yahoo tonel

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yahoo tonel
ISSN 2236-4420
Características físico-químicas de cachaças artesanais envelhecidas e não envelhecidas
produzidas e comercializadas na Bahia
Jorge Luiz Peixoto Bispo¹; Maria das Graças Cardoso²; Felipe Cimino Duarte1; Leonardo Milani Avelar
Rodrigues1; João Guilherme Mendonça2; Adelir Aparecida Saczk2; Zuy Maria Magriotis2
¹Departamento de Ciência dos Alimentos, Universidade Federal de Lavras, CP 3037, 37200-000 Lavras - MG, Brasil. E-mail:
[email protected], [email protected], [email protected]
²Departamento de Química, Universidade Federal de Lavras, CP 3037, 37200-000 Lavras - MG, Brasil. E-mail:
[email protected], [email protected], [email protected], [email protected]
Resumo: No presente trabalho objetivou-se analisar a qualidade das cachaças artesanais envelhecidas e não
envelhecidas, produzidas nos polos de produção no Estado da Bahia e as características físico-químicas das
mesmas. As amostras foram coletadas diretamente nas cidades dos polos produtores, sendo posteriormente
submetidas às análises físico-químicas, realizadas conforme os métodos descritos pelo Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (MAPA) e os resultados foram comparados com os padrões de identidade e qualidade
da legislação vigente. Foi observado que 35,29 % das amostras apresentaram-se fora dos padrões exigidos de
qualidade, quanto ao teor alcoólico (5,88 %), acidez volátil (11,76 %), cobre (11,76 %) e sensoriais (11,76 %).
Palavras chave: qualidade, cachaça, análise físico-química, Bahia
Physico-chemical characteristics of aged and un-aged ‘cachaça’ produced and marketed in Bahia
Abstract: The present study sought to analyze the quality of aged and un-aged ‘cachaça’ (alcoholic
drink) produced in the production centers in the State of Bahia and their physico-chemical characteristics.
The samples were collected and subjected to physical and chemical analysis according to the methods described
by the Ministry of Agriculture, Livestock and Supply (MAPA) and the results were compared with the legal
standards of identity and quality. Of the samples, 35.29% were outside the required quality standards with respect
to the alcohol content (5.88%), volatile acidity (11.76%), copper concentration (11.76%) and sensory (11, 76%).
Key words: quality, cachaça, physico-chemical analyses, Bahia
Introdução
Atualmente, do ponto de vista econômico, a
cana-de-açúcar produz, açúcar, álcool, cachaça,
forragem, rapadura, melado, açúcar mascavo, entre
outros (Andrade, 2006). A produção brasileira de
aguardente de cana e de cachaça é de 1,5 bilhão de
litros anuais, representando 87 % da produção
nacional de bebidas alcoólicas destiladas (Alcarde et
al., 2010).
Na Bahia, a cachaça nasceu no Recôncavo
baiano
e,
atualmente,
o
Estado
produz
aproximadamente 60 milhões de litros por ano, se
posicionando como o segundo maior produtor de
cachaça artesanal de alambique no Brasil (BAHIA,
2008). Ficou somente atrás do Estado de Minas
Gerais que com 230 milhões de litros por ano, sendo
assim o líder de mercado no País (SEBRAE, 2008). A
cachaça é a denominação típica e exclusiva da
aguardente de cana produzida no Brasil, com
graduação alcoólica de 38 % a 48 % v/v, a 20 °C,
obtida pela destilação do mosto fermentado de canade-açúcar com características sensoriais peculiares,
-1
podendo ser adicionada de açúcares até 6 g L ,
expressos em sacarose (Brasil, 2009).
O Estado da Bahia, apesar de ser o segundo
maior produtor nacional de cachaça de alambique,
ainda existe na literatura uma escassez de
informação do perfil da qualidade das cachaças
produzidas na região, mesmo assim, o estado
continua com um crescimento ativo na produção e
comercialização da cachaça em todo o território
nacional. Diante do exposto, o presente trabalho teve
o objetivo de analisar sensorial e fisico-quimicamente
a qualidade das cachaças artesanais envelhecidas e
não envelhecidas, produzidas em treze polos de
produção no Estado da Bahia.
Magistra, Cruz das Almas-BA, v. 24, n. 3, p. 173-180, jul./set. 2012.
Bispo et al.
