A Responsabilidade do Estado em Decorrência da Morosidade
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A Responsabilidade do Estado em Decorrência da Morosidade
A Responsabilidade do Estado em Decorrência da Morosidade Judicial e as Possíveis Hipóteses para Solução deste Fato. A RESPONSABILIDADE DO ESTADO EM DECORRÊNCIA DA MOROSIDADE JUDICIAL E AS POSSÍVEIS HIPÓTESES PARA SOLUÇÃO DESTE FATO Antonio Raimundo Pereira Neto1 Resumo A lentidão jurisdicional é um fato incorporado à realidade de diversos países da América do Sul, entre eles o Brasil, mesmo assim o Estado nada faz para combatê-la. Em contraste com esta realidade fática encontra-se nossa Lex Legum, que enquadra o serviço judiciário na condição de público, afirmando outrossim que o jurisidicionado possui direito há uma razoável duração do processo judicial. Diante deste panorâma, a presente pesquisa propõem-se a investigar não só se o Estado deve ser responsabilizado quando o processo judicial contiver uma morosidade danosa às partes, mas também em que forma se dará esta responsabilização, caso seja possível, se objetiva ou subjetiva. Palavras-chave: Responsabilidade objetiva; Estado; Morosidade; Poder Judiciário. Abstract The slowness is a jurisdictional fact incorporated into the reality of many South American countries, including Brazil, yet the state does nothing to combat it. In contrast to this factual reality is our Lex Legum, which fits the condition of judicial service in public, saying that likewise has jurisidicionado right there is a reasonable duration of judicial proceedings. Against this backdrop, this research proposes to investigate not only whether the state should be held accountable when the lawsuit contains a damaging delays to the parties, but also how to give this responsibility, if possible, whether objective or subjective Keywords: Strict liability; State; Delays; Judiciary. 1. Introdução A atividade ou omissão do Estado, dentro do âmbito contratual ou extracontratual e no cumprimento de qualquer de suas três funções, seja a executiva, legislativa ou judicial, é suscetível de causar danos aos particulares que, de acordo com a mais elemental noção de equidade e justiça, requerem uma reparação pelo seu autor, isto é, pelo Estado. Esta noção de responsabilização do Estado nos parece uma necessária e inafastável consequência do Estado de Direito recepcionado pelo clássico modelo de democracia ocidental. Não podemos deixar de mencionar que o reconhecimento da responsabilidade do Estado foi produto de uma larga evolução histórica, com marchas e contramarchas, através 1 Professor de Direito do Trabalho e Direito Civil da UNIME, Bahia, Brasil. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho. Aluno do curso de Doutorado em Ciências Jurídicas e Sociais da Universidad del Museo Social Argentino. Membro da Academia de Letras Jurídicas do Sul da Bahia (ALJUSBA). E-mail: [email protected] Antonio Raimundo Pereira Neto – Revista Diálogos Sócio-Jurídicos – Volume 1, 2012. 53 A Responsabilidade do Estado em Decorrência da Morosidade Judicial e as Possíveis Hipóteses para Solução deste Fato. das quais se foi delineando paulatinamente até adquirir os contornos que hoje a caracterizam. Isso se deve fundamentalmente ao labor da jurisprudência e dos doutrinadores e, posteriormente, em alguns casos particulares, ao reconhecimento expresso da legislação2. Por outro lado, é imprescindível destacar que, em certos âmbitos, esta evolução da responsabilização do Estado ainda se encontra inacabada, tal como sucede com o reconhecimento da responsabilidade do Estado em decorrência da Morosidade Judicial, a qual é uma matéria relativamente nova na sistemática jurídica brasileira. O surgimento de posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do tema cresceu em nosso país após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que instituiu a responsabilidade objetiva do Estado nos moldes do seu art. 37, §6°, sendo que após a Emenda Constitucional nº 45/2004 aumentaram ainda mais as reflexões sobre os limites e possibilidades de responsabilização do Estado nestes casos. O direito argentino, por sua vez, no ano de 1984 já chegava ao clímax da onda de responsabilização objetiva e direta do Estado, sendo que o marco deste posicionamento teve suporte em um acórdão da Corte Suprema de Justiça da Nação 3 no caso “Vadell Jorge F. vs. Provincia de Buenos Aires”.4 Calha registrar outrossim que a responsabilidade decorrente da morosidade judicial é incipiente em nosso ordenamento jurídico, não tendo acompanhado o ritmo de crescimento das demais modalidades de reparação por ação ou omissão estatal. Dessa forma, inúmeras ações reparatórias decorrentes da morosidade judicial não têm logrado êxito, isso por falta de uma cultura jurídica que tenda a responsabilizar o Estado pelo seu mau funcionamento, funcionamento errado ou ainda pelo não funcionamento a contento da prestação jurisdicional. É lamentável que ainda persista em alguns tribunais o entendimento de que o Estado não é responsável por danos causados a terceiros, quando de uma atividade jurisdicional morosa e ineficaz. 2 HITTERS, Juan Manuel. Responsabilidad del Estado por error judicial. Buenos Aires: AbeledoPerrot, 1992, t. IV, pp.656. 3 Decisão publicada no seguinte periódico argentino: La Ley, 12-122, com nota do constitucionalista Spota, Alberto G. Antonio Raimundo Pereira Neto – Revista Diálogos Sócio-Jurídicos – Volume 1, 2012. 