EXPLORAÇÃO DE LOTERIAS PELA UNIÃO: ATIVIDADE

Transcrição

EXPLORAÇÃO DE LOTERIAS PELA UNIÃO: ATIVIDADE
EXPLORAÇÃO DE LOTERIAS PELA UNIÃO: ATIVIDADE
DESENVOLVIMENTISTA OU MERO ENRIQUECIMENTO ESTATAL?
THE LOTTERIES EXPLORATION FROM THE FEDERAL GOVERNMENT:
DEVELOPMENTAL ACTIVITY OR JUST ENRICHMENT OF GOVERNMENT?
Hebert Vieira Durães
Resumo
O presente artigo científico foi desenvolvido a partir de uma pesquisa em pós-graduação,
em nível de mestrado, na qual se investigou a exploração exclusiva de loterias pela União
e a possível caracterização da relação jurídica de consumo. No decorrer da investigação
científica nasceu a inquietação de se discutir os números da arrecadação com a venda dos
bilhetes lotéricos, os seus respectivos repasses e indagar se a referida atividade econômica
explorada pelo Estado, em regime de exclusividade, colabora para o desenvolvimento
nacional ou se apenas enriquece os cofres públicos. Trata-se de uma pesquisa quantitativa
buscando traçar relações entre arrecadação e repasse de recursos, sem perder a feição
qualitativa, ao passo em que se questiona tais números. Suas fontes são bibliográficas e
documentais, partindo da legislação, documentos públicos (primários) e obras
doutrinárias que enaltecem a ciência do Direito. Discutir a exploração de loterias pela
União enquanto atividade possivelmente desenvolvimentista é de grande relevância para
a Ciência Jurídica, seja pelo fato de ser uma intervenção estatal na economia, seja pela
preocupação em buscar respostas cientificamente relevantes para problemas sóciopolíticos envolvendo o objeto da pesquisa.
Palavras-chave: exploração de loterias; desenvolvimento; arrecadação e repasse.
Abstract
This scientific article was developed from a survey of postgraduate, master's level, in
which it was investigated the exclusive use of lotteries by the Federal Government and
the possible characterization of the legal relation of consumption. In the course of
scientific research, started the restlessness to discuss the numbers of financial collection
from the sale of lottery tickets, their respective transfers and inquire if this economic
activity explored by the Government, on an exclusive basis, contributes to national
development or just enriches the public funds. This is a quantitative research to describe
relations between collect and transfer of funds, without losing the qualitative attribute,

Professor de Direito Empresarial, Direito Civil (obrigações, contratos e responsabilidade civil) e
Coordenador de Trabalho de Conclusão de Curso da Faculdade Internacional da Paraíba. Mestre em Direito
Econômico pela Universidade Federal da Paraíba. Especialista em Direito Empresarial e Direito Contratual
(FDDJ). Advogado.
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while this numbers are questioned. Their sources are bibliographic and documentary,
based on the law, public documents (primary) and doctrinal works that extol the Legal
Science. Discuss the operation of lotteries for the Federal Government as a possibly
developmental activity, have great relevance to the Legal Science, because of the fact that
state intervention in the economy, because of the concern to seek scientifically relevant
answers to social and political problems involving the research object.
Keywords: operation of lotteries; development; collection and transfer.
1 Introdução
Notadamente, existe um grande sonho de riqueza1 impregnado na alma humana.
Jogos do bicho, caça-níqueis, bingos, loterias2 e toda sorte de jogos e apostas premiadas
atraem os brasileiros e enriquecem os que promovem com investimento baixo e lucros
altos.
O Estado, então, percebeu a rentabilidade dos jogos e apostou todas as suas
fichas nessa atividade. Após realizar a primeira extração de bilhetes lotéricos em prol do
erário (e com objetivo de construir obras públicas), o poder público resolveu ser único
dono do negócio e investiu maciçamente.
O primeiro passo foi monopolizar a extração de loterias, passando a União a ser
a exploradora oficial e exclusiva da referida atividade. Por força de um Decreto-Lei, ficou
determinado que a Caixa Econômica Federal seria a única gestora da atividade
responsável pelo repasse de percentuais para programas sociais. Destarte, o presente
artigo analisa quais são os setores beneficiados, quais os percentuais repassados e em
quanto tais números se expressam. A pesquisa parte do pressuposto de que todos os
beneficiários são contemplados com os repasses.
Escrever sobre a Loteria Federal não é tarefa das mais simples, mormente pela
ausência de literatura que discorra sobre a matéria. As únicas fontes de pesquisa
específicas são as leis que disciplinam a atividade lotérica da União, circulares expedidas
pela Caixa Econômica Federal e pareceres de juristas. Extraídas dessas fontes, as
1
Expressão empregada pela Caixa Econômica Federal em propagandas da Loteria Federal.
Para melhor nortear o leitor, insta distinguir algumas expressões colocadas no presente estudo. Por vezes
é redigido “Loteria Federal” (no maiúsculo), noutras “loteria (s) federa (is)” (no minúsculo, podendo
aparecer no plural) e por vezes “loteria (s)”. No primeiro evento indica-se a nomenclatura criada pela União
para batizar a sua atividade lotérica; no segundo, aduz-se a atividade econômica explorada pelo governo
federal, sem fazer alusão, contudo, ao seu “nome próprio”; e no terceiro menciona-se apenas a espécie
jurídica de jogo (loteria).
2
125
informações são confrontadas com os princípios, teorias e fundamentos jurídicos
corroborados por pesquisadores que enaltecem o Direito pátrio.
Tal desafio é costurado juntamente com uma indagação construída no
desenvolver do estudo. Não é uma pergunta fácil e sua resposta não é entregue como o
resultado de uma equação matemática. Todavia, os indicadores de arrecadação e repasses
da Loteria Federal, somados a fatores históricos, políticos e até culturais, poderão indicar
se a exploração oficial de loterias pela União é uma atividade desenvolvimentista ou se
trata de mero enriquecimento da máquina pública.
