e-Terra Análise grupal aplicada ao estudo de matérias

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e-Terra Análise grupal aplicada ao estudo de matérias
e-Terra
http://e-terra.geopor.pt
ISSN 1645-0388
Volume 20 – nº 12
2010
Revista Electrónica de Ciências da Terra
Geosciences On-line Journal
GEOTIC – Sociedade Geológica de Portugal
VIII Congresso Nacional de Geologia
_________________________________________________________
Análise grupal aplicada ao estudo de matérias-primas cerâmicas da
Plataforma do Mondego (Portugal Central)
Application of cluster analysis for the assessment of ceramic raw
materials in the Mondego Platform (Central Portugal)
J. V. LISBOA – [email protected] (Laboratório Nacional de Energia e Geologia)
F. ROCHA – [email protected] (Geobiotec, Departamento de Geociências, Universidade de Aveiro)
RESUMO: Com base no estudo estratigráfico, composicional e tecnológico de 51 amostras de matériasprimas cerâmicas da Plataforma do Mondego foi aplicada a análise grupal a um conjunto de variáveis
seleccionadas em modo R que evidenciou correlações e afinidades entre as variáveis; a análise em modo
Q, possibilitou o agrupamento de amostras fundamentado na sua composição e propriedades, permitindo
igualmente inferir relações estratigráficas.
PALAVRAS-CHAVE: amostra, argila, clusters, aptidão cerâmica.
ABSTRACT: Based on the stratigraphic, compositional and technological study of 51 ceramic raw
materials’ samples of the Mondego Platform, cluster analysis was performed on a set of selected
variables. R-mode cluster analysis evidenced correlations and affinities between the variables; Q-mode
cluster analysis, made possible the grouping of samples based on its composition and properties,
allowing equally to infer stratigraphical relationships.
KEYWORDS: sample, clay, clusters, ceramic aptitude.
1. INTRODUÇÃO
A análise estatística multivariada é largamente aplicada em Geociências, no entanto, no que
concerne a estudos de caracterização de recursos minerais não metálicos são escassos os
trabalhos publicados conhecidos, em que se faça uso desta técnica estatística.
Com base no estudo estratigráfico, granulométrico, químico, mineralógico e tecnológico, de
51 amostras (Lisboa, 2009), na maioria de argilas comuns com potencial para Cerâmica de
Construção, inferiu-se a existência de afinidades e diferenças entre elas. No presente trabalho
investigaram-se essas relações, através de análise multivariada, o que permitiu avaliar
combinações de diferentes variáveis químicas mineralógicas e cerâmicas e a sua importância
relativa; evidencia-se a contribuição da análise grupal para a classificação das matérias-primas
em função da sua aptidão para a cerâmica de construção. Recorreu-se ao software STATISTICA
6.1, com a consciência das limitações da aplicação e interpretação destas técnicas.
2. ENQUADRAMENTO GEOLÓGICO
A amostragem efectuou-se na zona centro de Portugal, a leste de Coimbra e a oeste da
Cordilheira Central Portuguesa, na Plataforma do Mondego (PM) (Birot, 1944; Ferreira, 1978).
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A geologia da área estudada compreende depósitos de fácies fluvial e aluvial (Cretácico e
Cenozóico), que assentam em discordância angular sobre metassedimentos e granitóides.
Os depósitos cretácicos são siliciclásticos de alimentação essencialmente granítica e
correspondem ao Grupo do Buçaco (Reis & Cunha, 1989) e à Formação de Buçaqueiro (Daveau
et al., 1985-1986). Foram amostradas as fácies areníticas feldspáticas com maior matriz argilosa.
