Livro Completo

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Livro Completo
Emprego, Trabalho
e Políticas Públicas
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Júnior Macambira
Liana Maria da Frota Carleial
ORGANIZADORES
Emprego, Trabalho
e Políticas Públicas
Fortaleza
2009
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Emprego, Trabalho e Políticas Públicas
© 2009 Júnior Macambira e Liana Maria da Frota Carleial (Orgs.)
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS AOS AUTORES
REVISÃO DE TEXTO
MARIA LUÍSA VAZ COSTA
NORMALIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICA
PAULA PINHEIRO DA NÓBREGA
PROGRAMAÇÃO VISUAL E DIAGRAMAÇÃO
LUIZ CARLOS AZEVEDO
CAPA
HERON CRUZ
Catalogação na Fonte
E 55e
Emprego, trabalho e políticas públicas./ Júnior Macambira,
Liana Maria da Frota Carleial, organizadores; [autores]
Carlos Alberto Ramos ... [et al] – Fortaleza: Instituto de
Desenvolvimento do Trabalho, Banco do Nordeste do
Brasil, 2009.
468 p.: il.
ISBN: 978-85-7563-202-4
1. Emprego
2. Trabalho 3. Políticas Públicas
I. Macambira, Júnior II. Carleial, Liana Maria da
Frota III. Ramos, Carlos Alberto
CDD: 331.1
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ..........................................................7
1
AUGE E DECADÊNCIA DAS POLÍTICAS
DE EMPREGO NO BRASIL
Carlos Alberto Ramos .......................................................29
2
O SISTEMA PÚBLICO DE EMPREGO E A
ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO
Claudio Salvadori Dedecca ...............................................49
3
OLHARES SOBRE A RECENTE POLÍTICA
DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL NO
BRASIL: CONTROLE SOCIAL E
REORIENTAÇÃO
Tarcisio Patricio de Araújo
Roberto Alves de Lima .....................................................77
4
POLÍTICAS PÚBLICAS DE TRABALHO
E RENDA EM CONTEXTO DE BAIXO
CRESCIMENTO ECONÔMICO: A
EXPERIÊNCIA BRASILEIRA RECENTE
José Celso Cardoso Jr
Roberto Gonzalez
Franco de Matos ..............................................................123
5
IMPACTO DA ESPECIALIZAÇÃO
INDUSTRIAL E DOS ARRANJOS
PRODUTIVOS LOCAIS SOBRE A
ECONOMIA DE ESCALA NAS
MICRORREGIÕES CEARENSES
Francisco de Assis Soares
Elton Eduardo Freitas
Sandra Maria dos Santos
Júnior Macambira ...........................................................181
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6
DINÂMICA DO EMPREGO INDUSTRIAL
NO BRASIL ENTRE 1990 E 2007: UMA VISÂO
REGIONAL DA DESINDUSTRIALIZAÇÃO
Bruno de Oliveira Cruz
Iury Roberto Soares Santos .............................................211
7
PAPEL DOS SERVIÇOS NO DESENVOLVIMENTO
REGIONAL BRASILEIRO APÓS 1990
Ricardo Azevedo Silva ....................................................261
8
A RECENTE QUEDA DO ÍNDICE DE
CONCENTRAÇÃO DA RENDA NO
BRASIL ALTEROU A ESTRUTURA
DA DISTRIBUIÇÃO DE RENDA?
Maria Cristina Cacciamali
Vladimir Sipriano Camillo ..............................................311
9
DINÂMICA DO MERCADO DE TRABALHO
DAS CLASSES OCUPACIONAIS NO
BRASIL: 1981 A 2007
Alexandre Gori Maia ......................................................345
10
SETOR INFORMAL: CONCEPÇÕES TEÓRICAS
E CONVENIÊNCIAS IDEOLÓGICAS
Fernando J. Pires de Sousa ..............................................363
11
MODERNIZAR SEM EXCLUIR
Marcio Pochmann ...........................................................397
12
IMPACTOS DA FINANCEIRIZAÇÃO NO
MUNDO DO TRABALHO
Cássio da Silva Calvete ...................................................421
13
CONHECIMENTO, FIRMAS-REDE E O
(ANTI)-TRABALHADOR COLETIVO E SOCIAL
Liana Maria da Frota Carleial .........................................445
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APRESENTAÇÃO
Carlos Alberto Ramos abre o livro com o ensaio “Auge
e decadência das políticas de emprego no Brasil”, lançando
questionamentos quanto à capacidade das políticas de emprego de influir decisivamente na trajetória do emprego da
força de trabalho. Ao resgatar os embates teóricos em torno das políticas ativas de emprego, o autor mostra como os
modelos de interpretação macroeconômica – clássico e keynesiano – estabeleceram uma hegemonia oscilante ao longo
das últimas décadas. O autor inicia uma abordagem que é
o fio condutor do livro, trabalhando com o pano de fundo
das mutações do capitalismo contemporâneo. É a entrada em
cena de categorias que figuram como personae dramatis obrigatórias nos embates do pensamento econômico deste último
fin de siècle.
A crise de acumulação moldada pela “regulação” fordista e o desgaste político do modelo keynesiano são marcos
referenciais. Sua análise da dinâmica econômica levanta a
discussão em torno da taxa de salário, penetrando nas construções teóricas e no rebatimento dos modelos macroeconômicos adotados. Mostra-nos como a “vingança clássica” desenhada pelo horizonte neoliberal produziu um efeito direto
sobre as políticas públicas de emprego. Meio século após a
Teoria Geral de Keynes, novamente os desempregados não
são “empregáveis” e os problemas do desemprego passaram
a ser localizados no mercado de trabalho, e não na macroeconomia. Esse tipo de pensamento sustentou o auge das políticas de qualificação.
7
Por outro lado, a queda vertiginosa da participação dos
gastos com qualificação no Brasil, entre 1996 e 2007, mostra
que a aparência desse fenômeno exige desvelar as razões por
trás da estatística. O que ocorreu com as políticas de emprego? O aparente descolamento entre a variação do emprego
formal e o nível de crescimento econômico que “pareceu”
justificar as políticas ativas de emprego e seus vultosos recursos, na segunda metade dos anos 1990, teve sua correla-
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ção invertida nos anos 2000. Diante disso, a argumentação
clássica para as políticas ativas de formação profissional se
esvaziou junto com a queda dos recursos aplicados. O autor
conclui com uma referência incisiva: “A trajetória do emprego, como Keynes sempre imaginou, depende, de forma
crucial, das decisões tomadas no Ministério da Fazenda e
no Banco Central, limitando-se o Ministério do Trabalho a
comemorar números cujas causas últimas estão fora de seu
âmbito de atuação.”
Ao concluir, o autor também deixa no ar uma série de
desafios a serem enfrentados, alguns dos quais o leitor atento
perceberá que reaparecem na sequência dos artigos deste capítulo e nos seguintes.
8
A reflexão de Claudio Dedecca ataca um dos problemas
centrais das políticas públicas de trabalho no Brasil: seu caráter meramente compensatório e desarticulado com relação a
outras políticas econômicas e sociais. Em seu ensaio “O sistema público de emprego e a estratégia de desenvolvimento”
destaca a importância de pensar a política pública de emprego numa ótica diferente daquela que prevaleceu até o presente. As possibilidades de construir uma alternativa de desenvolvimento passam por essa questão.
Para guiar o leitor nesse percurso o autor realiza uma
série de análises críticas sobre o sistema público de emprego,
o que, num sentido rigoroso, funciona como mediação para
os diferentes momentos da sua argumentação. Considerando sempre o contexto mais amplo do modelo de desenvolvimento para o País, o autor mostra de que modo as políticas
públicas de emprego podem contribuir para superar velhos
problemas sociais acumulados por processos excludentes de
crescimento econômico, propondo para isso uma reviravolta
radical na concepção atual das políticas de trabalho: “Uma
política de emprego, trabalho e renda associada a uma perspectiva de desenvolvimento que relacione fortalecimento do
mercado de trabalho, melhores condições de trabalho e menor desigualdade de renda”.
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A proposta é pensar de forma sistêmica o papel do sistema público de emprego, situando sua função em articulação
com as estratégias setoriais de investimentos, integrando os
programas de emprego e qualificação profissional com os mecanismos de financiamento público, com as políticas tributárias e de renda, com as políticas setoriais e sociais (industrial,
agrícola, de saúde, de habitação etc.), e com os mecanismos
de inclusão social. Todos esses vetores devem convergir para
uma macroestratégia de desenvolvimento de longo prazo. O
realinhamento do sistema público de emprego com o enfoque
de desenvolvimento e fortalecimento do mercado de trabalho exige, assim, a superação dos limites que o mantiveram
incompleto e aprisionado a uma política de trabalho “descolada” dos objetivos macroeconômicos.
Claudio Dedecca caracteriza com precisão como a ausência de um norte estratégico de desenvolvimento faz com
que as políticas de trabalho sejam marcadamente compensatórias, espasmódicas e erráticas.
O ensaio de Tarcisio Araújo e Roberto de Lima, “Olhares sobre a recente política de qualificação profissional no
Brasil: controle social e reorientação”, promove uma reflexão sobre as promessas não realizadas de inovações institucionais e metodológicas da política nacional de qualificação
profissional brasileira.
9
Para os autores, o programa nacional de qualificação
profissional teria esboçado pouca inovação com relação aos
aparatos já existentes, como o tradicional “Sistema S”, tendo havido algo de positivo apenas em direção à exigência de
maior carga horária dos cursos com vistas a superar as debilidades agudas de um tipo de “qualificação para a obsolescência”, que foi marcante em cursos de baixa carga horária
e de caráter mais informativo que formativo. No entanto, os
obstáculos constatados pelos autores apontam a direção da
“construção de um adequado sistema de acompanhamento
e avaliação e da introdução de procedimentos com vistas à
adequação do conteúdo dos diversos cursos [...] a uma maior
carga horária.” Na medida em que constatam que “nenhum
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desses dois requisitos está em operação” propõem uma pauta
para realinhar a política de qualificação na direção de incorporar elementos de real inovação aos instrumentos de qualificação pré-existentes.
O avanço conceitual no plano pedagógico é pensado pelos autores como possível, desde que seja realizado um mergulho efetivo nos conteúdos e práticas dos cursos de qualificação. Ora, mas a pré-condição desse aprofundamento exige
um sistema de avaliação e controle social radicalmente novo.
10
Necessário reconhecer que, como dizem os autores, “a
política de qualificação profissional é, em si, limitada diante
da dimensão dos problemas que se revelam no mercado de
trabalho (desemprego e precarização de parcela expressiva
da força de trabalho)”. Diante dessa condição frágil, fica o
alerta do artigo para a necessidade de reavaliar mais profundamente os métodos da política de qualificação: “É premente a necessidade de uma reorientação da política pública de
qualificação profissional no Brasil.” Fica implícito que as inovações no campo conceitual e do controle social dependem
do tipo de articulação mais ampla entre a política nacional
de qualificação com uma estratégia bem definida de melhoria
das condições gerais do mercado de trabalho.
O ensaio de Cardoso, Gonzalez e Matos, “Políticas públicas de trabalho e renda em contexto de baixo crescimento
econômico: a experiência brasileira recente”, retoma questões
abordadas por outros autores, resgatando a trajetória do sistema público de emprego durante a conjuntura de baixo crescimento econômico e crescimento do desemprego que prevaleceu na economia brasileira a partir dos anos 90. Além disso,
a contradição explícita entre os princípios propugnados pela
Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o limitado alcance das políticas de trabalho e combate ao quadro de precarização do trabalho no Brasil mereceu especial atenção por
parte dos autores. Essa consideração é, em certa medida, a
base de referência para a avaliação institucional do SPTR e
dos desafios futuros a serem enfrentados.
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Originados na década de 70, através do Sistema Nacional de Emprego (SINE), foi diante da pressão da conjuntura adversa nos anos 90 que os elementos fundamentais das
políticas públicas de trabalho foram articulados, de forma
ainda incompleta. Mas os autores também lançam seu olhar
para além desse período adverso e vislumbram novas tarefas e desafios para o Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda (SPETR) diante da possibilidade de retomada
do crescimento econômico. Essa linha de argumentação conecta-se com outras desenvolvidas neste livro. O sentido é
que, para além das alternativas adotadas no ciclo recessivo,
cabe pensar o redesenho das políticas de trabalho a partir
das novas possibilidades apresentadas pela economia brasileira. Essa é uma das razões da detalhada análise da série
histórica em questão.
O ensaio aponta na direção da revisão das políticas até
aqui adotadas, preparando o SPETR para as condições de
crescimento. Por outro lado, o balanço da sua estruturação,
em suas dimensões de intermediação, qualificação e promoção de trabalho e renda mostram que o atual quadro institucional permanece incompleto, embora tenha ampliado algumas de suas funções ao longo das últimas décadas. Por outro
lado, o desenvolvimento do mecanismo de financiamento
expresso no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) exige
novas definições diante das enormes tarefas que se projetam
no horizonte, entre elas a necessária articulação do mundo do
trabalho e suas instituições com as instâncias decisivas para a
política econômica. A informalidade, a heterogeneidade laboral e a baixa capacidade do sistema em captar vagas no setor
formal expõem a debilidade crônica do SPETR para lidar com
os principais problemas do mercado de trabalho brasileiro.
Seu reaparelhamento e reorientação são considerados fundamentais pelos autores para articulá-lo com os projetos de
desenvolvimento social do País.
11
Não menos importante é a necessidade de uma nova
política de financiamento que permitiria intervenções mais
efetivas no mercado de trabalho, como alertam os autores:
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“Independentemente da alternativa que vier a ser adotada,
ela já se faz realmente premente na situação atual, que é de
esgotamento dos esquemas vigentes de financiamento das
políticas do SPETR. Esgotamento este que já se dá num contexto de pressão política tanto para a criação de novos tipos
de serviços quanto para a expansão dos serviços tradicionais,
em direção a segmentos populacionais até então à margem
das políticas, o que certamente implicará grande fonte de tensão sobre os recursos existentes.” Portanto, a reorientação do
SPTR na direção de políticas mais amplas e inclusivas torna
intangenciável a discussão sobre as formas de financiamento
correspondentes com esse objetivo.
12
No ensaio “Impacto da especialização industrial e dos
arranjos produtivos locais sobre a economia de escala nas
microrregiões cearenses”, Soares et alli realizam um interessante estudo de economia industrial aplicada, com vistas
a desenvolver uma metodologia de otimização dos aspectos
espaciais da industria, tomando como base as indústrias cearenses a partir de dados da Relação Anual de Informações
Sociais (RAIS) /Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED). Seu principal mérito é desenhar uma
metodologia que leva em consideração os Arranjos Produtivos Locais (APLs) como contexto diferencial na análise do
perfil industrial.
Partindo da hipótese de que a existência de APL tende a
reduzir o efeito escala, os autores alcançaram resultados que
indicam “algumas diferenças entre as regiões com APL e sem
APL. Por exemplo, as regiões com APL têm como principal
agente empregador as micro, pequenas e médias empresas
e, além disso, apresentam menores salários e a mão-de-obra
é menos qualificada em relação aos demais tipos de regiões
especializadas no Ceará.”
Os autores contribuem para a compressão analítica dos
processos de migração industrial para o Nordeste, principal
receptor de indústrias intensivas em trabalho, oriundas do
Sul e Sudeste do País durante os anos 1990. Ao observar que o
padrão de especialização identificado pelas características in-
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dustriais e pelas especificidades regionais amplia o efeito da
especialização sobre a escala, os autores revelam que a dinâmica produtiva de uma localidade depende em grande parte
do padrão produtivo da indústria e das vantagens oferecidas
pela localização regional. Assim, a aplicação da metodologia
permite aos formuladores de política industrial organizar
uma política de localização produtiva com maior eficiência
de longo prazo, induzindo o processo de crescimento regional e reduzindo as desigualdades econômicas entre regiões.
No ensaio “Dinâmica do Emprego Industrial no Brasil entre 1990 e 2007: uma visão regional da “desindustrialização”, Bruno de Oliveira Cruz e Iury Roberto Soares dos
Santos enfocam a questão da “desindustrialização” sob a
perspectiva da redistribuição espacial da indústria no Brasil,
analisando como esse processo de reestruturação se situa em
relação à configuração espacial da indústria no Brasil.
A partir da dinâmica espacial do emprego entre regiões
os autores revelam as estratégias locacionais dos capitais industriais particulares e as novas configurações industriais.
Onde num lugar definha o emprego industrial, logo adiante
surge como pujante expansão, seguindo um movimento incessante de busca de vantagens econômico-espaciais.
13
O processo de perda de participação do setor industrial na economia brasileira tem uma de suas componentes
na distribuição da indústria em termos regionais. Assim, ao
identificar microrregiões ganhadoras e perdedoras de emprego industrial formal os autores fornecem a nova geografia do
capital industrial.
Entre as conclusões mais relevantes está a que mostra
que regiões com uma base industrial relevante, como no interior de São Paulo, “ainda que tenham reduzido sua participação no emprego industrial, se especializaram em indústrias
de maior conteúdo tecnológico. Em vários casos, houve ganhos de empregos industriais nestas indústrias capital-intensivo.” Ou seja, a reestruturação industrial não corresponde
apenas a uma periferização com o esvaziamento dos tradicionais centros industriais, mas representa uma nova divisão
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espacial do trabalho industrial. Para além da guerra fiscal, é
destacado pelos autores que entre “as regiões ganhadoras de
emprego industrial no período, uma conclusão é que para as
indústrias de maior conteúdo tecnológico as economias de
aglomeração parecem ser mais importantes que incentivos
fiscais, ou mesmo, tais incentivos parecem ser efetivos para
este tipo de indústrias quando já existir na região uma base
industrial importante.”
14
Outro aspecto refere-se a qualificar melhor a “descentralização” quando se considera o processo a partir de
microrregiões industriais, pois embora fique evidenciada
a perda de importância das Regiões Metropolitanas de São
Paulo e do Rio de Janeiro, os autores destacam a expansão
“de microrregiões industriais no Centro-Oeste, em direção
à região Sul, em especial no Paraná e Santa Catarina.” Por
outro lado, a distribuição em direção ao Noroeste é marcante no período pós-1990, com ênfase em indústrias de baixo
conteúdo tecnológico.
No estudo os autores reforçam a conclusão de que para
as indústrias de maior conteúdo tecnológico as economias
de aglomeração permanecem mais importantes que incentivos fiscais, ou que estes são mais efetivos quando já existir
na região uma base industrial importante. Um aspecto que
não passa despercebido diz respeito às mudanças na geografia do trabalho industrial, mostrando as alterações no perfil
da classe operária a partir das microrregiões. A produção de
uma “população para o capital” é um dos resultados imediatos do realinhamento espacial da indústria com um conjunto
de repercussões na configuração das redes urbanas e no seu
tecido social.
Ricardo Silva, no seu ensaio “Papel dos Serviços no
desenvolvimento regional brasileiro após 1990”, estabelece uma ponte com a discussão anterior, conectando o tema
da desindustrialização ao da expansão dos serviços. Outro
ponto de contato é a abordagem centrada nas novas espacialidades regionais.
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Em vários sentidos, o intento de decifrar o “enigma” do
terciário, por parte do autor, articula-se com a compreensão
mais detalhada das formas de trabalho na economia brasileira durante a década da reestruturação. Partindo deste ponto
o autor lança três instigantes indagações: a primeira, sobre a
relação entre o terciário e os setores dinâmicos da acumulação
na economia brasileira. A segunda, relacionada à expansão
do terciário vinculado às estratégias de sobrevivência urbana.
A terceira, sobre a dinâmica regional do terciário.
O processo de reestruturação capitalista no Brasil, estreitamente vinculado a contextos de crise econômica, evidenciou
uma forte tendência de centralização dos capitais em alguns
setores particulares. Essa centralização, que correspondeu ao
crescimento em meio à crise, teve papel relevante para explicar a expansão dos serviços. É o que destaca o autor ao dar
ênfase aos serviços ligados ao capital oligopólico como tendo
“desempenhado um papel decisivo” nesse processo. Neste sentido, o reordenamento espacial da economia e as novas formas de inter-relacionamento setorial vêm exercendo
efeitos sobre a localização de muitas atividades econômicas.
O elemento marcante dessa dinâmica espacial de regiões e
unidades da federação continua a ser a lógica do desenvolvimento desigual. O terciário também se situa nesse âmbito.
Outro importante resultado alcançado pelo autor diz respeito
à discussão do grau de sinergia entre setores.
15
O ensaio mostra que o terciário captado nas estatísticas
– que obviamente não revela toda a sua dimensão – é determinado pela expansão dos outros dois grandes setores da
economia: a agropecuária e a indústria. Assim, a tendência
de crescente importância do terciário no que diz respeito ao
volume de empregos não deve ser confundida com a sua “autonomização” no sentido de ditar a dinâmica e o sentido do
desenvolvimento econômico.
A principal evidência apresentada pelo autor mostra a
ampliação do emprego da força de trabalho no terciário dos
anos 1990, “seja em termos absolutos (acréscimo de 15,76 milhões de ocupações), seja em percentuais.” A formalização
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das ocupações do terciário também merece atenção, principalmente nos serviços distributivos. A desigualdade espacial
da qualidade dessa expansão também é perceptível nas estatísticas, na medida em que “em todas as categorias as regiões
Norte e Nordeste apresentaram as maiores taxas de ocupados
sem contribuição.”
16
Outras tendências apresentadas no ensaio mostram que
a intensidade da reestruturação promoveu uma alteração
qualitativa na composição dos empregos do terciário durante
o processo de expansão: “Os setores do Terciário que apresentaram maior dinamismo em termos de crescimento do
Produto Interno Bruto (PIB) (Comunicações, Transportes &
Armazenagem & Alojamento e Alimentação) e nos quais o
processo de modernização foi mais intenso não eram os com
maior representatividade na geração do PIB da economia
brasileira.” A modernização corresponde, em muitos casos, a
processos de centralização de capital e expansão oligopólica
no interior do terciário.
Retomando a perspectiva de ensaios anteriores, o autor
reforça a necessidade de uma abordagem sistêmica, destacando a importância da política macroeconômica e do papel do
Estado na reorientação das atividades econômicas no País,
com ênfase no setor agrícola e industrial.
Cristina Cacciamali e Vladimir Camillo trazem, desde
o título, um questionamento: “A recente queda do índice de
concentração da renda no Brasil alterou a estrutura da distribuição de renda?”O ensaio versa sobre o recorrente tema da
distribuição de renda no Brasil. Para além de uma discussão
sobre as estatísticas, resgatam o histórico das reflexões sobre
o tema, repondo a discussão a partir da necessidade de estabelecer uma perspectiva crítica sobre essa questão.
O debate sobre a distribuição pessoal de renda no Brasil não é novo, mas ganha novo fôlego a partir da queda da
desigualdade verificada em 2001. Muitos aspectos metodológicos estão por trás desse debate. Como afirmam os autores,
múltiplas variáveis foram ganhando relevância nas modela-
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gens estatísticas à medida que o debate evoluiu até os anos
recentes: “Esse debate incorpora as transferências públicas, a
discriminação no mercado de trabalho e a segmentação regional como condicionantes da desigualdade de renda e tem o
mérito de ampliar o número de variáveis para além da variável educação.” Porém, alertam que o incremento de variáveis
relevantes nas abordagens não significou um descolamento
quanto aos fundamentos e motivações originais, reproduzindo, assim, “a abordagem hegemônica da década de 90, remetendo tal queda aos aspectos ligados ao déficit de capital humano, às rendas do trabalho e às transferências públicas”. O
questionamento dos autores expõe a debilidade desse olhar
para os elementos estruturais da desigualdade de renda no
País: “Desconsiderando qualquer análise sobre os demais tipos de renda e mesmo sobre sua distribuição funcional.”
A contradição fundamental – centrada na distribuição
funcional da renda entre trabalho e capital – permanece ocultada por um olhar que continua privilegiando a perspectiva
atomizada do individualismo metodológico. O alerta dos autores para os riscos desse esquema interpretativo é para que
não se tomem as variações marginais em estratos inferiores
da distribuição da renda do trabalho para obter conclusões
que reforçam opções de políticas públicas tópicas e focalizadas ao invés de enfrentar estruturalmente o problema da
desigualdade de renda. Mais do que um problema estatístico
estão em jogo as opções éticas sobre o projeto de desenvolvimento para a sociedade brasileira.
17
O reforço às hipóteses da teoria do capital humano nada
tem de inocente. Os resultados dos estudos nessa perspectiva
apontam para políticas públicas ainda pautadas pelos ditames conservadores sobre o papel do Estado.
Por outro lado, a correlação entre redução da desigualdade de renda e aumento do bem-estar não se apresenta
como um corolário. Como alertam precisamente os autores,
“A elevação do bem-estar social depende de mudanças maiores na oferta de serviços públicos e de consumo das famílias
brasileiras. Sem uma mudança estrutural na oferta de bens
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públicos, distribuição de escolaridade e maior acesso às oportunidades de trabalho, o poder de compra, principalmente
das populações dos estratos mais pobres, altera-se pouco,
predominando o consumo de bens e serviços estritamente
vinculados à sobrevivência.”
18
A análise feita pelos autores sobre a distribuição da renda do trabalho, construídos para o período de 2001 a 2006,
indicam que a composição da força de trabalho mudou no
período mais recente. Uma mudança que rebaixou alguns
segmentos de renda do trabalho em decorrência dos processos de desestruturação do trabalho organizado. As elevadas
taxas de desemprego urbano durante mais de uma década e
o acesso generalizado à educação formal, refletido estatisticamente em anos de escolaridade, contribuíram para estreitar
os diferenças de salário. Assim, concluem que “uma mudança distributiva combinada com baixo crescimento da renda
média em geral e reduzido aumento relativo nos estratos
mais pobres não pode ser classificada como uma mudança
estrutural da distribuição da renda.”
Os resultados obtidos no ensaio reforçam a necessidade
de uma abordagem crítica do assunto, infelizmente ainda “escassa”, segundo os autores. A redução dos níveis de pobreza
não significa que os pobres apresentaram elevações expressivas em suas participações relativas, tanto no que diz respeito
à renda quanto ao consumo domiciliar, permanecendo a desigualdade estrutural que atinge até 17 vezes a diferença de
consumo entre os 20% mais pobres e o 10% mais ricos.
Assim, se por um lado há uma tendência de que a renda do trabalho esteja contribuindo para a queda da desigualdade nacional e regional da renda, por outro lado não há
indícios de uma mudança estrutural ampla na distribuição
de renda pessoal. Além disso, os fatores decisivos para essa
tênue alteração foram resultado de um contexto conjuntural
de expansão econômica, redução do exército de reserva e recomposição do poder de barganha dos trabalhadores: “Uma
mudança desse tipo (não estrutural) na distribuição de renda
é compatível com o melhor desempenho do mercado de tra-
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balho em um ambiente de maior formalidade e estreitamento
dos salários.”
No plano das políticas compensatórias e de combate à pobreza é evidente a importância decisiva das políticas
públicas de transferência de renda. Mas os autores alertam
que esses mecanismos “poderão perder capacidade de redução das desigualdades no médio e no longo prazo, uma vez
que seus impactos tendem a ser maiores enquanto os estratos inferiores absorverem parcelas inexpressivas da renda
domiciliar,”colocando-se, assim, a necessidade de discutir a
questão da redução efetiva da desigualdade de renda.
O cenário macroeconômico mais favorável a partir de
2004 permitiu uma prévia das possibilidades positivas da retomada do crescimento, notadamente nas regiões mais pobres do País, associadas à “política ativa de salário mínimo,
tendência de crescimento do emprego formal e vigorosa política de transferências públicas de renda na forma do Programa Bolsa Família, maior cobertura da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), e maior concessão de aposentadorias
rurais.” Crescimento econômico, desde que condicionando a
investimentos em infraestrutura social e econômica poderá
diminuir o elevado grau de concentração de renda, o que nos
remete à necessária modelagem de um projeto de desenvolvimento social que se apresenta como uma potencialidade
ainda não desenvolvida no País.
19
O ensaio de Alexandre Gori, “Dinâmica do mercado de
trabalho e das classes ocupacionais no Brasil: 1981 a 2007”,
mostra, com grande pertinência, a desestruturação do trabalho a partir do contexto macroeconômico. Sua reflexão contribui para formar o amplo quadro coletivo de análise que dá
forma fundamental a este livro sobre o mundo do trabalho.
Seu ponto de partida é o ambiente dominado pelo baixo
crescimento econômico que ao lado da reestruturação produtiva e das formas de contratação produziram um conjunto de
efeitos bastante negativos para os trabalhadores ocupados. O
autor persegue a hipótese de que “as transformações nesse pe-
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ríodo acentuaram o já precário quadro de exclusão socioeconômica dos principais grupos da população ocupada no Brasil.”
20
O efeito primário do baixo crescimento econômico foi
manter à margem parcelas crescentes da população economicamente ativa com a consequente ampliação da população
desempregada. Quanto maior o exército de reserva de trabalhadores, mais tende a cair a taxa de salários, provocada
pela concorrência crescente entre os vendedores de força de
trabalho. Em decorrência dessa crescente “concorrência” entre os trabalhadores, caiu também o poder de barganha do
trabalho, de modo que “a massa salarial cresceu quase no
mesmo ritmo da população ocupada e o rendimento médio
ficou praticamente estagnado.” Entre alguns segmentos de
ocupados, o autor mostra que houve uma efetiva retração da
renda média, principalmente dos setores melhor remunerados. Ao mesmo tempo ampliou-se a participação dos piores
remunerados, criando uma “gangorra destrutiva” interna à
renda do trabalho.
Na análise das classes ocupacionais o autor também
mostra que o processo pode ser denominado de “regressão
social”. Assim, a riqueza de detalhes com que o autor evidencia os efeitos da desestruturação do trabalho a partir da estrutura ocupacional não deixa dúvidas sobre a correlação decisiva entre a crise e os processos de reestruturação capitalista,
e entre o enfoque da política macroeconômica e a situação da
“classe que vive do salário”.
O ensaio de Fernando Pires, “Setor informal: concepções
teóricas e conveniências ideológicas”, retoma a discussão
acerca das novas interpretações sobre o mercado informal,
marcando a forte conotação ideológica dos conceitos promovidos por instituições internacionais nos países do capitalismo periférico. Neste sentido, em suas diferentes versões a
promoção do “setor informal” tornou-se uma forma de maquiagem dos problemas estruturais vinculados à pobreza e à
questão social, perpetuando um padrão de acumulação fortemente excludente que tendeu a se aprofundar sob a égide de
políticas sociais de corte conservador.
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Ironicamente, a promoção do informal afasta-se das tradicionais políticas de formalização do informal preconizadas
pelo PREALC, valorizando-o como uma alternativa de atenuação da questão social. Contudo, como bem alerta o autor,
a preocupação com a questão social traz consigo “o ovo da
serpente” para o interior das políticas públicas e do Estado:
“Por trás dessa expressão sugestiva e sensibilizadora escondia-se uma estratégia de intensificação liberal – em que o informal passa a assumir um lugar singular numa nova forma
de apreender o desenvolvimento. Não mais pela apologia de
expansão do crescimento econômico e consequente “eliminação” do informal (integrando-o no setor formal), mas, ao
contrário, pela promoção deste.”
A nova importância do informal consiste, para Fernando Pires, na porta de entrada para a estratégia liberal de crítica referente à responsabilidade do Estado, justificando a
necessidade de desregular a legislação e o controle tributário
para facilitar a organização dos pequenos negócios. Destacando o debate teórico sobre a importância do informal para
a acumulação capitalista, o autor mostra que várias agências
internacionais apontavam o setor como “uma fonte potencial
de acumulação, quer seja considerado como autônomo ou
complementar.” Contudo, é a partir da avaliação do Estado
como ator principal no debate teórico que se evidenciam os
aspectos mais graves dessa “produção de sentido” para os
países periféricos do capitalismo.
21
Para Fernando Pires, o aporte teórico atual no setor informal é a representação da “imposição” da divisão internacional do trabalho na periferia e dos efeitos de desestruturação flexibilista do mundo do trabalho, não sendo apenas
consequência da fraca determinação do Estado na aplicação
das leis de regulação do mercado de trabalho.
