na literatura sobre a teoria das organizações estudos relacionando explicitamente as características das diferentes
escolas de administração com a propensão para o aprendizado
organizacional e a inovação.
É importante analisar a inter-relação entre as teorias e a adequação do aprendizado e da inovação em função do grau de institucionalização / estabilidade, do grau de complexidade / desenvolvimento tecnológico e do grau de incerteza / necessidade de informações dos ambientes organizacionais.
— 124 —
Buccelli, Dalton Oswaldo
Para facilitar a análise, as principais teorias organizacionais foram agrupadas em quatro perspectivas: Contingencialista, Dependência de Recursos, Ecológica e Neo-Institucional, levando em consideração agrupamentos identificados anteriormente na literatura
sobre o assunto (Hatch, 1997; Astley e Van de Ven, 2005; Reed, 1998;
Morgan, [1980] 2005).
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
De acordo com os conceitos fundamentais da excelência descritos no modelo europeu de qualidade da gestão (EFQM, 2003), as
organizações excelentes aprendem continuamente, não só com as
suas próprias atividades e com o seu desempenho, como com os
dos outros. Realizam benchmarking rigoroso, tanto interno como
externo. Assimilam e partilham o conhecimento de suas pessoas
de forma a maximizar o aprendizado em toda a organização. Existe abertura à identificação e utilização de idéias de todos os
stakeholders. As pessoas são incentivadas a olhar para o futuro e para
além das capacidades atuais. São cuidadosas em conservar o seu
capital intelectual e a explorá-lo comercialmente, quando apropriado. As suas pessoas desafiam constantemente o status quo e procuram oportunidades de inovação e melhoria contínua que agreguem
valor à organização.
Portanto, a Fundação Européia para a Gestão da Qualidade trata o aprendizado, a inovação e a melhoria contínua como um único
fundamento da excelência, que evolui à medida que as organizações amadurecem. No início as oportunidades para melhoria são
identificadas e tratadas. Com o passar do tempo, a melhoria contínua se torna um hábito aceito por todos. Finalmente, as melhorias
bem sucedidas e as inovações passam a fazer parte da cultura
organizacional, sendo estimuladas, disseminadas e integradas.
Por outro lado, alguns autores abordam a inovação e o aprendizado de maneira distinta, motivo pelo qual abordaremos isoladamente as características das organizações que aprendem e das organizações inovadoras.
— 125 —
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
2.1. Aprendizado Organizacional e Organizações que Aprendem
Um dos conceitos fundamentais da excelência em gestão é o aprendizado organizacional. O significado adotado pela Fundação Nacional da Qualidade (FNQ, 2006, p. 10) é o de “busca e alcance de um
novo patamar de conhecimento para a organização, por meio da
percepção, reflexão, avaliação e compartilhamento de experiências”.
Decorre de um processo sistemático de melhoria contínua das práticas de gestão organizacional e que podem redundar em eventuais
inovações, tanto incrementais quanto de ruptura.
As empresas que possuem o aprendizado internalizado em sua
cultura organizacional, têm o hábito de aperfeiçoar suas atividades e isso faz parte do trabalho diário das pessoas em todos os
níveis da hierarquia e em quaisquer de suas funções. Essa cultura
do aprendizado contempla a preservação do conhecimento adquirido pela organização, bem como o seu compartilhamento para
gerar o aprendizado coletivo. A gestão do conhecimento valoriza e
perpetua o capital intelectual, apoiando-se na geração, codificação,
disseminação e apropriação dos conhecimentos. As organizações
que possuem práticas estruturadas de aprendizado incentivam a
experimentação, utilizam os erros como instrumentos pedagógicos, disseminam suas melhores práticas, compartilham informação e conhecimento, desenvolvem soluções e implementam
melhorias e inovações de forma sustentada (Senge, Scharmer,
Jaworski e Flowers, 2004).
De acordo com Argyris e Schön (1978), o aprendizado envolve a
detecção e a correção de um erro. Quando alguma coisa dá errada, o
ponto de partida para a maioria das pessoas é procurar outra alternativa, ou estratégia de ação, que tratará as conseqüências e conviverá com as variáveis dominantes. Em outras palavras, a escolha de
objetivos, valores, planos e regras é operacionalizada ao invés de
questionada. Esse é o Ciclo Simples do Aprendizado. Esse primeiro aprendizado é o processo de erro-correção e funciona como um
termostato que aprende quando está muito quente ou muito frio e
desliga ou liga o aquecedor. O termostato pode realizar essa atividade porque recebe a informação e toma a ação corretiva.
Argyris e Schön (1974) identificaram uma segunda alternativa
para a correção do erro que passa, primeiramente, pelo
questionamento das variáveis dominantes, para depois, em fun— 126 —
Buccelli, Dalton Oswaldo
Figura 1 — Ciclo Simples e Ciclo Duplo de Aprendizado
ção das mudanças, definir novas estratégias de ação que resultarão
nas novas conseqüências. Esse é o Ciclo Duplo do Aprendizado,
que somente ocorre quando a correção do erro passa por uma modificação nas normas, procedimentos, políticas ou objetivos da organização. A figura 1 mostra a representação gráfica dos dois tipos
de aprendizado.
Segundo os autores (Argyris e Schön, 1974), o aprendizado de
ciclo simples parece estar presente quando os objetivos, valores,
políticas e estratégias são dados como certos. A ênfase é na técnica
e em fazer com que as técnicas se tornem mais eficientes. O aprendizado de ciclo duplo, em contraste, envolve o questionamento do
papel dos sistemas de execução e aprendizado existentes e que
servem de suporte para as metas e estratégias em vigor.
Em suas pesquisas, Chris Argyris tem se defrontado com uma
imensa maioria de participantes que adotam apenas o aprendizado de ciclo simples. Isso significa que as pessoas assumem o ambiente de outras pessoas sem verificar a validade das variáveis dominantes e defendendo suas posições de forma abstrata, sem explicar ou demonstrar os motivos lógicos. Essa postura das pessoas
nas organizações inibe a troca de informações relevantes, tornando
o aprendizado de ciclo duplo difícil em ambientes instáveis e sujeitos às mudanças freqüentes e, de certa forma, impossível quando o ambiente das organizações é estável. Essa atitude cria um dilema à medida que o aprendizado de ciclo duplo é mais necessário que o de ciclo simples em algumas situações organizacionais.
O conceito de aprendizado de ciclo simples e de ciclo duplo
vem sendo adotado pela Fundação Nacional da Qualidade duran— 127 —
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
te o processo de avaliação das candidatas ao Prêmio Nacional da
Qualidade — PNQ. De acordo com a Fundação Nacional da Qualidade (2006, p.15) o conjunto das respostas aos requisitos de cada
item de processos gerenciais deve demonstrar a integração das práticas de gestão da organização e que o mesmo é implementado
segundo a dinâmica do diagrama da gestão, visando o aprendizado organizacional. A descrição das práticas de gestão deve, sempre que possível, ser reforçada com a apresentação de exemplos
de melhorias introduzidas pela organização nos últimos anos, como
forma de evidenciar o seu aprendizado organizacional.
A figura 2 apresenta o Diagrama da Gestão preconizado pela
Fundação Nacional da Qualidade, no qual pode ser evidenciada a
semelhança com o ciclo simples (Ciclo de Controle) e o ciclo duplo
(Ciclo de Aprendizado) de Argyris e Schön (1974).
Os gestores, de posse dos padrões de trabalho previamente planejados e estabelecidos, se responsabilizam por monitorar a execução das atividades e assegurar que os padrões de trabalho sejam
cumpridos e que a repetibilidade dos processos seja garantida.
Quando a execução se desvia do padrão de trabalho, uma ação
corretiva é disparada para que os padrões de trabalho voltem a ser
seguidos. Esse é o chamado Ciclo de Controle, onde não se ques-
Figura 2 — Diagrama da Gestão da organização, adaptado dos
Critérios de Excelência 2007, FNQ, página 15.
— 128 —
Buccelli, Dalton Oswaldo
tiona a validade dos padrões estabelecidos e se procura manter a
homogeneização das práticas de gestão, conceitualmente similar
ao ciclo simples de aprendizado de Argyris e Schön (1974). O ciclo
de controle é importante quando o ambiente onde a organização
opera é estável e, conseqüentemente, as práticas gerenciais não
necessitam sofrer mudanças freqüentes.
Por outro lado, quando as práticas de gestão e seus respectivos
padrões de trabalho necessitam estar em constante aperfeiçoamento e adaptação ao ambiente de mudanças freqüentes, é importante
que o Ciclo de Aprendizado entre em funcionamento. Espera-se
que os gestores avaliem e questionem a adequação, a eficiência e a
eficácia dos padrões em vigor, adotando, se necessário, padrões
refinados (melhoria contínua) ou inovadores (melhoria de ruptura
ou breakthrough). Esse ciclo se assemelha ao ciclo duplo de Argyris
e Schön (1974).
Embora separados para fins didáticos, os ciclos de controle e de
aprendizado acontecem, com grande freqüência, simultaneamente.
Quando realizamos uma auditoria nos processos organizacionais e
constatamos que as práticas estão em desacordo com os procedimentos internos, podemos tomar dois tipos de ações: corretivas e
preventivas. As corretivas dizem respeito às ações tomadas no sentido de fazer cumprir os procedimentos sem questioná-los. As preventivas se referem às ações tomadas para revisar um procedimento
incorreto ou impossível de ser seguido. No primeiro caso, estamos
seguindo o ciclo de controle, mantendo as práticas e os procedimentos sob controle da gestão. No segundo caso, colocamos em funcionamento o ciclo do aprendizado, no qual os padrões de trabalho
preestabelecidos são questionados quanto a sua adequação, eficiência e eficácia, e, quando necessário, são alterados para melhor.
Embora existam vários estudos acadêmicos sobre o tema, ainda
não se conseguiu definir com exatidão o significado de uma organização que aprende. Para Garvin (2002), uma organização que
aprende é uma organização hábil na criação, aquisição, interpretação, transferência e retenção do conhecimento, bem como na modificação deliberada do seu comportamento para refletir novos conhecimentos e insights.
De acordo com Garvin (2002), novas idéias são essenciais se
queremos que ocorra o aprendizado. Às vezes, elas são decorrentes de lampejos de criatividade (insights). Em outras ocasiões, elas
— 129 —
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
vêm de fora da organização, observadas em visitas, relatadas em
artigos técnicos, coletadas de especialistas bem-informados e obtidas em seminários e congressos. Os gestores devem ser hábeis para
dar significado aos dados que coletaram. O conhecimento deve
ser compartilhado, não se limitando a poucos privilegiados. As
novas idéias devem ser difundidas por toda a organização, espalhando-se de pessoa em pessoa, de departamento em departamento e de divisão em divisão. Elas devem ser gravadas na “memória
organizacional”, tais como; as políticas, os valores, os procedimentos e as normas. O conhecimento deve ser global, pois o conhecimento local é valioso, mas não caracteriza uma organização que
aprende. Trabalho e aprendizado devem andar sempre juntos.
2.2. Inovação e Características das Organizações Inovadoras
Nos dias de hoje, em que a competição se torna cada vez mais
acirrada, quanto maior a dificuldade, maior é a tentação de ingressar numa campanha de corte de despesas. É justamente nestes
momentos que a inovação deve ser considerada na criação de novas fontes de receitas. Segundo Hamel (2006), o problema tem duas
raízes principais: 1) o fato de que os empregados menos graduados não têm sido treinados para o uso do pensamento criativo e
inovador; e 2) a ausência de mecanismos formais de apoio e estímulo à inovação.
De acordo com Galvão (1992), a sobrevivência em um mercado
cada vez mais competitivo exige uma postura de inovação. Porém,
na maioria das vezes as organizações ficam paradas frente às mudanças no ambiente externo. O sentimento de ameaça frente às variáveis econômicas, às questões políticas e às pressões sociais faz
com que toda a organização fique à espera de um milagre ou de
uma melhora na situação do ambiente para desenvolver novos negócios. Dificilmente uma organização trata diferente a realidade
externa em relação à interna. Se o ambiente é turbulento, a única
maneira de se permanecer nele é inovando. Surge, então, uma contradição. A organização, como toda instituição, não inova, ela conserva. Enquanto não percebermos que a instituição está
desadaptada, não haverá transformação.
Para o autor (Galvão, 1992), matar a velha instituição para construir uma nova organização mais adaptada e interativa com a reali— 130 —
Buccelli, Dalton Oswaldo
dade significa abandonar tudo o que ela foi capaz de construir até
aqui. Abrir mão das certezas é ruim para todos, pois desperta uma
ansiedade maior do que da sobrevivência da organização. Para
matar a organização, cada pessoa precisará ter valores muito fortes
de credibilidade naquilo que vai restar, ou seja, as pessoas. Se não
for possível acreditar na capacidade de todas as pessoas na construção de uma nova ordem, não seremos capazes de matar nada,
tornando-se mais fácil reclamar do ambiente ou romper com a organização antes que ela se acabe.
De acordo com Tim Stevens (1998), jornalista da Industry Week,
muitas empresas já perceberam que não basta estimular a inovação esporadicamente. É preciso criar uma estrutura que a sustente,
dando autonomia aos empregados e trabalhando com unidades
de negócios menores, orientadas para o cliente e suportadas por
grupos de pesquisa e desenvolvimento. É necessário gerenciar
permanentemente a inovação, cuidando para que os pesquisadores reservem, no mínimo, 20% do seu tempo para estudar projetos
alternativos. A inovação será uma questão estratégica essencial para
as empresas nas próximas décadas. Cabe aos líderes a criação da
cultura de inovação nas organizações, de forma que ela faça parte
do pensamento e da vida profissional de todas as pessoas.
Para Kuczmarski (1998), as empresas norte-americanas, após o
período da reengenharia, do downsizing, do rightsizing e da manufatura enxuta, perceberam que os benefícios do enxugamento são
finitos. Elas já esgotaram sua capacidade de reduzir recursos, mãode-obra e simplificar processos. O desafio agora é maximizar os
lucros, aumentar a produtividade e garantir a satisfação dos
stakeholders. O segredo está em criar uma consciência inovadora, ou
seja, internalizar a cultura da inovação.
Algumas empresas inovadoras, tais como; 3M, Motorola, Owens
Corning e Pfizer investem mais de 4% de suas vendas anuais em
pesquisa e desenvolvimento. No Brasil, de acordo com a última
pesquisa industrial de inovação tecnológica (IBGE-PINTEC, 2003),
de quarenta setores de atividades, das indústrias extrativas e de
transformação, somente cinco investem mais de 4% da receita líquida de vendas em inovação, ou seja, empresas de fabricação de
equipamentos de informática; de aparelhos e equipamentos de
comunicação; de material eletrônico básico; de automóveis,
caminhonetas e utilitários, caminhões e ônibus; e, o principal des— 131 —
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
taque, empresas de fabricação de outros equipamentos de transportes (embarcações e aeronaves), que chegaram a investir 8,61%
das suas vendas em 2003.
Assim como o aprendizado organizacional, o termo inovação é
ambíguo. Alguns autores se referem a um significado mais amplo
como comportamento inovador nas organizações ou adoção
organizacional de inovações. Neste sentido mais amplo, a inovação se refere à adoção geral por parte da população de uma organização de práticas, processos, estruturas ou produtos nunca antes
adotados. Há uma tendência dos autores neste campo de igualarem inovação organizacional a mudança organizacional, assumindo que toda mudança por si só é inovadora, sem fazer uma ligação
explícita entre mudança organizacional e inovação tecnológica.
De acordo com Kuczmarski (1998), a inovação é uma atitude
que permite às empresas enxergar o presente pelo olhar do futuro.
A cultura da inovação se internaliza na organização de acordo com
cinco princípios básicos, ou seja: 1) acreditar nas equipes e nos
gerentes designados para o desenvolvimento de novos produtos;
2) reconhecer, respeitar e recompensar as pessoas pelas idéias criativas e inovadoras; 3) ser otimista, construtivo e participativo; 4)
evitar cortes nos recursos e nos investimentos em pesquisa e desenvolvimento; e 5) diferenciar a remuneração dos “criadores de
novos produtos” para valorizar a questão da inovação dentro da
organização.
Na opinião do autor, inovar não se limita ao lançamento de novos produtos, muito menos a insuflar vida nova aos produtos antigos. Inovar é mudar radicalmente o pensamento. É a melhor maneira de vencer a concorrência, diferenciando-se do “bolo” de empresas de um determinado setor e, principalmente, instilando novidades no mercado para aumentar os lucros e energizar a receita.
Deve-se acompanhar o desenvolvimento e o desempenho dos novos produtos por períodos longos, geralmente de cinco anos. Os
bens de consumo muitas vezes levam anos para serem desenvolvidos e mais alguns deles para se tornarem rentáveis.
De acordo com o Governo do Canadá (2001, p.4), o termo “inovação” se refere tanto ao processo criativo de aplicação do conhecimento como ao produto resultante desse processo. A inovação pode
ser a “primeira palavra” no mundo, no país ou, simplesmente, algo
novo na organização que a aplica. A inovação sempre foi uma força
— 132 —
Buccelli, Dalton Oswaldo
propulsora no crescimento econômico e no desenvolvimento social de uma nação. Entretanto, atualmente, na economia baseada em
conhecimento, a importância da inovação aumentou dramaticamente. Por meio da inovação, o conhecimento é aplicado para o desenvolvimento de novos produtos e serviços ou de novas formas de
projeto, produção e divulgação de um produto ou serviço existente, para o mercado público e privado.
Para Hamel (2006), a inovação move a criação de riquezas para
a organização, porém a inovação em gestão é diferente da inovação operacional, ou de processo, que está ligada com a execução
do trabalho que transforma input em output. A inovação em gestão
é a inovação dos princípios e dos métodos gerenciais que transformam as tarefas dos executivos e a forma como elas são conduzidas.
Para o autor, é muito fácil diferenciar a inovação em gestão da inovação tecnológica ou de produto, mas não é tão simples distinguila da inovação operacional, ou de processos produtivos.
A inovação trata da transformação de uma nova idéia em um
novo processo, produto ou serviço. Ela é o resultado do processo
de aprendizado, uma vez que envolve tornar um novo conhecimento ou entendimento explícito. Inovação é um termo com significados distintos na literatura econômica e na de estratégia de negócios. Para Galbraith (1996), “inovação é o processo de aplicação
de uma nova idéia para criar um novo processo ou produto”. Na
opinião de Urabe (1988), inovação é “... a geração de uma nova idéia
e sua implantação em um novo produto, processo ou serviço... com
a finalidade de gerar lucro para a empresa de negócios inovadora”. A principal distinção entre as definições é o desenvolvimento
de um produto ou serviço vendável, ou uma mudança
organizacional que melhore a eficiência. Como Urabe (1988) explica “... inovação é... um conceito econômico ao invés de tecnológico.
Entretanto, a mais maravilhosa das invenções tecnológicas pode
não ser considerada inovação se ela não criar crescimento ou
lucratividade...”.
Portanto, esses novos processos, produtos ou serviços devem
ser de valor. A ajuda da inovação recai sobre a geração de vantagem competitiva. Inovação é a chave do crescimento e do dinamismo no mundo dos negócios. O grande benefício de uma organização voltada para o aprendizado é criar e manter um ambiente no
qual a inovação é esperada, respeitada e recompensada. Uma em— 133 —
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
presa do conhecimento desenvolve competências de inovação em
seus empregados nas principais áreas estratégicas do negócio.
Para a Fundação Nacional da Qualidade (FNQ, 2006, p. 10), a
cultura de inovação é um dos mais relevantes fundamentos da excelência em gestão. A promoção de um ambiente favorável à
criatividade, experimentação e implementação de novas idéias que
possam gerar um diferencial competitivo para a organização é imprescindível nos dias de hoje. Para permanecerem competitivas,
as organizações inovadoras geram continuamente idéias originais
e as incorporam em seus produtos, processos e práticas gerenciais.
Criam uma cultura que valoriza e incentiva o desejo de fazer as
coisas de maneira diferente, a capacidade de entender de forma
simples questões complexas, a propensão ao risco calculado e a
tolerância ao erro bem intencionado.
Um levantamento feito em doze empresas consideradas dinâmicas e inovadoras pela antropóloga de sistemas de inovação, Karen
Anne Zien, co-fundadora do The Creativity & Innovation Lab e presidente da empresa de consultoria Apogee, detectou cinco características comuns a todas elas: 1) a inovação é generalizada, ou seja, todos,
sem exceção, do porteiro ao presidente, sentem-se comprometidos
com o processo de inovação e não existe um grupo específico encarregado de zelar pela criatividade; 2) a inovação é estimulada, isto é,
o clima de inovação é instaurado pelo dirigente principal da empresa, embora ele não seja necessariamente um inventor, e toda idéia
nova é bem vinda e a criatividade e a ousadia são recompensadas; 3)
a inovação não tem limites, ou seja, os experimentos estão por toda
a parte e não se restringem à área tecnológica; 4) a inovação é
cultuada, isto é, as conversas nas empresas inovadoras são pródigas
em histórias e lendas de pessoas que introduziram novidades, às
vezes até quebrando regras; 5) a inovação é interativa, ou seja, existem vários canais de comunicação abertos para garantir uma autêntica interação entre a direção e os funcionários, os técnicos e os vendedores, a empresa e os clientes. Essas ricas e profusas redes não
são rigidamente controladas (Stevens, 1998).
2.3. Principais Características das Teorias Organizacionais Modernas
Para facilitar a análise crítica das diversas características das escolas de pensamento, as principais teorias das relações organização— 134 —
Buccelli, Dalton Oswaldo
ambiente foram agrupadas em quatro perspectivas: Contingencialista,
Dependência de Recursos, Ecológica e Neo-institucional. Este agrupamento levou em conta a similaridade entre as características de
cada escola, bem como agrupamentos encontrados previamente ao
longo da literatura sobre o assunto (Hatch, 1997; Astley e Van de
Ven, 2005; Reed, 1998; Morgan, [1980] 2005).
PERSPECTIVA CONTINGENCIALISTA
Nesta perspectiva foram agrupadas as escolas de pensamento
mais ortodoxas, onde predominam as metáforas mecanicistas e das
organizações orgânicas. A metáfora mecanicista segue os teóricos da
Administração Clássica (Taylor, 1995; Fayol, [1964] 1994) e da burocracia como tipo ideal (Weber, [1947] 1997). As duas teorias se fundiram no que é conhecido por teoria organizacional clássica ou, na
literatura da teoria das organizações como “modelos de
racionalidade”. A metáfora das organizações orgânicas se baseia na
suposição de que a organização é uma entidade viva, em constante
mutação, interagindo com o ambiente na tentativa de satisfazer suas
necessidades. O desenvolvimento da metáfora do organismo redundou em boa parte da teoria das organizações contemporânea.
Algumas das mais antigas pesquisas sobre os ambientes
organizacionais foram construídas sobre as observações de que as
organizações diferem consideravelmente dependendo se o ambiente onde operam é estável ou de elevado grau de mudanças. De
acordo com Hatch (1997), em ambientes estáveis as organizações
se especializam em atividades de rotina com linhas de autoridade
e áreas de responsabilidade claramente estabelecidas. Estas organizações são chamadas de mecanicistas e a metáfora da máquina é
aplicada, pois funcionam como partes especializadas de um sistema projetado para alto desempenho.
Em ambientes de rápidas mudanças as organizações requerem
flexibilidade e seus empregados são encorajados a aplicar suas
habilidades quando necessário para a contínua adequação aos novos padrões de trabalho. Os teóricos da administração descrevem
estas organizações como orgânicas porque, como outros seres vivos, se adaptam rapidamente às mudanças. As organizações orgânicas são menos especializadas e hierarquizadas que as organizações mecanicistas.
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Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
Não há razões teóricas nem práticas para considerar as organizações mecanicistas ou orgânicas superiores umas às outras. Cada
uma é apropriada a diferentes condições ambientais. Em condições estáveis a forma mecanicista é vantajosa em função da eficiência obtida com a padronização dos procedimentos para executar as
tarefas de rotina. Sob estas condições as organizações podem aprender a otimizar suas atividades com relação à minimização de custos e à otimização dos lucros.
No entanto, sob condições em que o ambiente muda constantemente as vantagens da organização mecanicista caem por terra. A
lógica da eficiência obtida com a padronização perde o sentido
quando a organização precisa mudar continuamente suas atividades para se adaptar às mudanças rápidas do ambiente. A flexibilidade inerente às formas organicistas é preferível num ambiente de
mudanças porque ela suporta as inovações e adaptações necessárias. A explicação de quando se deve utilizar a forma mecanicista
em oposição à forma orgânica é um exemplo claro da teoria
contingencialista.
Essa explicação bastante óbvia nos dias atuais foi considerada
inovadora em tempos passados e continua a oferecer os fundamentos para as recentes discussões sobre as relações entre organização
e ambiente, como as que serão apresentadas a seguir.
PERSPECTIVA DA DEPENDÊNCIA DE RECURSOS
Esta perspectiva se baseia na hipótese de que as organizações
são controladas pelo seu ambiente. Porém os teóricos também acreditam que os gerentes podem aprender a navegar nos mares revoltos da escassez de recursos. O argumento básico da teoria da dependência de recursos é que uma análise das relações interorganizacionais no interior de uma rede de organizações pode ajudar
os gerentes a entender as relações de poder/dependência que existem entre suas organizações e os demais membros da rede. Este
conhecimento permite que os gerentes se antecipem às fontes de
influência do ambiente e sugiram maneiras da organização
minimizar essa influência e criar ações contingenciais.
De acordo com Hatch (1997), a vulnerabilidade da organização
ao ambiente resulta da sua necessidade de recursos como matéria— 136 —
Buccelli, Dalton Oswaldo
prima, mão de obra, capital, conhecimento, equipamento e divulgação para seus produtos e serviços. Esses recursos são controlados pelo ambiente e a dependência da organização confere esse
poder ao ambiente. Entretanto, a dependência que a organização
tem do seu ambiente não é simples e independente, mas um conjunto complexo de dependências que existem entre a organização
e os elementos específicos do seu ambiente, encontrados na rede
interorganizacional.
A análise da dependência de recursos começa com a identificação das necessidades de recursos da organização e o rastreamento
até as suas fontes, numa combinação do modelo de sistemas abertos e de rede interorganizacional. O modelo de sistemas abertos
ajuda na identificação das entradas de recursos e das saídas de produtos da organização. O modelo de redes ajuda a identificar onde
estão localizados os recursos e as saídas, bem como os atores que
podem por em risco as operações da organização. Como se trata de
um conjunto complexo de variáveis, a solução prática passa pela
escolha dos recursos mais críticos e escassos.
A administração da dependência de recursos requer uma definição cuidadosa e um monitoramento contínuo do ambiente. Também é necessário criatividade e imaginação das pessoas para balancear o poder dos outros desenvolvendo soluções inovadoras
que aumentem o poder da própria organização.
PERSPECTIVA DA ECOLOGIA DA POPULAÇÃO
Na teoria organizacional moderna, as idéias da variação, da seleção natural e dos processos de retenção formam a base da teoria
da ecologia da população de organizações. Como na teoria da dependência de recursos, a ecologia da população tem início com a
hipótese que as organizações dependem do ambiente para obter
os recursos que necessitam para sobreviver. Em ambos os casos, a
dependência confere ao ambiente um poder relativamente grande
sobre a organização. Porém, na teoria da ecologia não interessa a
situação particular de uma organização lutando para conseguir os
recursos escassos para sua sobrevivência, mas os padrões de sucesso e de falha dentro de um grupo inter-relacionado de organizações, ou seja uma população de organizações.
— 137 —
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
Na ecologia da população o ambiente possui o poder de selecionar dentre um grupo de competidores os que melhor atendem
seus propósitos. É uma versão organizacional da teoria de sobrevivência e da adaptação de Darwin. Os pesquisadores Hannan e
Freeman ([1977] 2005) apresentam uma proposta alternativa para a
abordagem da adaptação organizacional, ou seja, a aplicação de
modelos que dependam da competição e seleção natural nas populações das organizações. De acordo com os autores, a abordagem contingencialista, ou de adaptação da organização ao ambiente, dominante na literatura sobre gestão, apresenta algumas limitações e necessita ser suplementada pela teoria da seleção natural.
A abordagem de adaptação, onde a direção, no topo da hierarquia,
toma as decisões sobre as estratégias e a estrutura organizacional como
um todo, em função de uma varredura das oportunidades e ameaças
encontradas no ambiente externo, não consegue responder a questão
relacionada à grande variabilidade estrutural existente nas organizações. Isto sugere a existência de outras variáveis que impactam na
determinação da estrutura e das estratégias, que não simplesmente a
adaptação às contingências do ambiente.