O enchimento cenozóico, também essencialmente siliciclástico, compreende na área em
estudo a Formação de Côja (FCO) e o Grupo da Serra de Sacões (GSS). Cunha (1999) distinguiu
na FCO, o Membro do Casalinho de Cima, inferior, constituído por arcoses maciças e, o
Membro de Monteira, superior, integrando corpos argilosos maciços. Os sedimentos do Terciário
mais recentes constituem o Grupo da Serra de Sacões (Cunha, 1992; 1999): formações de
Campelo, Telhada e Santa Quitéria. É uma sequência muito espessa (340m), constituída por
fácies conglomeráticas predominantes e lutíticas. São as fácies lutíticas da Formação de
Campelo, que fornecem o grosso da matéria-prima para Cerâmica de Construção na PM.
2. METODOLOGIA
Por motivo de organização e sistematização do trabalho, as amostras foram agrupadas
geograficamente em seis regiões da PM: Tábua, Arganil – Côja (AC), Santa Quitéria (SQ), S.
Martinho da Cortiça (SMC), Miranda do Corvo – Lousã (MCL), Lousã – Vila Nova de Poiares
(LVNP). Na tabela abaixo constam as referências das amostras e respectivas unidades
litostratigráficas (Cunha, 1992; 1999) a que foram atribuídas:
Regiões
G. Buçaco Buçaqueiro Côja (M. inferior)
Tábua
Ci1 a Ci4
Côja - Arganil
Ci5, Ci6
S. M. da Cortiça
Santa Quitéria
L.–V. N. Poiares
LA1
M. Corvo-Lousã
LA2
B1, B2
Côja (M.superior)
Cs1 a Cs11
C12 a C17
Cs18
Cs19 a Cs22
Cs23
Campelo
C1 a C7
C8
C9 a C13
C14 a C18
3. RESULTADOS
Na série de dados considerada, os agrupamentos que traduzem afinidades mais credíveis e
coerentes foram obtidos com as variáveis que constam no dendograma da Fig. 1.
Figura 1 - Dendograma resultante da análise grupal baseada nas variáveis consideradas.
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A análise grupal em modo R diferencia dois grupos principais. No grupo GA, que associa
minerais argilosos a variáveis químicas, à granulometria e à plasticidade, diferenciam-se três
subgrupos: gA1 expressa a forte correlação entre a alumina, a ilite e o ferro; gA2 expressa a
plasticidade dos minerais argilosos; a caulinite constitui o terceiro subgrupo diferenciado gA3,
de uma só variável, obviamente correlacionada com a fracção argila. O grupo principal GB
engloba os minerais não argilosos e minerais argilosos de 14Å. Diferenciam-se também aqui três
subgrupos, gB1, gB2 e gB3, reflectindo respectivamente: a abundância de feldspato potássico em
significativo número de amostras; a importância dos minerais argilosos do tipo esmectítico
(It.M.Cl(t)) na resistência mecânica à flexão; e o carácter quartzoso das amostras (subgrupo de
variável única – quartzo).
Interpretando as variáveis seleccionadas em modo Q (Fig. 2), a análise grupal classificou as
amostras em dois grandes grupos com separação nítida: amostras silto-argilosas e amostras
arenosas e/ou feldspáticas em que predominam minerais não argilosos.
Figura 2 - Dendograma resultante da análise grupal baseada nas amostras.
No grupo das amostras silto-argilosas diferenciam-se dois subgrupos principais, I e II.
O subgrupo I caracteriza-se sobretudo a nível dos minerais argilosos, pelo carácter caulinítico
e escassez ou ausência de esmectite, interestratificados e clorite. Neste subgrupo diferencia-se a
menor distância, dois subgrupos a uma ordem superior: Ia e Ib. O subgrupo Ia engloba amostras
que correspondem a uma sequência superior individualizada na região Tábua. Todas as amostras
deste subgrupo têm elevada correlação entre si e, do ponto de vista litostratigráfico, pertencem
ao Grupo de Sacões (excepto a amostra B2). O subgrupo Ib, também com elevada semelhança
entre si e corresponde às amostras da região MCL, pertencentes à Formação de Campelo. Este
subgrupo, tal como o anterior, evidencia elevada correlação entre as amostras. O subgrupo II,
mais distanciado dos anteriores, compreende o maior número de amostras tendo em comum a
presença de minerais argilosos de 14Å. Evidencia-se neste subgrupo um distanciamento entre
amostras atribuídas, respectivamente, a uma sequência argilosa inferior e superior na região SQ.
