Artigo SBPJor – anais – teste

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Artigo SBPJor – anais – teste
SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
11º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
Brasília – Universidade de Brasília – Novembro de 2013
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A midiatização de questões ambientais e científicas através das
controvérsias: uma proposta de reflexão teórica
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Resumo: Este trabalho propõe uma reflexão teórica e conceitual sobre as controvérsias como
modalidade de midiatização de questões ambientais e científicas. Através de trabalhos de autores que estudaram a construção e a circulação de controvérsias científicas, nós construímos um
referencial para responder ao questionamento que guia nossa proposta: de que maneira as controvérsias determinam a presença midiática das questões ambientais e científicas? Desta maneira, o trabalho define e diferencia controvérsia, polêmica e querela, para depois observar as relações estabelecidas entre controvérsia/discurso jornalístico e controvérsia/opinião pública.
Palavras-chave: controvérsia; polêmica; midiatização; meio ambiente; ciência.
1. Introdução
Um dos raros pontos comuns a toda ciência é a necessidade ética de buscar a objetividade, através da coleta de dados e da construção de uma metodologia para a análise do material recolhido. No entanto, o percurso científico não pode ser considerado
neutro ou objetivo. Ele é resultante de uma escolha. O pesquisador funda suas hipóteses
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Doutoranda em Ciências da Linguagem, opção Semiótica, Universidade Paris Descartes, CERLISCNRS, titular de uma bolsa CIFRE (Conventions Industrielles de Formation par la Recherche). Professora substituta em Comunicação na Universidade de Cergy Pontoise. Email: [email protected].
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Doutorando em Ciências da Informação e da Comunicação, Universidade Paris Sorbonne – CELSA –
GRIPIC, titular de uma bolsa de doutoramento (contrat doctoral) da Universidade Paris Sorbonne-Paris
IV. Site: www.allardhuver.fr.
3
Jornalista e doutoranda em Ciências da Informação e da Comunicação, Universidade Paris Sorbonne –
CELSA – GRIPIC, em cotutela com a Universidade de Brasília, titular de uma bolsa Capes de doutorado
pleno no exterior. Email: [email protected].
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de pesquisa em seus conhecimentos, que por sua vez, não são imunes a crenças e/ou
ideologias. Ele questiona sua própria visão do mundo para tentar apreender os problemas sob uma nova luz, sob um novo paradigma.
Segundo Latour, a ciência é como o deus Jano, da mitologia romana, tem duas
faces diferentes. Uma das faces representa o processo terminado, a ciência realizada; a
outra, o processo hesitante e, às vezes, controvertido da ciência em construção. Nosso
trabalho sobre as controvérsias nos leva a nos confrontar com “as duas faces de Janus:
uma viva, outra austera, uma incerta, outra segura dela mesma, uma informal e instável,
outra formalista e organizada” (Latour, 2005, p.29).
Na sociedade em que vivemos, os questionamentos sobre as incertezas da ciência tomam uma proporção importante, fechando assim o processo de racionalidade e de
reflexividade científica, dentro de um questionamento geral próprio da sociedade pósindustrial, como demonstra Beck em “A sociedade do risco” (Beck, 2010). Neste sentido, a ciência é criadora e sujeita a controvérsias.
Estes questionamentos se desenvolvem em um espaço público onde os meios de
comunicação desempenham um papel predominante, não somente porque as questões
científicas de cunho ambiental são fenômenos essencialmente mediados, sua percepção
é possível ao cidadão comum somente através de uma mediação, mas também porque,
em nossa sociedade, o direito à informação está intimamente ligado à participação política. Existe uma relação entre a reivindicação do direito de expressão política e o direito
à informação, a necessidade de contar com informações completas passa a ser um componente necessário do exercício da cidadania. O direito a informação se traduz pela
obrigação de informar (D’Almeida, 2007).
É necessário então informar com o objetivo de promover a participação cidadã.
Neste sentido, a ciência desempenha o papel de porta-voz. Ela deve alertar e esclarecer
o debate. Este debate não é apenas mediado, mas midiatizado. O discurso resultante
desta midiatização leva as marcas, não somente da linguagem da ciência, mas também
dos códigos narrativos dos meios de comunicação, construídos a partir da articulação
entre o campo jornalístico – fortemente influenciado por valores, ideologias e mitologias da profissão (Neveu, 2002; Van Dijk, 1990) – o campo econômico e poderes sociais.
