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ISSN 2236-4420 Características físico-químicas de cachaças artesanais envelhecidas e não envelhecidas produzidas e comercializadas na Bahia Jorge Luiz Peixoto Bispo¹; Maria das Graças Cardoso²; Felipe Cimino Duarte1; Leonardo Milani Avelar Rodrigues1; João Guilherme Mendonça2; Adelir Aparecida Saczk2; Zuy Maria Magriotis2 ¹Departamento de Ciência dos Alimentos, Universidade Federal de Lavras, CP 3037, 37200-000 Lavras - MG, Brasil. E-mail: [email protected], [email protected], [email protected] ²Departamento de Química, Universidade Federal de Lavras, CP 3037, 37200-000 Lavras - MG, Brasil. E-mail: [email protected], [email protected], [email protected], [email protected] Resumo: No presente trabalho objetivou-se analisar a qualidade das cachaças artesanais envelhecidas e não envelhecidas, produzidas nos polos de produção no Estado da Bahia e as características físico-químicas das mesmas. As amostras foram coletadas diretamente nas cidades dos polos produtores, sendo posteriormente submetidas às análises físico-químicas, realizadas conforme os métodos descritos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e os resultados foram comparados com os padrões de identidade e qualidade da legislação vigente. Foi observado que 35,29 % das amostras apresentaram-se fora dos padrões exigidos de qualidade, quanto ao teor alcoólico (5,88 %), acidez volátil (11,76 %), cobre (11,76 %) e sensoriais (11,76 %). Palavras chave: qualidade, cachaça, análise físico-química, Bahia Physico-chemical characteristics of aged and un-aged ‘cachaça’ produced and marketed in Bahia Abstract: The present study sought to analyze the quality of aged and un-aged ‘cachaça’ (alcoholic drink) produced in the production centers in the State of Bahia and their physico-chemical characteristics. The samples were collected and subjected to physical and chemical analysis according to the methods described by the Ministry of Agriculture, Livestock and Supply (MAPA) and the results were compared with the legal standards of identity and quality. Of the samples, 35.29% were outside the required quality standards with respect to the alcohol content (5.88%), volatile acidity (11.76%), copper concentration (11.76%) and sensory (11, 76%). Key words: quality, cachaça, physico-chemical analyses, Bahia Introdução Atualmente, do ponto de vista econômico, a cana-de-açúcar produz, açúcar, álcool, cachaça, forragem, rapadura, melado, açúcar mascavo, entre outros (Andrade, 2006). A produção brasileira de aguardente de cana e de cachaça é de 1,5 bilhão de litros anuais, representando 87 % da produção nacional de bebidas alcoólicas destiladas (Alcarde et al., 2010). Na Bahia, a cachaça nasceu no Recôncavo baiano e, atualmente, o Estado produz aproximadamente 60 milhões de litros por ano, se posicionando como o segundo maior produtor de cachaça artesanal de alambique no Brasil (BAHIA, 2008). Ficou somente atrás do Estado de Minas Gerais que com 230 milhões de litros por ano, sendo assim o líder de mercado no País (SEBRAE, 2008). A cachaça é a denominação típica e exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, com graduação alcoólica de 38 % a 48 % v/v, a 20 °C, obtida pela destilação do mosto fermentado de canade-açúcar com características sensoriais peculiares, -1 podendo ser adicionada de açúcares até 6 g L , expressos em sacarose (Brasil, 2009). O Estado da Bahia, apesar de ser o segundo maior produtor nacional de cachaça de alambique, ainda existe na literatura uma escassez de informação do perfil da qualidade das cachaças produzidas na região, mesmo assim, o estado continua com um crescimento ativo na produção e comercialização da cachaça em