Material e Métodos
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odor e sabor), teor alcoólico, acidez volátil, ésteres,
aldeídos, furfural, álcoois superiores, metanol,
congêneres (somatório de acidez volátil, ésteres,
aldeídos, furfural e álcoois superiores), cobre, extrato
seco e açúcares totais. As amostras 1, 3, 5, 6, 8, 10,
11, 13 e 15 correspondem as envelhecidas e as
amostras 2, 4, 7, 9, 12, 14, 16 e 17 as não
envelhecidas.
Para
análise
estatística,
o
delineamento
experimental
foi
inteiramente
casualizado com 17 amostras e 3 repetições.
As amostras foram coletadas diretamente nas
cidades produtoras, variando entre as cachaças, a
linha Envelhecida e a linha Tradicional, totalizando 17
amostras, sendo 9 envelhecidas e 8 não
envelhecidas, que estavam identificadas com a marca
do produto, a cidade onde foi produzida e a data de
coleta. Todas as amostras foram provenientes de
alambiques registrados. As amostras foram
encaminhadas para o Laboratório de Análise FísicoQuímica de Aguardentes (LAFQA) do Departamento
de Química da Universidade Federal de Lavras –
UFLA, onde as análises foram realizadas segundo os
parâmetros estabelecidos pela Instrução Normativa nº
13, de 29/06/2005 do MAPA, sendo elas: análise
sensorial (aspecto, coloração, limpidez, vazamento,
Resultados e Discussão
Os resultados das análises físico-químicas das
amostras estão apresentados nas Tabelas 1 e 2.
Tabela 1 - Resultados das análises físico-químicas de teor alcoólico, acidez volátil, ésteres, aldeídos, furfural e
álcoois superiores, das cachaças envelhecidas e não envelhecidas comercializadas na Bahia.
Amostras
Teor alcoólico
1
Acidez volátil
2
Ésteres
2
Aldeídos
2
Furfural
2
Álcoois
2
superiores
1
40,90±0,05de
109,98±0,15g
83,88±2,04e
15,23±0,12b
0,48±0,03efg
302,47±8,11a
2
39,02±0,07i
49,95±0,09k
33,82±2,31j
11,65±0,12cde
0,24±0,04gh
276,46±1,61b
3
39,10±0,03i
92,03±0,07hi
74,24±2,31f
12,77±0,15c
0,88±0,07d
250,28±15,79cd
4
40,32±0,02fgh
119,0±0,04f
85,09±2,15e
8,77±0,14gh
2,76±0,04a
251,73±6,03cd
5
41,81±0,01c
132,69±0,02d
126,24±0,02c 17,98±0,80a
1,67±0,01c
250,40±7,32cd
6
41,84±0,54c
127,25±3,43e
88,25±3,07e
0,33±0,18fgh
281,82±4,33ab
7
41,95±0,08c
89,36±0,16i
62,91±0,11gh 9,76±0,12efg
0,38±0,0efgh
245,06±0,95cde
8
40,70±0,09ef
215,53±2,29a
188,04±2,55ª
1,49±0,01c
141,62±9,34g
9
40,39±0,02fgh
165,20±1,79b
135,03±0,05b 7,50±1,67h
2,50±0,03ab
96,71±3,20h
10
40,59±0,05efg
38,79±1,80l
34,68±0,04j
18,94±0,67a
0,13±0,03h
261,86±2,57bc
11
40,20±0,02gh
117,49±1,94f
85,34±6,51e
10,75±0,41def
0,47±0,01efg
224,31±5,56e
12
40,08±0,00h
148,05±0,00c
123,12±1,09c 13,00±0,57c
2,35±0,27b
178,95±2,17f
13
40,28±0,13fgh
132,59±0,43d
66,14±3,47g
3,93±1,11i
0,55±0,11ef
244,43±14,49cde
14
43,77±0,15b
64,40±0,22j
56,87±1,19h
10,09±0,22efg
0,53±0,01ef
238,19±6,79de
15
37,47±0,07j
95,03±0,16h
64,10±3,39gh 12,10±0,02cd
0,56±0,06ef
264,49±6,55bc
16
41,20±0,01d
50,41±0,01k
44,52±2,11i
0,67±0,13de
226,46±6,23e
17
45,09±0,11a
131,60±0,32d
100,72±1,69d 10,30±0,23defg
0,28±0,01fgh
111,40±2,97h
9,26±0,52fgh
15,03±1,0b
13,48±0,28bc
Resultados em destaque se encontram fora dos padrões de identidade e qualidade de cachaça, regulamentada pela Instrução
1
2
-1
Normativa nº 13, de 29 de junho de 2005. (% v/v 20 °C) (mg 100 mL álcool anidro). As médias na mesma coluna seguidas
de mesma letra são iguais entre si pelo teste de Tukey a 5 % de significância.