Além disso, os autores apontam limitações na habilidade de
adaptação das organizações, ou seja, a existência de processos internos que geram uma inércia estrutural, tais como: 1) a dificuldade de modificar as plantas industriais, os equipamentos e as pessoas em função dos investimentos já realizados; 2) as restrições nas
informações internas disponíveis aos líderes; 3) as questões políticas da mudança estrutural que implicariam num desbalanceamento
de recursos e de poder; 4) e as restrições decorrentes da própria
história e dos procedimentos normativos arraigados na cultura
organizacional.
Estas pressões estruturais também surgem de restrições
ambientais externas, igualmente fortes às internas, tais como: 1) as
barreiras fiscais e legais de entrada e de saída num setor de atividades; 2) os custos elevados e as restrições nas informações externas disponíveis à organização; 3) as restrições de legitimidade da
organização perante a sociedade e as perdas decorrentes do abandono da posição conquistada; e 4) a questão da racionalidade coletiva, onde é difícil afirmar que uma estratégia racional para uma
determinada decisão possa ser apropriada para outras decisões e
para outras organizações.
— 138 —
Buccelli, Dalton Oswaldo
Segundo Hatch (1997), três processos evolucionários — variação,
seleção e retenção — explicam a dinâmica das populações de organizações. A variação ocorre numa população de organizações primeiramente em função da inovação empreendedora (nascimento da
organização), mas também por meio da adaptação em organizações
já constituídas. Em seguida, o ambiente seleciona organizações com
base na sua adequação. Adequação significa que aquelas organizações que melhor servirem as necessidades e demandas do ambiente
serão suportadas com recursos e mantidas. Retenção é igual à sobrevivência. As organizações não selecionadas são removidas da população por estagnação e por escassez de recursos que as conduzem ao
declínio, morte ou mudança para outra população.
A perspectiva ecologista oferece aos gestores uma visão mais
descolada da organização do que eles estão acostumados. Isso significa que os gestores devem agir sob uma ótica mais profissional
e sem uma grande identificação com a organização, uma vez que
essa teoria preconiza a seleção natural e demonstra que os gestores
não podem controlar integralmente as saídas da organização.
Existem várias restrições ao uso da visão da ecologia da população. Primeiro, porque tal qual a teoria de Darwin, a definição de
adequação é um problema. A organização sobrevive se for adequada, mas a adequação é definida como sobrevivência. Nós somente
reconhecemos a sobrevivência quando nos deparamos com ela.
Segundo, porque a teoria se aplica mais prontamente às populações onde o ambiente é de alta competição. Nem todas as populações se enquadram nesse ambiente de perfeita competição. Populações com significativas barreiras de entrada ou de saída, tais como
as intensivas em capital ou as altamente reguladas pelo governo,
não são candidatas ideais para os estudos da teoria da ecologia da
população. Também, os ambientes dominados por uma pequena
quantidade de grandes corporações, tais como a indústria de manufatura de veículos automotores, são populações inadequadas
para pesquisas dos ecologistas.
Quando a competitividade das organizações da população é
comprometida pela existência de grandes e poderosas organizações ou quando as barreiras de entrada ou de saída são significativas, o modelo da ecologia da população perde muito do seu poder de convencimento. Nessas circunstâncias a perspectiva
institucional pode ser útil.
— 139 —
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
PERSPECTIVA NEO-INSTITUCIONAL
O sociólogo norte-americano Philip Selznick, reconhecido por
muitos como o pai da teoria institucionalista, observou que as organizações se adaptam não somente para se defender dos grupos
internos, mas também para atender aos valores da sociedade externa. O reconhecimento das bases sociais e culturais de influência
externa nas organizações é apenas uma das contribuições da teoria
institucionalista. Os neo-institucionalistas, além da preocupação
com o mero reconhecimento das fundações sociais e culturais das
instituições, descreveram os processos pelos quais as práticas e as
organizações se tornam instituições.
Segundo Scott (2001), os desacordos entre as diferentes escolas
dentro da teoria institucional contemporânea giram em torno de
três eixos de controvérsia sobre os elementos institucionais, ou seja:
diferentes ênfases; diferentes portadores (carriers); e diferentes níveis. Referindo-se aos pilares em que se sustenta a análise institucional, o autor defende a conveniência em distinguir três sistemas
institucionalistas: o regulativo, o normativo e o cultural-cognitivo.
Scott (2001) analisa cada um dos pilares de acordo com seis dimensões básicas: base de conformidade; base da ordem; mecanismos;
lógica; indicadores; e base de legitimidade.
Ainda segundo Scott (2001), com o pilar regulador pode ser mostrado que todas as instituições, de algum modo, se fundamentam
em sistemas de regras que regulam e constrangem o comportamento
dos seus membros. Nas análises efetuadas em torno da importância
do pilar regulador, pode ser visto como os indivíduos e as organizações são representados como atores racionais que perseguem interesses próprios, agindo de acordo com uma lógica instrumental e
calculista, respeitando as regras, não tanto porque concordam com
elas, mas porque o seu cumprimento lhes traz benefícios.
Com o pilar normativo é dada grande importância aos valores e
às normas como elementos condicionantes do comportamento
organizacional. Nas análises realizadas pela importância do pilar
normativo, pode ser avaliado como os atores organizacionais são
vistos como executantes de papéis que são fonte de constrangimento
(na medida em que prescrevem o comportamento aceitável) e de
possibilidade (já que conferem direitos e privilégios aos atores).
Com as análises sobre o pilar cultural-cognitivo, pode ser vista a
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Buccelli, Dalton Oswaldo
ênfase colocada na concepção da realidade como “artefato cultural”. Esta dimensão de análise destaca que a realidade é socialmente construída.
De acordo com Meyer e Rowan (1991), as organizações são
conduzidas a incorporar práticas e procedimentos definidos por
conceitos racionais do trabalho organizacional e institucionalizados
na sociedade. As organizações que agem dessa maneira aumentam
sua legitimidade e sua perspectiva de sobrevivência, independentemente da eficácia imediata da adoção das práticas e dos procedimentos.
Os autores apontam que as teorias anteriores negligenciaram a
legitimidade das estruturas formais racionalizadas. Nas sociedades modernas, os mitos geradores das estruturas organizacionais
formais se dividem em técnico e institucional. O técnico é caracterizado pela troca de bens e serviços, enquanto o institucional conduz ao estabelecimento e à difusão de normas de atuação, necessárias para o alcance da legitimidade organizacional.
Meyer e Rowan (1991) afirmam que a abordagem institucional
tem sido capaz de oferecer explicações aos processos atrelados e
que superam as relações sociais, por se preocupar com valores,
ações e padrões que são construídos e legitimados a partir das relações entre os diversos atores organizacionais. Por esta razão, a
teoria institucional tem sido caracterizada como o processo pelo
qual organizações e procedimentos adquirem valor e estabilidade.
Em ambientes institucionalizados os comportamentos são mais
estáveis e previsíveis, podendo estar economicamente associados
à redução de custos derivados das incertezas nas relações entre os
atores, o que sob a perspectiva sociológica, consiste numa realidade socialmente construída que acaba sendo aceita como verdade e
possui legitimidade.
DiMaggio e Powell (1983) enfatizam que o conceito que melhor
captura a tendência de homogeneização é o isomorfismo, processo
que constrange e força uma unidade em uma população a assemelhar-se com as outras unidades que estão expostas às mesmas condições ambientais. O conceito de isomorfismo também abrange
questões relacionadas à competição por poder político, legitimidade institucional e conveniência social. Os autores especificam
três isomorfismos: o coercitivo, o normativo e o mimético.
De acordo com os autores, o isomorfismo coercitivo é o resultado de pressões formais e informais exercidas por uma organização
— 141 —
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
sobre outra que se encontra em condição de dependência, bem como
autoridade. Reportando-se ao isomorfismo normativo, DiMaggio
e Powell (1983) apontam que o grau de profissionalização é possivelmente o fator mais importante como mecanismo normativo a
ser considerado para o entendimento das pressões normativas do
ambiente, podendo ser resultante da educação formal ou da formação e manutenção das redes de trabalho. Quanto ao isomorfismo
mimético, se processa na adoção por parte de determinada organização, de procedimentos e arranjos estruturais implementados por
outras organizações, com a finalidade de reduzir a incerteza ocasionada por problemas tecnológicos, objetivos conflitantes e exigências institucionais. O mimetismo se processa também pela verificação da atuação próspera de outra organização e pelas práticas de
imitação e de benchmarking.
3. ANÁLISE DAS RELAÇÕES PROPOSTAS
3.1. Caracterização do Aprendizado e da Inovação
Levando-se em consideração a fundamentação teórica sobre o
aprendizado organizacional, as principais características das organizações que aprendem (Learning Organizations) podem ser resumidas da seguinte maneira:
— Essas organizações buscam continuamente um novo patamar
de conhecimento, criando o hábito da melhoria contínua em todos os níveis da estrutura organizacional. Todo conhecimento
gerado ou adquirido por meio do incentivo à experimentação;
da detecção e da correção de erros (Ciclo de Controle); e de práticas de imitação e benchmarking é compartilhado em processos
estruturados e sistematizados de melhoria (Ciclo de Aprendizado) que questionam os padrões atuais comparando as informações disponíveis sobre o desempenho organizacional. O capital intelectual é valorizado e protegido. A atitude proativa, a
busca da eficiência técnica e o comportamento criativo das pessoas são estimulados pela liderança. A melhoria contínua e
incremental ocorre com freqüência em ambientes com baixo índice de mudanças.
— 142 —
Buccelli, Dalton Oswaldo
Com relação à cultura da inovação, as principais características
das organizações inovadoras podem ser sintetizadas da seguinte
forma:
— Essas organizações são orientadas para os clientes e buscam a
maximização dos lucros para os acionistas investindo em pesquisa e desenvolvimento, olhando para o futuro sem qualquer
tipo de censura ou restrição. As pessoas da força de trabalho
possuem mais autonomia que nas organizações tradicionais,
participam com otimismo e coragem da construção de um ambiente propício à criatividade e de práticas estruturadas que
suportem a geração de idéias, a experimentação e a incorporação de novidades em seus produtos, serviços e processos. A
liderança tem um papel fundamental na criação da cultura da
inovação, estimulando a interação entre as áreas e a institucionalização da curiosidade, reconhecendo, diferenciando e
recompensando as pessoas mais criativas. A inovação é cultuada
em todos os níveis da estrutura hierárquica e ocorre com maior
necessidade em ambientes de alta tecnologia e de mudanças
freqüentes.
3.2. Comparação Entre as Perspectivas Organizacionais
Como podemos notar na fundamentação teórica, as perspectivas contingencialista e de dependência de recursos são formuladas de forma racional e no nível organizacional. Ambas as teorias
consideram que a organização possui um papel ativo na determinação das suas ações influenciando os demais atores do ambiente
externo. Em contrapartida, as teorias da ecologia da população e
neo-institucionalista são formuladas no nível do ambiente externo
em que a organização se insere. A teoria ecológica procura explicar
porque existem tantos tipos diferentes de organizações, enquanto
a neo-institucionalista tenta explicar porque tantas organizações são
tão parecidas. A teoria ecológica se preocupa com os fatores do
ambiente externo relacionados às questões técnicas, físicas e econômicas, enquanto a neo-institucionalista focaliza os fatores sociais, culturais, políticos e legais. Ambas as teorias assumem uma
relativa passividade em relação ao ambiente externo que acaba
moldando-as e influenciando seus resultados.
— 143 —
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
Conforme afirma Scott (2001), os ambientes se mantêm estáveis
em função do seu grau de institucionalização. Quando os ambientes não são altamente institucionalizados e são influenciados pela
competição econômica e técnica, a perspectiva da ecologia da população é um modelo mais adequado para análise. Em ambientes
de sofisticação tecnológica a perspectiva de racionalidade
organicista é uma importante forma de expressão e de tomada de
decisão. Em ambientes de sofisticação tecnológica e altamente
institucionalizados, o estilo racional de expressão se torna ainda
mais importante e a sua racionalidade se estende além da questão
tecnológica, buscando também a legitimação da sociedade.
Com relação ao isomorfismo, os neo-institucionalistas defendem
que as organizações igualam a complexidade do ambiente externo
com as estruturas e sistemas internos, ou seja, se o ambiente é simples, então a organização adota uma forma simples. Se o ambiente
é simples e estável, o estilo racional mecanicista assume um papel
relevante na análise da organização. Porém, se o ambiente é complexo, a organização isomórfica também será complexa. Em adição, se o ambiente é instável, o conceito do isomorfismo sugere
que a organização responda tentando se adaptar à mudança e, portanto a perspectiva de dependência de recursos passa a ser relevante para a análise.
O grau de incerteza dos ambientes é uma medição da percepção dos gestores e vem acompanhado da necessidade de informações. O ambiente se torna imprevisível quando os gestores têm a
sensação de que não possuem as informações necessárias para tomarem as decisões. Quando eles acham que o ambiente organizacional é estável e de baixa complexidade, a sensação é de que não
necessitam de mais informações para a tomada de decisão e, consequentemente, de que o ambiente possui baixo grau de incerteza.
Portanto, levando-se em consideração as características principais de cada escola e, em particular, as hipóteses assumidas pelos
defensores de cada uma das perspectivas analisadas, propomos o
agrupamento de algumas características consideradas semelhantes ou de correlação direta.
Em primeiro lugar, agrupamos as escolas de administração em
função do ponto de vista utilizado para definir suas características,
ou seja, ótica do ambiente interno para a perspectiva de dependên— 144 —
Buccelli, Dalton Oswaldo
cia de recursos e a contingencialista, e sob a ótica do ambiente externo para a perspectiva ecológica e a neo-institucionalista.
Em seguida, considerando a proposição de Hatch (1997), agrupamos o grau de institucionalização do ambiente de atuação e a
estabilidade desse ambiente em relação às mudanças, supondo que
exista uma correlação direta entre ambas as características do ambiente externo.
O segundo agrupamento proposto para essa análise é o do grau
de complexidade das relações no ambiente externo e o seu nível
de desenvolvimento tecnológico. Partimos do pressuposto de que
as organizações seguem os princípios do isomorfismo e que quanto mais desenvolvido tecnologicamente o setor de atividades, maior é o grau de complexidade do ambiente externo e, conseqüentemente, maior a complexidade do ambiente interno às organizações,
refletindo-se também nas relações político-sociais internas e na estrutura organizacional. Por outro lado, quanto mais simples a
tecnologia adotada pelo setor, menor a complexidade nas relações
entre as organizações de uma população e, como resultado, mais
simples as estruturas internas e as relações de poder. Portanto, este
agrupamento pode ser tratado como do ambiente interno.
O terceiro agrupamento foi proposto pelo próprio Hatch (1997),
ou seja, o grau de incerteza dos ambientes e a necessidade de informações para a tomada de decisão. Segundo o autor, os gestores
têm uma percepção de que o ambiente é previsível e certo quando
possuem as informações necessárias para tomar suas decisões.
Porém, quando faltam informações para subsidiar suas análises, a
sensação de insegurança faz com que percebam o ambiente como
incerto e imprevisível.
A figura 3 apresenta a relação existente entre os dois primeiros
agrupamentos de características e, como resultante, os quadrantes
contendo o terceiro agrupamento. Nessa proposição, quando relacionamos um elevado grau de institucionalização do ambiente de
poucas mudanças, com um baixo grau de complexidade tecnológica
e nas relações, resulta uma percepção de baixo grau de incerteza
para os gestores que detém todas as informações necessárias para
a tomada de decisão. É o ambiente no qual prevalecem as poucas
corporações dominantes e que encontramos elevadas barreiras de
entrada e de saída. Em função de suas características, pode ser chamado de quadrante do ambiente “Contingencialista — NeoInstitucionalista”.
— 145 —
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
Figura 3 — Identificação das teorias em função do relacionamento
entre os três agrupamentos de características
No quadrante oposto, a percepção de incerteza do ambiente pela
falta de informações resulta de um ambiente de alta complexidade
tecnológica e nas relações, com baixo grau de institucionalização e,
consequentemente, instável. É o quadrante do ambiente de competição perfeita e que pode ser chamado de “Dependência de Recursos — Ecológico”.
No outro quadrante, quando cruzamos a baixa freqüência de
mudanças num ambiente de alto grau de institucionalização
organizacional, com um alto grau de complexidade nas relações e
na tecnologia do setor, resulta a sensação de um ambiente de moderada incerteza para os gestores em função da excessiva quantidade de informações disponíveis para a tomada de decisão. Este
quadrante representa o ambiente que pode ser chamado de “Dependência de Recursos — Neo-Institucionalista”.
Da mesma forma, os gestores têm a percepção de incerteza moderada do ambiente quando necessitam constantemente de informações atualizadas sobre o mercado e os concorrentes, num ambiente simples e de baixa institucionalização e de grandes mudanças. É o quadrante do ambiente “Contingencialista — Ecológico”.
Utilizando como referência o quadro da figura 3, e de posse das
características das organizações que aprendem e melhoram conti— 146 —
Buccelli, Dalton Oswaldo
nuamente, bem como das organizações que aproveitam a
criatividade das pessoas e inovam, elaboramos um quadro (figura
4) que insere o grau de importância do aprendizado e da inovação
para as organizações que se situam em cada quadrante do ambiente descrito anteriormente. O grau de importância é apresentado em
cada quadrante da seguinte forma: — Importância Grande (MAIÚSCULA) e Importância Pequena (minúscula).
Os quadros das figuras 4 e 5 nos ajudam a concluir que, os ambientes mais propícios para os estudos relacionados às práticas de
aprendizado organizacional e onde poderemos encontrar, com maior
probabilidade, organizações que aprendem e melhoram continuamente são os do quadrante “Contingencialista — NeoInstitucionalista”.
Por outro lado, se estivermos à procura de organizações inovadoras, que privilegiam a criatividade e as soluções inéditas, provavelmente, as encontraremos no quadrante que representa o ambiente “Dependência de Recursos — Ecológico”.
No quadrante que representa o ambiente “Dependência de Recursos — Neo-Institucionalista” encontraremos as organizações que
estimulam tanto as práticas de aprendizado organizacional e de
melhorias contínuas e incrementais, quanto as práticas de
criatividade e de inovação.
Figura 4 — Identificação do grau de importância da inovação e do
aprendizado em cada quadrante de ambiente
— 147 —
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
O ambiente representado pelo quadrante “Contingencialista —
Ecológico” é o menos propício para futuros estudos sobre aprendizado organizacional e inovação. Adotando-se a visão da escola
de seleção natural, este ambiente talvez seja o que mais se aproxima da idéia de “deixar morrer para renascer mais forte”.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme a proposição inicial, este trabalho de análise crítica
da literatura sobre aprendizado organizacional, melhoria contínua,
criatividade e inovação, bem como sobre as diferentes abordagens
utilizadas nas diversas teorias modernas sobre as relações organização-ambiente, busca apresentar explicitamente os ambientes teóricos nos quais as características das organizações que aprendem
(Learning Organizations) e das organizações inovadoras mais se assemelham.
Além disso, este trabalho também se propõe a direcionar futuras pesquisas que adotem métodos qualitativos e quantitativos a
respeito do assunto. Por exemplo, com base no quadro da figura
5, nas informações disponíveis sobre os maiores investidores em
Figura 5 — Perspectivas da teoria organizacional moderna em função do grau
de aprendizado e de inovação das organizações
— 148 —
Buccelli, Dalton Oswaldo
pesquisa e desenvolvimento (IBGE-PINTEC, 2003) e nos exemplos
apresentados nas publicações pesquisadas (Hatch, 1997; Garvin,
2002; Mintzberg, 1979) sugerimos algumas indústrias que melhor
se enquadram, atualmente, em cada um dos quadrantes (figura 6),
tomando o devido cuidado com essa tipologia, pois a tecnologia
avança rapidamente nos dias de hoje e o grau de institucionalização
também sofre mudanças em função da legitimidade atribuída pela
nossa sociedade.
Esse exemplo de aplicação é passível de questionamentos e revisões, entretanto, acreditamos que possa contribuir para que as
pesquisas posteriores sejam mais objetivas e focalizadas na obtenção de resultados mais precisos sobre o tema.
A inovação adquire maior ou menor importância em função das
características da indústria e dos ambientes em que se inserem, ao
contrário das generalizações que estamos acostumados a encontrar na literatura, seja por desconhecimento ou por interesses nãocientíficos. Isso também ajuda a explicar o motivo pelo qual algumas organizações, em alguns setores particulares da indústria, têm
obtido maior ou menor sucesso na implementação de práticas de
melhoria contínua e de aprendizado.
Figura 6 — Setores de atividades em função do grau de
aprendizado e de inovação das organizações
— 149 —
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
Sabemos que o avanço nestas áreas do conhecimento é imprescindível nos nossos dias e que mais estudos e pesquisas serão necessários para decifrar o enigma sobre a aplicabilidade das práticas de aprendizado e de inovação. Porém, ao concluir este trabalho, esperamos ter estimulado a produção de novos trabalhos científicos sobre o assunto e auxiliado na tarefa de identificação dos
ambientes e das indústrias mais adequadas para a execução destas
pesquisas.
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GESTÃO DO CONHECIMENTO
COMO PARTE DO PROCESSO
DE INOVAÇÃO
Wesley Marinho Ferreira (Msc.)*
ICONE - Instituto do Conhecimento para Educação
Continuada e Pesquisa
[email protected]
Universidade Estadual de Campinas — UNICAMP
[email protected]
____________________
Wesley Marinho Fereira é mestre em engenharia química e desenvolve tese de
doutoramento em Gestão do Conhecimento, ambos pela Universidade Estadual de
Campinas — Unicamp, em gestão do conhecimento. É professor do curso de pós
graduação em Gerenciamento de Projetos e Engenharia Ambiental da Unicamp.
Atua como diretor empresarial, consultor líder e pesquisador do ICONE — Instituto do
Conhecimento para Educação Continuada e Pesquisa.
[email protected]; [email protected]; www.institutoicone.com.br .
Gestão do Conhecimento como Parte do Processo de Inovação
— 154 —
Wesley Marinho Ferreira (Msc.)*
SUMÁRIO
Gerenciar o conhecimento é um grande desafio para as organizações. O iceberg a ser desvendado nesta navegação é entender
como criar e fazer esta gestão. Diferentemente de sistemas de gestão como de qualidade e ambiental, este novo vetor administrativo
é mais uma cultura que deve ser atingida como “SER”, do que mais
uma aquisição. É uma conquista.
Neste trabalho poderemos refletir um pouco sobre os conceitos
que envolvem a gestão do conhecimento, quais as relações com as
universidades educacionais e corporativas. Questiona-se o perfil
dos profissionais que estão sendo formados pelas universidades,
e o estímulo que deve ser dado para explorar o potencial criativo,
desde a formação acadêmica e nas empresas com suas Universidades Corporativas.
Discute-se em seguida sobre a importância de ter a gestão do
conhecimento para estimular a inovação e algumas formas de iniciar este novo papel dos departamentos de Recursos Humanos.
Para explorar este iceberg é necessário muito trabalho, coerência
e dedicação e saber que a atitude humana é o diferencial prático.
Com uma organização capaz de gerir o conhecimento será possível ter o forsight e a sustentabilidade voltada para uma cultura de
inovação contínua e de sucesso.
— 155 —
Gestão do Conhecimento como Parte do Processo de Inovação
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Wesley Marinho Ferreira (Msc.)*
Capítulo 8
Gestão do Conhecimento como
Parte do Processo de Inovação
1. INTRODUÇÃO
É crescente a percepção da sociedade sobre a importância da
gestão do conhecimento como parte do processo de inovação. Muito
se discute hoje sobre implantação de um sistema de gestão da inovação. O que se pretende discutir neste artigo é explorar as relações de gestão do conhecimento alinhando conceitos básicos para
compreender o que realmente envolve a gestão de um capital intelectual, estrutural e externo e as práticas deste grande desafio para
as corporações e universidades de todo o mundo.
Percebe-se que as empresas, após o downsizing e da atual
rotatividade dos recursos humanos na busca de mudanças e crescimento profissional, estão se esforçando para entender esta nova
onda rotulada de Gestão do conhecimento. Esforçando, pois elas já
sabem que o seu capital intelectual se esvairá para oportunidades
fora do seu âmbito de crescimento organizacional e da sua marca,
seja ela qual for. Daí vem a pergunta: Qual o payback(se é que existe, e se for contínuo?) e a taxa de retorno de investimento feito neste profissional? Mas independente da quantificação destes indicadores de retorno é avaliar se durante os anos de investimento em
treinamentos as melhorias permanecem nos departamentos e empresas. Questionamento feito para as melhorias tácitas, intangíveis
e não em processos organizacionais, estruturais.
O maior desafio é conseguir saber o valor agregado da gestão
do conhecimento e identificar a limítrofe para a inovação. Desafio
devido à dificuldade das empresas conseguirem mapear o poten— 157 —
Gestão do Conhecimento como Parte do Processo de Inovação
cial do conhecimento e dos processos, que envolve: a geração,
armazenamento, distribuição e utilização de todos os tipos de conhecimento para a excelência dos controles e inovações reais.
Há um fato que todas as empresas precisam entender para sua
sustentabilidade, que relato com uma citação do escritor Thomas
A. Stewart, “O dinheiro tem poder, mas não pensa; as máquinas
operam, muitas vezes melhor do que qualquer ser humano, mas
não inventam”.
2. CONCEITOS GERAIS
2.1. Gestão do Conhecimento:
Segundo VALENTIM (2003), gestão do conhecimento é um conjunto de estratégias para criar, adquirir, compartilhar e utilizar
ativos de conhecimento, bem como estabelecer fluxos que garantam a informação necessária no tempo e formato adequados, a fim
de auxiliar na geração de idéias, soluções de problemas e tomada
de decisão.
2.2. Conhecimento Explícito
O conhecimento explícito é o que conseguimos transmitir em
linguagem formal e sistemática. É o conhecimento que pode ser
documentado em livros, manuais ou portais ou transmitido através de correio eletrônico ou por via impressa. Na verdade, conhecimento explícito é informação.
2.3. Conhecimento Tácito
O conhecimento tácito, ao contrário, é o que temos, mas do qual
não temos consciência. É pessoal, adquirido através da prática, da
experiência, dos erros e dos sucessos, difícil de ser formulado e
transmitido de maneira formal.
NONAKA e TAKEUCHI(1997) com uma visão sistêmica explicaram a criação do conhecimento nas empresas, baseado na inovação e descreveram o conhecimento tácito e a importância deste.
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Wesley Marinho Ferreira (Msc.)*
2.4. Conhecimento Local:
CHAI (2000) afirma que ainda existe um conhecimento denominado de local que sofre influência da localização e é articulado e
depende de um contexto.
2.5. Conhecimento Sensível:
GRANGER(1989) acredita que existe um conhecimento que é
instransferível, senão por metáforas e começa a discutir uma
tipologia do conhecimento.
2.6. Capitais do Conhecimento
O modelo de gestão denominado Capitais do Conhecimento é
fruto de reflexão teórica e de observação prática sobre a questão.
Teoricamente, é baseado nos conceitos expostos por Sveiby,
Edvinsson e Stewart; empiricamente, é fundamentado em experiências concretas desenvolvidas por alguns projetos de gestão do conhecimento levados a cabo, desde início de 1998, pelo Centro de
Referência em Inteligência Empresarial da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (Crie — Coppe/UFRJ).
O Modelo dos Capitais do Conhecimento apresenta quatro capitais que devem ser devidamente monitorados e gerenciados para
uma efetiva gestão do conhecimento de uma organização. São eles:
o “capital ambiental”, o “capital estrutural”, o “capital humano” e o
“capital de relacionamento” (Figura 1).
Figura 1 — Os capitais do conhecimento
— 159 —
Gestão do Conhecimento como Parte do Processo de Inovação
Na realidade não existe, a priori, um capital mais importante
do que o outro. A importância relativa entre os quatro capitais depende de cada organização, seu grau de desenvolvimento e do tipo
de negócio em que está envolvida. O crescimento de uma empresa
depende da sinergia entre esses capitais.
Os cientistas Sveiby, Stewart e Edvinsson nomeiam as diferentes formas do conhecimento segundo:
Fonte: Canongia, 2002.
2.7. Capital Ambiental
O capital ambiental é o que define o conjunto de fatores que
descrevem o ambiente onde a organização está inserida e são expressos pelo conjunto das características sócio-econômicas da região (nível de escolaridade, distribuição de renda, taxa de natalidade, etc), pelos aspectos legais, valores éticos e culturais, pelos
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Wesley Marinho Ferreira (Msc.)*
aspectos governamentais (grau de participação do governo, estabilidade política), pelos aspectos financeiros, como o nível de taxa
de juros e os mecanismos adequados de financiamento e pelos aspectos tecnológicos.