todo o território nacional. Diante do exposto, o presente trabalho teve o objetivo de analisar sensorial e fisico-quimicamente a qualidade das cachaças artesanais envelhecidas e não envelhecidas, produzidas em treze polos de produção no Estado da Bahia. Magistra, Cruz das Almas-BA, v. 24, n. 3, p. 173-180, jul./set. 2012. Bispo et al. Material e Métodos 174 odor e sabor), teor alcoólico, acidez volátil, ésteres, aldeídos, furfural, álcoois superiores, metanol, congêneres (somatório de acidez volátil, ésteres, aldeídos, furfural e álcoois superiores), cobre, extrato seco e açúcares totais. As amostras 1, 3, 5, 6, 8, 10, 11, 13 e 15 correspondem as envelhecidas e as amostras 2, 4, 7, 9, 12, 14, 16 e 17 as não envelhecidas. Para análise estatística, o delineamento experimental foi inteiramente casualizado com 17 amostras e 3 repetições. As amostras foram coletadas diretamente nas cidades produtoras, variando entre as cachaças, a linha Envelhecida e a linha Tradicional, totalizando 17 amostras, sendo 9 envelhecidas e 8 não envelhecidas, que estavam identificadas com a marca do produto, a cidade onde foi produzida e a data de coleta. Todas as amostras foram provenientes de alambiques registrados. As amostras foram encaminhadas para o Laboratório de Análise FísicoQuímica de Aguardentes (LAFQA) do Departamento de Química da Universidade Federal de Lavras – UFLA, onde as análises foram realizadas segundo os parâmetros estabelecidos pela Instrução Normativa nº 13, de 29/06/2005 do MAPA, sendo elas: análise sensorial (aspecto, coloração, limpidez, vazamento, Resultados e Discussão Os resultados das análises físico-químicas das amostras estão apresentados nas Tabelas 1 e 2. Tabela 1 - Resultados das análises físico-químicas de teor alcoólico, acidez volátil, ésteres, aldeídos, furfural e álcoois superiores, das cachaças envelhecidas e não envelhecidas comercializadas na Bahia. Amostras Teor alcoólico 1 Acidez volátil 2 Ésteres 2 Aldeídos 2 Furfural 2 Álcoois 2 superiores 1 40,90±0,05de 109,98±0,15g 83,88±2,04e 15,23±0,12b 0,48±0,03efg 302,47±8,11a 2 39,02±0,07i 49,95±0,09k 33,82±2,31j 11,65±0,12cde 0,24±0,04gh 276,46±1,61b 3 39,10±0,03i 92,03±0,07hi 74,24±2,31f 12,77±0,15c 0,88±0,07d 250,28±15,79cd 4 40,32±0,02fgh 119,0±0,04f 85,09±2,15e 8,77±0,14gh 2,76±0,04a 251,73±6,03cd 5 41,81±0,01c 132,69±0,02d 126,24±0,02c 17,98±0,80a 1,67±0,01c 250,40±7,32cd 6 41,84±0,54c 127,25±3,43e 88,25±3,07e 0,33±0,18fgh 281,82±4,33ab 7 41,95±0,08c 89,36±0,16i 62,91±0,11gh 9,76±0,12efg 0,38±0,0efgh 245,06±0,95cde 8 40,70±0,09ef 215,53±2,29a 188,04±2,55ª 1,49±0,01c 141,62±9,34g 9 40,39±0,02fgh 165,20±1,79b 135,03±0,05b 7,50±1,67h 2,50±0,03ab 96,71±3,20h 10 40,59±0,05efg 38,79±1,80l 34,68±0,04j 18,94±0,67a 0,13±0,03h 261,86±2,57bc 11 40,20±0,02gh 117,49±1,94f 85,34±6,51e 10,75±0,41def 0,47±0,01efg 224,31±5,56e 12 40,08±0,00h 148,05±0,00c 123,12±1,09c 13,00±0,57c 2,35±0,27b 178,95±2,17f 13 40,28±0,13fgh 132,59±0,43d 66,14±3,47g 3,93±1,11i 0,55±0,11ef 244,43±14,49cde 14 43,77±0,15b 64,40±0,22j 56,87±1,19h 10,09±0,22efg 0,53±0,01ef 238,19±6,79de 15 37,47±0,07j 95,03±0,16h 64,10±3,39gh 12,10±0,02cd 0,56±0,06ef 264,49±6,55bc 16 41,20±0,01d 50,41±0,01k 44,52±2,11i 0,67±0,13de 226,46±6,23e 17 45,09±0,11a 131,60±0,32d 100,72±1,69d 10,30±0,23defg 0,28±0,01fgh 111,40±2,97h 9,26±0,52fgh 15,03±1,0b 13,48±0,28bc Resultados em destaque se encontram fora dos padrões de identidade e qualidade de cachaça, regulamentada pela Instrução 1 2 -1 Normativa nº 13, de 29 de junho de 2005. (% v/v 20 °C) (mg 100 mL álcool anidro). As médias na mesma coluna seguidas de mesma letra são iguais entre si pelo teste de Tukey a 5 % de significância. 