Fim de jogo no Estreito de Taiwan?

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Fim de jogo no Estreito de Taiwan?
Fim de jogo no Estreito de Taiwan?
Amaury Porto de Oliveira
In June 29, 2010, delegations from the People’s Republic of China (PRC) and Republic of China (the name of the
nationalist regime established on the continent in the early twentieth century) signed in the Chinese city of
Chongquing a Framework Agreement on Economic Cooperation. With some optimism that can be viewed as
the beginning of the step that will lead to the final solution of the Question of Taiwan. The signing of the
agreement marked the end of two years of negotiations between the Chinese Association for Relations Across
the Taiwan Strait (Arats, the English acronym) and Taiwan’s Strait Exchange Foundation (SEF). The entities
concerned, formally unofficial, were created fifteen years ago, but were halted between 1997 and 2008, when
separatist tendencies prevailed in Taipei.
A 29 de junho de 2010, delegações da
República Popular da China (RPC) e da
República da China (nome do regime nacionalista criado no continente no início
do século XX) assinaram, na cidade chinesa de Chongquing, um Acordo Quadro de
Cooperação Econômica (ECFA – Economic Cooperation Framework Agreement),
que com algum otimismo pode ser visto
como o início da etapa que levará à solução final da Questão de Taiwan.
A assinatura marcou o fim de dois anos
de negociações entre a chinesa Associação
para as Relações através do Estreito de
Taiwan (Arats – Association for Relations
Across the Taiwan Straits) e a taiwanesa
Fundação para Intercâmbios no Estreito
(Sef – Straits Exchange Foundation). As
entidades em causa, formalmente não oficiais, foram criadas há quinze anos, mas
estiveram paralisadas entre 1997 e 2008,
quando predominaram em Taipé tendências independentistas. Foram os presidentes delas que assinaram o acordo de agora,
e Chongquing foi escolhida para a cerimônia de assinatura por ter sido lá que se
desenrolaram na década dos 1940, com
intermediação dos Estados Unidos, os úl-
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timos esforços de conciliação entre o Kuomintang (KMT), de Chiang Kai-shek, e as
forças de Mao Zedong, antes da fuga dos
nacionalistas para a Ilha de Formosa. O
clima para as negociações entre a Arats e a
SEF foi criado no plano governamental,
depois que a expressiva vitória eleitoral
do candidato do KMT, em março de 2008,
pôs fim a oito anos da presidência independentista de Chen Shui-bian.
Respaldadas por seus respectivos governos, a Arats e a SEF lançaram-se ao
trabalho. Duas rodadas de conversações
foram realizadas ainda em 2008 e, em abril
de 2009, os presidentes das duas associações encontraram-se na cidade chinesa de
Nanquim para assinar ajustes, como o da
conversão em voos rotineiros dos voos
charter, que já vinham sendo permitidos
entre cidades dos dois lados do Estreito. A
frequência dos voos foi aumentada de 108
para 270 por semana e seis novos destinos
Amaury Porto de Oliveira é embaixador aposentado,
membro do Gacint/IRI-USP é especialista em temas asiáticos. Em sua carreira de 45 anos, serviu em vários postos diplomáticos, entre eles, Cingapura, onde chefiou
a embaixada brasileira no período entre 1987 e 1990.
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no continente foram abertos. Assinaram-se ainda ajustes sobre serviços financeiros
e para a cooperação no combate a ações
criminosas. No mês de julho, o Ministério
de Assuntos Econômicos de Taiwan passou a aceitar requerimentos de investidores do continente, e começaram a ser
concluídos, entre repartições governamentais da China e de Taiwan, memorandos de entendimento nos terrenos financeiro e bancário. Paralelamente aos
avanços nessas diversas frentes de trabalho, ia-se perseguindo o objetivo-maior do
Acordo Quadro, que foi afinal delineado
em dezembro de 2009, num importante
encontro dos presidentes da Arats e da
SEF, na cidade taiwanesa de Taichung.
Assinaram-se ali três novos acordos: sobre
a estandardização de produtos industriais,
quarentena de alimentos e pesca.
Meu propósito neste trabalho é reconstituir, em linhas gerais, a evolução da velha Formosa, de colônia japonesa a importante centro da indústria global da
informação. Especular, em seguida, sobre
as perspectivas de fim de jogo para a
Questão de Taiwan, que possam estar sendo abertas pelo Acordo Quadro assinado
em 2010. Antes, porém, de enveredar por
esses terrenos, descreverei desenvolvimentos do último lustro, que tornaram
viável a própria conclusão do Acordo.
Um divisor de águas1
Tem-se tornado usual assinalar 2008
como momento de virada nas relações
políticas entre os dois lados do Estreito de
Taiwan, em consequência das expressivas
vitórias do KMT, tanto na eleição legislativa do mês de janeiro quanto na eleição
presidencial de março, na Ilha. É fora de
dúvida que o afastamento do poder do
Partido Democrático Progressista (PDP) e
de Chen Shui-bian ampliou as possibilida130
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des de trabalho entre Pequim e Taipé. Mas
eu tendo a datar de 2005 o divisor de
águas, opção também feita, entre outros,
pelo pesquisador britânico Dafydd Fell,
em artigo na “Asian Survey”.
Paradoxalmente, o desenvolvimento
que vejo como o acicate dos novos tempos
costuma ser citado, pela mídia ocidental,
como evidência da beligerância empedernida dos chineses continentais: a Lei Anti-Secessão, promulgada em Pequim pelo
Congresso Nacional do Povo (14/03/05).
Essa lei tornou obrigatória a intervenção
armada do governo de Pequim, se e quando os governantes de Taipé cruzarem
umas quantas linhas de comportamento,
dando passos interpretáveis, como o lançamento do processo de independência
da Ilha.
Em meados de 2005, passei dois meses
na China buscando melhorar meu entendimento dos processos em marcha, através
de entrevistas e conversas com intelectuais
chineses, correspondentes estrangeiros e
diplomatas lá em posto. Dentre os documentos que pude coletar, sem autorização
para identificar a fonte, destaco o texto de
uma conferência feita para público seleto
pelo professor Yan Xuetong, que era na
época o diretor do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade Tsinghua,
em Pequim. O Professor Yan é também um
dos líderes da chamada Nova Esquerda,
combativa tendência dentro do Partido Comunista Chinês (PCC), a qual esteve muito
por trás da elaboração e aprovação da Lei
Anti-Secessão. Na conferência mencionada, de que farei um resumo, Yan expôs com
clareza os raciocínios que explicam a Lei
Anti-Secessão, na ótica de seu grupo.
Ele começou distinguindo duas fases
no desdobramento da Questão de Taiwan.