2 Desenvolvimento
2.1 Evolução histórica, prolegômenos conceituais e marco legal
Conceitualmente, e de forma genérica, loteria é entendida como “coisa ou
negócio aleatório, dependente do acaso, da sorte” (FERREIRA, 1993, p. 2354), ou “jogo
de azar em que alguns dos bilhetes numerados recebem um prêmio” (MATTOS, 2001, p.
985).Modernamente, é conceituada como “Jogo de azar em que se vende grande
quantidade de bilhetes numerados, subdivididos em frações (décimos ou vigésimos),
alguns dos quais, determinados por sorteio, dão aos portadores direito a um prêmio em
dinheiro” (MICHAELIS.UOL, 2012).
Historicamente, registra-se que os primeiros indícios de prática de loterias, no
mundo, são de que os povos hebreus, egípcios, hindus, chineses e romanos iniciaram-na
de modo bastante primitivo, em caráter eminentemente entretenedor (APARECIDA,
2012). Todavia, na França, em meados de 1530 é que o Estado teria tomado a iniciativa
de promover sorteios em prol do erário.
Já no Brasil, o registro que se tem é de que foi realizada, pela primeira vez, em
Vila Velha, atual Ouro Preto, em Minas Gerais. Com o dinheiro arrecadado, foram
construídas a Cadeia Pública e a Câmara Municipal. Daí então foi que, em 27 de abril de
1884, o imperador D. Pedro II regulamentou o funcionamento das loterias, através do
Decreto nº 357. Mas, somente no século XX é que as loterias ganharam importância,
foram implementadas técnicas e métodos para a sua realização e sorteios (APARECIDA,
2012).
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A primeira extração da Loteria Federal sob a administração do Conselho
Superior das Caixas Econômicas Federais foi realizada em 15 de setembro de 1962, no
Estado da Guanabara, atual Rio de Janeiro (CAIXA.GOV, 2010).
Finalmente, em 27 de fevereiro de 1967, antes mesmo da unificação e
institucionalização da Caixa Econômica Federal, o presidente Castelo Branco editou o
Decreto-Lei nº. 204, regulamentando o segmento de loterias vigente no Brasil (art. 1º), in
verbis: “a exploração de loteria, como derrogação excepcional das normas do Direito
Penal, constitui serviço público exclusivo da União não suscetível de concessão e só será
permitida nos termos do presente Decreto-lei”. (BRASIL, 1967).
Destaque-se que o mencionado dispositivo atribui às loterias3 o caráter de
serviço público exclusivo da União, o que deixa explícito que o próprio Estado é quem
explora essa atividade diretamente. Todavia, estabelece-se a colaboração da empresa
pública, consoante se extrai do artigo 2º do mesmo Decreto-Lei: “a Loteria Federal, de
circulação, em todo o território nacional, constitui um serviço da União, executado pelo
Conselho Superior das Caixas Econômicas Federais através da Administração do Serviço
de Loteria Federal e das Caixas Econômicas Federais”. (BRASIL, 1967).
A autorização para realização dos concursos de loterias era concedida também a
particulares. Mas, atualmente, a CEF é detentora exclusiva das loterias federais. Isto é,
detentora exclusiva da colaboração à União. O Decreto-Lei nº. 204/674 autoriza o institui
a exclusividade da CEF aduzindo que a instituição “terá por finalidade explorar, com
exclusividade, os serviços da Loteria Federal do Brasil e da Loteria Esportiva Federal nos
têrmos da legislação pertinente” (BRASIL, 1967). Sacramentou-se, assim, o monopólio
de extração de loterias no Brasil.
2.2 Jogos ou aposta? Enquadramento jurídico da loteria federal
O Código Civil de 2002 trata da atividade de “Jogo e Aposta” como contratos
em espécie (arts. 814 a 817). Sem estender muito nessa oportunidade, vale mencionar que
3
Compreendida, nesse sentido, a Loteria Federal.
Pelo que consta, com base no Princípio da Presunção de Constitucionalidade (MORAES, 2007), a
Constituição Federal de 1988 recepcionou tal norma. Isso porque ausentes normas constitucionais dispondo
em contrário e inexistência de declaração de inconstitucionalidade, as disposições legais que asseguraram
à CEF a exclusividade da exploração das loterias federais, tendo por fundamento objetivo o diploma legal
de sua criação.
4
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a doutrina majoritária leciona que os jogos e apostas se apresentam em três espécies
diferentes: proibidos, tolerados e autorizados (PEREIRA, 2007), ou, sinonimamente,
podem ser ilícitos, lícitos e legais ou regulamentados, respectivamente (VENOSA,
2007)5.
Nesses parâmetros, Caio Mário da Silva Pereira (2007) leciona que os jogos
ilícitos, ou proibidos como prefere, são aqueles em que a sorte tem caráter predominante
no resultado. São os chamados jogos de azar. A título de exemplo elenca-se a roleta, o
bacará, o jogo do bicho, o sete e meio, dentre outros6.
Os jogos lícitos, muito embora sejam tolerados, não são bem vistos pelo Código
Civil e sofre as mesmas limitações que os ilícitos. Essa modalidade de jogo não depende
exclusivamente da sorte, como na espécie anterior, e não constitui contravenções penais
(GONÇALVES, 2009), a exemplo do bridge, a canastra, o truco, xadrez etc. São jogos
voltados ao entretenimento, tão somente.
Os jogos e apostas regulamentados, por sua vez, é o que interessa a essência
deste trabalho, tendo em vista as conotações jurídicas perseguidas. São consideradas
socialmente úteis e, como o próprio nome pressupõe, recebem a chancela do Estado para
o exercício da atividade.
A autorização para prática de determinados jogos, permitidos ou autorizados
pelo poder público, se justifica pelo benefício a quem os pratica, como competições
esportivas; ou porque provocam a circulação da economia, como o turfe e o trote; ou pelo
proveito que deles aufere o Estado a empregar obras sociais relevantes, tal qual ocorre
com a Loteria Federal (PEREIRA, 2007) e este é o ponto em que se pretendia chegar.