2.8. Gestão do Conhecimento Aplicado
Para agregar valor às empresas a gestão do conhecimento aplicada se apresenta para organizar e sistematizar, em todos os pontos de contato, e fazer com que tenha capacidade da empresa de
captar, gerar, criar, analisar, traduzir, transformar, modelar, armazenar, disseminar, implantar e gerenciar a informação, tanto interna como externa.
Essa informação deve ser transformada efetivamente em conhecimento e distribuída tornando-se acessível aos interessados. A informação aplicada, o conhecimento, passa a ser um ativo da empresa e não mais um suporte à tomada de decisão. Veja figura 2:
Figura 2 — Ciclo da Gestão do Conhecimento
(Inspirado em Metings, Heisig, Vorbeck, 2003)
— 161 —
Gestão do Conhecimento como Parte do Processo de Inovação
3. GESTÃO DO CONHECIMENTO, EDUCAÇÃO UNIVERSITÁRIA E CORPORATIVA.
Quando se discute sobre inovação, conhecimento e gerenciamento, nos deparamos com uma tríade fundamental: pessoas,
processos e tecnologia. Ao analisar essa tríade, muitas questões surgem sobre a limitação que devemos dar para trabalhar com este
ainda intangível, na sua maioria, valor do conhecimento. Questões
como por exemplo, se a comunicação não deveria formar uma
tétrade juntamente com o tripé apresentado para a gestão do conhecimento. Pois é através do gerenciamento da comunicação (com
pessoas, tecnologia e processos) bem definidos que conseguiremos
fechar um ciclo de vida do conhecimento retropropagável e continuamente alimentado. Como fazer a implementação desta gestão?
Formalizar na organização ou não? Isso pode ser catastrófico, devido as ameaças e medos que as pessoas poderão ter ao passar seus
conhecimentos tácitos de forma declarada, principalmente com a
competitividade atual. Isto é cultural. O conhecimento deve ficar
na organização e esta deve criar processos de mapeamento, crescimento do capital intelectual coletivo e assim terá mais facilidade
para não apenas otimizar e principalmente inovar.
Preocupa-me muito a educação universitária no Brasil quando
se trata da capacidade de novos profissionais inovarem. Não quero dizer apenas do nível dos alunos que chegam nas universidades, mas de uma grade curricular que teimam em não inovarem. A
criatividade parece desaparecer muitas vezes nos alunos dos últimos anos de formação acadêmica. Se o berço das pesquisas está
nas universidades e elas não procuram se reciclar, inovar imagine
o perfil dos profissionais que estão entrando no mercado. Já me
deparei com muitos profissionais que entram numa organização e
na sede de apresentar resultados, que claro é o grande objetivo de
estarem em seus trabalhos, se especializam nas suas áreas e ficam
viciados no cotidiano tolhendo seu potencial criativo e de inovação. As empresas precisam se preocupar com isso e existem formas
de planejar isso, estabelecendo um plano de carreira com um
mentoring e/ou coaching. E por que não iniciar isso na própria
universidade com seus orientadores de iniciação científica e etc.
Um passo importante já está sendo evidenciado. As empresas estão
percebendo a importância de estarem unidas com as universidades
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Wesley Marinho Ferreira (Msc.)*
para buscar a inovação. Vendo que o teórico — acadêmico é fundamental para encontrar o “ideal” e a estratégia é saber como fazer
planos de ação para alcançar a melhoria e ou substituição podendo
estar, desta maneira, na prática, cada vez mais próxima do ideal.
Seja através da otimização ou inovação.
SENGE, PETER (1990) baseia-se em três aspectos para a idéia
central das organizações que aprendem: Primeiro para lidar com
mudança contínua, e ter sucesso, as organizações devem ser submetidas a um processo contínuo de aprendizagem; Segundo que algumas características organizacionais, tais como, apego excessivo ao
cargo ocupado, atribuição de culpa e responsabilidade a fatores
externos, não reconhecer a necessidade de mudança, visão de curto
prazo e outras, podem dificultar o processo de aprendizagem, e
por último o exercício de cinco disciplinas — domínio pessoal,
modelos mentais, visão compartilhada (objetivo comum), aprendizado em equipe e pensamento sistêmico. Ele também direciona
os refletores da aprendizagem organizacional para o perfil de uma
nova liderança, que devem ser compromissados com mudanças
profundas em si mesmos e em suas organizações.
E o que podemos fazer para ter uma organização que aprende?
Criar ambientes formais e informais de disseminação do conhecimento, explícito, tácito, local e sensível. Esta é a estratégia. Exemplo formal é a Universidade corporativa que pode capacitar tecnicamente ou
ajudar nas no desenvolvimento de competências comportamentais (habilidades e análise de atitudes). Sabe-se da dificuldade de ter mudanças de atitudes, mas continuamente é preciso estimular a reflexão para
a socialização, externalização, combinação e internalização que estimulam a cooperação e não a competitividade, tão comentado por
Nonaka e Takeuchi (veja figura 3), outros seriam fóruns de debate,
sistematização de informações via rede de computadores. Exemplo
informal é de happy hours, atividades compartilhadas de lazer e
cafeterias, mas de forma estratégica para agregar valor na disseminação e socialização do conhecimento.
Devido a todos esses aspectos devemos avaliar sobre as competências que se referem a conhecimentos, habilidades e atitudes.
O diferencial é atitude do capital humano que temos e que contratamos para facilitar o aprendizado contínuo com foco na melhoria,
inovação e sustentabilidade corporativa.
— 163 —
Gestão do Conhecimento como Parte do Processo de Inovação
Figura 3 — Estímulo à cooperação
4. GESTÃO DO CONHECIMENTO PARA INOVAÇÃO
SVEIBY (2002) apresenta a seguinte classificação para abordar o
campo da Gestão do Conhecimento, tanto em termos das áreas do
conhecimento, que a compõem, como em relação aos níveis de percepção, que caracterizam o processo:
4.1. Gestão da informação: envolve as áreas de tecnologia e ciência
da informação, para a construção da base de conhecimento
codi.cado; e
4.2. Gestão de pessoas: envolve as áreas de filosofia, psicologia,
sociologia e administração, para o entendimento da dinâmica
dos processos de criação e difusão de conhecimento tácito.
4.3. Gestão de Processos: Mapeamento dos processos envolvidos
na dinâmicas da organização.
— 164 —
Wesley Marinho Ferreira (Msc.)*
Figura 4 — Aspectos básicos para a Gestão do conhecimento
Autor: Arthur Hyppólito de Moura
4.4. Níveis de percepção:
Perspectiva individual: inclui as motivações e as capacidades
dos indivíduos; e
Perspectiva organizacional: inclui os recursos e as competências.
Existem alguns fatores básicos para a gestão do conhecimento.
Veja Figura 4.
Baseado nestes aspectos básicos podemos sugerir a seguinte
estratégica (Figura 5):
Em suma, quanto mais gerenciarmos para a transferência e
compartilhamento do conhecimento seremos mais capazes de romper as barreiras culturais e em conseqüência, ter a coletividade como
um valor natural e maior será o foco nas boas práticas que permitirá a criação do conhecimento de valor corporativo e a inovação.
— 165 —
Gestão do Conhecimento como Parte do Processo de Inovação
Figura 5: Estratégia para Gestão do conhecimento
Autor: Arthur Hyppólito de Moura
Baseado em Nonaka, Takeushi, Krogh e Ichijo.
5. O PAPEL DO DEPARTAMENTO DE RECURSOS HUMANOS (TALENTOS) NA GESTÃO DO CONHECIMENTO E DA INOVAÇÃO.
É fundamental que o RH das empresas entendam o seu papel
nesta estratégia corporativa de alto valor agregado. Este papel tem
como foco principal a sustentabilidade da empresa. É isto mesmo,
a empresa quando se torna mais competitiva pode prolongar sua
lucratividade e em conseqüência adquire a sustentabilidade.
1) O capital intelectual deve ser bem selecionado através de
modernas técnicas de análise comportamental que pode ser
a luz da análise transacional que permite um entendimento
das formas que o indivíduo trabalha com as cinco disciplinas. Avalia a energia, forma de planejamento, capacidade de
— 166 —
Wesley Marinho Ferreira (Msc.)*
liderança, inovação e relação com as autoridades. Leva em
consideração os estados de ego que dirá a conduta e a tendência de conflitos no “transitar” com sua equipe, que apresentará diferentes estados de ego existentes.
2) Deve fazer continuamente a integração deste capital humano a ser continuamente lapidado pela organização. E isto é
mantido através de plano de carreira bem definido e com
constantes treinamentos e envolvimento em atividades que
possam permitir o reconhecimento pela empresa de sua contribuição.
3) Monitorar as lideranças e propiciar programas de reciclagem
para que sejam capazes de estimular a mudança responsável, o trabalho em equipe com foco nos resultados dentro de
escopos bem definidos, para isto devem ser bem planejados,
dentro do tempo e custos designados e qualidade requerida.
Uma pesquisa feita nos Estados unidos diz que 80% das pessoas que pedem demissão o fazem não das corporações, mas
de seus “líderes” (chefes). Este é um fato que devemos
monitorar para um bom clima organizacional e resultados
reais de desenvolvimento de valor agregado permanente.
José Tovoli Jr., diretor do Great Place to Work Institute, desenvolveu um trabalho para a revista Exame com o título As
Melhores Empresas para Trabalhar no Brasil”. Em 1998, foram eleitas 50 das 800 empresas inscritas para avaliação. Segundo Tovoli, a pesquisa constatou que “um excelente lugar para se trabalhar é onde há confiança nas pessoas com
quem se trabalha, orgulho do que se faz e do produto da
empresa e a convivência com os demais acontece numa atmosfera amigável”. É isto que a gestão do conhecimento deve
ter como diretriz.
4) Implementar práticas formais e informais para os processos
de gestão do conhecimento e da inovação através de fóruns,
portais, congressos, reuniões de lições aprendidas em projetos,
cafeterias, happy hours, ações de “love in corporation”, universidade corporativa com treinamentos técnicos e
comportamentais utilizando técnicas modernas de andragogia
como a utilizada pelo ICONE — Instituto do Conhecimento
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Gestão do Conhecimento como Parte do Processo de Inovação
para Educação Continuada e Pesquisa chamada EV-ACTION
(Earned Value Action, www.institutoicone.com.br), que através de atividades que simulam o dia a dia do colaborador ,
força-o a refletir sobre o seu comportamento quando é colocado em situações de impotência decisória e fator limitante físico que estimula a exploração de seus potenciais criativos e de
inovação, que todas as funções exigem.
5) Desenvolver as equipes e práticas de gerenciamento de
projetos. Acompanhar as equipes e as competências requeridas.
Estimular a percepção no ser humano e não apenas no âmbito
técnico.
Existem outras formas para o RH fazer diferença na organização, e o sucesso dependerá da capacidade da equipe de conseguir
inovar internamente no que se refere a mudar sua cultura que parece não ter mais identidade, pois sua busca para a próxima década já começou através da gestão do conhecimento e o destino é
infinito como a criatividade para a inovação.
6. CONCLUSÃO
A gestão do conhecimento tem como matéria prima principal as
informações que são provenientes de dados explícitos e tácitos.
Lembrando, DAVENPORT (1998) diz, dados são simples informações sobre o estado do mundo, são facilmente obtidos por máquinas, freqüentemente quantificados e facilmente transferidos;
informações são dados dotados de relevância e propósito, requer
unidade de análise, exige consenso em relação ao significado e
necessariamente exige mediação humana, que varia de indivíduo
para indivíduo; conhecimento é a informação valiosa da mente
humana, inclui reflexão, síntese e contexto, além disso é de difícil
estruturação, transferência e captura em máquinas e é
freqüentemente intangível.
Todo esforço que a corporação busca para gerenciar o conhecimento deve ter, como principal objetivo, a geração de novos conhecimentos e só conseguirá isto criando um ambiente com reais
estimuladores de mudanças que faz parte do perfil natural dos
verdadeiros líderes.
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Wesley Marinho Ferreira (Msc.)*
Apontada como um novo vetor da administração moderna, a
Gestão do conhecimento deve ser encarada muito mais como um
modo de praticar do que um recurso que se pode comprar. É uma
conquista e não mais uma aquisição. Deve ser amplamente aplicada
por todos nas organizações e é algo que se constrói com muito trabalho, idéias, inovações, coerência e dedicação zelando pelos ativos
intangíveis corporativos de valor. É mais ser (potencial ser humano)
do que possuir, comparar, adquirir ou ter. Com uma empresa capaz
de gerir o conhecimento ela conseguirá ter o forsight, ter a
sustentabilidade voltada para uma cultura de inovação contínua.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CANONGIA, C. Gestão do Conhecimento e a Competitividade —
Reflexão. Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 2002.
CHAI, Kah-Him. Kowlegde sharing and reuse international manufacturing networks: an exploratory study. Institute for Manufacturing Engineering, University of Cambridge. Sep. 2000.
CHOO, C. W. A organização do conhecimento: como as organizações usam a informação para criar significado, construir conhecimento e tomar decisões. São
Paulo: Senac, 2003. 425p.
DAVENPORT, T. H.; PRUSAK, L. Working Knowledge — How
Organisations Manages What They Know. Boston, 1998.
DAVENPORT, Thomas H., PRUSAK, Laurence. Conhecimento
empresarial: como as organizações gerenciam seu capital
intelectual, métodos e aplicações práticas. Rio de Janeiro: Campus, 1998.
DAVENPORT, Thomas O. Capital humano. O que é e por que as
pessoas investem nele. São Paulo: Nobel, 2001.
DRUCKER, Peter. Desafios gerenciais para o século XXI. São Paulo: Pioneira, 2000.
GRANGER, Gilles-Gaston. Por um conhecimento filosófico. Campinas: Papirus, 1989.
— 169 —
Gestão do Conhecimento como Parte do Processo de Inovação
HAMEL, Gary, PRAHALAD, C.K. Competindo pelo futuro: estratégias inovadoras para obter o controle do seu setor e criar
mercados de amanhã. Rio de Janeiro: Campus, 1995.
NONAKA, I.; TAKEUCHI, H. Criação de conhecimento na empresa. Rio de Janeiro: Campus, 1997. 376p.
PRAHALAD, C.K. Reexame de Competências. HSM Management.
Nº 8, ano 2, maio-jul. 1998.
VALENTIM, M. L. P. Cultura organizacional e gestão do conhecimento. InfoHome, Londrina, 2003. 2p. Disponível em: http://
www.ofaj.com.br/colunaicgc_mv_0303.html
VON KROGH, G.; ICHIJO, K.; NONAKA, I. Facilitando a criação
de conhecimento: reinventando a empresa com o poder da inovação contínua. Rio de Janeiro: Campus, 2001. 350p.
— 170 —
APRENDIZAGEM PARA INOVAÇÃO
Desafios e Soluções
Márcio Zenker
Educação, Trabalho e Cidadania no Brasil do Futuro
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José Pastore
Capítulo 9
Aprendizagem para Inovação:
Desafios e Soluções
RESUMO
Aprendizagem para inovação refere-se a formas psicopedagógicas de conduzir processos de educação em que os profissionais da organização enfrentam desafios reais e precisam descobrir
soluções geradoras de resultados. Esse trabalho faz uso da Ciência
da Informação, descreve processos de informações corporativas e
formas de conduzir pessoas na descoberta de planos de ação para
alcançar metas extraordinárias.
INTRODUÇÃO
Inovação significa responder, de forma nova, diferente e
impactante a desafios. Inovação exige mudança de nossos modelos mentais. Os novos paradigmas da educação propõem que façamos uso de duas abordagens complementares para lidar com a
aprendizagem e gestão de mudanças: “Analisar-Pensar-Mudar” e
“Ver-Sentir-Mudar. Kotter (2002) aborda esses modos de atuar em
gestão de mudanças . Percebe-se na literatura recente de negócios
a valorização do lado direito do cérebro no aprendizado individual, grupal e organizacional como resposta ao mundo da incerteza,
complexidade e velocidade. Métodos, técnicas e ferramentas de
gestão de pessoas são destacados cada vez mais para a obtenção
de inovações no meio acadêmico e corporativo. Além disso, saber
lidar de forma criativa e inovadora com informações corporativas
torna-se um quesito para o êxito dos negócios.
— 173 —
Educação, Trabalho e Cidadania no Brasil do Futuro
OBJETIVOS
Apresentar uma metodologia de trabalho para lidar com processos de aprendizagem individual, grupal e organizacional orientada para a inovação diante de metas desafiantes do mundo dos
negócios.
DESENVOLVIMENTO: CASE
A metodologia de trabalho para se lidar com processos de aprendizagem orientada para inovação é apresentada em conjunto com
a narrativa de um caso real.
1. A CORPORAÇÃO
Características
Corporação americana com unidades em vários países e milhares de funcionários atua na área de saúde com as seguintes divisões: farmacêutica, hospitalar, nutricional, diagnóstico, etc.. Possui
princípios, valores e políticas mundiais que estimulam o trabalho
de equipe e a inovação disseminando-os aos seus colaboradores
através de comunicação corporativa. Investe altas somas em treinamento e desenvolvimento de seus colaboradores através de programas criados na matriz e operacionalizados em todo o mundo
com base em suas características regionais. Tem foco em metas e
resultados financeiros e os divulga aos investidores de acordo com
as práticas de governança corporativa.
Leitura do ponto de vista da informação corporativa: A informação corporativa deve ser contextualizada para adquirir sentido. Percebe-se, pela descrição acima, o quanto as políticas, estrutura, planejamento, ambiente, gente e investidores possuem uma característica
corporativa enquanto algo orquestrado e com direção.
2. PROGRAMA MUNDIAL
Concepção
Partindo dos princípios da complexidade (tudo está relacionado
e com um grau de incerteza), da diversidade (há diversidade de
— 174 —
José Pastore
raça, de clima, de riquezas locais, etc.) e da inclusão (novo paradigma com a função de juntar ao invés de separar e/ou discriminar)
aliados a sua presença geográfica pelo mundo, cria um programa
corporativo que estimula qualquer funcionário, em qualquer lugar e a qualquer tempo, a buscar soluções inovadoras para metas
organizacionais que fogem do conhecimento de rotina. Recomenda a formação de equipes interdisciplinares para que seus membros explicitem seus conhecimentos na busca de descobertas para
superar os obstáculos e alcançar resultados. Estimula a visão de
negócios e orienta o planejamento para chegar ao destino.
Leitura: Informações corporativas manifestam-se em programas
e metas empresariais apoiando colaboradores e grupos a melhor
compreenderem seus propósitos e com isso buscarem e usarem
informações na sistematização dos percursos e alcance de metas.
Ciclo de Etapas Evolutivas do Programa
Concepção do programa do ponto de vista estratégico, tático e
operacional
Disseminação mundial do programa
• Presidente internacional envia carta para presidentes dos países em que a corporação opera lançando oficialmente o programa.
• Inicia-se, em cada unidade empresarial, um ciclo de reuniões
com vários níveis hierárquicos e várias divisões.
Responsabilidades compartilhadas e decisões conjuntas
• Cabe ao presidente converter o programa em cases de sucesso medidos pela realização ou superação das metas.
• Responsável junto ao corpo diretivo pela escolha anual dos
cases desenvolvidos internamente, com maior impacto nos
resultados e que sirva como referência mundial para outras
unidades.
• Cabe a cada diretoria dividir suas metas em 2 grupos: metas
de rotina e metas desafios.
• Cabe à área de Recursos Humanos dar o suporte necessário
para que os grupos superem obstáculos e conquistem resultados. A diretoria e os gerentes têm papel semelhante.
— 175 —
Educação, Trabalho e Cidadania no Brasil do Futuro
• Cabe a cada grupo, com membros inter-áreas, fazer uso de
suas capacidades e experiências aliadas a uma postura de
auto-direção.
Ação
• Cada equipe é responsável por uma meta extraordinária e
pertencente ao planejamento estratégico. Os desafios são de
naturezas variadas: técnica/tecnológica, legal, sócio-cultural, empresarial, comercial, orçamentária, econômico-financeiro, informacional, etc..
• O “timing” para compor as equipes deve coincidir com o
início da execução do planejamento estratégico daquele ano.
• A busca de novas soluções para novos problemas corre em
paralelo aos trabalhos já conhecidos em grande parte pelos
funcionários.
• Os membros do grupo partem da meta, definem o problema,
clarificam as necessidades de informação, fontes de referência de busca, uso da informação, comportamentos previstos
dentro e fora da organização para converterem o plano em
teste e realidade
• A busca de informações ocorre no plano subjetivo através de
entrevistas , no plano virtual através da pesquisa no sistema
empresarial de informação, internet, etc. e no plano objetivo,
pela observação de fatos.
• Planos de ação orientados para metas são montados num
primeiro momento e realizados, posteriormente, com os devidos ajustes às circunstâncias.
• Com os meios (planos) e os fins(metas) viabilizados no curso dos acontecimentos, descobre-se aquelas histórias dignas
de serem disseminadas para outros .
• Faz-se um balanço anual do nível de realizações de metas
tanto ordinárias quanto extraordinárias através da comparação entre previsto e realizado. Ganhos e perdas emergem
desta análise permitindo perceber se o orçamento, os investimentos e os retornos são condizentes.
Reconhecimento e Premiação
• Os cases selecionados por cada organização — em torno de
5 — entram num processo seletivo mundial com critérios defi— 176 —
José Pastore
nidos e claros. A inscrição do case para participação no concurso mundial é feita eletronicamente através do Website.
• São escolhidas dezenas de cases do mundo todo para
premiação.
• Uma conferência anual, na matriz, é o acontecimento de reconhecimento e premiação das equipes. Líderes de equipes
de várias partes do mundo estão presentes. Premiação em
dinheiro, certificado e troféus fazem parte do ritual.
Entradas e saídas de conhecimento na perspectiva global
• Os cases participantes de cada país devem ser formulados
como tal, usando para isso um formulário padrão. Isso facilita a indexação e recuperação de informações dos mesmos e são disponibilizados como referência para colaboradores de outros países. Os cases escolhidos também fazem
parte desta coleção.
• Alguns critérios de segurança são utilizados para o acesso
e uso desse banco mundial de cases. Ë um estímulo à pratica do benchmarketing, ou seja, o reuso do case adaptado a
outra localidade. Além disso, são disponibilizadas informações de telefone, e-mail dos membros da equipe para
orientações — coaching/mentoring — on-line.
• Estimula-se continuamente não só a descoberta de novas
soluções para novos problemas mas também o reuso das
mesmas.
Leitura: A construção de sentido se dá tanto pelos grupos dos
empreendedores/inovadores quanto pelos grupos dos que partem de uma referência e conseguem ir além. O primeiro grupo
possui um perfil de ousadia, visão, criatividade, iniciativa, resolução de problemas, aceitação de riscos, raciocínio abstrato, etc. enquanto o segundo, tem um perfil mais orientado para o concreto,
com capacidade de utilização, adaptação e senso de produtividade. As tarefas que fazem parte do ciclo de planejamento e execução
de uma história particular contemplam aspectos de gestão,
cognitivos, emocionais e de relacionamento distintos. Portanto, o
tratamento da informação corporativa e a construção de significado dependem do público em questão – pessoas centradas na des— 177 —
Educação, Trabalho e Cidadania no Brasil do Futuro
coberta ou na utilização. No primeiro grupo, há um ciclo de criação, produção e transferência do conhecimento codificado enquanto que no segundo, há um ciclo de experiências baseado na assimilação e adaptabilidade. Importante notar que a informação
corporativa possui várias funções conforme pode se deduzir pela
narrativa:
• Diminui a incerteza/riscos
• Promove a integração vertical e horizontal entre departamentos e pessoas
• Facilita o reconhecimento do contexto interno ou externo, do
histórico e das perspectivas, do macro ou do micro sistema
permitindo aos indivíduos, grupos e coletividade envolvida
uma noção de território onde opera, das rotas a seguir e dos
objetivos a perseguir.
Podemos relacionar a concepção deste programa com organizações orientadas para o conhecimento. Choo é um profissional do
meio acadêmico que faz retrospectivas da literatura e pesquisas
em Ciências da Informação e as integra com seus trabalhos teóricos
e práticos em uma linha da busca e uso da informação no meio
empresarial e eletrônico. Choo (2002) propõe uma modelo para a
Gestão Estratégica do Conhecimento. Destaca quatro níveis pelas
quais ocorre aprendizagem e conhecimentos: individual, grupal,
organizacional e network. Os processos organizacionais devem ser
orientados para a criação, transferência e utilização da informação.
Várias alavancas devem suportar as informações e geração de conhecimento: codificação e reaplicação do conhecimento, seqüência
de desenvolvimento de produto. Todos estes fatores devem estar
orientados para os capitais: humano, estrutural e relacional. Todo
este “framework” faz parte do modelo apresentado neste case.
3. PROGRAMA BRASIL
A empresa está no Brasil há muito tempo e é destaque no setor
farmacêutico.
Há décadas operava, por influência da matriz, com uma administração do tipo: objetivos, metas e planos. Percebia-se, na época,
— 178 —
José Pastore
a necessidade de cobrança dos níveis intermediários pelos seus
superiores para que planos fossem montados e realizados com
sucesso. Historicamente investia na formação técnica e comercial
de seus representantes. Convenções anuais congregavam representantes de todo o Brasil principalmente no lançamento de novos
produtos. A grande ênfase era fazer com que o representante tivesse uma alta performance diante de médicos ao discorrer sobre o(s)
produto(s).
Vários líderes desta organização perceberam a necessidade de
investimento na área de manufatura visando prepará-la melhor e
rapidamente para novos desafios internos, de mercado e sociedade. A diretoria, no Brasil, tinha o compromisso em determinado
ano com 70 metas divididas nas categorias: financeira, negócios/
processos(qualidade, saúde & ambiente, energia, riscos, relação
com entidades do segmento), planejamento e controle da produção, manufatura, engenharia e manutenção, compras,distribuição,
segurança, administração de pessoal, etc.
Decidiu-se por uma Jornada Industrial, a primeira da história
do laboratório no segmento de Manufatura. Os profissionais dos
níveis diretoria, gerencial e supervisão, num total 30 líderes foram
convidados para o seminário.
Vários líderes da empresa foram convidados para dialogarem
com todos desta área (presidência, diretoria qualidade, gerência
de Treinamento e Desenvolvimento/RH, gerência Comercial/
Marketing)
Contratação de Serviços Especializados
• Os organizadores do evento — RH e área Industrial — perceberam a necessidade de contratação de serviços externos
para conduzir parte das atividades do programa. O principal papel da dupla de profissionais contratados era dar o
suporte necessário para a produção de planos inovadores
para alcance de metas extraordinárias: um profissional especialista em avanço individual e de equipe e outro, em superação de obstáculos para o êxito. Partiu-se do princípio de que
as pessoas já têm, em grande parte, as soluções para os desafios, porém, o que lhes falta é orientação sistemática quanto à
direção e percurso de suas idéias.
— 179 —
Educação, Trabalho e Cidadania no Brasil do Futuro
• Princípios definidos por contratante e contratados: ênfase
individual no sentido de diminuir resistências, gerar comprometimento, estimular o potencial e experiência de cada
um para enriquecer a troca em situações de grupo; apoiar
os indivíduos a saberem atuar em grupo no sentido da aceitação do outro em sua forma de ser, pensar, falar, agir, etc.;
criar condições para que diferentes áreas da empresas entrassem em diálogo franco umas com as outras quanto a
problemas comuns, clarificação de comprometimentos e de
acordos
• Reuniões antecipatórias ao evento foram realizadas com os
organizadores e líderes visando conhecer melhor a realidade do dia-a-dia, forças e limites daquela divisão, da empresa e comportamento da matriz em relação à empresa no Brasil. Além disso, procurou-se explorar características e tendências do ramo.
Leitura: As regras do jogo de determinada empresa podem ser
consideradas informação corporativa. O conjunto de informações
pode ser agrupado em um guia comum de atuação, um código de
conduta e de gestão de negócios. Quanto mais estas informações
retratarem o mercado e a sociedade em que atuam, quanto mais
deixarem transparecer rotas e destinos, quanto mais forem
traduzidas para as várias linguagens — textual, numérica, gráfica,
desenho, etc., mais estarão cumprindo seu papel de guia de comportamento.