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Este trabalho apresenta uma reflexão, baseada nos trabalhos de tese em andamento dos três autores, sobre as controvérsias como modalidade de midiatização de
questões ambientais. O objetivo de nossas pesquisas é analisar a representação de questões como as mudanças climáticas e os organismos geneticamente modificados, transgênicos, na imprensa francesa e brasileira. Quando falamos de modalidades, partimos
do pressuposto comum que as controvérsias participam da midiatização destas questões,
mas não são o único elemento responsável por elas. Também participam o trabalho de
divulgação dos cientistas, a dramatização e espetacularização dos temas, entre outros
fatores. Mas nesta proposta, nos ateremos à questão das controvérsias. Começaremos
definindo as controvérsias para depois observarmos as relações estabelecidas com o
discurso jornalístico e com a opinião pública.
2. Definições
A controvérsia é inerente a construção do conhecimento científico. Segundo
Dominique Pestre (2007), a controvérsia faz parte da fabricação de conhecimentos e é
necessária para a ciência, por ser estruturante. A controvérsia é constitutiva de uma ciência legítima e tem um lugar importante no discurso científico. No contexto científico,
dentro da controvérsia existe um juiz a quem é conferida a autoridade para decidir o
debate. Por isso os conhecimentos e/ou o status deste juiz devem ser iguais ou superiores aos dos debatedores: ele estabelece assim uma relação de poder com os participantes. O que acontece com a controvérsia quando ela sai do domínio científico? Sua definição é modificada por seus novos usos?
Latour (1989) busca responder a estas perguntas observando como práticas de
laboratório se transformam em verdades socialmente aceitas e constroem um novo
mundo. As análises feitas pelo autor permitem mostrar que as controvérsias científicas
são parte integrante da sociedade, que transformam e são transformadas por ela. Para
Latour a controvérsia é transversal: ela se forma na esfera científica, mas pode transitar
em outras esferas políticas, mediáticas, do espaço público, etc. A natureza da controvérsia evolui.
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Lemieux explica que o termo controvérsia “se refere a situações onde um desacordo entre duas partes é representado diante de um público, que por sua vez é colocado
em posição de juiz” (Lemieux, 2007, p.195). Neste caso, a controvérsia apresenta uma
característica triádica: dois adversários, ou dois grupos de adversários, e um terceiro
participante que é ao mesmo tempo público e juiz. Na perspectiva sociológica de Lemieux, o lugar deste terceiro participante pode ser ocupado tanto por cientistas, quanto por
uma instância política ou pelos meios de comunicação.
Para o autor, os meios de comunicação corresponderiam melhor às demandas de
divulgação da controvérsia. “O desenvolvimento de meios de comunicação [...] permite
aos membros destas diferentes esferas [...] solicitar o apoio dos leigos (através dos jornais, da rádio, e da televisão)” (Lemieux, 2007, p.199). Neste contexto sociológico particular, a controvérsia não é somente científica, mas se desloca entre diferentes esferas
sociais e adquire assim uma nova “apresentação”. Ela é transformada por este deslocamento, perde certos argumentos e desenvolve outros em função, principalmente, do público juiz.
Segundo o economista Olivier Godard, as controvérsias sobre as mudanças climáticas nos anos 2000 são “híbridas ou transversais, e não se desenvolvem nem em um
só terreno social, nem em um só terreno científico” (Godard, 2012, p.117). Godard
compreende a midiatização da controvérsia como uma transgressão do domínio científico. Segundo o autor, quando a controvérsia científica muda para o universo social, se
transforma, e esta transformação acontece, segundo o autor, através de “uma manipulação de enunciados científicos para uma coalizão de interesses sociais” (Godard, 2012,
p.117). Para o autor, a controvérsia é predominantemente científica. Nós não concordamos com esta delimitação. Para nós a controvérsia é científica, mas ao mesmo tempo
social. A ciência, através de seus discursos, impregna e é impregnada pelo social.
A definição de Godard rompe radicalmente com a ideia de uma controvérsia
construtiva e positiva, desenvolvida nos domínios científicos, e se aproxima da ideia de
polêmica e de querela.
2.1 Controvérsia, polêmica e querela
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Os termos “querela” ou “polêmica” transmitem a ideia de uma “comunicação
verbal nos espaços públicos contemporâneos” (Amossy e Burger, 2011, p.7), e podem
ser usados para caracterizar uma situação em que cientistas se enfrentam na esfera pública e, normalmente, através dos meios de comunicação. Mas a escolha de palavras
como “querela”, “polêmica” ou “controvérsia” não é uma decisão neutra. Ainda que os
três vocábulos se refiram a processos similares, eles se inscrevem em tradições epistemológicas diferentes e propõem ângulos de análise diferentes de uma mesma problemática ambiental.