De 1949 (criação da RPC e fuga dos nacionalistas para Taiwan) até 1992, duas autoridades políticas separadas pelo Estreito
porfiavam pelo governo de todo o territó-
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rio da China. Nos anos 1990, quando tomaram corpo as ideias de uma identidade
taiwanesa propaladas pelo presidente Lee
Teng-hui; a disputa deixou de ser pelo
governo da China para ir-se fixando na
pretensão de soberania sobre uma parcela
do território chinês.
Para os governantes de Pequim, nas
palavras do professor Yan, é aceitável que
as autoridades constituídas em Taipé reivindiquem o poder sobre a parcela de território que são capazes de governar. Negase-lhes, porém, o direito de contestar que
Taiwan é parte da China. Ninguém tem o
direito de estabelecer um novo país sobre
parte do território da China. Pequim tem
consciência de que existe aí uma situação
anômala, mas vê sua permanência como
resultado da sustentação militar dada pelos Estados Unidos ao regime de Taiwan.
Em outras palavras, a mudança de
uma disputa entre partidos pelo governo
da China para a reivindicação de soberania sobre parcela do território chinês
resultou da interferência de potência externa nos assuntos internos da China. Interferência que não teve ligação direta
com a Guerra Fria. Ao contrário, os fornecimentos de armas americanas ao regime
de Taipé aumentaram bastante após o colapso da URSS, na medida em que a China
perdeu interesse para os Estados Unidos
como auxiliar na contenção aos soviéticos.
Os dirigentes de Pequim veem a Questão de Taiwan como um remanescente da
guerra civil chinesa, dando azo à política
oficial do “Direito à Recuperação por Via
Militar”. Foi só a partir das remodelações
de Deng Xiaoping, em 1979, que se passou
a falar de “Recuperação Pacífica”. Com a
ressalva, sempre, de que essa outra posição foi elaborada na defrontação com um
adversário que disputava o direito a governar a China. Não como resposta a um
adversário que pretende assumir a soberania sobre parcela do território nacional
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chinês. Diante deste, a via pacífica só é
mantida em virtude da preocupação de
Pequim com a estabilidade da região, mas
o professor Yan insiste em que a possibilidade do recurso à via militar tem de ser
preservada, até a solução definitiva da
Questão. Para Yan, a premissa que guia os
dirigentes de Pequim é a de que o tempo
corre a favor da solução pacífica.
A China pode esperar até que surjam
as condições necessárias para uma solução negociada. O aumento dos contatos
comerciais e pessoais através do Estreito e
o fortalecimento econômico da China continental levarão, inexoravelmente, ao aparecimento de tais condições. Os membros
da “Nova Esquerda” começavam, contudo, a inquietar-se com essa tranquilidade
da parte dos dirigentes de Pequim.
O fato era, enfatizou Yan, que o tempo
não estava correndo a favor da solução
pacífica; tampouco era certo que o desenvolvimento econômico da China fosse garantir a solução negociada da Questão. O
movimento separatista surgira e crescera
em Taiwan paralelamente com a política
de abertura e desenvolvimento econômico
da RPC, e as “forças básicas” aglutinadas
nos partidos taiwaneses favoráveis à independência vinham crescendo, a cada eleição. A atitude de “espera indefinida” dos
dirigentes de Pequim aproximava-se do
seu limite, diante das evidências de que a
clique de Chen Shui-bian preparava-se
para acelerar o processo de separação, inclusive com algum feito de impacto sob a
proteção dos Jogos Olímpicos que se aproximavam. Estados Unidos e Japão tinham
todo interesse na separação da Ilha, apesar
do apoio formal de Washington ao status
quo no Estreito. Na verdade, “manter ou
alterar o status quo” reduzia-se a apoiar a
independência gradual ou imediata. Em
última análise, a política da reunificação
pacífica transmitia aos independentistas
de Taiwan e seus aliados uma imagem de
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imobilismo de Pequim, e até de aceitação
de passos mais ousados. Para manter sua
credibilidade internacional, o governo de
Pequim precisava adotar com urgência
posições mais firmes.
Tal foi a gênese da Lei Anti-Secessão, e
a principal conclusão que se tira da conferência do professor Yan é a de que os promotores desse texto legal estavam, talvez,
mais preocupados em pressionar os dirigentes de Pequim do que propriamente os
separatistas de Taipé. Hu Jintao, nomeado
secretário-geral do PCC em outubro de
2002 (XVI Congresso do PCC) e elevado à
Presidência da República na sessão de
março de 2003 do Congresso Nacional do
Povo, viu ali a oportunidade de obter a
posição que lhe faltava, de presidente da
Comissão Militar Central, o chefe supremo das Forças Armadas chinesas. No dia
13 de março de 2005, ele endossou vivamente a Lei Anti-Secessão, em discurso
claramente dirigido às “forças patrióticas”
do regime, pronunciado no CNP, onde
havia sido depositado o Projeto de Lei.2
Horas depois do discurso, Hu foi designado para a Presidência da CMC, por 2.886
votos a favor, 6 votos contra e 6 abstenções. A Lei seria aprovada no dia seguinte.
Tendo tomado em mãos a situação, Hu
contra-atacou com habilidade, convidando o líder do KMT em Taiwan, Lien Chan,
a visitá-lo em Pequim. A visita ocorreu
logo em abril, com grande impacto midiático nos dois lados do Estreito, e a Questão
de Taiwan acabou recolocada no seu antigo contexto de problema entre partidos.
A imagem televisionada do presidente
da China recebendo em Pequim o líder
do KMT, vindo direto de Taipé para esse
encontro, sacudiu o ambiente político nos
dois lados do Estreito. Era a primeira reunião pública da liderança do PCC e do
KMT, desde os idos dos anos 1940. Vários
ajustes foram assinados, no nível partidário, com relevo para um esquema de
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reuniões e consultas seguido ainda hoje.
Ainda em 2005, outras personalidades
políticas da Ilha fizeram a peregrinação
a Pequim, e foi tornando-se inviável o
plano de um referendo de cunho independentista, acalentado pelo governo de
Chen Shui-bian. Foram essas novidades
no plano de partidos que forneceram a
base para os entendimentos de governo
a governo, iniciados quando o KMT voltou ao poder em Taiwan, no ano de 2008.