4. A JORNADA DE MANUFATURA
Realizada num hotel campestre durante três dias. Uma sinopse
do programa dá uma idéia de conteúdo e seqüência de trabalho:
• Visão corporativa — mundial e Brasil — presidente
• Objetivos e responsabilidades por resultados — diretoria
industrial
• Em busca da excelência — vários depoimentos de diretores
e gerentes
• Trabalho individual — crescimento — consultoria
— 180 —
José Pastore
•
•
•
•
Trabalho em equipe — equipes de trabalho — consultoria
Apresentação dos “goals” do ano
Seleção de metas e distribuição para as equipes
Orientação por escrito e verbal para as equipes — montagem de planos
• Apresentação e discussão em plenária
• Documento de comprometimento para a próxima etapa — a
realidade
Objetivos/Metas trabalhadas na Jornada
Diretoria e gerências escolheram algumas metas reais para as
quais planos deveriam ser montados. Alguns critérios nortearam
esta escolha como relevância, urgência, dificuldade, oportunidade
para integração de diretorias e outros.
• Consolidação dos processos produtivos do país X no Brasil
• Criação de programa de conservação de energia
• Redução de absenteísmo de X% para Y%
• Implantação de sistema de certificação de materiais de embalagens
• Sistema de avaliação de fornecedores
• Eliminação de um turno de produção até data X.
Roteiro — orientação para montagem de planos inovadores —
padrão internacional:
• Dados cadastrais: nome do time, localização, patrocinador
do país, líder do grupo, contato, membros.
• Objetivos e metas mensuráveis, cenário atual e proposto,
metodologia de resolução com ações definidas, indicadores
de performance utilizados, recursos necessários, custos do
projeto, outras alternativas, riscos, etc.
A metodologia de trabalho para lidar com processos de aprendizagem individual, grupal e organizacional faz uso de práticas
de Mentoring, Coaching e Mediação de Conflitos no apoio aos trabalhos desenvolvidos pelas equipes.
Mentoring — estimulou-se uma conversa franca entre níveis
hierárquicos e líderes de diferentes divisões que estavam presen— 181 —
Educação, Trabalho e Cidadania no Brasil do Futuro
tes no evento. O foco estratégico do diálogo, em plenária, era identificar que segmento da organização necessitava dos demais para
que a empresa como um todo avançasse. Esta forma de conduzir o
trabalho mostrou-se útil, pois, substituía a atitude de autodefesa e
ataque ao outro para a postura de solicitação de apoio ao outro
para um fim comum. Este procedimento estimulou a saída da informação dos feudos para torná-la corporativa. Estimulou-se a
mudança de um modelo mental individualista e competitivo para
o cooperativo.
Coaching — cada grupo recebeu orientação apropriada pelos
especialistas contratados exatamente naquilo que precisavam, no
momento em que precisavam e na dosagem certa de que precisavam. Perguntas eram lançadas pelo grupo no seu desafio de montar um plano e respostas eram dadas mais no sentido de como fazer e porque fazer, e em menor grau do que fazer
Mediação de Conflitos — no trabalho em plenário como nas
atividades grupais, conflitos surgiram por motivos diversos. Cabia aos especialistas atuarem como um terceiro elemento entre as
partes estimulando, através de perguntas, a busca e explicitação
de informações com o objetivo de entendimento dos pontos de vistas divergentes. Em seguida, buscava-se um acordo naqueles pontos comuns para que a evolução das propostas durante o evento e
na realidade do dia-a-dia pudesse gerar os resultados esperados.
Pós-evento
• Cada líder de equipe procurou detalhar o plano com os membros e profissionais de dentro e/ou de fora da organização e
colocou-o em prática no decorrer do ano.
Coordenação estratégica, tática e operacional de metas
• Uma coordenação geral dos grupos classifica todas as metas
desta diretoria por categoria — cinco no total. O objetivo
desta classificação é operar por escala mais do que por meta
— 182 —
José Pastore
individual. A idéia principal é criar uma camada mediadora
entre metas individuais e o conjunto de metas corporativas.
Inclui metas de rotina e metas inovadoras. Ex.: Metas relacionadas direta ou indiretamente à redução de energia — qualquer tipo de energia. Profissionais são escolhidos para dar
um incentivo como mentor, tutor e orientador para as diversas equipes agrupadas neste tópico. O cumprimento desta
metas impacta diretamente nos custos e despesas desta diretoria.
Brasil como um dos recordistas em prêmio
• Os cases que retratam conquistas ousadas e, em geral, com
rotas diferenciadas passa a ser um candidato para escolhas
num primeiro plano pelo Brasil e, num segundo, pela matriz. Vários prêmios foram obtidos por equipes durante anos.
Isso é em grande parte causado por líderes que sabem articular informação, administração e tecnologia a serviço de
performances superiores de negócios.
Leitura: Podemos relacionar este case com os trabalhos de
Marchand em “Information Orientation”. Marchand (2002), em suas
pesquisas no meio corporativo, identificou três recursos principais
que formam as bases de empresas de sucesso no mundo contemporâneo: pessoas, informações e tecnologia. Práticas referentes a
esses três recursos precisam entrar em interação e ao mesmo tempo ascender a uma maturidade superior em direção ao desempenho de negócios. Para facilitar a compreensão, podemos associar
Pessoas à área de Recursos Humanos; Informação, às áreas
Gerenciais e Tecnologia, à área de Sistemas e Tecnologia da Informação. Na seqüência, esses recursos e áreas possuem profissionais oriundos em geral, das Ciências Humanas, Ciências da Informação e Ciências da Computação/Sistemas de informações. O grande problema, na prática, é que estas áreas não entram em sinergia
como também guardam pouca relação com os indicadores de desempenho empresarial. O case descrito aqui é uma demonstração
de viabilidade de integração e direcionamento a resultados.
— 183 —
Educação, Trabalho e Cidadania no Brasil do Futuro
5. USANDO METÁFORAS PARA ESTIMULAR A COMPREENSÃO
Equações diferenciais são utilizadas por cientistas para estudar o crescimento populacional. Crescimento de uma única espécie que vive sozinha num ambiente ou a interação de duas espécies no mesmo ambiente que competem pelas mesmas fontes (sistemas predador-presa : coelhos e lobos ), ou por cooperarem por
mútuo benefício (plantas em floração e insetos polinizadores).
Uma pergunta chave na utilização destes modelos é: qual é o efeito
que o aumento de uma das espécies tem na taxa de crescimento
da outra?
Os modelos, portanto, são utilizados para descrever e prever
níveis de população de duas espécies que competem pelos mesmos recursos ou cooperam por benefício mútuo.
Perguntamos: até que ponto, hoje, a competição ocorre entre
funcionários e a cooperação — via alianças — ocorre no mercado?
Será que perdemos a capacidade de cooperar com direção a obter
riqueza a ser distribuída pelas comunidades atuantes?
Esse programa mundial tem como “modus operandi” a cooperação entre uma espécie de população provedora de cases de
sucesso e outra que se alimenta desses cases para recriar suas próprias histórias. Essa estratégia é um estímulo para que muitos que
não conseguem êxito num primeiro momento, obtenham num
segundo. Êxito em inovar, êxito em ousar.
CONCLUSÃO
Partir de contextos organizacionais e situações reais que são
percebidas como desafios pelos profissionais de uma organização
e fazer uso de uma metodologia que apóie os envolvidos na criação de soluções inovadoras é um caminho na conquista de resultados corporativos e valorização de seus talentos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHOO, C.W. The Strategic Management Intellectual Capital and
Organizational Know, Oxford University, New York, 2002
— 184 —
José Pastore
KOTTER, J.P. O Coração da Mudança: Transformando empresas
com a força das emoções. Editora Campus, 2002
MARCHAND, D. & KETTINGER, M. Information Orientation: A
people centric performance measure of effective information use
in companies. International Conference on Performance
Measurement and Management 2002
URL: http://www.enterpriseiq.com/mktg whats_new_speaking.asp
MÁRCIO ZENKER
Psicologia pela USP com pós-graduação em Administração Geral e Recursos Humanos pela Fundação Getúlio Vargas. Foi professor de Psicologia Aplicada à Administração e do seminário Desenvolvimento das Habilidades Humanas Profissionais para Executivos da FGV.
Atua como palestrante, condutor de workshops, consultor e
coacher no meio educacional e empresarial.
Consultor e instrutor de workshops do INSADI.
Autor de artigos sobre Tecnologia da Informação e Comunicação
na Educação. Co-autor do livro Em Benefício da Educação
Mentor e coordenador do grupo: Meios Eletrônicos Interativos
em Educação.
Professor de pós-graduação do SENAC, UNASP, FEI , HOYLER
e UNISA em Gestão de Pessoas, Gestão por Competências, Liderança, Psicologia Organizacional e Comportamental.
Professor das disciplinas Gestão de Pessoas e Administração
de Recursos Humanos em cursos de graduação em Educação a
Distância — via internet e satélite — UNISA DIGITAL
Autor e professor do curso de extensão Melhores Práticas de
Gestão de Pessoas, modalidade Educação a Distância, no CEDET
Treinamento & Consultoria
[email protected] , http://www.educa-inova.com.br/
— 185 —
OS DESAFIOS DE UMA EDUCAÇÃO
PARA INOVAÇÃO DENTRO DAS
ORGANIZAÇÕES
Adelice Leite de Godoy
Dr. César Kyn d’Ávila
Dr. Marcos Akira d’Ávila
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
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Adelice Leite de Godoy, Dr. César Kyn d’Ávila, Dr. Marcos Akira d’Ávila
Capítulo 10
Os Desafios de uma Educação para
Inovação dentro das Organizações
1. INTRODUÇÃO
Quando falamos de uma educação voltada para inovação num
contexto federativo, estamos nos referindo ao futuro do país. Isto
ocorre porque a inovação está intimamente ligada ao processo de
geração de riqueza e melhoria de aspectos sociais, que, por sua
vez, são elementos necessários para promover condições individuais e coletivas para um progresso contínuo e sustentável.
Por esses motivos mais gerais, o tema da inovação tem sido
muito discutido, aparecendo constantemente dentro da lista de
prioridades e preocupações de muitas organizações em todo o
mundo. É também muito freqüente, em discussões sobre Gestão
Empresarial, Planejamento Estratégico, colocar a inovação como
fator determinante para a sobrevivência da empresa, razão pela qual
o tema está presente em praticamente todas as pautas de discussão
do mundo corporativo.
Uma pesquisa sobre inovação, conduzida pelo Management
Centre Europe e pelo Human Resource Institute da Universidade
de Tampa, constatou que mais de 90% dos 1350 executivos entrevistados classificaram a inovação como sendo importante ou muito importante. No entanto, há um outro ponto interessante nessa
pesquisa, pois 85% deles não consideram suas empresas bem sucedidas em inovação [1].
A partir desses números, decorre a constatação da existência de
uma distância entre o que se quer e o que se obtém. Dentro do
espectro da pesquisa, existe praticamente consenso dos executivos
das organizações em apontar a inovação como algo fundamental e,
portanto, desejável, mas com a ressalva de que os resultados obtidos através dos processos implementados para a geração de inovações têm sido insatisfatórios.
— 189 —
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
Diversos pontos podem ser colocados como fatores de insucesso
para se alcançar resultado positivo nas inovações no âmbito
organizacional. Podemos, por exemplo, citar as dificuldades para
implementação de sistemas de gestão da inovação e para determinação das ferramentas mais adequadas para os processos. Podemos também citar questões de ordem cultural, que, se por um lado
garantem a continuidade da identidade de uma organização no
tempo, simultaneamente podem se tornar, em diversos aspectos,
barreiras no trabalho de realização das mudanças necessárias. Tal
fato nos leva a analisar as questões relacionadas à educação e de
que forma ela pode se tornar um agente propulsor das inovações
dentro das organizações.
2. CONCEITOS FUNDAMENTAIS
Antes de abordar especificamente o papel da educação dentro
do processo de geração de inovações, devemos atentar para alguns
conceitos importantes.
O primeiro conceito é o de Inovação, que pode ser definida como
“qualquer mudança benéfica para uma organização” [2]. Este conceito é fundamental para que compreendamos que a inovação está intimamente ligada às organizações. Note, portanto, que o foco de todo o
processo para geração da inovação está na realização de mudanças no
âmbito organizacional, que podem levar a novos produtos, processos
e tecnologias que refletirão nos mais variados benefícios.
O segundo conceito é o de Organização, que, de acordo com as
normas ISO [3], consiste em “grupo de instalações e pessoas com
um conjunto de responsabilidades, autoridades e relações”. Entretanto, neste artigo, ampliaremos um pouco o conceito de organização para “um grupo de instalações, processos, recursos e pessoas
com um conjunto de responsabilidades, autoridades e relações,
arranjados para atingir uma finalidade específica.”
O terceiro conceito é o de Educação. “Em geral designa-se com
esse termo a transmissão e o aprendizado das técnicas culturais,
que são as técnicas de uso, produção e comportamento [...] que
permitem o trabalho em conjunto de modo mais ou menos ordenado e pacífico” [4]. Note que esta definição deixa explícita a necessidade da transmissão de conhecimento, desenvolvimento de habilidades e atitudes necessárias para a realização de um fim. Estes
três conceitos são importantes para a discussão que se segue.
— 190 —
Adelice Leite de Godoy, Dr. César Kyn d’Ávila, Dr. Marcos Akira d’Ávila
3. NÍVEIS ORGANIZACIONAIS
Uma organização é composta por diversos elementos, conforme observamos na definição dada na Seção 2. Esses elementos se
relacionam e interagem para que se cumpra a finalidade para a
qual a organização existe.
Por exemplo: uma empresa tem por finalidade fornecer produtos ou serviços ao mercado no qual atua; um instituto de pesquisa
público tem por objetivo fornecer para a sociedade um conjunto
organizado de conhecimentos; um hospital fornece atendimento a
pacientes.
Desta forma, os elementos que compõem uma organização formam determinados arranjos para que essa associação cumpra a sua
finalidade. Estes arranjos criam uma estrutura organizacional.
Ao observarmos as diferentes estruturas organizacionais, podemos identificar que estas relações e interações acontecem em níveis qualitativos distintos.
Três níveis qualitativos (Figura 1) foram por nós identificados,
dentro dos quais atuam e se relacionam os diversos elementos de
uma organização:
— nível fundamental
— nível extensivo
— nível intensivo
Figura 1 — Os níveis organizacionais.
— 191 —
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
O nível fundamental é o que dá suporte aos demais níveis da
empresa. Neste nível, estão os aspectos fundamentais ou essenciais da organização, tais como a cultura organizacional, a identidade, a missão da organização e sua visão de futuro. Na maioria das
vezes, as ações que ocorrem neste nível não têm impacto direto
sobre as atividades do dia-a-dia das organizações, mas permeiam
todas as atividades, agindo de forma indireta. Em geral, as decisões aqui tomadas são implementadas no médio e longo prazo,
uma vez que qualquer mudança nos fundamentos de uma empresa necessita de um tempo de adaptação para que a empresa não se
desorganize.
Tomemos como exemplo uma mudança de cultura. É fato incontestável que, se uma organização existe e está atuando e cumprindo sua finalidade, a sua cultura organizacional está suprindo
de alguma forma as necessidades que possui. Contudo, diante de
uma avaliação mais aprofundada, a alta administração pode concluir que esta cultura não suporta um crescimento da empresa ou
mesmo não provê mecanismos que permitam que a organização se
sustente ao longo do tempo. Diante deste quadro, é necessário que
a cultura existente seja alterada, ou seja, as pessoas precisarão passar a agir de outra forma. Dependendo do nível de modificação
pretendido, uma implementação abrupta pode causar uma completa desorganização da empresa, pois as pessoas necessitam de
tempo para absorver uma nova cultura.
As ações e decisões tomadas no nível fundamental, portanto,
não exercem impacto imediato sobre as atividades do dia-a-dia das
empresas, mas as condicionam no médio e longo prazo.
As pessoas que agem nesse nível fundamental são ocupantes
de altos cargos, consultores estratégicos, membros de conselhos
científicos e tecnológicos, etc.
Antes de explicar detalhadamente os outros dois níveis da Figura 1, vamos diferenciar, no presente contexto, o extensivo e o
intensivo.
Tratamos como sendo nível intensivo a unidade formadora do
nível extensivo ao qual ela pertence, do ponto de vista do observador, e chamamos de nível extensivo aquele no qual estas unidades
se inserem, relacionam e interagem.
Podemos dizer que o nível extensivo se forma como uma teia,
unindo elementos intensivos dispersos em seu meio.
— 192 —
Adelice Leite de Godoy, Dr. César Kyn d’Ávila, Dr. Marcos Akira d’Ávila
Figura 2 — Extensividade e Intensividade
Observando a Figura 2, temos a teia vermelha representando o
nível extensivo, que liga diversos elementos intensivos.
No entanto, nossa definição leva em consideração o ponto de
observação, isto porque dependendo do ponto de vista de observação, um elemento da organização pode ser considerado intensivo ou extensivo.
De novo, um exemplo nos auxiliará a apreender este conceito.
Consideremos uma empresa que possua várias filiais. Se colocarmos o observador no nível máximo da corporação, ele enxergará todas as filiais e suas inter-relações. Podemos entender que as
inter-relações são de nível extensivo, e cada filial tomada individualmente, constitui um elemento intensivo que faz parte da estrutura extensiva.
Dentro de cada filial temos diferentes processos, tais como vendas, produção, entrega, etc., processos estes que, dentro do ponto
atual de observação, são internos às filiais e, portanto, de nível intensivo.
Se, no entanto, mudarmos o ponto de vista do observador para
a gerência da filial, perceberemos que, neste caso, no nível extensivo estão justamente os processos, sendo o nível intensivo formado
por pequenos grupos ou mesmo indivíduos.
A delimitação dos níveis intensivos e extensivos dentro de uma
organização depende do grau de complexidade da estrutura
organizacional.
— 193 —
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
Equivale a dizer que, em um nível de complexidade mais “baixo”, as unidades formadoras, ou seja, o nível intensivo, são pessoas e recursos, enquanto que a extensividade é observada nas relações entre esses elementos, que podem ser organizadas na forma
de um processo, de um departamento ou de um grupo de projeto.
Quando nos deslocamos para um nível de complexidade mais
alto, os elementos intensivos passam a ser os processos, departamentos ou grupos que no nível de complexidade anterior (mais baixo), consideramos extensivos. Neste novo nível, a extensividade não
é mais dada pela inter-relação entre as pessoas, mas pela inter-relação das novas unidades formadoras. Portanto a extensividade se dá
pelos fluxos entre processos, pelas relações entre departamentos ou
mesmo pelas relações e trocas entre grupos de projeto.
A figura seguinte mostra que, ao subirmos de nível e aumentarmos o número de interações, aumentamos também a complexidade do nível no qual estamos trabalhando (ponto de observação), e
o que era extensivo passa a ser intensivo no nível acima. Assim, o
que era extensivo no ponto de observação 1, passa a ser intensivo
no ponto de observação 2.
Ponto de Observação 2
Ponto de Observação 1
Observamos ainda, na mesma figura, que o nível fundamental
suporta os demais níveis da organização.
As ações que ocorrem no nível intensivo são “pontuais” em relação ao ponto de vista da observação e da abordagem utilizada e estão dentro das atividades práticas do dia-a-dia das organizações.
Estas atividades podem incluir desde uma alteração de formulário
de verificação até uma mudança de produto feita pelo engenheiro
especialista. Em um nível de menor complexidade, podemos dizer
que os elementos intensivos são as pessoas e recursos utilizados para
realizar as atividades de um departamento ou de um processo.
— 194 —
Adelice Leite de Godoy, Dr. César Kyn d’Ávila, Dr. Marcos Akira d’Ávila
Em um nível de maior complexidade, os elementos intensivos
são os departamentos ou processos necessários para realizar alguma atividade. Os elementos extensivos também estão dentro das
atividades práticas do dia-a-dia das organizações, mas referem-se
às estruturas que condicionam a ação dos elementos intensivos e
os fluxos entre os mesmos elementos.
4. A TIPOLOGIA DAS INOVAÇÕES
Definimos inovação como “qualquer mudança benéfica no ambiente interno da empresa” [1], logo, entendemos por Gestão da
Inovação a administração das ações e estratégias necessárias para
implementar, verificar e garantir que mudanças benéficas ocorram
na organização de forma sistemática e assim garantam a sua sustentabilidade ao longo do tempo.
A partir das definições dos níveis na Seção 3, verificamos que
inovações acontecem em qualquer um dos níveis apresentados.
Classificaremos então as inovações de acordo com o nível qualitativo no qual ela ocorre: inovações fundamentais, inovações intensivas e inovações extensivas, dependendo em qual nível qualitativo ela ocorre. Cada inovação ocorre a partir de ações tomadas em
cada um dos níveis apresentados na Figura 1.
Uma primeira observação importante é que uma educação voltada para a inovação deve considerar as diferenças de conhecimento, habilidades e atitudes demandadas por cada nível, pois já deve
estar bastante claro que a Gestão da Inovação permeia todos os
elementos da organização (V.Figura 4).
Figura 4 — Gestão da Inovação
dentro da estrutura organizacional.
— 195 —
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
5. A EDUCAÇÃO PARA O NÍVEL FUNDAMENTAL DAS
ORGANIZAÇÕES
As inovações fundamentais estão relacionadas às mudanças de
premissas e fundamentos da empresa. Conforme mencionamos
brevemente na Seção 2, trata-se de inovações ligadas às mudanças
culturais e suas decisões estratégicas de médio e longo prazo.
Por conseguinte, as pessoas que atuam neste nível devem ter,
simultaneamente, visão generalista e conhecimentos específicos. A
visão generalista inclui necessariamente conhecimento sobre áreas
do conhecimento humano como ciência, política, ética e as disciplinas das chamadas artes liberais [5]. Os conhecimentos específicos referem-se tanto ao ambiente da empresa como ao domínio de
metodologias de análise e pesquisa.
As questões éticas são de demasiada importância. No nível fundamental, devemos buscar pessoas com grande disciplina mental
e apreço pela verdade. Entretanto, a facilidade de relacionamento
interpessoal, aspecto muito valorizado dentro das corporações nos
níveis intensivo e extensivo, embora seja uma característica desejável, não é essencial para as pessoas deste nível.
Portanto, uma educação que atenda às necessidades do nível
fundamental das organizações deve primar, pelo menos, pelos seguintes aspectos:
— Conhecimento teórico de disciplinas generalistas;
— Vivência prática nos níveis intensivo e extensivo;
— Domínio de ferramentas e metodologias de análise e pesquisa;
— Atitudes mais voltadas para a ética pela verdade e disciplina mental, e menos no sentido do relacionamento interpessoal.
O desafio das organizações está justamente em reunir esses
conhecimentos, habilidades e atitudes [6] para garantir as competências necessárias em seu quadro de colaboradores no nível fundamental,
6. A EDUCAÇÃO NOS NÍVEIS INTENSIVO E EXTENSIVO
As inovações intensivas são aquelas que melhoram um determinado processo ou produto de forma “pontual” no tempo e no
— 196 —
Adelice Leite de Godoy, Dr. César Kyn d’Ávila, Dr. Marcos Akira d’Ávila
espaço. São inovações que podem gerar impacto sobre o trabalho
prático do dia-a-dia para várias pessoas, mas quando dentro de
um grupo ou processo, limita-se a aspectos específicos do trabalho
deste grupo ou indivíduo.
As inovações extensivas são também práticas e reais como as intensivas, porém referem-se a modificações de processos e práticas
na relação entre os elementos intensivos da organização, em qualquer nível de complexidade. Referem-se a inovações em fluxos de
qualquer natureza, residindo aí a sua característica extensiva.
Com relação à formação das competências individuais necessárias para pessoas dos níveis intensivo e extensivo, vamos apontar algumas regras e tendências claras necessárias para guiar o processo
de implantação de uma educação voltada para a inovação.
Uma primeira regra que podemos estabelecer é que, quando
tendemos para a intensividade, a educação pode-se concentrar cada
vez mais na busca de novos conhecimentos e habilidades e menos
no desenvolvimento de atitudes. Com a extensividade, as atitudes
tornam-se cada vez mais importantes.
É importante notar que em qualquer nível de complexidade,
tanto intensivo como extensivo, as pessoas devem ter domínio de
conhecimentos e habilidades. Entretanto, como segunda regra, os
conhecimentos para pessoas em nível intensivo e/ou complexidades mais baixas devem ter cunho mais específico da sua função,
enquanto que, aumentando-se a extensividade e/ou a complexidade, o conhecimento torna-se mais generalista.
Uma terceira regra refere-se às habilidades. Neste caso, as habilidades são distintas para cada caso. O nível intensivo depende
de habilidades técnicas específicas. Com a extensividade, passase a exigir habilidades para gerir diferentes elementos e seus fluxos inter-relacionais.
Portanto, no nível intensivo, as principais demandas são:
— Conhecimentos e habilidades específicas e profundas sobre
a atividade a ser executada;
— Conhecimento generalista superficial;
— Desenvolvimento de atitudes como persistência, determinação e disciplina.
— 197 —
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
Quanto ao nível extensivo, as principais demandas são:
— Conhecimentos e habilidades mais genéricas dependentes
do nível de complexidade;
— Conhecimento mais generalista;
— Habilidades de gestão, retórica e transferência de informação;
— Desenvolvimento de atitudes para gerenciamento de conflitos, para gestão de pessoas e de liderança.
Percebe-se claramente o grande desafio das organizações para
projetar e reunir esses conhecimentos, habilidades e atitudes para
os colaboradores nos níveis intensivo e extensivo.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÕES
Neste artigo, apresentamos alguns dos desafios para uma educação organizacional voltada para a inovação. Ficou claro que, pelo
modelo utilizado na Seção 2, as demandas educacionais para o fomento de inovações dependem do nível organizacional e da complexidade em que se faz a análise de requisitos.
De fato, a partir dos desafios apontados, é possível desenvolver
estudos mais detalhados e específicos para cada área de uma empresa no sentido de definir as demandas educacionais para cada
situação. Não obstante o modelo se apresente bastante geral, já pode
ser utilizado para mostrar alguns desvios existentes na educação
das estruturas organizacionais. Muitas empresas optam por programas de educação corporativa, currículos mínimos para determinados cargos, grandes programas de treinamento e formação de
funcionários, alternativas nem sempre eficazes ou completas para
o fomento da inovação. São iniciativas que pecam ora pelo excesso
no desenvolvimento de seus recursos humanos, ora pela falta de
determinados conhecimentos, habilidade e atitudes cujo balanço é
essencial para uma educação voltada para a inovação.
Portanto, na busca da geração consistente de inovações dentro
das organizações, podemos afirmar que a educação correta tem
papel fundamental e que qualquer deficiência, se por um lado não
inviabiliza totalmente as inovações, por outro, constitui uma barreira a ser vencida para que os objetivos e metas sejam atingidos
de forma satisfatória.
— 198 —
Adelice Leite de Godoy, Dr. César Kyn d’Ávila, Dr. Marcos Akira d’Ávila
REFERÊNCIAS
[1] MCE — Management Centre Group. Innovation — It’s Not Just
About New Products. Management Development — Executive
Issue No. 28, 2007.
[2] TIDD, J.; BESSANT, J.; PAVITT, K. Managing innovation:
Integrating technological, market and organizational change.
John Wiley & Sons, 1997.
[3] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO
9000: sistemas de gestão da qualidade: fundamentos e vocabulário. Rio de Janeiro, 2000.
[4] ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. Martins Fontes, 2000.
[5] JOSEPH, M. The Trivium — The Liberal Arts of Logic, Grammar
and Rethoric. Paul Dry Books, 2002.
[6] BOOG, G. G. Manual de Treinamento e Desenvolvimento —
ABTD. São Paulo, 1999.
INFORMAÇÃO SOBRE OS AUTORES:
Adelice Leite de Godoy obteve sua graduação em Engenharia
Química pela Unicamp em 1992, completando sua formação com o
Curso de Especialização em Administração para Graduados (CEAG)
da Fundação Getúlio Vargas. Profissionalmente, atuou no mercado, desde sua formação, em indústrias químicas, tais como AveryDennison, Dixie-TOGA e Chem-Trend, nas áreas de Desenvolvimento de Produtos e de Garantia da Qualidade. Atua há seis anos como
Consultora e Instrutora em Gestão da Qualidade, Desenvolvimento
de Programas de Treinamento, Elaboração de projetos de pesquisa para submissão de pleitos ao Ministério da Ciência e Tecnologia
para fruição dos benefícios da Lei da Informática e para agências
de fomento, tais como FAPESP, Finep e CNPq. Contato:
[email protected].