Para Kerbrat-Orecchioni a relação semântica entre “polêmica” e “controvérsia”
não é muito clara. Segundo a autora a controvérsia constitui um “debate organizado,
portanto sereno” (Kerbrat-Orecchioni, 1980, p.16), respondendo assim, a normas instituídas, e a uma forma de contrato tácito entre os protagonistas.
Outros autores, principalmente Yves Jeanneret (1998), preferem falar de “querela” em lugar de “polêmica”, se referindo assim à tradição das análises literárias que inspiraram algumas correntes das Ciências da Informação e da Comunicação, e a grandes
enfrentamentos que definiram as bases das Ciências Humanas e da sociedade moderna
como a Querela dos Antigos e dos Modernos, no século XII.
2.2 A circulação como operador de transformação
O vocábulo polêmica origina-se do grego pólemos (guerra). A polêmica seria então uma guerra verbal, que teria como objetivo a “destruição”, isto é, descredibilizar o
outro, através de palavras, em um terreno público. A “destruição” é, claro, virtual mas
eficaz. “Uma polêmica é uma guerra metafórica” (Kerbrat-Orecchioni, 1980, p. 40) e
democrática. O aspecto que ganha destaque nesta definição é o da destruição em lugar
da construção, no caso da controvérsia. A polêmica tem um aspecto dialógico, ao corresponder obrigatoriamente a outro texto, e circula no social, na rede intertextual midiática.
Como precisa Jeanneret (1998), estes textos circulam fora de seu espaço disciplinar. Segundo o autor a polêmica se desenvolve em um âmbito bem mais vasto que o
de uma disciplina ou de um campo de produção circunscrito, ela se desenvolve no espa5
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ço público. Estes espaços diferentes do discurso participam do que Jeanneret chama de
“politopia” da polêmica, que pode ser observada na circulação de textos em diferentes
espaços discursivos, do artigo científico ao artigo jornalístico, passando pelos textos de
vulgarização.
Para responder ao ataque, o participante da polêmica deve retomar o discurso do
outro, e normalmente o deformar a seu favor. Maingueneau fala de “um interdiscurso
em um contexto de interimcompreensão” (Maingueneau, 1983, p.23). Jeanneret fala de
circulação e de trocas entre “pré-texto” e “meta-texto”, verdadeira rede de textos e de
discursos, uma “poligrafia” onde participam a edição, a escolha e a seleção (Jeanneret,
1998). Os discursos respectivos são interpretados ao longo da interação e adaptados em
função das necessidades dos interlocutores, podendo tratar-se de uma interação verbal
ou escrita.
Esta forma de circulação de propósitos polêmicos é geradora de transformações
importantes, e de esquecimentos voluntários, o objetivo é falsificar a palavra do outro,
para desqualificar. A polêmica se amplifica ou diminui em função das emoções que
causa nos dois grupos enunciadores, que defendem cada um seu campo. O discurso polêmico pode ser definido como um enfrentamento de teses pessoais no interior de um
conjunto ideológico comum. É necessário estar de acordo, aceitar o terreno da polêmica,
e escolher as armas e as regras.
A polêmica é então uma guerra verbal onde se enfrentam dois campos, sem juiz.
Ela se situa no limite da comunicação racional “onde domina um desacordo fundamental, radical, e que parece durável” (Amossy e Burger, 2011, p.7). O objetivo da polêmica
não é decidir para enriquecer o campo do qual ela é originária como no caso da controvérsia.
Outra diferença entre polêmica e controvérsia é o caráter midiático da polêmica.
A polêmica funciona na urgência e não aceita a mesma temporalidade do discurso científico, no qual se situa a controvérsia (Kerbrat-Orecchioni, 1980). Neste caso, podemos
dizer que ela se adapta ao discurso jornalístico e corresponde a um determinado valor de
atualidade.
A controvérsia normalmente não é midiatizada, ou então, fica restrita a meios
especializados. Como o objetivo científico é de construir um consenso, a parte contro6
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versa existente é normalmente escondida dos olhos do público, para conseguir um consenso político e social. Desta maneira, os conhecimentos científicos são colocados como
verdades inalteráveis aos olhos dos políticos e da opinião pública.
Já os polemistas que se interessam por questões científicas, desenvolvem seus
debates em terrenos midiáticos. A polêmica como discurso se encontra então essencialmente no terreno dos discursos midiáticos, e nos meios de comunicação de massa. A
polêmica se constrói através da aceleração da circulação dos textos através da multiplicidade de meios e de formas midiáticas, principalmente as introduzidas pelas novas tecnologias da comunicação.