54 A Responsabilidade do Estado em Decorrência da Morosidade Judicial e as Possíveis Hipóteses para Solução deste Fato. Nesse diapasão, a motivação da presente pesquisa teve origem na necessidade de trazer à baila aspectos fundamentais de uma matéria em ascensão no direito brasileiro e no direito alienígena. Pretendemos endossar uma contracultulra, aquela que defende que o Estado é responsável pela prestação jurisdicional praticada a destempo, tendo que ser responsabilizado objetivamente por ela. Acreditamos ainda que responsabilizar o Estado pelo funcionamento caótico do Poder Judiciário contribuirá para que se opere uma reestruturação pessoal e tecnológica do mesmo, diminuindo consequentemente a morosidade e ineficácia do Poder Judiciário, o que desaguará numa maior legitimidade das tentativas de justiça, gerando uma maior credibilidade desta instituição perante a sociedade. Em remate, buscaremos amparo histórico na presente pesquisa, tendo em vista que acreditamos ser essencial um estudo do processo de evolução histórica da responsabilidade do Estado. 2. Evolução teorética sobre a responsabilidade do Estado Prevaleceu na época dos Estados Absolutos a teoria de que o Estado não tinha qualquer responsabilidade pelos atos praticados por quaisquer dos seus agentes. Neste período, primeira metade do século XIX, qualquer responsabilidade atribuída ao Estado significaria nivelá-lo juntamente com o súdito, ato que significaria desprezo para com a soberania daquele5. Esta teorização não vigorou por muito tempo, pois esta noção de que o Estado é um ente onipotente e inerrante dava ensejo a diversas situações de injustiça pela não responsabilização por atos de seus agentes. Tem origem nesse período histórico, por exemplo, a máxima de que o “rei não pode errar”. Nos dias atuais, o direito positivo das nações civilizadas admite a responsabilidade do Estado pelos danos que seus agentes causem a terceiros, até porque, sendo o Estado uma pessoa jurídica é titular de direito e obrigações.6 5 Neste sentido: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, pp. 644. Antonio Raimundo Pereira Neto – Revista Diálogos Sócio-Jurídicos – Volume 1, 2012. 55 A Responsabilidade do Estado em Decorrência da Morosidade Judicial e as Possíveis Hipóteses para Solução deste Fato. Com a superação da teoria da irresponsabilidade do Estado surgia concomitantemente a doutrina que apregoava a responsabilidade estatal desde que houvesse ação culposa de seu agente. Esse pensamento foi rotulado de Teoria Civil da Responsabilidade com Culpa ou da Responsabilidade Subjetiva. Essa teoria distinguia, de forma não muito clara, dois tipos de atos estatais: os atos de império e os atos de gestão. Estes eram praticados pela Administração com a semelhança de atos de direito privado, em situação de paridade com os particulares. Aqueles (ius imperii) decorreriam do poder soberano do Estado, pois eram dotados de coercibilidade. A partir desta distinção passou-se a admitir a responsabilidade do Estado nas hipóteses de prática de atos de gestão e a excluí-la nas hipóteses de atos de império. O grande problema desta teoria sempre foi diferenciar na prática o que vem a ser ato de gestão e o que vem ser ato de império.7 O próximo degrau evolutivo na forma de enquadramento da responsabilidade do Estado reside na chamada Teoria da Culpa Administrativa ou da Culpa do Serviço. Para essa vertente não se fazia necessário identificar o agente estatal causador do dano e muito menos se o ato praticado era de gestão ou de império, visto que cabia à vítima comprovar apenas que o fato danoso teve origem no mau funcionamento do serviço público e que, portanto, o Estado teria atuado culposamente. O próximo passo foi a criação da Teoria do Risco, que dispensa a verificação do fator culpa em relação ao fato danoso praticado pelo Estado, bastando que a vítima comprove a relação causal entre o fato e o dano. Tal teoria serviu de fundamento para a responsabilização objetiva do Estado. Este novo pensamento leva em consideração que o Estado tem mais poder e prerrogativas do que o administrado, que é hipossuficiente e encontra-se em posição de subordinação. Por tal razão, não seria razoável exigir que este, diante de prejuízos originados da conduta estatal, devesse se empenhar desmedidamente para lograr êxito em uma ação indenizatória. 6 Alguns países como Estados Unidos e Inglaterra deixaram a teoria da irresponsabilidade do Estado, respectivamente, em 1946 (por meio do Federal Tort Claim) e 1947 (por meio do Crown Proceeding Act). 7 Com o mesmo pensamento: CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pp. 503. Antonio Raimundo Pereira Neto – Revista Diálogos Sócio-Jurídicos – Volume 1, 2012. 56 A Responsabilidade do Estado em Decorrência da Morosidade Judicial e as Possíveis Hipóteses para Solução deste Fato. Para Hely Lopes Meireles8, a teoria do risco se subdivide em outras duas, a do risco administrativo e a do risco integral. Esta inadmite causas excludentes da responsabilidade do Estado, ao passo que a primeira admite hipóteses excludentes, tais como a de culpa da vítima, culpa de terceiros ou força maior. Atualmente, na maioria dos casos, tem predominado a teria do risco administrativo9, mas existe uma tendência de crescimento da teoria do risco integral10, que possui aplicação, por exemplo, nos casos de danos ambientais. 3. Responsabilidade decorrente da morosidade na prestação da jurisdição 3.1 A atividade judiciária como serviço público Nos tempos de antanho, os conflitos entre os homens eram dirimidos por meio da vindita privada, espécie de autotutela. Posteriormente, os seres humanos cederam uma parcela de sua liberdade com o fito de originar o Leviatã, ficando a cargo deste prover as necessidades coletivas da sociedade. Assim, a tutela jurisdicional passou a fazer parte da seara dos serviços públicos, apresentandose o Estado como titular exclusivo da atividade jurisdicional, em típico monopólio. Neste ponto, faz-se oportuno relembrarmos o conceito de serviço público, do qual é espécie a atividade judiciária. Classicamente, os administrativistas adotam três critérios para definir o conceito de serviço público, a saber, o critério subjetivo, o objetivo ou material e o formal. O critério subjetivo ou orgânico leva em consideração o órgão ou entidade provedores da utilidade, logo serviço público seria aquele prestado por aqueles entes estatais. O objetivo ou material é o que se baseia no objeto da atividade exercida, constituindo-se serviço público aquele que atende as necessidades coletivas. 