— 199 —
Aprendizado e cultura da inovação no ambiente organizacional
Dr. César Kyn d’Ávila obteve sua graduação em Engenharia Elétrica em 1992 pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
onde também completou sua formação acadêmica com o Mestrado
e Doutorado na área de Telecomunicações, nos anos de 1995 e 1998
respectivamente. Seus trabalhos acadêmicos se concentram em estudos sobre a tecnologias para comunicações móveis (CDMA, GSM,
UMTS). Desde a sua formação como doutor, atua no mercado de
telecomunicações, como consultor em diversas empresas operadoras, fabricantes de equipamentos e prestadoras de serviço. Possui
grande experiência didática e ministrou inúmeros treinamentos em
empresas como Samsung, Motorola, Nortel, Ericsson, Instituto
Eldorado, Flextronics, Brasil Telecom, Telemar, Vivo, Claro, Telemig
Celular, e outras, bem como cursos de pós-graduação em faculdades. Atualmente ocupa a posição de Diretor de Tecnologia do Centro de Desenvolvimento Profissional e Tecnológico (CEDET) e atua
como pesquisador independente tendo orientado teses e trabalhos
científicos em instituições de renome como Unicamp e Inatel. Contato: cé[email protected].
Dr. Marcos Akira d’Ávila é Ph.D em Engenharia Química pela
University of California - EUA (2003). É formado em Engenharia de
Materiais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e é
Mestre em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). Possui diversos trabalhos acadêmicos nas áreas
de processamento e reologia de polímeros, simulação de processos químicos, ressonânica magnética nuclear, emulsões e escoamentos multifásicos; onde publicou artigos internacionais e livros, além
de diversos trabalhos em congressos no Brasil e no exterior. Ministrou cursos de graduação e pós-graduação na FEQ-Unicamp. Atualmente é pesquisador do Laboratório de Processos Químicos e
Gestão Empresarial (PQGE) da FEQ-UNICAMP, onde exerce atividades de ensino e pesquisa. Contato: [email protected].
— 200 —
CAPITAL HUMANO EM SERVIÇOS
Coisa de Maluco pelo Cliente
Edmour Saiani
Capital humano em serviços — Coisa de Maluco pelo Cliente
— 202 —
Edmour Saiani
Capítulo 11
Capital humano em serviços
Coisa de Maluco pelo Cliente
Formar capital humano de qualidade para fazer frente à necessidade de inovação nos dias de hoje é um desafio e tanto, mas quando focamos no setor de serviços um novo olhar se faz necessário.
Hoje em dia o acesso à boa educação não é para muitos, mas
em serviços são inúmeras as oportunidades que independem da
formação convencional, acadêmica. Para servir o importante é ter
vocação para servir! E isto nasce (ou não) com cada um.
Qual é o segredo para criar e desenvolver capital humano que
garanta a existência de gente capaz de inovar, gerir e operar
atividades com os desafios que o dia-a-dia nos impõe? O que fazer
para superar todas as dificuldades que os meios políticos, sociais,
econômicos, culturais e tecnológicos estão nos impondo?
VAMOS COMEÇAR PELO CONCEITO DE MALUCOS
PELO CLIENTE
Quem presta serviços com amor é Maluco pelo Cliente. Não é
fácil se tornar um. Autêntico. Tudo começa com conduzir a vida na
direção das coisas que gostamos de fazer. Isso vai nos tornar mais
felizes e realizados. Se nos focarmos apenas nessas coisas e
concentrarmos nossa luta em torno disso vamos nos tornar muito
fortes e competentes. Sucesso e felicidade nascem e crescem daí,
deste capital humano fértil, e o fruto que colhemos é a inovação
Pra inovar, é preciso fazer com prazer poucas coisas que ninguém faz de um jeito que ninguém em curto prazo vai conseguir
imitar... Sempre! Isto faz de alguém ou de uma empresa um Maluco pelo Cliente genuíno.
— 203 —
Capital humano em serviços — Coisa de Maluco pelo Cliente
Mas será que é fácil? Qualquer um pode ser Maluco pelo Cliente?
A base de tudo é o garimpar capital humano. As diversas influências que este recebe: a educação e formação recebidas, os líderes
e pares com que convive, as empresas onde trabalha... Muita coisa
está envolvida! E é disso que vamos falar: como encontrar, desenvolver e estimular — garimpar e lapidar — o capital humano para
atender a esta sede de inovação em serviços.
A luta para que a vida se torne menos difícil está cada vez mais
intensa. Os desafios que estamos vivendo não são tão invencíveis
quanto parecem. Um lado do desafio de hoje é que as pessoas e
empresas estão ficando cada vez melhores e evoluindo cada vez
mais rapidamente. O outro lado do desafio é um pouco pior: nada
do que se acha que vai acontecer amanhã vai acontecer. Vamos ser
justos, hoje em dia a meteorologia até acerta. Mas o resto, nem
pensar. Só admitir isso já pode nos ajudar vida afora.
Vamos focar os esforços então? Na média, as empresas e pessoas
estão tendo problemas, não estão crescendo, não conseguem formar
equipes fortes e competentes. E apenas lutam para sobreviver. Mas
podem acreditar, nestes anos de vida aprendemos que essa história
de crise geral é mentira. Muitas empresas e pessoas têm tido e sido
sucesso por muitos anos. Claro, todas sempre com algumas
dificuldades e muita luta. Mas na maior parte do tempo, sucesso.
E é óbvio que elas são Malucas pelo Cliente na veia. E a sua
empresa? E você? Se for uma delas, parabéns. Temos o que
conversar. Se não for, parabéns pela luta, mas também temos que
conversar. Mudar alguma coisa. Ou muita coisa. E criar processos
de mudança contínua na sua vida. Sempre acompanhado e apoiado
por quem você decidir que vai ser sua equipe.
Sim porque equipe é igual a mulher ou marido, a gente escolhe
e não adianta dizer que não tem gente boa o suficiente, que a mão
de obra em geral é péssima. Se assim fosse, nenhuma empresa faria
sucesso e não é isso que vemos por aí.
Mas afinal no que é que a escola como hoje a conhecemos pode
ajudar muito? Mesmo as melhores escolas formam pessoas
competitivas, que supõem que só haja uma resposta certa para os
problemas e que se sentem completamente frustradas diante de
um erro.
É disso que precisamos para nossas empresas, sobretudo em
tempos de necessidade de inovação constante?
— 204 —
Edmour Saiani
Eu acredito que não. Inovar requer trabalho de equipe, envolve
ver os problemas de vários ângulos e, num encadeamento de idéias
chegar a uma resposta criativa e inovadora. Inovar requer
criatividade e criatividade precisa de ambiente certo para florescer.
E como esse ambiente as escolas não proporcionam, o que nos resta
é contratar o sorriso, treinar a técnica e facilitar de todo modo o
aparecimento da criatividade, como diz o pessoal da Nordstrom.
Premiar, não penalizar erros, ter consciência de que para cada boa
resposta houve pelo menos dez não tão boas assim.
Contratar a atitude, é disso que estamos falando. Do que precisa
o rapaz que vai atender no McDonald’s? Ser simpático, cortês,
sorridente, ágil e ter vontade de servir ou saber fazer hambúrgueres?
Em outras palavras, atitude não se muda nem se treina a menos
que haja uma ampla e irrestrita mudança de cultura na Empresa. O
resto, tudo se aprende e tudo se treina.
SER MALUCO PELO CLIENTE — O DESAFIO DO SÉCULO XXI
Ser Maluco pelo Cliente? É ser a empresa preferida e recomendada por todo mundo que convive com ela. Ou às vezes nem convive,
mas ouve falar tão bem que passa a falar também. Muita gente se
propõe a criar ferramentas e conceitos para ajudar empresas a melhorar. Melhorar a empresa começou há muito tempo atrás com
Taylor. E foi em frente, passou por tudo. Ou quase tudo. A cada quinzena, aparecem muitas novidades tentadoras para serem
implementadas. Qualidade total, ISO, reengenharia... Quem
implementou bem até melhorou, mas nunca ouvi falar que nenhuma dessas ferramentas tivesse tornado qualquer empresa uma empresa Maluco pelo Cliente. Só melhorar a empresa quase nunca a
torna um Maluco pelo Cliente. A energia para construir uma empresa nesse nível é outra. Até porque qualquer que seja a ferramenta de
gestão da moda, grande parte de quem implementa o faz por imitação. Aí acontece que cada nova onda de ferramenta de gestão que
surge faz com que as empresas façam mais coisas cada vez mais
iguais. E grande parte das empresas investe tempo e dinheiro na
implantação destas ferramentas por um único motivo: porque o concorrente ou alguém famoso no mercado fez. Um editor da Fortune
— 205 —
Capital humano em serviços — Coisa de Maluco pelo Cliente
disse num congresso de que participei que para se vender um
software para uma empresa era só doar o tal software para outra do
mesmo ramo. Aí tem que se dizer para a primeira que a outra já tem.
A segunda compra na hora. Esse processo fez com que muitas empresas implementassem ferramentas de gestão sem nem antes analisar se a tal ferramenta seria adequada às suas necessidades. Pior,
sem saber se ela tornaria a empresa diferente e melhor que as outras.
Já dá para ver que não viemos aqui falar de fórmulas prontas
para o sucesso de equipes ou empresas. Viemos falar de um passo
a passo duro e árduo, de um trabalho que não termina nunca que é
o formar, manter, desenvolver e liderar as equipes que você quer
que trabalhem com você.
Então, para por fim a esse papo e começar outro, a formação de
equipes campeãs começa na contratação.
NA HORA DE CONTRATAR O CAPITAL HUMANO
Ser
Tudo começa pelo ser. Toda empresa deveria definir claramente
cinco ou sete itens que qualquer pessoa que trabalhasse nela deveria
trazer da genética ou do berço que seus pais balançavam. As
empresas que são Malucas pelo Cliente o fazem. Walt Disney definia
suas contratações muito rapidamente: contrate o sorriso e treine a
técnica. Sorriso é ser. Técnica se aprende. A Nordstrom, que quem
não conhece deveria conhecer rapidamente, é uma cadeia de lojas
de departamentos americana que consegue ter o melhor
atendimento em grandes redes nos Estados Unidos. Eles dizem que
quem treina o pessoal deles são os pais em casa. Eles só se
preocupam em encontrar essas pessoas e contratar.
Claro que vocês se lembram de alguma dinâmica de grupo da
qual participaram disputando uma vaga. Eu mesmo já aprovei
candidatos agressivos e faladores com ressalvas sobre o coleguismo
que eles poderiam ter. Na fase de se achar super gerente que é parte da vida profissional de todos achava que poderia modificar alguns comportamentos durante o tempo em que a pessoa trabalhasse
comigo. Nunca consegui. Na minha frente até que as pessoas
tentavam adotar o comportamento que eu sugeria. Mas bastava virar
— 206 —
Edmour Saiani
as costas que na vida real com os colegas a dinâmica de grupo voltava a ser o padrão que o cara adotava. Quem é, é. Dificilmente
muda durante essa vida. Claro, a vida ajuda a atenuar certos comportamentos. Mas é. Todas as vezes em que me vejo na cilada de
tentar ser diferente do que sou rio muito, às vezes até sofro muito.
Mas não consigo. Sempre me puno quando me vejo na situação de
dar uma bronca muito grande em alguém. Minha maior indignação
ocorre quando alguém não faz ou faz errado coisas que deveriam
fazer e que eu já ensinei mais de três vezes. Na primeira eu sempre
tenho certeza de que ensinei errado. Na segunda ainda penso que
poderia ter ensinado melhor. Na terceira é só para garantir que a
pessoa já sabe fazer. Mas na quarta, nem existe o verbo nessa
conjugação, eu “explodo”. Não tem outro termo para descrever. Aí
Lídia Curvello, minha terceira terapeuta me ensinou que quando a
gente explode, a explosão vai até a pessoa que a recebe e reflete em
você com força dobrada. Aprendi isso e hoje não “explodo” sempre.
Pego o cara no canto e fico com vontade leve de socar, falo baixinho
até doer, não berro e nem grito. Mas acho que nunca vou perder
essa indignação. Já vim ao mundo com esse defeito.
Se você já viu alguém mudar e está discordando de que quem
é, é, pense na palavra desenvolver. O significado de desenvolver é
tirar o invólucro. Des + envolver. Tirar o invólucro. Muitas vezes o
ser está envolvido por uma convivência em alguma empresa onde
ele tivesse que se comportar de determinada maneira. Ele não é,
está. E quando muda mantém aquele comportamento. Meu caso
foi assim na saída da Pepsi onde trabalhei por uns três anos. A Pepsi
tinha uma liderança que se você não atirasse primeiro morria. Assim
me tornei eu. Entrava para as reuniões com um arsenal de longo
alcance, curto alcance, mísseis intercontinentais e outros aparatos
bélicos. Não precisava ser assim com os franqueados e eu não era.
Ao contrário, como eu sabia que eles também agiam atirando para
não serem mortos adotei meu comportamento padrão de vida com
eles. Ajudar a resolver os conflitos, mediar dilemas existenciais e
me tornei um grande parceiro para a maioria deles. Quando cheguei na Mesbla logo depois da Pepsi atirava sem parar no que se
movesse à minha frente. Até que me toquei de que aquele cara que
estava lá era um Edmour revestido da casca que a Pepsi impôs a
ele. Quando eu percebi que não precisava mais daquilo, meu ser
verdadeiro voltou à tona. Cheio de defeitos, mas não esse.
— 207 —
Capital humano em serviços — Coisa de Maluco pelo Cliente
Quando a gente se despe das cascas que a vida nos impõe voltamos à nossa essência que é a coisa mais verdadeira em nós. É a
essência das pessoas que precisamos descobrir quando queremos
contratar alguém. E a essência das pessoas têm que ter a ver com a
essência da empresa em que ela vai trabalhar. Por isso toda empresa
ou no mínimo o departamento tem que definir o ser que se quer
que trabalhe neles. Nada de mil itens. Cinco é bom. Generosidade,
bom humor, rapidez, coisas assim.
Uma dica bacana também importante é conseguir definir quais
características são muito rejeitadas na empresa. É muito mais fácil
descobrirmos coisas de que a gente não gosta num processo de
contratação do que saber se as que a gente gosta existem e são
verdadeiras. Arrogância, passividade, qualquer uma pode ser
motivo para rejeitar alguém para o convívio da empresa. Tudo por
escrito... O combinado não é caro.
Aprender
Saber é talvez a palavra mais obsoleta da face da terra. Ninguém
sabe tudo sobre nada. Nunca. Se a gente se acomoda, fica para trás.
Saber era vantagem competitiva em uma época onde fazer muito
bem as coisas ganhava jogo. Hoje fazer bem as coisas é uniforme
para entrar em campo. Só ganha jogo quem inova. Quem faz com
prazer poucas coisas que ninguém faz de um jeito que ninguém
em curto prazo consegue imitar. Isso é ser maluco pelo cliente. E
isso implica em reconhecer que o que eu sei hoje vai ser imitado
amanhã. Então não é possível admitir parar de aprender. A gente
tem que saber coisas para começar num emprego ou para abrir uma
empresa. E não pode parar nunca. Em qualquer profissão. Dentista,
engenheiro, contador, designer. Qualquer Maluco pelo Cliente tem
que aprender pelo menos uma coisa nova por dia. E implementar.
E, de preferência ensinar alguém o que aprendeu. Até porque
ensinar é a melhor maneira de aprender.
Hoje se aprende até do vento. Internet, televisão, gente querendo vender seu trabalho, tudo remete a aprender. Só há uma barreira para o aprendizado. O espírito de “játôbem”. Quem entra nessa
de achar que já sabe tudo sobre alguma coisa morreu.
E só repetindo, como o nosso cérebro só pode ser usado dentro
de um limite, não dá para aprender coisas novas se a gente não
— 208 —
Edmour Saiani
esvaziar o cérebro das coisas que sabemos que já não funcionam
mais nem dão resultado.
Eu comecei a trabalhar em fábrica bem depois do filme “Tempos Modernos” do Charles Chaplin ter sido feito. Mas décadas
depois as fábricas eram regidas a tempos e métodos. Cronômetros
e produtividade andavam juntos. Hoje todo mundo sabe que o
que constrói produtividade não tem nada a ver com cronômetro.
É outro sistema de engrenagens: gente que trata bem gente.
Desaprender nos treina para flexibilidade, que é a característica
mais imprescindível de quem quer ser Maluco pelo Cliente.
Tão importante quanto ser especialista em alguma coisa é
navegar por ciências e assuntos que aparentemente não têm nada a
ver com o que fazemos no dia a dia. O princípio do “serendipity”
funciona muito aí. Significa achar onde você não está procurando.
É aquela história de perder a chave, procurar e não achar a chave
que se perdeu, fazer uma reserva e quando a gente para de pensar,
se lembra onde deixou a velha. Esvaziar a cabeça do problema é a
melhor maneira de encontrar as soluções.
Esvaziar a cabeça de paradigmas e verdades que já não funcionam mais é a melhor maneira de encontrarmos novos caminhos
para nossa vida.
Saber tudo jamais, aprender infinitamente. Saber tem que ser
tão freqüente quanto respirar. Ser é a alma. Aprender é o sistema
respiratório da nossa mente. E o servir é a musculação da alma.
Servir
Todo mundo é e aprende para realizar suas vocações no meio
em que escolheu viver. Tem gente que acha que a vida é feita de
trabalho. Ledo engano. Nascemos para servir alguém. Está escrito
em todos os livros santos. Fazer o bem sem nem pensar a quem. E
tem gente que acha que a vida profissional é feita de trabalho.
Também engano. O que fazemos no trabalho é servir alguém que
serve alguém que serve alguém que serve o consumidor final. Participamos de uma cadeia de servir que sempre compôs o mundo e
apenas agora compõe o mundo empresarial. Foi-se o tempo em
que um dos lados sozinho ganhava alguma coisa. A cadeia de
serviços virou uma coisa só. Consumidores sendo atendidos por
quem batalha muito para virar Maluco pelo Cliente. Só podemos
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Capital humano em serviços — Coisa de Maluco pelo Cliente
estar dentro desta cadeia. Ou sendo fornecedores de matéria-prima ou sendo os fabricantes de produto final ou fazendo parte do
pessoal que distribui os produtos até eles chegarem ao consumidor final. Se a cadeia da qual participamos é de serviços e não produtos, mais grave ainda. Serviços só podem ser feitos por atitude.
Servir nestas cadeias é mais importante ainda.
A gente trabalha a vida toda. Estudar é uma rotina como trabalhar. A escola não nos ajuda a pensar na vida como um processo de
servir alguém. A competição na escola é um convite ao individualismo. Não se pode trocar informações licitamente. Este crime tem
o nome de cola. Ninguém pode ajudar ninguém na hora de se conseguir resultado. Resultado na escola quase nunca vale muito quando o trabalho é em equipe. Lá já não se acredita muito em que os
grupos vão trabalhar homogeneamente. Então trabalho em equipe
na escola é periférico ao que acontece na relação professor/aluno,
que acaba sendo a predecessora da relação chefe/subordinado.
Patrão/empregado. Eu mando, você obedece. Howard Gardner,
que fala sempre sobre as multi-inteligências, critica num de seus
artigos a relação professor aluno também. Ele, que é um Maluco
pelo Cliente no assunto, diz que no pré-primário aí sim o professor
pensa no aluno. No ginásio já começa a pensar mais nas disciplinas que em quem as aprende. E no colegial e faculdade ele só pensa nele mesmo. Desculpe quem não entende primário, ginásio e
colegial. É que o pessoal muda tanto a nomenclatura que já nem
sei qual é a vigente. Mudar a essência do exemplo que a escola dá,
nem pensar.
Resta então saber como vamos distribuir nossas energias ao longo do dia para realizarmos e ajudarmos quem estiver conosco a
realizar suas visões pessoais.
TEMPO PARA O CAPITAL HUMANO INOVAR
Tarefa, acompanhamento, motivação, integração, renovação
Na atividade que normalmente chamamos de trabalho só pensamos em tarefas. Nossa “lista do que fazer no dia a dia” só contém
ações que dependem dos nossos braços e pernas.
— 210 —
Edmour Saiani
Na verdade, uma lista inteligente do que deveríamos fazer para
cumprir nosso papel no nosso local de trabalho deveria abranger
cinco formas de ajudar o ambiente onde trabalhamos: tarefas, acompanhamento, motivação, integração e renovação. Os Malucos pelo
Cliente sabem disso.
Tarefas
Na engrenagem do trabalho, tarefas são aquelas atividades
braçais, corporais ou até mentais que dependem única e
exclusivamente de nós. Todos nós na empresa, independentemente
do nível hierárquico que estejamos ocupando, acabamos
executando uma quantidade de tarefas. Um dos truques de
evolução numa empresa é fazer menos tarefas. Quem mergulha na
areia movediça da tarefa não tem tempo para se relacionar, renovar,
viver o clima da empresa.
Como fazer para diminuir a quantidade de tarefas que você faz?
Uma delas é meramente deixando de executar as tarefas que não
servem para nada. Querem um exemplo? Um mal que assola as
organizações hoje em dia é o fluxo de e-mails. Nos trabalhos que
tenho realizado já ouvi falar que até 60% do tempo das pessoas (se
alguém exagerou não fui eu, foi quem declarou o número) é usado
para processar e-mails. Experimente acabar com o e-mail como meio
de comunicação. Faça as pessoas se falarem de novo. Provavelmente
elas vão ficar mais felizes e o trabalho vai render muito mais. Fora
a quantidade desnecessária de e-mails as tarefas que a gente faz no
dia a dia que não servem para nada sempre existem. Pare de fazer.
E comece por tirar da lista do que fazer.
Outra maneira de se livrar de tarefas é delegar. Delegar é lícito.
Você evolui, sua equipe evolui e todos ganham se determinadas
tarefas que você fazia passam a ser executadas pelo seu pessoal.
Ou outro departamento. A maneira pela qual as pessoas encaram
tarefas tem a ver com o fato das tarefas serem relevantes para elas
ou não. Delegar é repassar tarefas que não requerem o seu nível de
competência para serem executadas para pessoas que vão se tornar mais importantes e competentes quando as tiverem sob sua
responsabilidade. Se você fizer isso bem vai liberar tempo da sua
vida para acompanhar trabalhos que estejam sendo feitos pelas
pessoas e reforçar seu relacionamento com elas.
— 211 —
Capital humano em serviços — Coisa de Maluco pelo Cliente
Acompanhamento
Se eu fosse você parava para pensar na palavra acompanhar. O
Aurélio vai dar uma mãozinha para nós. Acompanhar pelo Aurélio
é: ir em companhia de, fazer companhia a, seguir, estar associado
a, seguir a mesma direção de, ir junto a, escoltar, observar a marcha,
a evolução de, ser da mesma política, da mesma opinião que,
participar dos mesmos sentimentos de, entender (um raciocínio,
uma exposição, etc.), executar o acompanhamento, aliar, unir, dotar,
favorecer, adornar, ornar, ilustrar, documentar, executar o
acompanhamento, fazer-se acompanhar, rodear-se, cercar-se, unirse, juntar-se, aliar-se, associar-se, cantar, tocando ao mesmo tempo
o acompanhamento. Pouco? Muito. Poucas palavras têm um
significado tão importante como acompanhar.
Acompanhar é uma das atividades mais importantes que se
pode fazer na vida. Se você é inteligente e não faz os trabalhos de
seus filhos, mas o estimula e acompanha está cumprindo muito
melhor o papel de pai ou mãe: ativar o poder de fazer as coisas que
seu filho tem. Acompanhar é fazer companhia. No mundo isolado
em que estamos as pessoas estão cada vez menos orientadas. Tenho
convivido muito com áreas de vendas das empresas. Na verdade
convivo com áreas de vendas desde meus tempos pregressos de
gerente de administração de vendas na Johnson & Johnson. Na
época, os supervisores de vendas saiam a campo para a-camponhar como diz a Mônica Assis — minha companheira de construir
causas há muitos anos — os vendedores. Os supervisores usavam
quatro dias por semana para fazer a-campo-nhamento dos
vendedores. Nesses dias eles treinavam, replanejavam a rota de
vendas, mediam o relacionamento dos vendedores com todo
mundo que trabalhava com os clientes, identificavam conflitos
eventuais que pudessem estar acontecendo entre vendedores,
clientes, áreas internas das organizações. Este modelo construiu
meu paradigma de vendas Maluco pelo Cliente. E devo confessar
que por onde passei pratiquei o que aprendi na J&J. Foram anos
reprogramando a cabeça dos caras de vendas para eles saírem a
campo. Acompanhar.
Décadas depois voltei à J&J e falei com o pessoal de vendas.
Vendas voltou a ser uma atividade vital para a empresa. Para quem
não viveu essas décadas, num determinado momento alguém achou
— 212 —
Edmour Saiani
que vendas poderia sair do mapa das empresas. Ainda bem que a
onda de relacionamento fez todo mundo enxergar que o melhor
vetor de relacionamento de uma empresa com seus clientes é a área
de vendas. Claro, desde que ela seja competente. O problema é
que o paradigma de competência da área de vendas deixou de ter
como base o acompanhamento. Agora todos são automatizados.
Notebook, handheld e toda a parafernália que alguém pode ter para
não se relacionar. O cliente odeia quem abra uma máquina dessas
qualquer enquanto estiver falando com ele. Claro, há processos de
vendas como cigarros e bebidas em que o papel do vendedor é
mera logística de reposição. Aí vale tudo. Fora isso, quando estamos
falando de vendas para construir relacionamento, a vida do
vendedor vira um tormento. Antes ele tirava pedido durante a visita
no papel. Hoje ele tem anotar o pedido no papel de pão durante a
visita e assim que sair dela abrir o computador para entrar com o
pedido. Ou então em casa. Pior, como o supervisor tem todos os
dados no computador pensa: pra que sair a campo? Então fica claro
que controle tomou o espaço da saída a campo para formação e
construção de relacionamento na cadeia de serviços. E o benefício
de estar com alguém durante um tempo? Conviver para poder
ajudar, alinhar, redirecionar, reconhecer, recompensar?
Não tenho dúvidas de que estar presente é o melhor presente
que um Maluco pelo Cliente pode dar à cadeia de serviços que ele
quer ajudar a ativar. Acompanhamento é a atividade mais nobre
que alguém pode exercer na vida. É investimento no capital
humano.
Motivação
A maior parte da vida de um Maluco pelo Cliente deve ser
motivar quem está ao seu lado. Como assim se todo mundo sabe
que ninguém motiva ninguém? Motivar integralmente não, mas
cuidar da motivação é possível. Limpar conflitos que não levam
a nada, transformar conflitos em cooperação, elogiar pequenas
coisas que dão muito trabalho para conquistar e que às vezes a
gente não vê ou não dá valor ao trabalho que deu para conquistar. Se você delegou para alguém parte do que é sua responsabilidade tem que cuidar de quem você delegou com responsabilidade também. Acompanhe quem vive com você e trabalha nas mes— 213 —
Capital humano em serviços — Coisa de Maluco pelo Cliente
mas causas pessoais ou profissionais. E garanta que os corações
dessas pessoas estejam vibrando na mesma sintonia que a causa
necessita.
Integração
Integrar deve ser foco constante da nossa atuação. Devemos ser
permanentemente cães pastores de quem a gente depende e de
quem a gente gosta. Dá tempo de pensar nisso? Tem que dar. Afinal
nada fica melhor se quem estiver fazendo não estiver integrado. E
o que mais integra as pessoas são causas que sejam boas para todos
somadas a líderes interessados em que a causa gere melhorias
também para todos. Os líderes Malucos pelo Cliente de que temos
notícias eram exemplos de integradores. Ajudavam as pessoas a
terem um pensamento comum que as dirigisse. E isso faz parte da
nossa vida desde os processos de educação que nossos pais nos
propiciaram até os que propiciamos a quem convive conosco.
Renovação
Porque não trabalhamos simplesmente, mas servimos, temos
que nos preocupar em renovar o que fazemos sempre. Afinal se
servimos gente e gente acaba se enjoando de receber sempre a
mesma coisa temos que nos renovar todos os dias. Na vida, no
casamento, na empresa. O ciclo do que temos que fazer no dia a
dia se completa com renovação. Tarefas, acompanhamento,
motivação, integração e renovação. Trabalho? Mais que isso:
evolução e realização crescentes. E permanentes.
Servir é isso? Claro. E quem não entende que viemos ao mundo
para servir não tem a menor chance de pensar em ser Maluco pelo
Cliente. Vai ter que viver mais vidas para aprender.
Ser, aprender e servir vão direcionar atitudes Maluco pelo
Cliente. Sem elas não conseguimos deixar de ser meros eus no
mundo. E o mundo se constrói desatando e integrando nós.