Problemas relacionados à legitimidade do Estado em
tempos de severa crise fiscal também interferem nas novas
concepções do informal. Sendo assim, a informalidade materializa-se também por acordos implícitos entre empregadores
e trabalhadores numa forma particular de legitimidade que,
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para o autor, representa uma “consolidação” da exclusão social pela assimilação, integrando um regime de acumulação
que reproduz as desigualdades. Para o autor o mecanismo de
legitimidade estatal e de garantia da coesão social através da
promoção do informal reforça práticas clientelistas e “integra
excluindo”, reforçando as diferenciações sociais que tonificam o capitalismo periférico.
Sua conclusão sobre o debate informal mostra estar distante de ser uma mera questão semântica, pois a sua promoção estabelece as condições de um regime social que confere
uma satisfação restrita das necessidades, aprofundando a
desregulamentação e a flexibilização das relações de trabalho
iniciadas com o avanço neoliberal.
22
Ler o artigo de Marcio Pochmann, “Modernizar sem
excluir”, nos leva a pensar sobre os desafios de construir a
reforma social do Brasil do séc. XXI. Sua análise se desenvolve partindo das séries históricas de crescimento da economia
brasileira e do comportamento do mercado de trabalho, colocando a necessidade de retomar os níveis de crescimento
necessários para garantir o financiamento da questão social.
O balanço mostra que em alguns momentos de crescimento
foi possível incluir parcelas consideráveis da população ocupada em regimes de proteção ao trabalho. Embora o caráter
estrutural do capitalismo de industrialização tardia seja marcado pela exclusão, Pochmann reafirma o pressuposto da necessidade do crescimento econômico para financiar o desenvolvimento social. A análise do mercado de trabalho indica
com clareza sua posição, mostrando que nas fases de elevado
desemprego os ganhos sociais do trabalho recuam drasticamente, ao passo que cresce a precarização.
Sua reflexão se insere na perspectiva do ciclo de crescimento ensaiado pelo Brasil antes da crise financeira global de
2008. Marcio Pochmann aponta, ainda, a importância do aparato institucional para pensar as possibilidades de modernização da economia e do mercado de trabalho. A emergência
do conceito de propriedade social – “mediada pelo trabalho
e diversos mecanismos de proteção e segurança societal” – é
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central em sua análise de um modelo de crescimento inclusivo. Segundo sua análise “com o desenvolvimento urbano e
industrial protagonizado desde a década de 1930, parte dos
ganhos de produtividade foi carreada para a nova propriedade social.” Em outros termos, é estratégico o papel do fundo público para orientar o desenvolvimento social. Mas essa
possibilidade depende fundamentalmente da retomada do
crescimento econômico: “O desenvolvimento nacional permitiu a propriedade social alargar o tempo de vida, bem como
direcioná-lo à sociabilidade moderna, com mais educação,
saúde, consumo e investimento humano.” Por outro lado, em
ambiente adverso – baixo crescimento e elevado desemprego
– os mecanismos de flexibilidade quantitativa são postos em
marcha pelas empresas de forma nefasta para aqueles da propriedade social – os trabalhadores.
A visão de Marcio Pochmann reforça, ainda, a posição
daqueles que defendem os avanços institucionais no Brasil
como decisivos para barrar parcialmente o processo de reestruturação do capital. A Constituinte cidadã de 1988 é, sem
dúvida, o elemento central desses avanços, apesar dos ciclos
conjunturais desfavoráveis da economia. Neste sentido, representa um marco antecipatório das possibilidades de “modernizar sem excluir”.
23
A projeção de Marcio Pochmann é de que o Brasil está
diante da possibilidade de pensar um novo contorno para a
propriedade social: “A perspectiva de elevação da longevidade
de vida para acima dos cem anos de idade e profunda ampliação da produtividade do trabalho, especialmente do trabalho
imaterial, abrem oportunidades inéditas de o desenvolvimento fortalecer ainda mais a nova propriedade social.”
Seu ensaio se vincula à mesma abordagem adotada
por Cláudio Dedecca sobre a necessidade de pensar as novas possibilidades de desenvolvimento nacional, citando explicitamente “as ações estratégicas para o desenvolvimento
brasileiro de longo prazo”. Mas conhecer a “fórmula” não
basta para que seja aplicada. Daí sua conclusão em tom quase convocatório: “Se tecnicamente já é possível, por que não
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convergir para as condições estruturais necessárias para que
isso realmente venha a ocorrer? Somente com a promoção
do desenvolvimento nacional os brasileiros universalizam as
possibilidades de acesso a uma nova propriedade social.”
O ensaio de Cássio Calvete, “Impactos da financeirização no mundo do trabalho”, procura estabelecer as complexas mediações entre a dinâmica específica da circulação de
capital e os processos de produção de valor: onde se encontra
a força de trabalho encontra-se a personificação do capital.
24
Para o autor, o mercado financeiro produziu um novo
fetiche em escala mundial colocando-se como condutor enlouquecido do turbocapitalismo. Seu objetivo é mostrar como
o novo regime de acumulação liderado pelas finanças produz mudanças correlatas no mundo do trabalho e na gestão da mão-de-obra. Sua tese está apoiada na instabilidade
crescente da demanda e do risco da atividade produtiva, da
competitividade e do rápido processo de inovações associadas à alta rentabilidade do mercado financeiro. Esses fatores
que induzem à financeirização do capital produtivo acabam
imprimindo no setor produtivo a mesma lógica do sistema
financeiro: a lógica do curto prazo. A dinâmica de todo o processo se acelera. As diferentes rotações dos capitais particulares acompanham o ritmo alucinado da rotação do capital
como um todo: “o tempo se acelerou”. O resultado é o “aumento da produção, aumento da intensidade do trabalho, aumento da produtividade, aumento do consumo, aumento da
produção.” Tal ambiente requer mais e mais flexibilidade de
organização no processo de produção. A flexibilidade passa
a penetrar em todas as formas de organização da sociedade,
como afirma o autor ao parafrasear R. Sennett. A nova lógica
dominante é a da reinvenção descontínua de instituições, da
especialização flexível de produção e da concentração de poder sem centralização.
A desconstrução dos homens nos tempos de velocidade
social para além da máquina destrói sistematicamente a permanência do mundo do trabalho. Os empregos tornam-se menos estáveis e permanentes, e os laços sociais mais efêmeros.
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Para o autor, há uma causalidade dialética entre a globalização financeira e a mundialização da produção forçando
a reestruturação produtiva no âmbito da organização capitalista e no chão da fábrica. Todos os processos de reduzir
custos, diminuir riscos, aumentar a intensidade do trabalho e
se adaptar à demanda correspondem a sincronização ao tempo do capital financeiro: “A reestruturação produtiva busca
redução de custo, aumento de poder em relação à disposição
do tempo do trabalhador e intensificação do trabalho.”
As mudanças impostas pela financeirização são profundas e nefastas para a classe trabalhadora. Para Cássio Calvete,
“as alterações nos sistemas nacionais de relações do trabalho,
nos tipos de vínculos, nas formas de remuneração e na gestão
do tempo do trabalho que tornaram mais flexíveis as relações
trabalhistas foram impostas no sentido de moldar o mercado
de trabalho à fluidez e à efemeridade do capital financeiro.
Novas práticas de remuneração de “tipo rentista” se insinuam para os trabalhadores.
A questão fundamental levantada pelo autor é que essa
lógica do curto prazo, não pode ter outro resultado para os
trabalhadores que não seja uma nova forma de degradação
do trabalho, com mais instabilidade e mais insegurança. Consequências dessa a subjetividade estranhada para o trabalhador são conhecidas: estresse intenso, depressão constante e
cansaço generalizado conduzem a um conjunto de doenças
ocupacionais associadas.
25
O tema da pós-grande indústria, exposto por Marx nos
Grundrisse, é retomado por Liana Carleial, no ensaio “Conhecimento, firmas-rede e o (anti)-trabalhador coletivo e
social”. Sua perspectiva é estabelecer as mediações para as
condições atuais da contradição entre o desenvolvimento da
ciência como força produtiva e a permanência das relações
sociais calcadas no trabalho abstrato. A autora mostra as diabruras do capital na construção e reconstrução do trabalhador
coletivo atingindo seu zênite com a negação do trabalhador
coletivo no interior da sociedade do trabalho abstrato. Trata-se de um limiar histórico elástico que requer cuidadosas
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mediações. Essa “negação”, assumindo a forma do antitrabalhador coletivo, é também um meio que permite que a
contradição do capital ainda se mova como capital financeiro e suas formas.
O conceito de trabalhador coletivo em Marx nos remete
à lógica da cooperação no âmbito da oficina desde a manufatura “na qual se instala a natureza do trabalho sob o capital
como um trabalho necessariamente cooperado: “É o trabalhador coletivo formado pela combinação de um grande número
de operários parciais que constitui o mecanismo específico do
período manufatureiro.”
Para Liana, em cada momento de negação da base material pretérita ao processo de trabalho o trabalhador coletivo
deveria ser reestruturado: “A cada mudança do processo de
trabalho era preciso renovar o trabalhador coletivo.”
26
Mas algo ocorre a partir do momento em se estabelece o sistema de máquinas na grande indústria apontando na
direção da superação do trabalhador coletivo. Liana coloca
o limiar desse momento como o surgimento do antitrabalhador coletivo, ou seja, o desenvolvimento das próprias forças
produtivas leva o capitalismo a uma fronteira: “O assalariamento continua a forma prevalente de inserção nos mercados
de trabalho, o trabalho é negado nos processos de trabalho e
reposicionado na sociedade, a incorporação de trabalhadores
na produção da mercadoria mundializada independe do território, das diferentes regulações e condições de vida entre
eles, negando o clássico trabalhador coletivo.”
A consequência do desenvolvimento do conceito de trabalhador coletivo no conceito carregado de negatividade que
é o antitrabalhador coletivo encontra materialidade específica
na “relação entre conhecimento, exploração e financeirização”
representando, para a autora, a síntese do trabalho cooperado
e fortemente diferenciado na fase financeira do capitalismo.
Diante da financeirização que avassala o campo da produção, as formas organizacionais se adaptam a esse processo
e atingem o núcleo do trabalhador coletivo – o chão de fábri-
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ca. Aí temos as metamorfoses da empresa capitalista em meio
aos movimentos de concentração e centralização de capitais
e a introdução do progresso técnico que altera a natureza e a
organização do trabalho.
Liana Carleial aponta a emergência da firma-rede como
decorrência das mutações na concorrência capitalista, pois
a “grande empresa enquanto tendência dominante foi então
substituída por um modelo mais leve, a firma-rede. Tal entidade rompe com a espacialidade existente e produz outra que
estilhaça o trabalhador coletivo: “Existem muitas maneiras de
dividir o trabalho entre empresas num mesmo lugar, num mesmo país, numa mesma região, ou ainda no nível mundial.”
As formas de subcontratação em rede de produção mundializada, que caracteriza a indústria automobilística e outros
oligopólios transnacionais, representam bem essa forma de
deslocalização espacial. O novo proletariado digital na Índia
e no sudeste da Ásia, que atende, via call center, os clientes
dos EUA ou da Europa, também é revelador dessas novas
configurações do trabalho e do capital.
27
As reflexões finais de Liana Carleial são carregadas de
consequências, pois o antitrabalhador coletivo é apenas a negação do trabalhador coletivo, e não a superação da sociedade do trabalho abstrato. Sua negação, portanto, apenas cria
as possibilidades de emergência do indivíduo social pensado
por Marx.
No limiar dessas agudíssimas contradições a autora destaca que as “regras e medidas evaporam-se” deixando tudo
mais em radical suspensão. Conclui que o “indivíduo social”
é uma potencialidade travada. Travamento esse que é resultado da “impossibilidade das forças produtivas produzirem
todos os efeitos possíveis”, uma vez que permanecem presas
à forma social do capital.
José Meneleu Neto
Economista, Professor do Mestrado
em Geografia da Universidade
Estadual do Ceará (UECE).
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1
AUGE E DECADÊNCIA DAS POLÍTICAS DE
EMPREGO NO BRASIL
Carlos Alberto Ramos1
Introdução
Em 1999, o número de trabalhadores que, dentro dos programas do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), foram beneficiados por cursos de Formação Profissional (FP) se elevava
a 2,9 milhões. Em 2004, ou seja, pouco mais de dez anos depois,
esse número caía para insignificantes 148 mil, sendo ainda menor em 2006 (116 mil). Em termos financeiros, a queda no montante alocado à formação profissional no do total de despesas
do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) que tinha sido de
5,3% em 1998, caiu para 0,2% em 2007 (ver Gráfico 1 e Tabela
1). Em geral, as Políticas de Emprego Ativas (PEA, Formação
Profissional + Intermediação) que atingiram recursos de quase
0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1999, apresentam hoje
percentuais insignificantes ou residuais.
29
Gráfico 1 – Participação dos Gastos em Qualificação Profissional sobre as Despesas Total do FAT – Período 1998 a 2007
Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada em Dados do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
1
Professor do Departamento de Economia, Universidade de Brasília (UnB).
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07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 30
12.296,9
13.205,2
12.354,0
13.983,4
14.370,8
14.849,5
15.029,2
16.075,0
16.345,4
18.369,9
17.282,8
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
Fonte: MTE.
12.198,1
1996
(B)
(A)
6.507,1
6.800,9
6.214,2
6.605,8
6.311,9
6.020,0
5.706,7
5.574,0
4.912,4
4.677,2
4.988,6
5.374,2
4.861,4
BNDES
- 40%
PIS/PASEP
- FAT(*)
12.317,1
EMPRÉSTIMOS
ARRECADAÇÃO
1995
ANO
RECEITA
10.961,6
9.905,8
7.934,8
7.605,8
7.661,3
8.458,4
8.105,7
7.291,6
8.019,5
9.103,7
8.055,4
8.319,0
7.916,2
(C)
PAGAMENTO
157,0
166,1
128,3
158,4
180,2
197,9
136,6
239,1
261,2
217,8
202,9
211,9
21,6
(D)
APOIO
OPERACIONAL
SEGURO-DESEMPREGO
4.621,7
3.783,9
2.704,2
2.369,1
2.077,0
1.829,5
1.427,7
1.192,7
1.158,0
1.229,4
1.192,8
1.291,5
1.304,5
(E)
PAGAMENTO
19,8
24,3
10,1
19,2
3,8
36,3
36,4
34,8
44,9
65,1
47,6
69,0
39,6
(F)
APOIO
OPERACIONAL
ABONO SALARIAL
15,7
22,0
23,4
74,4
50,8
53,3
51,4
81,1
107,9
133,4
222,7
51,6
170,0
142,8
103,3
124,1
78,0
66,3
223,1
(H)
INTERMEDIAÇÃO DE
EMPREGO
795,3
764,1
712,1
883,5
814,9
640,6
46,2
(G)
QUALIFICAÇÃO
PROFISSIONAL
DESPESAS
-
-
-
28,8
23,6
15,1
18,0
15,6
3,9
4,5
11,9
(I)
APOIO
OPERACIONAL
AO
PROGER
109,8
116,2
115,9
154,6
171,5
380,6
460,1
308,2
323,6
386,6
279,7
164,6
2,3
(J)
OUTROS
PROJETOS/
ATIVIDADES
22.324,9
20.851,0
17.182,4
17.068,4
16.565,1
17.307,4
16.862,2
15.562,4
15.552,9
16.703,0
15.663,8
16.141,6
14.426,8
(K)
TOTAL
DAS
DESPESAS
(3.244,6)
(1.815,0)
(837,0)
(993,4)
(1.536,0)
(2.457,9)
(2.491,4)
(1.579,0)
(3.199,0)
(3.497,8)
(3.366,8)
(3.943,5)
(2.109,7)
( L ) = (A - K)
SALDO
Tabela 1 – Balanço Financeiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) - (1995-2005) (Em valores reais.
Base: dez/2--4. Deflator IGP-DI)
30
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Incluímos esses números simplesmente para ilustrar o
processo de decadência ou perda de relevância das Políticas
de Emprego (PE) no Brasil da última década. Nosso objetivo neste artigo consiste em refletir sobre os fundamentos teóricos e os contextos históricos que outorgam sentido a uma
determinada política pública (neste caso Políticas de Emprego) no mercado de trabalho e as raízes, históricas e analíticas,
que determinam seu auge e decadência. Concretamente, pretendemos, por um lado, identificar os motivos que tornaram
as Políticas de Emprego Ativas no principal instrumento de
intervenção governamental para reverter uma crescente deterioração quantitativa e qualitativa do emprego no Brasil e,
por outro lado, tentar explicar os motivos de sua dramática
perda de relevância nos últimos anos. Dado esse objetivo,
estruturamos o artigo da seguinte forma: na próxima Seção
vamos desenvolver os principais marcos teóricos que pretendem explicar as origens do desemprego, as alternativas de
políticas que deles se deduzem e os contextos históricos nos
quais os mesmos tiveram uma hegemonia, tanto no mundo
acadêmico quanto entre os gestores de política. Na Seção III
identificamos os períodos de auge e decadência nas Políticas
de Emprego no Brasil, associando-os à performance do mercado de trabalho e ao paradigma analítico dominante. Por último, na Seção IV, será feito um balanço do exposto no artigo
e das perguntas em aberto para futuras pesquisas.
31
Aspectos Teóricos/Históricos
Tradicionalmente, dois paradigmas concorreram no intuito de explicar as razões do desemprego e, conseqüentemente,
fundamentar as políticas que tentavam reverter o fenômeno.
Em tempos cronológicos, a primeira matriz analítica
esteve vinculada ao que se convencionou denominar de
modelo clássico. Sinteticamente, este modelo macroeconômico hierarquizava o mercado de trabalho em tal magnitude que nele se determinariam os salários reais e o nível de
emprego e, a partir deste (nível de emprego), e via função de
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32
produção, era fixada a oferta agregada. A taxa de juros, que
era uma variável do setor real e não monetário da economia,
tinha a função de igualar o nível de poupança ao patamar
de investimento e, assim, possibilitar o equilíbrio no mercado
de bens. Ou seja, a “Lei de Say” (toda oferta cria sua própria
demanda), seria cumprida e a produção, determinada já no
equilíbrio do mercado de trabalho, encontraria sempre um
mercado para ser realizada. Dentro deste paradigma, que foi
o berço da macroeconomia e seria hegemônico até a revolução keynesiana, todo e qualquer descompasso entre oferta e
demanda de mão-de-obra (leia-se desemprego) seria o corolário de algum “problema” nesse mercado. Por exemplo,
uma situação de desocupação refletiria um tipo de equilíbrio
(ou desequilíbrio) no qual a oferta de trabalho é superior à
demanda, ou seja, em outra perspectiva, teríamos um salário
real superior ao salário real de equilíbrio. Considerando que
um rendimento real do trabalho superior ao de equilíbrio era
outra forma de expressar uma situação na qual a oferta de
trabalho era superior à demanda (desemprego), o funcionamento do mercado deveria ter como resultado natural uma
reversão dessa situação. O excesso de oferta levaria a uma
queda do valor real do trabalho (salário real), aumentando a
demanda e reduzindo a oferta de tal forma que o desemprego
seria contornado. A persistência de uma situação de desocupação, no longo prazo, seria a manifestação de alguma “rigidez”
no mercado de trabalho ou, em outros termos, o resultado de
fatores que não possibilitariam quedas nos salários reais necessárias para tornar viável o retorno ao pleno emprego.
Este paradigma teórico tem diversos desdobramentos
em termos de diagnósticos e política pública. Por exemplo,
toda e qualquer situação de desemprego (não importa o lugar
ou o tempo) teria como raiz salários reais sobre aqueles de
equilíbrio. Nesse sentido, as políticas teriam de atuar sobre
o mercado de trabalho e direcionadas a tornar esse mercado mais “flexível” ou, em outros termos, tornar os salários
reais mais sensíveis aos excessos de oferta. Por outra parte,
essa matriz analítica identificava variáveis em grande parte
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alheias à análise econômica (como a existência de sindicatos,
condutas políticas ditas de “populistas”, que situariam o salário mínimo além das possibilidades econômicas etc.) como
sendo as causas últimas do desemprego.
A revolução keynesiana pode merecer múltiplas leituras e representou diversas rupturas com o paradigma que
acabamos de sintetizar. No tocante ao mercado de trabalho,
Keynes inverte a ordem de causalidade e situa o mercado de
trabalho em uma posição hierarquicamente subordinada no
seu modelo macroeconômico. Não é o nível dos salários reais
que determina o nível de emprego, como no Modelo Clássico,
senão o nível de atividade. A relação vai da demanda agregada à demanda de trabalho. Contudo, uma vez que Keynes
aceita que os salários reais são iguais à produtividade marginal do trabalho e que esta, pelas características da função de
produção tradicional (também reconhecida válida por Keynes), é decrescente (outra hipótese aceita na Teoria Geral),
um aquecimento da demanda de trabalho, pelo aumento na
demanda agregada, teria que ter como resultado quedas no
salário real. Como reduzir os salários reais? Aqui Keynes volta a diferenciar-se de forma radical de seus predecessores. No
Mercado de Trabalho não se determinariam os salários reais
senão os nominais. Nem os sindicatos nem os governos teriam capacidade para fixar o poder de compra dos rendimentos do trabalho senão, exclusivamente, seus valores nominais.
Dessa forma, nunca o mercado de trabalho poderia ser um
empecilho para elevar o nível de emprego (como no Modelo
Clássico). Uma vez que os salários nominais poderiam apresentar inflexibilidade à queda (outra premissa cara ao pensamento keynesiano), no caso de uma retomada do nível de
atividade, um paralelo aumento no nível de preços poderia
reduzir salários reais e tornar viável a relação de causalidade demanda agregada - nível de emprego. Sinteticamente, o
paradigma keynesiano sustenta que as questões relativas ao
mercado de trabalho devem ser tratadas macroeconomicamente e não mediante a microeconomia da oferta e demanda
de mão-de-obra.
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33
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Em termos teóricos, ambas as abordagens dependem, em
grande medida, das hipóteses assumidas. Se, a partir dos anos
30 e até a década de 70, o paradigma keynesiano foi hegemônico no nível acadêmico e base da administração conjuntural
das economias, esse status não foi produto de sua maior consistência analítica, mas resultado das eficazes respostas dadas à
crise de desemprego da década do 30 e aos êxitos atingidos na
administração das fases de curto prazo dos ciclos nos seguintes 30 anos. Entre meados de 1930 e a década de 70, o modelo
clássico passou a ser visto como mais um capítulo na história
do pensamento econômico e seus seguidores estavam restritos
a pequenos e quase folclóricos nichos em ambientes universitários. Os problemas de emprego e desemprego eram assumidos
e tratados como sendo subordinados às políticas macroeconômicas e aumentos da ocupação eram procurados por meio de
ferramentas monetário-fiscais e não mediante intervenções no
mercado de trabalho.
34
Essa hegemonia começou a ficar comprometida em meados dos anos 70, mas não pela identificação de fragilidades
no paradigma keynesiano (como por exemplo, na ausência de
microfundamentos a hipóteses caras a seu pensamento, como
a hipótese de salários nominais inflexíveis e reais flexíveis) senão porque as ferramentas usuais de administração conjuntural já não davam respostas adequadas aos desafios colocados
pelo novo tempo histórico. Assim como a passividade induzida pelo modelo clássico era incompatível com o desemprego
dos anos 30, o pensamento keynesiano não oferecia respostas ou alternativas de políticas à combinação de inflação e
desemprego visível na maioria das nações na década de 70.
Combinada com essa característica, a crescente globalização
dos mercados (especialmente dos mercados financeiros) tornava ineficazes as administrações nacionais do ciclo mediante ferramentas monetário-fiscais, especialmente no caso das
pequenas economias ou dos países periféricos. Essa perda de
controle do Estado/Nação sobre os instrumentos de política tipicamente keynesianos abriu espaço para uma reversão
da situação, possibilitando que o modelo clássico saísse dos
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nichos acadêmicos e, renovado e modernizado teoricamente,
voltasse a nortear as políticas. Suas propostas analíticas (superação do desemprego mediante a intervenção no próprio
mercado de trabalho) eram factíveis uma vez que, diferentemente dos mercados financeiros, o mercado de trabalho ainda se constituía em um espaço factível de ser regulamentado
e controlado pelo Estado/Nação. Assim, a proposta para o
crescente desemprego das décadas posteriores à de 70 era a
flexibilização dos mercados de trabalho fazendo do diagnóstico parte do “DNA” desse paradigma analítico: a desocupação era produto de salários reais muito elevados e insensíveis
ao excesso de oferta de trabalho.
Como todo paradigma hegemônico, as linhas gerais desse diagnóstico lograram um amplo consenso tanto no mundo
acadêmico quanto entre os formuladores de política. Contudo, também como todo paradigma hegemônico, várias leituras
eram possíveis, segundo ideologias, heranças nas práticas políticas etc. Assim, o retorno do modelo clássico mereceu duas
alternativas de políticas. A primeira, mais radical, sustentava
que as raízes dos problemas de desemprego estavam situadas
no mercado de trabalho e a maior sensibilidade dos salários
reais ao excesso de oferta de trabalho tinha que ser atingido
mediante a fragilidade dos sindicatos, a redução do salário mínimo, a contenção dos benefícios do Welfare-State etc. Os governos de Thacher (Inglaterra) e Reagan (nos EUA), são uma
caricatura deste tipo de alternativa, ainda que tenha sido um
denominador comum na maioria dos países anglo-saxões.
35
Uma opção menos radical e mais compatível com a
tradição social-democrata da maioria dos países da Europa
Continental, não obstante compartilhar o aspecto central do
Modelo Clássico (os problemas do desemprego teriam origem no Mercado de Trabalho e é nesse âmbito que devem
ser tratados), propunha um conjunto de medidas qualitativamente diferentes da experiência anglo-saxã. Basicamente,
esta versão à la social-democrata do modelo clássico supunha
que a globalização e o fim do fordismo tinham redundado
em dois fenômenos. O primeiro era a necessidade de mão-
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36
de-obra qualificada, uma demanda que era incompatível com
os desligamentos de trabalho não qualificado que as firmas
administradas pelo velho fordismo agora estavam concretizando. O segundo era uma mudança muito radical no mercado de trabalho (com profissões que eram muito demandadas
em paralelo com outras que entravam em decadência, setores
muito dinâmicos convivendo com outros em crise estrutural
e, por fim, espaços econômicos que se beneficiavam da nova
etapa e outros incapazes de se integrar de forma competitiva
na nova divisão internacional do trabalho) que tornava esse
mercado (o mecanismo de preços ou os sinais de mudança
nos salários relativos) uma forma pouco eficiente ou de resultados a muito longo prazo para realizar a realocação eficiente
da mão-de-obra. Nessas circunstâncias, era perfeitamente
viável que as firmas não conseguissem preencher as vagas
abertas e os desocupados não pudessem ocupar as mesmas.
A convivência de vagas não preenchidas e uma ampla parcela da PEA desocupada mereceria um tipo de intervenção que
visasse a elevar a eficiência alocativa do mercado.2 As políticas de formação e reciclagem (para tornar o perfil de oferta de
trabalho compatível com a demanda) e a intermediação (para
“aceitar” a comunicação entre oferta e demanda) seriam as
intervenções públicas recomendadas para superar o desemprego. Este tipo de política, que na literatura se conhece como
Políticas Ativas de Emprego, deveria ser articulada com as
Políticas Passivas (como o seguro-desemprego). O princípio
básico dessa articulação supõe que existe uma inércia na situação de desemprego. Percentual importante dos desocupados de hoje (especificamente, os desocupados de longa duraNa literatura, a eficiência alocativa é representada pela Curva de
Berverridge, uma que relaciona o nível de desemprego com as vagas existentes. A relação entre desemprego e vagas seria negativa
(quanto maior o nível de desemprego menor o número de vagas).
Contudo, fora desses deslocamentos sobre a Curva, produto do ciclo conjuntural, a posição da mesma (ou a distância com respeito à
origem) estaria indicando a eficiência alocativa do mercado de trabalho. Sobre o ponto consultar Ramos e Freitas (1998).
2
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ção) estaria nessa condição porque estavam desempregados
ontem. Essa inércia seria gerada pelos dois fenômenos que
acabamos de mencionar. Por uma parte, dada a rápida mudança tecnológica, ficar fora de um posto de trabalho significa
uma perda de conhecimentos e habilidades (deterioração do
capital humano), fato que vai dificultando, na medida em que
transcorre o tempo, ocupar as vagas que vão sendo abertas.
Por outra parte, um desempregado vai acumulando um passivo em termos de “sinais” que envia ao potencial empregador. Permanecer sem emprego vai reduzindo as probabilidades de ser contratado na medida em que as dúvidas quanto
a sua capacidade de adaptação à disciplina, convivência em
grupos trabalho,. etc. pode ter sido erodida no transcurso de
uma etapa da vida ativa fora da rotina de um emprego. Nesse sentido, a intermediação, o apoio e direcionamento do desempregado na procura de uma nova inserção produtiva são
cruciais para reverter a situação. As Políticas Passivas podem
ajudar na medida em que a ajuda financeira pode estar condicionada à qualificação, à reciclagem e à intermediação, fato
que induz o desempregado a participar dessas atividades sob
pena de perder os benefícios monetários.
37
Logicamente, essa divisão que acabamos de realizar
entre uma interpretação mais radical do novo paradigma e
outra mais social-democrata é um tanto teórica, uma vez que
todos os países ensaiaram ambas alternativas. A divisão de
águas está na ênfase dada a cada uma dessas duas opções.
Assim, a decadência do movimento sindical, a deterioração
do salário mínimo, a queda nos benefícios do welfare-state
foi um movimento generalizado nos países da Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Contudo, nas nações anglo-saxãs esse fenômeno é muito mais
intenso que na Europa Continental. Por outra parte, também
em países como EUA ou Inglaterra foram implementadas
práticas de formação, reciclagem e intermediação, ainda que
de forma menos generalizada que nos países nórdicos, por
exemplo. Contudo, em todos os casos existia um denominador comum: as causas últimas do desemprego se situavam no
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mercado de trabalho e as políticas tinham de estar direcionadas para atuar nesse espaço.3
A Experiência Brasileira
O auge
38
Dentro desse debate teórico as evidências empíricas de
metade dos anos 90 sugeriam que existia real problema de
geração de empregos no Brasil e que, fundamentalmente, não
existia uma correlação positiva entre a demanda de trabalho
e as variações do nível de atividade. Nesse sentido, os anos
emblemáticos foram os de 1994 e 1995. No primeiro ano, de
implementação do Real, o PIB aumentou 5,19% e o emprego
formal apresentou queda de -0,74%. (ver Gráfico 2 e Tabela 1)
No ano seguinte os percentuais foram de +2,98% e -0,08%. Ou
seja, elevações do PIB eram acompanhadas por uma queda no
emprego com carteira, uma correlação difícil de ser explicada.
No período 1994-98, o PIB teve uma elevação acumulada de
17,5%, sendo que o aumento no estoque de assalariados com
carteira assinada foi de apenas 1,71%. Paralelamente a essa
quase estagnação do emprego regulado pela Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT), e não obstante o aumento do emprego
informal, a taxa de desemprego registrou uma tendência de
alta. Nas principais aglomerações urbanas a taxa de desemÀ margem desse paradigma dominante e convivendo com ele
existia uma interpretação do desemprego que fundamentava sua
interpretação no que se convencionou chamar de “pessimismo das
elasticidades”. Basicamente, o argumento tinha como eixo um suposto incremento dramático na produtividade, que reduzia de tal
forma as necessidades de mão-de-obra por unidade de produto que
a fertilidade do crescimento do PIB em termos de emprego era mínima. Nesse sentido, a única alternativa seria a redução do tempo de
trabalho para distribuir de forma mais eqüitativa as horas/homem
necessárias para atingir o PIB. Esta interpretação também gerou políticas concretas, como as 35 horas semanais implementadas pelos
socialistas franceses quando Lionel Jospin era Primeiro Ministro. Em
Gorz (1988).
3
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 38
18/6/2009 09:47:24
prego subiu de 4,15% (dezembro de 1992) para 6,33% (dezembro de 1998). Ou seja, o mercado de trabalho estava em franca
deterioração, tanto em termos qualitativos (aumento da informalidade) como quantitativos (aumento do desemprego).