8 MEIRELES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003, pp.623. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 150/152. 10 Neste sentido: MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 982. 9 Antonio Raimundo Pereira Neto – Revista Diálogos Sócio-Jurídicos – Volume 1, 2012. 57 A Responsabilidade do Estado em Decorrência da Morosidade Judicial e as Possíveis Hipóteses para Solução deste Fato. O formal, por último, que considera o regime jurídico, ou seja, o serviço público seria aquele regido pelas normas de direito público. Com espeque nestas construções teóricas, inúmeras definições foram elaboradas, restando a nós enumerarmos as principais e mais importantes. Para o saudoso professor Hely Lopez Meirelles11: serviço público é toda aquele prestado pela administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado. Já no entender do pensador Celso Antônio Bandeira de Mello12: Serviço público é toda a atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob o regime de direito público portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo. Um simples deitar de olhos sobre tais conceitualizações nos basta para deixar evidente que a acepção de serviço público não se cinge à atividade administrativa do Estado, abrangendo também o serviço judiciário que, em verdade, é uma espécie do gênero serviço público. Nesse contexto mostra-se perfeitamente adequado o pensamento de José Cretella Júnior13, para quem "O serviço público deve funcionar; deve funcionar bem; deve funcionar no momento exato. Não-funcionamento; mau funcionamento ou funcionamento atrasado podem ser fatos geradores de dano e, pois, de responsabilidade". Portanto, o mau funcionamento do serviço judiciário, como serviço público que é, deve ensejar sempre a responsabilidade do Estado, consoante demonstra a seguinte decisão extraída do Poder Judiciário Argentino14: 11 MEIRELES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003, pp.621. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 99. 13 CRETELLA JÚNIOR, José. O Estado e a obrigação de indenizar. Rio de Janeiro: Forense, 1998, pp. 195. 14 Decisão disponível em: <http://jurisprudencia.pjn.gov.ar/jurisp/principal.htm>. Acesso em 01 Jul. 2011. 12 Antonio Raimundo Pereira Neto – Revista Diálogos Sócio-Jurídicos – Volume 1, 2012. 58 A Responsabilidade do Estado em Decorrência da Morosidade Judicial e as Possíveis Hipóteses para Solução deste Fato. RESPONSABILIDAD DEL ESTADO. Acto judicial. Acto realizado por funcionario o agente auxiliar del Poder Judicial. Procedencia. Podrá discutirse en doctrina -según se adopte un criterio estrictamente orgánico o material - si tales actos son judiciales o administrativos, mas lo relevante es que los actos del proceso en que se actúa la función judicial son siempre actos propios del Poder Judicial, y aún cuando su realización no esté a cargo de magistrados, sino de funcionarios o agentes auxiliares de la justicia, no existe mérito para que el Estado deje de responder por los daños que con ellos se cause, ya que no difieren los principios fundantes de la responsabilidad (ver Reiriz, "Responsabilidad del Estado", págs. 78 y ss). (Grifo nosso). 3.2 O direito à jurisdição A jurisdição é um poder-dever do Estado de prestar a tutela jurisdicional a todo aquele que tenha uma pretensão resistida por outrem, aplicando a regra jurídica à celeuma. Ao mesmo tempo podemos afirmar que a jurisdição é o direito público e subjetivo, assegurado ao cidadão, de exigir do Estado a prestação da atividade jurisdicional, conforme dispõe no art. 5º inciso XXXIV alínea “b” e XXXV da Constituição Federal brasileira. Segundo Humberto Theodoro Jr.15: estabeleceu-se a jurisdição, como o poder que toca ao Estado, entre as atividades soberanas, de formular e fazer atuar praticamente a regra jurídica concreta que, por força do direito vigente, disciplina determinada situação jurídica. No entanto, não basta que se assegure o acesso aos órgãos provedores da jurisdição. É necessário que ela seja prestada, como nos demais serviços públicos, com eficiência e presteza, tentando atender de forma ágil e eficaz às pretensões dos litigantes. Por ululante, a prestação jurisdicional não se dá, tão somente, com a prolação da sentença, mas também, nos provimentos cautelares e antecipatórios denominados de tutelas de urgência e, principalmente, pela maior participação do magistrado na condução satisfatória do processo. Na mesma vereda do nosso pensamento é aquele externado por Carmen Lúcia Antunes Rocha16: 15 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, pp.30. Antonio Raimundo Pereira Neto – Revista Diálogos Sócio-Jurídicos – Volume 1, 2012. 59 A Responsabilidade do Estado em Decorrência da Morosidade Judicial e as Possíveis Hipóteses para Solução deste Fato. A liberdade não pode esperar, porque, enquanto a jurisdição não é prestada, ela pode estar sendo afrontada de maneira irreversível; a vida não pode esperar, porque a agressão ao direito à vida pode fazê-la perder-se; a igualdade não pode aguardar, porque a ofensa a este princípio pode garantir a discriminação e o preconceito; a segurança não espera, pois a tardia garantia que lhe seja prestada pelo Estado terá concretizado o risco por vezes, com a só ameaça que torna incertos todos os direitos. (Grifo nosso). Diante disso, é clara a idéia de que a jurisdição, do mesmo modo que os demais serviços públicos, constitui um direito básico e subjetivo do cidadão e, como tal, dá ensejo a todas as conseqüências e responsabilidades do servidor e do Estado. 