Nós
O maior problema do homem é conseguir deixar de pensar
como individuo. Deus nos deu um exemplo de individualismo ao
— 214 —
Edmour Saiani
construir o mundo sozinho. No delírio de acharmos que podemos
ser Deus, tentamos imitá-lo e queremos reconstruir o mundo
também sozinhos.
Quando a maioria das pessoas diz nós, quer dizer eu e a solitária
que vive na minha barriga. Não me lembro quem me contou essa
OS PRINCÍPIOS DO CAPITAL HUMANO
Princípio da identidade pessoal — Seja você mesmo. Sempre!
A primeira condição é fazer só um papel na vida: o seu mesmo.
Nada é pior para a sobrevivência de uma pessoa ou de uma
empresa do que você não saber quem é você ou pior, saber quem é,
mas resolver imitar alguém e perder a identidade com a qual veio
ao mundo. Dignidade começa por aí. Observem ao seu redor os
seres que perdem a identidade e tentam se adaptar inteiramente
ao que o mundo lhes impõe. Qual a energia que domina seres
focados em copiar o modelo que acreditam que deu certo apenas?
Tentar ser como os outros é pouco para garantir um lugar ao sol.
Aliás, é pouco até para que alguém se sinta bem consigo mesmo.
Lembre-se: você foi programado para ser você mesmo. Dotado de
vocações e de desejos. Melhore sempre. Mas não deixe de ser você.
Princípio da coragem — Seja você mesmo. Sempre! Mesmo que
isso envolva algum risco...
A outra parte de você ser você mesmo tem a ver com coragem.
Caramba e como! Quando a gente está sem coragem se submete a
situações, agüenta ouvir coisas e passa a falar coisas que são a mais
pura expressão de tudo o que você está sentindo e nada do que
você é. O medo da perda do que já se conquistou faz a gente entrar
numa areia movediça de onde é muito difícil se sair. Pessoas ou
empresas com medo expressam esse medo com muito mais força
do que elas mesmas podem imaginar. Ou baixam a cabeça para o
mundo em posição avestruz — cabeça baixa e o resto exposto. Ou
começam a agredir para simular força, quando o que estão sentindo é exatamente o oposto. Sair do medo? Bom, isto não é tão fácil,
mas começa por falar o que estamos sentindo para quem pode aju— 215 —
Capital humano em serviços — Coisa de Maluco pelo Cliente
dar. Se alguém nos oprime no trabalho é tentar re-pactuar uma nova
forma de nos relacionar. Se alguém nos diminui é tentar mostrar
pelo menos um pedaço do novo tamanho que queremos assumir.
Aos poucos. Mas não deixando de fazer o que tem que ser feito. De
dentro da nossa alma.
Princípio do poder merecido — Ajude quem estiver à sua volta.
Sempre!
Torcida a favor é mais que poder. Poder não se conquista, se
conquista por merecimento. E poder não é substantivo. É verbo!
Poder fazer, poder realizar. Poder ajudar. E não poder de mandar.
Não conheci na minha vida profissional nada que me fortalecesse
mais do que ajudar quem estava perto de mim. Meu pai era assim.
Tirava as calças para ajudar alguém que ele achava que merecia.
Lições do velho Edmour: só conviva com quem merecer. E para
quem merecer conviver com você, faça tudo o que estiver ao seu
alcance para ajudar. Esses papos de marketing social puro e
simples, das empresas que ficam falando a todos os cantos do
mundo que fazem tudo pelo social são para desavisados. Quem
faz o bem deve priorizar a quem. Não quer dizer que a gente não
deva fazer o bem para muitos. Mas o problema é que quase sempre
nos esquecemos de quem convive ao nosso lado. Nem precisa ficar
divulgando o que faz. Por onde começar a fazer o bem? Primeiro a
família que é o compromisso maior que temos. Faça tudo o que
puder pela sua família. Se alguém não merecer tanto dê algo que
não custa, mas vale: conselho. Se importe com quem você acha que
não está no caminho. Se o conselho não valer ou não for usado,
deixa de ser sua responsabilidade. Você fez a sua parte.
Agora vamos aos que merecem: para quem precisar de ajuda
financeira, ofereça trabalho. Gandhi em sua bondade irrestrita não
admitia ajudar alguém se não fosse construir possibilidades da
pessoa passar a se ajudar sozinha. Claro, desde que ela não fosse
limitada física ou mentalmente. E mesmo assim a ajuda deve ser
mais do que esmola. Para quem quiser aprender, doe sua luz de
saber. Que pode ser pouco, mas é o bem maior que você pode doar.
Sem limites. Repasse sua experiência e conhecimento.
Se conseguir, faça isso sem nunca esperar nada em troca. Se não
conseguir, espere pouco. E aprenda a não se frustrar caso o que
— 216 —
Edmour Saiani
você receba seja menos do que esperava. Como isso pode nos
fortalecer? Fácil. Comece já a fazer o bem para quem está à sua
volta. Apenas começar já vai torná-lo uma pessoa melhor. O bem
que se faz preenche um vazio que é impossível preencher com um
carro novo, um novo computador, uma plástica maravilhosa.
Investir no capital humano e ajudar quem está perto alimenta a
alma de quem ajuda. E só a energia que isso gera já é boa demais:
torcida a favor.
INTEGRAÇÃO COMO FERRAMENTA PARA A VIDA
O que tira o sono da gente na vida? Falta de dinheiro, claro. Às
vezes. Mas se pensarmos bem, as coisas que mais nos incomodam
na vida são os relacionamentos. Lia Carvalho, a minha segunda
terapeuta, dizia que “paz é ter os pais em paz dentro da gente”.
Em carioquês pais e paz se pronunciam quase da mesma forma.
Bom para pensar. Na vida, na família, as relações são responsáveis
pela nossa paz. Ou não!
E nas empresas? Qual o maior problema de qualquer empresa?
Só um? Eleger um apenas é muito difícil. Há tantos! Mas tenho
certeza de que o maior problema de qualquer empresa, insisto, é a
integração. Entre a pessoa e a empresa, entre as pessoas, entre as
áreas, entre os agentes de serviço, entre todos e o cliente. O ser
humano brinca de ser eu, mas não sobrevive sem ser nós. Empresas
Malucas pelo Cliente têm que se focar inicialmente em equipes
muito integradas. Afinal, entre o pensamento que emana quase
sempre da direção da empresa — e leia-se aqui direção de cima
para baixo e quase nunca para a frente — e as coisas acontecerem lá
na ponta, perto do cliente final, há um número infinito de
integrações. Pontos de transferência de energia. Claro, também de
repasse de metas. De processos, mas muito mais de transferência
de energia. Nós na própria vida sabemos desde a primeira tomada
de consciência que só seremos bem sucedidos em equipe. Mas não
é assim que somos condicionados. No extremo nossa vida começa
por dois eus competindo ferrenhamente para o sucesso. O óvulo
da vez atrai milhões de espermatozóides super-motivados a atingir a meta. Um óvulo e um espermatozóide. O óvulo arrogante por
ser o da vez. O espermatozóide rindo dos colegas que vão ficando
— 217 —
Capital humano em serviços — Coisa de Maluco pelo Cliente
para trás. Equipe começa aí. Só que antes o individualismo de ser
o único já marcou nossa vida para sempre. Continua enquanto formos filhos, netos ou alguma coisa única. E segue adiante até nos
enfrentarmos com a primeira situação de termos que compartilhar.
Idéias, ideais, coisas que a gente ama e sentimentos. Aí começa a
vida. Muitos clientes da loja da Martha — que é um pet shop —
nos agradecem após a compra do primeiro animal de estimação
para seus filhos únicos. É só aí que eles percebem que a vida não é
só receber, mas doar também. Marco na vida. Aprender a doar.
LIDERANDO O CAPITAL HUMANO
Liderança como alavanca de um Maluco pelo Cliente
Ser Maluco pelo Cliente é conseguir o compromisso de quem
convive conosco com uma causa que seja boa para muitos. A força
de um líder de verdade é conseguir trazer gente e integrar para a
causa. Parece o papo daquele flautista que conseguia que uma comunidade de ratos o seguisse na velha fábula. Liderança não tem
nada a ver com cargo. Liderança é estado de espírito. Liderança
não tem a ver com o poder pelo poder. Liderança é servir generosamente à causa a que a gente se engajou. Liderança não é poder é
servir. Liderança não é comando, é inspiração. Empresas Malucas
pelo Cliente não têm como causa a meta, nem a cultura, mas sim
servir a todos os que dependem dela. Esta é a causa que rege todos. O papel de líder deve ser feito por todos os que estiverem em
volta da causa. Mas deve ser inspirado por quem a iniciou.
Espelho, espelho meu
Liderança é um pouco genética e um pouco construída na educação. Podemos ser filhos de pais líderes ou não. Meu pai era líder
no cuidar de gente. Minha mãe líder exigente com atitudes e resultado. O misto de gente e exigente me fez um cara que cuida das
pessoas, mas é focado em que todos produzam, cresçam e façam
bem o que tem que ser feito. Este equilíbrio é fundamental. Se pendesse só para o lado da minha mãe, seria um cara implacável. Genética veio primeiro.
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Edmour Saiani
Se os pais da gente nos cobram resultados maravilhosos na escola e não dão importância ao que a professora diz que fizemos
com os colegas, provavelmente vamos ser menos líderes e mais
chefes. Chefes atingem resultados a duras penas. Líderes vão além
da mera conquista de resultados. Líderes malucos pelo cliente buscam cultivar equipes que construam elas mesmas reputação e resultados na direção das causas que defendem. Sem terem que ser
cobradas.
Espelho, espelho meu, por que eu tenho essa equipe tão ruim
quanto Deus me deu? Está no espelho! Nós vamos falar de equipe
mais adiante. Agora vamos nos focar em quem merece ou não ter
equipes malucas pelo cliente: o líder maluco pelo cliente. Que a
equipe é o reflexo do líder a gente sabe e muito. É só a gente olhar
em volta. Se você trabalha ou tem uma empresa, passeie pelos departamentos vizinhos ao seu ou pelas empresas vizinhas à sua.
Observe o brilho nos olhos das pessoas. Invariavelmente as que
têm líderes melhores são mais felizes.
Como é o líder ideal para você? Como é o líder para a sua equipe? Normalmente a gente cobra mais dos nossos líderes do que
está disposto a fazer pela nossa equipe. De quem você se lembra
como líder na sua vida? Quem são os que você verdadeiramente
gostaria de voltar a trabalhar?
Só líderes inesquecíveis conseguem cultivar equipes inesquecíveis.
E líderes inesquecíveis são simples. O que os torna Maluco pelo
Cliente é fazer poucas coisas como líderes que ninguém faz de um
jeito que ninguém em curto prazo consegue imitar.
LIDERANÇA EM 12 PASSOS
Por ter me metido a liderar muita gente durante o tempo em
que trabalho, descobri que o conceito de liderança é muito mais
simples do que parece. Mas implementar é muito mais complicado do que qualquer um pode imaginar. Liderar é, em princípio,
servir àqueles que você quer liderar. E aí começa a nascer a simplicidade do conceito. A menos que você primeiro esteja disposto a
servir aqueles que irá liderar, é impossível ser um líder.
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Capital humano em serviços — Coisa de Maluco pelo Cliente
O conceito de liderança que iremos compartilhar com vocês fala
das características que eu acredito que a maioria dos líderes malucos pelo cliente possuem.
Vamos falar do líder na seqüência que ele deve seguir para
merecer ser chamado assim. Para que as pessoas realmente o
respeitem.
1. Líderes são exemplo da ação desejada
Líderes de fato agem mais do que falam. Na ação e no dia a dia
exalam as atitudes que esperam que todos tenham. Abaixam para
pegar coisas que estão no chão sujando o ambiente, não mandam
que alguém abaixe. Se você não consegue comunicar seu ponto de
vista ou pensamentos através do exemplo, você provavelmente não
conseguirá liderar nem a si mesmo. O exemplo dos líderes faz com
que as pessoas lideradas confiem neles inteiramente. O bom líder
é “nós” e não “eu” em qualquer situação. Pode ser que nas crises e
nas confissões de erro ele fale “eu errei”. Aí vale.
O maior exemplo que um líder pode dar é o de integridade.
Integridade se demonstra nas mínimas atitudes. Eu nunca encontrei
um líder Maluco pelo Cliente que não tivesse integridade, que a
comprometesse ou que não a demonstrasse quando necessário. Eu
acredito que este é um ponto importante do conceito de liderança.
Dizer bom dia ao cruzar o corredor, obrigado, quando alguém o
ajudar, eu errei, quando errou, pedir desculpas quando reconhecer,
são gotas de integridade que acabam contaminando quem convive
sob uma grande liderança. Integridade e generosidade andam de
mão dada na alma de um líder Maluco pelo Cliente.
2. Líderes ouvem generosamente
A maior sabedoria do líder está em ouvir generosamente. Ouvir
é premissa para se entenderem as reais necessidades de quem
depende de nós e de quem dependemos. O líder generosamente
ouvinte fica mais perto do que está acontecendo na empresa. Não
deixa se criarem lacunas de percepção da verdade. Não conta apenas com os fofoqueiros de plantão para saber o que se passa na
empresa. E acaba sendo percebido como alguém que realmente se
importa com o que está se passando com o seu pessoal. O princípio
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Edmour Saiani
de ouvir generosamente se espalha pelo ambiente até chegar ao
consumidor final. Se o líder ouvir generosamente as equipes de
contato com o cliente também sairão da postura de ficar falando
coisas e mais coisas que às vezes nem interessam para o cliente. E
passarão a ser ouvintes que vão captar dos diálogos com os clientes
as melhorias prioritárias para manter a empresa como um Maluco
pelo Cliente. Certa vez alguém disse que se você não pensa bem a
respeito de si mesmo, outras pessoas não irão fazê-lo também. Eu
nunca encontrei alguém que eu julgasse um bom líder que não
pensasse positivamente sobre si mesmo. E pensar positivamente
sobre si mesmo dá ao líder a coragem e abertura para ouvir tudo o
que se tem para dizer. Inclusive sobre ele.
3. Líderes patrocinam a inovação
Nesta época em que o mundo dos negócios acabou ficando com
uma mentalidade conformista e todos adoram ser como os demais,
atrever-se a ser diferente é a qualidade mais importante que
possuem os líderes Malucos pelo cliente. Ser diferentes implica
em patrocinar gente que queira fazer coisas diferentes de um jeito
diferente.
Líderes Malucos pelo cliente possuem a frase “Eu tenho um
sonho” estampada na testa e cunhada no coração. Este sonho é
sempre compartilhado e move a todos na organização em direção
ao sonho. O resultado é que todos são inspirados para cultivar o
terreno fértil que o líder aduba todos os dias. E idéias acabam sendo
plantadas por todos. E regadas. O produto final é uma empresa
absolutamente criativa. Que anda na frente em tudo o que seja bom
para o cliente. E uma empresa em que as pessoas mais opinam
sobre o que deveria ser feito do que sobre o que pode dar errado se
for realizado. Nessas empresas, com esses líderes, o medo dá lugar
a uma coragem sem igual. A coragem leva a empresa a uma atitude
não conformista permanente.
Ter gente assim corajosa e não conformista liderando até que é
fácil. Não é fácil é lidar com pessoas em todos os níveis assim no
dia a dia. Os líderes debaixo para cima que agem de maneira não
conformista podem ser uma das coisas mais difíceis de se controlar. Todos sabem quem são os não-conformistas, eles estão sempre
questionando coisas. Eles são contestadores e se você não os patro— 221 —
Capital humano em serviços — Coisa de Maluco pelo Cliente
cinar, eles farão as coisas por sua própria conta. Causam problemas, outras pessoas reclamam e eles não necessariamente concordam com eles. Ainda assim, eles nos forçam a aperfeiçoar e melhorar nosso desempenho. E a atingir o sonho.
A menos que você e sua organização sejam inovadoras, a menos que todos tentem antecipar o que o mercado poderia gostar do
que vocês possam vir a fazer, você terá se tornado somente outro
imitador. Maluco pelo Cliente nem pensar.
A inovação às vezes virá de se sacarem as pessoas da zona de
conforto. Os líderes então não podem ser complacentes e sempre
devem achar que pode haver melhores maneiras de fazer as coisas,
descobrindo rapidamente que há oportunidades adicionais.
Um dilema a mais que surge no processo inovador: a organização tem que gostar de errar. Nesta época e dias em que a maior
parte do país tem uma mentalidade conformista, nós adoramos ser
como os demais, mas atrever-se a ser diferente é a qualidade que
eu acredito que possuem os bons líderes.
É uma característica humana não querer falhar, e todos os empregos e expectativas do mundo são apontadas para não existirem
falhas. Falar é fácil. Difícil é conseguir ter estômago para reconhecer a importância de errar no processo de se construir uma empresa Maluco pelo Cliente. Erros na direção da inovação são muito
bem-vindos. Mudanças então, são mais bem-vindas ainda. Novamente, é uma característica humana resistir às mudanças, todos
gostamos do “status quo”. Se tudo está indo bem, por que não deixar como está? O velho ditado é: “Se não está quebrado, não conserte”. A verdade do problema é que se não está quebrado, logo
estará e é melhor consertar antes para não ter grandes problemas
mais tarde. E mais, nesse mundo maluco em que estamos vivendo
penso sempre no cupim e no que está acima de onde ele vive. Nem
está quebrado, mas se aparecer uma força sobre a região ela quebra. Novidades podem vir de outras direções e pronto. O que estava maravilhosamente bem conservado envelhece e apodrece até
sem quebrar.
E a fonte maior de inovação? Ouvir as bases. Quem está perto
do cliente. O que é uma “filosofia de consultar as bases”? É aquela
que acredita simplesmente que quase todas as boas idéias surgem
de pessoas nas lojas e nos pontos de contato com o cliente final.
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Edmour Saiani
Elas fluem das pessoas que servem os clientes e caminha em direção
ao topo da organização. Quando penso em todas as mudanças ocorridas na organização através dos anos, verifico que quase tudo veio
desta área. É nosso trabalho como líderes de uma empresa sair,
coletar todas essas idéias, agradecer as idéias que não irão funcionar a quem as teve, justificando o porquê da negativa, mas
implementar aquelas que irão. A “filosofia de consultar as bases”
reconhece que todos têm boas idéias. Você deve selecioná-las e ficar com as melhores. Mas esta é a atitude mais positiva que acaba
envolvendo a organização e cria o tipo de ambiente que você deseja para criar uma empresa realmente inovadora.
4. Líderes educam seu pessoal
Se o líder quer que suas causas sejam defendidas por pessoas
malucas pelo cliente tem que, antes de mais nada merecer e buscar
essas pessoas. A The Container Store, cadeia de lojas que virou um
marco no varejo americano ao ser considerada melhor empresa para
se trabalhar nos Estados Unidos, sempre manda recados: se não
encontrarmos as pessoas que sejam como gostaríamos que fossem,
preferimos não contratar ninguém. Mas os líderes nem sempre têm
o direito de contratar todas as pessoas com quem vão trabalhar.
Então o melhor que podem fazer com as pessoas que o cercam é
começar por educá-las. No sentido mais profundo que a palavra
significa.
Quando fui da fábrica da Johnson & Johnson para a matriz tive
que passar por um processo de banho de loja muito sério. Nada
diferente de ser educado a comprar ternos menos nada a ver do
que os que tinha, usar a roupa certa para não ser rejeitado pelos
avaliadores “polaroid”. Aqueles que nem esperam o filme revelar
para tirar uma foto sua. E mantê-la como referência das coisas ruins que você possa fazer só pela roupa que esteja usando. Já me
corrigiram em inglês, em marquetês, até que eu aprendesse pelo
menos os jargões. Quem mais me educou na vida foram as pessoas
das minhas equipes. O pessoal da Mesbla me educou em cultura
de varejo. O da Nacional Seguros em cultura de seguros. E eu tentei ajudar sempre quem precisou de mim. Já tive um funcionário
na minha equipe maravilhoso que não falava muito bem o portu— 223 —
Capital humano em serviços — Coisa de Maluco pelo Cliente
guês. Concordâncias erradas, plurais inexistentes e pior, colegas
nem tão competentes que o ridicularizavam diariamente. Como dei
aula de português bati um papo com ele e comecei literalmente a
educá-lo na língua pátria. Hoje o cara é um grande gerente de vendas sem que ninguém possa vetá-lo por ele não falar português
cem por cento bem. Acabei de participar de uma convenção de vendas de uma empresa do ramo farmacêutico onde o campeão de
resultados era um cara muito humilde. Agradecimento no meio do
choro de comemoração: ao meu grande líder que começou o movimento comigo me pedindo para passar a ler jornal, ler mais e aí
comecei a perceber coisas que nunca tinha imaginado que precisaria. Educação. Líder que é líder não se recusa a fazer papel de pai
quando necessário e de professor. Mas sempre respeitando a dignidade de quem se está ajudando.
5. Líderes formam o seu pessoal
Cada um de nós tem que programar sua formação. Foi-se o
tempo que as empresas prometiam planos de carreira. Hoje, a
maioria das pessoas já entendeu isso. Em pesquisas que temos
acompanhado, as pessoas dizem que o que mais querem deste
emprego é aprender para o próximo. Quem pode nos ajudar no
dia a dia? Os líderes nos ajudam. O maior papel que um líder deve
desempenhar no seu dia a dia é o de formador. Nem sempre o líder
precisa educar seu pessoal, mas formar é fundamental. Afinal, se
aprender é a lei, quem melhor para me ensinar do que meu líder?
Foi-se o tempo que quem ensinava o pessoal da empresa era a área
de recursos humanos. Ainda fico preocupado quando encontro
pessoas que acham que recursos humanos funcionam no lugar do
líder. Pasme ainda tem muita gente que pensa assim. Mas líderes
malucos pelo cliente sabem que para terem suas causas bem
sucedidas têm que ajudar o seu pessoal a se formar. No dia a dia.
Todos os dias.
6. Líderes informam tudo que sabem para o seu pessoal
O dilema que nos coloca entre falar tudo o que sabemos para
todos e não contar para preservar segredos já foi resolvido nas
empresas Maluco pelo Cliente. Não tenham dúvida de que as me— 224 —
Edmour Saiani
lhores são as que informam via a liderança tudo o que afeta o trabalho. Já passei por empresas onde não podia dizer claramente qual
era o resultado da empresa para todos os funcionários. Como alguém pode motivar sua equipe plenamente se ela não pode saber
os fatos que impactam seu desempenho? Achava um jeito.
Numa delas tive que inventar uma maneira diferente. Fazia
contagem regressiva para atingirmos o ponto de equilíbrio. Se
fôssemos atingir no vigésimo dia, ficávamos naquela de faltam 20
dias, faltam 19. Se atingíamos no décimo oitavo tinha festa. Mas a
informação fluía.
Líderes de fato fazem o papel que as empresas desavisadas
esperam que o endomarketing faça: levar a comunicação até o nível
mais próximo do consumidor da rede de serviços. Informar tem
que ser como batata quente. Passe para o próximo da fila rapidinho.
Senão ela vai queimar sua mão. Queimar a mão nesse caso é não
compartilhar a emoção que a informação traz. A rede de serviços
vive da emoção que flui por ela. E informação é um componente
forte no repasse de informação.
7. Líderes integram pessoas e recursos
A força da integração na empresa nasce e se dissemina a partir
da liderança. Já falamos de muitas energias que tendem a nos fazer
trabalhar isoladamente. Se não houver força para integração a
empresa vai se departamentalizar, cada um vai fazer a sua parte e
nada vai acontecer plenamente. Os e-mails são o maior sinal disso.
Eles viraram uma maneira das pessoas conseguirem registrar suas
necessidades. E pronto. Registrei e acabou. Se alguém vai resolver
virou problema dele.
Recentemente se descobriu que engenheiros da NASA sabiam
que o problema que ocasionou a queda da Columbia poderia ser
fatal. Estava lá. Informação pura. Mal integrada. Claro que o que
rege o fluxo de informações na empresa é a força da causa comum.
Se não há causa comum regida pela liderança que mobiliza quem
participa do projeto, a informação simplesmente não flui. Em outras
épocas um risco desses geraria um turbilhão de mobilizações para
se resolver o problema. Níveis hierárquicos atrapalham a integração
da empresa e falta de pactos e acordos pré-combinados entre os
departamentos e filiais também. Se você já leu o capítulo que fala
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Capital humano em serviços — Coisa de Maluco pelo Cliente
de torcida a favor, já entendeu muitos dos mecanismos de se construir integração. Machado de Assis, guru brasileiro, já enunciou o
principio mais forte e convincente sobre a força da integração de
idéias: “Quem troca pães fica com um pão. Quem troca idéias fica
com duas”.
8. Líderes repassam autonomia para o seu pessoal
Líderes malucos pelo cliente repassam a suas equipes o processo
decisório e lhes delegam autonomia para agir. Há bons líderes que
preparam seu pessoal muito bem nas fases acima e mesmo assim
são incapazes de delegar o processo decisório ou liberá-lo. Repassar
poder é a melhor forma de amplificar o seu poder. O repasse de
poder motiva as pessoas e a autonomia para decidir as desenvolve.
Líderes que pensam que fazem melhor do que todos e retêm o
poder, limitam o crescimento da empresa ao seu próprio tamanho.
O exemplo mais forte de delegação que consegui foi na Mesbla.
Compras centralizadas faziam o pessoal da loja ficar amarrado em
relação aos produtos que lá chegavam. Uma vez cheguei em Recife
e questionei uma porção de fondieurs que estavam sendo vendidos.
Era verão. O vendedor da seção me disse que ficasse tranqüilo
porque o produto acabava vendendo. Lá na Mesbla as pessoas
tinham autonomia para baixar o preço da mercadoria que não
girasse num determinado prazo. Como o comprador nem sempre
tinha a informação de qual foi o preço da venda porque o sistema
não era tão eficaz assim, comprava mais fondieurs. Na mesma
viagem estiquei para Manaus e fiz a mesma pergunta - desta vez já
com má vontade - sobre os fondieurs, afinal ouvir a base é regra a
ser cumprida. Qual não foi a minha surpresa com a informação:
aqui vende muito. Na época Manaus era zona franca e vivia cheia
de turistas brasileiros do sul que adoravam comprar fondieur. E
pagavam preço cheio. Decretei minha incompetência para o assunto.
E resolvi repassar a autonomia sobre o assunto. Criei um bloquinho
de duas vias que se chamava feedinho. Tipo feedback
pequenininho. O vendedor falava de coisas que não poderiam faltar
ou que nem deveriam ter sido compradas para o comprador.
Mandava o feedinho por malote já que na época não havia e-mail
(graças a Deus). A primeira via que ia para o comprador era amarelo
espanto. Não havia como não se incomodar com ela sobre a mesa.
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Edmour Saiani
Pronto! Os compradores tinham 24 horas após o recebimento para
devolver uma resposta ou tomar uma ação. Resumo da ópera, eu
chegava às lojas e sempre fazia uma reunião de “vemquemquer”
para ouvir o que estava acontecendo. Como não havia sala para
tanta gente (as lojas da Mesbla tinham em média 250 pessoas cada)
era na própria escada rolante. E aí vinham as reclamações e os
elogios (que também podiam ser enviados pelo feedinho). A cada
reclamação bastava a pergunta: escreveu o feedinho? Teve resposta?
Se sim, não havia mais problema. Se não, era só acionar quem não
tinha escrito mesmo sabendo do problema e mostrar que a força
estava na mão do cara. Se o comprador não havia respondido eu
falava com ele no mesmo dia. Claro, eu não tinha autoridade sobre
os compradores. Fiz sim um movimento que acabou virando uma
causa de serviços comum às duas áreas: compras e vendas. Os
compradores que aderiram se deram muito bem e acabaram
ajudando muito a área de vendas. Os que não aderiram, bom destes
a gente não vai falar, afinal eles nunca vão chegar a ser Malucos
pelo Cliente na vida.
9. Líderes dão suporte sempre que o seu pessoal precise
É muito difícil delegar num nível Maluco pelo Cliente. Mas é
mais difícil ainda que quem recebeu a delegação comece a usar a
autonomia e autoridade que recebeu. Se, no entanto, souberem que
vão ter alguém dando suporte no caso de dúvidas ou mesmo de
tomada errada de decisão, a coisa muda. As equipes acabam se
encorajando e exercitando a autonomia com competência. É bom
dizer que no processo de carreira dentro da empresa como acontecia
no século passado, as pessoas sabiam muito das empresas em que
trabalhavam e isto dificultava a delegação. Nas start ups de
telecomunicação que nasceram há pouco o processo foi contrário.