Gráfico 2 – Brasil – Variação do Emprego Formal Versus Variação do PIB – 1994 a 2007
39
Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada em Dados do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Tabela 2 – Variação do PIB e Variação do Emprego Formal
(Em Percentual)
Brasil
Ano
PIB
Emprego
2007(*)
5,40
5,91
2006
3,80
5,87
2005
3,20
5,97
2004
5,71
7,46
2003
1,15
2,95
2002
2,66
4,94
2001
1,31
2,31
2000
4,31
5,35
1999
0,25
2,57
1998
0,04
0,58
continua...
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 39
18/6/2009 09:47:24
continuação Tabela 2
1997
3,38
1996
2,15
1,20
0,76
1995
4,22
-0,08
1994
5,85
-0,74
Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada em Dados do MTE/Relação
Anual de Informações Sociais (RAIS) e Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE)/Contas Nacionais.
(*) - Emprego - dados do CAGED.
40
Diante dessa situação, vários diagnósticos eram factíveis. Por exemplo, a hipótese de um extraordinário aumento da produtividade, resultado da abertura da economia, era
plausível e podia explicar por que o aumento do PIB não se
concretizou em novas vagas com carteira. Neste caso, as escolhas de política seriam mínimas e se reduziam a duas: aumentar a taxa de crescimento do PIB (uma opção por todos
desejável, mas de difícil concretização nesses anos) ou uma
redução da jornada de trabalho (de eficácia muito questionada pelas escolas de economia dos gestores de política nesses
anos e difícil de ser viável em termos políticos).4
A segunda alternativa era supor que os altos custos do
trabalho formal inibiam as contratações reguladas pela CLT.
Nesse caso, a opção de política consistia em discutir os encargos sociais. Tentativas nessa direção foram ensaiadas, contudo foram inviáveis politicamente.
Não é o nosso objeto neste texto discutir esses diagnósticos. O certo é que ambos eram plausíveis de explicar a
dinâmica do mercado de trabalho desses anos e poderiam
constituir o cardápio de política, na medida em que fossem
validados empiricamente.
Contudo, não obstante os tímidos ensaios para rediscutir
aspectos regulatórios e os encargos sociais, os gestores de política
adotaram, em meados dos anos 90, uma estratégia que mimetiSobre o pessimismo do pensamento mais ortodoxo sobre o impacto
de uma redução da jornada de trabalho sobre o emprego ver Gonzaga e Pereira (2001).
4
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zava a prática adotada majoritariamente nos países de Europa
Continental. Basicamente, o diagnóstico consistia em supor que
os “desempregados” não eram “empregáveis”, seguindo uma
expressão utilizada na época pelo Ministro de Trabalho Edward
Amadeo.5 As origens dos problemas do crescente desemprego e
estagnação do emprego formal não estava na macroeconomia e
sim no mercado de trabalho. Esse diagnóstico e os amplos recursos financeiros do FAT (que superavam o 0.5% do PIB na época,
ver Tabela 2, possibilitaram que fosse implementado no país um
extenso programa de Formação Profissional, que ampliaram a
intermediação e fortaleceram os Sistemas Nacionais de Emprego
(SINE´s). Assim, ao desprezível em termos de orçamento público,
a Formação Profissional passou a demandar recursos que, em termos do PIB, chegaram a 0,4% no período de 1997/2001. As metas
do Plano Nacional de Formação Profissional (PLANFOR), como
foi chamada essa estratégia de formação implementada na época,
tinha como meta que todo o sistema de formação do Brasil (que
incluía além das iniciativas do Ministério do Trabalho aquelas
que eram sustentadas no âmbito do Sistema “S” e outras) beneficiasse, cada ano, 20% da PEA. Assim, no transcurso de cinco anos,
toda a forma de trabalho do país seria contemplada por algum
curso. Os objetivos estipulados nesse plano eram diversos e iam
desde a formação profissional, uma suposta “consciência cidadã”,
passando pela formação básica para suprir as debilidades da formação no sistema escolar e chegavam até os clássicos apoios nos
casos de desempregados ou indivíduos atingidos pela reestruturação de empresas. Implicitamente, supunha-se que o desafio do
desemprego estava situado na formação profissional.6
41
Essa interpretação foi, na época, polêmica não somente pelo seu
conteúdo senão por ter sido explicitada por um representante do
keynesianismo (Edward Amadeo) na academia. Ver, por exemplo,
Amadeo (1987), no qual são explícitas a defesa da interpretação keynesiana do desemprego.
6
Um percentual próximo a 0.05% do PIB pode parecer marginal. Contudo, devemos lembrar que países com longa tradição nas Políticas
Ativas de Emprego não chegam a alocar 0.5% do PIB. Suécia, por
exemplo, tradicionalmente citado como sendo exemplo de ações nessa área, aloca pouco menos de 0,4% do seu PIB em atividades vinculadas à formação profissional, segundo dados fornecidos pela OCDE.
5
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 41
18/6/2009 09:47:24
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 42
0,57
0,67
0,67
0,68
0,77
0,78
0,79
0,84
0,76
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
0,30
0,33
0,32
0,32
0,32
0,29
0,27
0,27
0,23
0,21
0,50
0,47
0,40
0,37
0,39
0,40
0,39
0,35
0,37
0,42
(C)
PAGAMENTO
(D)
0,01
0,01
0,01
0,01
0,01
0,01
0,01
0,01
0,01
0,01
APOIO
OPERACIONAL
SEGURO DESEMPREGO
0,20
0,17
0,13
0,12
0,11
0,09
0,07
0,06
0,05
0,06
(E)
PAGAMENTO
(F)
0,00
0,01
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
APOIO
OPERACIONAL
ABONO SALARIAL
(G)
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,01
0,04
0,04
0,03
0,04
QUALIFICAÇÃO
PROFISSIONAL
DESPESAS
(H)
0,00
0,00
0,00
0,00
0,01
0,01
0,01
0,01
0,00
0,01
INTERMEDIAÇÃO DE
EMPREGO
(I)
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
APOIO OPERACIONAL
AO PROGER
(J)
0,01
0,01
0,01
0,01
0,01
0,02
0,02
0,01
0,02
0,02
OUTROS
PROJETOS /
ATIVIDADES
(K)
1,02
1,00
0,87
0,83
0,85
0,82
0,81
0,74
0,72
0,76
TOTAL
DAS DESPESAS
-0,26
-0,15
-0,08
-0,05
-0,08
-0,14
-0,13
-0,08
-0,15
-0,16
(L) =
(A - K)
SALDO
Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada em Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Ministério do Trabalho
e Emprego (MTE).
0,60
(B)
(A)
1999
BNDES
- 40%
PIS/
PASEPFAT(*)
1998
ANO
EMPRESTIMOS
ARRECADAÇÃO
RECEITA
Tabela 3 – Recursos Financeiros Alocados em Políticas de Emprego com o Percentual do PIB
42
18/6/2009 09:47:24
Esse diagnóstico não estava sustentado em evidências
empíricas. Ou seja, para supor que o desemprego está alimentado por uma incompatibilidade entre oferta e demanda de
trabalho teríamos que possuir informações sobre a existência
simultânea de vagas que não estão sendo preenchidas e de desempregados. Esse tipo de teste é difícil de ser concretizado
no Brasil, uma vez que o registro sobre a existência de vagas
não preenchidas é parcial e se restringe aos SINE´s que fazem
a intermediação de parte residual das contratações. Dessa forma, as Políticas Ativas de Emprego se tornaram o principal
instrumento para reduzir o desemprego e elevar a qualidade
das ocupações sem que existisse um prévio diagnóstico, fundamentado empiricamente, que ancorasse o diagnóstico sobre
uma hipotética ineficiência do mercado de trabalho brasileiro.
A decadência
A partir de 2002, os recursos alocados às Políticas Ativas
de Emprego apresentaram uma brusca redução. Nesse ano,
a queda (em termos reais) das despesas referentes à formação
profissional foi de ordem de 76,33% e de 22,37% no caso da
intermediação. Esse processo continuou, de forma ainda mais
acentuada, com a mudança de Governo em 2003. Ainda que
nos últimos anos possamos observar uma tênue recuperação,
os patamares hoje, de 2007, são dramaticamente inferiores
aos atingidos no auge dessas políticas. Por exemplo, em 2007
os recursos do FAT utilizados nas atividades de formação foram quase 93% inferiores ao seu máximo de 2001. No caso da
intermediação essa contração atingiu 51%. Hoje, as Políticas
Ativas de Emprego (Formação + Intermediação) ocupam um
lugar marginal dentro do universo das Políticas de Emprego.
Por exemplo, em 2002 as Políticas Ativas representavam 11%
do total gasto no Seguro-Desemprego (Política Passiva). Hoje
(2007), esse percentual atinge apenas 1,16%. Com respeito à
configuração adquirida por esse tipo de intervenção no mercado de trabalho no seu auge (2001) hoje se pode argumentar
que no país esse tipo de política pública foi abandonado.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 43
43
18/6/2009 09:47:24
44
Duas podem ser as argumentações que tentam explicar
esse abandono. Primeiro, as múltiplas malversações de recursos que permearam todo o processo de implementação e avaliação do PLANFOR e que levaram a uma certa paralisação,
mesmo dentro da mesma etapa política (Governo de Fernando Henrique Cardoso).7 A segunda, é a mudança de poder
político em 2003 e as alterações, um pouco cosméticas - como
a mudança de nome do PLANFOR para o Plano Nacional de
Qualificação (PNQ) e outras de mais conteúdo (como os critérios de transferência de recursos, as exigências em termos de
horas/aula, etc.), que poderiam ter gerado adaptações com
interrupções transitórias nos programas. Contudo, essas explicações não consideram as radicais mudanças no ambiente
no período, especialmente no ambiente macroeconômico. A
questão da transição entre um Governo e outro em 2002/2003
só poderia ter desdobramentos muito pontuais no andamento dos programas. Quedas na magnitude dos recursos alocados e do público beneficiado, como as que assinalamos em
parágrafos anteriores, depois de vários anos com uma nova
administração do Estado, só podem ser a manifestação da
perda de relevância desse tipo de política e, nesse sentido,
as raízes têm que ser procuradas no contexto macroeconômico que dá embasamento ou inviabiliza a importância de uma
certa política pública.
Como já afirmamos, o crescente espaço ocupado pelas
Políticas Ativas de Emprego em meados dos anos 90 se dá
em um contexto histórico bem particular. O novo paradigma macroeconômico dominante, as práticas nos países da
Europa Continental, a insensibilidade do emprego formal ao
As avaliações realizadas na época, mesmo sendo realizadas por
instituições supostamente alheais ao poder político, eram muito favoráveis ao PLANFOR. Diversos problemas metodológicos foram
comuns a todas as avaliações e que impediram calcular o impacto
(avaliação de impacto) das ações. Sobre o ponto ver Ramos (2002).
Contudo, as questões relativas ao desvio de fundos, os controles específicos não parecem ter sido capazes de identificar as fraudes, que
só vieram à luz no ano de 2001.
7
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 44
18/6/2009 09:47:24
crescimento do PIB no país, o aumento do desemprego etc.,
configuraram um ambiente propício para sustentar, ainda na
ausência de evidências empíricas, que a elevação do emprego
e sua qualidade eram objetivos que poderiam ser atingidos só
mediante (ou de forma preponderante) através de Políticas
Ativas de Emprego.
Esse ambiente começa a mudar já no fim dos anos 90 e com
maior intensidade na década seguinte. No tocante aos países
centrais, o aumento do PIB desde começos da década de 90 até
o estouro da bolha da “Internet” no começo da seguinte nos
EUA tinha levado o mercado de trabalho a uma extrema tensão,
com situações próximas do pleno emprego já no fim do ciclo.
Como esse período coincide com elevadíssimos ganhos de produtividade, esse conflito (aliás, recorrente na história econômica
e no pensamento econômico) sobre o conflito entre geração de
empregos e avanço tecnológico ia perdendo adeptos. Mesmo
países da Europa Continental, como a Espanha, com taxas de
desemprego estruturais muito superiores às economias anglosaxãs, iniciaram ciclos de crescimento que se traduziam na geração de empregos e abruptas quedas no desemprego.
45
Por outra parte, no Brasil, a partir de janeiro de 1999,
com a flutuação da taxa de câmbio, as respostas do emprego formal ao aquecimento do nível de atividade revertem de
forma radical as evidências dos anos anteriores (nos quais o
regime macroeconômico era de taxa de câmbio fixo). Nesse
ano (1999), diante de um aumento do PIB de 1,79%, o emprego celetista registra elevação de 2,57%. Em 2000, o estoque de
assalariados com carteira aumenta 5,35% e, no ano seguinte,
a despeito do colapso na Argentina e dos atentados terroristas nos EUA, o emprego celetista logrou uma elevação de
2,35% (lembremos da queda de -0,74% em 1994 mesmo em
um contexto de forte aquecimento no nível de atividade, PIB
+ 5,19%). Em geral, no período posterior a 1999, a elasticidade
emprego-produto se situa em todos os anos em patamares
superiores a 1. Hoje (2008), a taxa de variação do emprego
formal está na faixa de 7%, um percentual elevadíssimo e dificilmente imaginado mesmo nos cenários mais otimistas.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 45
18/6/2009 09:47:24
Nesse contexto de forte resposta do emprego a variações
no nível de atividade, toda política que visa a elevar o nível
de emprego a partir de intervenções no mercado de trabalho
carece do contexto histórico capaz de lhe outorgar densidade
na agenda de debate. O declínio, em termos de debate acadêmico e de política pública, das atividades vinculadas à formação e intermediação são uma conseqüência natural de um
contexto histórico no qual, produto do crescimento e de certas
ações fora do mercado de trabalho (por exemplo, expansão do
crédito), o emprego vem apresentando taxas de variação com
poucos antecedentes históricos, mesmo diante de quase total
passividade em termos de Políticas de Emprego Ativas.
Comentários Finais
46
Implícita em toda nossa argumentação está a hipótese
que vincula a vigência de um paradigma teórico a um contexto histórico no qual o mesmo faz sentido. Se o keynesianismo
perdeu a hegemonia no pensamento macroeconômico nos
anos 70 não foi pela sua falta de fundamentação microeconômica senão devido a que não era um modelo adequado para
dar respostas aos desafios que a sociedade enfrentava nesses
anos. No caso das Políticas de Emprego, seu auge analítico e
prático está associado a um período muito concreto, no qual
era hegemônico o pensamento para o qual a geração de empregos não passava pela macroeconomia senão pelas intervenções no mercado de trabalho.
Contudo, hoje, o reencontro com uma elevada reposta
da demanda formal de trabalho a variações no PIB se faz sem
uma reflexão teórica sobre as causas da atual surpreendente
elasticidade emprego-produto. Se nos períodos anteriores podíamos identificar uma estreita correlação entre o paradigma
teórico dominante e os desenhos de política, agora a experiência poderia assinalar um ambiente propício para um retorno do marco analítico keynesiano, fato que não parece evidenciar-se. O número de indivíduos cuja relação assalariada
está regulada pela CLT está aumentado em torno de 7% pa-
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ralelamente à inexistência de Políticas de Emprego Ativas ou
qualquer tipo de reforma no marco regulatório das relações
capital-trabalho, desqualificando toda uma série de reflexões
que identificavam nesses quesitos as causas últimas da estagnação do emprego com carteira na segunda metade dos anos
90. Com uma taxa de variação do emprego no patamar de 7%
ao ano, carece de sentido prático tanto alocar significativos
recursos públicos nessas atividades quanto realizar maiores
esforços analíticos sobre as Políticas de Emprego como âncora para a geração de novas oportunidades de trabalho. Assim,
como nos anos 70 o paradigma keynesiano parecia estar destinado a ocupar um capítulo nos livros do pensamento econômico, hoje as Políticas de Emprego devem ser estudadas
desde uma perspectiva mais histórica que como opções privilegiadas de intervenção pública. A realidade vem evidenciando que as variáveis do mercado de trabalho dependem
mais dos indicadores macroeconômicos que dos recursos
alocados às atividades realizadas no âmbito do Ministério do
Trabalho. A contemporaneidade das proposições mais caras
ao pensamento keynesiano é ainda uma causa pendente.
47
Contudo, essa constatação empírica não pode inibir a reflexão teórica. Por exemplo, um ponto em aberto consiste em
se perguntar por que as elasticidades foram tão reduzidas (e
mesmo “ilógicas”) nos anos 90 e passaram a adquirir níveis
tão elevados depois de 1999. A taxa de câmbio flexível tem
tal potencialidade de impacto sobre o nível de demanda por
trabalho, como sugere Frenkel (2008)? Quais são os meandros
que vinculam essas duas magnitudes (taxa de câmbio flexível
e nível de ocupação formal)? Por que a valorização na taxa de
câmbio nos últimos anos não teve impacto negativo sobre as
elasticidades? Esses são motivos de reflexão no mundo acadêmico e podem servir de parâmetros para desenhar políticas
no caso do atual contexto histórico mudar. Hoje, sem muita
reflexão teórica e mesmo na ausência de políticas ativas de
Emprego dignas desse nome, a trajetória do emprego, como
Keynes sempre imaginou, depende, de forma crucial, das decisões tomadas no Ministério da Fazenda e do Banco Central,
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limitando-se o Ministério de Trabalho a comemorar números
cujas causas últimas estão fora de seu âmbito de atuação.
Referências
AMADEO, E. Desemprego, salários e preços: um estudo
comparativo de Keynes e da macroeconomia da década de
1970. [S.l.]: BNDES, 1987.
FRENKEL, R. Un régimen de política macroeconómica con
el tipo de cambio real como meta intermedia. Disponível
em: <www.itf.org.ar/lectura_detalle.asp?id=3>. Acesso em:
20 set. 2008.
GONZAGA, G.; PEREIRA, R. Partilha do trabalho e a demanda por trabalhadores e horas. Revista Brasileira de Economia, v. 55, n. 1, p. 5-32, 2001.
48
GORZ, A. Métamorphoses du travail: critique de la raison
économique. [S.l.]: Editions Galilée, 1988.
RAMOS, C. A.; FREITAS, P. S. de. Sistema público de emprego: objetivo, eficiência e eficácia: nota sobre os países da
OCDE e o Brasil. Brasília, DF: Ministério do Planejamento e
Orçamento, 1998. (Texto para Discussão, n. 568).
RAMOS, C. A. Las políticas del mercado de trabajo y su evaluación en Brasil. Santiago de Chile: CEPAL, 2002. (Serie Macroeconomía del Desarrollo, n. 16).
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2
O SISTEMA PÚBLICO DE EMPREGO E A ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO
Claudio Salvadori Dedecca1
Introdução
O restabelecimento da possibilidade de crescimento
sustentado da economia brasileira, nestes últimos anos, tem
produzido efeitos positivos sobre a geração de empregos formais, rompendo o cenário pessimista sobre suas perspectivas
observado ao longo dos anos 90. Se sustentadas as tendências
atuais, o crescimento da economia tenderá induzir a recuperação do mercado formal de trabalho, sendo que a elevação
da taxa de expansão do produto poderá acelerar este movimento. Dentro desta perspectiva, a política pública de emprego, trabalho e renda2 tende ter papel extremamente importante para o processo de recomposição do mercado formal de
trabalho, pois ela poderá atuar, principalmente, sobre a estrutura ocupacional, cabendo à dinâmica econômica responder
pela geração de novas oportunidades de trabalho.
Neste sentido, novas condições se apresentam para a gestão da política de emprego. Enquanto, nos anos 90, seu foco
se orientou para a compensação dos problemas de emprego
causados por uma dinâmica econômica que desestruturava o
mercado formal de trabalho catapultando o desemprego no
território nacional, constata-se, no presente, que ela necessita
ser orientada para o fortalecimento das relações entre crescimento econômico e estruturação do mercado de trabalho. Ou
melhor, abre-se a perspectiva da política de emprego superar seu caráter compensatório em favor de outro de natureza
49
Professor Titular do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
2
Para facilitar a leitura do ensaio, utilizaremos a seguir somente a
expressão política de emprego.
1
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mais indutor, que vise melhorar as condições de trabalho e o
perfil de qualificação da força de trabalho. Neste movimento,
deve perder importância os instrumentos de natureza compensatória, como a geração de ocupação com o objetivo de
atenuar o desemprego.
Ademais, a política emprego deverá ser fortalecida pelos benefícios que o crescimento lhe trará em termos de melhora das suas condições de financiamento. A elevação dos
níveis de atividade e emprego deverá favorecer um aumento
da receita do Fundo de Amparo ao Trabalhador, bem como
induzir uma desaceleração da evolução dos gastos com seguro-desemprego. Portanto, deverá se ampliar a disponibilidade de recursos para as políticas de intermediação e de qualificação, podendo potencializar os efeitos das ações da política
sobre o mercado nacional de trabalho.
50
Este ensaio explora alguns aspectos relevantes para a
construção de uma política de emprego, trabalho e renda
associada a uma perspectiva de desenvolvimento que relacione fortalecimento do mercado de trabalho, melhores condições de trabalho e menor desigualdade de renda. Isto é, a
construção de uma política que participe de um desenvolvimento menos desigual que aquele proposto pelos governos
dos anos 90.
Das Políticas de Emprego, Trabalho e Renda à Conformação de um Sistema Políticas e Ações3
Desde o final da Segunda Guerra, as ações de políticas
públicas em favor do emprego e da renda foram uma recorrência nos países desenvolvidos, tendo se transbordado em
certa medida para aqueles em desenvolvimento. Em grande
medida, tais ações surgiram com a função de proteger o trabalho no processo de desenvolvimento capitalista, seja em re-
Sobre o tema da construção das políticas e do sistema público de
emprego, ver Ricca (1983) e Dedecca; Barbosa e Moretto (2007).
3
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lação ao desemprego, seja em face da necessidade de elevar a
qualificação da força de trabalho como exigência das transformações tecnológicas recorrentes ao processo de investimento
e produção.
As ações foram estabelecidas a partir de três funções básicas: o seguro-desemprego, a intermediação de mão-de-obra
e a qualificação profissional. Em certos países, algumas dessas funções estiveram relacionadas com os acordos coletivos,
que ampliaram ou fortaleceram as ações públicas existentes.
O fim do período de crescimento do pós-guerra ampliou
a responsabilidade das ações da política de emprego em razão do crescimento acelerado do desemprego, levando que os
Estados desenvolvidos procurassem reduzir os efeitos sociais
perversos que ele gerava sobre a força de trabalho, mas também introduzir mecanismos que induzissem que a força de
trabalho atingida retornasse para a atividade no menor prazo
possível. Os motivos para esta mudança de posição dos Estados Nacionais foram de duas ordens.
De um lado, o crescimento do desemprego de caráter estrutural, situação evidenciada pela elevação rápida e acentuada de seu período de duração, tendia produzir um aumento
substantivo dos gastos com o programa de seguro-desemprego. O incremento da despesa era incompatível com as restrições financeiras que passavam a conhecer os Estados Nacionais, em razão da tendência de desaceleração da evolução
da receita determinada pelo menor crescimento ou mesmo
queda do nível de atividade. Portanto, os Estados Nacionais
eram pressionados a controlarem o aumento dos gastos com
seguro-desemprego, apesar do crescimento do problema exigir maior disponibilidade orçamentária.
51
De outro, a alteração da convergência política prevalecente no após-guerra quanto ao papel do Estado na regulação
do mercado e das relações de trabalho. As greves de 68 haviam permitido a emergência de uma perspectiva, no interior
da força de trabalho, que reivindicava maior democratização
e menor burocratização através de um sistema de representação menos centralizado e com autonomia nas bases das
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estruturas ocupacionais. O fortalecimento das negociações
coletivas com um desemprego friccional, no após-guerra,
abriu espaço para uma visão que considerava não mais ser
tão necessária, em um ambiente democrático, a regulação pública do mercado e das relações de trabalho na extensão até
então observada, levando que segmentos jovens da força de
trabalho reivindicassem maior autonomia em relação ao Estado e, também, em relação à estrutura sindical constituída
durante os anos de crescimento sustentado. A modificação
da regulação pública encontrava eco na sociedade, tendo sido
apontada como necessária para enfrentamento do desemprego emergente e das novas condições de qualificação da força
de trabalho.
A partir destas duas condições, os Estados Nacionais começaram a realizar modificações na regulação do mercado e
das relações de trabalho, tendo na reorganização da política
de emprego um de seus campos de implantação.
52
No âmbito dessa política, a estratégia foi orientada para
criação de mecanismos que induzissem o retorno mais rápido ao trabalho, levando que os Estados Nacionais ampliassem seus esforços no redesenho das ações associadas às três
funções básicas, bem como o estabelecimento de um maior
diálogo entre elas. As modificações atingiam o escopo da política de emprego, bem como buscaram dar maior integração
horizontal de suas ações.
O incentivo ao retorno ao trabalho era justificado sob o
argumento de que os programas de seguro-desemprego tendiam a manter os trabalhadores sob proteção até o final de
vigência do benefício, pois os segurados preferiam o programa a se submeter a empregos de menor qualidade. Também,
o incentivo era justificado no argumento de que os segurados
tinham baixa disponibilidade para um processo de requalificação profissional, de tal modo que, na ausência de estímulos,
dificilmente eles superariam a condição de desemprego.
Pode-se dizer que as mudanças na política de seguro desemprego tendiam transferir para a força de trabalho ao me-
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nos parte da responsabilidade da situação de desemprego, ao
considerá-la associada à falta de iniciativa dos segurados em
buscar uma nova ocupação. Apesar das modificações introduzidas, não existe indício, estatístico ou não, que comprove
que as políticas de incentivo tenham contribuído para reduzir o desemprego nos países desenvolvidos nestes últimos 30
anos. A queda do desemprego, quando ocorrida mesmo que
limitadamente, se fez graças à recuperação econômica e suas
conseqüências em termos de geração de novos postos de trabalho. Em termos objetivos, as modificações nos programas
de seguro-desemprego viabilizaram somente o controle do
crescimento de seus gastos, ao permitirem reduzir cobertura,
tempo e valor dos benefícios.
Outra modificação que também atingiu os programas
de seguro-desemprego esteve associada a sua integração
às funções de intermediação e qualificação de força de trabalho. Em muitos países, as funções eram realizadas de
maneira independente, sendo inclusive administradas por
instituições próprias.
53
A evidente necessidade de empreender esforços da política pública com o objetivo de reduzir as dificuldades de informação dos desempregados quanto às possibilidades de emprego e de estimular a elevação da qualificação dos mesmos
com a preocupação de permitir-lhes acesso ao conhecimento
associado às novas tecnologias da informação estimulou a
integração das funções da política de emprego com vistas à
constituição de um sistema integrado de políticas e ações.
A perspectiva mais difundida sobre sistema público de
emprego teve, portanto, como ponto de partida as três funções
básicas: o seguro-desemprego, a intermediação de mão-deobra e a qualificação profissional. Ela foi construída segundo
o entendimento que o sistema público de emprego tem por
função proteger os trabalhadores na ausência de trabalho,
buscar a reabsorção destes em um menor espaço de tempo
e fomentar sua qualificação com o objetivo de favorecer sua
inserção no mercado de trabalho. Ademais, considerou que
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essas funções básicas, em geral de natureza permanente, devem ser complementadas por outras de natureza transitória,
orientadas para problemas de emprego específicos ou conjunturais do mercado de trabalho.
Como apontado anteriormente, as funções básicas nasceram anteriormente à concepção de um sistema público de
emprego que as integrasse. A crise do capitalismo concorrencial com a emergência, pela primeira vez, de um desemprego
de massa, deu origem às primeiras iniciativas de políticas de
seguro-desemprego na Inglaterra e na Alemanha.
As tensões políticas e sociais predominantes no mundo,
no final da Primeira Guerra Mundial, levaram as nações a
constituírem a primeira instituição de cooperação internacional, a Organização Internacional do Trabalho, em 1919. No documento de sua constituição, era afirmado que a paz no mundo
exigia a melhoria das condições de trabalho e a proteção à situação de desemprego que atingia milhões de trabalhadores.
54
Para o enfrentamento dos problemas de emprego, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) deveria elaborar
Convenções sobre temas e políticas. Aprovadas na Conferência Internacional do Trabalho, realizada anualmente, caberia
a cada país tornar signatário de cada uma delas, se obrigando
a implementá-la em seu espaço nacional. Na primeira Conferência, realizada em outubro de 1919, foram aprovadas seis
Convenções: sobre as horas de trabalho; sobre o desemprego,
sobre a proteção maternidade; sobre o trabalho noturno para
as mulheres; sobre o salário mínimo e sobre o trabalho noturno para os jovens.
A Convenção sobre desemprego propunha que os países membros estabelecessem políticas contra o desemprego,
agências públicas de emprego e um seguro(renda) desemprego. Ademais, mencionava, genericamente, sistemas nacionais
de políticas de mercado de trabalho. Essa Convenção não
teve a adesão do Brasil. Tendo aderido à OIT em 1934, o país
ratificou a Convenção 88, que definiu as diretrizes para a organização do sistema público de emprego.
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Nesta Convenção, o sistema público de emprego deveria auxiliar os trabalhadores a encontrarem um emprego adequado e as empresas (patrões) a recrutarem os trabalhadores
que convenham às suas necessidades. Ademais, o sistema
público de emprego deveria fortalecer as demais políticas em
favor do emprego e de seguro-desemprego. Pode-se afirmar
que a Convenção 88 se voltou, em grande medida, para a intermediação de mão-de-obra, atualizando parte do conteúdo
presente na Convenção 2.
Somente na Recomendação 83, que estabeleceu diretrizes
para estrutura do sistema público de emprego, se fazia menção
à qualificação profissional. Este tema foi sendo objeto de outras
recomendações, em especial daquela aprovada em 1949.
Pode-se observar, facilmente, que os pilares básicos da
noção sobre o sistema público foram sendo incorporados pela
OIT paulatinamente e de modo não integrado. Em grande medida, as orientações para a estruturação do sistema público de
emprego eram limitadas à intermediação de mão-de-obra.
55
Ocorre que a dinâmica de crescimento do após-guerra,
com a ampliação da proteção social e reconhecimento do direito
à organização e representação dos trabalhadores em um contexto de ampliação da democracia, foi induzindo o desenvolvimento das três funções básicas, sendo que a situação de desemprego
estrutural, a partir da década de 70, estimulou a adoção de uma
perspectiva mais ampla de um sistema público de emprego fundado em uma maior integração de suas funções e ações básicas.
Ademais, a prevalência de uma taxa baixa de desemprego. Até os anos 70, estimulava relativamente mais as políticas
públicas de intermediação e de qualificação profissional, pois
elas eram funcionais ao processo de recrutamento de força de
trabalho com um menor custo para as empresas. Assim, observava-se que tanto nos países desenvolvidos como nos em
desenvolvimento, foram sendo adotadas iniciativas visando
a implantação de instrumentos para ambas as políticas, que
nem sempre foi acompanhada do fortalecimento daquela de
seguro-desemprego.
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A Construção Limitada dos Sistemas Nacionais
Públicos de Emprego
Apesar da denominação sugerida pela OIT quanto à
organização das políticas como sistema público de emprego
enquanto estrutura integrada das três funções básicas da política de emprego, as experiências nacionais não atestam que
esta configuração seja atualmente preponderante. A análise
do sistema americano mostra ausência de articulação das funções, enquanto que a alemã evidencia sua maior ocorrência.
Só recentemente, a França iniciou a integração de funções e
ações com vistas à construção de um sistema.
56
Em grande medida, a ainda relativamente baixa incidência de um sistema público de emprego que congregue as
diversas funções de modo integrado deve-se a implantação
isolada de cada um delas no tempo e muitas vezes com fontes
de financiamento e formas de gestão bastante distintas.
Enquanto o seguro-desemprego tendeu originalmente
ser uma política financiada pelas partes, isto é, pelos trabalhadores e empresas, observa-se que a intermediação de mãode-obra foi assumida pelo aparelho de Estado, bem como a
qualificação profissional. Como apontado, a concepção de
um sistema público de emprego de natureza integrada vem
aparecer a partir dos anos 70, quando a emergência de um desemprego estrutural passou a exigir dos governos nacionais
a adoção de iniciativas que buscassem ampliar a re-inserção
dos desempregados na atividade econômica. Pressão, essa,
que obrigou a definição de estratégias de reorganização das
políticas de mercado de trabalho com vistas à sua maior eficiência e menor custo por trabalhador desempregado.