3.3 Abrindo caminhos entre a doutrina e a jurisprudência relativas ao tema, inclusive direito comparado O Judiciário brasileiro vem sofrendo, ao longo dos anos, severas críticas sobre a sua efetiva operacionalidade, sendo a morosidade o ponto mais combatido e repudiado. É anseio de toda a sociedade que o Poder Judiciário solucione as lides que lhe são levadas de maneira ágil, eficaz e segura, sendo passível de críticas e reprovação a demora da efetiva prestação jurisdicional. Não há dúvidas de que os juízes e os servidores agem em nome do Poder Judiciário, assim como é inquestionável que este age em nome do Estado. E nossa Carta Magna, ao tratar da responsabilidade do Estado, só permite a indagação sobre a relação de causalidade entre o dano e o serviço público, não criando nenhum tipo de privilégio para levar à impunidade dos danos causados pelo péssimo funcionamento do Judiciário. Embora nos pareça claro que o Estado deve responder objetivamente pela morosidade do Poder Judiciário, por apego à verdade, devemos deixar claro que nosso posicionamento é minoritário, até porque o próprio Supremo Tribunal Federal17, em acórdãos não unânimes, tem exigido que o jurisdicionado comprove a culpa da morosidade do processo judicial para que seja cabível a reparação. 16 Este pensamento foi encontrado na seguinte obra: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, pp.32. 17 DIAS, José Aguiar. Da responsabilidade Civil. 11ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, pp. 863. Antonio Raimundo Pereira Neto – Revista Diálogos Sócio-Jurídicos – Volume 1, 2012. 60 A Responsabilidade do Estado em Decorrência da Morosidade Judicial e as Possíveis Hipóteses para Solução deste Fato. Não nos parece razoável exigir que o jurisdicionado comprove a culpa do Poder Judiciário pela morosidade do processo judicial, vez que as circunstâncias que corroboram para a lentidão da ação judicial são estruturais, típica situação interna corporis, o que dificulta sua comprovação. Neste passo, deve ser ônus do Estado provar uma das causas excludentes de responsabilidade, tais como a culpa exclusiva do jurisdicionado, caso fortuito ou força maior, ou a culpa de terceiro. Não se desincumbindo da prova de uma destas excludentes, impõe-se sua condenação quando houver excessiva demora no processo judicial. Ora, como não responder o Estado, por exemplo, no caso daquelas comarcas desprovidas de juízes ou de serventuários, em face da falta de providências para o preenchimento desta vagas? Ou então nas freqüentes situações de excesso de trabalho por parte dos Magistrados? Os fatos deixam aflorar que não é mais possível suportar a lentidão da justiça, que padece por causa de sua ineficácia estrutural. O Estado deve tomar medidas no afã de por um fim à negação da justiça pela via do retardamento na entrega da prestação jurisdicional.18 Resta ao jurisdicionado, destarte, o caminho de rebelar-se judicialmente contra o próprio Estado, que lhe ofereceu justiça a destempo, e exigir-lhe reparação civil pelo dano, ainda que esta via enfrente o mesmo empecilho. O simples fato de acionar o Estado é por si só uma maneira legítima de pressionar este, ao mesmo tempo em que se publiciza o inconformismo com as circunstâncias em que se encontra imersa a justiça.19 Endossamos integralmente a posição do Ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, Aliomar Balleiro20, o qual no Recurso Extraordinário n° 32.518, datado de 21.01.1966, defendeu, em posição minoritária, a responsabilidade objetiva do Estado também nas hipóteses de morosidade do aparelho judicial: Considero o Judiciário como serviço de vacinação, ou o serviço público de guarda noturna. O cidadão paga (para) tê-lo. Quem vem à porta do Supremo Tribunal Federal paga, embora seja um sumaríssimo preparo, que não cobre nem as despesas com a folha de papel gastas pelo juiz; apesar disso, paga. Está nas mãos do Estado cobrar mais taxas, mais impostos, porém, faça funcionar a Justiça. O que não posso admitir é que numa comarca haja situação realmente 18 Com este pensamento: DELGADO, José Augusto. Apud STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, pp. 1022. 19 Idem. Ibidem. pp.1022. 20 Informação retirada de: DIAS, José Aguiar. Da responsabilidade Civil. 11ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, pp. 863. Antonio Raimundo Pereira Neto – Revista Diálogos Sócio-Jurídicos – Volume 1, 2012. 61 A Responsabilidade do Estado em Decorrência da Morosidade Judicial e as Possíveis Hipóteses para Solução deste Fato. anárquica, com o juízo acéfalo, sem juiz, e, em outra, o juiz esteja assoberbado, como trabalho de duas comarcas. (Grifo nosso). Sobre o tema em estudo, posicionou-se da forma por nós defendida a Desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Marisa Ferreira dos Santos21: A morosidade da Justiça é a causa maior de seu descrédito pelo jurisdicionado: causa angústia, insatisfação. O poder Judiciário, constitucionalmente investido na função da composição de conflitos, ao demorar para dar seu veredicto, acaba, ele mesmo, por ser causa de mais insatisfação e, conseqüentemente, de mais conflito. A Constituição Federal de 88 assegura o acesso à Justiça. Ao lado da garantia constitucional do direito de ação está a triste realidade da tramitação morosa dos processos, que fulmina os direitos fundamentais do cidadão, acaba com as esperanças do jurisdicionado e aumenta o descrédito na Justiça. A justiça brasileira está congestionada. Por quê? Porque lhe falta infra-estrutura mínima para funcionar e ser eficiente: instalações adequadas, funcionários qualificados, juízes em número suficiente e leis processuais menos burocráticas. Mas, acima de tudo, é necessário que o próprio Estado seja o primeiro a cumprir a Lei, e não o maior causador de seu descumprimento. O jurisdicionado não pode pagar por essa situação lamentável em que nos encontramos. Cabe à União velar e zelar para que os serviços públicos, inclusive o serviço judiciário sejam eficientes; cabe a esse ente político a criação de condições para que esse serviço seja bem prestado. De nada adianta o trabalho insano de juízes e funcionários se a estrutura em que se assentam não é adequada ao serviço que devem prestar. Mas, repito, o