46 Magistra, Cruz das Almas-BA, v. 24, n. 3, p. 173-180, jul./set. 2012. Bispo et al. 175 Tabela 2 - Resultados das análises físico-químicas de metanol, congêneres, cobre, extrato seco e açúcares totais, das cachaças envelhecidas e não envelhecidas comercializadas na Bahia. Amostras 1 Metanol 1 2,64±0,53ab Congêneres 1 2 Cobre 3 Extrato seco Açúcares totais 512,04±10,15b 2,67±0,07f 0,57±0,0c 0,55±0,02de 372,11±3,85f 3,69±0,05d 0,06±0,0q 0,53±0,0de 0,53±0,0d 0,48±0,0e 2 nd 3 6,32±0,0a 430,20±18,39de 11,19±0,18a 4 4,22±0,0ab 467,34±8,23c 0,04±0,0l 0,24±0,0l 0,53±0,0de 5 nd 528,98±6,56b 2,34±0,02g 0,42±0,0g 0,67±0,0cd 6 nd 506,92±5,04b 0,36±0,02jk 0,28±0,0k 0,82±0,0abc 7 nd 407,47±0,79e 0,27±0,01k 0,16±0,0o 0,58±0,0de 561,71±3,48a 3,81±0,01d 0,52±0,0e 0,82±0,0abc 406,94±3,25e 4,75±0,04c 0,13±0,0p 0,96±0,0a 354,38±4,97fg 1,99±0,01h 0,36±0,0i 0,82±0,0abc 438,36±0,56d 3,37±0,03e 0,39±0,0h 0,79±0,0bc 8 9 10 11 2,64±0,0ab nd 1,05±0,0ab nd 12 1,82±0,0ab 465,48±4,10c 1,18±0,01i 0,36±0,0j 0,82±0,14abc 13 2,73±0,0ab 447,65±17,38cd 4,84±0,0c 0,50±0,0f 0,82±0,0abc 14 1,82±0,0ab 370,08±7,96f 6,69±0,02b 0,17±0,0n 0,74±0,12bc 15 0,91±0,0ab 436,28±3,41d 1,31±0,01i 5,70±0,0a 0,86±0,05ab 16 0,91±0,0ab 335,53±7,91g 0,48±0,03j 5,28±0,0b 0,74±0,07bc 354,31±1,39fg 3,79±0,05d 0,23±0,0m 0,82±0,0abc 17 nd 3 Resultados em destaque se encontram fora dos padrões de identidade e qualidade de cachaça, regulamentada pela Instrução 1 -1 2 -1 3 -1 Normativa nº 13, de 29 de junho de 2005. (mg 100 mL álcool anidro) (mg L ) (g L ) Congêneres = acidez volátil + ésteres + aldeídos + furfural + alcoóis superiores. nd = não detectado. As médias na mesma coluna seguidas de mesma letra são iguais entre si pelo teste de Tukey a 5 % de significância. 46 reação entre os álcoois e os ácidos presentes na Apenas as amostras 3 (envelhecida) e 16 (não bebida. Tais compostos juntamente com os álcoois envelhecida) foram reprovadas quanto a análise superiores, aldeídos e ácidos, são responsáveis pela sensorial, por conterem material estranho no formação do sabor e aroma da mesma, compondo conteúdo do produto e não apresentarem aparência assim, o chamado flavour ou buquê da aguardente. característica de cachaça. Os valores de teor alcoólico das cachaça Vários componentes das aguardentes têm suas variaram entre 37,47 e 45,09 % v/v de álcool etílico a concentrações modificadas durante o envelhecimento 20 °C, apresentando um valor médio de 40,86 % v/v devido à evaporação parcial do etanol e da água, de álcool etílico a 20 °C, permanecendo dentro dos sendo comuns perdas de álcool em torno de 3 a 4 % limites legais que é de 38 a 48 %. A única amostra ao ano (Miranda et al., 2006; Parazzi et al., 2008). fora dos padrões estabelecidos pelo MAPA foi a 15 De acordo com Cantão et al. (2010), uma das com 37,47 % de álcool v/v, sendo esta uma cachaça possíveis causas para uma cachaça ou aguardente envelhecida. Essa redução na concentração de álcool com grau alcoólico abaixo do limite permitido é a pode estar relacionada com a possibilidade de perda prática de longas esperas do mosto antes da de álcool pelos poros da madeira do tonel, que pode destilação. Este procedimento acarreta perdas por ser influenciada pela temperatura e umidade do ar. evaporação do álcool. Segundo (Cardello e Faria, 1998, Pereira et al 2003), O limite da acidez volátil estabelecido pela durante o envelhecimento da bebida podem ocorrer legislação para bebida alcoólica é de 150,0 mg de uma redução na graduação alcoólica devido a ácido acético por 100 mL de álcool anidro e o valor -1 reações de esterificação e oxidação durante o médio encontrado foi de 110,55 mg 100 mL para as processo, contribuindo para a melhoria da qualidade amostras analisadas. No entanto, as concentrações sensorial do produto. Nas bebidas