valores empresariais para quê

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valores empresariais para quê
VALORES EMPRESARIAIS:
PARA QUÊ?
Por Ricardo Vargas*
Artigo publicado na Revista Prémio, edição 130, 9 de Junho de 2006
A consciência da importância do tema Ética e Valores empresariais tem vindo a crescer nos últimos
anos, sobretudo como consequência dos processos de fusão e aquisição empresariais, ou de problemas
financeiros ou ecológicos provocados por decisões éticas e que, por se tornarem públicos, diminuem
o valor das empresas ou a quantidade dos seus clientes.
Algumas tentativas de lidar com estes problemas
de forma eficaz têm vindo a ser implementadas
nas empresas. Podemos agrupá-las em três tipos:
1. Implementação de projectos de Missão,
Visão e Valores.
2. Implementação de Códigos de Ética e
programas de compliance.
3. Implementação de programas de
Responsabilidade Social.
Embora estas soluções sejam adequadas à gestão
da ética, a sua operacionalização muitas vezes
não é a melhor, o que leva ao descrédito dos
projectos nesta área.
Os gestores acreditam, em geral, que basta definir
a Missão, Visão e Valores de uma empresa,
comunicar a todos e colá-los na parede, para que
surtam efeito. Como que por magia, todas as
pessoas da empresa passarão a comportar-se de
forma alinhada com os valores, a partir desse
momento, sem que seja necessário fazer mais
nada.
Ou acreditam que o problema se resolve com
um Código de Ética, que “normalize” as relações
com os stakeholders. Desenvolvem-no,
comunicam-no e explicam-no a todos os
colaboradores. Garantem o seu entendimento e
colocam-no na intranet, para livre acesso de
todos. Depois descansam, acreditando que todas
as decisões tomadas a partir desse momento
serão puramente racionais e baseadas na
informação do Código de Ética. Afinal as pessoas
entenderam a mensagem, não é?!
Os programas de Responsabilidade Social por
vezes não passam de uma inteligente manobra
de marketing, com a qual as empresas pretendem
demonstrar ao mercado que têm para com a
comunidade comportamentos que não existem
dentro delas, na relação com colaboradores e
fornecedores. Representam em alguns casos, a
implementação de medidas de conformidade
com uma ideia do que é desejável na moral
social, sem que se pratiquem internamente os
valores correspondentes; e em outros apenas o
marketing de acções que procuram garantir que
a empresa respeita a ecologia e a comunidade.
Não pretendo menosprezar estes programas e
projectos, pelo contrário. Assumo que a
importância da ética empresarial é tão grande que
deve ser um assunto de todos. Mas defendo que
ela é uma responsabilidade sobretudo de quem
gere pessoas. Reduzi-la a códigos, cartas de
valores e programas de responsabilidade social
é muitas vezes uma forma de ocultar a floresta
atrás da árvore.
A ética de indivíduos e grupos é revelada pelas
suas práticas, não pelas palavras que utilizam.
Entendendo isso, o melhor rótulo que podemos
atribuir a iniciativas desgarradas é
“ingenuidade”. O público externo da empresa
pode “comprar” algumas delas pelo valor facial,
mas os colaboradores directos e parceiros de
negócio sabem bem qual o valor destes
programas: a prática do costume.
Soluções incompletas e não articuladas para a
ética empresarial passam aos colaboradores da
empresa uma mensagem simples: “vamos lá
despachar isto para nos concentrarmos no
negócio, que é o que interessa”. É com acções
assim, redutoras do essencial da ética
empresarial, que se desperdiça a força existente
em gerir a cultura organizacional de forma
deliberada para atingir resultados, realizar uma
Missão e atingir uma Visão.
A definição da Ética desejada é o acto primeiro
de gestão deliberada da cultura de uma empresa.
A cultura é o resultado consolidado em
artefactos, crenças, normas, rituais e
comportamentos de uma ética existente. Não é
possível sermos mais competitivos do que a
nossa ética de trabalho permite. Não podemos
ser mais inovadores do que o grau em que
perfilhamos o valor inovação. Não conseguimos
melhor partilha do que a cooperação em que
acreditamos. Cooperação, inovação, excelência,
além de palavras são alicerces de práticas de
gestão.
A escolha de valores empresariais é um acto
importante que, se adequadamente conduzido,
pode ter impacto positivo nos resultados e na
qualidade de vida na organização. Convém ter
em mente nesse processo que as acções dos
líderes gritam tão alto que é impossível ouvir
as suas palavras. E os valores da empresa
devem ser considerados mais do que simples
palavras.
* Ricardo Vargas é consultor e conferencista internacional; especialista em desenvolvimento de líderes. Partner da
TMI Portugal é também fundador da empresa de consultoria PlanB International. Divide a actividade de consultoria
com a escrita de livros de gestão, publicados em Portugal, Espanha e Brasil.
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©2006 Ricardo Vargas