jurisdicionado não deve pagar por isso. Continua ele a ter direito à prestação jurisdicional eficaz, ou seja, apta à solução dos conflitos. Se a União, ente político incumbido da prestação do serviço, não o põe à disposição do jurisdicionado de modo eficiente, e se dessa deficiente atuação sobrevém dano, incumbe-lhe indenizar. (Grifo nosso). Alguns autores parecem confundir a responsabilidade do Estado por erro judiciário, com a sua responsabilidade pelo defeituoso funcionamento da administração da justiça. É importante, ainda que perfunctoriamente traçar esta distinção, até porque a maior parte da doutrina administrativista tem concordado de forma quase uníssona na responsabilização do Estado em face do erro judiciário, ao passo que tem se verificado justamente o oposto quando se trata da hipótese de excessiva morosidade do aparato judicial. A doutrina espanhola, em notável avanço, apregoa a responsabilização do Estado quer nos casos de erro judicial, quer nas hipóteses de lentidão da prestação jurisdicional, é o que se infere das palavras de Eduardo Cobreros Mendazona22: 21 Informação disponível em: <http://www.jusnavigandi.com.br>. Acesso em 14 Jun. 2011. MENDAZONA, Eduardo Cobreros. La responsabilidad del Estado derivada del funcionamiento anormal de la Administración de Justicia. Madrid: Cuadernos Civitas, 1998, pp. 25. 22 Antonio Raimundo Pereira Neto – Revista Diálogos Sócio-Jurídicos – Volume 1, 2012. 62 A Responsabilidade do Estado em Decorrência da Morosidade Judicial e as Possíveis Hipóteses para Solução deste Fato. […] nos encontramos en el dominio de la responsabilidad por funcionamiento anormal de la Administración de Justicia, siempre y cuando la lesión se haya producido en el ‘giro o tráfico jurisdiccional’, entendido éste como el conjunto de las actuaciones propias de lo que es la función de juzgar y hacer ejecutar lo juzgado (excluidas las actuaciones de interpretar y aplicar el Derecho plasmadas en una resolución judicial que, como se acaba de indicar, caerán en el ámbito del error judicial); a sensu contrario, no entrarían en este concepto aquéllas actividades que produjesen un daño -incluso si éste fuese identificado plenamente como achacable a la actuación de un Juez o Magistrado -si su actuación no se hubiese realizado en el mencionado ‘giro o tráfico jurisdiccional’, sino en otro tipo de actuaciones distintas. En definitiva, en el régimen establecido para la responsabilidad por el funcionamiento anormal de la Administración de Justicia habrán de incluirse las actuaciones que, no consistiendo en resoluciones judiciales erróneas, se efectúen en el ámbito propio de la actividad necesaria para juzgar y hacer ejecutar lo juzgado o para garantizar jurisdiccionalmente algún derecho. A legislação colombiana, em igual sentido, prevê, desde 1996, que o Estado responderá perante o jurisdicionado nos casos onde exista um anormal funcionamento do aparelho judiciário, consoante se depreende da leitura do artigo 69 da Lei nº 279/199623: “quien haya sufrido un daño antijurídico, a consecuencia de la función jurisdiccional tendrá derecho a obtener la consiguiente reparación.” Em coerência com a legislação supra citada, o Tribunal Colombiano de Cundinamarca24, vem condenado o Estado a indenizar o jurisdicionado quando a falta de celeridade processual torna este excessivamente moroso, haja vista que em um Estado Social de direito exige-se não só um simples acesso à justiça, mas principalmente a celeridade nas decisões da mesma. Vale conferir este julgado: PROVIDENCIA Nº. 37 DEFECTUOSO FUNCIONAMIENTO DE LA ADMINISTRACION DE JUSTICIA – Incautación y deterioro de aeronave en investigación penal – El trámite judicial se adelantó con sujeción a la ley En materia de defectuoso funcionamiento en la prestación de un servicio, en este caso de naturaleza administrativa, es importante recordar los siguientes aspectos de orden general que si bien se refieren a la administración de justicia son de recibo dada la naturaleza de la falla del servicio que se imputa. Las dilaciones constituyen el supuesto más extremo de retraso en el funcionamiento de la administración de justicia; es claro que un Estado social de derecho exige además del acceso a la administración de justicia, la celeridad en las decisiones de la misma. (Grifo nosso). 23 Informação disponível em: <http://www.colectivodeabogados.org/Defectuoso-funcionamiento-dela>. Acesso em 18 Jun. 2011. 24 Acórdão disponível em: <http://www.juriversia.com/Colombia>. Acesso em 18 Jun. 2011. Antonio Raimundo Pereira Neto – Revista Diálogos Sócio-Jurídicos – Volume 1, 2012. 63 A Responsabilidade do Estado em Decorrência da Morosidade Judicial e as Possíveis Hipóteses para Solução deste Fato. É certo que se o Estado contraiu a obrigação de prestar o serviço público judiciário, o deve realizar em condições adequadas para chegar ao fim que foi estabelecido, sendo responsável pelos prejuízos que causar o seu não cumprimento ou sua irregular execução. Ante a imperfeição do sistema judicial resultaria antijurídico que a comunidade não fosse reparada dos danos excessivos, é dizer, aqueles que ultrapassam o limite do razoável ou tolerável. Cabe à prudente apreciação judicial, analisar caso a caso, onde foram excedidos tais limites, a fim de que se imponha a responsabilidade estatal para minorar o sacrifício temporal suportado pelo particular. O Estado faz-se responsável principal e direto das conseqüências danosas acarretadas pelas atividades dos seus órgãos ou funcionários, quer judiciais, quer não, vez que o poder público depende destes para fazer cumprir as finalidades das entidades que criou. Após a realização de pesquisa no site do Poder Judiciário Argentino, mais especificamente na Câmara Nacional de Apelações do Contencioso Administrativo Federal, verificamos a existência de decisões judiciais que responsabilizam o Estado objetivamente pela demora da tramitação processual, ex vi25: RESPONSABILIDAD DEL