A Loteria Federal administrada pela Caixa Econômica Federal está inserta na
modalidade de aposta regulamentada ou autorizada. Estas, em razão do que disciplina a
doutrina já citada até agora, não são juridicamente classificadas como jogos de azar, ainda
que em sua aparência se revista da álea. A ilicitude que poderia macular tais modalidades
de jogos é afastada por força de lei, o Decreto-lei nº. 204 de 27 de fevereiro de 1967,
conforme demonstrado no próximo item.
5
Para efeito discursivo, no presente trabalho serão utilizadas as nomenclaturas postas pelo doutrinador Caio
Mario da Silva Pereira.
6
Como já foi visto anteriormente, a Loteria Federal está fora desse rol graças à exceção atribuída pelo
Decreto-lei nº. 204/67.
128
2.3 Sobre a derrogação excepcional de norma penal: uma autotutela no mercado
lotérico estatal
De fato, há certa discussão que não pode fugir de pauta. Ao observar o
funcionamento da Loteria Federal, notadamente os jogos de prognósticos numéricos, é
notória a presença do elemento álea7, o que faz da mencionada atividade um jogo
eminentemente de azar8. Ora, como pode o Estado tomar para si, em regime de
monopólio, uma atividade, pelo menos em princípio, tipificada com contravenção penal9?
Deveras, as loterias (leia-se Loteria Federal), como jogos de azar que os são,
estariam tipificadas como infração penal se não fosse pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº.
204 de 27 de fevereiro de 1967 que excepcionou tal prática do rol das contravenções
penais, o qual dispõe: “a exploração de loteria, como derrogação excepcional das normas
do Direito Penal, constitui serviço público exclusivo da União não suscetível de
concessão e só será permitida nos termos do presente Decreto-lei” (BRASIL, 1967).
Ou seja, através do Decreto-Lei nº. 204 de 27 de fevereiro de 1967, a União pôs
um manto (“derrogação excepcional das normas do Direito Penal” ) sobre as loterias
10
federais, impedindo que a Lei de Contravenções Penais incidisse sobre o monopólio
estatal de extração de loterias.
Em outras palavras, apenas no que diz respeito à exploração de loterias pela
empresa pública federal (Caixa Econômica Federal) é que se aplica a derrogação
excepcional ao art. 50 da Lei das Contravenções Penais (jogos de azar) e as loterias
estaduais que já estavam em funcionamento até a promulgação daquele Decreto-lei11.
7
Álea é um termo jurídico que significa literalmente a possibilidade de prejuízo simultaneamente à de lucro.
Um risco. É elemento comum nos contratos de seguro.
8
Art. 50 da lei nº. 3688/41 disciplina que “estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou
acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele” (PLANALTO, 2012).
9
Mirabete (2007, p. 117) informa que o Brasil adotou o sistema bipartido para classificar as infrações penais,
as quais se separam em crime ou delito (como sinônimos) e contravenção. O mencionado Doutrinador
leciona que esta infração penal é conhecida também como “crime anão”.
10
É importante destacar que por “derrogação” entende-se a revogação parcial de uma norma. Em outras
palavras, “atinge só uma parte da norma, que permanece em vigor no restante” (GONÇALVES, 2009, p.
42).
11
Antes da edição do Decreto-lei nº. 204/67, já existiam algumas loterias estaduais, as quais tiveram
resguardados o direito de prosseguir ativas. Segundo a Associação Brasileira das Loterias Estaduais, os
estados que mantém atualmente suas loterias são: Paraíba, Alagoas, Ceará, Minas Gerais, Mato Grosso do
Sul, Goiás, Pernambuco, Pará, Piauí, Rondônia, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São
Paulo e o Distrito Federal (ABLE.ORG, 2012).
129
Doravante, nos termos do Decreto-lei nº. 204/67, nenhum estado federado, ou município,
poderá mais criar loteria.
À primeira impressão, causa estranheza conceber que uma atividade ilícita
(jogos de azar) pudesse ser objeto de exploração econômica e contratação da
administração pública, com o fundamento de “derrogação excepcional das normas de
Direito Penal”. Indagando esta excepcionalidade, Aguillar (2007) defende a ideia de que
o monopólio estatal sobre as loterias federais devesse cair. O autor defende duas
alternativas para a pretensa extinção: a) ou o Estado abre o mercado para a atuação do
privado no âmbito das loterias; ou b) que a União se abstenha de fazê-lo.
2.4 Arrecadação e destinação de recursos lotéricos
Além de alimentar os sonhos de riqueza de milhões de apostadores em todo país,
com seus prêmios milionários, as loterias administradas pela CEF também constituem
fonte segura e constante de geração de recursos para o abastecimento de programas
sociais.
Anualmente, a CEF capta bilhões de reais em vendas de cupons lotéricos. E a
cada ano a arrecadação aumenta. Entre os anos de 2009 e 2013, por exemplo, os
brasileiros apostaram mais, elevando o montante arrecadado para quase o dobro,
conforme demonstram os gráficos a seguir:
Arrecadação da Loteria – Gráfico 1
Relação Arrecadação/Repasse – Gráfico 2
CEF, 2014 – Números em Bilhões de Reais
CEF (2014) – Valor em bilhões de reais
Em 2009 a arrecadação representou 7,36 (sete vírgula trinta e seis) bilhões de
reais. No ano de 2013, a CEF captou mais de 11,41 (onze vírgula quarenta e um) bilhões
de reais com a venda de bilhetes lotéricos. Essa cifra representa 2,37% (dois vírgula trinta
130
e sete por cento) do Produto Interno Bruto do Brasil, em relação ao ano de 2013 (IBGE,
2013) e 5,91% (cinco vírgula noventa e um por cento) da receita bruta da União
(PORTAL DA TRANSPARENCIA, 2011).
Em que pese a arrecadação do ano de 2013 ter correspondido a 11,41(onze
vírgula quarenta e um) bilhões de reais, o repasse aos programas assistenciais só
chegaram a 5,38 (cinco vírgula trinta e oito) bilhões no mesmo ano, conforme demonstra
o gráfico 02, com números dos repasses dos últimos cinco anos.
Procedendo-se a uma comparação, tem-se que os valores repassados, em todos
os anos, correspondem a menos da metade de tudo que é arrecadado. Observe-se a relação
arrecadação/repasse da Loteria (gráfico 3) e o Fracionamento Principal (gráfico 4).