3. Funcionamento discursivo da polêmica
A polêmica seria marcada por duas características contraditórias: o controle, a
manipulação de um lado, e a espontaneidade e o envolvimento passional do outro. A
partir de agora deixamos a razão, que caracteriza os discursos científicos, para mergulhar em discursos emocionais.
A emoção aparece inexoravelmente nos processos discursivos relativos ao campo semântico guerreiro da polêmica, marcado pela agressividade, a veemência, os insultos, etc. Esta agressividade apresenta-se em forma de ataque contra uma pessoa, e não
contra argumentos. O discurso polêmico ataca um alvo, normalmente personalizado
através de um indivíduo específico, ou de um grupo. A polêmica define o campo adversário e é dialógica, porque compreende dois campos que se correspondem por textos
interpostos, e não triádica como a controvérsia. O polemista visa um indivíduo como
representante de uma posição discursiva, e desenvolve uma dupla atividade de desqualificação da pessoa e do posicionamento discursivo.
3.2 Os discursos polêmicos midiáticos
Segundo Yanoshevsky, que estudou os discursos polêmicos jornalísticos, o papel
do terceiro participante durante as polêmicas é claro. Ele é normalmente representado
pelo povo, “o intercâmbio entre interlocutores é sempre destinado a um terceiro” (Ya7
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noshevsky, 2003 : 5), constituído por jornalistas, por auditores, leitores, telespectadores,
que têm, na maioria das vezes, uma característica comum: ser alheio ao domínio científico do qual a polêmica é proveniente.
Jornalistas e opinião pública não têm condições de julgar ou arbitrar em uma
controvérsia, mas podem assumir esta responsabilidade em um contexto polêmico. Yanoshevsky chega a comparar a polêmica a uma forma teatral, na qual “o discurso não é
unicamente destinado aos interlocutores imediatos, mas igualmente aos “overhearers”
(destinatários indiretos)” (Yanoshevsky, 2003, p. 5). Para o autor, o enunciador se direciona também ao terceiro participante com o objetivo de “manipular”: “a polêmica tem
a função de manipular um terceiro contra a pessoa atacada, ou constitui uma propaganda
para o ponto de vista do locutor” (Yanoshevsky, 2003, p. 5). Desta maneira, a polêmica
parece ter como objetivo a extensão do domínio da luta a todo o espaço público, dentro
de um tipo de “julgamento coletivo e vasto” (Amossy e Burger, 2011, p.7).
O jornalista se coloca como árbitro dividindo o tempo de palavra das duas partes,
durante um debate midiatizado na televisão ou no rádio, ou nas páginas dos jornais,
obedecendo a regra, segundo a qual, a objetividade se traduziria pelo equilíbrio entre o
tempo/espaço de palavra dos dois campos.
Para Yanoshevsky, o jornalista se coloca entre dois debatedores e toma parte ativa
no debate, como mediador, e às vezes toma partido. A autora faz uma gradação da participação do jornalista, que pode assumir vários papéis na polêmica em função de sua
implicação no debate. Ele pode ser simples intermediário, sem envolvimento e com uma
posição imparcial diante dos polemistas; mediador, tentando facilitar o debate para encontrar um acordo, missão muitas vezes considerada como impossível durante o desenvolvimento das polêmicas, neste contexto particular, o jornalista desempenha o papel de
árbitro; intérprete comentador, quando é encarregado de explicar certos propósitos, que
podem parecer obscuros para a audiência; porta-voz, quando toma partido de um dos
polemista, situação representativa, segundo a autora, de um jornalismo engajado.
Independentemente das diferenças de papéis que contribuem para o trabalho de difusão e de midiatização da controvérsia, o jornalista opera sempre uma transformação
do sentido, através da justaposição dos discursos opostos em um mesmo objeto textual;
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de uma “poligrafia” passamos a uma “polissemia” do debate. É através do jornalista que
a controvérsia se transforma em polêmica.
4. Do juiz ao partidário: a opinião pública.
Kerbrat-Orecchioni aborda pouco a noção de receptor, que considera como um
dos dois adversários do discurso polêmico. Mas o aspecto triádico da controvérsia não
desaparece: “assim como o discurso didático é destinado a dar ao receptor uma informação que ele ignora, o discurso polêmico tende a fazê-lo rejeitar uma informação que
ele admite ou poderia admitir” (Kerbrat-Orecchioni, 1980, p.10).