Salienta-se ainda, o elevado nível de correlação entre as amostras da região de Côja e as
amostras da sequência inferior em Santa Quitéria. Também se incluem neste subgrupo as
amostras da sequência inferior de Tábua mas a estruturação dos níveis de semelhança entre estas
amostras e as restantes revela-se complexa. Este subgrupo principal compreende amostras do
membro superior da FCO e do GSS.
Ao grupo das amostras arenosas e/ou feldspáticas correspondem sedimentos arenosos ou com
baixo teor de minerais argilosos, feldspáticos, que estratigraficamente pertencem a formações do
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Grupo do Buçaco, ao membro inferior da FCO, ou integram já a Formação de Campelo, mas
com sedimentos remobilizados da FCO.
4. CONCLUSÃO
A análise grupal possibilitou dois tipos de conclusões: a análise em modo R substancia os
resultados da análise factorial anteriormente realizada, no que concerne a relações entre
variáveis; por outro lado, a análise em modo Q possibilitou um agrupamento consistente das
amostras baseadas na mineralogia, na textura e nas propriedades cerâmicas, que além dos
atributos relacionados com a litologia, permitiu igualmente inferir relações estratigráficas. Existe
relação entre os grupos/subrupos e a adequação das matérias-primas representadas a tipos de
cerâmicos de construção: As amostras do subgrupo Ia correspondem a argilas, em geral, magras
e com baixa aptidão cerâmica, ao contrário das amostras do subgrupo Ib, cujas características
lhes conferem a melhor aptidão (para telha e acessórios, abobadilha, tijolo). A aptidão cerâmica
das amostras do subgrupo II é variável. As matérias-primas correspondentes ao grupo das
amostras arenosas e/ou feldspáticas, em geral, podem ser usadas na lotação de argilas plásticas
ou gordas.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao Laboratório do LNEG e ao Dr. Álvaro Oliveira, responsável pela Secção de
Minerais Industriais, a realização das análises mineralógica, química e ensaios tecnológicos.
Referências
Birot, P. (1944) – Notes sur la morphologie et la géologie du basin de Mortágua. Boletim da Sociedade Geológica
de Portugal, 4 (I-II), pp. 131-142.
Cunha, P.M.R.R.P. (1992) – Estratigrafia e sedimentologia dos depósitos do Cretácico superior e Terciário de
Portugal Central, a leste de Coimbra. Dissertação de Doutoramento, Dep. de Ciênc. da Terra, Fac. de Ciênc. e
Tecnol., Coimbra, 1992, 263 p.
Cunha, P.M.R.R.P. (1999) – Unidades litostratigráficas do Terciário na região de Miranda do Corvo-Viseu (Bacia
do Mondego, Portugal). Comun. Inst. Geol. e Mineiro, Lisboa, t. 86, pp. 143-196
Daveau, S.; Birot, P.; Ribeiro, O. (1985-86) - Les bassins de Lousã et d' Arganil. Recherches géomorphologiques et
sédimentologiques sur le Massif Ancien et sa couverture à l' Est de Coimbra. Memórias, 8, Centro de Estudos
Geográficos, Lisboa, 2 vols., 450 p.
Ferreira, A.B. (1978) – Planaltos e montanhas do Norte da Beira. Estudo de geomorfologia. Memórias do Centro de
Estudos Geográficos, 4, Lisboa, 210 p.
Lisboa, J.V.V. (2009) – Matérias-primas da Plataforma do Mondego para Cerâmica. Dissertação de Doutoramento.
Departamento de Geociências, Universidade de Aveiro, 246 p., 5 mapas.
Reis, R.P.B.P. & Cunha, P.M.R.R.P. (1989) – A definição litostratigráfica do Grupo do Buçaco na região da Lousã,
Arganil e Mortágua (Portugal). Comun. Serv. Geol. Portugal, 1989, t. 75, pp. 99-109.
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