Relação Arrecadação/Repasse – Gráfico 03
Fracionamento Principal - Gráfico 04
131
Do autor. Número em Bilhões. Dados Extraídos da CEF
(2014)
Do autor. Dados da CEF (2014)
O que importa, contudo, para o presente tópico é a destinação de tamanho valor
arrecadado. A divisão dos recursos não é de fácil entendimento e se procede em duas
fases diferentes. Por se tratar de números, elementos não muito comuns entre os
estudiosos do Direito, fez-se por bem expressá-los em alguns gráficos para melhor
exposição dos percentuais tratados a seguir.
Inicialmente, existe uma divisão primária, sobre a qual, posteriormente, é
procedida outra partição. Todo o montante arrecadado é fracionado cinco partes distintas,
consoante demonstra o gráfico 04. Do total é deduzido o percentual de 51% (cinquenta e
um por cento) destinado ao total do prêmio bruto, do qual posteriormente, são subtraídos
outros percentuais, conforme ficará demonstrado adiante.
Para o Fundo de Financiamento de Ensino Superior – FIES12 é destinado 7,76%
(sete vírgula setenta e seis por cento)13. O programa foi criado em 1999 para substituir o
Programa de Crédito Educativo – PCE/CREDUC, mas somente em 2001 foi instituído
por lei (Lei nº 10.260, de 12/07/01). O FIES já beneficiou mais de 560 (quinhentos e
sessenta) mil estudantes, injetando recursos na ordem de quase dois bilhões de reais
(CAIXA, 2014).
Para que esse programe funcione, a loteria explorada pelo Governo Federal
repassa 30% (trinta por cento) da renda líquida captada pelos concursos de prognósticos,
bem como a totalidade dos prêmios não reclamados dentro do prazo de prescrição (que é
de 90 - noventa dias), na forma do art. 2º, II da Lei nº 10.260/0114.
Atualmente, existe um projeto de lei em tramitação no Senado Federal
(PLS 313/2011, de autoria do senador Paulo Davim - PV-RN), propondo que os recursos
de prêmios não reclamados (prescritos) das loterias federais administradas pela Caixa
Econômica Federal saiam do FIES para integrar o Fundo Nacional de Saúde – FNS
(SENADO FEDERAL, 2014). Veja-se nos gráficos abaixo o histórico dos repasses de
recursos ao FIES (gráfico 5) e ao FUNPEN (gráfico 6):
12
Repasse ao Fundo de Investimento do Estudante
Superior – FIES – Gráfico 5
Repasse ao Fundo Penitenciário Nacional –
FUNPEN – Gráfico 6
CEF (2014)
CEF (2014)
O IBGE (2014) aponta que 75% dos estudantes do ensino superior estão em instituições privadas. O
MEC (2014) informa que, da rede privada de ensino, cerca de 30% de alunos são bolsistas. Desse número,
82,5% são subsidiados com recursos do FIES. O programa existe desde 1999, conta com mais de 1.459
instituições de Ensino Superior credenciadas, recebe recursos na ordem de 6 bilhões de reais e já beneficiou
mais de 560 mil estudantes (CEF, 2012).
13
O que corresponde a cerca de 30% da renda líquida, nos termos do art. 2º, II, da lei nº. 10.260/2001
(BRASIL, 2001).
14
Art. 2o Constituem receitas do FIES: [...] II - trinta por cento da renda líquida dos concursos de
prognósticos administrados pela Caixa Econômica Federal, bem como a totalidade dos recursos de
premiação não procurados pelos contemplados dentro do prazo de prescrição, ressalvado o disposto no art.
16.
132
Na sequência, do total arrecado, repassa-se 3,14% (três vírgula quatorze por
cento) ao Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN. Este fundo foi criado pela Lei
Complementar nº 79/94, e tem por finalidade “proporcionar recursos e meios para
financiar e apoiar as atividades e programas de modernização e aprimoramento do
Sistema Penitenciário Brasileiro” (BRASIL, 1994). A previsão do percentual encontra-se
no art. 2º da referida lei15.
O FUNPEN recebe uma média de R$ 300 (trezentos) milhões por ano, conforme
dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN, 2014). Todavia, apenas uma
parcela desses recursos se converte em investimentos nos presídios, como determina a lei
complementar nº 70. Pela citada lei, todo o dinheiro deve “financiar e apoiar as atividades
e programas de aprimoramento” do sistema penitenciário. Mas não é exatamente o que
acontece.
Em 2013 o FUNPEN recebeu autorização para investir apenas R$ 384,2
(trezentos e oitenta e quatro vírgula dois) milhões na construção e na reforma de presídios
em obras administradas por governos estaduais. Como se já não fosse pouco, apenas R$
40 (quarenta) milhões e 700 (setecentos) mil, ou 10,6% (dez vírgula seis por cento) desse
total, foram efetivamente gastos conforme o planejamento inicial (DEPEN, 2014).
Coincidência ou não, neste mesmo período, a crise do sistema penitenciário
chegou ao seu estopim. Só no estado Maranhão, um dos mais precários por falta de vagas,
60 (sessenta) presos foram brutalmente assassinados, alguns com as cabeças decepadas
(O GLOBO, 2014).
Até agora, o valor acumulado em caixa, do citado fundo, é de R$ 1,065 bilhão.
Valor este que, por lei, deveria ser investido da construção, modernização e ampliação de
vagas no sistema penitenciário nacional (DEPEN, 2014). Veja no gráfico 06 o histórico
dos repasses de recursos ao FUNPEN.
No que diz respeito a Seguridade Social, lhe é repassado o percentual de 18,10%
(dezoito vírgula dez por cento) da renda líquida das loterias de prognóstico, na forma do
art. 26 da Lei nº. 8.213/199116. Entende-se por renda líquida o total da arrecadação,
deduzidos os valores destinados ao pagamento de prêmios, de impostos e de despesas
15
Art. 2º Constituirão recursos do FUNPEN: (...) VIII - três por cento do montante arrecadado dos
concursos de prognósticos, sorteios e loterias, no âmbito do Governo Federal.