O quadro histórico
Guiando-me pela periodização adotada por Edwin A. Winckler,3 cabe aqui dar
uma ideia de como Formosa (Taiwan) evoluiu na Idade Moderna. Até o início do
século XVI, a Ilha foi terra de ninguém,
entregue à sua população aborígene de
origem pouco precisa. Winckler cita, a
partir daí, três grandes eras: imperial chinesa (1500-1895); colonial japonesa (18951945), e republicana (nacionalista) chinesa
(1945-presente). Na verdade, o poder imperial chinês só se fez sentir com força em
meados do século XVII, no contexto da
derrota da dinastia Ming pelos manchus
Ching. Curiosamente, remanescentes do
poder Ming fugiram para a Ilha, onde um
deles, Koxinga, governou durante algum
tempo. Nessa era, Taiwan viveu por longos períodos na interface do mundo tradicional chinês com o nascente capitalismo
europeu, representado no caso por navegadores de grande distância portugueses,
espanhóis e holandeses. Em 1855, navegadores americanos hastearam a bandeira
dos EUA numa praça-forte em Kaohsiung
e, pouco depois, a coligação anglo-francesa que derrotara a China na Segunda
Guerra do Ópio declarava aberto o porto
de Tainan. A esta altura, alemães e japoneses mobilizavam-se para também obter
posições coloniais no Leste Asiático. O Ja-
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pão visou desde o início a Península
Coreana, onde o rei Kojong acabou pedindo a ajuda da China. Antes mesmo de os
chineses conseguirem acudir os coreanos,
o Japão atacou e destruiu o destacamento
naval da China, impondo a esta o Tratado
de Shimonoseki (1895), que entregou Formosa e as Ilhas Pescadores aos japoneses.
O Japão buscava integrar-se na Primeira Revolução Industrial, quando já se tinham esgotado as condições para o caminho liberal adotado por países pioneiros,
como a Inglaterra ou a França. Os japoneses precisaram recorrer às lições que estava dando a Alemanha, de industrialização
sob o comando do Estado. E tiveram também de negociar com os imperialistas ocidentais sua aceitação entre eles, como um
imperialista-tardio. Na expressão sugestiva de Bruce Cumings: “O Japão montou
o Império que os anglo-americanos deixaram-no montar”. De todo modo, eram
parcas na Ásia as terras ainda disponíveis
para serem colonizadas, e os exíguos recursos do Estado japonês não lhe permitiam grandes aventuras.
Tóquio foi tendo de contentar-se com a
anexação de países vizinhos, tratados como extensões do território nacional. Vale
dizer, ampliando a eles o sistema administrativo e a infraestrutura material já existentes no país central, com o cuidado de
excluir os locais das camadas superiores
de gerenciamento. Em Taiwan, por exemplo, a autoridade colonial arcou com 60%
dos custos dos novos sistemas de controle
da água e de irrigação. Investiu na educação, e a taxa de alfabetização cresceu de
1%, em 1905, para 27%, em 1940, enquanto
o número de matrículas no ensino elementar subia de 8,7% da população total, em
1905, para 57% em 1935. Graças aos cuidados de saúde pública, a população de
Taiwan cresceu de 3 para mais de 5 milhões de pessoas durante a era colonial.
Não se formou uma classe comercial e in133
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dustrial taiwanesa, mas no campo os japoneses deixaram prosperar um estamento
de grandes agricultores nativos, a fim de
manter girando a produção de arroz e
açúcar, mercadorias que vieram a representar 70% das exportações da Ilha, maciçamente destinadas ao Japão.
Em 1945, a rendição incondicional do
Japão deixou os Estados Unidos com o
controle de todos os territórios insulares
ocupados no Pacífico pelo Império Japonês. O retorno de Taiwan, as Pescadores e
outras ilhas chinesas à República da China
(o regime de Chiang Kai-shek) já havia
sido estabelecido nos arranjos dos Aliados
da Segunda Guerra Mundial, nas Conferências do Cairo e Potsdam. Um governador delegado pelo KMT logo assumiu
em Taipé, começando a tratar a Ilha como
território conquistado. Juncos partiam
diariamente para o continente, levando
máquinas e outros bens saqueados de empresas da Ilha. Em 1947, os desmandos
dos nacionalistas provocaram uma revolta
dos ilhéus, na qual se diz que foram trucidadas entre 10 mil e 20 mil pessoas, incluindo praticamente toda a elite da era
japonesa. Estavam, por outro lado, começando a chegar as levas de continentais
que fugiam diante do avanço de Mao Zedong. Estima-se em 2 milhões de indivíduos esses recém-chegados, que ocuparam a cúpula política e militar do novo
regime. De 1949 a 1987, Taiwan viveria
sob a Lei Marcial. E de 1951 a 1965 foi tomada em mãos, para efeitos práticos, pelos Estados Unidos. Burocratas da Usaid
foram dando forma, política e economica,
a um novo país.4
A fase de dependência direta dos Estados Unidos merece um registro especial,
para o qual vou me apoiar num conhecido
texto de Bruce Cumings5 e em dois artigos
inseridos na coletânea editada por Edwin
Winckler, já citada neste trabalho. Antes
mesmo de terminar a guerra, uma podero-
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sa coalizão de interesses domésticos passou a mobilizar-se, nos EUA, contra a
decisão da Conferência de Potsdam de
destruir o poderio industrial e militar do
Japão, decisão que começou a ser implementada pelo comandante da ocupação,
general MacArthur.
A vitória dos comunistas na China
abriu caminho para o triunfo da coalizão
em causa, na chamada “inversão de curso”. O Japão foi mantido numa posição de
vassalagem, mas como a peça-chave do
dispositivo estratégico de contenção da
RPC, montado por Washington no Pacífico Norte. Uma economia regional do Nordeste Asiático foi sendo também desenvolvida, atribuindo-se ao Japão o papel de
cabeça industrial, com a metade sul da
Península Coreana e Taiwan como sucedâneos da velha hinterlândia colonial japonesa, e os países do Sudeste Asiático, na
medida em que se liberavam dos colonizadores europeus, transformados em fornecedores das matérias-primas industriais
e energéticas requeridas pela nova indústria japonesa, e em absorvedores das manufaturas de baixa tecnologia que o Japão
iria poder produzir. A Guerra da Coreia,
em 1950, consolidaria tudo isso. O dinheiro americano nela derramado funcionaria
como um Plano Marshall para o Japão, e a
intervenção de centenas de milhares de
“voluntários” chineses, se de um lado levou ao armistício de 1953 (até hoje não
superado), deu azo à decisão do presidente Truman de isolar militarmente Taiwan.
No primeiro dos dois artigos acima
mencionados,6 Richard Barrett apoia-se
em documentos oficiais americanos tornados públicos em diferentes momentos
para estabelecer uma diversidade de posicionamentos em relação a Taiwan, da
parte das autoridades norte-americanas.
Os militares eram favoráveis à manutenção de um regime politicamente estável
e pró-americano na Ilha embora não se
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mostrassem dispostos (até a Guerra da
Coreia, pelo menos) a empenhar muitos
recursos nesse objetivo.