ESTADO. ACTO JUDICIAL. El anormal funcionamiento de la administración de justicia y los perjuicios producidos por él pueden resultar consecuencia de numerosas y variadas causas. Una de las más graves resulta, sin duda, aquélla que reconoce como origen la demora en la tramitación o resolución de las actuaciones judiciales, así como en la ejecución de las decisiones de éstas recaídas. Tal responsabilidad resultará, independiente de la existencia o no de dolo, culpa o negligencia de los magistrados o funcionarios judiciales responsables de la tramitación. (Grifo nosso). De saída, vale deixar claro que não estamos afirmando que todo e qualquer processo judicial que se arraste por longos anos ensejará a responsabilidade do Estado, até porque podem surgir circunstâncias que excluam a responsabilidade do mesmo, por exemplo, a queda de um raio no fórum que leva ao incêndio de diversos processos judiciais, típico caso fortuito, que exclui a responsabilidade do leviatã. Repetimos mais uma vez, que, a nosso ver, é ônus do Estado provar uma das causas excludente de responsabilidade, não se desincumbindo deste ônus, impõem-se sua responsabilização. 25 Decisão disponível em: <http://jurisprudencia.pjn.gov.ar/jurisp/principal.htm>. Acesso em 01 Jul. 2011. Antonio Raimundo Pereira Neto – Revista Diálogos Sócio-Jurídicos – Volume 1, 2012. 64 A Responsabilidade do Estado em Decorrência da Morosidade Judicial e as Possíveis Hipóteses para Solução deste Fato. 4. Suscitando hipóteses para tentar resolver a demora do processo judicial Vimos a não mais poder que a morosidade do processo judicial brasileiro é uma realidade, assim como que o Estado deve responder por este fato. Em continuidade à pesquisa, resta-nos, neste momento, tentar contribuir de alguma forma para a decapitação deste problema, o que faremos nas linhas seguintes. 4.1 Incentivos à busca da Justiça Arbitral A aplicação da Lei de Arbitragem nº 9.307/96 é um instrumento bastante útil na solução de litígios de bens disponíveis, já que não existe a possibilidade de recursos, sendo a decisão do árbitro, em regra, irrevogável. Diversos Estados brasileiros já estão praticando e incentivando a busca da população pela Justiça Arbitral, isso através das Câmaras de Arbitragem. É o que ocorre, por exemplo, em Salvador, capital do Estado da Bahia. Em outubro de 1994 a Associação Comercial da Bahia criou a Câmara de Mediação e Arbitragem, como ferramenta para a administração e extinção de litígios, buscando proporcionar às partes caminhos seguros, pela via extrajudicial, oferecendo ainda uma solução célere, qualificada, eficiente, econômica e confidencial das lides. Os litigantes, que optam pela arbitragem, escolhem o local e o idioma em que vai ser processada e quantos árbitros irão atuar, sempre em número ímpar. O árbitro não precisa ser advogado, nem juiz, mas apenas um profissional especializado na área do litígio e, por definição legal, conforme artigo 18 da Lei nº 9.307/96, “é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou homologação pelo Poder Judiciário.” O processo previsto na Lei de Arbitragem brasileira leva, em média, apenas seis meses para ser concluído, sem falar que as custas do processo arbitral26 são diminutas quando 26 Existem apenas duas custas: a de administração de procedimentos e a de honorários dos árbitros. Antonio Raimundo Pereira Neto – Revista Diálogos Sócio-Jurídicos – Volume 1, 2012. 65 A Responsabilidade do Estado em Decorrência da Morosidade Judicial e as Possíveis Hipóteses para Solução deste Fato. comparadas com as custas judiciais, até porque o Poder Judiciário, pela multiplicidade de recursos que comporta, traz consigo uma considerável onerosidade. Cabe aos Estados brasileiros promoverem a interiorização e consequente proliferação das Câmaras Arbitrais, afinal esta solução, quase sempre, aflora somente nas capitais. O direito comparado latino-americano tem evoluído no mesmo sentido, tanto que a Venezuela, por meio da Lei de Arbitragem Comercial, em seus artigos 5 e 6, tem buscado estimular na população venezuelana a cultura de adoção de cláusulas compromissórias em suas contratações27: Artículo 5 - El "acuerdo de arbitraje" es el acuerdo por el cual las partes deciden someter a arbitraje todas o algunas controversias que hayan surgido o puedan surgir entre ellas respecto de una relación jurídica contractual o no contractual. El acuerdo de arbitraje puede consistir en una cláusula incluida en un contrato o en un acuerdo independiente. En virtud del acuerdo de arbitraje las partes se obligan a someter sus controversias a la decisión de árbitros y renuncian a hacer valer sus pretensiones ante los jueces. El acuerdo de arbitraje es exclusivo y excluyente de la jurisdicción ordinaria. Artículo 6 - El acuerdo de arbitraje deberá constar por escrito en cualquier documento o conjunto de documentos que dejen constancia de la voluntad de las partes de someterse a arbitraje. La referencia hecha en un contrato a un documento que contenga la cláusula arbitral, constituirá un acuerdo de arbitraje siempre que dicho contrato conste por escrito y la referencia implique que esa cláusula forma parte del contrato. En los contratos de adhesión y en los contratos normalizados, la manifestación de voluntad de someter el contrato a arbitraje deberá hacerse en forma expresa e independiente. A Câmara Comercial de Caracas, no afã de estimular a utilização desta forma de composição de conflitos, chegou a disponibilizar uma cláusula modelo a ser inserida nos contratos onde as partes desejem utilizar a via arbitral, vejamos28: CLÁUSULA MODELO El Centro de Arbitraje de la Cámara de Caracas recomienda la siguiente cláusula arbitral: Toda controversia o diferencia (susceptible de transacción por las partes, no excluida por la Ley para ser resuelta mediante arbitraje), que verse sobre la existencia, extensión, interpretación y cumplimiento de este contrato, será resuelta definitivamente mediante arbitraje en la Ciudad de Caracas,Venezuela, de acuerdo con las disposiciones del Reglamento General del Centro de Arbitraje de la Cámara de Caracas. 