que passam pelo de ácido em duas amostras foram acima do permitido processo de maturação ou envelhecimento um na legislação, a amostra 8 que é envelhecida e a exemplo são os ésteres, formados por meio da amostra 9 que é tradicional, com valores de 215,53 e Magistra, Cruz das Almas-BA, v. 24, n. 3, p. 173-180, jul./set. 2012. Bispo et al. -1 165,20 mg 100 mL , respectivamente. O aumento da acidez volátil da aguardente envelhecida deve-se à reação de oxidação do etanol, formando o acetaldeído como intermediário e, posteriormente, o ácido acético (Reazin, 1981; Litchev, 1989). Bogusz Júnior e Ketzer (2006) demostraram que altos teores de acidez volátil revelam uma falta de conhecimentos técnicos por parte dos produtores destas amostras, podendo ser o caso da amostra 9 (tradicional). Para Cardoso (2006) a acidez volátil da cachaça depende de fatores como o adequado controle do tempo e da temperatura durante o processo fermentativo, tipo de levedura utilizada, manejo do mosto e, principalmente, higiene no processo de fabricação, sendo confirmado por Vilela et al. (2007) que afirmam que uma alta concentração de acidez volátil pode ser reflexo de uma má fermentação ou má higienização do alambique. Além disso, para a cachaça envelhecida em barris ou toneis de madeira, alguns compostos oriundos da madeira, tais como ácidos orgânicos não voláteis, componentes secundários, taninos e compostos fenólicos, favorecem o aumento da acidez da aguardente em envelhecimento. Isso não desqualifica o produto no aspecto sensorial pelo conjunto agradável que forma com outros componentes, portanto a acidez volátil é um importante parâmetro correlacionado às características sensoriais de bebidas destiladas (Boza e Horii, 1998; Alcarde et al., 2010). Os resultados obtidos para ésteres das amostras estão expressos em mg de acetato de etila por 100 mL de álcool anidro. O valor médio das -1 amostras foi de 85,47 mg 100 mL , nenhuma das amostras analisadas excedeu o limite estabelecido pela legislação que é de 200,0 mg de ácido acético por 100 mL de álcool anidro. A principal origem dos ésteres está no metabolismo secundário intracelular das leveduras durante a fermentação alcoólica e a concentração final dos ésteres é dependente da concentração dos alcoóis e da acil-CoA produzidos pela levedura 176 (Parazzi et al., 2008). A formação dos ésteres também ocorre durante a destilação e no envelhecimento via reação química direta entre ácidos e álcoois, porém, em escala bem menor que a via enzimática (Nóbrega, 2003). Em amostras de cachaças analisadas por Vilela et al. (2007), não foram encontradas concentrações de ésteres acima do limite permitido, sendo um resultado esperado devido às amostras serem recém- destiladas. Fazendo uma associação entre os valores de acidez volátil e ésteres das amostras analisadas, pode-se perceber, na Figura 1, uma tendência correlacionada entre os resultados. Essa correlação deve-se à reação entre o ácido acético e o álcool etílico na formação do acetato de etila, o qual representa aproximadamente 80 % de todos os ésteres da cachaça (Parazzi et al., 2008). Em baixas concentrações, proporciona um aroma agradável de frutas, porém, em grandes quantidades, confere à bebida um sabor enjoativo e indesejado. Em relação à concentração dos aldeídos, -1 encontrou-se um valor médio de 11,80 mg 100 mL , sendo que o limite máximo permitido na bebida é de 30,0 mg de aldeído acético por 100 mL de álcool anidro. Nenhuma das amostras analisadas excedeu os limites de aldeídos no entanto, observou-se que aquelas que apresentaram os maiores teores foram as amostras 1, 5, 8 e 10, com teores de 15,23, 17,98, -1 15,03 e 18,94 mg 100 mL , respectivamente, sendo estas, cachaças