Ninguém sabia exatamente nada sobre nada então a confusão foi
inversa. Ao invés de falta de autonomia havia excesso. Cada um
fazendo mais ou menos o que achava que deveria fazer. E se
integrando como conseguia. E se formando como era possível. Então
se passa da rigidez dos processos aprendidos e implementados ao
longo de décadas para processos que nem bem foram definidos e
já estão em campo funcionando. Muito bem, desde que a liderança
esteja acompanhando e se alguma coisa der errado não detone o
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Capital humano em serviços — Coisa de Maluco pelo Cliente
pessoal que recebeu autonomia. O processo de dar autonomia é
mais ou menos como você aprendeu a andar de bicicleta. Quem o
ensinou segurou e guiou a bicicleta até que você se sentisse
confiante para continuar sozinho. Dar suporte é, no caso de você
cair, seu pai ajudar com os curativos e dizer que é assim que se
aprende ao invés de urrar porque você é burro e não aproveitou as
lições que recebeu. Se você é um líder Maluco pelo Cliente, cuida
dos curativos.
10. Líderes que “pegam junto” quando a coisa pega
O líder Maluco pelo Cliente é um mergulhador sem garrafa.
Não mergulho, mas sei que líder mergulhador com garrafa vive lá
no fundo. O mergulhador sem garrafa é mais eficaz como líder.
Delega para que tudo lá no fundo ande muito bem. Mas sabe que
às vezes a coisa pega. E vai lá ver como está, ajudar no que puder e
não se esconde de ter que fazer as tarefas que delegou. Líderes que
“pegam junto” são vistos como muito menos arrogantes e reforçam
o conceito de exemplo. Se eles dão tão duro quando é necessário,
como a equipe vai ser menos que muito batalhadora?
11. Líderes que desafiam e patrocinam evolução constante
Eu me lembro bem de alguns líderes que tive. Muito mais e
melhor que de outros. Esses líderes tinham uma coisa em comum:
eram duros. Me tiravam da zona de conforto quase todos os dias.
Me desafiavam muito. Sem nunca ultrapassar a barreira da ameaça.
É bom lembrar que ameaça paralisa enquanto desafio acelera. Só o
fato de eu saber que eu trabalhava com eles, me deixava na zona
de alerta. Mas os caras eram muito justos. À medida que eu evoluía,
eles me reconheciam. Me recompensavam. Me ajudavam a mudar
de patamar. Eram duros. Mas muito mais por fora do que por
dentro. Por dentro e por fora eram líderes Maluco pelo Cliente.
Rinaldo Alfinito, diretor do curso pré-vestibular CASD. Curso
Acadêmico Santos Dumont, meu líder, amigo e irmão. Foi o primeiro
cara que encontrei quando cheguei no ITA. Ele me deu a
oportunidade de fazer uma coisa que nunca imaginei que pudesse.
Dar aula. Ainda me lembro do convite. E do “inferninho” que era a
aula teste para ver se o cara tinha ou não cacoete para a coisa. Pas— 228 —
Edmour Saiani
sei. E aprendi a dar aulas. Saí da casca definitivamente. Hoje o que
mais faço na vida não tem nada a ver com o que estudei. Mas tem
tudo a ver com dar aulas. O Alfi mudou a minha vida ou não?
Wolfram Quintero, gerente de engenharia da Johnson & Johnson,
meu líder. Me patrocinou a primeira viagem internacional a
negócios que fiz na vida. Sozinho. Para fazer muitas coisas. Eu
coordenava o projeto de redução de custos e melhoria de
lucratividade da fábrica da J&J em São José dos Campos. Tinha 25
anos. Fui para Inglaterra, Alemanha, Bélgica, Estados Unidos e Porto
Rico na mesma viagem. Fazer o que? Desde um curso de
desenvolvimento gerencial em Londres até decidir por dois
fornecedores de máquinas de encerdar escovas de dentes na
Alemanha. Para fechar a viagem cavei uma reunião com o big boss
para toda a América Latina da J&J lá na sede nos Estados Unidos.
Esse desafio mudou minha vida. Na reunião com o chefão já tinha
um relatório de 50 páginas sobre a viagem toda. Mas o assunto
chave foi a decisão sobre o fabricante da máquina. Minha decisão
foi técnica. O fabricante x dava show. O chefão, no entanto tinha se
decidido e já ia comprar a máquina y. E me disse “decisão gerencial”
queremos forçar o y, que era de onde comprávamos todas as nossas
máquinas a melhorar. O Wolfram mudou ou não a minha vida?
Hélio Pêgas, gerente nacional de vendas da Johnson & Johnson,
meu líder. Me deu a chance que eu precisava de sair da fábrica
para ir trabalhar na matriz da J&J. Eu queria marketing. E era
ignorante o suficiente para pensar que marketing era só gerência
de produtos. Mas fui para a administração de vendas. Foi o Pêgas
que me ajudou a conseguir que a J&J bancasse o curso de pósgraduação que fiz na Getúlio Vargas em São Paulo. Foi o Pêgas
que me ensinou tudo o que sei sobre vendas. E foi ele que me
mostrou o quanto a função de vendas pode ser estratégica. O Pêgas
mudou ou não a minha vida?
Jorge Fortes, Diretor de Operações da Pepsi, meu líder, amigo e
irmão. As apostas que o Jorge fez em mim ninguém tinha feito até
então. Foi o Jorge que me mostrou que eu poderia ser um
empreendedor. Me deu as franquias de Manaus, Belém, Fortaleza,
Brasília, Goiânia, Uberlândia e Vitória para cuidar. Os donos dessas
franquias eram muito fortes. E eu tive que me tornar um gerente
geral sem autoridade para conseguir ganhar a confiança dos caras.
E provar que todas as estratégias que bolávamos eram boas. Errei
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Capital humano em serviços — Coisa de Maluco pelo Cliente
em algumas, mas acertei em outras. Nunca pensei que conseguisse
trabalhar tanto como comecei a trabalhar nessa época. Dias de 30
horas, meses de 40 dias e anos de 15 meses. O Jorge mudou ou não
a minha vida?
Esses caras foram Malucos pelo cliente e muito para mim. Tento
todos os dias ser um para quem convive comigo. Às vezes exagero
na dureza, mas sempre exagero no reconhecimento quando o cara
merece. Nos casos em que consigo, tenho um retorno maravilhoso.
Vale a pena tentar. É uma energia que se espalha por todos os cantos
por onde a gente passa. E dura muito. Eu nunca me esqueço desses
caras. Seja inesquecível também. Pelo menos tente.
12. Líderes não param de acompanhar seu pessoal
Acho que já falei demais sobre a importância de acompanhar.
Mas depois de falar de desafios, dureza e justiça tenho que voltar a
acompanhamento. Nada do que eu disse que o líder deveria fazer
até aqui substitui acompanhar. Ao acompanhar, você percebe
conflitos e ajuda a resolver, redireciona sempre que alguém estiver
se afastando da causa, reconhece quem faz bem e recompensa quem
vale muito para a causa.
Ninguém que merece e faz por onde, vive sem reconhecimento
e recompensa. E quando o líder é Maluco pelo Cliente ser
redirecionado por ele causa orgulho e sentimento de gratidão. Esse
papo de equipes auto-gerenciadas deve ser coisa de outro planeta.
Eu, que odeio ser chefiado, adoro quando aparece algum líder redirecionador na minha vida. Tenho vários, aliás.
O Ricardo Checchia nunca foi meu chefe. Aliás, eu nunca
trabalhei com ele. Mas estudamos a pós-graduação juntos. T-o-d-as as matérias. Foi o Ricardo que um dia me disse: abra a sua
empresa. Redirecionamento na veia. Foi ele que um dia me disse:
expanda a atuação para clientes grandes. Expandi. Redirecionamento na veia. Só me resta agradecer.
Ou o Querubim Cassilatti, sim, o cara se chama Querubim. Não
tem uma vez que eu encontre o Querubim que ele não me fale uma
pérola que muda a minha vida. Eu jogava tênis com ele um dia e
ele me falou para ao invés de eu bater todas as bolas com força que
eu dosasse e só fosse na força em algumas. Mudou meu jogo. Mudou minha vida.
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Edmour Saiani
Confesso que sou mais carente de líderes de reconhecimento e
recompensa. Minha vida sempre foi meio assim. Como eu visto a
camisa de super-homem, quase nunca os elogios e as recompensas
são muito explícitas.
Acompanhe seu pessoal. Reforçando, estar presente é o melhor
presente que você pode dar para a sua equipe. Sempre. Eles vão
sempre ter a energia que você repassar para eles.
CONSTRUINDO UMA EQUIPE
Já temos nosso líder Maluco pelo Cliente, seu desafio agora é
formar uma equipe maravilhosa. Mas como garanto que vou ter a
melhor equipe? Liderança conta muito, é o começo de tudo. Mas é
pouco. Então o que é mais importante para se ter uma equipe
Maluco pelo Cliente?
Recrutar e selecionar bem.
Parece fácil. Mas entre outras coisas vou ter que convencer gente
competente a trabalhar numa empresa que quer ser a melhor e que
exige muito do seu pessoal. Que gostaria que as pessoas inovassem
sempre que possível e errassem o mínimo possível. Que gostaria
que as pessoas pedissem desculpas sempre que errarem. Que tipo
de gente então vai ser competente para trabalhar na nossa empresa?
E mais, como consigo mantê-las na empresa por pelo menos alguns
anos?
Empresas Malucas pelo Cliente têm que ser muito competentes
em prestação de serviços. E prestação de serviços requer um lado
ser humano muito diferente. Gente que se presta a ajudar outras
pessoas não é muito fácil de achar. Graduadas? Há muitas. Pósgraduadas? Também.
Mas gente que se preze a tratar bem os outros é raridade. Não
está sobrando por aí não. Então pense nisso: construir equipe nota
dez é ter um Norte Único Compartilhado com o foco do cliente, ter
líderes que acreditem e pratiquem o que a empresa prega e buscar
incessantemente uma equipe que seja o retrato, ou filme se vocês
acharem melhor do que a marca promete. A cara da marca. A voz
da marca. A alma da marca.
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Capital humano em serviços — Coisa de Maluco pelo Cliente
Treinar? Claro, muito importante, mas treinar qualquer empresa treina. O que só as Malucas pelo Cliente conseguem fazer é atrair
e manter equipes Malucas pelo Cliente.
Contrate gente competente, o resto fica fácil
A importância de gente no seu negócio
Por que o cliente prefere e recomenda a sua marca? Pelas pessoas que constroem a sua marca! Propaganda até pode servir para
atrair o cliente. Produto o ajuda a se interessar por nós, mas o que
definitivamente nos põe no coração do cliente para sempre são os
serviços que ela presta. E dos serviços que ela pode prestar o que
mais vai fundo no coração do cliente é o atendimento. Atendimento é o retrato da alma de qualquer empresa. Se a sua é uma Maluca
pelo Cliente tem que ter gente maravilhosa atendendo. Quem atende o cliente? Lógico, a equipe. O dono ou o presidente raramente
está perto do cliente. Como conseguir atrair e manter pessoas que
consigam fazer a diferença num atendimento? Como garantir que
a minha empresa seja conhecida por seus atendimentos? Mãos à
obra, vamos falar das empresas!.
AS EMPRESAS E O CAPITAL HUMANO
As pessoas preferem empresas charmosas àquelas em que eles sabem que vão
ter que ser prestadores de serviços maravilhosos
Se eu fosse começar a trabalhar de novo acho que escolheria
uma empresa como escolhi a J&J na minha época. Empresas com
prestígio de marcas construídas por produtos e propaganda aparentam ser muito mais agradáveis para se trabalhar. E são. Empresas com reputação de serviços nota dez dão muito trabalho para se
construir. A Disney é assim, o McDonald’s é assim. Lidar
diretamente com o cliente e construir reputação pelos contatos com
o cliente é um trabalho quase sem fim.
Quando questionadas, as pessoas até dizem que uma coisa que
os motiva muito é desafio. Para empresas Malucas pelo Cliente a
— 232 —
Edmour Saiani
pergunta que tem que ser feita é se o desafio que os motiva tem a
ver com gente. Já perguntei a mais de mil pessoas que entrevistei:
como você é com gente? As respostas são o retrato da alma do cara.
Já ouvi aprendi a lidar umas oitocentas vezes. Já ouvi respostas
pré-fabricadas tipo adoro gente, com uma expressão que não tinha
nada a ver com isso. A verdade é que gente que gosta genuinamente de gente é minoria no mundo. Existe em todas as classes sociais,
mas não se aprende na escola. O que aprendemos nesse tempo todo
ajuda a cometer menos erros na contratação. São cinco passos. Só
cinco.
Merecer ter gente boa na sua empresa
Norte Único Compartilhado ajuda e muito a que a sua empresa
construa reputação de ser um lugar bacana para se trabalhar. O
que faz as pessoas entrarem e ficarem nas empresas onde trabalham é um misto de salário justo para cada nível de competência,
possibilidade de aprender coisas novas e um ambiente onde elas
se sintam bem. Se a sua empresa tem uma política salarial clara, só
promete o que pode cumprir, programa momentos de novos treinamentos para o seu pessoal e dá exemplo de como construir ambiente, ela está no caminho. O seu pessoal se sentirá tão melhor
quanto mais importância se der ao fator gente no seu dia a dia. O
círculo vicioso é que empresas que atraem gente competente têm
gente feliz trabalhando nelas. O papel de qualquer líder deve começar por: merecer ter uma equipe campeã. E cheque: se os seus
melhores funcionários estiverem indicando outros para trabalharem na sua empresa, tudo bem. Se não, pode ter certeza de que eles
estão procurando emprego por aí.
Só encontra alguém quem sabe quem está procurando
Ter claramente definido quem você quer contratar é chave. Lembre-se de que são três os pontos a serem definidos: como ela deve
ser, o que ela deve aprender e como ela deve servir. Quem e como
ela deve servir é até fácil definir. O que ela deve aprender também
não é difícil. Basta pensar em quem já faz isso na empresa e o faz
— 233 —
Capital humano em serviços — Coisa de Maluco pelo Cliente
bem. Agora, o fator chave é como essa pessoa deve ser. O que a
pessoa sabe, muda. O que ela é, dificilmente vai mudar. E você só
pode contratar gente que tenha o espírito que você espera para o
seu negócio. A melhor coisa que fazemos nesse momento é não
trazer para o ambiente da empresa as pessoas que temos dúvida se
vão se tornar equipe como a nossa ou não. Vale repetir o que disse
o diretor de desenvolvimento da Nordstrom, quem treina nosso
pessoal são os pais deles em casa, a gente só contrata.
Invista tempo procurando quem você quer
Visitando uma loja da Mesbla em Belém, o saudoso Henrique
de Botton — dono da Mesbla que a levou ao topo do sucesso —
indignado, perguntou porque um caixa da Mesbla estava fechado
com tanta fila no outro. O incauto gerente respondeu que não tinha
sido possível encontrar uma pessoa para o cargo. Ele, então, respondeu com uma pergunta e a sagacidade que lhe era peculiar:
“Quantos habitantes tem Belém?” Logo após ouvir a resposta do
gerente ele disse: “Duvido que entre um milhão de habitantes você
não consiga encontrar um competente para o caixa!” Não há desculpas! Uma nova vaga é sempre um novo investimento. Procure
muito. Selecione entre muitos candidatos. E apenas contrate quando tiver a certeza de ter o melhor. Ao contrário do que pensamos,
quase sempre o mau funcionário custa mais caro que o bom. Escolha, entre muitas, só as boas. Enquanto não encontrar, não contrate.
Tapar buracos ajuda a diminuir a força da equipe que se leva tanto
tempo para construir.
A melhor maneira de conhecer a pessoa é vê-la trabalhando
Testes psicológicos e dinâmicas de grupo ajudam muito. Mas
nada substitui convívio quando estamos avaliando nosso pessoal. Por isso as promoções internas na empresa são as mais recomendadas. Cuide para só promover pessoas que tiverem potencial para o novo cargo, lógico. Senão vamos repetir a máxima de
perder um ótimo atendente e ganhar um péssimo gerente. Ou faça
um banco de dados de quem você conhece pela vida que poderia
um dia trabalhar com você. E ao invés de apenas entrevistar deixe o cara que vai entrar conviver com a empresa antes de come— 234 —
Edmour Saiani
çar. Quanto mais gente ele conhecer na empresa, melhor. Quanto
mais gente o conhecer, melhor. Se você puder viajar com a pessoa
antes de contratar, melhor ainda. Só o convívio vai garantir que
quem estiver entrando na empresa seja um Maluco pelo Cliente
como a sua equipe.
Nascimento, vida e morte de empresas sem foco em gente
Querem provas? A Compaq vendeu muito. Serviu pouco. Morreu. Foi rejeitada pelos clientes que não foram atendidos quando
precisaram dos serviços. O cliente decide se ele quer empresas
Compaq ou HP. Você decide se a sua empresa vai ser HP ou
Compaq. A que vai sobreviver é a que mais pensar nos seus funcionários. O funcionário só pensa genuinamente nos seus clientes
quando a empresa pensa genuinamente nos seus funcionários. O
Sanches já sabia muito disso. Você decide se vai ser movido pelos
docinhos que vai ganhar quando fizer os números, ou vai tentar
construir uma empresa ou um departamento onde as pessoas possam exercer a sua dignidade. Maluco pelo Cliente de a a z.
As que continuam vivas... e muito...
Olhe para as empresas que estavam presentes no livro Em busca da Excelência do Tom Peters e Robert Waterman algumas décadas depois. As que continuam a tratar todo mundo bem na cadeia
de serviços, continuam bem. Stew Leonard ainda bem embora não
tão forte em serviços como era na época, Disney fora alguns tropeços, Apple, 3M continuam bem dentro do foco em que escolheram
ser Maluco pelo Cliente. O McDonald’s que não está tratando mais
tão bem seus parceiros franqueados está tendo que se virar. Parou
de pensar em parceria de longo prazo e agora comete heterodoxias
tão fortes quanto entregar em casa produtos que no mesmo prazo
da entrega anteriormente eram descartados por serem impróprios
para consumo.
Onde vão parar essas empresas não tão Maluco pelo Cliente
assim? Fácil. Em qualquer lugar menos no coração de quem se relaciona com elas. E marcas que não têm lugar algum no coração de
quem lida com elas têm que dar mais docinho para quem tiver que
fazer os números. Afinal, quando não é muito doce conviver numa
— 235 —
Capital humano em serviços — Coisa de Maluco pelo Cliente
empresa a gente não contrata alguém para trabalhar nela. Compra
o passe durante o tempo em que a pessoa esteja lá. A única certeza
é que estruturas desse tipo não duram. Se aproveitam de bolhas no
mercado. Mas não duram. O Sanches sabia disso. Tomara que sua
empresa e você aprendam logo. Senão é bom você contratar uma
doceira terceirizada. Haja docinhos para comprar empregados que
só fazem números a partir deles. Agora se você está numa empresa
Sanches “oriented”, pode pensar em longo prazo, gente para te
substituir, formação estruturada de pessoas para o futuro. Na sua
empresa, como ela é Maluco pelo Cliente, o futuro vai existir.
MARCAS ECOLÓGICAS — A VERDADEIRA INCLUSÃO
SOCIAL QUE VAI MUDAR O BRASIL
Ecologia Organizacional
O nome do jogo de empresas de sucesso daqui em diante vai
ser Ecologia Organizacional. A gente já falou desse tema muitas
vezes. Mas nunca o mercado esteve tão pronto para entender os
benefícios desta filosofia de trabalho, modelo de gestão, como queiram chamá-lo. Marcas ecológicas, auto-sustentáveis, vão ser
construídas praticando Ecologia Organizacional.
Cuidado para não confundir ecologia organizacional com
marketing social do jeito que as marcas não ecológicas têm feito,
ou falado que fazem. Muitas das empresas que anunciam que fazem marketing social não fazem a menor idéia do que seja Ecologia Organizacional.
O termo nem existe no Aurélio, mas deveria existir. Segundo o
Aurélio – Ecologia é o ramo das ciências humanas que estuda a
estrutura e o desenvolvimento das comunidades humanas em suas
relações com o meio ambiente e sua conseqüente adaptação a ele,
assim como novos aspectos que os processos tecnológicos ou os
sistemas de organização social possam acarretar para as condições
de vida do homem.
No Aurélio do Futuro vai ter: Ecologia Organizacional - Ramo
da administração que estuda as relações entre as pessoas dentro
— 236 —
Edmour Saiani
das organizações e entre as organizações no mercado, na busca incessante da fonte de sobrevivência e evolução e na construção de
comunidades de servir.
Empresa, corporação ou companhia?
Você trabalha numa empresa? De novo o Aurélio: Organização
econômica destinada a produção ou venda de mercadorias ou serviços, tendo em geral como objetivo o lucro. Nada melhor para
descrever o que aconteceu no mercado na era Wall Street de avaliação de empresas. A cada trimestre, cabeças rolam ou prêmios são
pagos por resultados que muitas vezes em longo prazo vão colocar a empresa numa situação difícil. Tudo pelo bônus. E quando
alguém pede alguma ajuda para outra área o papo é sempre: não
está incluído no meu bônus.
Se você trabalha numa corporação pense no que a palavra diz:
corpo + coração. Só que, como na palavra, não há o co de coração.
É assim que as organizações gigantes se portam: cuidam do corpo, quase sempre não tão bem assim e se esquecem do coração. A
mente? Bem, quem diz que é uma organização racional, que cuida dos processos por cuidar dos processos faz isso mesmo, mente. Não há maneiras de se cuidar dos processos se a gente não
cuidar das equipes.
Então a proposta é você trabalhar em uma companhia. A própria palavra diz companhia é ser e ter alguém por perto. Alguém
que ajuda. Alguém que cuida. Diz-me com quem andas e eu te
direi quem és. Em companhias dá pra fazer Ecologia
Organizacional. Nelas, o dono ou quem manda cumprimenta as
pessoas, sempre que as encontra, se preocupa com elas e se
posiciona sempre onde possa ajudar os outros. Donos assim sempre contratam gerentes e diretores que se preocupam com pessoas
e gostam de ajudar as pessoas da própria companhia.
Companhias que constroem marcas ecológicas
Essas companhias quase sempre têm alto IGP. Interesse Genuíno por Pessoas. E elas sabem que a ordem dos fatores altera o
— 237 —
Capital humano em serviços — Coisa de Maluco pelo Cliente
produto. Sabem que se elas se preocuparem com as pessoas, elas
vão se preocupar com as outras numa comunidade de servir que
chega lá longe onde está o consumidor.
Companhias não acham que o cara que não usa o seu crachá,
mas presta serviços nunca vai vestir a camisa. Eles fazem o que é
necessário para o cara vestir a camisa. Arquitetam e compartilham
causas que todos querem abraçar.
E não ficam com aquele papinho de marketing social pra se fazer de bacana sem antes garantir que estão tratando muito bem os
funcionários, parceiros, canais e fornecedores.
Ecologia Organizacional é pedra no lago. A cabeça da marca
emana coisas boas, esperança, apoio para todos até chegar à ponta.
O ponto de contato, seja ele loja, central de atendimento, site de
internet.
Dá para medir facilmente o IGP de companhias. É só andar pelos elevadores das centrais de atendimento, dos prédios da matriz,
ou bater papo com os caras do depósito de recebimento de mercadorias. No papo, leve em conta que o que vai significar alto nível
de IGP não é só o que o cara fala. Mais que isso é o que ele expressa
no sorriso, no olhar.
Companhias com alto IGP são fortes em ERM, não CRM. Só para
clarear: ERM — Employee Relationship Management, CRM —
Customer Relationship Management. Em português adaptado por
mim, CRM — Conquistar Realmente a Moçada que compra de mim,
ERM — Entusiasmar Realmente a Moçada que trabalha comigo na
construção da reputação da minha marca.
Para construir uma experiência para o Cliente maravilhosa todos na companhia têm que achar que a melhor experiência da vida
deles é trabalhar nela.
Donos com alto nível de IGP delegam mais, cuidam mais das
lideranças que vão cuidar mais dos pontos de contato que vão cuidar mais dos Clientes.
Marcas ecológicas e os resultados
Organizações assim constroem resultados sustentáveis, com alta
reputação que motiva o Cliente a manter e aumentar o relacionamento e a recomendar para todos que mudem para a marca. Isso
sim é resultado.
Não tem tempo de cuidar de gente? É a desculpa do século para
não se implementar um sistema verdadeiro, que faça parte do dia
— 238 —
Edmour Saiani
a dia da companhia. Mais importante que a minha opinião sobre o
tema é a do Ran Charam, o melhor cara do mundo no tema
implementação. Jantando com um grupo de chefões de uma grande empresa – aqui é empresa mesmo — para quem ele presta
consultoria recentemente, ele disse para os caras: E aí? Quanto tempo por dia vocês cuidam de gente? Pouco ou nada? Resposta do
Ran: Então é por isso que vocês não têm tempo.
Cuidar de gente e patrocinar integração na comunidade de servir é a única maneira de conseguir que as pessoas façam o que
você espera que eles façam sem que ninguém esteja olhando ou
mandando.
COMECE JÁ, O MUNDO DEPENDE DISSO!
Seja qual for a sua companhia, pratique Ecologia Organizacional.
Genuína.
Se a sua companhia é shopping, pare de gastar dinheiro apenas
querendo atrair Clientes e comece a pensar em como formar as suas
lojas para que elas tenham a competência de mantê-los muito satisfeitos.
Se a sua companhia é franqueadora, pare de apenas cobrar obediência ao padrão, e comece a prepará-los cada vez melhor para
atender seus Clientes, atendendo-os bem.
Se a sua companhia é produtora de bens de consumo, pare de
apenas cobrar obediência ao patrão e comece a incentivar todos
para se ajudarem a serem os melhores para os canais, pontos de
contato e Clientes finais.
Lembre-se de que o motor da companhia é o corpo, a mente é
quem define o caminho, mas o verdadeiro combustível que inspira que todos estejam na mesma direção é a alma da organização.
Cuide da alma que todos vão direcionar seus corpos com a mente
completamente direcionada para o sucesso. Afinal, se você cuidar
da alma, as pessoas vão saber que o sucesso da organização vai ser
também o delas.
E o resultado final de marcas ecológicas vai ter um componente
que é a única maneira de fazer o resultado da sua empresa sustentável: mais elogios por dia que qualquer concorrente! Só quem elogia paga mais pelos seus produtos e serviços do que para qualquer concorrente.
— 239 —
Capital humano em serviços — Coisa de Maluco pelo Cliente
Pra terminar...
Não espero ter dado todas as respostas para um problema que
aflige a todos como a formação do capital humano nas empresas,
ou melhor: companhias. Mas espero ter contribuído com nossa
crença inabalável de que o princípio de tudo é a vocação para
servir, o “Ser do capital humano” que amadurece e se torna um
líder de corpo e alma, capaz de encontrar e desenvolver as pessoas certas para trabalhar na sua companhia. Este é o ambiente propício ter capital humano capaz de inovar na velocidade que o
mercado exige.
FIM DE PAPO SOBRE LIDERANÇA
Desculpe contar uma mentira no fim do capítulo. Não existe
fim de papo sobre liderança. O papo não acaba nunca. Se você é
um líder Maluco pelo Cliente, liderança é a sua vida. Não acaba
nunca. A mesma pessoa com a qual você falou ontem, hoje quer
outra oportunidade ou acha que o que está fazendo não tem nada a
ver. Pode ter tido um problema em casa. Na verdade, a alma da
empresa depende disso.
Se você quer marcar seus clientes de corpo e alma, tem que ter
pessoas de corpo e alma na empresa. A maior parte do tempo. E
isso só se consegue se você estiver liderando todo o tempo.
Se se cansar, avise a todos. Durante toda a minha vida só tive
uma crise de liderança. Aliás, estou vivendo essa crise. Depois de
uma vida só pensando em liderança, conflitos, querer que as pessoas
estivessem bem com todas as pessoas, confesso que me cansei um
pouco. Não me sinto menos motivado a liderar por isso. Só deixei
claro para todos os que trabalham comigo o que eu espero deles.
Um pouco de luz de retorno. Tem aquele papo quando estamos
dando palestra do retorno. Mas só dar luz sem receber é tão ruim
quanto. O lema para os meus próximos anos é “light”. Adorei a
palavra em inglês porque ela significa leve e luz. Isso é o que eu
resolvi que faria daqui para a frente. Seria mais leve e para isso
precisaria de gente na minha equipe que me desse mais luz.