Pode-se dizer que as condições de funcionamento dos
sistemas nacionais públicos de emprego no após-guerra eram
convergentes com um contexto de pleno emprego, que os demandava fundamentalmente para a mobilização e qualificação
de trabalhadores em um contexto de demanda ascendente de
mão-de-obra. O esgotamento do ciclo de crescimento impôs
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novos desafios às políticas de mercado de trabalho, bem como
aos sistemas públicos de emprego. Ademais, a ascensão do
diagnóstico conservador reintroduziu a visão de que os trabalhadores eram parte do problema de emprego, devendo ser
estimulados a reingressarem na atividade econômica, mesmo
que em condições de trabalho menos favoráveis e mais precárias, e a ampliar o escopo de conhecimento com o objetivo de se
tornarem mais flexíveis e adaptáveis à um mercado de trabalho caracterizado por vínculos ocupacionais mais instáveis.
No após-guerra, a política de qualificação profissional tinha por preocupação principal resolver a formação de trabalhadores para ocupações que não encontravam disponibilidade adequada de mão-de-obra no mercado de trabalho. Hoje,
observa-se que ela passou a ter a preocupação de ampliar o
mix de formação com o objetivo de reduzir o risco da situação
de desemprego em um mercado de trabalho e configuração
produtiva instáveis.
Toda uma concepção de qualificação profissional tem
ganhado expressão, através de formações modulares e, em
geral, especializadas, que permitem ao trabalhador, em curto
espaço de tempo, adquirir uma habilidade ou competência,
certificada pelo sistema público de emprego ou por instituições associadas ele.
57
Quanto à intermediação de mão-de-obra, os instrumentos da política visavam melhorar a mobilidade da mão-deobra em uma situação de escassez relativa. Agora, ela objetiva
induzir a reinserção, buscando inclusive estimular as formas
de auto-ocupação. A intermediação vem assumindo, mesmo
que parcialmente, a função das políticas de mercado de trabalho, ao incorporar programas de incubação ou criação de
empreendimentos próprios por parte dos desempregados.
É lógico que as mudanças de orientação das políticas de
intermediação e qualificação profissional, agora voltadas para
a ampliação da empregabilidade do trabalhador ocupado ou
desempregado, tenderam afetar a função do seguro-desemprego. Maiores exigências foram incorporadas aos critérios
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de elegibilidade para acesso a esta forma de proteção. Afinal,
se as orientações das duas primeiras funções foram reestruturadas segundo uma concepção da necessidade de pressionar o trabalhador a retornar à vida produtiva, mesmo que em
condições desvantajosas em termos de ocupação, relação de
trabalho e remuneração, fazia necessário reformular o sistema de seguro-desemprego em um sentido semelhante.
58
A principal justificativa apresentada se sustentou em um
argumento de racionalidade individual. Segundo este argumento, o trabalhador desempregado avaliaria que a taxa de
retorno propiciada por uma ocupação seria menor que aquela permitida pela renda do seguro-desemprego. Portanto, ele
optaria pela inatividade. O argumento conclui que o sistema
de seguro-desemprego estaria alimentando a inatividade e
protegendo o desempregado em relação ao mercado de trabalho. Uma visão reducionista sobre a situação de desemprego domina este argumento, pois a reduz à uma dimensão meramente monetária. Despreza as implicações do desemprego
sobre a sociabilidade e a auto-estima do trabalhador.
Independentemente dessas observações, a visão baseada na racionalidade individual preponderou e deu suporte às
reformas dos sistemas de relações de trabalho e de proteção
ao trabalho, impondo crescentes exigências de elegibilidade
para o seguro-desemprego.
Completa-se um ciclo de mudanças nas orientações das
funções da política de emprego, que passou a reivindicar
uma maior integração e articulação entre elas. A busca por
esse processo foi reforçada pela necessidade de contenção
dos gastos com as políticas de proteção ao trabalho, natural
em um contexto de desemprego elevado e dominado por
uma longa duração.
Pode-se afirmar que o movimento de integração e articulação das funções do sistema público de emprego acabou
assumindo características controversas.
Um primeiro olhar sobre o processo indica que o movimento deve ser considerado como relevante para o melhor
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desempenho do sistema. Afinal, o acesso ao seguro-desemprego passou a colocar o trabalhador mais próximo às ações
de intermediação e qualificação. Ademais, a integração abriu
a possibilidade de um melhor aproveitamento da infra-estrutura pertencente às três funções, bem como de um maior
conhecimento do desempregado em favor da gestão e das estratégias das políticas de mercado de trabalho.
Não há porque criticar a integração das funções. Ao
contrário, este processo deveria ser ampliado em relação às
demais políticas sociais e econômicas. Seria interessante, por
exemplo, que a política industrial incorporasse na definição
de seu desenho parte das diretrizes das políticas de intermediação e qualificação profissional. Também, a política educacional poderia fornecer sua infra-estrutura, quando ociosa,
para a realização dos cursos de qualificação profissional.
Ademais, a integração e articulação das funções facilitaram enormemente o contato do trabalhador, desempregado
ou não, com as políticas de emprego. Tornaram mais abrangente o atendimento ao trabalhador, reduzindo para esse, inclusive, os custos de acesso.
59
É inegável, portanto, que o processo de integração e articulação das funções deve ser valorizado e considerado relevante para a qualidade e eficiência da política de emprego.
Contudo, é preciso reconhecer que ele incorporou características que são desfavoráveis ao trabalhador, que enfraquecem
os possíveis ganhos que o processo poderia trazer.
Quanto à intermediação de mão-de-obra, verifica-se um
esforço de reabsorção a qualquer custo do trabalhador desempregado. Nesse processo, a política não pergunta sobre a
qualidade dos postos de trabalho que as empresas oferecem
e nem sobre os riscos inerentes às atividades de empreendedorismo. A absorção do desempregado, nessas condições,
vem chancelando uma ampla gama de ocupações de baixa
produtividade e desestimulando as empresas a investirem
em qualificação. Ademais, tem reiterado um crescente desequilíbrio entre qualificação elevada do trabalhador e baixa
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incorporação desta por parte dos postos de trabalho. A maior
empregabilidade do desempregado decorre do elevado constrangimento que lhe é imposto e que lhe obriga a aceitar
uma ocupação de baixa qualificação, precária em termos de
relações de trabalho e de remuneração reduzida. O processo
guarda, portanto, pouca ou nenhuma relação com a elevação
da qualificação do trabalhador. A intermediação tem alimentado, deste modo, um desperdício de recursos públicos, tão
caros às políticas de mercado de trabalho.
60
Quanto à qualificação profissional, se observa uma expressiva fragmentação da aquisição de conhecimento. Processos de formação especializada e de curta duração tornaramse norma corrente, levando que experiências de formação
de longo prazo, de antiga tradição, fossem abandonadas. As
formações continuadas e de longa duração, muitas vezes articulada à formação educacional propedêutica ou mesmo profissional, foram desvalorizadas, tendo ganhado importância
aquelas de natureza modular e de curta duração.
A construção de uma trajetória de conhecimento, fundada na sua cumulatividade sistêmica, foi substituída por outra caracterizada pela aquisição de um mix de conhecimento
marcado por uma forte fragmentação. O diploma vem sendo
foi substituído por um conjunto de certificados. Ao trabalhador cabe obter a gama mais ampla possível de certificados,
na esperança de reduzir seu risco em relação ao desemprego,
mesmo que o trabalho realizado seja crescentemente precário
e pior remunerado.
É possível argumentar que as vantagens da integração e
articulação das funções carregam também desvantagens que
acabam reduzindo os possíveis ganhos que o processo geraria para o desenvolvimento dos sistemas nacionais público
de emprego.
Sendo estas desvantagens fruto de uma nova diretriz de
política de emprego, denominadas de política ativa, pode-se
afirmar que essa tem se mostrado ineficaz, pois vem alimentando a progressiva precariedade das condições de trabalho
sem que a situação de pleno emprego seja restabelecida.
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É importante refletir sobre este processo, pois os resultados limitados dessas políticas têm sido crescente e equivocadamente associados às supostas disfunções do sistema
público de emprego. (OCDE, 2005). Os problemas observados decorrem do fato de se atribuir uma responsabilidade ao
sistema que não lhe é devida e nem adequada. Não cabe a
ele resolver os problemas de emprego, mas favorecer o dinamismo do mercado de trabalho decorrente de uma trajetória de crescimento econômico. O papel do sistema é difundir
econômica e socialmente os benefícios do crescimento, como
ocorreu durante a expansão do após-guerra.
Tentativas de enfrentar o desemprego com políticas ativas de mercado de trabalho ocorreram no início e na década
de 30 do século passado, sendo completamente mal sucedidas. A experiência do desenvolvimento capitalista mostra
que as políticas de enfrentamento do desemprego decorrem
do aumento do investimento e do consumo público e privado
e da efetividade dos mecanismos de distribuição da riqueza.
Nas últimas décadas, houve uma clara regressão do investimento, do consumo e da distribuição de renda. A política
macroeconômica, dominada pela sua dimensão monetária,
vem esterilizando os mecanismos de distribuição de renda
impondo menores taxas de crescimento que, em uma trajetória esperada de aumento da produtividade, tem alimentado
uma permanente racionalização de empregos e dos salários
para a maioria dos trabalhadores.
61
É importante frisar que a integração das políticas visando a constituição de um sistema público de emprego articulado internamente deve ser considerada como um movimento positivo, pois permite uma atenção mais abrangente
ao trabalhador, criando possibilidades para uma ampliação
à proteção social ao trabalho. Portanto, a dimensão problemática desse processo de integração e articulação deve-se
aos objetivos adotados, que visam principalmente atenuar os
problemas de emprego através da indução de uma inserção
a qualquer custo do trabalhador no mercado de trabalho. O
sistema público de emprego tem se travestido em lócus para
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solução do problema de emprego, ao invés de exercer o papel
de instrumento de fortalecimento do mercado de trabalho,
cuja potencialidade de geração de emprego e renda depende
do desempenho global das economias nacionais e dos mecanismos de distribuição de renda.
A análise realizada anteriormente chancela os argumentos agora expostos neste ensaio, ao evidenciar as tendências
das políticas e dos sistemas nacionais públicos de emprego
em direção às demandas da política econômica de natureza
conservadora. Essa tem constrangido o processo de desenvolvimento e alimentado outro de financeirização da riqueza que provoca mudanças expressivas em sua distribuição e
que deprecia o papel dos setores produtivos na dinâmica das
economias nacionais, constrangendo o nível de emprego e de
renda dos mercados nacionais de trabalho.
62
O sistema público de emprego é chamado para atenuar esse processo de emagrecimento forçado do mercado de
trabalho, que naturalmente é recusado por aqueles que dele
dependem para sobreviver.
Observa-se o estabelecimento de um processo contraditório. De um lado, empreende-se um avanço das instituições
de proteção ao trabalho. De outro, realiza-se este movimento
segundo objetivos espúrios aos interesses daqueles que deveriam ou seriam por ela beneficiados.
Portanto, é fundamental que se tenha clareza dos problemas que atingem hoje o mercado de trabalho, recusando os
diagnósticos que os imputam à suposta disfunção do sistema
público de emprego, acusando-o de custoso e ineficiente. Esses diagnósticos sugerem, sistematicamente, a racionalização
do sistema, com o intuito de enfraquecer os instrumentos de
proteção ao trabalho e potencializar aqueles voltados para a
indução forçada de reingresso dos trabalhadores no mercado
de trabalho, geralmente em condições e relações de trabalho
cada vez mais desfavoráveis.
Nesse sentido, cabe diferenciar o sistema público de
emprego das políticas de mercado de trabalho. Mesmo que
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consideradas importantes, há equívoco quanto ao potencial
das políticas de mercado de trabalho ativas. Elas devem ser
mantidas. Contudo, não podem assumir funções ou objetivos
de atenuar os problemas de emprego causados pela dinâmica
macroeconômica.
Em suma, pode-se dizer que se observa um avanço do
arcabouço institucional de proteção ao trabalho, que, entretanto, é submetido a um crescente constrangimento, que lhe
transfere, inclusive, ônus que não são de sua responsabilidade e ou alçada.
A Necessidade de Construção de Outra Perspectiva para o Sistema Público de Emprego
Até o momento, se apresentou em linhas gerais as tendências principais de consolidação da política de emprego e
as perspectivas de sua integração em direção à construção de
um sistema que pudesse permitir o rompimento da sua fragmentação. Também, apontou que o processo de integração foi
pautado, em grande medida, pelas restrições que a dinâmica
do capitalismo, nas últimas três décadas, impôs para o mercado de trabalho, tanto em termos de evolução do nível de emprego como daquele de renda. Em grande medida, o processo de integração das políticas se orientou fundamentalmente
pelos constrangimentos orçamentários e pela necessidade de
forçar a reintegração ocupacional da força de trabalho a qualquer custo.
63
Neste sentido, é inquestionável que o processo de integração, via construção de um sistema público de emprego,
assumiu preferencialmente natureza compensatória, que
buscou a proteção ao trabalho frente ao desemprego, mas
também procurou frear acentuadamente a evolução dos custos que tal proteção tendia produzir.
É evidente que esta concepção de política de emprego
poderia conseguir amenizar a situação de desemprego e de
ausência de renda, mas tinha pouca possibilidade de con-
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tribuir para a evolução do nível de emprego e reversão da
tendência de desvalorização dos salários que se processava
como parte das estratégias de racionalização das empresas
de construção das firmas-rede internacionalizadas. Afinal, as
ações se concentravam sobre o mercado de trabalho, isto é
sobre a oferta de trabalho, havendo uma clara ausência de
iniciativas sobre o lado da demanda de trabalho.
Aqui reside a fragilidade da perspectiva de integração
das políticas de emprego, enquanto sistema. Não podendo
atuar sobre a evolução da população demandante das ações
de emprego e renda, o sistema é obrigado a restringir suas
iniciativas à melhora da eficiência das políticas e ações, sendo
constrangido a ficar focado na integração com vistas a monitorar o comportamento dos gastos em uma perspectiva de
manutenção ou crescimento da população demandante.
64
As políticas de emprego e renda se transformam prisioneiras da dinâmica do mercado de trabalho resultante do
comportamento da economia, determinado seja pela política
econômica, seja pelas políticas setoriais. É estabelecida um
via de mão única que reserva ao sistema público de emprego
a realização de políticas e ações compensatórias.
É inegável que nestas condições, um papel menor é
destinado ao sistema público de emprego, estando este totalmente desconectado da estratégia de desenvolvimento que
porventura exista em uma determinada nação. É necessário,
em face da experiência acumulada nestas últimas décadas,
repensar o sistema público de emprego para além da sua função de proteção ao trabalho. É fundamental que ele seja reordenado com a preocupação de torná-lo parte de uma estratégia de desenvolvimento. Ou melhor, que suas ações estejam
articuladas com as políticas setoriais e sociais com o objetivo
de potencializar a geração de postos de trabalho, de contribuir para a elevação da qualificação da força de trabalho e de
ser instrumento para modificação positiva da distribuição de
renda em uma trajetória de crescimento que se traduza em
desenvolvimento com maior justiça social.
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Em outras palavras, é preciso que as políticas setoriais
incorporem em suas estratégias medidas de geração de emprego, bem como de qualificação da força de trabalho. Por outro lado, é fundamental que as políticas de saúde e educação
tenham ações de qualificação associadas ao sistema público
de emprego. A interação entre políticas setoriais e sociais e
aquela de emprego e renda deve ser vista como fundamental
seja para a performance econômica, seja para o nível e a distribuição de renda, como para dar consistência as ações do
sistema público de emprego.
Na necessidade desta interação fica explicita quando
se busca definir os termos da política de qualificação e se
defronta com uma grande incógnita sobre quais segmentos produtivos e ocupações são possíveis demandantes do
esforço da política pública. Esta falta de visibilidade deve
ser entendida como incontornável em um contexto de total desvinculação entre as políticas setoriais e a política de
qualificação. De tempo em tempo, manifestações de descontentamento emergem no debate público, de um lado, feitas
pelas empresas sobre a falta de força de trabalho qualificada
e, de outro, encaminhada pelos gestores públicos quanto ao
baixo aproveitamento pela atividade produtiva da força de
trabalho qualificada.
65
No contexto atual, a possibilidade de acerto da política
pública de qualificação equivale aquela de um sorteio de loteria. Esteriliza-se, deste modo, recursos públicos, ao mesmo
tempo em que se reitera um perfil de baixa qualificação na
atividade produtiva e no mercado de trabalho. Uma conseqüência deste processo é a reprodução de uma estrutura econômica com um amplo segmento de baixa produtividade e a
existência de uma forte concentração da estrutura ocupacional nas ocupações de baixas qualificação e renda.
É inegável que as perspectivas de desenvolvimento tornam-se mais estreitas em razão da total falta de sintonia entre
as políticas setoriais e a política de emprego, bem como com
a política de educação profissional.
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A Trajetória Espasmódica da Política de Emprego,
Trabalho e Renda no Brasil
A política de emprego é parte da longa trajetória de
consolidação da sociedade urbano-industrial brasileira, entretanto, ela foi sendo adotada de forma espasmódica, isto é,
a conta gotas. Esta particularidade da sua constituição explica o caráter fragmentado entre as três funções básicas, bem
como das ações de mesmo objetivo no interior das mesmas,
apesar de todas elas terem sido criadas e administradas pelo
Governo Federal.
66
Só recentemente, em 2005, se consolidou uma diretriz de integração das funções em um sistema público de
emprego, trabalho e renda, tendo, contudo, esta iniciativa
sido relevada a um segundo plano desde 2007. Apesar da
situação atual, é importante pensar sobre a possibilidade de convergência da política pública de emprego com
a perspectiva de desenvolvimento do país, com a preocupação de reproduzir e potencialize as relações presentes
entre crescimento, geração de empregos formais e redução
da desigualdade de renda.
A relevância deste esforço torna-se mais evidente
quando consideradas as vantagens institucionais existentes no país no campo da gestão das políticas públicas, em
geral. O desenvolvimento institucional do Estado Brasileiro é marcado pela constituição de fundos públicos importantes, seja para a política de emprego e renda, seja
para as políticas setoriais, como para as políticas sociais.
Ademais, o pais conta com instituições relevantes para a
gestão e realização das ações, como, por exemplo, o Fundo de Amparo ao Trabalho, o Banco Nacional de Desenvolvimento, o Banco do Brasil, bem como o Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social. Ademais, o país
encontra na sociedade a presença de instituições de representação com experiência já consolidada na construção de
política em fóruns tripartites.
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A principal dificuldade em construir a interação entre
as políticas é encontrada na fragmentação política prevalecente no aparelho de Estado, que impede a elaboração de
planos e agendas de ações públicas comuns entre ministérios, entre Governo Federal e Congresso Nacional e entre as
diversas esferas de governo. A prática atual de loteamento
de cargos necessária para a obtenção de maioria no Congresso e a cooperação com os Governos Estaduais, produziu
e reproduz uma fragmentação profunda das políticas públicas, que impede maior interação ou integração de suas
ações. Um exemplo a ser tomada desta situação, refere-se à
ausência de diretrizes comuns entre as políticas de ensino
profissional e a de qualificação. Apesar de ambas não serem concorrentes, ao contrário possuírem amplo grau de
complementaridade, não existe a definição de um repertório
comum de formações que pudesse permitir potencializar a
presença destas políticas no âmbito local. Ademais, a gestão
totalmente independente de ambas faz que uma possa chegar a um determinado município e a outra não e vice-versa,
mesmo que a população local não demande a política ou
mesmos as ações implantadas.
67
Mas antes de avançar a proposição da integração da
política de emprego com as demais políticas, é importante explorar, mesmo que rapidamente, a construção
das suas funções básicas em um movimento, aqui chamado, de espasmódico 4.
Sobre a construção das políticas de emprego no Brasil, ver Azeredo
(1998) e Moretto (2007).
4
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Figura 1 – Esquema – Pilares da Política de Desenvolvimento
Fonte: Elaboração Própria do Autor.
68
Apesar de a primeira iniciativa de política orientada para a
qualificação profissional ter sido a criação das entidades do denominado sistema “S” no início dos anos 40, foi somente nos 60
que se adotou a primeira ação mais vinculada tradicionalmente
à política de qualificação para a força de trabalho. Em 1963, o
Programa Intensivo de Preparação da Mão-de-Obra (PIPMO),
criado pelo Decreto nº 53.324, propunha programas intensivos
e especializados para a qualificação da força de trabalho para
segmentos industriais recentemente implantados.
Dois anos depois, a criação do Cadastro Permanente de
Admissões e Dispensas de Empregados (Lei 4923/65) criaria
as bases para a estruturação do seguro-desemprego e a intermediação de mão-de-obra. Entretanto, a iniciativa do segurodesemprego teve dimensão residual, ganhando maior vulto,
somente em 1986, quando se estabeleceu o direito à proteção
ao desemprego de modo mais amplo, no decreto que definia
as diretrizes do Plano Cruzado.
Quanto à intermediação de mão-de-obra, a política ganha expressão em meado da década de 70, quando o Governo
Federal constituiu o Serviço Nacional de Emprego (SINE).
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Apesar de as ações básicas de cada uma das funções de
um sistema público de emprego terem sido estabelecidas até a
década de 70, é necessário salientar que a real inscrição destas
ações na política pública se deu com a Constituição Federal de
1988, que criou o Fundo de Amparo ao Trabalho e a obrigatoriedade de seus recursos serem destinados a estruturação de
políticas básicas de seguro-desemprego, intermediação de mãode-obra e qualificação profissional, sob coordenação de um conselho tripartite – Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo
ao Trabalhador (CODEFAT) e execução do Governo Federal.
Constituído o conselho no início dos anos 90, o Governo Federal inicia a estruturação das ações segundo a determinação constitucional. Contudo, as ações financiadas pelo
Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ganharão maior
expressão a partir de 1995, com a definição do Plano Nacional de Formação Profissional (PLANFOR). Implanta-se um
conjunto amplo de ações visando realizar qualificação profissional com foco privilegiado na população desempregada ou
com inserção ocupacional caracterizada por elevada precariedade. Ao mesmo tempo em que o plano era desenvolvido,
mantinham-se os escopos institucionais, até então adotados,
para as funções do seguro-desemprego e da intermediação de
mão-de-obra, esta sob responsabilidade do SINE.
69
Não cabe aqui fazer uma avaliação da política do FAT
durante os anos 90. Cabe somente apontar que ela manteve
um desenvolvimento não integrado das funções básicas da
política de emprego. Apesar da inegável ampliação da cobertura das ações encaminhadas pela política, ela não foi objeto
de ordenamento institucional com vistas à maior integração
entre suas funções.
Esta configuração fragmentada da política de emprego foi
ampliada no período com a incorporação dos governos estaduais e municipais, bem como das centrais sindicais na execução
direta das ações. A partir de ampla cesta de projetos de natureza local, as ações foram implantadas sem a definição adequada
de diretrizes gerais e sem qualquer iniciativa de integração das
funções da política no espaço local. Assim, os governos estadu-
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ais e municipais e as centrais sindicais realizaram programas
de qualificação profissional, muitas vezes superpostos territorialmente e sem qualquer relação com as funções de segurodesemprego e intermediação de mão-de-obra.
Esta situação da política de emprego se reproduziu inicialmente no novo Governo Federal no período 2003-2006. Entretanto, preocupado com os problemas observados na execução
das ações do FAT, o Ministério do Trabalho realizou dois congressos nacionais e cinco regionais, entre 2004 e 2005, com diversos setores organizados da sociedade. Esta atividade teve o
objetivo de consolidar uma proposta de nova base institucional
para o FAT com vistas à construção de um sistema público de
emprego que viesse integrar as três funções básicas da política
de emprego que desse virtuosidade à atuação entre os governos
federal, estaduais e municipais e também as centrais sindicais.
70
Ao final do II Congresso Nacional foi definida uma proposição que deu base à Resolução 466, de 21 de dezembro
de 2005, do CODEFAT, que ordena as primeiras iniciativas
para a construção do Sistema Público de Trabalho, Emprego
e Renda. (CONGRESSO..., 2006). A resolução institui o Convênio Único com o objetivo de determinar que os governos
estaduais e municipais e a centrais sindicais definam conjuntamente planos estaduais de emprego com vistas à integração
institucional e de funções da política de emprego. Adotada
esta primeira orientação, o CODEFAT não mais deu marcha
às demais questões encontradas no documento aprovado no
II Congresso, estando, portanto, a construção do sistema em
situação de compasso de espera.
Pensar o Sistema Público de Emprego em uma
Perspectiva de Desenvolvimento
A síntese da trajetória da política de emprego no Brasil
evidencia o caráter espasmódico de sua construção, mas também o processo de consolidação de uma base institucional
que deve ser vista como relevante para a construção de um
sistema público de emprego.
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O desafio que se apresenta é o de atualizar apropriadamente esta base institucional com o objetivo da construção do
Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda, mas também
o de pensá-lo como instrumento relevante em uma estratégia
de desenvolvimento com maior equidade social. E para tanto
é fundamental que ele se relacione tanto com a política de
renda quanto com as políticas setoriais e sociais.
Esta visão mais abrangente do sistema público de emprego deriva dos desafios que o processo de desenvolvimento com equidade deverá enfrentar, em face do elevado grau
de heterogeneidade regional e setorial que caracteriza nosso
mercado de trabalho e estrutura social.
O processo acelerado de desenvolvimento brasileiro,
entre 1930 e 1980, foi marcado por um crescimento médio elevado e marcado por transformações produtivas e sociais profundas. De um país predominantemente agrícola em 1930, o
Brasil se transformou em uma economia urbano-industrial no
final dos anos 70. Mesmo assim, ele continua a reproduzir
uma significativa população agrícola, de dimensão ainda elevada em termos absolutos, e uma informalidade ponderável
dentre a população não agrícola.
71
Essa heterogeneidade fica evidente através de um simples olhar sobre o perfil atual da população economicamente
ativa brasileira. Os dados revelam que 18%, aproximadamente, da População Economicamente Ativa (PEA) se insere na
atividade agrícola, ou em produção para próprio consumo ou
em trabalho não remunerado, situações ocupacionais associadas, em sua maioria, a formas de trabalho precárias e de baixa
produtividade, sendo que parte ponderável destas ocupações
encontra-se situada na Região Nordeste. Ademais, outros
34% são empregados sem carteira, empregados domésticos
sem carteira ou trabalhadores autônomos. Em contraparte, as
ocupações potencialmente com maior proteção e produtividade representam um pouco mais de 1/3 da PEA brasileira.
Este retrato agregado do perfil da população economicamente ativa explicita que a política de emprego deve atuar em
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favor de uma melhor inserção da força de trabalho, porém este
processo também depende de uma transformação positiva da
estrutura produtiva, seja nos segmentos da atividade privada
seja naqueles de natureza pública. Além disso, ele exige que as
políticas de renda e sociais favoreçam a inserção e a renda do
trabalho. Portanto, fica patente que, consideradas as condições
estruturais socioeconômicas prevalecentes no país, o sistema
público de emprego deve ser pensado como parte de uma estratégia de desenvolvimento. Além disso, seu papel neste processo
não deverá ser passivo, mas ativo, cabendo a ele estabelecer parte dos parâmetros dos objetivos das políticas setoriais e sociais.
Tabela 1 – População Economicamente Ativa segundo Posição na Ocupação e Região Geográfica Brasil, 2007
72
Norte
Nordeste
Sudeste
Sul
CentroOeste
Total
7.217.277
25.320.832
42.634.044
15.515.489
7.234.813
97.922.455
797.245
3.918.884
2.325.742
1.457.991
752.259
9.252.121
1.339.926
4.322.340
15.669.579
5.282.656
1.901.190
28.515.691
Funcionário público
565.915
1.428.725
2.485.533
875.543
599.120
5.954.836
Demais funcionários
públicos
26.399
27.576
117.213
38.599
33.058
242.845
Outros empregados
sem carteira
1.176.812
3.482.420
5.316.510
1.684.112
964.715
12.624.569
Empregado doméstico com carteira
56.681
227.987
1.078.381
307.735
162.604
1.833.388
Empregado doméstico sem carteira
410.856
1.372.280
2.052.079
634.381
428.721
4.898.317
População Economicamente Ativa
Emprego agrícola
Empregado com
carteira assinada
Conta-própria
1.262.558
4.037.013
6.573.077
2.115.535
1.124.835
15.113.018
Empregador
174.764
446.732
1.496.116
630.177
256.731
3.004.520
Próprio Consumo
293.413
2.008.262
712.144
654.994
222.339
3.891.152
Construção para
Próprio Uso
8.766
24.838
77.364
22.446
11.344
144.758
Não Remunerado (1)
532.448
1.869.365
842.432
884.285
185.806
4.314.336
Desempregados
571.494
2.154.410
3.887.874
927.035
592.091
8.132.904
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
11,0
15,5
5,5
9,4
10,4
População Economicamente Ativa
Emprego agrícola
9,4
continua...
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continuação Tabela 1
Empregado com
carteira assinada
18,6
17,1
36,8
34,0
26,3
29,1
Funcionário público
7,8
5,6
5,8
5,6
8,3
6,1
Demais funcionários
públicos
0,4
0,1
0,3
0,2
0,5
0,2
Outros empregados
sem carteira
16,3
13,8
12,5
10,9
13,3
12,9
Empregado doméstico com carteira
0,8
0,9
2,5
2,0
2,2
1,9
Empregado doméstico sem carteira
5,7
5,4
4,8
4,1
5,9
5,0
17,5
15,9
15,4
13,6
15,5
15,4
Empregador
2,4
1,8
3,5
4,1
3,5
3,1
Próprio Consumo
4,1
7,9
1,7
4,2
3,1
4,0
Construção para
Próprio Uso
0,1
0,1
0,2
0,1
0,2
0,1
Conta-própria
Não Remunerado (1)
7,4
7,4
2,0
5,7
2,6
4,4
Desempregados
7,9
8,5
9,1
6,0
8,2
8,3
Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada nos Microdados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).
(1) Com jornada de trabalho igual ou superior a 15 horas semanais.
73
Algumas ações básicas para a interação do sistema público de emprego com as demais políticas podem ser indicadas. Por exemplo:
Definição de parâmetros para geração de empregos, elevação da qualificação e melhoria das condições de trabalho, segundo as diretrizes do Sistema Público de Emprego (SPE), para os investimentos públicos de longo prazo
para a indústria, infra-estrutura e habitacional.
Elaboração de estratégias de qualificação para os recursos humanos vinculados direta e indiretamente às políticas de educação e saúde;
Identificação das relações entre a política de desenvolvimento tecnológico e a demanda por investimentos em
qualificação da força de trabalho;
Transferência do financiamento dos fundos públicos da
folha de salários para o faturamento das empresas, considerando tamanho e perfil tecnológico;
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Alíquota mais elevada para o financiamento do FAT
para as empresas com elevada rotatividade;
Construção de um cadastro único e de um sistema de
informação que possibilite o acesso rápido aos programas de qualificação dos trabalhadores com benefício do
seguro-desemprego e/ou inscritos no programa de intermediação de mão de obra;
Programa de acompanhamento pelas instituições de representação das condições de trabalho e dos programas
de qualificação nas empresas que recebem financiamentos públicos de longo prazo.
Estas ações poderiam compor uma cesta mais ampla
de iniciativas, pactuadas nos órgãos de gestão das instituições públicas responsáveis pelas políticas setoriais, sociais
e de emprego.
74
Ao construir estas ações com a preocupação de constituir
um sistema público de emprego como parte de uma estratégia de desenvolvimento, o país poderá iniciar um processo de
reordenamento do mercado de trabalho em favor de um perfil de melhor qualificação, indiscutivelmente necessário para
a constituição de uma estrutura econômica menos heterogênea e de maior produtividade. Ademais, se estaria abrindo a
possibilidade de romper o caráter compensatório da política
de emprego, dando-lhe um papel mais dinâmico e relevante
em uma estratégia de desenvolvimento com equidade.