46
Magistra, Cruz das Almas-BA, v. 24, n. 3, p. 173-180, jul./set. 2012.
Bispo et al.
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Tabela 2 - Resultados das análises físico-químicas de metanol, congêneres, cobre, extrato seco e açúcares totais,
das cachaças envelhecidas e não envelhecidas comercializadas na Bahia.
Amostras
1
Metanol
1
2,64±0,53ab
Congêneres
1
2
Cobre
3
Extrato seco
Açúcares totais
512,04±10,15b
2,67±0,07f
0,57±0,0c
0,55±0,02de
372,11±3,85f
3,69±0,05d
0,06±0,0q
0,53±0,0de
0,53±0,0d
0,48±0,0e
2
nd
3
6,32±0,0a
430,20±18,39de
11,19±0,18a
4
4,22±0,0ab
467,34±8,23c
0,04±0,0l
0,24±0,0l
0,53±0,0de
5
nd
528,98±6,56b
2,34±0,02g
0,42±0,0g
0,67±0,0cd
6
nd
506,92±5,04b
0,36±0,02jk
0,28±0,0k
0,82±0,0abc
7
nd
407,47±0,79e
0,27±0,01k
0,16±0,0o
0,58±0,0de
561,71±3,48a
3,81±0,01d
0,52±0,0e
0,82±0,0abc
406,94±3,25e
4,75±0,04c
0,13±0,0p
0,96±0,0a
354,38±4,97fg
1,99±0,01h
0,36±0,0i
0,82±0,0abc
438,36±0,56d
3,37±0,03e
0,39±0,0h
0,79±0,0bc
8
9
10
11
2,64±0,0ab
nd
1,05±0,0ab
nd
12
1,82±0,0ab
465,48±4,10c
1,18±0,01i
0,36±0,0j
0,82±0,14abc
13
2,73±0,0ab
447,65±17,38cd
4,84±0,0c
0,50±0,0f
0,82±0,0abc
14
1,82±0,0ab
370,08±7,96f
6,69±0,02b
0,17±0,0n
0,74±0,12bc
15
0,91±0,0ab
436,28±3,41d
1,31±0,01i
5,70±0,0a
0,86±0,05ab
16
0,91±0,0ab
335,53±7,91g
0,48±0,03j
5,28±0,0b
0,74±0,07bc
354,31±1,39fg
3,79±0,05d
0,23±0,0m
0,82±0,0abc
17
nd
3
Resultados em destaque se encontram fora dos padrões de identidade e qualidade de cachaça, regulamentada pela Instrução
1
-1
2
-1 3
-1
Normativa nº 13, de 29 de junho de 2005. (mg 100 mL álcool anidro) (mg L ) (g L ) Congêneres = acidez volátil + ésteres +
aldeídos + furfural + alcoóis superiores. nd = não detectado. As médias na mesma coluna seguidas de mesma letra são iguais
entre si pelo teste de Tukey a 5 % de significância.
46
reação entre os álcoois e os ácidos presentes na
Apenas as amostras 3 (envelhecida) e 16 (não
bebida. Tais compostos juntamente com os álcoois
envelhecida) foram reprovadas quanto a análise
superiores, aldeídos e ácidos, são responsáveis pela
sensorial, por conterem material estranho no
formação do sabor e aroma da mesma, compondo
conteúdo do produto e não apresentarem aparência
assim, o chamado flavour ou buquê da aguardente.
característica de cachaça.