No Departamento de Estado, prevalecia a tese de que um apoio limitado a
Taiwan poderia trazer benefícios de curto
prazo para Estados Unidos, mas havia o
risco de prejudicar as relações com a RPC,
se esse apoio fosse sendo prolongado. Em
contraste com a cautela dos militares e diplomatas, os mais entusiasmados com o
progresso de Taiwan eram os burocratas
da Usaid. Eles viam na Ilha a oportunidade única de promover o desenvolvimento econômico e social de uma grande
área rural, experiência distinta da reconstrução de zonas industriais pela simples
adição de capitais e tecnologia. Pareceu
até, por momentos, que os promotores da
ajuda americana gostariam de ver a derrocada do governo nacionalista, a fim de
substituí-lo por um mandato das Nações
Unidas. Típica dessa linha de pensamento
foi a criação pelo Congresso americano,
em 1948, da Comissão Conjunta Sino-Americana para a Reconstrução Rural
(JCRR, Sino-American Joint Commission
on Rural Reconstruction), que faria as vezes de Ministério da Agricultura de Taiwan
até 1979, com orçamento anual votado
pelo Congresso dos Estados Unidos. Graças à JCRR, o governo de Taipé pôde levar
adiante programas de ajuda técnica agrícola a muitos países africanos, com efeitos
práticos na disputa pelo reconhecimento
diplomático sustentada com Pequim.
Como de esperar, ao promoverem a
formação de uma economia regional do
Pacífico Norte no quadro da reorganização estratégica da área, no pós-Segunda
Guerra Mundial, os Estados Unidos buscaram incentivar o desenvolvimento de
economias nacionais de tipo capitalista.
Um dos primeiros cuidados foi efetuar
reformas agrárias radicais nos países destinados a liderar a “Esfera Comercial do
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Oriente”: Japão, Coreia do Sul e Taiwan.
As reformas foram levadas adiante quase
que simultaneamente, na virada dos 1940
para os 1950, e o mesmo técnico americano, Wolf Ladejinsky, esteve nos três países para os retoques finais. No segundo
dos artigos acima evocados, Denis Fred
Simon7 amplia o exame da obra de state-building posta em marcha pelos Estados
Unidos em Taiwan. Na verdade, a grande
responsável por esse trabalho foi a Mutual
Security Agency (MAS), que atuava na
Ilha através de dois braços: a missão da
AID e a missão do Military Assistance
Advisory Group (MAAG). Esta última encarregada de assistir no levantamento das
estruturas defensivas necessárias e no treinamento do pessoal adequado. Quanto à
Usaid, como mostra Simon, sua contribuição foi muito além da mercantilização do
ambiente rural. Os conselheiros americanos empenharam-se em promover o fortalecimento do setor privado, diante das
tendências estatizantes do governo de Taipé, e é possível colher, em outras fontes,
relatos de como a Usaid usava sua influência para profissionalizar burocratas e
técnicos taiwaneses segundo as normas
americanas, frustrando a carreira de quem
não parecia útil à consolidação de uma
economia capitalista.8
Em 1965, os Estados Unidos suspenderam a ajuda financeira direta a Taiwan.
Calcula-se que, nos quinze anos de sua
duração, US$ 1,5 bilhão (de 1950) tenham
sido doados a fundo perdido: 40% em média da formação anual de capital. Os conselheiros da Usaid haviam ensinado aos
taiwaneses os segredos do desenvolvimento puxado pelas exportações; haviam
aberto o mercado doméstico americano às
manufaturas de baixa tecnologia que a
nova indústria taiwanesa começara a produzir; e haviam também estimulado os
investimentos diretos estrangeiros na economia local. O governo de Taipé dava
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mostras de que poderia continuar a caminhar com as próprias pernas. Contudo, tal
como estivera acontecendo com a Coreia
do Sul, Taiwan recebera a missão de funcionar como bastião do dispositivo estratégico americano de contenção da China, e
precisava manter um estabelecimento militar adequado, com a maior autonomia
possível em termos de autofinanciamento
e de abastecimento de armas. Nos anos
1970, sobretudo depois da retirada militar
dos Estados Unidos do Sudeste Asiático e
do lançamento da Doutrina Nixon, Coreia
do Sul e Taiwan ainda precisaram ser ajudados pelos Estados Unidos a levantar indústrias para a fabricação de armamentos,
recebendo inclusive licenças de produção
que eram negadas a países da OTAN.9
O Estado desenvolvimentista
Chalmers Johnson, da Universidade
de Berkeley, foi o grande teorizador do
Estado Desenvolvimentista, num livro
que marcou época: MITI and the Japanese
Miracle (Stanford, 1982). Ele centralizou
sua análise no Estado que a “reversão de
curso” dos Estados Unidos permitira
renascer no Japão do pós-Segunda Guerra
Mundial, mas o modelo desenvolvimentista surgira na virada do século XIX para
o século XX, quando os japoneses efetuaram sua primeira industrialização, guiados pelos ensinamentos colhidos na Alemanha. Na sua nova versão, o Estado
Desenvolvimentista japonês foi também
adotado pela Coreia do Sul e por Taiwan.
Há toda uma corrente de pensamento que
contesta esta última observação e procura
explicar o surto de modernização de
Taiwan pela via do liberalismo econômico
pregado pelos anglo-americanos. É possível levantar uma grande bibliografia de
livros e artigos em defesa de cada uma das
duas posições, mas não terei espaço para
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entrar nesse debate. Levarei adiante a reconstrução que estou fazendo, apoiado na
aceitação das teses desenvolvimentistas.
Para Chalmers Johnson, são quatro os
fatores que compõem o Estado Desenvolvimentista: (1) a autonomia do Estado
diante da sociedade civil, ou seja, a razão
econômica prima sobre interesses particularistas; (2) a elite do país ou parte decisiva
dela chega a um consenso sobre a imperiosidade do desenvolvimento; (3) há uma
efetiva participação do aparelho do Estado
na condução dos negócios públicos; (4) o
Estado conduz uma política industrial em
consonância com as exigências do mercado mundial. Nos anos 1960 a 1980,
Taiwan satisfez essas quatro condições,10
mostrando-se apta a conquistar nichos no
mercado internacional para o escoamento
de suas manufaturas intensivas em trabalho, a princípio, e intensivas em capital e
conhecimento a seguir. Na fase avançada,
a indústria dos componentes semicondutores, base de todas as múltiplas aplicações da eletrônica, foi o setor que maior
atenção recebeu em Taiwan, tanto do governo quanto do empresariado. Em 1973,
foi criada a estatal Electronics Research
and Services Organisation (ERSO), com a
missão de encontrar um parceiro transnacional para a instalação da indústria taiwanesa dos semicondutores, o que veio a
acontecer em 1977. Em associação com a
RCA, o governo de Taipé investiu mais
de US$ 3 milhões na aquisição de conhecimentos teóricos e formação de pessoal, até
fundar a United Microelectronics Corporation (UMC) e a Taiwan Semiconductors
Manufacturing Company (TSMC), em
1987. A evolução dessa indústria merece
atenção, tanto pelo papel de liderança que
ela adquiriu no progresso de Taiwan,
quanto por ter se tornado a grande arena
de resistência à China continental.11
Numa iniciativa claramente voltada
para estimular o desenvolvimento econô136
14 - Artigo 12 - Amaury Porto.indd 136
mico apoiado no conhecimento, o governo
de Taipé fundou em 1980 o Hsinchu Science-based Industrial Park (HSIP), numa
área a 70 quilômetros da capital, onde
atuavam instituições acadêmicas e de pesquisas. Uma delas, o Industrial Technology Research Institute (ITRI), estava ativa
desde 1973, preparando o terreno para as
tecnologias da informação (TI) e a indústria dos circuitos integrados (CI). O Hsinchu veio a ser o grande catalisador da ascensão mundial de Taiwan nas TI e CI,
graças inclusive a seu papel na atração de
chineses que estivessem estudando ou trabalhando no exterior, nesses setores. Em
1994, o número dos retornados alcançaria
o pico de 6.500 indivíduos, responsáveis
pela fundação de algumas centenas de
empresas especializadas, na Ilha.