— 240 —
MESTRADO PROFISSIONAL EM
ENGENHARIA AERONÁUTICA
ITA-EMBRAER
Uma Parceria Inovadora
Paulo Rizzi
Donizeti de Andrade
Mestrado Profissional em Engenharia Aeronáutica ITA-EMBRAER, Uma Parceria Inovadora
— 242 —
Paulo Rizzi e Donizeti de Andrade
Capítulo 12
Mestrado Profissional em Engenharia
Aeronáutica ITA-EMBRAER
Uma Parceria Inovadora
1. INTRODUÇÃO
A EMBRAER tornou-se líder mundial no segmento de mercado
regional de aviação nos últimos anos, ao mesmo tempo em que
tem impulsionado o crescimento nos setores da aviação militar e
executiva. Recentemente, a empresa iniciou o investimento em jatos
executivos de baixo custo de aquisição e passou a receber encomendas para os seus primeiros Light Jets e Very Light Jets. Após a
sua privatização em 1994, a EMBRAER adotou a estratégia de desenvolver e adaptar de forma bem-sucedida a plataforma de suas
aeronaves, através da introdução criteriosa de novas tecnologias
onde pudessem ser criadas vantagens seja pela diminuição dos
custos de aquisição e operacional, seja para assegurar a seu cliente
um maior nível de confiabilidade, conforto e segurança. Como resultado, as aeronaves da EMBRAER apresentam um excelente desempenho e um alto índice de confiabilidade, sendo competitivas
não apenas em termos dos custos de aquisição, mas também em
termos dos custos de operação e de manutenção associados.
Durante os anos que antecederam e sucederam o processo de
privatização, o cenário da empresa não era tão promissor como se
mostra hoje. À época, as vendas de aeronaves estavam bem abaixo
do esperado e, como conseqüência, a empresa teve que se desfazer
de importantes engenheiros, o que acabou por criar um hiato de
experiência em seus quadros técnicos. O cenário começou a mudar
em junho de 1999, quando o ERJ 145, o primeiro jato regional concebido, projetado e construído pela EMBRAER, mostrou-se um
potencial sucesso de mercado, nos Estados Unidos e na Europa.
— 243 —
Mestrado Profissional em Engenharia Aeronáutica ITA-EMBRAER, Uma Parceria Inovadora
De junho a outubro de 1999, 700 novos engenheiros foram contratados, além de especialistas estrangeiros. Enquanto os primeiros eram normalmente alocados para atividades básicas de engenharia, os últimos, normalmente engenheiros experientes, vinham
de diversas partes do mundo para trabalhar como consultores, seja
como profissionais autônomos, seja como funcionários de empresa terceirizada. Particularmente a dependência da mão-de-obra
estrangeira trazia dois obstáculos: um custo muito alto e problemas potenciais de sigilo industrial. Era preciso manter a dianteira
de conhecimento da empresa. Aquela era uma situação transitória
e, com a elevada demanda de mercado alcançada pelo ERJ 145, a
EMBRAER viu-se diante de desafio de ter de contribuir na formação de profissionais com conhecimento em Engenharia Aeronáutica para suprir suas próprias necessidades.
A oferta de engenheiros aeronáuticos e profissionais com experiência na atividade se limitava aos cerca de 35 engenheiros formados
anualmente pelo ITA nesta modalidade, uma vez que o atual curso
de graduação em Engenharia Aeronáutica oferecido pela Escola de
Engenharia de São Carlos da USP ainda não havia iniciado. Outras
fontes de recursos humanos eram as universidades que ofereciam
Engenharia Aeronáutica como ênfase dentro de seu currículo de
Engenharia Mecânica (USP/EESC e UFMG). De qualquer forma, a
demanda técnica da empresa era muito maior do que a oferta.
Em 2001, na esteira do sucesso de vendas de seus primeiros
jatos regionais, a EMBRAER havia decidido pelo investimento estratégico na criação de um programa que viabilizasse uma entrada
contínua de engenheiros em seus quadros, não apenas para atender à demanda crescente de mercado, como também para preencher as vagas dos engenheiros mais antigos que estavam se aposentando. A demanda anual média calculada à época era de 250
engenheiros.
Após uma experiência bem-sucedida no oferecimento de cursos de treinamento isolados, a empresa estabeleceu um programa
de caráter sistemático e cunho estratégico: o Programa de Especialização em Engenharia (PEE), que iniciou suas atividades em janeiro de 2001. Através do PEE, a EMBRAER ofereceu um curso de
especialização, preparando uma turma de 165 engenheiros que
desde 2002 compõe os quadros da empresa. Neste modelo, na
— 244 —
Paulo Rizzi e Donizeti de Andrade
condição de funcionários, os participantes recebiam salários e benefícios sociais da empresa durante os 18 meses de treinamento.
Diante do alto custo desta opção, a empresa passou a procurar uma
nova alternativa. No final de 1998, CAPES reconheceu uma nova
modalidade de programa de Pós-Graduação stricto-sensu, a que
denominou de Mestrado Profissional (CAPES, 1998), tendo, a seguir, estabelecido parâmetros para a análise dos respectivos projetos
(CAPES, 2002). A regulamentação dessa modalidade de pós-graduação e a necessidade de formar profissionais para suprir seus
quadros de engenheiros com conhecimento aeronáutico, incentivaram o desenvolvimento de uma parceria entre o ITA e a
EMBRAER para, em 2002, criar um Programa de Mestrado Profissional em Engenharia Aeronáutica.
2. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO PROGRAMA
Desde o início, o programa foi concebido tendo por linha mestra a oferta de um elevado padrão técnico e acadêmico aliado ao
contato com profissionais experientes da área de projetos aeronáuticos. A meta era preparar engenheiros recém-formados para a
EMBRAER, utilizando uma estratégia de aprendizado acelerado,
em sintonia com as reais necessidades da empresa.
Algumas das características principais do programa são:
• Processo seletivo altamente competitivo: participam engenheiros de todo o País (similar ao que se passa para a admissão dos alunos de graduação do ITA);
• Diferencial com relação ao Mestrado Acadêmico: atendimento
da demanda específica da empresa;
• Projeto conjunto Escola/Empresa: exploração das sinergias
de ambas as instituições e o fortalecimento da cooperação já
existente;
• A questão da auto-sustentabilidade: modelo financeiro desenhado com a participação da Fundação Casimiro
Montenegro Filho (FCMF);
• Aluno bolsista: uma vez selecionado, o engenheiro se torna
aluno de Mestrado em período integral, recebendo um auxílio financeiro da FCMF;
— 245 —
Mestrado Profissional em Engenharia Aeronáutica ITA-EMBRAER, Uma Parceria Inovadora
• A garantia, por parte da EMBRAER, de contratar todos os
que concluam com aproveitamento o programa, para trabalhar em sua área de especialização;
• Importância de se manter o “estado-da-arte”: necessidade de
investimento contínuo para utilização de facilidades de ensino e cooperação de instituições internacionais.
Particularmente com relação ao “modus operandi” para implementar e manter o “estado-da-arte”, o Programa de Mestrado Profissional em Engenharia Aeronáutica ITA-EMBRAER é caracterizado
pelo ministério de aulas presenciais e por video-conferências, “elearning” com utilização de biblioteca virtual. Existe um acompanhamento individualizado, sendo que se espera que o aluno
“aprenda fazendo”. É importante notar que algumas dessas características, que não são mesmo encontradas em qualquer outro programa de mestrado profissionalizante no país, tornam este programa
marcadamente distinto do programa de mestrado acadêmico.
3. ESTRUTURA CURRICULAR, FASES E CARREIRAS PROFISSIONAIS
O Programa, desde o seu início, esteve estruturado em 3 fases,
além de um período de Integração, onde os alunos são levados a
conhecer e a se familiarizar com a EMBRAER e o ITA.
Fase de Integração
Figura 1 — Estrutura de fases do programa de Mestrado Profissional
em Engenharia Aeronáutica, ITA-EMBRAER.
— 246 —
Paulo Rizzi e Donizeti de Andrade
Esta fase envolve aproximadamente uma semana, quando o aluno recém-chegado se familiariza com o ITA e a EMBRAER por meio
de visitas às respectivas instalações, encontros com profissionais e
professores, palestras.
Fase 1
Esta fase contém um conjunto de disciplinas obrigatórias para
todos os alunos, voltadas para o conhecimento de Engenharia Aeronáutica e matérias básicas de Engenharia Eletrônica e de Sistemas. Isso se faz necessário uma vez que os alunos recém-chegados
são engenheiros formados em diversas áreas da engenharia que
não a de Engenharia Aeronáutica. Do ponto-de-vista da formação
profissional, a EMBRAER ministra uma série de palestras e cursos
que servem para apresentar ao aluno o contexto da empresa e seus
diversos envolvimentos na engenharia e nos negócios. O ITA tem a
responsabilidade de ministrar 236 horas-aula em 21 semanas. A
EMBRAER ministra 360 horas-aula em 24 semanas.
Fase 2
Atendendo à necessidade da Diretoria de Engenharia da
EMBRAER, os alunos são divididos em dois grupos: MecânicaAeronáutica e Sistemas. Dentro do grupo de Mecânica-Aeronáutica existem as carreiras de Aerodinâmica e de Cargas & Estruturas.
Dentro do grupo de Sistemas, as carreiras são as de Sistemas EletroEletrônicos & Aviônicos e Sistemas Mecânicos (Interiores, Propulsão e Ambientais).
Esta fase é subdividida em duas (2A e 2B) sendo que, para cada
carreira, são fixadas disciplinas obrigatórias. O ITA tem a responsabilidade de ministrar 720 horas-aula em 23 semanas. A EMBRAER
ministra 292 horas-aula em 14 semanas.
Fase 3
Como parte da Fase 3 do Programa, os alunos são divididos em
times de projeto e se envolvem com projetos conceituais de aeronaves especificados pela Diretoria Técnica de Engenharia da
EMBRAER. Para a empresa, podem ser destacados dois pontos
importantes: (1) comunalidade dos projetos sendo concebidos, com
as aeronaves presentes em seu portfólio de produtos; e (2) inova— 247 —
Mestrado Profissional em Engenharia Aeronáutica ITA-EMBRAER, Uma Parceria Inovadora
ção tecnológica. Durante essa fase os alunos são continuamente
supervisionados e observados em suas habilidades técnicas,
comportamentais, de trabalho em equipes, e de liderança. Para
cumprir o requisito de alto padrão técnico exigido nos projetos, a
coordenação de projeto é composta por engenheiros seniores da
EMBRAER e por um time de consultores internacionais com experiência industrial, que colaboram com a empresa. Essa parte do
Programa é chamada de Estágio Profissional e se caracteriza pela
dedicação em tempo integral dos alunos aos projetos. O cumprimento dessa fase corresponde a 6 créditos dentro do Programa.
Em particular, para a Turma 8 do PEE são estimadas 484 horas de
trabalho de envolvimento com o projeto.
Simultaneamente ao Estágio Profissional, cada aluno, individualmente, dedica-se à pesquisa para o preparo de sua Dissertação
de Mestrado. A orientação dessa dissertação é realizada por um
professor docente do ITA, sendo que pode haver co-orientação de
um especialista da EMBRAER. Os temas das dissertações podem
ser originados na empresa ou propostos pelos professores do ITA.
Uma vez concluída a dissertação o aluno a defende perante uma
banca examinadora. A Figura 2 resume os envolvimentos na Fase 3
do Programa.
Durante a Fase 3 também são ministradas disciplinas sob coordenação operacional da EMBRAER (600 h.a.)
Figura 2 — Sistemática para a Fase 3
— 248 —
Paulo Rizzi e Donizeti de Andrade
3.1 Disciplinas sob a Coordenação Operacional do ITA:
Fase 1 (13,5 créditos):
AA-701 Aerodinâmica
28 h.a.
AB-711 Desempenho de Aeronaves
48 h.a.
AE-701 Estruturas Aeronáuticas
28 h.a.
AB-712 Dinâmica e Estabilidade de Aeronaves
28 h.a
AP-701 Fundamentos de Projetos de Aeronaves
28 h.a.
AB-717 Introdução aos Sistemas de Controle
28 h.a.
MP-720 Introdução aos Sistemas de Controle Moderno 48 h.a.
Fase 2 (15 Créditos):
Grupo: MECÂNICA-AERONÁUTICA
Fase 2A: disciplinas obrigatórias para todos do Grupo
AA-702 Aerodinâmica Básica
48 h.a.
AE-704 Fadiga em Estruturas Aeronáuticas
48 h.a.
AE-712 Inrodução à Aeroelasticidade e Cargas
48 h.a.
Fase 2B: disciplinas obrigatórias para a Carreira em Aerodinâmica
AA-703 Aerodinâmica Aplicada
48 h.a.
AA-706 Projeto Aerodinâmico
48 h.a.
Fase 2B: disciplinas oferecidas para os alunos da Carreira em Estruturas e Cargas — são escolhidas 2 das seguintes disciplinas
AE-702 Análise de Estruturas Aeronáuticas
48 h.a.
AE-703 Estabilidade de Estruturas Aeronáuticas
48 h.a.
AE-705 Elementos Finitos e Modelamento Estrutural 48 h.a.
Grupo: SISTEMAS
Fase 2A: disciplinas obrigatórias para todos do Grupo
AB-714 Simulação e Controle de Aeronaves I
48 h.a.
ME-705 Sistemas de Controle de Ambiente
48 h.a.
MP-722 Projeto de Sistemas Aeronáuticos de Controle 48 h.a.
Fase 2B: disciplinas obrigatórias para a Carreira em Sistemas Mecânicos
AB-715 Simulação e Controle de Aeronaves I
48 h.a.
MP-724 Sistemas Hidráulicos de Controle
48 h.a.
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Mestrado Profissional em Engenharia Aeronáutica ITA-EMBRAER, Uma Parceria Inovadora
Fase 2B: disciplinas obrigatórias para a Carreira em Sistemas Eletroeletrônicos e Aviônica
EA-704 Fundamentos de Sistemas Elétricos
48 h.a.
ET-708 Sistemas de Comunicação Digital e Rádio-Navegação
48 h.a.
Fase 3 (6 Créditos): Estágio Profissional
3.2 Disciplinas sob a Coordenação Operacional da EMBRAER:
Fase 1:
Palestra História do Vôo
Palestra Evolução Tecnológica
Aculturamento Aeronáutico (vídeos e palestras)
Fundamentos da Engenharia Aeronáutica
Introdução a Sistemas de Aeronaves
Cargas
Introdução à Engenharia de Requisitos
Safety Assessment — Parte 1
Metalização e Proteção Contra Raios
Certificação (Produto, Empresa, Operações)
Landing Gear Design
Reparos Estruturais
Materiais Aeronáuticos
Pilotagem e Guiagem Fly-by-Wire
Introdução a Human Factors
Fisiologia Aeronáutica
Propulsão Básico
Ruído e Vibração
8 h.a.
4 h.a.
12 h.a.
24 h.a.
52 h.a.
24 h.a.
12 h.a.
20 h.a.
8 h.a.
16 h.a.
16 h.a.
8 h.a.
12 h.a.
40 h.a.
4 h.a.
8 h.a.
28 h.a.
12 h.a.
Fase 2:
Fase 2A: disciplinas para todos os alunos
Safety Assessment — Parte 2
Projeto de Aeronaves Supersônicas
20 h.a.
20 h.a
Fase 2A: disciplina para os alunos do Grupo de MECÂNICAAERONÁUTICA
Tópicos Especiais Cargas/Aeroelasticidade
20 h.a.
Simuladores e Simulação
24 h.a.
— 250 —
Paulo Rizzi e Donizeti de Andrade
Fase 2A: disciplinas para os alunos do Grupo de SISTEMAS
Sistema de Retração de Trem-de-Pouso
12 h.a.
Sistemas Computacionais Embarcados
12 h.a.
Interoperabilidade de Sistemas
8 h.a.
Certificação de Software
8 h.a.
Fase 2B: disciplinas para os alunos da Carreira de Aerodinâmica
Ferramentas Computacionais para Projeto Aeronáutico 20 h.a
MDO
16 h.a.
Fase 2B: disciplinas para os alunos da Carreira de Cargas/Estruturas
Materiais Compósitos
32 h.a.
Fase 2B: disciplinas para os alunos da Carreira de Sistemas
Eletro-Eletrônicos & Aviônicos
Barramentos de Dados
4 h.a.
Sistemas Elétricos/Aviônicos Embarcados
24 h.a.
Iluminação
12 h.a.
“Harware” Elétrico
12 h.a.
Fase 2B: disciplinas para os alunos da Carreira de Sistemas
Mecânicos
Rodas Freio A/S A/B
12 h.a.
Sistema de Combustível + SFAR
16 h.a.
Interiores
20 h.a.
Fase 3: disciplinas para todos os alunos
Cultura de Times
Introdução ao Projeto de Aeronaves
Engine Design: a Conceptual Approach
Gestão de projetos voltada para a Embraer
Inteligência de Mercado
Análise Financeira
Inteligência Competitiva
Negócios
CATIA
Apresentação em Público
Projeto-Integração
Aviation Business / Princípios de Manutenção MSG3
— 251 —
4 h.a.
40 h.a
8 h.a.
8 h.a.
8 h.a.
12 h.a.
16 h.a.
8 h.a.
302 h.a.
8 h.a.
16 h.a.
28 h.a.
Mestrado Profissional em Engenharia Aeronáutica ITA-EMBRAER, Uma Parceria Inovadora
Disciplina para os alunos da Carreira de Aerodinâmica
Aplicação prática de Desempenho, Estabilidade e Controle 32 h.a.
Disciplina para os alunos da Carreira de Estrutura & Cargas
NASTRAN
24 h.a.
Disciplinas para os alunos da Carreira de Sistemas EletroEletrônicos & Aviônicos
Arquitetura de Sistemas Aviônicos
12 h.a.
Sistemas de Entretenimento de PAX
28 h.a.
Disciplinas para os alunos da Carreira de Hidromecânica
Design de Interiores
16 h.a.
Cabin Safety
20 h.a.
Sistemas de Entretenimento de PAX
28 h.a.
4. CORPO DOCENTE DO ITA E CORPO DE COLABORADORES E “STAFF” DA EMBRAER
O corpo docente do ITA participante desse programa envolve
professores das Divisões de Engenharia Aeronáutica, Engenharia
Mecânica-Aeronáutica, Engenharia Eletrônica e Engenharia de InfraEstrutura Aeronáutica. Pesquisadores de outros institutos do Centro Técnico Aeroespacial também podem integrar o Corpo Docente
do ITA como professores colaboradores. O PEE da EMBRAER possui um completo corpo de engenheiros colaboradores e um “staff”
dedicado ao programa, a maior parte de seus componentes trabalhando em período integral para esse fim. Conforme pode ser observado pelo elenco de disciplinas oferecidas pelo Programa, os
profissionais da empresa que participam do programa pertencem
às mais diferentes áreas, dentre elas: gestão de projetos,
“marketing”, comercial, finanças, aerodinâmica, mecânica do vôo,
controle, cargas, estruturas, propulsão, manutenção, “safety”, fatores humanos, propulsão, materiais, CAD-CATIA, sistemas de controle, comandos, “fly-by-wire”, trem-de-pouso e freios, materiais
avançados, processos de fabricação, elétrica e aviônicos, iluminação, certificação de sistemas, certificação de “software”, ensaios em
vôo, ensaios estruturais, interiores e ambientais, ruído e vibração.
— 252 —
Paulo Rizzi e Donizeti de Andrade
Dentre as instituições internacionais que preparam cursos e treinamentos para os alunos, sob a coordenação operacional da
EMBRAER, encontram-se: University of Cranfield (UK), EmbryRiddle Aeronautical University (USA), University of Kansas (USA),
University of Miami (USA), University of Texas (USA), TsAGI
(Russia) e Gramov FRI (Russia). Além das universidades e instituições de pesquisa, parceiros e fornecedores da empresa também
colaboram. Dentre eles destacam-se a Rolls Royce (UK), a
Honeywell (USA), a Parker (USA), a Collins (USA) e a canadense
Peter Clignett.
Na coordenação executiva do Programa encontram-se profissionais de ambas as instituições, interagindo de modo contínuo para
assegurar a logística necessária para o bom andamento das
atividades. O ponto essencial é oferecer o melhor ambiente para
que o Programa atinja seus objetivos. É muito importante que, além
da competência técnica, os alunos sejam constantemente observados em seu treinamento, capacidade de gerenciamento e de organização. Esses são pré-requisitos para se trabalhar em uma indústria altamente competitiva como a aeronáutica, onde comunicação,
atitude e trabalho em times são habilidades essenciais. Em particular, a EMBRAER como empresa tem estabelecido as seguintes
características para o perfil de seu engenheiro: visão de negócio,
foco no cliente, visão sistêmica, comunicação, relacionamento
interpessoal, ética, conhecimento organizacional, especialização
técnica, trabalhar em equipes, muldisciplinaridade.
5. ONDE O PROGRAMA SE ENCONTRA NO MOMENTO?
Até o momento, 4 turmas já concluíram o programa, e 6 turmas
estão com o curso em andamento, duas das quais, ainda em fase de
dissertação, já na empresa. A situação corrente pode ser observada
na Tabela 1.
De um total de 700 alunos que iniciaram o programa, 465 já se
encontram trabalhando na empresa. O engajamento dos alunos no
ambiente profissional antes da defesa do trabalho final de curso
tem ocorrido em função de necessidade de pessoal altamente qualificado por parte da empresa. Entretanto, conforme mostra a Tabela 1, esse fato vem causando atraso na defesa das dissertações. Um
— 253 —
Mestrado Profissional em Engenharia Aeronáutica ITA-EMBRAER, Uma Parceria Inovadora
Tabela 1 — Situação atual do Mestrado Profissional em Engenharia Aeronáutica,
ITA-EMBRAER
número substancial das dissertações dos alunos das Turmas 6 e 7
deverá ser concluído nos próximos meses, melhorando substancialmente o índice de alunos titulados.
Diversos projetos foram concebidos pelos times de alunos durante o Estágio Profissional, os quais, futuramente, poderão ser
aproveitados pelos executivos da empresa no desenvolvimento de
novos produtos. Para exemplificar, alguns projetos concebidos,
respectivamente, pelos alunos das Turmas 2, 3 e 5, são apresentados na Figura 3.
Na Figura 4 está apresentado um dos projetos que está sendo
desenvolvido atualmente pelos alunos da Turma 8. O objetivo é o
2 Jatos Executivos
(6,000 nm)
Jatos Regional
de 33 PAX
— 254 —
Treinador Militar Avançado
Paulo Rizzi e Donizeti de Andrade
2 Jatos Pessoais de 4 PAX
2 Jatos Regional 30 - 60 Pax
1 LS&T-Subsônico
Agrícola
Figura 3 — Exemplos de Projetos concebidos pelos alunos durante o
Estágio Profissional.
Jato executivo Supersônico
Figura 4 — Projeto concebido pelos alunos da Turma 8
durante o Estágio Profissional.
— 255 —
Mestrado Profissional em Engenharia Aeronáutica ITA-EMBRAER, Uma Parceria Inovadora
de treinar o engenheiro num ambiente de evolução tecnológica. O
projeto conta com a consultoria de especialistas estrangeiros com
experiência na área supersônica. Se, no futuro, a empresa vier a se
interessar em desenvolver uma aeronave deste tipo, contará com
um contingente técnico de engenharia que já foi exposto ao tema.
6. LIÇÕES APRENDIDAS
Toda a logística envolvida para sustentar a parceria ITAEMBRAER para este Programa tem propiciado novas e importantes experiências para as duas instituições. Embora tendo compartilhado por décadas o mesmo setor tecnológico, a aeronáutica, e vislumbrado os mesmos sonhos — “Tornar cada vez mais realidade o
sonho do Marechal-do-ar Casimiro Montenegro Filho, de fazer
com que o país dominasse o ciclo completo do conhecimento
aeronáutivo que precípua uma indústria aeronáutica forte” — o
ITA e a EMBRAER possuem culturas diferentes graças às diferentes missões que lhes são afeitas. A convivência diária tem demandado um número grande de envolvimentos com os quais tem se
de lidar e melhorar. Seguem-se alguns desses envolvimentos.
• Ajustes para suplantar as diferenças na dinâmica e logística
próprias de cada instituição: para uma empresa como a
EMBRAER, que compete globalmente num mercado como o
aeronáutico, tem sido difícil planejar, de forma antecipada, o
profissional específico que necessitará 17-18 meses após o início de determinada turma. Todos do meio acadêmico sabem
que levar à frente um Programa de Mestrado strictu-senso como
este exige planejamento rigoroso, especialmente quando um
grande número de alunos está envolvido.
• Um ponto-chave tem sido a implementação de um programa
que responda rapidamente às necessidades da EMBRAER, ao
mesmo tempo observando estritamente as regras da CAPES.
A manutenção dos elevados padrões em suas atividades exige uma substancial dedicação ao programa, uma vez que pro— 256 —
Paulo Rizzi e Donizeti de Andrade
fissionais dos mais diferentes níveis, da empresa, do ITA e de
outras instituições estão envolvidos.
• Esse Programa, diferentemente dos demais que são estritamente acadêmicos, têm propiciado aos professores do ITA a
oportunidade de conviver de modo próximo ao mundo real
que caracteriza uma indústria aeronáutica, mundo esse caracterizado pela sofisticação tecnológica: uma experiência
ímpar, sem dúvida.
• Na Fase 3, a meta de fazer com que o aluno desenvolva uma
Dissertação de Mestrado com tema bem próximo das
atividades que desenvolve em seu projeto na atividade de
Estágio Profissional, tem sido difícil em função das características próprias de cada uma. O trabalho desenvolvido na
fase 3 é um trabalho de engenharia desenvolvido em grupo
enquanto que a Dissertação de Mestrado é individual; também é difícil definir trabalhos que já não tenham sido abordados nas turmas anteriores, dado que todas as turmas estão envolvidas com projetos de aeronaves, freqüentemente
com características semelhantes. Daí a percentagem de dissertações defendidas em relação ao número dos que concluem o Estágio Profissional e são contratados pela EMBRAER
ainda serem bem diferentes. Por outro lado, o trabalho em
conjunto de professores do ITA e especialistas da EMBRAER
durante o envolvimento com o projeto e a produção da Dissertação de Mestrado, para oferecer ao aluno a adequada
supervisão, tem possibilitado aos dois grupos crescimento
acadêmico e profissional, que vão além de meros aspectos
técnicos e operacionais.
• Existe uma consciência de que este Programa, devido à sua
gênese multidisciplinar permitindo que sejam compartilhados o enorme capital técnico e a visão de negócios da
EMBRAER, possa tornar-se uma referência para futuras estratégias que visem garantir diferenciais competitivos duradouros para as indústrias aeronáutica e de defesa no Brasil,
bem como para as atividades delas decorrentes. Naturalmente
que isso demanda esforço contínuo de ambos os parceiros.
— 257 —
Mestrado Profissional em Engenharia Aeronáutica ITA-EMBRAER, Uma Parceria Inovadora
7. CONCLUSÕES
O Programa de Mestrado Profissional em Engenharia Aeronáutica nasceu da aliança entre o ITA e a EMBRAER tendo como meta
preparar profissionais altamente qualificados para indústria aeronáutica. Empresas transnacionais como a EMBRAER têm demanda constante para tornar mais exigentes seus padrões estratégicos
e operacionais bem como sua competência em termos de recursos
humanos. A imagem de marca da empresa está hoje associada a
excepcionais soluções de projeto que foram testadas ao longo dos
anos e a empresa se encontra aberta para novos programas e novas
parcerias que lhe permitam manter e aperfeiçoar suas vantagens
competitivas atuais. Para poder satisfazer a esse crítico desafio, é
estratégico fomentar, preparar e preservar uma massa crítica de
engenheiros com conhecimento aeronáutico para enfrentar os problemas de hoje e futuros. Para o ITA, esta aliança tornou-se um
marco estratégico no sentido de que, como tradicional escola de
Engenharia Aeronáutica em nosso País, passou a ter a oportunidade de ser protagonista na formação de profissionais com experiência prática, além da teórica, fato que também contribui para o aprimoramento profissional de seus professores.
Outro ponto importante é que, no momento, como política, a
EMBRAER oferece duas principais portas para a admissão de novos engenheiros: a formação em Graduação no curso de Engenharia do ITA e os graduados neste Programa de Mestrado Profissional em Engenharia Aeronáutica. Para ambos os parceiros nesta aliança existe um trabalho contínuo para aprimorar o Programa de
modo a permitir uma constante atualização técnica e prática do
conteúdo de suas disciplinas.
REFERÊNCIAS
CAPES. Parâmetros para a análise de Mestrados Profissionais. julho de
2002.
CAPES. Portaria no. 080. Reconhecimento dos Mestrados Profissionais,
16 de dezembro de 1998.
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