Referências
AZEREDO, B. Políticas públicas de emprego: a experiência
brasileira. São Paulo: Associação Brasileira de Estudos do
Trabalho, 1998. (Coleção Teses e Pesquisas, v. 1).
CONGRESSO NACIONAL – SISTEMA PÚBLICO DE EMPREGO, TRABALHO E RENDA, 2., 2006, Brasília, DF.
Anais... Brasília, DF: Ministério do Trabalho e Emprego, 2006.
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18/6/2009 09:47:25
DEDECCA, C. S.; BARBOSA, A. F.; MORETTO, A. Transformações recentes do sistema público de emprego nos países
desenvolvidos: tendências e particularidades. São Paulo:
Unitrabalho/A+ Comunicação, 2007.
MORETTO, A. O sistema público de emprego no Brasil:
uma construção inacabada. 2007. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia, Campinas, 2007.
OCDE. Employment outlook 2005. Paris, 2005.
RICCA, S. Los servicios del empleo: su naturaleza, mandato,
funciones y administración. Genebra: OIT, 1983.
75
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18/6/2009 09:47:25
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3
OLHARES SOBRE A RECENTE POLÍTICA DE
QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:
CONTROLE SOCIAL E REORIENTAÇÃO
Tarcisio Patricio de Araújo
Roberto Alves de Lima1
Introdução
No 14.º ano da política pública de qualificação profissional no País, financiada com recursos do Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT)2, deve-se reconhecer – e é
urgente fazê-lo – que um balanço de ganhos e perdas leva
a uma constatação imediata: é preciso que o programa seja
redefinido, reorientado. Pretendemos, neste artigo, fundamentar tal visão e, ao mesmo tempo, propor alternativas
de redirecionamento.
77
Professores do Departamento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
2
Embora de conhecimento relativamente amplo, o caráter específico da informação sobre a origem dos recursos do FAT não é algo
que possa ser considerado de domínio público. Por isso, explicitaremos aqui os elementos da gênese financeira desse Fundo: o FAT
– criado pela Lei no. 7.998 (1990) – é alimentado por contribuições
do Programa de Integração Social (PIS) e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP), conforme a
seguinte composição: “0,65% do faturamento de pessoas jurídicas
de direito privado; 1,00% sobre a folha de pagamento de pessoas jurídicas sem fins lucrativos (entidades filantrópicas); e 1,00%
do valor das receitas (arrecadação e transferências) de pessoas
jurídicas de direito público interno”. “Em 2000, a arrecadação do
PIS/PASEP foi de R$ 9,6 bilhões, cerca de US$ 5,2 bilhões, dos
quais R$ 8,1 bilhões (US$ 4,4 bilhões) foram destinados ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).” (BRASIL, 2001, p. 11). A
diferença entre a arrecadação total e a parcela repassada ao FAT
deve ser atribuída à alocação de recursos para o Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), de acordo com a política de ajuste fiscal do
Governo federal.
1
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Como todos os programas custeados pelo FAT3, a ação
pública de treinamento de mão-de-obra sempre esteve formalmente configurada para funcionar em um molde de controle social. A documentação oficial produzida pelo Conselho Deliberativo do FAT (CODEFAT – tripartite e paritário4)
previa uma execução do programa plenamente acoplada ao
controle da sociedade civil: as comissões estaduais e as comissões municipais de emprego, também de caráter tripartite e paritário – depois denominadas comissões de trabalho
– exerceriam o duplo papel de prospectar a demanda de
qualificação profissional e de crédito (neste caso, operações
no âmbito do PROGER e do PRONAF5), e de colaborar para
o monitoramento e a avaliação das ações realizadas.
78
Tal política constituiu uma novidade em um país com
a tradição dos programas do SENAI, iniciados nos anos 1940
– custeados com recursos parafiscais e capitaneados por empresas. Essa política pública de qualificação profissional é parte dos ecos da era da Constituição de 1988, que no momento
celebra vinte anos, e da qual a criação do FAT, em 1990, foi
um dos frutos – instrumento que se tornou o funding básico
das chamadas políticas de emprego e renda. A participação
da sociedade civil e a descentralização de ações públicas no
campo social passaram, desde então, a constituir um caminho
a ser, por iniciativa do governo central, trilhado – o que significava contemplar anseios da sociedade civil organizada
e, ao mesmo tempo, cobrar das diversas representações
dessa sociedade uma atuação efetiva no apoio a programas
3
As políticas sociais financiadas pelo FAT compreendem uma cesta
cuja composição envolve crédito para pequenos negócios urbanos e
rurais (agricultura familiar), apoio à economia solidária, seguro-desemprego e abono salarial, intermediação de mão-de-obra e qualificação profissional – sendo esta última o objeto deste artigo.
4
O caráter tripartite e paritário é formalmente garantido pela composição das comissões por representações patronais, dos trabalhadores, e governamentais, com voto paritário.
5
Trata-se do Programa Nacional de Geração de Emprego e Renda
(PROGER RURAL e PROGER URBANO) e do Programa Nacional
de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF).
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sociais. Como será visto neste trabalho, é exatamente na
descentralização e na participação da sociedade civil que
ainda reside o calcanhar-de-aquiles das políticas sociais
custeadas pelo FAT, particularmente no que se refere aos
programas executados na órbita de qualificação e requalificação da força de trabalho.
Este trabalho compreende análises e reflexões desenvolvidas ao longo de quatro seções: a) introdução; b) discussão sobre qualificação profissional como um dos braços do
“sistema público de emprego” no Brasil - Plano Nacional de
Qualificação do Trabalhador (PLANFOR), passagem para o
Plano Nacional de Qualificação (PNQ) e implicações do novo
desenho do sistema; c) problemática do monitoramento e da
avaliação; d) considerações finais e proposições.
Política de Qualificação Profissional no Brasil: de
PLANFOR a PNQ
79
Fundamentos e contexto do PLANFOR
A implementação do PLANFOR, em 1995/96, deu à
formação profissional do País dimensão de política pública
de emprego6. Um elemento básico norteou a concepção do
PLANFOR: o diagnóstico que atribuía inadequada ênfase à
insuficiente qualificação da mão-de-obra como fator de desemprego, reservando-se grande peso analítico a aspectos da
oferta, sem que fossem levados em conta fatores estruturais
e de política macroeconômica inibidores do crescimento da
economia. Uma característica adicional, vinculada à carga
retórica das resoluções do CODEFAT, foi a fixação do objetivo de treinar, anualmente, a partir de 1999, 20% da força
Em 1995, a Resolução nº 96, de 18 de outubro de 1995, atribui à
Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional (SEFOR)
as funções de execução, coordenação programática e supervisão das
ações públicas de qualificação profissional no País. A Resolução no 126,
de 23 de outubro de 1996, institui o PLANFOR.
6
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de trabalho com idade superior a quinze anos (cerca de 15
milhões de pessoas), por meio do esforço conjunto das secretarias estaduais de trabalho, Sistema S, centrais sindicais, universidades, ONGs e outras parcerias. Os agentes
institucionais envolvidos no desenvolvimento das ações
derivadas da política de qualificação profissional são – tanto hoje quanto na época das definições iniciais dessa política – os mesmos7.
80
Os cânones da articulação, integração e descentralização
de ações e da participação da sociedade civil são peças-chave
na retórica das normas e resoluções do CODEFAT. Destacamse a seguir alguns trechos de resoluções básicas que estabeleceram os procedimentos e os rumos a serem seguidos pelo
Ministério do Trabalho e Emprego, por secretarias estaduais
de trabalho e por entidades que representam segmentos da
sociedade civil. Trata-se, aqui, de sistematização de evidências da boa intenção de conferir aos programas sociais financiados pelo FAT a eficácia e a legitimidade que garantiriam a
maximização de resultados desses programas.
Com respeito à essência das definições de objetivos e de
clientela, podem ser extraídos os trechos a seguir.
Da Resolução nº 126 (23/10/1996), podem ser selecionadas as seguintes passagens:
As ações planejadas deverão estar articuladas e de acordo com o objetivo global do PLANFOR, integradas a
uma política pública de trabalho e geração de renda,
com o objetivo de garantir qualificação e requalificação
profissional para o conjunto da PEA – População Economicamente Ativa, urbana e rural, de modo a propiciar
sua permanência, inserção ou reinserção no mercado de
trabalho, ampliando, também, sua oportunidade de geração de renda, contribuindo dessa forma para a melhoria da qualidade do emprego e da vida do trabalhador,
Para detalhamento do leque de instituições, ver Resolução nº
258/2000, PLANFOR; Resolução 333/2003, que revogou a primeira, atribuindo ao Programa nova denominação: Plano Nacional de
Qualificação (PNQ).
7
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bem assim para um melhor desempenho do setor produtivo; (Item I, Artigo 3º.). (BRASIL. RESOLUÇÃO Nº
126, 2008).
No item II da mesma Resolução é definida a clientela:
Beneficiários do seguro desemprego; beneficiários de
programas de geração de emprego e renda; trabalhadores sob risco de perda do emprego; desempregados;
trabalhadores autônomos e micro-produtores do setor
informal; e outros grupos social e economicamente vulneráveis, do meio urbano e rural; com atenção especial
para adolescentes, jovens, mulheres e idosos. (BRASIL.
RESOLUÇÃO Nº 126, 2008).
Os tipos de ações a serem executadas, constantes do Artigo 4º, são “programas de educação profissional e projetos
especiais”. O primeiro contempla “ações voltadas para a qualificação e requalificação da População Economicamente Ativa (PEA), classificadas em programas nacionais, estaduais ou
emergenciais”; no plano nacional, ações “em consonância com
eixos estratégicos do desenvolvimento nacional e diretrizes do
CODEFAT”; no âmbito estadual, além dos já cobertos por programas nacionais, “outros setores e/ou clientelas prioritárias
em cada Estado, definidos pelas secretarias de trabalho e comissões de emprego estaduais e do Distrito Federal, em consonância, também, com eixos estratégicos de desenvolvimento
de cada Estado e com as peculiaridades locais”; “os programas
emergenciais se destinam a atender demandas urgentes, surgidas ao longo da implementação de planos ou projetos em
parceria com a SEFOR (Secretaria de Formação Profissional),
do Ministério do Trabalho e Emprego, associados a conjunturas de crise e/ou a processos de reestruturação e modernização
produtiva que atinjam determinados setores ou clientelas”.
81
Os chamados “projetos especiais” cobririam “ações de
caráter metodológico-conceitual, visando a garantir mobilização, articulação, informação, avaliação, supervisão, acompanhamento e avanço conceitual dos programas de educação
profissional”, também desdobrados em dimensões no plano
nacional e no plano local, visando – nesta última esfera – a
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contemplar o que não fosse alcançado em programas desenvolvidos em escala nacional.
É útil observar um aspecto – embora de amplo conhecimento entre especialistas que analisam políticas públicas
para o mercado de trabalho no Brasil – relativo à dimensão e
à natureza da meta estabelecida pelo PLANFOR. Recorra-se a
ao artigo 2º da resolução 258/2000:
O PLANFOR tem o objetivo de construir, gradativamente, oferta de Educação Profissional (EP) permanente, com
foco na demanda social e no mercado de trabalho, de modo a
qualificar ou requalificar, a cada ano, articulado à capacidade
e competência existente nessa área, pelo menos 20% da PEA,
maior de 16 anos de idade, com vistas a contribuir para:
I - aumento da probabilidade de obtenção de trabalho
e de geração ou elevação de renda, tendo por objetivo
reduzir os níveis de desemprego e subemprego;
II - redução da pobreza;
82
III - aumento da probabilidade de permanência no mercado de trabalho, reduzindo os riscos de demissão e as
taxas de rotatividade; e
IV - elevação da produtividade, da competitividade e
da renda. (BRASIL, 2000, grifo nosso).
Pelo menos duas ponderações devem ser feitas a respeito de tais objetivos. Primeiro, a fantástica meta de 20% (de
fato distribuída em 7% para as secretarias de trabalho estaduais e o restante para as “parcerias”, em particular instituições do Sistema S)8 revelou-se, desde o início, não factível,
constituindo uma enorme pressão para cumprimento de metas pelos estados, com conseqüente queda de qualidade dos
cursos (e seminários) de qualificação oferecidos; dado o não
Nos termos do Artigo 3º da Resolução 258/2000: “O PLANFOR é
implementado por meio de Planos Estaduais de Qualificação (PEQs)
e Parcerias Nacionais ou Regionais (PARCERIAS), viabilizados
mediante convênios ou outros instrumentos legais pertinentes, firmados entre os respectivos executores e o MTE, por intermédio da
SPPE”. (BRASIL, 2000).
8
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realismo da pretensão, tal meta foi na prática flexibilizada e
depois descartada.
A segunda ponderação é com respeito a uma contradição intrínseca do objetivo de elevação da produtividade, considerados o público-alvo e a retórica da redução da exclusão
social (redução do desemprego e da pobreza). De fato, dada
a preeminência da meta social (foco nos segmentos sociais
“excluídos”), o público atendido tende a ser formado por trabalhadores cujo nível de escolaridade se situa aquém do patamar mínimo que contribuiria para, depois de certo número
de horas de treinamento, o indivíduo ter – pelo menos potencialmente – elevado seu nível de produtividade. Sabe-se que
requisitos de eficiência e produtividade estão associados a trabalhadores com adequado nível de escolaridade, aqueles que
teoricamente estão aptos a absorver novas técnicas – e este é
exatamente o segmento que não é alvo prioritário do programa. Tal contradição tem sido mantida mesmo depois da mudança para o atual Plano Nacional de Qualificação (PNQ).
Julgamos que a política de qualificação profissional deveria contemplar duas vertentes: o atendimento da demanda
social; e o alcance da demanda de mercado, neste último caso
via parcerias entre governo e setor privado na montagem de
cursos de qualificação profissional dirigidos a grupos ocupacionais específicos de trabalhadores mais qualificados, detentores de maior nível de escolaridade. Em tal caso, buscandose a linha da integração de políticas e programas, esses cursos
deveriam ser conduzidos em parcerias com escolas técnicas,
universidades e entidades do Sistema S – considerando-se
também a necessidade de discussões sobre os conteúdos dos
cursos, com revisão das ementas e adequação de carga horária no plano das diversas especializações.
83
Importante notar que a idéia de parceria e integração
também é pertinente à vertente da demanda social (materializada em propostas de cursos para ocupações como garçom,
atividades de cozinha/culinária e embelezamento afro, trabalho autônomo das mais diversas especialidades etc., geralmen-
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te acopladas a atividades informais). Considerada a deficiência
em educação básica e em conhecimentos gerais – de amplos
segmentos da força de trabalho – os conteúdos básicos previstos em normas do CODEFAT (elevação da escolaridade, inclusão digital, conhecimentos gerais, mercado de trabalho, meio
ambiente, direitos humanos e cidadania) deveriam ser ministrados em parceria com o Ministério da Educação, via integração de programas entre as duas esferas ministeriais.
84
Observe-se, ademais, que nas normas do CODEFAT
procurava-se contemplar um leque de competências englobadas nas definições (artigo 9º da Resolução 258/2000); de
habilidades básicas (competências e conhecimentos gerais,
que incluíam cidadania e direitos humanos); habilidades específicas (referentes a conteúdos específicos de ocupações); e
habilidades de gestão (gestão, autogestão, trabalho autônomo). Isso traduz o objetivo de os cursos de qualificação profissional cobrirem habilidades em dimensão ampla e plural, o
que – em tese – permitiria a distinção entre as duas vertentes
mencionadas: de um lado, a combinação de habilidades básicas com habilidades específicas, ou de habilidades básicas, específicas e de gestão9 – para trabalhadores cuja expectativa de
inserção tivesse foco em atividades empresariais de comércio,
serviços e indústria, o que aqui denominamos “demanda de
mercado”; de outro, a combinação de habilidades básicas com
habilidades de gestão para trabalhadores cuja expectativa de
inserção fosse em atividades de autogestão, particularmente
no setor informal, a “demanda social”.
As alternativas acima consideradas estavam no campo de possibilidades vislumbradas na Resolução 258/2000, artigo 9º: Definem-se
como ações de Educação Profissional (EP), no âmbito do PLANFOR,
cursos, treinamentos, assessorias, extensão, pesquisas e estudos,
concebidos com foco na demanda do mercado de trabalho e no perfil da população-alvo, contemplando o desenvolvimento de habilidades básicas, específicas e ou de gestão, sem prejuízo de outros
que se definam em função do mercado de trabalho e do perfil da
população a ser atendida.
9
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Na prática da execução do programa, no entanto, duas
situações tenderam a prevalecer: capacitação de trabalhadores cujo perfil ocupacional era típico de engajamento em atividades informais; em geral, os cursos de qualificação para o
segmento empresarial, ministrados por entidades do Sistema
S, não atingiam o mesmo nível de qualidade dos cursos regulares dessas entidades – um obstáculo básico sendo o baixo
teto de custo financeiro por treinando (ou educando), nos termos definidos pelo CODEFAT – particularmente no caso do
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI).
Tal quadro tendia a se consolidar como decorrência
da conjunção de dois fatores: ausência de distinção clara
nas resoluções do CODEFAT entre demanda de mercado e
demanda social; fragilidade das ações de monitoramento e
avaliação, a despeito da tentativa de montagem de uma rede
de controle social (comissões estaduais e municipais de emprego). Permanecia apenas como retórica o objetivo de “aumento da produtividade e da eficiência” da força de trabalho,
descurando-se da realidade de predominância de cursos de
qualificação com perfil de preparação de mão-de-obra para
inserção em ocupações informais – o que refletia o baixo grau
de escolaridade e qualificação de largos segmentos da força
de trabalho e o insatisfatório nível de crescimento da economia, com ritmo de geração de empregos aquém do crescimento da população economicamente ativa.
85
Este último aspecto remete a um ponto crucial, no caso
brasileiro, no que se refere às políticas públicas de emprego
implementadas a partir de 1995. Tem sido muito adverso o
quadro de crescimento econômico desde então, exceto no
período mais recente (2004 a 2007), quando a taxa média de
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro (4,5%
ao ano) representa o dobro da verificada nos anos de 1995 a
2003 (2,2% ao ano)10.
Conforme dados do IPEA. Disponível em: <www.ipea.gov.br/
ipeadata>. Cuja fonte básica é o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE).
10
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86
Como se sabe, a política macroeconômica de estabilidade
de preços no Brasil – a partir da implementação do Plano Real,
em 1994 – teve como pilares básicos uma rigorosa política monetária de juros altos, uma política cambial com o objetivo
precípuo de combate à inflação (em contraposição ao histórico
uso do câmbio como instrumento de defesa das exportações
brasileiras e de apoio à indústria nacional), abertura comercial
e financeira e redução da participação do Estado na economia
– cânones do neoliberalismo. Ficou evidente, desde o início,
que em tal contexto a economia permaneceria em níveis de
crescimento abaixo da média histórica do País e do potencial
da estrutura produtiva brasileira e do estoque de recursos naturais exploráveis. Daí o reconhecimento, pelos próprios formuladores e executores da política macroeconômica, de que
eram esperados níveis mais altos de desemprego. O objetivo
de consolidação de um “sistema público de emprego” constituiria o contraponto a compensar a modesta dinâmica econômica e a insuficiente geração de postos de trabalho.
Na verdade, a atribuição ao sistema público de emprego
de tal papel compensatório refletia um diagnóstico que focava
no mercado de trabalho a origem básica do aumento dos níveis
de desemprego, o que redundava em se privilegiar, no diagnóstico, o lado da oferta de trabalho (insuficiente qualificação
da força de trabalho face às transformações tecnológicas e organizacionais das empresas); daí a centralidade que passa a ter
a política de qualificação de mão-de-obra com a instituição do
PLANFOR um ano depois da implementação do Plano Real.
Tal diagnóstico refletia, no Brasil, o abandono da visão
consolidada na experiência dos países desenvolvidos, no pósguerra – quando do avanço das experiências de montagem
do welfare state. De fato, nesse período (1945-1975) foi fundamental o papel do Estado na economia mundial (particularmente na Europa), quando houve combinação de crescimento
econômico, progresso tecnológico, aumento de produtividade, baixa inflação e baixo desemprego. Em tal contexto, em
que o Estado foi peça-chave na recuperação das economias
e na execução de políticas públicas, fortalecia-se a idéia de
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que manter sustentada a demanda agregada – garantindo-se
níveis de pleno emprego – era a melhor política de emprego.
Assim, os programas de enfrentamento de mismatch entre demanda e oferta de mão-de-obra eram instrumentos acessórios
nas políticas de emprego. Em um contexto como esse, programas públicos de emprego tendem a assumir caráter focalizado e acessório, dirigindo-se a estratos sociais específicos diretamente atingidos por situações de desemprego decorrente
de estrangulamento na estrutura produtiva, de inovações tecnológicas ou de desajustes temporários.
Deve-se notar, a propósito, que ao abandono da perspectiva típica da chamada “era de ouro” do capitalismo correspondia a ascensão, no plano ideológico e no mundo das
políticas econômicas nacionais, da visão liberal do “Estado
mínimo” – mudança ideológica reforçada pelo fim do ciclo
de crescimento com estabilidade de preços e pelo desmoronamento das experiências socialistas, que tem como símbolo
maior a “queda do Muro de Berlim”, em novembro 1989. A
pressão por adoção do ideário liberal terminou por gerar efeito concreto no Brasil, nos anos noventa.
87
No caso brasileiro, a despeito da significativa expansão
econômica do pós-guerra (crescimento do PIB de 7,1% ao
ano no período 1947-1980), o panorama, considerada a esfera
econômico-social, era bem diferente do observado em países
capitalistas desenvolvidos. A ocorrência de um expressivo setor informal no mercado de trabalho (que ajudava a manter
relativamente baixa a taxa de desemprego aberto) já era um
traço histórico. A partir dos anos oitenta e nas duas décadas
seguintes, os níveis de desemprego passaram a se elevar, sem
que diminuísse a importância do setor informal. Na maior parte desses anos combinaram-se inflação alta, baixo crescimento,
alto desemprego, permanência de um expressivo setor informal. Ou seja, a marca do mercado de trabalho passa a ser a
conjugação de desemprego com “precarização” das relações
de trabalho – como ficou evidenciado em indicadores de de-
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semprego oculto (por trabalho precário e por desalento), gerados pelo Departamento Inter-Sindical de Estatísticas e Estudos
Socioeconômicos (DIEESE) e pela Fundação Sistema Estadual
de Análise de Dados (SEADE), além dos indicadores de desemprego aberto do IBGE e do DIEESE-SEADE – referentes a
diversas regiões metropolitanas e capitais do País.
88
É, portanto, em um ambiente de grande déficit social que se
inaugura, no Brasil, em 1995, depois de implementada a política
econômica do Real, a rota de consolidação de um sistema público de emprego, tendo-se como carro-chefe (em termos de visibilidade e do volume de recursos alocados aos programas) o programa de qualificação de mão-de-obra. A ambiciosa meta então
estabelecida para o PLANFOR (treinar um contingente de 20%
da força de trabalho do País, como já referido neste estudo) seria
uma tentativa (retórica, como se observou ao longo dos anos) de
se ter em conta a dimensão do desemprego e da subocupação no
segmento informal do mercado de trabalho. Para os formuladores e executores da política macroeconômica era claro que – considerados os pilares básicos do Plano Real – o desemprego seria
mantido em níveis altos; ademais, o grau de informalidade no
mercado de trabalho não teria tendência de redução. Mas a ênfase no lado da oferta de trabalho (insuficiência de qualificação)
era espelho da desconsideração dos aspectos estruturais da economia e da aparente pouca relevância atribuída aos impactos,
no mercado de trabalho, da política macroeconômica do Real.
Passagem para o PNQ
Na transição para o PNQ – a partir de 2003 – duas mudanças no contexto de operação do sistema público de emprego passariam a alimentar expectativas de alterações significativas na execução e no acompanhamento dos programas
conduzidos nessa esfera das políticas públicas: i) emergência
de um governo associado ao Partido dos Trabalhadores (PT),
em substituição ao governo do partido que bancou a política
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econômica do Real desde o final de 1993 até o início de 1994
– Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB); ii) retomada (moderada) de crescimento da economia brasileira, desde 2004 (alimentada por conjuntura internacional favorável),
tendência que se manteve nos anos seguintes e se acentuou
depois de 2006, com a expansão da demanda agregada sendo
também influenciada pela ampliação do mercado interno e
pela melhora de expectativa dos agentes econômicos.11
Expectativas da sociedade, e em particular do meio acadêmico, foram alimentadas pela perspectiva renovadora da gestão
pública que se prenunciava com o advento da nova administração
federal; afinal, tratava-se de busca de mudanças no plano políticoadministrativo, conforme indicava a retórica da oposição que se
tornara governo. Ora, no flanco da economia a manutenção dos
pilares da política macroeconômica da era do Real provou ter sido
a opção correta – regime de metas de inflação, política monetária
cautelosa na administração da taxa de juros básica, política cambial; por outro lado havia, no plano da governança pública, maior
margem de liberdade para mudanças alimentadas pelo discurso
que projetava modernização administrativa e maior rigor no monitoramento e na avaliação das políticas públicas12.
89
Atribui-se tal melhora do panorama interno à política de redução
(mesmo moderada) da taxa de juros básica da economia, aceleração
da política de reajuste real do salário mínimo (desde 1995) e ampliação dos programas públicos de transferência de renda (em particular o Bolsa-Família).
12c
Mecanismos mais efetivos e permanentes de monitoramento e avaliação de políticas públicas constituíam importante item da agenda
acadêmica, conforme expresso em seminários de avaliação promovidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego, no âmbito do PLANFOR.
Tal demanda era recorrente também em encontros científicos da Academia, a exemplo dos Encontros Nacionais da Associação Brasileira
de Estudos do Trabalho. A emergência, a partir de 1995, de diversos
programas sociais – financiados por recursos do FAT – envolvendo
crédito e qualificação profissional, está na raiz da demanda (de segmentos da sociedade) por esquemas estáveis e eficientes de avaliação
de políticas públicas. Na verdade, em outras áreas – a exemplo da
assistência social, que refletia a ampliação de programas de transferências de renda – também se acumulava essa demanda.
11
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No que diz respeito ao sistema público de emprego
– rebatizado como Sistema Público de Emprego, Trabalho e
Renda (SPETR) – e em particular à política de qualificação
da força de trabalho, documentos oficiais do Ministério do
Trabalho e Emprego13, a resposta crítica formulada pela nova
gestão federal foi o PNQ.
Na fundamentação do que seria a nova política pública de qualificação de mão-de-obra destacam-se observações
críticas sobre o PLANFOR: i) insuficiência ou ausência de
integração entre a política de qualificação profissional e outras políticas de emprego (intermediação de mão-de-obra,
seguro desemprego, políticas de crédito etc.); ii) ausência
de articulação com políticas educacionais; iii) fragilidade
da rede de controle social; iv) predominância de cursos de
curta duração; v) fragilidade do sistema de planejamento,
monitoramento e avaliação.
90
Tais aspectos são de fato contemplados em relatórios
de avaliação e trabalhos acadêmicos – entre os quais se incluem resultados de estudos realizados pelos autores do
presente artigo. Deve-se notar que “integração de políticas e
programas”, “articulação com a política educacional” e “rede
de controle social” já eram parte dos objetivos retóricos do
PLANFOR. Trata-se de temas que ficaram mais no plano das
intenções. Por outro lado, a síntese crítica assumida em documentos oficiais do PNQ não inclui referências a cursos-fantasma e ao caráter ficcional da base de dados concernente aos
resultados da política nacional de treinamento de mão-deobra. De fato, as estatísticas oficiais, da época, sobre o número de trabalhadores treinados, publicadas pelo Ministério do
Trabalho, retratam uma situação que guarda discrepância do
que deve ser a real dimensão da qualificação profissional; a
unidade de medida (“treinandos”) não pode ser diretamente
entendida como trabalhadores treinados, pois envolve múlVer “Plano Nacional de Qualificação, PNQ - 2003-2007”. Disponível em: <www.mte.gov.br>.
13
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tipla contagem (uma pessoa que faça mais de um curso ou
módulos de um mesmo curso é contada como “treinando”
por cada curso ou módulo feito). Também contribuem para
tornar mais frágeis as estatísticas oficiais ocorrências como o
registro de cursos que eventualmente não venham a ser ministrados, ou o número de inscritos ser superior ao efetivo
dos que de fato freqüentam os cursos14; ademais, durante o
período do PLANFOR – quando um seminário de oito horas podia ser contabilizado como um curso de qualificação
profissional – uma pessoa que participasse de, por exemplo,
três seminários de um dia seria contada como três unidades
de “treinandos”15. O resultado global é que, a depender do
rigor adotado por cada secretaria estadual de trabalho, as estatísticas de qualificação profissional podem se situar mais
próximas da ficção que da realidade. Uma mudança concreta
do PNQ – exigência de uma média de 200 horas para os cur-
Ao longo da experiência do PLANFOR, problemas dessa natureza
foram detectados em vários estados. Uma ocorrência recente – já no
âmbito do PNQ – foi o caso da Organização Não- Governamental
(ONG) Ágora, sob investigação por supostamente ter malversado o
montante de R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais) de um contrato com
o Ministério do Trabalho e Emprego para a realização de cursos de
qualificação em Brasília, São Paulo e Rio Grande do Sul. (DINHEIRO..., 2004).
15
A partir de 2003 – no contexto do PNQ – o CODEFAT definiu 200
horas como a carga horária média que deveria ser atingida em cada
Estado. Ademais, alguns Estados – a exemplo de Pernambuco – fixaram um mínimo de 80 horas de curso. Isso naturalmente trouxe um
problema adicional que requer um trabalho mais abrangente e minucioso de acompanhamento e de avaliação: verificar a possibilidade
de adaptação burocrática do conteúdo de cursos de menor duração à
nova carga horária sem um criterioso dimensionamento do programa ministrado. Uma forma de se evitar esse problema é a análise do
material didático apresentado pelas entidades executoras, associada
a entrevistas com instrutores, coordenadores de cursos e educandos,
com vistas a se verificar se o conteúdo do curso corresponde ao que
é esperado em termos de qualificação profissional, além de se observar o aspecto da pedagogia. Sabe-se que em Pernambuco esse tipo
de trabalho foi realizado nos anos 2005-2006.
14
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sos de qualificação profissional16, reduzindo a proliferação de
cursos de curta duração – certamente ameniza o problema,
embora permaneça a discrepância decorrente da inexatidão
da medida “treinando” – no PNQ, “educando”. No entanto,
deve-se considerar que a média de 200 horas (em si, insuficiente, dada a deficiência de escolaridade básica de segmentos expressivos da força de trabalho) – inclui a realização de
cursos de curta duração, do que decorre que se trata, pelo
menos em parte dos cursos oferecidos, de algo claramente insuficiente para a formação de trabalhadores com qualificação
ocupacional específica, em condições competitivas para uma
boa inserção no mercado de trabalho.
92
Algumas alterações processadas nas normas do CODEFAT relativas à política de qualificação profissional – no âmbito do SPETR –, fora a já mencionada elevação da carga horária dos cursos, são essencialmente cosméticas – apenas para
apor a marca política da nova administração federal. De fato,
o que era Plano Estadual de Qualificação (PEQ), passou a se
chamar Plano Territorial de Qualificação (PlanTeq), e o objeto
central passou a ser “qualificação social e profissional”17.
A resolução 333/2003 (PNQ) mantém a mesma estrutura de instâncias político-administrativas, como já estabelecido pela Resolução 258/2000 (PLANFOR): CODEFAT/
Ministério/Secretarias Estaduais de Trabalho/Comissões
Estadual e Municipal de Trabalho, e as chamadas parcerias
– as entidades executoras em cada unidade da Federação
e as parcerias nacionais (entidades do Sistema S, entidades
sindicais e ONGs).
Sob o PNQ, ficou definido (artigo terceiro, parágrafo 10) que os
cursos de qualificação propriamente ditos “não poderão ter carga
horária inferior a 40 horas”; seminários, oficinas, laboratórios e outras modalidades, com duração não inferior a 16 horas; devendo a
média global de todas as ações não ser inferior a 200 horas.
17
Rigorosamente, o adjetivo “social” não tem, neste caso, um sentido
preciso e pode dar margem a interpretações várias: o que significaria
qualificar “socialmente” um trabalhador? O Estado deve qualificar
“socialmente” um indivíduo?