A essa altura, Taiwan ocupava o terceiro lugar mundial na produção de material
microeletrônico, atrás apenas dos Estados
Unidos e do Japão. Uma de suas inovações
mais bem-sucedidas fora a separação de
subsetores no interior da grande indústria
dos CI. Empresas taiwanesas especializaram-se em fundições para o fabrico das
bolachas de silício (wafers), sem preocupar-se com o desenho do circuito integrado a ser nelas implantado. Essa separação
entre dois tipos de atividades complexas e
caras permitiu avanços tecnológicos em
cada um deles, e a proliferação de companhias, ditas fabless, concentradas nos desenhos dos circuitos. As fabless multiplicaram-se nos EUA, enquanto Taiwan liderava
nas fundições. Mas em 1988 ganhou contundência um elemento perturbador dos
êxitos de Taiwan: o fator RPC. Em julho, o
governo de Pequim promulgou um “Regulamento para o Incentivo de Investimentos dos Compatriotas Taiwaneses”.
Ao pôr em marcha, em 1979, seu grande esforço de aggiornamento da RPC, Deng
Xiaoping dera desde o início destaque ao
trabalho com Taiwan. Além da criação da
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ZEE de Xiamen, fazendo face à Ilha, Pequim suspendeu o bombardeio das ilhotas
de Quemoi e Matsu, em execução desde
1950, e o Congresso Nacional do Povo
emitiu uma “Carta aos Compatriotas de
Taiwan”, conclamando-os ao estabelecimento de relações diretas – comerciais,
marítimas e postais – entre os dois lados
do Estreito. O governo de Taipé respondeu
com frieza, mas o empresariado mostrou-se crescentemente interessado no aprofundamento de tais relações. Em meados
dos anos 1980, depois da assinatura do
acordo sino-britânico para o retorno de
Hong Kong à soberania chinesa, Pequim
intensificou sua campanha de “um país
dois sistemas” em direção a Taiwan, e também os esforços diplomáticos pelo “desreconhecimento” do governo taiwanês.
Particularmente dolorosa para Taipé
havia sido a decisão de Washington de
transferir para Pequim o seu reconhecimento. E quando os americanos interferiram em todo o quadro financeiro do Leste
Asiático, na famosa reunião do Hotel Plaza em Nova York (1985), Chiang Chingkuo, filho e sucessor de Chiang Kai-shek
no comando do partido único KMT, concluiu ser oportuno democratizar o sistema
político de Taiwan. Em entrevista dada à
proprietária do Washington Post (7/10/86),
ele anunciou sua determinação de suspender a Lei Marcial e a proibição à formação
de partidos políticos.12
A suspensão da Lei Marcial flexibilizou
a posição de Taipé em relação aos investimentos na RPC, desde que feitos de forma
indireta, em geral através de Hong Kong.
No continente, enquanto isso, tomava impulso a política de estimular companhias
estrangeiras a virem produzir na China,
trazendo os insumos e a tecnologia, e com
a obrigação de exportar o produzido. Condições especiais foram dadas aos taiwaneses, que podiam vender no mercado doméstico chinês até 30% dos seus produtos.
137
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As indústrias de baixa tecnologia (a dos
calçados, v.g.) começaram a cruzar em
massa o Estreito, levando o governo de
Taipé a introduzir medidas administrativas, como limites para as somas que investidores taiwaneses podiam investir no
continente, ou cotas para o volume de exportações permitido. Apesar dessas medidas, o fluxo de investimentos e exportações da Ilha não parava de crescer, e em
2001 deu um salto, em virtude do ingresso
das “duas Chinas” na OMC. É consenso,
entre os economistas, que Taiwan beneficiou-se mais do que qualquer outro país
do ingresso da RPC na OMC. Se se incluem as exportações para Hong Kong, as
vendas de Taiwan para a “Grande China”
atingiram, na primeira metade de 2002,
quase US$ 19 bilhões, ou 30% das exportações totais do país; dez pontos percentuais
a mais do que a parcela das exportações
taiwanesas para os Estados Unidos no
mesmo período. Três tipos de explicações
costumam ser usados para explicar esse
salto: (1) a grande experiência das empresas taiwanesas em exportar para a China e
seu bom conhecimento dos sistemas de
contingenciamento e licenciamento chineses; (2) o crescente valor dos componentes
e peças taiwaneses para os produtores do
continente; (3) o nível cada vez maior dos
investimentos de companhias de Taiwan
na indústria continental.
Aspecto central do relacionamento sino-taiwanês é a convergência que se desenvolve entre as trajetórias tecnológicas
das duas economias, à medida que ambas
se instalam na globalização. Nos dois lados do Estreito, o Estado foi o iniciador,
facilitador e suporte de programas de
P&D, de educação e de reestruturação
tecnológica. Foi, também, o grande interlocutor das corporações transnacionais,
no que concernia aos aspectos tecnológicos das respectivas economias, e à integração delas nas redes produtivas globais.
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ARTIGOS
Em Taiwan, o governo chegou a acalentar a ideia de fazer do país um Centro
de Operação Regional da Ásia-Pacífico,
servindo de base para companhias transnacionais interessadas em trabalhar nos
mercados do Leste Asiático: Sudeste Asiático e China, em particular. O plano não
marchou, basicamente porque a China
também foi empenhando-se em atrair as
transnacionais para trabalhar diretamente
no mercado chinês, mudando por exemplo sua abordagem industrial de áreas
territoriais para setores técnicos.
Não demorou que as companhias taiwanesas das TI e CI tivessem elas próprias de transferir suas atividades de ponta para o continente, a fim de enfrentar a
concorrência das transnacionais. Foi um
choque para Taipé quando, em 2000, dois
grupos empresariais da Ilha anunciaram
que iriam instalar no continente fundições
de bolachas de silício, do tipo liderado
por Taiwan. Em 2002, em reação a essa
perda de vigor diante da RPC, o Estado
Desenvolvimentista taiwanês lançou um
programa para novo salto industrial, com
a criação de uma economia baseada na
inovação tecnológica. Dez áreas-chave
para atividades com maior valor agregado foram identificadas, e atenção especial
passou a ser dada à P&D em todas elas.