envelhecidas, o que pode ser explicado pela incorporação gradual dos compostos fenólicos da madeira à bebida, como o siringaldeído, coniferaldeído, sinapaldeído, vanilina e outros. Dentre os compostos tóxicos estão o formaldeído e o benzaldeído. Estes compostos fazem parte da fração orgânica da bebida e sua produção pode ser influenciada pela cana-de-açúcar, pela fermentação, pelo método de destilação e pelo envelhecimento (Siabald et al., 2002; Cardoso, 2006). Magistra, Cruz das Almas-BA, v. 24, n. 3, p. 173-180, jul./set. 2012. Bispo et al. 177 Figura 1 - Histograma da relação entre os teores de acidez volátil e ésteres nas amostras de cachaça A lignina da madeira tem uma estreita relação com o desenvolvimento de aroma e sabor nos destilados envelhecidos, porque libera ácidos e aldeídos aromáticos para a bebida durante o período de envelhecimento, sendo que uma pequena fração é solúvel e, consequentemente, extraída durante o processo (Singleton, 1995). Os teores de furfural nas amostras não excederam o limite da legislação que é de 5,0 mg 100 -1 mL de álcool anidro, sendo observado um valor -1 médio de 0,96 mg 100 mL . O furfural, e o hidroximetilfurfural são contaminantes orgânicos cuja presença é indesejável na bebida. A alta temperatura associada ao baixo pH do mosto acarreta desidratação dos açúcares e hidrólise de polissacarídeos dos bagacilhos (celulose, hemicelulose, pectina e outros) formando 2-furfural (furfural) e 5 – hidroximetil – 2 - furfural (hidroximetilfurfural). As pentoses formam furfural como principal produto de degradação, enquanto as hexoses formam hidroximetilfurfural. Outros fatores, como o envelhecimento da bebida sob condições irregulares, a adição de caramelo e pirogenização da matéria orgânica depositada no fundo dos alambiques também, podem contribuir para o aumento no teor destes componentes (Zacaroni, et al., 2011). Trabalhos de Masson et al 2007, mostram que a queima e requeima de cana de açucar antes da moagem, inflenciaram no aparecimento do furfural e hidroximetilfurfural. A legislação estabelece um limite de 360,0 mg -1 100 mL de álcool anidro para álcois superiores (álcoois isobutílico, isoamílico e propílico). As cachaças analisadas não ultrapassaram o limite para álcoois superiores, apresentando um valor médio de -1 226,27 mg 100 mL . De acordo com Barcelos, et al, (2007), os álcoois superirores são produtos metábolicos decorrente de crescimento de leveduras e aproveitamento de aminoácidos como fonte de nutrientes amôniacais. Depende das condições do meio de fermentação, da quantidade e viabilidade do inóculo, da temperatura, do processo de destilação e do teor alcoólico final da bebida. Em relação às análises do metanol, foi -1 encontrado um valor médio de 1,47 mg 100 mL , sendo que o metanol não foi detectado em algumas amostras de cachaça. De acordo com a legislação, o -1 teor máximo de metanol é de 20,0 mg 100 mL de álcool anidro. O metanol é originado pela degradação da pectina, que é um polissacarídeo presente na cana de açúcar. A formação do metanol é acentuada quando a fermentação ocorre na presença de sucos, ou polpas de frutas ricas em pectina, tais como laranja, limão, maçã, abacaxi e outros (Valsechi, 1960; Windholz, 1976). No organismo, o metanol é oxidado a ácido fórmico e, posteriormente, a CO2, provocando uma acidose grave (diminuição do pH sanguíneo), afetando o sistema respiratório, podendo levar ao coma e até mesmo à morte. Sua ingestão, mesmo em quantidades reduzidas, por longos períodos de consumo, pode ocasionar cegueira e morte (Cardoso, 2006). Os limites mínimos e máximos para o somatório dos valores de acidez volátil, ésteres, aldeídos, furfural e álcoois superiores segundo a legislação, -1 