“Constitui receita da Seguridade Social a renda líquida dos concursos de prognósticos, excetuando-se os
valores destinados ao Programa de Crédito Educativo”.
16
133
com a administração, além dos valores que são “separados” para o FIES, conforme
disciplina o art. 26, § 2º da Lei nº. 8.213/1991 (BRASIL, 1991). Veja no gráfico (07)
abaixo o histórico dos repasses de recursos à Seguridade Social (gráfico 7) e ao FNC
(gráfico 8):
Repasse à Seguridade Social –
Gráfico 7
Repasse ao Fundo Nacional de Cultura – FNC –
Gráfico 8
CEF (2014).
CEF (2014)
Além desses valores, tem-se o percentual de 20% (vinte por cento) referente às
despesas de custeio e manutenção de serviços, sendo que 10% (dez por cento) é para tarifa
de administração da CEF, 1% (um por cento) referente ao Fundo de Desenvolvimento das
Loterias – FDL e 9% (nove por cento) de comissão das Casas Lotéricas.
O art. 60 do Decreto nº. 7.973/2013 (aprova o estatuto da Caixa Econômica
Federal) dispõe que “os resultados da administração das loterias federais que couberem à
CEF [os 10% citados acima] como executora destes serviços públicos serão incorporados
ao seu patrimônio líquido”. Então, trata-se de uma comissão expressa para o patrimônio
particular da CEF. Da União, por tanto. Isso representa R$ 1,14 (hum vírgula quatorze)
bilhão de reais no ano de 2013!
O Fundo para o Desenvolvimento das Loterias que, segundo o mesmo decreto,
“tem por objeto fazer face a investimentos necessários à modernização das loterias e a
dispêndios com sua divulgação e publicidade, nos termos da legislação específica”,
recebeu no último ano a importância de R$ 114 (cento e quatorze) milhões de reais (1%
- um por cento). Esse valor também é administrado pela CEF.
Os percentuais acima descritos, porém, não são todos. Incidem, ainda, algumas
deduções sobre o valor total do prêmio (51% - cinquenta e um por cento), os quais são
distribuídos da seguinte forma: 1,7% (hum vírgula sete por cento) ao Comitê Olímpico
134
Brasileiro – COB; 0,3% (zero vírgula três por cento) ao Comitê Paraolímpico Brasileiro
– CPB; 3% (três por cento) ao Fundo Nacional de Cultura - FNC; e 13,80% (treze vírgula
oitenta por cento) para o imposto de renda federal.
O Comitê Olímpico Brasileiro – COB é uma organização não governamental de
direito privado que trabalha na gestão técnica-administrativa do esporte e busca atuar no
desenvolvimento dos esportes olímpicos no Brasil (COB, 2014). A Lei nº. 10.264/2001,
cognominada Lei Agnelo/Piva, sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso
em 16 de julho de 2001, alterou a Lei nº. 9.615/98 (que institui regras gerais sobre o
desporto) prevendo a destinação de 2% da arrecadação bruta das loterias federais do país
em favor do COB e do Comitê Paraolímpico Brasileiro (art. 56 da Lei nº. 9.615/98), sendo
que o primeiro fica com 85% (oitenta e cinco por cento) e o segundo com 15% (quinze
por cento) do total daqueles 2% (dois por cento) (§ 1º do art. 56 da Lei nº. 9.615/98).
Dos valores recebidos, tanto o COB como o CPB investem, obrigatoriamente,
por força de lei, 10% (dez por cento) no Esporte Escolar e 5% (cinco por cento) no Esporte
Universitário, e o restante é aplicado nos programas próprios e das Confederações
(BRASIL, Lei 12.395, 2011). Outros recursos também são obtidos a partir de
patrocinadores privados, doações e de convênio com os três níveis de Governo (COB,
2014).
O Fundo Nacional da Cultura (FNC) é a “nova” denominação criada pela Lei Nº
8.313, de 23 de dezembro de 1991 em substituição ao Fundo de Promoção Cultural, criado
pela Lei no. 7.505, de 02/07/1986, e tem o objetivo de captar e destinar recursos para
projetos culturais compatíveis com as finalidades do Programa Nacional de Cultura –
PRONAC17.
O artigo 5º da Lei 8.313/91 dispõe que o FNC “é um fundo de natureza contábil,
com prazo indeterminado de duração, que funcionará sob as formas de apoio a fundo
perdido ou de empréstimos reembolsáveis, conforme estabelecer o regulamento”
(BRASIL, 1991). De acordo com o mesmo dispositivo, no inciso VIII, constitui renda do
referido fundo: “três por cento da arrecadação bruta dos concursos de prognósticos e
“O Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) foi implementado pela Lei Rouanet (Lei 8.313/1991),
com a finalidade de estimular a produção, a distribuição e o acesso aos produtos culturais, proteger e
conservar o patrimônio histórico e artístico e promover a difusão da cultura brasileira e a diversidade
regional, entre outras funções” (CULTURA, 2014).
17
135
loterias federais e similares cuja realização estiver sujeita a autorização federal,
deduzindo-se este valor do montante destinados aos prêmios” (BRASIL, 1991).
Nos últimos cinco anos foram repassados mais de R$ 1,3 (hum vírgula três)
bilhões de reais ao Fundo Nacional de Cultura, conforme demonstra o histórico de repasse
ilustrado no gráfico 08.
Cumpre observar que alíquota da tributação da renda só incide sobre o valor que
é destinado ao pagamento do prêmio ao apostador vencedor, após deduzidas as parcelas
ao FNC, COB e CPB. Ou seja, só é tributada aquela parcela do faturamento que é
destinada ao prêmio. Significa que o percentual de 30% (trinta por cento) (alíquota do
IRRF, na forma do art. 676 do Decreto 3.000/1999) incidirá sobre a porcentagem de 51%
(cinquenta e um por cento) (índice destinado ao prêmio), depois de deduzidos os demais
descontos (3% - três por cento para o FNC, 1,7% - hum vírgula sete por cento para o COB
e 0,3% - zero vírgula três por cento para o CPB).