Cerca de 70 empresas locais foram estimuladas a criar seus próprios centros
inovadores.13
A interdependência
sino-taiwanesa
Recapitulando. A abertura do mercado
continental às empresas de Taiwan esteve
na raiz do chamado “Milagre Taiwanês”:
um longo período (1951-1987) de crescimento médio em torno de 8,8% anuais.
Inicialmente, foram empresas pequenas e
138
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médias que reduziram seus custos de produção e melhoraram sua competitividade
internacional, ao se instalarem no continente. O Estado desenvolvimentista reagiu ao esvaziamento industrial, promovendo o surgimento de empresas mais
intensas em tecnologia e com maior valor
agregado, as quais, por sua vez, acabaram
deslocando sua produção para o continente, a fim de poderem aumentar as exportações para os Estados Unidos e o Japão.
No final dos anos 1980, pressões protecionistas dos EUA, inclusive no terreno
financeiro com o Acordo do Hotel Plaza
(1985), forçaram o reajuste violento da
economia taiwanesa, dando origem a uma
onda de investimentos diretos no exterior,
nos Estados Unidos e na China continental, em particular. Em direção à China, um
novo salto de investimentos aconteceria
no novo século, com a entrada dos dois
países na OMC. O Estado taiwanês estivera impulsionando as TI e CI, mas elas
cresceram em ligação cada vez mais estreita com o mercado chinês. Na altura de
2006, a China continental se transformara
no maior importador e maior exportador
em relação a Taiwan.
Na década de 1970, com a aproximação
estratégica entre Washington e Pequim,
paralelamente à substituição de Taipé por
Pequim nas Nações Unidas, teve início
um período de esgarçamento nas relações
de Taiwan com seu grande patrono, que
acabou levando, no entanto, à decisão de
Chiang Ching-kuo, filho e sucessor de
Chiang Kai-shek, de democratizar seu regime, em parte para revitalizar a sua legitimidade internacional. No início de 1986,
tornara-se evidente que Chiang Ching-kuo tinha pouco tempo mais de vida. O
problema da sua sucessão ganhava premência, e surgiam sinais de descontentamento político que punham em dúvida a
possibilidade de uma transição palaciana
do poder.
POLÍTICA EXTERNA
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FIM DE JOGO NO ESTREITO DE TAIWAN?
O velho ditador vinha dando mostras,
porém, de notável senso da História,
tomando a iniciativa, nos seus dois últimos anos de vida, de uma série de reformas liberalizadoras, apesar da recalcitrância da velha guarda do KMT e das
lideranças militares. Graças a isso, a chefia do Estado pôde ser assumida, após a
morte de Chiang, pelo vice-presidente
Lee Teng-hui, um agrônomo nascido na
Ilha e educado no Japão e EUA (Universidade de Cornell).
No 13o Congresso do KMT, em outubro
de 1988, Lee foi também conduzido à Presidência do KMT. Usando sua dupla liderança, do Estado e do partido, Lee Tenghui promoveria a reivindicação dos ilhéus
a uma identidade nacional taiwanesa,
oposta à identidade chinesa. Muito se tem
discutido e escrito em torno dessa reivindicação, que, embora bastante popular na
Ilha, ainda não obtém maioria nos sucessivos recenseamentos lá realizados. É importante verificar que os chineses continentais convivem bem com a ideia. Haja
vista os mais de 2 milhões de taiwaneses,
entre empresários, técnicos e respectivas
famílias, que vivem hoje no continente em
comunidades urbanas concebidas segundo seus usos e preferências. Inclusive com
escolas para os filhos, nas quais se adota o
currículo vigente na Ilha, um dos principais veículos de difusão da ideia da identidade taiwanesa.
A Questão de Taiwan nasceu junto com
a fundação da RPC, como um aspecto ainda não resolvido do próprio processo de
surgimento do novo regime. Tornou-se de
praxe, assim, que o problema seja tratado
em Pequim diretamente pelo líder supremo. No tempo de Mao Zedong, nem o primeiro-ministro Zhou Enlai tinha autoridade para tomar decisões autônomas. Na era
reformista de Deng Xiaoping criou-se uma
comissão, conhecida sob a sigla CLGTA,
confiada a um alto dirigente (Yang Shan139
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gkun, inicialmente), que atuava como uma
espécie de vice-czar nos assuntos de
Taiwan. Quando a Terceira Geração, com
Jiang Zemin como seu núcleo, sentiu-se
plenamente instalada no poder, Jiang
apressou-se a substituir ele próprio o velho
Yang Shangkun, na Presidência da CLGTA
(novembro de 1993). Ele redigiu em seguida um documento vazado em termos fortes, conhecido como “os oito pontos de
Jiang Zemin”, que veio a ser aprovado
pelo Birô Político do PCC, em janeiro de
1995. Hu Jintao, núcleo da Quarta Geração
de dirigentes, também assumiu a Presidência da CLGTA. Ele tivera, porém, pouco contato com a Questão de Taiwan, ao
longo de sua carreira, e seguiu adotando
cautelosamente os “oito pontos de Jiang”.
Hu repetiu a prática iniciada por seu antecessor de nomear um membro do Comitê
Permanente do Birô Político para a Vice-Presidência da CLGTA, atribuindo-lhe a
responsabilidade por eventuais contatos
diretos com o lado taiwanês.
O vice de Jiang, o poderoso Zeng Qinghong, conduziu em julho de 2000 uma
série de conversações secretas com o chefe
da Casa Civil do presidente Lee Teng-hui.
Um jornal de Pequim revelou a ocorrência
dessas conversas, em Hong Kong e Macau, sem desvendar o conteúdo. Esses antecedentes mostram a importância institucional da intervenção de Hu Jintao, em
2005, neutralizando o ataque esquerdista
da Lei Anti-Secessão para recolocar o problema no nível das relações entre partidos.
Diferentemente da imagem de agressiva intransigência diante de Taiwan, que
observadores mal-dispostos em relação
à China costumam apresentar, é possível
encontrar na evolução institucional acima
descrita um contínuo movimento de adequação às realidades políticas e estratégicas que cercam a Questão de Taiwan.
Num artigo em The China Quarterly,14
o professor taiwanês Yun-han Chu fez
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precisamente isso. Ele acentua cinco desdobramentos positivos que estão ocorrendo na abordagem da problemática taiwanesa pelos dirigentes de Pequim: (1) os
membros da CLGTA demonstram estar
aprendendo a conviver com o pluralismo
caótico da democracia em Taiwan e vêm
exibindo maior compreensão dos anseios
do grande público da Ilha, o qual por sua
vez tem mostrado crescente receptividade
às propostas do continente; (2) Pequim
parece ter compreendido que muito tempo ainda passará até soluções mais abrangentes se tornarem possíveis, e deixou de
exigir o reconhecimento prévio do princípio de “uma China única” para a negociação de problemas práticos, como os
voos diretos e o turismo; (3) Pequim
diversificou seus contatos políticos na
Ilha, cultivando relações com dirigentes
dos diversos partidos taiwaneses; (4) Pequim deixou cair de vez a ideia de impor
prazos a Taiwan para tal ou qual acordo;
(5) Pequim tem revelado grande flexibilidade no tocante às relações triangulares
Washington-Pequim-Taipé, parecendo ter
concluído que precisará da ajuda dos Estados Unidos para conter estratégias de
marcha ardilosa (“creeping strategy”) para a independência, que possam estar sendo seguidas em Taiwan.