são 200,0 e 650,0 mg 100 mL de álcool anidro, respectivametne. Todas as amostras analisadas encontraram-se dentro dos padrões de identidade e qualidade para cachaça, com um valor médio de -1 435,05 mg 100 mL . -1 Foi encontrado um valor médio de 3,10 mg L para as análises de cobre, sendo que seus valores -1 variaram de 0,27 a 11,19 mg L . Para a legislação brasileira, o limite máximo para teor de cobre é 5,0 -1 mg L , assim as amostras 3 e 14 excederam os Magistra, Cruz das Almas-BA, v. 24, n. 3, p. 173-180, jul./set. 2012. Bispo et al. -1 limites permitidos com 6,69 e 11,19 mg L , respectivamente. Em outros países como o Canadá, -1 o limite é 2 mg L de cobre nos destilados alcoólicos (Azevedo et al., 2003; Lima et al., 2009). Foi comprovado que a aguardente produzida em alambique de cobre apresenta melhor qualidade sensorial quando comparada à produção em alambique confeccionado com outros materiais como aço inox, alumínio e porcelana. A utilização de equipamentos de cobre nos alambiques é favorável por reduzir a acidez e os níveis de aldeídos e compostos sulfurosos, os quais conferem sabor e odor estranhos à bebida (Cardoso et al., 2003). Entretanto seu excesso é tóxico devido à afinidade do cobre com grupos S-H de muitas proteínas e enzimas, sendo este associado a varias doenças como epilepsia, melanoma e artrite reumatoide, bem como perda do paladar (Sargentelli, 1996). A presença desse metal se deve a dissolução de carbonato básico de cobre [Cu2(OH)2CO3] conhecido vulgarmente como “azinhavre”, presente internamente nos alambiques sendo arrastado pelos vapores ácidos da bebida (Cardoso, 2006). Com assepsia 178 adequada do aparelho, pode-se obter aguardente com um teor de cobre menor (Azevedo et al., 2003). Segundo a legislação brasileira, o limite -1 máximo para extrato seco é de 6 g L . Para cachaças analisadas, foi encontrado um valor médio de 0,93 g -1 L . Uma atenção especial foi dada às amostras 15 (envelhecida) e 16 (não envelhecida) que apresentaram os maiores níveis de extrato seco, -1 sendo 5,7 e 5,28 g L , respectivamente. Situação semelhante ao extrato seco aconteceu para as análises dos açúcares totais. Segundo a legislação -1 brasileira, o limite máximo também é de 6 g L . -1 Foram encontrados valores médios de 0,73 g L , estando todas as amostras dentro dos limites legais para estes valores. Fazendo uma correlação entre o extrato seco e os açúcares totais Figura 2, pode-se perceber que as amostras 15 e 16 apresentaram uma disparidade muito grande. Isto pode ser justificado pela presença de compostos extraídos da madeira, para cachaças envelhecidas, ou compostos indesejáveis e não analisados nesse trabalho, para cachaça não envelhecida. Figura 2 - Histograma da relação entre os teores de extrato seco e açúcares totais nas amostras de cachaça Conclusões De acordo com os resultados obtidos, apenas 35,29 % das amostras apresentaram-se fora dos padrões de qualidade nacional, sendo que 11,76 % referem-se à acidez, cobre e sensoriais e 5,88 % ao teor alcoólico, podendo constatar que há uma carência de conhecimento técnico dos produtores na cadeia produtiva da cachaça, já que todas as amostras foram oriundas de alambiques registrados. Agradecimentos Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científica e Tecnológica (CNPq), à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), pelo apoio financeiro, aos produtores pelo fornecimento de amostras, ao Departamento de Química da UFLA pelo suporte nas análises. Referências ALCARDE, A. R.; SOUZA, P. A.; BELLUCO, A. E. S. Aspectos da composição química e aceitação Magistra, Cruz das Almas-BA, v. 24, n. 3, p. 173-180, jul./set. 2012. 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