16
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Com respeito à partição dos recursos, é útil que sejam
observadas diferenças entre as duas resoluções.
Da resolução 258/2000:
Art. 14. Cada PEQ deverá obedecer aos seguintes percentuais de aplicação dos recursos do FAT, alocados ao
convênio anualmente:
I - mínimo de 80% dos recursos e 90% da oferta de vagas em ações de qualificação profissional para a população-alvo definida no art. 8º e respectivos parágrafos
desta Resolução; 18
II - até 16% dos recursos e 10% da oferta de vagas em
ações de qualificação profissional para outros grupos
relevantes para o desenvolvimento sustentado, devendo contemplar, obrigatoriamente, a formação de membros de Comissões Municipais de Emprego;
O artigo 8º da Resolução 258/2000 (BRASIL, 2000) define como
público-alvo os seguintes segmentos da “PEA urbana ou rural”: I
- pessoas desocupadas, principalmente as beneficiárias do segurodesemprego e candidatas a primeiro emprego; II - pessoas sob risco
de desocupação, em decorrência de processos de modernização tecnológica, privatização, redefinições de política econômica e outras
formas de reestruturação produtiva;
III - pequenos e microprodutores, agricultores familiares e também
pessoas beneficiárias de alternativas de crédito financiadas pelo FAT
(PROGER, PRONAF e outros); IV - pessoas que trabalham em condição autônoma, por conta própria ou autogestionada, e em atividades sujeitas a sazonalidades por motivos de restrição legal, clima,
ciclo econômico e outros fatores que possam gerar instabilidade na
ocupação e fluxo de renda. § 1º Em qualquer das categorias indicadas, terão preferência de acesso aos programas do PLANFOR pessoas mais vulneráveis economicamente e socialmente, definindo-se o
grau de vulnerabilidade em função da combinação de atributos que
possam implicar desvantagem ou discriminação no mercado de trabalho, bem como dificultar o acesso dessas pessoas a outras alternativas de qualificação ou requalificação profissional. O público-alvo
definido pela Resolução 333 (PNQ) também é referido no artigo 8º
e constitui um conjunto mais detalhado – embora essencialmente o
mesmo definido na Resolução 258.
18
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93
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III - até 4% dos recursos em projetos especiais, incluindo obrigatoriamente avaliação externa da implementação do PEQ e da gestão local e atualização do cadastro de
entidades e avaliação da oferta de educação profissional
na unidade federativa, podendo também contemplar,
respeitado o limite de recursos para projetos especiais,
ações de apoio à gestão do PEQ e estudos prospectivos
da demanda de trabalho e qualificação profissional,
como subsídio ao PEQ. (BRASIL, 2000).
Da resolução 333/2003:
Art. 14. Cada PlanTeQ deverá obedecer aos seguintes
percentuais de aplicação dos recursos do FAT, alocados
ao convênio anualmente:
I – mínimo de 85% dos recursos e 90% da oferta de vagas em ações de qualificação profissional para a população prioritária definida no art. 8º e respectivos parágrafos desta Resolução;
94
II – até 15% dos recursos e 10% da oferta de vagas em
ações de qualificação social e profissional para outros
grupos de trabalhadores/as vinculados/as à especificidade da PEA do território, podendo também contemplar, respeitado o limite de recursos, estudos prospectivos da demanda de trabalho e qualificação profissional,
como subsídio ao PlanTeQ. (BRASIL, 2003).
Fica evidente que, sob o PNQ, é excluída a destinação de
recursos para avaliação externa (obrigatória no PLANFOR).
Ou seja, aumenta-se em cinco pontos percentuais relativamente ao PLANFOR a dotação para qualificação profissional,
mas elimina-se a parte referente a avaliação externa – tema a
ser examinado em seção própria, adiante.
Nas normas referentes ao PLANFOR, o artigo 15 explicita a alocação a ser feita por cada parceria:
Art. 15. Cada PARCERIA deverá obedecer aos seguintes
percentuais de aplicação dos recursos do FAT, alocados ao
convênio anual:
I - mínimo de 96% dos recursos em ações de qualificação profissional para a população alvo definida no art.
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8º e respectivos parágrafos desta Resolução, podendo
contemplar também outros grupos relevantes para o desenvolvimento sustentado e a formação de membros de
Comissões Estaduais de Emprego;
II - até 4% dos recursos em projetos especiais, incluindo obrigatoriamente avaliação externa da implementação da PARCERIA e da gestão local, podendo também contemplar, respeitado o limite de
recursos para projetos especiais, ações de apoio à
gestão da PARCERIA e outros projetos de desenvolvimento, produção, experimentação e avaliação de
metodologias e materiais técnico-didáticos pertinentes aos objetivos do PLANFOR. (BRASIL, 2000).
Nas normas do PNQ, o artigo 15 trata dos chamados
Projetos Especiais de Qualificação (ProEsqs), “de caráter nacional ou regional com instituições governamentais, não-governamentais ou intergovernamentais, no âmbito do Programa do Seguro-Desemprego” (BRASIL, 2003):
Art. 15. Cada ProEsq deverá obedecer aos seguintes percentuais de aplicação dos recursos do FAT alocados ao convênio anual: I – até 20% em ações de qualificação da população prioritária, exclusivamente para efeito de validação e
divulgação do estudo, pesquisa, metodologia ou tecnologia
de qualificação; II – no mínimo 80% dos recursos na elaboração e execução de pesquisa, sistematização, estudo ou
publicação, formação de formadores e no desenvolvimento, produção, experimentação e avaliação de metodologias,
tecnologias e materiais técnico-didáticos pertinentes aos
objetivos do PNQ.
95
Os ProEsqs
“contemplam a elaboração de estudos, pesquisas, materiais técnico-didáticos, metodologias e tecnologias de
qualificação social e profissional destinadas a populações
específicas ou abordando aspectos da demanda, oferta e
do aperfeiçoamento das políticas públicas de qualificação
e de sua gestão participativa, implementados em escala
regional ou nacional” (artigo 3º. parágrafo 5º da Resolução
333) e “só podem ser desenvolvidos em escalas nacional
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ou regional. Devem envolver a presença de pelo menos 03
(três) Estados de uma mesma região – quando adquirem
caráter regional - ou pelo menos 08 (oito) Estados abrangendo todas as regiões do país – quando adquirem caráter
nacional (Art. 3o § 6o da Resolução 333 do CODEFAT)”.
(BRASIL, 2003).
Em 2004, são instituídos – no âmbito do PNQ – os Planos
Setoriais de Qualificação (PlanSeQs), a serem formalizados
via convênio (ou outro instrumento legal) diretamente entre
o MTE e “entidades executoras de ações de qualificação social
e profissional” (instituições sem fins lucrativos). (BRASIL.
RESOLUÇÃO N° 408, 2008).
96
Dessa forma o PNQ fica configurado em três linhas programáticas: Planos Estaduais de Qualificação (PLANTEQs),
formalizados via convênio entre o MTE e os governos estaduais (secretarias de trabalho); PROESQs (projetos especiais)
e PLANSEQs (planos setoriais), os dois últimos estabelecidos
via convênios (ou outro instrumento legal) diretamente entre
o MTE e entidades executoras.
Os elementos aqui aportados, referentes às Resoluções
258 e 333, deixam evidentes as seguintes mudanças na normatização da política pública de qualificação da força de trabalho no Brasil:
i)
A alocação de recursos para avaliação externa e a
obrigatoriedade dessa avaliação, nos planos estaduais de qualificação profissional – definidas na Resolução 258 (PLANFOR) – são eliminadas pela Resolução 333 (PNQ).19
ii) A idéia de avanço metodológico – já contida na Resolução 333, via “projetos especiais” e sempre objeto de
discussão nos seminários de avaliação no âmbito do
PLANFOR – é revestida de maior ambição, expressa
nas proposições dos PROESQs e PLANSEQs.
Aspectos referentes ao sistema de avaliação da política pública sob
análise serão discutidos em seção própria.
19
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iii) A retórica – um traço característico das normas
emitidas pelo CODEFAT – ganha no PNQ maior
grandiloqüência, como se observa no seguinte trecho: “Os Projetos Especiais de Qualificação resultam de uma parceria entre o Estado e instituições
da sociedade civil, com o propósito de favorecer o
desenvolvimento político-conceitual, a articulação institucional, a qualidade pedagógica e a efetividade social e política do PNQ”. (BRASIL, 2004,
p. 5, grifos nossos).
iv) O aspecto retórico e de generalidade também se destaca na Resolução 408/2004 (PLANSEQ), conforme
se observa no primeiro dos 13 parágrafos que esta
resolução acrescenta ao artigo 3º da Resolução 333.
(BRASIL, 2004).20:
§ 11º Os Planos Setoriais de Qualificação - PlanSeQs são um instrumento complementar aos PlanTeQs,
orientado ao atendimento transversal e concertado de
demandas emergenciais, estruturantes ou setorializadas de qualificação, identificadas a partir de iniciativas
governamentais, sindicais, empresariais ou sociais, cujo
atendimento não tenha sido passível de antecipação
pelo planejamento dos entes federativos ou municipalidades conveniadas ao PNQ. (BRASIL. RESOLUÇÃO
N° 408, 2008, grifo nosso).
97
Obviamente, da forma como está expresso, o parágrafo permite a inclusão de qualquer iniciativa. Para se ter uma
idéia do que um projeto sob o PLANSEQ poderia constituir
é necessário observarmos casos concretos: por exemplo, recolhem-se da página do MTE as seguintes informações sobre
exemplos de projetos PLANSEQ em Pernambuco e no País
(MINISTRO..., 2008):
i) Planseq Petróleo e Gás Natural, em Ipojuca – PE
A Resolução 408, entre outras alterações da Resolução 333, acrescenta a esta, no artigo 3º os parágrafos de número 11 a 23.
20
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Projeto para o Estaleiro Atlântico Sul (em implantação)
– Meta total de qualificação:1.940 beneficiários diretos e
5.680 indiretos21, até 31 de dezembro de 2008.
– Duas etapas. A primeira com início em 22 de outubro [2007] – 383 pessoas. A segunda, de 3 de março a
14 de agosto 2008, “aproximadamente 580 pessoas”.
– Cursos ministrados para as seguintes ocupações: qualificação de armador de ferro, carpinteiro de forma,
pedreiro de concreto e soldador ponteador.
– Carga horária total de 200 horas-aula para cada ocupação.
– Cada etapa constituída de quatro módulos: reforço da
escolaridade e língua portuguesa; matemática e lógica; Saúde, Meio Ambiente e Segurança (SMS); conteúdos específicos e práticos das ocupações.
– Outras turmas (14) concluídas no município de Escada – 280 pessoas treinadas. Previstas turmas para os
municípios de Cabo de Santo Agostinho e Moreno,
completando a meta total.
98
– Entidade Executora: SENAI-PE.
– Recursos: R$ 1,41 milhão “para completar essa proposta
de qualificação social e profissional em nível básico”.
ii) No mesmo material de divulgação é feita referência
a “outro Planseq”, dirigido a beneficiários do Bolsa-Família –
“185 mil pessoas em 13 regiões metropolitanas” –, com o objetivo de promover “ação de qualificação e inserção profissional
em obras do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC)”.
Essas informações deixam evidente que o PLANSEQ
pode se traduzir em projetos relevantes. No segundo caso,
Trata-se de uma curiosidade, já que é difícil imaginar como
um trabalhador poderia ser beneficiário indireto de uma capacitação – algo bem diferente do conceito de emprego indireto. Se
a referência é a pessoas indiretamente ocupadas, fica-se sem a
informação de como tais pessoas seriam alcançadas por cursos de
qualificação profissional.
21
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reflete a intenção de se buscar a chamada “porta de saída”
para beneficiários do Bolsa-Família. No primeiro, representa
o foco em mão-de-obra para setores específicos da atividade
econômica, o que corresponde à idéia, já referida neste estudo, de se atender à demanda de mercado – em contraposição
à demanda social, tendendo esta última a se consolidar como
a clientela primordial do PLANTEQ.
É necessário, no entanto, que sejam feitas qualificações
dessas duas vertentes. Com respeito ao atendimento da demanda de mercado deve-se – conforme o ponto de vista defendido neste estudo – buscar parceria com o setor privado,
dividindo os custos dos programas, o que não parece ser o
caso do Planseq Petróleo Gás, em Pernambuco. Por outro
lado, mesmo que se vislumbre aqui uma separação metodológica entre “demanda social” e “demanda de mercado”,
a Resolução 408 (que institui o PLANSEQ e se constitui de
acréscimos à Resolução 333) define no parágrafo 14 acrescentado ao artigo terceiro da Resolução 333: “Constituem público
prioritário dos PlanSeQs o/a trabalhador/a desocupado/a e
as populações socialmente vulneráveis definidas nos incisos I
a IX do art. 8º” [da Resolução 333]. Significa que o PLANSEQ
é enquadrado na mesma perspectiva do PLANTEQ, constituindo, de fato, um adendo para se captar a demanda que
eventualmente não tenha sido atendida por este último. Reiteramos que seria um avanço fazer a recomendada distinção
entre demanda social e demanda de mercado, nesta última
definindo-se claramente os termos da parceria financeira com
o capital privado. A respeito disso, a Resolução 408 menciona
“co-financiamento” em termos de contrapartidas dos agentes
envolvidos (“contrapartida real do/s demandante/s, dividida segundo o porte e a capacidade econômica dos agentes
públicos, privados e sociais envolvidos, inclusive de investidores, que serão contabilizadas, no projeto, como uma única
contrapartida” -conforme inciso IV do parágrafo 21 acrescido
à Resolução 333). Como não são estabelecidos detalhamentos
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99
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dessa contrapartida e no projeto o item contrapartida é consolidado, o co-financiamento se refere ao que cada agente envolvido – secretarias estaduais, municipais, ONGs, sindicatos
e empresas privadas – pode aportar em termos de apoio: pessoal, equipamentos etc., sem necessariamente envolver recursos financeiros. Portanto, o aporte financeiro termina por ser
exclusivamente do FAT.
No que se refere ao PLANSEQ Bolsa-Família, uma questão importante é a magnitude da tarefa de se garantir vagas
no mercado de trabalho para o público-alvo (185 mil pessoas); significa ter em mente a dimensão temporal para alcance
da meta, sob pena de serem alimentadas falsas expectativas e
geradas frustrações nos beneficiários, um problema recorrente em ações de fomento da “empregabilidade” de segmentos
da força de trabalho no plano federal e no plano estadual, sob
o rótulo de primeiro emprego, centros da juventude etc.
100
Outros elementos devem ser considerados para se
apreender a atual configuração da política nacional de qualificação profissional. Trata-se de aspectos referentes à instituição do chamado Sistema Público de Emprego, Trabalho e
Renda (SPETR) – nova denominação para o sistema nacional
de emprego – cujas categorias-chave são “arranjos municipais”, “articulação”, “integração” e “participação”.
O SPETR engloba ações estabelecidas desde os anos
setenta e oitenta (intermediação de mão-de-obra, seguro-desemprego), ao que foram sendo adicionadas, a partir dos anos
noventa, ações de qualificação profissional, crédito para emprego e renda, programas de primeiro emprego para estratos
jovens da força de trabalho e, recentemente, o chamado Programa de Microcrédito Produtivo Orientado (PMPO) e ações
de apoio a empreendimentos de “economia solidária”. No
entanto, qualificação profissional – tema deste trabalho – é a
linha programática que tem sido o principal objeto de atenção
das representações da sociedade civil, em parte por conta do
aprofundamento da crise do mercado de trabalho a partir dos
anos noventa; ademais, a possibilidade de liberação de recursos para instituições representativas da sociedade atuarem
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como entidades executoras de capacitação também desempenhou papel decisivo para tal interesse. As expectativas de
utilização desses recursos públicos foram sendo ampliadas e
consolidadas ao longo dos anos, em particular entre 1995 e
2001, quando o montante de recursos do FAT destinados a
políticas de emprego alcançou valores expressivos.22
Na linha de buscar ampliar o envolvimento de representações da sociedade no SPETR, foi estabelecida uma sistemática de trabalho e de divulgação de resultados que privilegia
os congressos – com a arregimentação de representantes do
governo federal, de governos estaduais e de grandes municípios (com mais de 300 mil habitantes), comissões estaduais e
municipais de emprego, entidades representativas empresariais e dos trabalhadores.23
É importante assinalar que nos congressos nacionais
do SPETR há participação – assim como ocorria nos seminários de discussão sobre o PLANFOR, promovidos pela
então Secretaria de Formação de Mão-de-Obra (SEFOR), do
MTE – de técnicos vinculados à Academia (universidades
e instituições de pesquisa), alguns também vinculados ao
governo federal, a governos estaduais ou a ONGs. Ocorre
que preocupações como “articulação” e “integração” (de políticas e programas) eram pontos de destaque nas discussões
conduzidas nos encontros sobre o PLANFOR e também em
encontros científicos. Do mesmo modo, era pontuado nos
encontros acadêmicos o aspecto da limitada capacidade das
101
Dados do MTE informam que, para o sistema público de emprego
como um todo, foi a seguinte a evolução da alocação de recursos
do FAT (em R$ bilhão): 1995 – 0,347; 1996 – 1,171; 1997 – 1,444; 1998
– 1,714; 1999 – 1,482; 2000 – 1,522. Em 2001, houve redução para R$
1,012 bilhão e nos anos 2002-2005 os valores se situaram na faixa de
R$ 0,5 bilhão. (POLÍTICAS..., 2008).
23
No período do PLANFOR, os encontros organizados pelo MTE
tinham menor dimensão – embora qualitativamente com as mesmas
representações dos eventos realizados sob o SPETR. Conforme estimativa do próprio MTE, cerca de 1.500 pessoas teriam participado
do I e do II Congressos do SPTER, realizados – respectivamente – em
dezembro de 2004 e julho de 2005.
22
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políticas para o mercado de trabalho de reduzir o nível de
desemprego ou de aumentar a renda dos trabalhadores em
contexto adverso da economia.
102
Portanto, as principais recomendações para o avanço no
sistema nacional de políticas de emprego vinculadas à articulação, à integração e à participação – nos congressos nacionais
do SPETR – são tentativas de resolver velhos problemas. O
que representaria novidade, como decorrência dessas recomendações, seria a instituição do chamado “Convênio Único” e do Plano Plurianual, o que permitiria a integração das
ações operadas sob o SPETR24; o convênio único devendo ser
celebrado com estados, Distrito Federal, capitais e municípios
com mais de 300 mil habitantes (mais de 200 mil habitantes,
segundo a Resolução 560, de 28 de novembro de 2007 – que
revogou a Resolução 466). As resoluções do CODEFAT não
especificam o significado desses instrumentos para a integração das ações do SPETR. Moretto (2007, p. 13) tenta descobrir
um sentido para tal:
Podemos dizer que o desenho institucional que resulta
do [II] Congresso é um avanço em relação à situação anterior. A instituição de um convênio único entre o MTE e
as unidades da federação ou grande município, a partir
de planos previamente discutidos e que incorporam as
várias ações a serem realizadas no âmbito de cada espaço territorial, racionaliza os procedimentos ao mesmo
tempo em que exige maior empenho em planejamento.
A existência de um plano plurianual permite que a unidade da federação faça o pagamento de despesas sem
que tenha ocorrido o repasse, o que não podia ser feito
Conforme Resolução 466, de 21 de dezembro de 2005. (BRASIL.
RESOLUÇÃO Nº 466, 2008). De fato, esta Resolução foi revogada
pela Resolução 560/2007, na qual não consta referência ao convênio
único. Por outro lado, havia sido publicada – em 16 de fevereiro de
2006 – a Resolução 475 (13/02/2006), que se baseia na Resolução 466,
e estabelece (no artigo 1º.) que a Secretaria de Políticas Públicas de
Emprego (SPPE/MTE) fica autorizada a “firmar Convênios Plurianuais Únicos com estados ou municípios, pelo período de março de
2006 a dezembro de 2009.” (BRASIL. RESOLUÇÃO Nº 475, 2008).
24
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18/6/2009 09:47:26
anteriormente, permitindo que se cumpra com os compromissos com os fornecedores. Esse aspecto positivo
convive, entretanto, com a ausência de um fluxo contínuo de recursos, o que implica em custos administrativos e financeiros que poderiam ser evitados se o cronograma de repasse fosse respeitado. Ademais, convive-se
também com a redução do volume de recursos, trazendo
insegurança com relação à continuidade das ações.
É difícil se identificar inovação. A elaboração de planos
de trabalho por parte dos estados já era prática exigida por
normas do CODEFAT, desde o PLANFOR – quando também
se buscava a integração, experiência da qual resultou a iniciativa, em vários estados, de criação de unidades administrativas que “integravam” seguro-desemprego, qualificação profissional, intermediação, operações de crédito25. Com respeito
ao plano plurianual a vantagem apontada por Moretto (2007)
depende da disponibilidade de cada estado de adiantar recursos; ademais, o grau de eficiência administrativa é influenciado pela velocidade dos trâmites burocráticos (nos planos
estadual e federal) – o que sempre levou a atrasos no início da
execução do plano estadual de qualificação profissional26.
103
Por outro lado, Moretto (2007, p. 19) vê nos centros de
atendimento ao trabalhador uma importante inovação no
sentido da integração:
Com relação à questão da integração e articulação das
políticas, a decisão de se criar um local único para acesso aos serviços de colocação e do seguro-desemprego, é
um passo importante, pois em um único atendimento o
trabalhador pode acessar os dois serviços.
Em Pernambuco, por exemplo, foi criada a Agência do Trabalho
em Recife – modelo que foi multiplicado para vários municípios em
todo o Estado.
26
Novamente recorrendo-se a Pernambuco como exemplo, a execução do PLANTEQ 2007 foi iniciada em 2008. Tais atrasos em geral
levam a uma concentração de cursos em um curto período de tempo,
o que tende a gerar prejuízos pedagógicos.
25
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18/6/2009 09:47:26
Mas, como já referido, tal linha de ação já era parte da
prática instituída sob o PLANFOR. O que constituiria um
avanço seria a interligação, via informática, dos centros de
atendimento, inovação ainda por ser implementada e que
demanda um sistema mais amigável e mais eficiente que o
SIGAE (Sistema Integrado de Gestão das Ações de Emprego)27, além de capacitação do pessoal técnico desses centros
(MORETTO, 2007, p. 14):
A integração dos vários centros pode eliminar a concorrência entre as várias agências hoje existentes, pois
independentemente de quem faça a captação da vaga,
esta estará disponível para todas as agências, facilitando,
assim, encontrar o trabalhador mais adequado e mais rapidamente para preenchê-la [sic]. Do mesmo modo, elimina a necessidade de o trabalhador fazer a inscrição em
várias agências, pois o banco de dados será único.
104
O aspecto da “participação” é referendado, no II Congresso
do SPETR, pela ênfase na gestão tripartite dos diversos programas
e ações – elemento que, para ser de fato efetivo, necessitaria de
grandes avanços, até agora imperceptíveis, na “rede de controle
social” constituída pelas comissões de emprego. No entanto, a experiência desses catorze anos do sistema público de emprego (em
suas diversas áreas e ações) revela que a “rede de controle social”
permanece como um elo frágil da política pública de emprego.
Em suma, o que o exame da documentação oficial do
MTE revela é a maior carga retórica das resoluções emitidas
pelo CODEFAT, como se a afirmação de intenções e princípios fosse garantia de mudanças. Um exemplo claro está na
já referida Resolução 560, que, no artigo 3º anuncia que “de27
Software utilizado pelo MTE, pelas secretarias de trabalho dos estados para registro de informações sobre os programas executados
(inclusive intermediação e seguro-desemprego) e para acesso das
entidades executoras das ações de qualificação profissional, que
informam diretamente ao sistema sobre os beneficiários (número
de educandos, dados pessoais, cursos realizados, evasão etc.), sem
controle adequado da qualidade da informação ou qualquer avaliação crítica sobre a veracidade do que é informado.
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verão ser observados”, na “execução das ações que integram”
o SPTER, 11 “princípios”: da inserção dos trabalhadores no
mercado de trabalho; da integração; da gestão participativa;
da continuidade [das ações]; da eficiência e eficácia; da efetividade social; da atenção aos grupos vulneráveis; da viabilidade de controle; da qualidade no atendimento; da sustentabilidade financeira; da legalidade, do interesse e da moralidade
pública. O mesmo grau de retórica é reservado ao sistema de
“monitoramento e avaliação”, agora centralizado no MTE e
sem alocação de recursos para tal nos repasses aos estados
– tema que é objeto da seção a seguir.
Implicações da Nova Configuração da Política Nacional de Qualificação de Mão-de-obra, no Âmbito do SPETR
A análise documental até aqui conduzida evidencia importantes implicações práticas do atual desenho do sistema
público de emprego no Brasil, particularmente no que concerne à linha programática da qualificação profissional. A seguir, um sumário dessas implicações.
i)
105
Fica evidente, nos documentos oficiais que definem
e regulamentam os PROESQs e os PLANSEQs, uma
primazia – na captação de recursos – das ONGs, de
entidades do Sistema S, de federações sindicais e
ONGs que são braços dessas federações (algumas
ONGs mantêm contrato no plano estadual e simultaneamente via relação direta com o Ministério).
ii) É eliminada a destinação de recursos para avaliação
externa no âmbito estadual, mantendo-se apenas a
avaliação externa no plano nacional, atualmente a
cargo da instituição “interuniversitária” UNITRABALHO. Essa experiência de avaliação centralizada
já havia ocorrido no início do PLANFOR, sem resultados satisfatórios – o que terminou por levar à descentralização com destinação aos estados de recursos
específicos para avaliação externa e monitoramento.
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18/6/2009 09:47:26
iii) Assim, simultaneamente à maior participação de
ONGs nos recursos do FAT dirigidos a programas de
qualificação profissional, a centralização da avaliação
no Ministério fragiliza a ação de controle social. A
menção à atuação das Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs) na fiscalização, e de órgãos de controle
como os tribunais de contas e a Controladoria Geral da
União e auditoria do MTE, seria uma complementação
do sistema de controle28. No entanto, as DRTs não têm
equipe, nem seria papel dessas instâncias administrativas fazer acompanhamento técnico (monitoramento,
avaliação, estudos de egressos dos cursos de qualificação) – elemento essencial para se ter, de fato, um
sistema de avaliação que permita correções de rota e
elaboração de estudos de eficiência e eficácia dos programas. Ademais, os tradicionais órgãos de controle
apenas detectam, ex-post, falhas e desvios de rota.
106
iv) Outra importante mudança na prática atual – relativamente ao período do PLANFOR – é a escassez de informações sobre os resultados dos programas de qualificação e sobre estudos de avaliação. Antes se dispunha de
uma base de dados sobre os resultados da execução dos
Planos Estaduais de Qualificação Profissional (PEQs).
Embora tais informações carregassem diversas fragilidades, pelo menos havia disponibilidade de uma base
de dados. Ou seja, em vez de haver avanço, houve redução do grau de transparência das ações realizadas.
Significa, portanto, que no campo da avaliação e do monitoramento das ações de qualificação profissional, retrocesso
se sobrepõe a avanço. Considerada a importância crescente
Observe-se que as referidas instituições já têm atribuições de fiscalização e controle bem definidas na legislação pertinente, além de
terem uma prática corrente de atuação de controle nas respectivas
áreas. Portanto, não caberia a uma instância do MTE definir um papel específico de controle da política de qualificação profissional.
28
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de ONGs e outras instituições sem fins lucrativos nos contratos ou convênios diretamente com o MTE para montagem de
cursos de qualificação profissional, a ausência de um sistema descentralizado de avaliação externa pode potencializar
problemas no que concerne à utilização desses recursos públicos29. Na seção seguinte serão feitas considerações adicionais sobre avaliação e monitoramento no sistema público de
emprego, com destaque nas mudanças operadas no âmbito
do PNQ.
A propósito, matéria do Jornal Folha de São Paulo (quarta-feira,
20 de fevereiro de 2008), sob o título “Ministério do Trabalho favorece o PDT”, sugere que aliados do PDT, presidido pelo ministro
Carlos Lupi, estariam sendo favorecidos pelo fato de “12 entidades
ligadas ao PDT” terem recebido cerca de R$ 50 milhões (de um total
de R$ 111,5 milhões) “para realizar treinamento de jovens em vários estados do País”. Dirigentes das entidades beneficiadas seriam
“parentes, doadores de campanha ou políticos do próprio PDT”. Na
matéria são citados nomes de entidades, de pessoas, e relações de
parentesco e/ou partidárias. Os valores liberados se refeririam ao
período de 30/11/2007 até janeiro/2008, no montante de cerca de R$
70 milhões, “se computadas verbas para bolsas destinadas a jovens”.
O total de beneficiários da capacitação seria 29,5 mil jovens. É também mencionado que, “em vários casos”, a entidade terceirizaria a
realização dos cursos. Entre as entidades recebedoras estariam a DataBrasil (“que funciona dentro da sede da Força Sindical”). Segundo
a matéria, o MTE não nega as destinações de recursos, e informa que
não assina convênios com partidos políticos, pois “existem normas
a serem cumpridas”. Evidente que tais informações não necessariamente significam que os recursos seriam usados de forma perdulária. No entanto, a ocorrência deixa bem evidente que um sistema
de monitoramento e avaliação descentralizado e autônomo em relação ao SPETR é uma necessidade crucial. Ademais, regras mais
rígidas de alocação de recursos do FAT para qualificação profissional são obviamente urgentes. Supostas fraudes no passado desse
programa (“cursos-fantasma” e entidades que recebiam recursos
cujo montante e cuja meta de qualificação eram absolutamente incompatíveis com a estrutura de tais entidades), desde o PLANFOR,
hoje ainda sob investigação, revelam que o problema não é novo
– fato que dramatiza a urgência de uma completa reestruturação
de procedimentos na liberação de recursos, no acompanhamento e
na avaliação das ações.
29
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107
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Problemática da Avaliação e do Monitoramento
no Sistema Nacional de Emprego
A criação do FAT, em 1990, e a emergência de novos
programas dirigidos ao mercado de trabalho respondem a
demandas que foram expressas na Constituição de 1988, e
seguem recomendações da Organização Internacional do
Trabalho. A idéia de montagem de uma “rede de controle
social” é um elemento fundamental incorporando todas as
políticas sociais.
108
O desenho dos programas de qualificação profissional
– assim como os referentes a crédito para emprego e renda
– pressupõe uma ativa participação de representações da sociedade civil na identificação de demandas, no planejamento
de atividades, e nos processos de monitoramento e avaliação.
De forma resumida – afinal, trata-se de algo bastante conhecido dos especialistas e referido em vários trabalhos – a rede
institucional desses programas compreende o seguinte, nos
termos prevalecentes no período do PLANFOR:
i)
O MTE opera convênios ou contratos com governos
estaduais (secretarias de trabalho), entidades do Sistema S, ONGs, sindicatos e federações sindicais.
ii) Cada secretaria estadual estabelece contratos com
entidades sem fins lucrativos (ONGs, Universidades,
Sistema S), podendo ser também celebrados contratos/convênios com representações sindicais. Os contratos das secretarias de trabalho envolvem cursos de
qualificação profissional, monitoramento, avaliação,
estudos e apoio à gestão dos programas estaduais.
iii) Cada secretaria de trabalho deve chamar a colaboração
da comissão estadual de emprego para o planejamento
das ações e para a elaboração do Plano de Trabalho.
iv) A comissão estadual e as comissões municipais de
emprego – de formação tripartite e paritária de representações dos trabalhadores, dos empresários e
do governo – devem cumprir o papel de identificar
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demandas, colaborar para a elaboração do Plano de
Trabalho estadual e participar do monitoramento e
da avaliação das ações de execução do Programa.
v) Ações de monitoramento, avaliação externa e apoio
à gestão devendo ser conduzidas por ONGs (desde que não participem da atividade de qualificação
profissional) ou por universidades, ou instituições
vinculadas a universidades.