Um ângulo pouco adotado nas análises
da Questão de Taiwan é o do papel da
presença taiwanesa nos avanços políticos
na China continental – avanços bem reais,
embora pouco reconhecidos. Vale a pena
citar um artigo recente do reputado sinologista David Shambaugh: “O ambiente
político na China torna-se gradualmente
mais plural e liberal. Grande parte das reformas políticas (inclusive no interior do
PCC) são difíceis de ver do exterior do
país, mas é fato que o sistema político vem
adquirindo maior transparência, responsabilidade, respeito ao mérito, abertura,
eficiência e sintonização com o público.
140
14 - Artigo 12 - Amaury Porto.indd 140
Apesar disso (ou talvez por causa disso), o
PCC mantém-se firme no controle, com
ampla legitimidade popular”.
O ponto aqui é reconhecer a influência
taiwanesa nessa evolução. Dois ex-funcionários graduados do Departamento de
Estado americano exploraram o tema, em
artigo de 2008.15 Acentuam eles que os investimentos e implantações industriais
dos taiwaneses têm ajudado substancialmente a estabilização e modernização da
RPC. À medida que se intensificam os laços entre os dois lados do Estreito, a interdependência econômica não só desencoraja a ideia da independência de jure de
Taiwan, como também impulsiona a liberalização pacífica da China. Schriver e
Stokes, os autores que estou invocando,
chamam a atenção para a contribuição que
a infusão maciça de capitais e perícia
taiwanesa terá dado para a melhoria das
condições de vida, o aumento da escolaridade e da liberdade pessoal na RPC.
Empresários taiwaneses operam cerca
de 100 mil empresas mistas ou subsidiárias no continente; 63 das 500 maiores
companhias da RPC são propriedade de
taiwaneses. Os empresários da Ilha dão
emprego a algo em torno de 10 milhões de
operários, no continente, e estima-se que
outros 40 milhões dependam de empregos ancilares. Os gerentes taiwaneses têm
tido uma ação inestimável na formação
dos seus correspondentes chineses, habilitando-os a produzir bens competitivos no
mercado global. Há, pois, em ação um
“poder brando”, cujo peso tenderá a aumentar, em função dos desenvolvimentos
posteriores ao quadro descrito pelos autores americanos. Avoluma-se o fluxo de
turistas do continente, cada vez mais interessados nos debates da televisão da Ilha
e no modo de vida ali. Cresce, por outro
lado, o número de jovens diplomados
taiwaneses que buscam no continente o
seu primeiro emprego.
POLÍTICA EXTERNA
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FIM DE JOGO NO ESTREITO DE TAIWAN?
Fim de jogo?
O grau de interdependência econômica e de interação das populações, já atingido no entorno do Estreito de Taiwan, permite que se considere remoto o perigo de
choque armado entre chineses dos dois
lados do Estreito. É certo que a RPC segue
montando um poderoso dispositivo bélico
na sua costa, mas a desproporção desse
dispositivo diante das possibilidades de
Taiwan e o tipo do armamento que se acumula sugerem que o adversário mirado
não é o regime taiwanês. A RPC busca, na
verdade, dotar-se de um poderio militar
assimétrico que lhe dê condições de não
fazer feio, se tiver de enfrentar a potência
hegemônica do presente, os Estados Unidos. Este outro perigo não pode ser descartado por Pequim.
Ainda a 15/11/10, o Conselho de Relações Exteriores, editores da Foreign
Affairs, circulou um texto do capitão Raul
Pedrozo, professor no U.S. Naval War
College, afirmando o direito dos EUA de
manterem “um programa vigoroso e ostensivo de vigilância e reconhecimento”
nas águas próximas da China, inclusive
no interior da sua Zona Econômica Exclusiva. A RPC tem contestado tal pretensão,
desde a famosa interceptação do aviãoespião U.S. EP-3 (abril de 2001) até casos
recentes, como a abordagem do U.S.S.
Impeccable (março de 2009), quando este
evoluía próximo a base de submarinos na
Ilha de Hainan.
A eventualidade de uma derrapada
que leve a choque armado é teoricamente
mais realista nessas gesticulações estratégicas, do que na Questão de Taiwan. É
também pouco provável, pois o Birô Político dificilmente autorizaria o ELP a atacar Taiwan, sem estar totalmente certo
da perspectiva de triunfo. E o presidente
Ma Ying-jeou, em maio de 2010, fez uma
proclamação retumbante: “Jamais pedire-
141
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VOL 19 N o 4
mos aos Estados Unidos que venham lutar por Taiwan”.
A Questão de Taiwan parece, pois, ter
entrado numa fase de ajustamentos, na
qual se entremearão todos os múltiplos
antecedentes históricos, políticos e econômicos que procurei alinhar neste trabalho.
E na qual, além dos antecedentes locais,
vão entrar em cena considerações do equilíbrio global. Por maiores que sejam as
divergências entre EUA e RPC, os dois
países coincidem em não desejar uma
guerra que ninguém sabe como acabará.16
A dinâmica da agitação democrática em
Taiwan tem levado, na verdade, a uma
aproximação entre as duas grandes potências. No plano local, o jogo concreto será
conduzido até 2012 pelos dois presidentes
em posto. Hu Jintao já deu forma à sua
própria visão do processo, num discurso
de 31/12/08 em que enunciou “Seis Pontos”: (1) um acordo pondo fim às hostilidades e instalando a paz, com base no
princípio da “China única”; (2) reforço dos
laços comerciais, inclusive com a negociação de um minucioso acordo de cooperação; (3) aprofundamento das comunicações e do intercâmbio entre os dois lados
do Estreito; (4) desenvolvimento das trocas culturais e pedagógicas; (5) busca de
“ajustes apropriados e razoáveis” para a
participação de Taiwan em instâncias internacionais”; (6) intensificação de trocas e
contatos no campo militar, e abertura de
um debate em torno de medidas para a
construção de confiança.
Ma Ying-jeou, do seu lado, está trabalhando sob o lema: “Não à reunificação;
não à independência; não a um conflito”.