Após deduzir esses percentuais, quando se subtrai o valor de 13,80% (treze
vírgula oitenta por cento) da importância de 51% (cinquenta e um por cento)
corresponderá exatamente à alíquota do Imposto de Renda Retido na Fonte: 30% (trinta
por cento)18.
Explica-se. Para efeito didático, tome-se por hipótese um número “arredondado”
e imagine-se que a mega-sena arrecadou 100 (cem) milhões de reais com a venda dos
bilhetes. Desse valor, será destinado o percentual de 51% (cinquenta e um por cento) para
pagamento do prêmio bruto, o que corresponde a 51 (cinquenta e um) milhões de reais.
Dessa importância, serão subtraídas as cifras de 3% (três por cento) para o FNC, 1,7%
(hum vírgula sete por cento) para o COB e 0,3% (zero vírgula três por cento) para o CPB,
equivalente a R$ 5 (cinco) milhões de reais.
Remanescem R$ 46 (quarenta e seis) milhões, oportunidade em que irá incidir o
Imposto de Renda. Assim, deduz-se o percentual de 13,8% (treze vírgula oito por cento)
desse saldo a título de IRRF, o que representará R$ 13,8 (treze vírgula oito) milhões de
18
Em uma sintética fórmula matemática, é possível expressar tais deduções com a seguinte equação: PL =
PB - (FNC + COB + CPB) - AIR. Sendo que PB = AT/100.51. Logo, IRRF = AT/100.13,8. Transformando
as porcentagens em valores monetários, tem-se que AIR = IRRF. Considere ainda as seguintes legendas:
PL: Prêmio Líquido; PB: Prêmio Bruto; FNC: percentual destinado ao Fundo Nacional de Cultura (3%);
COB: percentual destinado ao Comitê Olímpico Brasileiro (1,7%); CPB; percentual destinado ao Comitê
Paraolímpico Brasileiro (0,3%); AIR: Alíquota do Imposto de Renda (30%). AT: Arrecadação Total; e
IRRF: percentual do Imposto de Renda Retido da Fonte.
136
reais. Este valor corresponde a 30% (trinta por cento) de R$ 46 (quarenta e seis) milhões,
ou seja, a alíquota do imposto de renda retido na fonte, nos termos do art. 676 do Decreto
3000/99 (que trata do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, bem
como sua cobrança e fiscalização)19.
A mesma regra já tinha sido anteriormente disciplinada pelo art. 14 da lei nº.
4.506 de 30 de novembro de 1964 (a qual dispõe sobre o imposto que recai sobre as rendas
e proventos de qualquer natureza), nos mesmos termos, com pequenas adaptações
textuais20.
Doze anos depois, o Decreto-Lei nº. 1.493, de 07 de dezembro de 1976 veio a
regulamentar mais uma vez a tributação sobre os ganhos de loterias. Dessa vez, o texto
da norma demonstra “preocupação” com premiações coletivas, notadamente oriundas de
apostas desportivas (a exemplo da timemania). Veja: “o Imposto de Renda de que trata
o artigo 14 da Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964, incide sobre os prêmios em
concursos de prognósticos desportivos seja qual for o valor do rateio atribuído a cada
ganhador” (BRASIL, 1976).
É interessante observar também que a referida legislação tributária não faz
distinção entre pessoa física (natural) ou jurídica. Basta que a renda seja oriunda de
pagamento de prêmios para incidir o IRRF no percentual de 30% (trinta por cento). Ou
seja, a norma é específica para tal fato gerador.
Nos gráficos a seguir é possível vislumbrar a importância, em reais, do
recolhimento do IRRF sobre os prêmios da loteria federal (gráfico 9) e do fracionamento
do respectivo prêmio bruto (gráfico 10), nos últimos cinco anos:
19
Estão sujeitos à incidência do imposto, à alíquota de trinta por cento, exclusivamente na fonte: I - os
lucros decorrentes de prêmios em dinheiro obtidos em loterias, inclusive as instantâneas, mesmo as de
finalidade assistencial, ainda que exploradas diretamente pelo Estado, concursos desportivos em geral,
compreendidos os de turfe e sorteios de qualquer espécie, exclusive os de antecipação nos títulos de
capitalização e os de amortização e resgate das ações das sociedades anônimas (BRASIL, 1999).
20
Ficam sujeitos ao impôsto de 30% (trinta por cento), mediante desconto na fonte pagadora, os lucros
decorrentes de prêmios em dinheiro obtidos em loterias, mesmo as de finalidade assistencial, inclusive as
exploradas diretamente pelo Estado, concursos desportivos em geral, compreendidos os de turfe e sorteios
de qualquer espécie, exclusive os de antecipação nos títulos de capitalização e os de amortização e resgate
das ações das sociedades anônimas (BRASIL, 1964).
137
Repasse ao Imposto de Renda – Gráfico 9
Fracionamento do Prêmio Bruto – Gráfico 10
13,8%
0,3%
1,7%
32,2%
3%
CEF (2014)
Do autor. Dados extraídos da CEF (2014).
Observe-se que uma parte da arrecadação total é destinada a alguns segmentos
sociais e outra parte, na ordem de 51% (cinquenta e um por cento) é destinado ao prêmio
bruto. É, pois, deste percentual que se recolhe o Imposto de Renda Retido na Fonte
(IRRF). Os 30% (trinta por cento) de que trata a legislação tributária não incide sobre
todo o montante arrecadado, mas apenas naquela parcela destinada ao prêmio (51% cinquenta e um por cento, após deduções).
Por isso, a CEF subdivide o montante, destinando apenas 51% ao prêmio bruto
e os outros 49% (quarenta e nove por cento) a custo com administração, FIES, Seguridade
Social e Fundo Penitenciário. Para melhor compreensão, observe-se o fracionamento do
prêmio bruto na ilustração do gráfico 10.
Observe-se também que, se os percentuais destinados ao Fundo Nacional de
Cultura, ao Comitê Olímpico Brasileiro e ao Comitê Paraolímpico Brasileiro são
subtraídos do total do “prêmio bruto”, significa dizer que existe uma “contribuição
compulsória” do apostador vencedor para as referidas entidades. Isto é, sem falar da
contribuição previdenciária e do Imposto de Renda Retido na Fonte.