Esta constatação permite fazer duas observações. Primeiramente, segundo este
propósito, a polêmica se transforma em antônimo do consenso, que deve, por sua vez
encontrar um terreno de entendimento comum. O consenso se define como um acordo
próximo à unanimidade, isto é, um acordo no qual subsistem certas divergências de opinião menores, certas incertezas que não enfraquecem em nada o consenso sobre a questão. A polêmica consiste em uma espetacularização e uma amplificação dos desacordos.
A ausência de juiz declarado deixa um espaço vago durante a relação discursiva polêmica, lugar ocupado por leigos.
Segundo Philippe Braud, a opinião pública aparece como um fenômeno coletivo e
dinâmico, ela é a “representação socialmente construída (pela imprensa, as pesquisas de
opinião) do que deve pensar a população” (Braud, 1998, p.5). Como novo ator construído, a opinião pública nasce das pesquisas de opinião, analisadas e comentadas por um
pequeno grupo de pessoas, principalmente políticos e a imprensa. Mas porque o ponto
de vista do cidadão interessa tanto aos jornalistas? Porque a imprensa deve representar o
cidadão, dando um espaço de palavra que este não teria sem a presença de jornalistas.
Ao mesmo tempo a opinião pública permite ao jornalista construir um novo ator político
e social, ainda que fictício, que representaria um contra-poder e funcionaria como arma
de pressão contra os dirigentes.
Falando em nome de um ator inexistente, a imprensa pode assim influenciar as
classes políticas dirigentes. Os jornalistas colocam em cena o acontecimento relatado
através, principalmente, do que o cidadão diz, da opinião pública. Por esta razão, con9
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trolar as mensagem difundidas nos meios é capital para os polemistas, assim eles participaria do contra-poder. Seu ponto de vista, divulgado na imprensa, seria difundido graças aos diferentes canais como blogs e fóruns.
Os dois grupos, jornalistas e opinião pública, não têm conhecimentos para decidir o
debate, por isso se remetem a modos de legitimação e ideologias. Assim, se transformam em porta-vozes de um dos lados e fazem, de alguma maneira, propaganda de quem
eles consideram vencedor da polêmica. Porque como em uma guerra, a continuação da
polêmica não é neutra: ela conta com um vencedor e um vencido, um lado que ganhará
a credibilidade da opinião pública e outro que perderá. Assim, o papel de juiz na polêmica não é o de separar, nem mesmo de arbitrar, mas de acreditar na veracidade de uma
informação e de difundi-la o máximo possível. De todas maneiras, “não interessa saber
quem tem razão” (Kerbrat-Orecchioni, 1980, p.32), o objetivo segue sendo o efeito de
sedução e não a verdade.
O polemista confere assim aos leigos-juízes um poder que eles não podem exercer,
porque não têm a capacidade de julgar e também não lhes é dada esta oportunidade (talvez nas mídias alternativas) porque o objetivo é a destruição, não a resolução de problemáticas. Como precisa Jeanneret, em uma polêmica “a imprecisão quanto aos saberes envolvidos é estrutural. O problema é redefinido em permanência, mobilizado por
atores determinados pelos mídias.” (Jeanneret, 1998, p.76).
Assim, os cientistas aceitam a mudança de “terreno, de armas, de regras” e de “juízes” (jornalistas e opinião pública) quando falam através dos mídias. A controvérsia se
transforma em midiática. O ponto de vista linguístico tende, desta maneira, a uma separação entre controvérsia e polêmica, posicionando a primeira no centro dos discursos
científicos, sem relação direta com os mídias, e a segunda, como parte do discurso relevante dos mídias de massa.
5. Considerações finais
O que apresentamos neste artigo foi um quadro referencial teórico para o desenvolvimento de uma análise da imprensa sobre questões científicas de fundo ambiental.
Nosso interesse é analisar como a exposição de controvérsias científicas na imprensa
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participa da midiatização destas questões e contribui à circulação de questões ambientais na sociedade. Como vimos na reflexão, acreditamos que quando as controvérsia
saem da esfera política, sofrem transformações que a redefinem como polêmicas midiáticas. O discurso polêmico seria de outra ordem que o discurso da controvérsia.
Estas questões devem agora ser analisadas nas páginas dos jornais, observadas
nos casos concretos da midiatização das mudanças climáticas e dos organismos geneticamente modificados. Também seria interessante aprofundar a analise sobre as relações
estabelecidas entre as transformações da controvérsia científica e o discurso dos jornais,
observando como a realidade dos códigos narrativos da imprensa influencia na construção do discurso polêmico.
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