Vale dizer, buscando uma solução mediana ainda por ser inventada: Confederação? Estado associado à maneira de
Porto Rico? Na sua condição de presidente do KMT, Ma influiu na conclusão do
ECFA e está agora empenhado em dar
substância a esse Acordo Quadro, através
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ARTIGOS
da negociação de uma zona de livre comércio com a China que evite a marginalização de Taiwan, diante da multiplicação de acordos desse tipo no âmbito da
Ansea (Associação das Nações do Sudeste Asiático).17 Apesar das suas realizações
tecnológicas, a economia taiwanesa, padece de fraquezas estruturais, como o
peso excessivo do comércio externo ou a
grande concentração, regional e setorial,
das exportações. Ou ainda a dependência
de empresas americanas, japonesas e até
sul-coreanas para obter tecnologias de
ponta. Diante do crescente peso mundial
da RPC, buscar uma composição com o
colosso, preferentemente no quadro do
chamado “Círculo Chinês”, impõe-se como uma tendência forte aos governantes
de Taiwan.
Notas
1. Fell, Dafydd. “Was 2005 a Critical Election in Taiwan?”
in Asian Survey – vol. 50, n. 5 set. out. 2010.
2. O Estado de S. Paulo (14/03/05). “Antes de votar lei
contra Taiwan, Hu fala em guerra”.
3. Winckler, Edwin A & Susan Greenhalgh. Contending
Approaches to the Economy of Taiwan. Armonk: M.E.
Sharpe, 1988. Há muitos outros livros sobre a história
de Taiwan, registrarei dois, de que também me servi
para este trabalho: (1) Clark, Cal. Taiwan’s Development. Nova York: Greenwood Press, 1989. (2) Klintworth, Gary. New Taiwan, New China. Melbourne: Longman Australia, 1995.
4. A revista The China Quarterly, da Universidade de
Londres, publicou em março de 2001 um número especial com intenção de dar um retrato abrangente de
Taiwan no século XX. Sobre a evolução econômica,
destacaram-se dois artigos: (1) Cheng, Tun-jen. “Transforming Taiwan’s Economic Structure in the 20th Century”; (2) Howe, Christopher. “ Taiwan in the 20th Century: Model or Victim? Development Problems in a
Small Asian Economy”. O Professor Howe tem um outro
artigo, muito útil publicado na mesma revista, em 1996:
“The Taiwan Economy: the transition to Maturity and
the Political Economy of Its Changing International
Status”.
5. Cumings, Bruce. “The Origins and Development of
the Northeast Asian Political Economy”, in Deyo, Frederic C. The Political Economy of the New Asian Industrialism. Ithaca: Cornell University Press, 1987.
6. Barrett, Richard E. “ Autonomy and Diversity in the
American State on Taiwan”, in Winckler, Edwin A., Contending Approaches to the Economy of Taiwan. Armonk: M. E. Sharpe, 1988.
142
14 - Artigo 12 - Amaury Porto.indd 142
7. Simon, Denis Fred. “External Incorporation and Internal Reform”, in Winckler, Edwin A., Contending Approaches to the Economy of Taiwan. Armonk: M. E. Sharpe,
1988.
8. V. por exemplo: Haggard, Stephan. Pathways from
the Periphery. Ithaca: Cornell University Press, 1987,
passim.
9. Cf. Nolan, Janne E. Military Industry in Taiwan and
South Korea. Londres: The Macmillan Press, 1986.
10. Cf. Amsden, Alice H. “O Estado e o Desenvolvimento Econômico de Formosa” in Revista de Economia Política, São Paulo – vol. 7, n. 4 (out. dez. 1987); Yu-Shan
Wu. “Taiwan’s Developmental State”, in Asian Survey
– vol. 47, n. 6 (nov. dez. 2007).
11. A história da indústria eletrônica em Taiwan está
contada em muitos livros e artigos. Destaco uma obra
recente e de boa qualidade: Rowen, Henry S. et allia
(eds). Making IT: The Rise of Asia in High Tech. Stanford:
Stanford University Press, 2007. Mais antigo, mas igualmente válido, há um estudo de Ernst, Dieter. New Opportunities and Challenges for Taiwan Electronics Industry – The Role of International Cooperation.
University of California Berkeley: Berkeley Roundtable
on the International Economy (BRIE), n. 78, jul. 1995.
12. Num importante artigo em The China Journal, revista
da Universidade Nacional da Austrália: “Taiwan’s Domestic Politics and Cross-Strait Relations” (n. 53, jan. 2005),
Yu-Shan Wu sugere que a escolha de Chiang Ching-Kuo
fazendo seu anúncio no jornal americano mostra que o
gesto democratizante era dirigido mais à audiência dos
EUA que ao público doméstico. (p. 35, n. 1)
13. A revista The China Quarterly, da Universidade de
Londres, é um farto repositório de artigos analisando a
POLÍTICA EXTERNA
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FIM DE JOGO NO ESTREITO DE TAIWAN?
marcha dos investimentos taiwaneses na China Continental. Registro alguns aqui: Ping Deng, “Taiwan’s Restriction of Investment in China in the 1990s” vol. 40, n. 6
(nov, dez. 2000); Tse-Kang Leng. “Economic Globalization
and it Talent Flows across the Taiwan Strait” vol. 42, n. 2
(mar. abr. 2002); Sutter, Karen M. “Business Dynamism
Across the Taiwan Strait” vol. 42, n. 3 (maio jun. 2002);
Fuller, Douglas B. “The Cross-Strait Economic Relationship’s Impact on Development in Taiwan and China”
vol. 48, n. 2 (mar. abr. 2008). Úteis, são também: Tse-Kang
Leng, “State and Business in the Era of Globalization: The
Case of Cross-Strait Linkages in the Computer Industry”,
in The China Journal, Canberra n. 53, jan. 2005; MingChin Monique Chu. “Contrôler l’incontrôlable: La delocalisation de l’indrustrie taiwanaise des semi-conducteurs
vers La Chine Et sés implications pour la sécurité”, in
Perspectives Chinoises, Hong Kong (2008, n. 1).
15. Schriver, Randall & Mark Stokes. “Taiwan’s Liberation of China”, in Current History (set. 2008). Veja
também: Tain-Jy Chen, “Will Taiwan Be Marginalized
by China?” Nova York, Columbia University (Asian Economic Papers 2:2), 2003; Smith, Heather & Stuart Harris.
Economic Relations Across the Strait: Interdependence
or Dependence?, Canberra: ANU Australia-Japan Research Centre (Pacific Economic Papers n. 264).
16. Em artigo na Current History (set. 2010), o renomado sinólogo David Shambaugh mostrou-se bem mais
otimista: “...cross-strait relations have now developed
to such an extent that the ‘Taiwan Issue’ has essentially
been resolved. Game over” (p. 224).
17. Perspectives Chinoises, a revista do Centre d’études
français sur La Chine Contemporaine publicou, no seu
número 112 (2010/3) um dossiê sobre as opções de Ma
Ying-jean diante do ECFA, que ele ajudou a negociar.
14. Yun-han Chu. “Power Transition and the Making of
Beijing’s Policy towards Taiwan”, in The China Quarterly (2003).
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