27 Informação disponível em: <http://www.arbitrajeccc.org/index.asp?spg_id=22>. Acesso em 20 Jun. 2011. 28 Informação disponível em: <http://www.arbitrajeccc.org/index.asp?spg_id=21>. Acesso em 20 Jun. 2011. Antonio Raimundo Pereira Neto – Revista Diálogos Sócio-Jurídicos – Volume 1, 2012. 66 A Responsabilidade do Estado em Decorrência da Morosidade Judicial e as Possíveis Hipóteses para Solução deste Fato. El Tribunal Arbitral estará compuesto por ___ (_) árbitros (siempre debe ser un número impar) los cuales decidirán conforme a derecho (o equidad). Toda notificación en virtud de este convenio podrá realizarse a las siguientes direcciones: ____________________________. A Câmara de Comercio Argentina está trilhando os mesmos passos, tanto que já está organizando o “V Congresso Anual de Arbitragem”, que terá lugar nos dias 12 e 13 de outubro de 2011, na sede da Bolsa de Comércio de Buenos Aires. Consoante notícia disposta no próprio site29 da Câmara de Comercio Argentina, “los expositores disertarán sobre los elementos fundamentales del arbitraje y compartirán sus experiencias prácticas bajo el enfoque ‘El Arbitraje en el Bicentenario, Presente y Futuro.’” Cabe ao Brasil, por sua vez, criar projetos e programas que incentivem a população a buscar a via arbitral para solucionar seus litígios, visto que nossos tribunais encontram-se em pleno colapso. 4.2 Ampliação do número de juízes e servidores cartorários Esta recomendação é mais do que óbvia e se dirige precipuamente às Varas Cíveis lato sensu e Criminais das Justiças Estaduais, as quais, muitas vezes funcionam com menos de um juiz. Isso mesmo, menos de um juiz por Vara Cível ou Criminal. Esta afirmação causa perplexidade a muitos, mas é o que se costuma verificar nas Justiças Estaduais, haja vista que muitos magistrados são responsáveis por capitanear mais de uma Vara, que, por vezes, chegam a estar em comarcas distintas. Pelo menos dois magistrados para cada Vara Cível e Criminal contribuiriam sobremaneira para a conclusão eficaz dos conflitos. Podemos citar, como exemplo, a Justiça do Trabalho que já funciona desse modo. Esse recrutamento de magistrados deve ser acompanhado da concomitante investidura de servidores cartorários, os quais deverão praticar todos os atos processuais necessários para o regular andamento do processo. 29 Informação disponível em: <http://www.cac.com.ar/noticia/LA_CAC_AUSPICIA_EL_V_CONGRESO_ANUAL_DE_ARBITRAJE_ 2533>. Acesso em 20 de Jun. 2011. Antonio Raimundo Pereira Neto – Revista Diálogos Sócio-Jurídicos – Volume 1, 2012. 67 A Responsabilidade do Estado em Decorrência da Morosidade Judicial e as Possíveis Hipóteses para Solução deste Fato. Com igual pensamento ao que nós estamos propondo, encontramos as palavras claras e diretas de Andréa Alves de Almeida30: E a morosidade da atividade jurisdicional decorre da omissão indesculpável de o Estado não contratar funcionários (juízes, auxiliares do judiciário e defensores públicos) suficientes para cumprir o seu dever jurisdicional. Embora nos pareça inquestionável a necessidade de ampliação do quadro pessoal dos tribunais brasileiros, existem alguns pensadores da área jurídica que combatem ardorosamente esta hipótese de solução da morosidade judicial, é o que pensa Moniz Aragão31: Outra solução, igualmente falaciosa a meu ver, mas que tem muitos adeptos entre políticos e autoridades, inclusive judiciárias, é aumentar sempre mais a quantidade de juízes e tribunais. [...] Se raciocinarmos com problemas de saúde, quem defenderia o simples aumento do número de médicos e de leitos em hospitais em vez de estimular campanhas de vacinação? Ou administrar antitérmicos, em vez de procurar a causa da febre? Em muitos países da América do Sul a situação é peculiarmente grave, basta rememorarmos, que segundo os recentes dados do Conselho Nacional de Justiça32, o Brasil possui uma média de 08 (oito) juízes para cada grupo de cem mil habitantes. Peru, Chile, Equador, Bolívia e Venezuela, por seu turno, possuem respectivamente 6,0, 3,2, 6,5, 7,9 e 4,7 juízes para cada grupo de cem mil habitantes33. Já o Uruguai, em notável avanço, exibe uma média de 15,5 juízes para cada grupo de cem mil habitantes, situação que o deixa acima dos níveis encontrados em países como os Estados Unidos, que possui 11,6 juízes por cada grupo de cem mil habitantes. Insta deixar claro que não estamos defendendo que um aumento na quantidade de juízes seja de per se a única peça necessária para desafogar o judiciário, mas é indubitável que este é um 30 ALMEIDA, Andréa Alves de. A efetividade, eficiência e eficácia do processo no Estado Democrático. In: LEAL, Rosemiro Pereira. Estudos continuados de teoria do processo. v. 4. Porto Alegre: Síntese, 2004, p. 95. 31 ARAGÃO, E. D. Moniz de. Estatística judiciária. Revista de Processo, São Paulo, Ano 28, n. 110, abr.-jun. 2003, p. 12. 32 Informação disponível em: <http://jusclip.com.br/conjur-brasil-tem-oito-juizes-para-cada-cem-milhabitantes/>. Acesso em 28 Jun 2011. 33 BREÑA, Wilson Hernández. La administración de justicia en datos. Artigo disponível em: <http://www.justiciaviva.org.pe/informes/153a.pdf>. Acesso em 28 Jun 2011. Antonio Raimundo Pereira Neto – Revista Diálogos Sócio-Jurídicos – Volume 1, 2012. 68 A Responsabilidade do Estado em Decorrência da Morosidade Judicial e as Possíveis Hipóteses para Solução deste Fato. dos caminhos a serem trilhados para solução da precária situação atual. Não é por acaso que Paulo Tamburini, conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, acentuou que34: Precisamos entender que o juiz não é uma peça que trabalha sozinho no processo judicial, ele tem que ter um conjunto de servidores habilitados, capacitados e ágeis no andamento processual. Um magistrado precisa ter, também, recursos de ordem material em seu gabinete, para que consiga fazer um bom gerenciamento do acervo processual que não para de entrar nos tribunais, além de uma legislação processual que não permita retardamento no andamento do processo, como a quantidade de recursos atualmente existente. 