Os valores de teor alcoólico das cachaça
Vários componentes das aguardentes têm suas
variaram entre 37,47 e 45,09 % v/v de álcool etílico a
concentrações modificadas durante o envelhecimento
20 °C, apresentando um valor médio de 40,86 % v/v
devido à evaporação parcial do etanol e da água,
de álcool etílico a 20 °C, permanecendo dentro dos
sendo comuns perdas de álcool em torno de 3 a 4 %
limites legais que é de 38 a 48 %. A única amostra
ao ano (Miranda et al., 2006; Parazzi et al., 2008).
fora dos padrões estabelecidos pelo MAPA foi a 15
De acordo com Cantão et al. (2010), uma das
com 37,47 % de álcool v/v, sendo esta uma cachaça
possíveis causas para uma cachaça ou aguardente
envelhecida. Essa redução na concentração de álcool
com grau alcoólico abaixo do limite permitido é a
pode estar relacionada com a possibilidade de perda
prática de longas esperas do mosto antes da
de álcool pelos poros da madeira do tonel, que pode
destilação. Este procedimento acarreta perdas por
ser influenciada pela temperatura e umidade do ar.
evaporação do álcool.
Segundo (Cardello e Faria, 1998, Pereira et al 2003),
O limite da acidez volátil estabelecido pela
durante o envelhecimento da bebida podem ocorrer
legislação para bebida alcoólica é de 150,0 mg de
uma redução na graduação alcoólica devido a
ácido acético por 100 mL de álcool anidro e o valor
-1
reações de esterificação e oxidação durante o
médio encontrado foi de 110,55 mg 100 mL para as
processo, contribuindo para a melhoria da qualidade
amostras analisadas. No entanto, as concentrações
sensorial do produto. Nas bebidas que passam pelo
de ácido em duas amostras foram acima do permitido
processo de maturação ou envelhecimento um
na legislação, a amostra 8 que é envelhecida e a
exemplo são os ésteres, formados por meio da
amostra 9 que é tradicional, com valores de 215,53 e
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Bispo et al.
-1
165,20 mg 100 mL , respectivamente. O aumento da
acidez volátil da aguardente envelhecida deve-se à
reação de oxidação do etanol, formando o
acetaldeído como intermediário e, posteriormente, o
ácido acético (Reazin, 1981; Litchev, 1989).
Bogusz Júnior e Ketzer (2006) demostraram
que altos teores de acidez volátil revelam uma falta
de conhecimentos técnicos por parte dos produtores
destas amostras, podendo ser o caso da amostra 9
(tradicional). Para Cardoso (2006) a acidez volátil da
cachaça depende de fatores como o adequado
controle do tempo e da temperatura durante o
processo fermentativo, tipo de levedura utilizada,
manejo do mosto e, principalmente, higiene no
processo de fabricação, sendo confirmado por Vilela
et al. (2007) que afirmam que uma alta concentração
de acidez volátil pode ser reflexo de uma má
fermentação ou má higienização do alambique.
Além disso, para a cachaça envelhecida em
barris ou toneis de madeira, alguns compostos
oriundos da madeira, tais como ácidos orgânicos não
voláteis, componentes secundários, taninos e
compostos fenólicos, favorecem o aumento da acidez
da aguardente em envelhecimento. Isso não
desqualifica o produto no aspecto sensorial pelo
conjunto agradável que forma com outros
componentes, portanto a acidez volátil é um
importante
parâmetro
correlacionado
às
características sensoriais de bebidas destiladas (Boza
e Horii, 1998; Alcarde et al., 2010).
Os resultados obtidos para ésteres das
amostras estão expressos em mg de acetato de etila
por 100 mL de álcool anidro. O valor médio das
-1
amostras foi de 85,47 mg 100 mL , nenhuma das
amostras analisadas excedeu o limite estabelecido
pela legislação que é de 200,0 mg de ácido acético
por 100 mL de álcool anidro.
A principal origem dos ésteres está no
metabolismo secundário intracelular das leveduras
durante a fermentação alcoólica e a concentração
final dos ésteres é dependente da concentração dos
alcoóis e da acil-CoA produzidos pela levedura
176
(Parazzi et al., 2008). A formação dos ésteres
também ocorre durante a destilação e no
envelhecimento via reação química direta entre
ácidos e álcoois, porém, em escala bem menor que a
via enzimática (Nóbrega, 2003). Em amostras de
cachaças analisadas por Vilela et al. (2007), não
foram encontradas concentrações de ésteres acima
do limite permitido, sendo um resultado esperado
devido às amostras serem recém- destiladas.
Fazendo uma associação entre os valores de
acidez volátil e ésteres das amostras analisadas,
pode-se perceber, na Figura 1, uma tendência
correlacionada entre os resultados. Essa correlação
deve-se à reação entre o ácido acético e o álcool
etílico na formação do acetato de etila, o qual
representa aproximadamente 80 % de todos os
ésteres da cachaça (Parazzi et al., 2008). Em baixas
concentrações, proporciona um aroma agradável de
frutas, porém, em grandes quantidades, confere à
bebida um sabor enjoativo e indesejado.