Deduzidos tais percentuais, o prêmio líquido que vai efetivamente para o
patrimônio do contemplado corresponde a 32,2% (trinta e dois vírgula dois por cento) de
tudo que é arrecadado. E este é o percentual estimado e ofertado na publicidade e
propaganda da Loteria administra pela CEF. Daí, quando a mega-sena, por exemplo, está
acumulada em R$ 32,2 (trinta e dois vírgula dois) milhões de reais, significa dizer que,
de tal valor, já estão subtraídos todos os percentuais expostos anteriormente – e que o
total arrecadado teria sido de R$ 100 (cem) milhões. O prêmio ofertado (32,2% - trinta e
138
dois vírgulas dois por cento do montante arrecadado) é livre de qualquer contribuição ou
obrigação fiscal. Ou seja, o numerário transferido para o patrimônio do apostador
vencedor é líquido. Veja a relação nos gráficos a seguir:
Total arrecadado e prêmio líquido –
Gráfico 11
Divisão Geral da Arrecadação –
Gráfico 12
24,8%
32,2%
9%
34%
Do autor – dados extraídos da CEF (2014)
Do autor. Dados Extraídos da CEF (2014)
Assim, com base nas legislações citadas anteriormente e confrontando os
relatórios periódicos publicados pela CEF, é possível constatar que, de todo o montante
arrecadado, o percentual de 32,2% (trinta e dois vírgula dois por cento) é destinado ao
prêmio líquido; 34% (trinta e quatro por cento) são repassados a programas sociais e
fundos diversos; 9% (nove por cento) à comissão dos lotéricos e 24,80% (vinte e quatro
vírgula oitenta por cento) são destinados aos cofres públicos (sendo 13,80% - treze vírgula
oitenta por cento de IRRF e 10% - dez por cento de “remuneração” à CEF e 1% - um por
cento para o desenvolvimento das loterias). Veja a divisão geral da arrecadação no gráfico
12 acima.
Além dos números delineados neste estudo, existem ainda os valores referentes
aos prêmios prescritos e não reclamados21, que são encaminhados ao FIES22. Contudo,
são valores não sabidos! É de conhecimento e de disciplina legal o percentual destinado
ao FIES que corresponde a 7,76% (sete vírgula setenta e seis por cento) do montante
arrecadado. Mas qual seria o valor (ou percentual) dos prêmios prescritos (não
Quanto aos prêmios não pagos, “tramita no Senado desde junho [de 2011] um projeto de lei (PLS 313/11)
que destina ao Programa Saúde da Família todos os prêmios das loterias federais que não forem retirados
no prazo previsto. O autor da proposta é o senador Paulo Davim (PV-RN)”. (SENADO FEDERAL, 2014).
22
Em estudo elaborado pela assessoria do Senador Paulo Davim, estimou-se que existem aproximadamente
R$ 169 milhões de reais em prêmios esquecidos (SENADO FEDERAL, 2012).
21
139
reclamados)? A Caixa Econômica Federal (gestora exclusiva das loterias) não publicou
qualquer relatório ou gráfico sobre tais valores.
Outros segmentos também são beneficiados pela mercancia lotérica da União. O
Fundo Nacional de Saúde – FNS é um deles, “cujos recursos serão destinados a prover,
em caráter supletivo, os programas de trabalho relacionados com a saúde individual e
coletiva coordenados ou desenvolvidos pelo Ministério da Saúde” (BRASIL, DECRETO
Nº 64.867, 1969). É no artigo art. 2º, II do Decreto nº. 64.867, De 24 de Julho de 1969
que se encontra prevista a destinação dos recursos para o FNS.
Apesar da importância indiscutível da aplicação de recursos no âmbito da saúde,
percebe-se que o FNS é um dos segmentos menos favorecidos. Veja a evolução dos
repasses nos últimos cinco anos nos gráficos 13 e 14.
Repasse ao Fundo Nacional de Saúde– FNS –
Gráfico 13
Concursos Especiais (APAE e Cruz Vermelha) –
Gráfico 14
140
CEF (2014)
CEF (2014)
Por último, a Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE e a Cruz
Vermelha também são beneficiadas com os recursos das loterias. De acordo com o último
relatório publicado pela Caixa Econômica Federal, ambas foram beneficiadas com 366,78
mil reais em 2013, conforme demonstra o gráfico 14.
2.5 Prenúncio de política pública e desenvolvimento na atividade lotérica no Brasil
A extração de loterias no Brasil foi iniciada com notória feição de política
definida. A arrecadação com os bilhetes tinha objetivo público específico e visava o
desenvolvimento de determinados setores. Antes de tecer mais sobre o assunto, faz-se
convidativo entender o sentido jurídico de política pública e desenvolvimento. Aliás, o
que importa a política pública para o Direito? E o desenvolvimento, onde cabe nesse
cenário jurídico?
Embora seja originário da Ciência Política e da Ciência da Administração
Pública, Política Pública é tema de grande relevância para o pesquisador do Direito,
notadamente porque permite ao estudioso abrir os olhos para demandas sociais que
norteiam a construção de normas jurídicas (BUCCI, 2006).
Segundo Comparato (1997, p. 239), Política Pública pode ser conceituada como
“programas de ação governamental visando coordenar os meios à disposição do Estado e
as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e
politicamente determinados”.
O desenvolvimento, por sua vez, não pode ser confundido com crescimento ou
expansão. Parafraseando Jacobs (2001), o primeiro consiste em transformação
qualitativa, já o segundo implica em mudança quantitativa. O desenvolvimento ou
crescimento vai se aperfeiçoar de acordo com prioridades e políticas públicas elaboradas
141
pelo Estado.
Indubitavelmente, o Estado é o principal agente estimulador do desenvolvimento
e, para que isso ocorra, é curial recorrer ao processo de formação de políticas públicas, a
qual decorre do resultado de interação de fatores econômicos, políticos e ideológicos
(BERCOVICI, 2006).