Os elos frágeis dessa rede institucional são bem conhecidos: a) dependência formal e política das comissões
de emprego, relativamente a governos municipais e ao governo estadual (este último responsável pelos atos legais de
criação e homologação das comissões); b) no nível local, as
comissões municipais ficam sob influência da prefeitura e
de disputas políticas locais, em geral matizadas por parlamentares, vereadores, cabos eleitorais e lideranças sindicais
consolidadas; c) o atraso educacional que o Brasil carrega ao
longo de décadas, em particular no interior do País, torna
difícil a tarefa de composição das comissões com pessoas
cuja escolaridade seja compatível com o desempenho de
funções que requeiram capacitação técnica adequada; d) por
conta da própria regulamentação relativa às comissões de
emprego – há uma rotatividade de componentes, o que dificulta a consolidação de comissões com capacidade técnica
em caráter duradouro.
109
Que mudanças foram efetivamente operadas pelo PNQ
no campo do monitoramento e da avaliação? Da Resolução
333 (BRASIL, 2003) e de resoluções mais recentes pode ser
extraída a seguinte síntese30:
Ver artigo terceiro (parágrafos quinto e sexto); artigo primeiro, primeiro parágrafo; Artigo 17, parágrafos 6, 7, 8 e 9. Ver, também, Resolução 560 (28/11/2007) e Resolução 575 (28/04/2008); esta última,
que revoga as Resoluções 333/2003 e 408/2004, e à qual é anexada um
Termo de Referência para o PNQ, passa a ser o instrumento definidor
e normatizador do Programa. (BRASIL. RESOLUÇÃO N° 560, 2008;
BRASIL. RESOLUÇÃO N° 575, 2008).
30
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i)
O PNQ promete implementar um ambicioso conjunto de estudos, via “laboratórios experimentais”, em
busca de “inovação metodológica na área de qualificação profissional” e da melhora da política de treinamento de mão-de-obra – tais estudos devem ter
ampla dimensão nos planos nacional e regional.
ii) O sistema de monitoramento e de avaliação passa
a ser centralizado no Ministério do Trabalho e Emprego (o que significa voltar a um modelo anterior,
já experimentado e que não se mostrou satisfatoriamente operacional e efetivo).
iii) É atribuída a instâncias regionais do MTE a tarefa de
execução de ações de monitoramento, em adição às
atividades regulares de fiscalização do cumprimento – por empresas públicas e privadas, e instituições
– da legislação que regula as condições de trabalho e
as relações trabalhistas.
110
iv) De fato, o sistema de monitoramento e avaliação
redefinido pelo PNQ – agora sob os termos da Resolução 575 (28/04/2008), que substitui a Resolução 333 – sucumbe à retórica31 e passa a significar
“controle e monitoramento” por instâncias convencionais (delegacias regionais do trabalho, Tribunal
de Contas, auditorias).
O uso da retórica é, de fato, um aspecto dominante. No “Termo de
Referência” anexado à Resolução 575, os princípios sobre os quais
deve operar o PNQ, antes anunciados como sendo onze (na Resolução 560, como vimos na subseção II.2 deste trabalho), passam a ser
oito: “I. Articulação entre Trabalho, Educação e Desenvolvimento; II.
Qualificação como Direito e Política Pública; III. Diálogo e Controle
Social, Tripartismo e Negociação Coletiva; IV. Respeito ao Pacto Federativo; V. Adequação entre as Demandas do Mundo do Trabalho
e da Sociedade e a oferta de ações de qualificação; VI. Trabalho como
Princípio Educativo; VII. Reconhecimento dos saberes acumulados
na vida e no trabalho; VIII. Efetividade Social e na Qualidade Pedagógica das ações”. (BRASIL. RESOLUÇÃO N° 560, 2008; BRASIL.
RESOLUÇÃO N° 575, 2008).
31
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Observe-se que, por um lado, é estabelecido – na seção
12 do Termo de Referência anexado à Resolução 575 – que
“Para garantir a efetividade social, a qualidade pedagógica, a
eficiência e a eficácia das ações previstas, além da transparência e lisura na aplicação dos recursos, o PNQ disporá de um
processo permanente de acompanhamento de ações [...]”.
(BRASIL. RESOLUÇÃO Nº 575, 2008). Por outro, no artigo 13
da Resolução 575, afirma-se:
Por demanda do MTE, poderão ser celebrados convênios ou contratos de gestão voltados para a elaboração de avaliação externa, monitoramento e supervisão, incluindo acompanhamento de egressos dos
cursos do PNQ, ações de apoio à gestão, diagnósticos e estudos prospectivos da demanda de trabalho e
qualificação profissional. (BRASIL. RESOLUÇÃO Nº
575, 2008).
Ademais, é assegurado – ao final do Termo de Referência – que:
111
O DEQ/SPPE/MTE deverá sistematizar os resultados,
com vistas à divulgação periódica, por meio de relatórios, boletins e outros instrumentos, tendo em vista a
sua competência, no âmbito do Ministério do Trabalho
e Emprego, de acompanhamento, supervisão, controle e
avaliação técnico-gerencial do PNQ. (BRASIL. RESOLUÇÃO Nº 575, 2008).
E, no artigo 30 da Resolução 575, se estabelece:
O MTE mobilizará as Superintendências Regionais do
Trabalho e Emprego – SRTE ou respectivas Gerências,
dentro das atribuições que lhe cabem institucionalmente, sem sobreposição com as atribuições de outros
órgãos públicos de controle, no sentido de acompanhar
e monitorar as ações do PNQ realizadas no âmbito das
respectivas unidades da federação. (BRASIL. RESOLUÇÃO Nº 575, 2008).
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Por fim, anote-se que, no Artigo 30, § 1º da Resolução 575, é previsto que “As SRTE32 terão autonomia para
a realização das ações de supervisão e monitoramento das
ações previstas no PNQ, devendo o MTE e as entidades
convenentes subsidiar as Superintendências” com as informações pertinentes. (BRASIL. RESOLUÇÃO Nº 575, 2008,
grifo nosso).
112
A combinação das referidas normas leva a duas constatações importantes: a) o que deveria ser permanente (avaliação externa) passa a ser uma possibilidade que
depende de iniciativa do Ministério; b) o monitoramento
– que pressupõe geração de informações técnicas (sobre
freqüência, evasão, preenchimento da carga horária etc.)
fica na esfera de instâncias do Ministério cuja atribuição é
a de fiscalização e que, portanto, não substitui uma ação
permanente de monitoramento. Assim, geração de informações sobre as ações de qualificação profissional é um
aspecto claramente prejudicado.
Divulgação de informações sobre a execução do programa de qualificação profissional também é um elemento
sacrificado, como se percebe em qualquer tentativa de acesso à página do MTE em busca dessas informações. De fato,
o único documento disponível na página do Ministério, já
há algum tempo, é “PNQ/PLANTEQs – Indicadores de Desempenho 2003 e 2004”, com base em resultados de 2003 e
resultados preliminares de 2004 (90% da execução do Programa). Trata-se de dados globais, na forma de apresentação em Power-Point – não constituindo um detalhado documento técnico.
Por outro lado, sabe-se que o MTE contratou, em 2004,
a instituição interuniversitária Unitrabalho para a tarefa de
fazer avaliação externa do PNQ. Os resultados desse trabalho
foram expressos em “seminários de avaliação”, não estando
32
Secretaria Regional de Trabalho e Emprego (SRTE).
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disponível na página dessa instituição qualquer relatório técnico eventualmente elaborado.33
É evidente, portanto, que o sistema anterior de monitoramento e avaliação foi substituído por outro que não
traz melhoras; ao contrário, reduz a capacidade dos estados de monitorar e avaliar o programa. O sistema vigente
no PLANFOR pelo menos tinha procedimentos mais claros, com destinação de recursos do FAT para as secretarias estaduais de trabalho contratarem trabalho de monitoramento e de avaliação externa, esta última operando
independentemente da supervisão contratada diretamente
pelo MTE. Pelo sistema atual, a avaliação fica circunscrita
àquela centralizada no Ministério, não havendo alocação
de recursos para os estados operarem o monitoramento e
a avaliação. Assim, depende de cada governo estadual a
alocação de recursos próprios para esse mister. O resultado é que as ações de qualificação profissional podem ser
executadas sem um processo adequado e sistemático de
acompanhamento e avaliação, ou seja, sem um trabalho de
supervisão e avaliação externa, desenvolvido por iniciativa
do governo estadual via contratação de uma instituição autônoma. Em decorrência disso, elimina-se a possibilidade
de supervisão dinâmica - pelo que ajustes e correções
de rota melhoram a qualidade do resultado. Como já
observado neste artigo, a experiência revela que, tanto no
PLANFOR quanto no PNQ, a avaliação externa centralizada em Brasília não teve alcance satisfatório.
113
No “III Seminário Nacional de Avaliação do PNQ”, realizado em
São Paulo (29 e 30 de setembro de 2005), foi mencionada a possibilidade de novos contratos entre o MTE e a Unitrabalho, para avaliação
do PNQ de 2005 e de 2006, retomando-se um convênio com 36 universidades. (REDE UNITRABALHO, 2008). Sabe-se que, em 2005, foi
firmado novo convênio entre o MTE e a Unitrabalho para avaliação
do PNQ 2005. (COSTA; GPBETTI, 2008). A partir do PNQ 2006, não se
encontra registro de outros convênios de avaliação externa com qualquer instituição. Isso significa que aparentemente o Programa vem
sendo tocado sem qualquer acompanhamento ou avaliação externa.
33
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Considerações Finais
A análise conduzida neste ensaio deixa evidente que o
programa nacional de qualificação profissional teria esboçado alguma inovação apenas na exigência de maior carga
horária dos cursos. No entanto, o desdobramento positivo
dessa medida depende de um adequado sistema de acompanhamento e avaliação e da introdução de procedimentos
com vistas à adequação do conteúdo dos diversos cursos
(em geral, semelhantes aos realizados no âmbito do PLANFOR) a uma maior carga horária. Na verdade, nenhum desses dois requisitos está em operação e, portanto, urge que
sejam implementados.
114
A possibilidade de contratação de auditoria independente para o exame de procedimentos administrativos e do
desempenho dessas representações regionais do Ministério, o
funcionamento de aparelhos de controle do próprio MTE, da
Controladoria Geral da União e de Tribunais de Contas, embora constituam úteis instrumentos convencionais, e obviamente não dependam de autorização do CODEFAT, servem
mais para detectar falhas na execução e nos procedimentos
legais do que para evitar ocorrência de problemas associados
a planejamento, adequação e pedagogia dos cursos. No caso
de uma política pública da natureza da qualificação profissional, uma sistemática permanente e descentralizada de monitoramento e avaliação – que, como vimos, torna-se elemento
ausente sob o PNQ – é o que interessa, em termos de garantia
de efetividade, para a identificação e correção de falhas no
processo de execução dos programas.
Ademais, um apropriado sistema de monitoramento
e avaliação torna imperativa a necessidade de inclusão de
análise de conteúdo e da pedagogia dos cursos, de modo
que sejam evitados ajustes “burocráticos” à carga horária
ampliada; há possibilidade de que as entidades executoras dos cursos estejam absorvendo acréscimo de horas sem
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modificação substancial no programa dos cursos de menor
duração, e sem incluir itens relevantes para a formação profissional específica – dessa forma apenas cumprindo mecanicamente a exigência de elevação da carga média para 200
horas. Ademais, é necessário que as secretarias estaduais de
trabalho estejam atentas para os casos de determinadas especialidades para as quais uma carga horária ampliada seja
excessiva34. Em suma, é imperativo que tais aspectos sejam
contemplados nos planos estaduais de qualificação profissional; caso contrário, o balanço entre avanços e perdas tende a permanecer francamente negativo.
Um desafio apenas mencionado na ampliada retórica
das resoluções do CODEFAT é o “controle social” das ações.
A rede institucional das comissões de emprego continua como
dantes, sem que tenham sido modificados procedimentos legais e burocráticos na direção de efetivamente conferir autonomia e estabilidade a essas comissões, devendo-se também
pensar em incentivos não-monetários para que tais representações da sociedade civil se sintam motivadas a cumprir papel mais ativo. Uma maior estabilidade da composição desses grupos seria benéfica no sentido de internalizar por mais
tempo a capacitação que devem receber a cada ano. Por outro
lado, o próprio conteúdo da qualificação dessas comissões deveria ser rediscutido de forma aberta, no sentido de se garantir
a preparação dos componentes em termos de habilidades para
prospectar informações sobre a economia local (de cada município) e para identificar demandas de qualificação profissional,
assim como formar capacidades de pesquisa e sistematização
de informações. Considerado o que vem ocorrendo nesses catorze anos de política pública nacional de qualificação do trabalhador, a rede de controle social continua tão frágil quanto
vem sendo registrado na literatura especializada.
115
No caso do Estado de Pernambuco, a secretaria que executa políticas para o mercado de trabalho estabeleceu um mínimo de 80
horas para os cursos. Observa-se, no entanto, que as entidades executoras tendem a convergir para a “carga média” de 200 horas, de
modo a atender os requisitos das Resoluções do CODEFAT.
34
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Reestruturação dos cursos é outra necessidade, paralelamente ao processo de adequação da carga horária às diversas especialidades – um trabalho que deve contar com o
concurso de especialistas de diversas áreas. De fato, a “grade curricular” ainda é praticamente a mesma, desde o período do PLANFOR e, na ausência de trabalho sistemático
de monitoramento e avaliação, persiste a lacuna representada pela não operação de elementos indutores de renovação
programática e pedagógica; anote-se que são quase quinze
anos dessa política pública em uma época de rápidas transformações tecnológicas que afetam o mercado de trabalho e
a estrutura das especializações profissionais.
116
Em tal contexto, a incorporação – ao processo de monitoramento e de avaliação – de sistemático exame crítico do
material didático, por parte das secretarias estaduais de trabalho, também se torna uma inovação a ser implementada,
com possibilidade de serem promovidos importantes avanços na efetividade da qualificação profissional.
É também necessário – como já referido neste ensaio –
que o programa de qualificação profissional seja executado
tendo-se em conta a distinção entre “demanda social” e “demanda de mercado”, acoplada a procedimentos de integração entre o MTE e o Ministério da Educação e entre o MTE
e o setor privado (via entidades do Sistema S), com efetivo
co-financiamento da qualificação profissional nos casos de
pólos industriais e de grandes empreendimentos privados.
Recuperar a produção de informações sobre a qualificação profissional (estudos de avaliação externa, de avaliação pedagógica e avaliação de egressos dos cursos de qualificação) e,
de forma transparente, ofertar à sociedade o conjunto de informações produzidas é outra urgente demanda para se avançar
na efetiva melhora dessa importante política pública.
É também necessário reconhecer a fragilidade de um
processo de qualificação em que o educando não é submetido a uma avaliação de desempenho, prontamente compondo
as estatísticas de “trabalhadores profissionalmente qualifica-
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dos”. Na maioria dos casos, tratam-se de cursos que não potencializam, significativamente, as chances de “empregabilidade”
ou de aumento da renda do educando – embora uma avaliação
precisa da eficácia desses cursos ainda dependa da materialização de consistentes estudos de avaliação de egressos.
Por outro lado, deve-se considerar que a política de qualificação profissional é, em si, limitada diante da dimensão
dos problemas que se revelam no mercado de trabalho (desemprego e precarização de parcela expressiva da força de
trabalho). Ademais, consideradas as insuficiências aqui apontadas – presentes desde o período do PLANFOR, e que ainda
persistem, agravadas pela fragilidade de mecanismos de avaliação e de controle social – o papel que tal política exerce, em
termos de efetividade social, tende a ser pouco significativo.
A propósito dessa limitada importância relativa, estudo do
IPEA corrobora tal linha de argumentação:
A carência de recursos leva inexoravelmente a uma limitação do alcance do programa, que passou de 147 mil trabalhadores qualificados, em 2004, para 118 mil em 2005
e 105 mil em 2006. De toda forma, a escala do programa é claramente insuficiente para cobrir tão-somente os
cerca de 5 milhões de trabalhadores que buscam o SINE
e requerem o seguro-desemprego anualmente, sendo
portanto totalmente incapaz de alcançar o conjunto de
trabalhadores desempregados ou subocupados do país.
(BOLETIM..., 2007a, 2007b, p. 148, grifo nosso).
117
Um aspecto adicional que contribui para dificultar alterações substantivas na política pública de qualificação profissional
– apontado pelos autores em outro trabalho (ARAÚJO; LIMA,
2004) – é a resistência a mudanças, decorrente da possibilidade
de perda de receita por parte das entidades executoras dos cursos
de qualificação ou de dividendos político-eleitorais, por parte de
entidades sindicais e de instâncias governamentais nos estados.
Como reconhecido em trabalho do IPEA (BOLETIM..., 2007a,
2007b, p. 204-205) – que não endossa, mas discute o argumento
– trata-se da possibilidade de “cooptação” pelo Estado, o que inibiria o poder de crítica de entidades ou instituições financiadas:
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... ao tornar-se um dos principais financiadores das
atividades dessas organizações, o Estado estaria se tornando capaz de controlar uma fonte potencial de críticas à sua ação.
Por outro lado, é reconhecida a possibilidade de mudanças não previstas em função de eventual interveniência
política de atores participantes da gestão tripartite do programa. A propósito da mudança ministerial ocorrida em 2007
(quando assume o MTE o ministro Carlos Lupi, do Partido
Democrático Trabalhista), registra-se em estudo do IPEA que
tal mudança deve
118
representar um crescimento da influência da Força Sindical na formulação e execução das políticas a cargo do
ministério, haja vista ser esta central a principal base de
sustentação do PDT no movimento sindical. Em função
dessas mudanças, cabe indagar acerca das perspectivas
de continuidade ou alteração das orientações estratégicas estabelecidas desde 2003. (BOLETIM..., 2008, p.
145-146).
Tal pressentimento reflete temor de que ocorram alterações indesejadas, o que significaria acrescentar limitação a
um já combalido sistema de controle social.
Inevitável concluir que – a despeito da mudança PLANFOR-PNQ – é premente a necessidade de uma reorientação
da política pública de qualificação profissional no Brasil, para
o que se espera este artigo seja uma contribuição; ademais,
seria útil que das resoluções emanadas do CODEFAT fosse
eliminada a excessiva carga retórica – e privilegiado o lado
operacional de normas e recomendações.
Referências
ARAÚJO, T. P. de; LIMA, R. A. de. PNQ e PLANFOR: o que
mudou na política brasileira de qualificação profissional?. In:
ALBUQUERQUE, N. S. C. de; ALESSIO, R. S. (Org.). Políticas de qualificação do trabalho em debate: limites, avanços e
desafios. Recife: FASA, 2004. 122 p. p. 31.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 118
18/6/2009 09:47:27
BOLETIM DE POLÍTICAS SOCIAIS - ACOMPANHAMENTO E ANÁLISE. Brasília, DF: IPEA, n. 14, 2007a.
______. Brasília, DF: IPEA, n. 13, 2007b. Edição Especial.
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______. Plano Nacional de Qualificação 2003-2007: orientações para a elaboração dos Projetos Especiais de Qualificação:
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______. PNQ/PlanTeQs 2003 e 2004: indicadores de desempenho: resultados preliminares, corresponde [sic] a 90% da
execução PlanTeQs 2004. Brasília, DF, 2005.
119
BRASIL. Resolução Nº 575, de 28 de abril de 2008. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 2 maio 2008. Seção 1. Disponível em: <
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Trabalho e Renda e o convênio único, visando à integração
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18/6/2009 09:47:27
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Disponível em: <http://www.mte.gov.br/Legislacao/Resolucoes/1996/r_19961023_126.asp>. Acesso em: 2008.
120
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de Qualificação – PlanSeQs no âmbito da Resolução nº 333,
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2008.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 121
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07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 122
18/6/2009 09:47:27
4
POLÍTICAS PÚBLICAS DE TRABALHO E RENDA EM CONTEXTO DE BAIXO CRESCIMENTO
ECONÔMICO: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA
RECENTE
José Celso Cardoso Jr1
Roberto Gonzalez2
Franco de Matos3
Introdução
Tanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
1948, quanto na Constituição Federal Brasileira de 1988, o
direito ao trabalho digno ou trabalho decente, conforme a
Organização Internacional do Trabalho (OIT) aparece como
elemento central e estruturante da sociedade.
Entretanto, segundo a OIT (2007), o número de pessoas
desempregadas no mundo manteve-se elevado a níveis sem
precedentes, em 2006, num contexto mundial de crescimento econômico. O estudo sublinha que a expansão capitalista
aumentou a proletarização da força de trabalho disponível,
implicando maior taxa de atividade, especialmente entre mulheres e pessoas mais velhas. Entretanto, como a taxa de ocupação não se ampliou adequadamente ao aumento da taxa de
atividade, os dois efeitos combinados resultaram na rigidez
ou na elevação da taxa de desemprego. Assim, ainda conforme o documento, embora haja mais pessoas trabalhando
que antes, o número de desempregados manteve-se em uma
marca sem precedentes, de 195,2 milhões de pessoas em 2006.
O relatório conclui que para manter ou reduzir as taxas de
123
Técnico de Pesquisa e Planejamento do IPEA. Economista, graduado pela USP, com mestrado e doutorando pelo IE/Unicamp.
2
Técnico de Pesquisa e Planejamento do IPEA. Sociólogo, graduado
pela UFRGS, com mestrado em Sociologia do Trabalho pela UNB.
3
Economista, graduado pela USP, com mestrado e doutorando pelo
PROLAM/USP.
1
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18/6/2009 09:47:27
desemprego deve ser fortalecido o vínculo entre crescimento
e trabalho. Destaca que a criação de empregos decentes e produtivos, e não de qualquer emprego, é essencial para reduzir
o desemprego e baixar o número de famílias que vivem em
situação de pobreza, o que, por sua vez, se constitui em um
requisito para o desenvolvimento e o crescimento econômico
no futuro.
O relatório destaca ainda as tendências que demarcam o
panorama mundial recente do emprego e desemprego:
• durante a última década o crescimento refletiu-se
mais no aumento da produtividade que no de emprego. Entre 1996 e 2007, a produtividade aumentou
26%, enquanto o número de empregados no mundo
aumentou somente 16,6%;
124
• o desemprego atinge mais fortemente os jovens entre
15 e 24 anos, pois afeta 86,3 milhões de pessoas desse
grupo de idade, equivalentes a 44% de todos os desempregados do mundo em 2006;
• permanece o hiato de emprego entre mulheres e homens. Em 2006, 48,9% das mulheres de 15 anos ou
mais estava trabalhando, índice levemente abaixo
dos 49,6% de 1996; enquanto a relação emprego-população dos homens foi de 75,7% em 1996, e de 74%
em 2006;
• em 2006, a presença do setor de serviços como provedor de empregos aumentou de 39,5% para 40%, e
pela primeira vez superou a agricultura, que baixou
de 39,7% para 38,7%. O setor industrial proporcionou
21,3% do total de empregos.
Assim, fica patente que o ambiente de crescimento econômico mundial não foi capaz de dirimir as inseguranças e
assimetrias relacionadas ao mundo do trabalho, justificando
uma reflexão mais amiúde sobre o papel das políticas públicas de emprego, trabalho e renda, assim como o papel do Estado como indutor do desenvolvimento econômico conciliado à inclusão social e laboral.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 124
18/6/2009 09:47:27
Quanto ao Brasil, passados cerca de 25 anos (1980/2005)
de semiestagnação econômica, o país parece ter diante de si
um ambiente econômico e político mais adequado para sustentar taxas de crescimento econômico aliadas à ampliação
das políticas de inclusão social. Entretanto, embora a instituição das políticas públicas de emprego no Brasil remontem
à década de 1970, com a instituição do Serviço Nacional de
Empregos (SINE), ou antes, mesmo com a promulgação da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), na década de 1940,
ou do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), na
década de 1960, a depender do recorte analítico utilizado, foi
num período recente de baixo crescimento econômico que
elas se consolidaram.
Este trabalho procura fazer uma revisão dessas políticas,
assim como refletir seu alcance num ambiente de retomada
de crescimento. Para tanto, divide-se em cinco seções, além
desta apresentação. Na primeira será discutido o ambiente de
semiestagnação econômica e o mundo do trabalho no Brasil
pós-estabilização monetária. Na segunda, serão apresentadas
a evolução e a estrutura do atual Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda (SPETR) brasileiro, além de suas principais limitações. Na terceira, será abordado o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), principal fonte de financiamento
daquelas políticas, assim como na seção seguinte será feito
um balanço acerca dos resultados dos principais programas e
ações no âmbito do FAT. Na quinta seção serão comentadas
outras fontes de financiamento público em prol do desenvolvimento produtivo que indiretamente impactam na geração
de emprego e renda. E por fim, tecem-se considerações finais
sobre desafios atuais e perspectivas para a política pública de
emprego e renda no Brasil.
125
Semiestagnação Econômica e o Mundo do Trabalho no Brasil Pós-Estabilização Monetária
O mercado de trabalho brasileiro passou por modificações sensíveis desde 1995, ano marcado pela volta da estabi-
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 125
18/6/2009 09:47:27
lidade monetária da economia nacional, após longo período
inflacionário. Entre 1995 e o final de 1998, num ambiente macroeconômico marcado por sobrevalorização cambial e diferencial positivo e elevado entre as taxas de juros domésticas
e internacionais, as principais variáveis do mercado de trabalho nacional sofreram um processo de deterioração. Os níveis
absolutos e relativos de desemprego aumentaram, bem como
a informalidade das relações contratuais e a desproteção previdenciária para amplos segmentos do mercado de trabalho
urbano, enquanto os níveis reais médios de renda do trabalho
e a sua distribuição pioraram.
126
Entre o período de desvalorização cambial de 1999 e
meados de 2003, apesar do arranjo de política econômica
restritiva (câmbio semiflutuante, elevados superávits fiscais, taxas de juros também elevadas e metas rígidas de
inflação), a economia brasileira operou num contexto de
comércio internacional favorável, o que permitiu certo arrefecimento das tendências anteriores para as principais
variáveis do mercado de trabalho. Os níveis absolutos e
relativos de desemprego pararam de subir no mesmo ritmo
de antes, a informalidade das relações de trabalho e o grau
de desproteção previdenciária arrefeceram, embora mantivessem patamares elevados. Além disso, os níveis médios
de renda real do trabalho continuaram a cair para a maior
parte das classes ocupacionais, embora a distribuição dos
rendimentos esboçasse uma pequena melhora, sobretudo
depois de 2001.
Por fim, no período mais recente, desde 2004, a despeito
de o arranjo de política macroeconômica manter-se praticamente inalterado, a pujança do comércio exterior, combinada com pequenas reduções nos patamares de juros internos
e com uma importante expansão das várias modalidades de
crédito, aumentos do salário mínimo à frente da inflação e
expansão das políticas sociais, houve uma reação positiva do
mercado de trabalho a estímulos, até certo ponto tímidos, da
política econômica. A taxa de desemprego aberto, o grau de
informalidade das relações de trabalho e o grau de despro-
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 126
18/6/2009 09:47:27
teção previdenciária esboçaram uma diminuição, enquanto
o nível de remunerações da base da pirâmide social parou
de cair em 2004, elevando-se ligeiramente desde então, o que
contribuiu para prolongar o processo virtuoso de redução
das desigualdades de renda.
Nesta seção serão apresentadas as principais variáveis
que indicam o comportamento do mercado de trabalho brasileiro na última década, relacionadas à ocupação e desocupação, informalidade e distribuição de renda, caracterizando
o contexto recente em que operaram as políticas públicas
de trabalho e emprego. Os dados reunidos são de fonte do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tendo
sido elaborados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
Evolução e Composição da Ocupação e Desocupação da Força de Trabalho
A Tabela 1 que integra este tópico permite três considerações principais:
127
• Em primeiro lugar, há que se destacar uma piora generalizada, em variáveis cruciais do mercado de trabalho,
durante o primeiro o período 1995/99, de análise.4
• A taxa de ocupação (PO/PEA) regrediu de forma
mais acentuada que a taxa de participação (PEA/
PIA) entre 1995/99, fazendo a taxa de desemprego
(PD/PEA) crescer 62,6% no período, o que a elevou
de 6,1% em 1995 para 9,9% em 1999.
• Já entre 2001/05, apesar da forte recuperação da taxa
de participação (PEA/PIA), a ocupação total teve um
desempenho bastante positivo, contribuindo para a
manutenção da taxa de desemprego num patamar ligeiramente inferior a 10% ao ano.
Alerte-se para o fato de que, na Tabela 1 abaixo, para se manter a
comparabilidade básica, as comparações são feitas entre intervalos
de mesmo número de anos, isto é: 1995/99 e 2001/05.
4
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 127
18/6/2009 09:47:27
Tabela 1 – Mudanças na Composição do Mercado de Trabalho Nacional entre 1995 e 2005
População
Ocupada
1995
População
Ocupada
1999
População
Ocupada
2001
População
Ocupada
2005
Variação
1995/1999
Variação
2001/2005
População em Idade
Ativa (PIA)
86.844.125
97.394.347
103.059.409
112.044.816
12,1%
8,7%
População Economicamente Ativa (PEA)
64.594.325
72.274.808
75.897.343
85.826.536
11,9%
13,1%
População Ocupada
Total (PO)
Composição do Mercado de Trabalho
60.661.351
65.119.743
68.601.819
77.519.737
7,3%
13,0%
Taxa de Participação (PEA / PIA)
74,4%
74,2%
73,6%
76,6%
-0,2%
4,0%
Taxa de Ocupação
(PO / PEA)
93,9%
90,1%
90,4%
90,3%
-4,1%
-0,1%
Taxa de Desemprego (PD / PEA)
6,1%
9,9%
9,6%
9,7%
62,6%
0,7%
33.383.619
35.913.595
39.581.532
45.852.402
7,6%
15,8%
Empregado Assalariado Total
Assalariado Com
Carteira
Assalariado Sem
Carteira
Militar
128
19.064.436
19.664.351
21.961.776
26.462.968
3,1%
20,5%
9.841.855
11.530.983
12.856.904
14.158.860
17,2%
10,1%
282.364
288.891
267.106
253.760
2,3%
-5,0%
Funcionário Público Estatutário
4.194.964
4.429.370
4.495.746
4.976.814
5,6%
10,7%
Trabalhador Doméstico Total
4.514.037
5.019.957
5.490.403
6.174.596
11,2%
12,5%
Doméstico Com
Carteira
Doméstico Sem
Carteira
947.137
1.314.510
1.500.260
1.686.982
38,8%
12,4%
3.566.900
3.705.447
3.990.143
4.487.614
3,9%
12,5%
10.148.963
11.262.304
11.629.435
12.721.728
11,0%
9,4%
3.564.359
3.575.242
3.202.067
3.252.182
0,3%
1,6%
2.466.068
2.674.429
2.836.181
3.203.238
8,4%
12,9%
Trabalhador Não
Remunerado
4.369.723
4.514.675
3.899.379
3.912.632
3,3%
0,3%
Trabalhador Produção
Consumo Próprio
2.209.320
2.072.669
1.838.936
2.318.243
-6,2%
26,1%
0
85.720
121.508
84.716
-
-30,3%
Trabalhador por
Conta-Própria nãoagrícola
Trabalhador por Conta-Própria agrícola
Empregador
Trabalhador Construção Uso Próprio
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)/Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD´s) de 1995, 1999, 2001 e
2005.
Obs 1: Foi considerada apenas a População de 16 a 59 anos de idade.
Obs 2: Os cálculos excluíram as pessoas da zona norte rural.
Obs 3: Excluiu-se também os trabalhadores com renda não declarada e
aqueles com renda igual a zero.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 128
18/6/2009 09:47:28
O aumento da população ocupada não parece desprezível diante das baixas taxas de crescimento da economia
durante todo o período considerado. Esse comportamento é
compreensível, pois em um contexto de retração prolongada
no nível de atividade que se instaura sobre um mercado de
trabalho já de oferta abundante de mão-de-obra e desprovida de amplos mecanismos de proteção social, a dinâmica de
criação de novos postos de trabalho parece depender relativamente mais das condições de oferta que das de demanda
por trabalho. Isso impacta principalmente no crescimento do
setor terciário da economia e, efetivamente, foi este setor que
registrou o maior crescimento no período considerado.