4.3 Treinamento e salários dignos aos servidores da justiça De nada adiantará contratar servidores públicos (magistrados e servidores cartorários), se estes não receberem o adequado treinamento para o exercício do seu mister, pois, caso isto não ocorra, poderemos cair em outra hipótese de responsabilização do Estado: por erro judicial. O Estado deve canalizar uma maior parcela do erário público para fornecer cursos de capacitação e atualização para aqueles que integram o serviço judiciário, vez que a ausência destas medidas tem colaborado para o surgimento de uma classe de servidores cada vez mais despreparada e desatualizada. Em remate, afigura-nos eficaz a instituição de abonos de produtividade para aqueles servidores que ultrapassarem as metas instituídas pelos Tribunais de Justiça a que estejam vinculados, vez que este plus salarial serviria como um estimulo a mais para que aqueles impulsionassem a contento os processos judiciais. 4.4 Digitalização do processo judicial. O processo judicial digital surgiu justamente com o escopo de tutelar os importantes Princípios da Celeridade e Economia Processual, vez que a adoção do processo virtual, põe fim, verbi gratia, ao deslocamentos de advogados e partes no trajeto escritório-fórum e 34 Informação disponível em: <http://jusclip.com.br/conjur-brasil-tem-oito-juizes-para-cada-cem-milhabitantes/>. Acesso em 28 Jun 2011. Antonio Raimundo Pereira Neto – Revista Diálogos Sócio-Jurídicos – Volume 1, 2012. 69 A Responsabilidade do Estado em Decorrência da Morosidade Judicial e as Possíveis Hipóteses para Solução deste Fato. fórum-escritório, assim como aos atendimentos insatisfatórios geralmente encontrados nos balcões dos cartórios judiciais. Com o processo judicial digital consagra-se o Princípio da Publicidade do processo, ao mesmo tempo em que se elimina um grave inconveniente: o contumaz desaparecimento de autos físicos e petições. O Conselho Nacional de Justiça, através do seu Secretário Geral, Sr. Sergio Renato Tejada Garcia, vem salientando que35: além de combater a morosidade processual, o processo virtual ainda melhora o acesso à Justiça e a transparência do Poder Judiciário. Isso porque o processo eletrônico pode ser manejado em horário integral, isto é, as portas da Justiça estão sempre abertas para o jurisdicionado. A publicidade é tanta quanto a rede mundial da Internet permite. Vê-se, dessarte, que o processo virtual, por ser automatizado, leva a uma movimentação automática do processo judicial, visto que as citações e intimações passarão em sua maioria a ser realizadas via internet, sendo que naqueles casos em que a lei processual exige intimação pessoal, os procuradores serão intimados via e-mail com aviso de recebimento eletrônico. 5. Considerações finais Como temos apreciado, nos últimos anos há avançado consideravelmente o reconhecimento da responsabilidade estatal por danos produzidos pela morosidade da função jurisdicional. Inobstante isso, persistem certos resquícios que colocam este tipo de responsabilidade em um estágio menos evoluído do que outros tipos, tais como aquela oriunda da atividade administrativa e legislativa do Estado. A demora injustificada da prestação jurisdicional deve ser indenizada, uma vez que considerando a inteligência do art. 37, §6° e da Emenda Constitucional 45/2004, assim como entendimentos de direito comparado, se a mora provocar danos, o lesado terá legitimidade para intentar a ação de reparação por danos materiais e morais, ou ainda, Mandado de Segurança, quando a causa da demora for atribuída a ato de determinado magistrado. 35 Informação disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3176>. Acesso em 20 Jun. 2011. Antonio Raimundo Pereira Neto – Revista Diálogos Sócio-Jurídicos – Volume 1, 2012. 70 A Responsabilidade do Estado em Decorrência da Morosidade Judicial e as Possíveis Hipóteses para Solução deste Fato. A discussão trazida na presente pesquisa serve de alerta, e se for amplamente difundida, poderá se tornar um meio de pressionar o Estado a aparelhar o Judiciário, para que este preste um serviço mais eficiente. Ademais, o Poder Judiciário não pode ficar aguardando as soluções advindas de outros poderes. Deve tomar a dianteira da modernização, mudando a mentalidade de seus membros e auxiliares, simplificando os procedimentos, virtualizando os processos. Nesse diapasão, é inquestionável a relevância da matéria aqui debatida, haja vista que a responsabilização objetiva do Estado por atos judiciais minora a hipossuficiência do lesado quando litiga contra o Estado, fazendo com que a justiça seja efetivada e que o direito atinja seu maior escopo: a justiça social. Por fim, empolga-nos o fato de que existe um firme avanço jurisprudencial e doutrinário que vem apregoando a responsabilidade objetiva do Estado pelo mau funcionamento do Poder Judiciário, isso não só no direito pátrio, mas também em outros países que tomamos como parâmetro na presente pesquisa, como é o caso da Espanha e da Colômbia. 6. Referências Referências Eletrônicas http://www.arbitrajeccc.org http://www.cac.com.ar http://www.colectivodeabogados.org http//:www.juridicas.unam.mx http://www.jurisway.org.br http://www.juriversia.com/Colombia http://jurisprudencia.pjn.gov.ar/jurisp/principal.htm Antonio Raimundo Pereira Neto – Revista Diálogos Sócio-Jurídicos – Volume 1, 2012. 71 A Responsabilidade do Estado em Decorrência da Morosidade Judicial e as Possíveis Hipóteses para Solução deste Fato. http://jusclip.com.br http://www.jusnavigandi.com.br Bibliografia ARAGÃO, E. D. Moniz de. Estatística judiciária. Revista de Processo, São Paulo, Ano 28, n. 110, abr.-jun. 2003. 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