Em relação à concentração dos aldeídos,
-1
encontrou-se um valor médio de 11,80 mg 100 mL ,
sendo que o limite máximo permitido na bebida é de
30,0 mg de aldeído acético por 100 mL de álcool
anidro. Nenhuma das amostras analisadas excedeu
os limites de aldeídos no entanto, observou-se que
aquelas que apresentaram os maiores teores foram
as amostras 1, 5, 8 e 10, com teores de 15,23, 17,98,
-1
15,03 e 18,94 mg 100 mL , respectivamente, sendo
estas, cachaças envelhecidas, o que pode ser
explicado pela incorporação gradual dos compostos
fenólicos da madeira à bebida, como o siringaldeído,
coniferaldeído, sinapaldeído, vanilina e outros. Dentre
os compostos tóxicos estão o formaldeído e o
benzaldeído. Estes compostos fazem parte da fração
orgânica da bebida e sua produção pode ser
influenciada pela cana-de-açúcar, pela fermentação,
pelo método de destilação e pelo envelhecimento
(Siabald et al., 2002; Cardoso, 2006).
Magistra, Cruz das Almas-BA, v. 24, n. 3, p. 173-180, jul./set. 2012.
Bispo et al.
177
Figura 1 - Histograma da relação entre os teores de acidez volátil e ésteres nas amostras de cachaça
A lignina da madeira tem uma estreita relação
com o desenvolvimento de aroma e sabor nos
destilados envelhecidos, porque libera ácidos e
aldeídos aromáticos para a bebida durante o período
de envelhecimento, sendo que uma pequena fração é
solúvel e, consequentemente, extraída durante o
processo (Singleton, 1995).
Os teores de furfural nas amostras não
excederam o limite da legislação que é de 5,0 mg 100
-1
mL de álcool anidro, sendo observado um valor
-1
médio de 0,96 mg 100 mL .
O furfural, e o hidroximetilfurfural são
contaminantes orgânicos cuja presença é indesejável
na bebida. A alta temperatura associada ao baixo pH
do mosto acarreta desidratação dos açúcares e
hidrólise de polissacarídeos dos bagacilhos (celulose,
hemicelulose, pectina e outros) formando 2-furfural
(furfural) e 5 – hidroximetil – 2 - furfural
(hidroximetilfurfural). As pentoses formam furfural
como principal produto de degradação, enquanto as
hexoses formam hidroximetilfurfural. Outros fatores,
como o envelhecimento da bebida sob condições
irregulares, a adição de caramelo e pirogenização da
matéria orgânica depositada no fundo dos alambiques
também, podem contribuir para o aumento no teor
destes componentes (Zacaroni, et al., 2011).
Trabalhos de Masson et al 2007, mostram que a
queima e requeima de cana de açucar antes da
moagem, inflenciaram no aparecimento do furfural e
hidroximetilfurfural.
A legislação estabelece um limite de 360,0 mg
-1
100 mL de álcool anidro para álcois superiores
(álcoois isobutílico, isoamílico e propílico). As
cachaças analisadas não ultrapassaram o limite para
álcoois superiores, apresentando um valor médio de
-1
226,27 mg 100 mL . De acordo com Barcelos, et al,
(2007), os álcoois superirores são produtos
metábolicos decorrente de crescimento de leveduras
e aproveitamento de aminoácidos como fonte de
nutrientes amôniacais. Depende das condições do
meio de fermentação, da quantidade e viabilidade do
inóculo, da temperatura, do processo de destilação e
do teor alcoólico final da bebida.
Em relação às análises do metanol, foi
-1
encontrado um valor médio de 1,47 mg 100 mL ,
sendo que o metanol não foi detectado em algumas
amostras de cachaça. De acordo com a legislação, o
-1
teor máximo de metanol é de 20,0 mg 100 mL de
álcool anidro.
O metanol é originado pela degradação da
pectina, que é um polissacarídeo presente na cana de
açúcar. A formação do metanol é acentuada quando
a fermentação ocorre na presença de sucos, ou
polpas de frutas ricas em pectina, tais como laranja,
limão, maçã, abacaxi e outros (Valsechi, 1960;
Windholz, 1976). No organismo, o metanol é oxidado
a ácido fórmico e, posteriormente, a CO2, provocando
uma acidose grave (diminuição do pH sanguíneo),
afetando o sistema respiratório, podendo levar ao
coma e até mesmo à morte. Sua ingestão, mesmo em
quantidades reduzidas, por longos períodos de
consumo, pode ocasionar cegueira e morte (Cardoso,
2006).