Aliás, desde a edição da Constituição da Alemanha, em 1919, com o
compromisso aberto de renovação democrática, o Estado começou a admitir o dever de
agir positivamente, seja no campo dos direitos sociais, seja na ordem econômica. Através
de políticas públicas e programas de governo, coube ao Poder Público a redistribuição de
renda e reestruturação de políticas de investimento (FEITOSA, 2012), notadamente com
vistas ao desenvolvimento.
Saliente-se, contudo, que nem toda política pública está voltada para o
desenvolvimento. Algumas políticas
públicas
visam
responder a
demandas,
principalmente de setores marginalizados da sociedade, considerados como vulneráveis.
Ou seja, suprir uma deficiência que não necessariamente implicará em desenvolvimento.
Políticas
Públicas
com
essa
finalidade,
subdesenvolvimento (FURTADO, 1990).
aliás,
são
típicas
de nações
em
Todavia, “tal conceito vai além da ideia de que uma política pública é
simplesmente uma intervenção do Estado numa situação social considerada
problemática” (DI GIOVANNI, 2009), mas podem ser elaboradas com o intuito de se
estabelecer programas de desenvolvimento, a partir da estimulação ou prevenção de
determinados setores.
Tais Políticas Públicas podem surgir em forma de leis, a exemplo das Leis nº.
6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), nº. 12.305/2010 (Política Nacional dos
Resíduos Sólidos), nº. 9.433/97 (Política Nacional de Recursos Hídricos). Outras surgem
da pura discricionariedade do Poder Executivo, a exemplo de licitações para contratação
de empresa de transporte público.
O Programa Universidade para Todos – PROUNI, criado por medida provisória
(nº. 213/04) e posteriormente convertida em lei (nº. 11.096/2005), por exemplo, se
concretiza em verdadeiro fim de política pública. Esse entendimento é corroborado por
Bucci (2006). E a Loteria Federal, como fica nesse cenário até agora esboçado?
142
3 Conclusão
O Estado encontrou nas loterias uma incomensurável fonte de arrecadação para
o erário. Parte da receita angariada pela atividade lotérica tem percentuais destinados a
programas sociais e fundos de cunho cultural, esportivo, dentre outros.
Nesse ponto, a atividade econômica do Estado por meio da Loteria Federal se
reveste de notória política de finalidade pública. Existe um plano de ação voltado ao
interesse coletivo, com o objetivo de satisfazer aos reclames ou necessidades de
determinados setores.
O desenvolvimento, por sua vez, conforme já foi ventilado alhures, não é
consequência necessária das políticas públicas. Todavia, para que haja desenvolvimento,
é necessário haver divisão equitativa dos recursos públicos entre os diversos setores e
entes da federação, a fim de se reduzir equilibradamente as desigualdades.
Mitigar a desigualdade social é corolário do desenvolvimento, por isso a toda
atividade (que se diz) desenvolvimentista imprescinde equilibrar os índices, fazendo com
que os indicadores funcionem como uma orquestra sinfônica em que a execução
harmônica de todos os instrumentos traduz uma afinada canção. Qualquer dissonância
comprometerá o conjunto da obra. De igual modo, se algum indicador é privilegiado em
detrimento de outros, poderá implicar em crescimento setorizado, mas não em
desenvolvimento, pois, crescimento (ou expansão) é diferente de desenvolvimento.
A CEF, em que pese ser Pessoa Jurídica de Direito Privado, reveste-se na forma
de empresa pública da União e, como tal, constitui-se poderosa ferramenta do Estado para
execução de políticas públicas e ações desenvolvimentistas, a exemplo do SFH, FGTS e
o próprio FIES, como já delineado alhures. Contudo, na condição de colaboradora 23 a
instituição pública aufere participação relevante do montante arrecadado com a Loteria
Federal, correspondente a 10% (dez por cento), fatia esta bem maior que os percentuais
destinados ao FIES, ao Fundo Nacional de Cultura, Comitê Olímpico Brasileiro, Comitê
Paraolímpico Brasileiro e Fundo Penitenciário Nacional, beneficiários de grande
importância para o desenvolvimento.
Em análise aos gráficos da atividade lotérica da União, é possível vislumbrar que
parte do recurso acumulado tem destinação “obscura” e não publicada, a exemplo do
percentual de 24,8% (vinte e quatro vírgula oito por cento) da arrecadação que
simplesmente vai para os cofres públicos sem endereço conhecido (destinação
específica). Isso é dito, pois, do montante arrecadado, 13,8% (treze vírgula oito por cento)
são referentes ao Imposto de Renda Retido na Fonte; 10% (dez por cento) são de
remuneração da CEF e 1% (um por cento) vai para o Fundo de Desenvolvimento das
Loterias. Ou seja, 24,8% (vinte e quatro vírgula oito por cento) vão para o mesmo destino:
os cofres públicos. Isso sem falar nos prêmios prescritos e não reclamados.
Se a exploração exclusiva de loterias foi instituída com o fito de beneficiar
programas e abastecer setores de relevância social, se mostra injustificável a “sobra” de
tamanha fatia (24,8% - vinte e quatro vírgula oito por cento) sem destinação social préestabelecida. Daí, resta uma indagação, pelo menos em tese, sem resposta: o que é feito
com os 24,8% (vinte e quatro vírgula oito por cento) do montante arrecadado do serviço
público24 exclusivo da União? Toda a arrecadação da Loteria Federal poderia ter
finalidade socioeconômica, após deduzido o valor do prêmio ao vencedor.
Com efeito, há muito para se esclarecer e aperfeiçoar, principalmente no que
tange à distribuição dos recursos arrecadados. Não é possível vislumbrar
23
Condição conferida pelo Decreto-Lei nº. 204/67.
Vale lembrar que o Decreto-lei nº 204/67 disciplina que a Loteria Federal constitui um serviço público
da União.
24
143
desenvolvimento em uma atividade em que o maior beneficiado é a própria máquina
pública.
Se a Loteria Federal é para suprir programas governamentais e contribuir com o
desenvolvimento (conforme autopropaganda), o Estado tem de deixar de lucrar para
abastecer, com maior eficiência e transparência, os programas de cunho social e dividir
equitativamente tamanha riqueza que, afinal de contas, sai do bolso da classe que mais
carece: o apostador que tanto alimenta o sonho de riqueza.
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