Os limites mínimos e máximos para o somatório
dos valores de acidez volátil, ésteres, aldeídos,
furfural e álcoois superiores segundo a legislação,
-1
são 200,0 e 650,0 mg 100 mL de álcool anidro,
respectivametne. Todas as amostras analisadas
encontraram-se dentro dos padrões de identidade e
qualidade para cachaça, com um valor médio de
-1
435,05 mg 100 mL .
-1
Foi encontrado um valor médio de 3,10 mg L
para as análises de cobre, sendo que seus valores
-1
variaram de 0,27 a 11,19 mg L . Para a legislação
brasileira, o limite máximo para teor de cobre é 5,0
-1
mg L , assim as amostras 3 e 14 excederam os
Magistra, Cruz das Almas-BA, v. 24, n. 3, p. 173-180, jul./set. 2012.
Bispo et al.
-1
limites permitidos com 6,69 e 11,19 mg L ,
respectivamente. Em outros países como o Canadá,
-1
o limite é 2 mg L de cobre nos destilados alcoólicos
(Azevedo et al., 2003; Lima et al., 2009).
Foi comprovado que a aguardente produzida
em alambique de cobre apresenta melhor qualidade
sensorial quando comparada à produção em
alambique confeccionado com outros materiais como
aço inox, alumínio e porcelana. A utilização de
equipamentos de cobre nos alambiques é favorável
por reduzir a acidez e os níveis de aldeídos e
compostos sulfurosos, os quais conferem sabor e
odor estranhos à bebida (Cardoso et al., 2003).
Entretanto seu excesso é tóxico devido à afinidade do
cobre com grupos S-H de muitas proteínas e
enzimas, sendo este associado a varias doenças
como epilepsia, melanoma e artrite reumatoide, bem
como perda do paladar (Sargentelli, 1996). A
presença desse metal se deve a dissolução de
carbonato básico de cobre [Cu2(OH)2CO3] conhecido
vulgarmente como “azinhavre”, presente internamente
nos alambiques sendo arrastado pelos vapores
ácidos da bebida (Cardoso, 2006). Com assepsia
178
adequada do aparelho, pode-se obter aguardente
com um teor de cobre menor (Azevedo et al., 2003).
Segundo a legislação brasileira, o limite
-1
máximo para extrato seco é de 6 g L . Para cachaças
analisadas, foi encontrado um valor médio de 0,93 g
-1
L . Uma atenção especial foi dada às amostras 15
(envelhecida) e 16 (não envelhecida) que
apresentaram os maiores níveis de extrato seco,
-1
sendo 5,7 e 5,28 g L , respectivamente. Situação
semelhante ao extrato seco aconteceu para as
análises dos açúcares totais. Segundo a legislação
-1
brasileira, o limite máximo também é de 6 g L .
-1
Foram encontrados valores médios de 0,73 g L ,
estando todas as amostras dentro dos limites legais
para estes valores.
Fazendo uma correlação entre o extrato seco e
os açúcares totais Figura 2, pode-se perceber que as
amostras 15 e 16 apresentaram uma disparidade
muito grande. Isto pode ser justificado pela presença
de compostos extraídos da madeira, para cachaças
envelhecidas, ou compostos indesejáveis e não
analisados nesse trabalho, para cachaça não
envelhecida.
Figura 2 - Histograma da relação entre os teores de extrato seco e açúcares totais nas amostras de cachaça
Conclusões
De acordo com os resultados obtidos, apenas
35,29 % das amostras apresentaram-se fora dos
padrões de qualidade nacional, sendo que 11,76 %
referem-se à acidez, cobre e sensoriais e 5,88 % ao
teor alcoólico, podendo constatar que há uma
carência de conhecimento técnico dos produtores na
cadeia produtiva da cachaça, já que todas as
amostras foram oriundas de alambiques registrados.
Agradecimentos
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científica e Tecnológica (CNPq), à Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais
(FAPEMIG), pelo apoio financeiro, aos produtores
pelo fornecimento de amostras, ao Departamento de
Química da UFLA pelo suporte nas análises.
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