Também com relação às dinâmicas setoriais, embora uma
boa parte do contingente de pessoas ocupadas em atividades
terciárias seja fruto do aumento das taxas de participação da
mão-de-obra no mercado de trabalho, caso, por exemplo, da
entrada relativamente maior de mulheres na composição da
População Economicamente Ativa (PEA), há que se destacar
também o fato de ter havido no período em foco uma migração significativa de trabalhadores industriais para postos
de trabalho abertos no comércio e serviços em geral. Ambos
os setores, caracterizados, no mais das vezes, por ocupações
precárias, vale dizer: ausência de vínculo formal de emprego,
rendimentos baixos, jornadas de trabalho longas, ausência de
vinculação ou representação sindical, ausência de contribuição previdenciária, logo, de proteção contra a perda de renda
etc. Em suma: grande vulnerabilidade individual, familiar
e social. Cabe destacar, porém, que a informalidade cresceu
também entre os empregos no setor industrial.
129
Grau de Informalidade na População Ocupada e
Cobertura Previdenciária
Ainda considerando as informações fornecidas pela Tabela 1, destacam-se:
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 129
18/6/2009 09:47:28
• Em termos absolutos, a população ocupada aumentou duas vezes e meia mais no subperíodo 2001/05 do
que entre 1995/99.5
• O emprego assalariado teve um comportamento muito distinto entre os dois subperíodos: enquanto no primeiro o emprego com carteira assinada teve um incremento de apenas 3,1%, no segundo essa expansão foi
de 20,5%. Dito de outra maneira, isso significou que de
cada 100 novas ocupações geradas entre 2001 e 2005,
50,5% foram com carteira, contra um percentual de
apenas 13,5% entre 1995 e 1999. Claramente aconteceu
de parte expressiva dos empregos sem carteira ter-se
formalizado, pois a taxa de crescimento dos sem carteira caiu de 17,2% para 10,1% entre os dois subperíodos analisados, fazendo com que essa categoria reduzisse sua contribuição, no total das ocupações geradas,
de 37,9% para 14,6% entre os dois subperíodos.
• Com relação ao emprego doméstico, embora a taxa de
expansão dessa categoria ocupacional tenha sido praticamente a mesma nos dois subperíodos, ocorreu que
entre 1995 e 1999 o emprego doméstico com carteira
cresceu 38,8% contra uma expansão de apenas 12,4%
entre 2001 e 2005. Por conta disso o emprego doméstico com carteira representou 8,2% de todo o incremento
da ocupação no subperíodo, de 1995 a 1999, e apenas
2,1% no incremento da ocupação entre 2001 e 2005.
130
• No caso dos trabalhadores por conta própria, arrefeceu-se entre 2001 e 2005 a tendência de crescimento
dessa categoria ocupacional no total da ocupação, de
tal maneira que neste subperíodo apenas 12,2% de
cada 100 novas ocupações foram por conta própria,
contra uma contribuição de 25% em cada 100 novas
ocupações geradas entre 1995 e 1999.
Alerte-se para o fato de que, na Tabela 2, para se manter a comparabilidade básica, as comparações são feitas entre intervalos de mesmo
número de anos, isto é: 1995 e 1999 e 2001/2005.
5
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 130
18/6/2009 09:47:28
• Já no caso dos trabalhadores na produção para o autoconsumo, ocorreu, entre 2001 e 2005, um aumento nãodesprezível de participação desta categoria no total da
ocupação, pois de cada 100 novas ocupações criadas,
algo como 5,4% foram de trabalhadores na produção
para o autoconsumo. Parece pouco, mas este percentual foi exatamente igual à contribuição verificada para a
categoria dos funcionários públicos estatutários. Ademais, este dado é surpreendente também porque havia havido uma redução de 6,2% dos trabalhadores na
produção para o autoconsumo entre 1995 e 1999.
A Tabela 2 apresenta a participação percentual de cada
categoria ocupacional no total da ocupação, sua trajetória
entre 1995 e 2005, bem como a vinculação previdenciária em
cada caso, merecendo as seguintes considerações principais:
Tabela 2 – Distribuição Percentual da População Ocupada e
Vinculação Previdenciária. Brasil: 1995 a 2005
Composição
do Mercado de
Trabalho
% sobre
População
Ocupada
1995
% sobre
População
Ocupada
1999
% sobre
População
Ocupada
2001
% sobre
População
Ocupada
2005
% de
não-contribuintes INSS
1995
% de
não-contribuintes INSS
1999
% de
não-contribuintes INSS
2001
% de
nãocontribuintes
INSS
2005
População
Ocupada Total
(PO)
100,0%
100,0%
100,0%
100,0%
47,6%
47,4%
50,8%
48,7%
Empregado
Assalariado
Total
55,0%
55,2%
57,7%
59,1%
29,7%
29,9%
29,3%
27,3%
31,4%
30,2%
32,0%
34,1%
0,0%
0,0%
0,0%
0,0%
16,2%
17,7%
18,7%
18,3%
92,1%
90,5%
88,2%
86,5%
0,5%
0,4%
0,4%
0,3%
99,1%
99,8%
99,0%
99,0%
6,9%
6,8%
7,6%
6,4%
0,0%
0,0%
0,0%
0,5%
Trabalhador
Doméstico
Total
7,4%
7,7%
8,0%
8,0%
77,5%
71,6%
70,3%
70,0%
Doméstico Com
Carteira
1,6%
2,0%
2,2%
2,2%
0,0%
0,0%
0,0%
0,0%
Doméstico Sem
Carteira
5,9%
5,7%
5,8%
5,8%
96,6%
97,0%
96,7%
96,3%
Assalariado Com
Carteira
Assalariado Sem
Carteira
Militar
Funcionário
Público
Estatutário
131
continua...
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 131
18/6/2009 09:47:28
continução Tabela 2
Trabalhador
por ContaPrópria nãoagrícola
16,7%
17,3%
17,0%
16,4%
75,7%
79,6%
81,3%
82,1%
Trabalhador
por Conta-Própria agrícola
5,9%
5,5%
4,7%
4,2%
95,6%
94,2%
95,3%
92,3%
Empregador
4,1%
4,1%
4,1%
4,1%
31,5%
37,5%
39,2%
39,0%
Trabalhador
Não Remunerado
7,2%
6,9%
5,7%
5,0%
98,1%
97,8%
97,2%
97,0%
Trabalhador
Produção Consumo Próprio
3,6%
3,2%
2,7%
3,0%
99,5%
99,6%
99,5%
99,4%
Trabalhador
Construção
Uso Próprio
0,0%
0,1%
0,2%
0,1%
100,0%
100,0%
100,0%
99,0%
Fonte: IBGE/PNAD, 2001, 2004 e 2005.
Obs 1: Foi considerada apenas a População de 16 a 59 anos de idade.
Obs 2: Os cálculos excluíram as pessoas da zona norte rural.
Obs 3: Excluíram-se, também, os trabalhadores com renda não declarada e aqueles com renda igual a zero.
Obs 4: No detalhamento da composição dos conta própria foram excluí-
132
dos os que não declararam se contribuem ou não com a previdência.
• Cabe destacar o aumento de 55% para quase 60% no
grau de assalariamento geral da força de trabalho,
mas com queda do emprego com carteira entre 1995 e
1999, e recuperação mais que proporcional entre 2001
e 2005, o que serviu para compensar também a queda
de participação ponta a ponta (1995 e 2005) dos militares e funcionários públicos no total da ocupação. Ainda dentro desta categoria dos assalariados em geral,
bastante relevante é a informação sobre vinculação
previdenciária dos trabalhadores sem carteira assinada, que mostra estar havendo um processo de filiação
voluntária lento, mas não desprezível, pois entre 1995
e 2005, enquanto cresceu de 16,2% para 18,3% o peso
dos sem carteira no total da ocupação, diminuiu de
92,1% para 86,5% o percentual daqueles que não contribuem para regime algum de previdência.
• No caso dos trabalhadores domésticos, por sua vez,
também houve aumento da filiação previdenciária,
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 132
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mas esta de natureza compulsória, já que motivada
pelo aumento da participação dos domésticos com
carteira assinada no total da ocupação. Veja-se que o
percentual de não-contribuintes da previdência social
dentre os domésticos sem carteira manteve-se sempre
em patamar elevado, superior à casa dos 96% em todos os anos analisados.
• Fenômeno oposto pôde ser observado junto à categoria dos trabalhadores por conta própria e dos empregadores. Em ambos os casos, entre 1995 e 2005, a
manutenção das participações relativas no total da
ocupação, de cerca de 17% para os autônomos, e de
4% para os empregadores, traduziram-se em aumento da desproteção previdenciária no período.
• Por fim, no caso dos trabalhadores por conta-própria, a porcentagem de não-contribuintes passou de
75,7% para 82,1% entre 1995 e 2005, e a dos empregadores passou de 31,5% para 39% no mesmo intervalo
de tempo.
133
Evolução e Distribuição dos Rendimentos do
Trabalho
No que diz respeito à evolução dos rendimentos do trabalho, o Gráfico 1 que segue mostra que o período 1995 e 2005
pode ser subdividido em três momentos distintos, a saber:
• Entre 1995 e 1998, há uma ligeira elevação dos rendimentos médios reais de todas as categorias ocupacionais selecionadas, à exceção dos trabalhadores por
conta própria e dos empregadores;
• Entre 1998 e 2004, os rendimentos ocupacionais de todas
as categorias sofrem queda sistemática em termos reais;
• Entre 2004 e 2005, depois de ter-se estancada a queda,
esboça-se uma pequena recuperação dos rendimentos médios reais de todas as categorias estudadas,
ainda que em intensidades diferenciadas e nem sem-
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 133
18/6/2009 09:47:28
pre suficientes para recompor o poder aquisitivo relativo ao ano de 1995. Isso aconteceu apenas para os
estatutários e militares (recomposição de 10,4% frente
a 1995) e empregados sem carteira (recomposição de
7,1%). Nos demais casos, os ganhos obtidos em 2005
foram insuficientes para uma recomposição integral
do ano-base, ou seja, perdas acumuladas de –15%
para os assalariados com carteira assinada, –17,3%
para os empregadores e –21,4% para os trabalhadores
por conta própria. Além disso, como também se pode
ver no Gráfico 1, os valores médios mensais dos assalariados com e sem carteira e dos trabalhadores por
conta própria não ultrapassam três salários mínimos
aos valores vigentes em 2005.6
134
Gráfico 1 – Evolução do Rendimento Médio Mensal Real da
População Ocupada, com Rendimento do Trabalho Principal,
por Posição na Ocupação - Brasil
Fonte: IBGE/PNAD.
Desde então, no biênio 2006/2007 continuou havendo – com base
nas informações divulgadas até o momento pela PNAD/IBGE – recuperação dos rendimentos médios de todas as categorias ocupacionais, fenômeno este que deve arrefecer-se de 2008 em diante, a
depender da reação governamental brasileira à crise internacional
deflagrada no segundo semestre de 2008.
6
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 134
18/6/2009 09:47:28
• Outro aspecto a compor o quadro geral do mercado
de trabalho brasileiro no período 1995 a 2005 refere-se
à distribuição dos rendimentos pessoais do trabalho.
Nota-se um movimento quase contínuo de queda do
índice de Gini para a concentração pessoal da renda,
não obstante ele ainda se encontrar em patamar muito
elevado e caminhar para baixo em ritmo muito lento.
Também preocupante é o fato de essa desconcentração da renda do trabalho ter-se dado, na maior parte
do tempo (1995 a 2003), simultaneamente aos processos de aumento do desemprego, queda dos rendimentos reais e diminuição da participação da renda
do trabalho na renda nacional.7 Nesta perspectiva, é
preciso dizer que a hierarquia de remunerações responde a características da estrutura produtiva, preponderantemente vinculada aos segmentos estruturados dos mercados de trabalho. Como o peso e a
dinâmica desse segmento não conseguem absorver
integralmente toda a oferta efetiva de mão-de-obra,
tem-se necessariamente um perfil concentrado para
a distribuição dos rendimentos provenientes do trabalho, que é reforçado pela existência de um nível
muito baixo de salários para a maior parte das pessoas pertencentes à base pouco estruturada do mercado de trabalho.
135
Fazemos referência aqui ao fato de que somente entre 2004 e 2007,
segundo dados até o momento disponíveis da PNAD/IBGE, poderse-ia falar em um processo de desconcentração virtuosa dos rendimentos do trabalho, já que neste curto espaço de tempo a queda do
índice de Gini se deu associada – simultaneamente – ao aumento da
ocupação em geral, aumento mais que proporcional da formalização dos vínculos trabalhistas, aumento dos rendimentos médios de
todas as categorias ocupacionais, com destaque para aumentos mais
que proporcionais dos rendimentos localizados na base da pirâmide
distributiva, e aumento também da participação da renda do trabalho na renda nacional.
7
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 135
18/6/2009 09:47:28
Evolução, Estrutura Atual do SPETR e Principais
Limitações
136
É, pois, frente a um mercado de trabalho marcado por
desemprego elevado, alto patamar de informalidade e por
uma renda média baixa e mal distribuída que as políticas de
emprego, trabalho e renda se organizaram a partir de meados
da década de 1990 no Brasil. Neste sentido, embora o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) possa ser questionado sobre a abrangência e eficácia de sua atuação frente à dimensão
dos principais problemas do mercado de trabalho nacional,
não resta dúvida de que, sobretudo desde a Constituição de
1988 e da Lei 7.998, de 1990,8 criaram-se as bases materiais
para que políticas antes desconexas (como a intermediação
de mão-de-obra e o seguro-desemprego) e novas políticas
(como a qualificação profissional e a geração de emprego e
renda) pudessem ser organizadas em torno de uma estratégia
nacional de emprego, trabalho e renda no país.
Esses normativos estabeleceram um novo arranjo de
funções e ações básicas e complementares que passam a integrar institucionalmente o sistema público de emprego, concepção que passa a ser acrescida, posteriormente, dos termos
trabalho e renda.
Deste modo, pode-se afirmar, em linhas gerais, que está
em construção no país algo que se poderia chamar de um Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda (SPETR), isto é,
um conjunto de programas de governo dirigidos ao mercado
de trabalho nacional tendo em vista os objetivos de:
• Combater os efeitos do desemprego (através de
transferências monetárias como as previstas no seguro-desemprego);
A Constituição de 1988 fixou, através dos artigos 7o, 22o e 239o, o
seguro-desemprego como direito da seguridade social e estabeleceu
o PIS/PASEP como sua fonte vinculada de financiamento. Já a Lei
7.998, de janeiro de 1990, regulamentou o referido artigo constitucional e ampliou as atribuições do FAT.
8
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 136
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• Requalificar a mão-de-obra e reinseri-la no mercado
(através dos programas de qualificação profissional e
de intermediação de mão-de-obra); e
• Estimular ou induzir a geração de novos postos de trabalho por meio da concessão de crédito facilitado a empresas e/ou trabalhadores que busquem algum tipo de
auto-ocupação ou ocupação associada ou cooperativada.
Tendo por base este recorte analítico, o Quadro 1 oferece
um resumo da situação atual concernente às políticas de emprego, trabalho e renda no Brasil, operantes a partir do MTE.
Nome
Abono Salarial
Seguro-Desemprego
Descrição
Benefício no valor de um salário mínimo anual, assegurado aos empregados que percebem até dois salários
mínimos de remuneração mensal,
desde que cadastrados há 5 anos ou
mais no PIS/PASEP e que tenham
trabalhado pelo menos 30 dias em um
emprego formal no ano anterior.
Assistência financeira temporária
ao trabalhador desempregado em
virtude da dispensa sem justa causa.
Concedido em parcelas mensais, que
variam de três a cinco, dependendo
do número de meses trabalhado nos
últimos 36 meses, para um período
aquisitivo de 16 meses, ou seja:
- três parcelas, se trabalhou pelo menos seis dos últimos 36 meses;
- quatro parcelas, se trabalhou pelo
menos doze dos últimos 36 meses;
- cinco parcelas, se trabalhou pelo
menos vinte e quatro dos últimos 36
meses.
Intermediação
Captação de vagas junto a empresas
de Mão-de-Obra e encaminhamento de trabalhadores
/ SINE
em busca de emprego.
Ano de Início
1989
(1970 para
contas individuais)
137
1986: Trabalhador Formal
1992: Pescador
Artesanal
2001: Trabalhador
Doméstico
2003: Trabalhador
Resgatado
1977
continua...
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 137
18/6/2009 09:47:28
138
Qualificação
Profissional
Oferta de cursos de qualificação profissional para trabalhadores desempregados ou em risco de desemprego
e microempreendedores.
1995
Primeiro
Emprego para
Juventude
Promoção do ingresso do jovem
no mundo do trabalho por meio de
qualificação profissional, estímulo
financeiro às empresas contratantes,
parcerias para contratação de aprendizes e apoio à constituição de empreendimentos coletivos pelos jovens.
2003
Geração de Emprego e Renda
Concessão de crédito produtivo
assistido a micro e pequenas empresas, cooperativas e trabalhadores
autônomos.
1995
Economia Solidária
Apoio à formação e divulgação de
redes de empreendimentos solidários,
pelo fomento direto, mapeamento
das experiências e constituição de
incubadoras.
2003
Quadro 1 – Principais Programas Federais de Emprego, Trabalho e Renda no Brasil
Fonte: Elaboração Própria dos Autores.
Naturalmente, os programas diferenciam-se acentuadamente quanto ao grau de consolidação institucional e sua
importância em termos de recursos e pessoas beneficiadas.
Porém, grosso modo, cobrem aquilo que poderia constituir
um sistema integrado de emprego, trabalho e renda, que visasse a garantir a proteção monetária temporária contra o desemprego, a requalificação e a reinserção dos trabalhadores
no mundo do trabalho.
Em que pesem as especificidades operacionais de cada
programa, é possível constatar diferentes graus e formatos
institucionais de descentralização federativa, participação
não-estatal na provisão de serviços de emprego e participação social na formulação e controle público das ações, tais
quais descritos no Quadro 2 seguinte:
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 138
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Tipo de Política
Agentes Executores: Níveis
de Descentralização e Participação Não-Estatal nas
políticas do SPETR
Intermediação de
Mão-de-Obra
Estados - Centrais Sindicais
– Municípios
Seguro-Desemprego
Habilitação
Pagamento
MTE-DRT – Estados
– SINE- CEF
CEF
Estados - Municípios - CenQualificação Profistrais Sindicais - Sistema S
sional
- ONGs
Geração de Trabalho e Renda
Primeiro Emprego
Fomento à Economia Solidária
Inst. Financeiras Oficiais
(BB, CEF, BNB, BASA,
BNDES).
ONGs
ONGs
Esferas de Participação Social
Codefat: conselho
tripartite e paritário
Codefat: conselho
tripartite e paritário
Codefat: conselho
tripartite e paritário
Comissões Estaduais e Municipais de
Emprego
Proger: Codefat
Primeiro Emprego:
Conselho Consultivo
139
Economia Solidária:
Conselho Consultivo
Quadro 2 – Níveis de Descentralização, Participação Não-Estatal e Esferas de Participação Social nas Políticas do SPETR
Fonte: Elaboração Própria dos Autores.
O Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT): Evolução, Dilemas e Alternativas para o Financiamento
das Políticas Públicas de Trabalho e Emprego no
Brasil
A constituição do Fundo de Amparo ao Trabalhador
(FAT) como fonte de recursos para o seguro-desemprego e
as demais políticas de mercado de trabalho foi fundamental
para o desenvolvimento, ainda que incompleto e inconstante, de um sistema público de emprego, trabalho e renda no
país. Isso porque se assegura ao fundo a receita de um tributo específico (a contribuição PIS/PASEP), o que lhe permite
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 139
18/6/2009 09:47:28
acumular ativos que são remunerados. Por conta disso, o FAT
acumulou desde a sua instituição um patrimônio crescente e
dispõe de uma receita financeira secundária cuja importância
é cada vez maior para cobrir despesas correntes e refinanciar
operações de crédito. Ainda assim, o FAT atualmente enfrenta limites para o financiamento das suas despesas correntes,
o que tem levado à redução dos gastos não-obrigatórios, afetando principalmente a manutenção do Sistema Nacional de
Emprego (SINE) e dos programas de qualificação profissional.
A Estruturação do FAT
140
O artigo 239 da Constituição Federal de 1988 estabeleceu
que a arrecadação do PIS/PASEP passaria a financiar o programa de seguro-desemprego e de abono-salarial. O mesmo
artigo fixou que pelo menos 40% da arrecadação seria destinada ao financiamento de programas de desenvolvimento
econômico por meio do BNDES, com critérios de remuneração que preservassem o valor dos empréstimos realizados.
Em janeiro de 1990 foi efetivamente criado o FAT pela
Lei no 7.998/90, que veio a regulamentar o referido artigo
constitucional. Essa lei também estipulou que o Programa do
Seguro-Desemprego teria por finalidade, além da assistência
financeira temporária, “auxiliar os trabalhadores requerentes
ao Seguro-Desemprego na busca de novo emprego, podendo, para esse efeito, promover a sua reciclagem profissional”.
Abriu-se, assim, a possibilidade de custear, com recursos do
FAT, as despesas para manutenção do Sistema Nacional de
Emprego e dos programas de qualificação profissional. Um
segundo passo na consolidação do FAT foi dado pela Lei
8.352/91, a qual determinou que:
• parte das disponibilidades financeiras do FAT formasse a reserva mínima de liquidez destinada a garantir,
em tempo hábil, os recursos necessários ao pagamento das despesas referentes ao seguro-desemprego e ao
abono-salarial;
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 140
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• que os recursos da reserva mínima de liquidez somente poderiam ser aplicados em títulos do Tesouro Nacional, por intermédio do Banco Central do Brasil; e
• que o montante das disponibilidades financeiras do
FAT que excedesse o valor da reserva mínima de liquidez poderia ser aplicado em depósitos especiais
remunerados nas instituições financeiras oficiais federais, as quais o utilizariam como funding para linhas
de crédito, desde que autorizado pelo CODEFAT.
Da mesma forma que os depósitos constitucionais, os
recursos tanto da reserva mínima de liquidez quanto dos depósitos especiais geram remunerações que se constituem em
receita corrente do FAT. Conformou-se, a partir desse momento, o desenho atual de funcionamento do FAT. De um lado,
uma receita composta tanto de arrecadação de contribuições
(principalmente PIS/PASEP) quanto de retornos financeiros
(sobre depósitos constitucionais, depósitos especiais e sobre
a reserva mínima de liquidez). De outro, despesas correntes
com benefícios constitucionais (seguro-desemprego e abono
salarial), intermediação de mão-de-obra (SINE), programas
de qualificação profissional e alocação de fundos para linhas
de crédito ligadas a programas de geração de emprego e renda ou de apoio a microempreendimentos.
141
Evolução das Receitas, Despesas e Patrimônio do
FAT
Do momento de sua criação até 1994, o fundo experimentou uma situação de significativa folga financeira, conseguindo acumular um grande patrimônio nesse período. As
despesas totais de custeio, incluídos o seguro-desemprego, o
abono-salarial e os demais programas de apoio ao trabalhador, somadas às transferências ao BNDES, foram quase sempre inferiores à arrecadação líquida do PIS/PASEP. A partir
de 1995, entretanto, houve forte aumento de dispêndios decorrente da expansão do seguro-desemprego, acompanhado
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18/6/2009 09:47:28
pela retenção de parte da receita bruta do PIS/PASEP pelo
Fundo Social de Emergência (FSE), posteriormente rebatizado de Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e, atualmente, de
Desvinculação de Receitas da União (DRU), visando à formação de superávit fiscal primário. A consequência imediata
foi a formação de um déficit das receitas primárias frente às
despesas obrigatórias (seguro-desemprego e abono salarial),
obrigando o uso das receitas financeiras para cobrir os gastos
correntes discricionários do MTE (SINE, qualificação etc) e
expandir os depósitos especiais.
142
Mesmo com esse déficit primário, o patrimônio do FAT
tem crescido de forma praticamente contínua ano após ano.
Entre 1995 e 2007, sua taxa de crescimento foi de 7,3% ao ano,
com uma única queda em 2002; em termos absolutos, passou
de R$ 60,2 bilhões para R$ 139,1 no período. Esse desempenho é surpreendente porque está longe de refletir o ciclo econômico do período, que teve taxa anual média de crescimento
de apenas 2,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Dado que a
arrecadação do PIS/PASEP cresceu em termos reais 4,3% a.a.,
deduz-se que foram as receitas secundárias, isto é, o retorno
financeiro dos ativos, que permitiram essa valorização.
até 2006 , em R $ milhões de dez/2006 e 2007 em valores
nominais
140000
120000
100000
80000
60000
40000
20000
0
1991
1992
BB EXTRAMERCADO
1018,7
4795,6
5858,7
4515,6
8590,8
BNDES 40%
8439,6
14836,2 20627
25204
31513,4 36823,4 41453,6 45887,6 53203,1 55189,9 58928,7 63538,5 63682,7 62429,4 62868,9 68427,8 72776,9 79842,4
8189,5
9594,5
DEPÓSITOS ESPECIAIS
1990
0
982,6
4657,2
1993
1994
1995
1996
11560,1 9601,4
1997
1998
1999
8035,4
9475,7
8095,3
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
10700,8 14246,1 11044,4 16294,8 16330,2 14390,6 8156,9
11856,7 17276,7 20666,2 24480,8 24587,5 25306,7
24360
25334,3 26018,3
28738
38050
2007
9975,3
48481,9 49271,9
Gráfico 2 – Evolução do Patrimônio do FAT, segundo seus Principais Componentes
Fonte: MTE.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 142
18/6/2009 09:47:28
250,00
230,00
210,00
Índice (1995 = 100)
190,00
170,00
150,00
130,00
110,00
90,00
70,00
50,00
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
Cresimento acumulado da arrecadação PIS/PASEP
2002
2003
2004
2005
2006
2007
Crescimento Acumulado do PIB
Cresimento Acumulado do Patrimônio do FAT
Gráfico 3 – Crescimento Acumulado do PIB, da Arrecadação do
PIS/PASEP e do Patrimônio do FAT (1995 – 2007)
Fonte: MTE.
O crescimento vertiginoso do patrimônio do FAT merece três considerações:
143
• Primeiro, isso foi possível porque o FAT havia acumulado nos primeiros cinco anos de existência um
volume de recursos considerável, e os seus ativos
(compostos pelos repasses consitucionais, pelos depósitos especiais e pelo “extramercado”, a reserva aplicada em títulos públicos) são remunerados por taxas
de juros elevadas, geralmente situadas em patamar
bem superior à inflação corrente. Ou seja: dado que,
por conta da transferência constitucional de 40% ao
BNDES, o FAT imobiliza uma grande parte da arrecadação PIS/PASEP a cada ano, seria de se esperar uma
certa acumulação de patrimônio mesmo em um contexto de taxas de juros menores. Porém, a magnitude
da expansão do patrimônio do fundo em um contexto de déficit primário só pode ser explicada pelo fato
de as taxas SELIC e Taxa de Juros de Longo Prazo
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 143
18/6/2009 09:47:28
(TJLP) (principais referências para remuneração dos
empréstimos do FAT ao BNDES) terem excedido em
muito a inflação e a variação real do PIB durante os
últimos quinze anos.
144
• Em segundo lugar, é fato que uma parcela crescente do FAT corresponde a depósitos especiais, em sua
maioria ligados a programas de crédito, como por
exemplo o PRONAF e o PROGER. Esses programas
indubitavelmente contribuíram para a democratização do acesso ao crédito, porém, precisamente pelo
fato do funding desses programas ser o FAT, os mesmos precisam operar com taxas de juros elevadas para
os tomadores finais. Implicitamente, isso já é reconhecido em alguns programas, na medida em que há no
PRONAF um subsídio custeado por outros recursos, e
que o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo
Orientado (PNMPO), lançado em 2005, está operando
basicamente com recursos extra FAT, remunerados a
taxas de juros menores.
• O terceiro ponto diz respeito ao custeio do Programa Seguro-Desemprego. O dispêndio do FAT com o
custeio de programas cresceu desde 2000 a uma taxa
menor que a arrecadação do PIS/PASEP, sugerindo
uma perspectiva positiva para a relação receita primária/gastos correntes. No entanto, a análise do gasto de custeio revela um rápido crescimento das despesas com pagamento de benefícios, acompanhado
de uma redução do gasto em políticas voltadas para o
reemprego do trabalhador (intermediação e qualificação). Em outras palavras, houve um ajuste interno à
rubrica “custeio de programas”, sendo uma parte do
aumento do gasto com benefícios coberto pela redução da despesa com outros programas. Como a Tabela 3 abaixo demonstra, a partir de 2002 essa redução
foi tão acentuada que permitiu também a melhora do
saldo de caixa até 2006 (grosso modo equivalente ao
resultado primário do fundo).
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 144
18/6/2009 09:47:28
Tabela 3 – Demonstrativo da Execução Financeira do FAT.
Em R$ milhões*
Ano
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
Arrecadação
PIS/PASEP (1)
12.942,4
12.817,3
12.921,2
13.875,5
12.981,1
14.693,3
15.100,3
15.603,3
15.792,1
16.891,0
17.713,6
20.046,3
19.348,6
Receita
MTE
líquida/
A (2)
Custeio de
Programas
Constitucionais/ B (3)
Custeio
do SINE e
Qualificação/ C (4)
Outras
despesas
de custeio/
D (5)
Saldo
final
A(B+C+D)
7.834,2
9.753,1
7.170,3
10.098,4
283,0
82,4
-2.284,3
742,7
472,8
-4.143,6
7.679,4
9.717,7
938,1
561,2
-3.537,6
8.960,9
10.857,7
1.058,8
719,8
-3.675,4
7.819,3
9.643,3
856,8
680,5
-3.361,3
8.836,3
8.915,0
952,9
627,5
-1.659,1
9.103,9
10.017,3
1.014,3
690,1
-2.617,8
9.277,8
10.810,2
374,1
676,1
-2.582,6
9.159,8
10.232,7
167,5
373,5
-1.613,9
9.949,9
10.481,3
163,4
349,0
-1.043,8
10.601,4
11.810,4
175,5
387,2
-1.771,7
12.257,3
15.203,7
173,6
511,2
-3.631,2
11.701,0
17.830,0
151,5
486,4
-6.766,9
145
Fonte: MTE.
(*) Os valores até 2006 foram corrigidos pelo IGP-DI para preços de 31/
dez/2006. Em 2007,
valores expressos em moeda corrente.
(1) Já descontada das Desvinculações (FSE, FEF e DRU).
(2) Já descontado repasse ao BNDES.
(3) Inclui despesas relativas ao pagamento de benefícios do Seguro-Desemprego e do Abono Salarial.
(4) Inclui despesas relativas à intermediação de mão-de-obra e aos Planos de Qualificação Profissional (PLANFOR e PNQ).
(5) Inclui despesas relativas ao apoio operacional ao seguro-desemprego, ao abono salarial e ao PROGER, e a outros projetos/atividades.
O crescimento das despesas constitucionais nos anos recentes decorreu do aumento de benefícios emitidos no período 2000/2007: o número de beneficiários cresceu 31% no caso
do seguro-desemprego e 74% no caso do abono-salarial. Deve
ser lembrado que esse crescimento não se deve a uma liberalidade maior na concessão de benefícios, mas ao crescimento
do número de trabalhadores que cumprem os requisitos le-
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18/6/2009 09:47:28
gais para acessá-los. Dado o aumento de empregos formais
e a manutenção dos elevados níveis de rotatividade, grande
número de trabalhadores que antes não podiam solicitar o
seguro-desemprego por não terem seis meses de emprego
formal, passaram a fazê-lo. Ademais, como a maioria desses
empregos estão remunerados na faixa de um a dois salários
mínimos, também geraram direito ao abono salarial. É possível especular que mantendo-se o atual ritmo de formalização
dos empregos a baixos salários, a despesa com esses dois programas continue a crescer, em termos reais, a taxas superiores à arrecadação PIS/PASEP, pressionando ainda mais para
baixo os demais gastos do MTE.
146
O uso das receitas financeiras é limitado, porém, pelo
fato de as despesas por elas financiadas impactarem negativamente no superávit primário. Uma vez que este é calculado
pela diferença entre as receitas e as despesas correntes, não
contabiliza as receitas financeiras; os gastos com programas
de emprego, contudo, são despesas correntes. Como já visto,
a conseqüência é a contenção de todos os gastos não-obrigatórios, já que os pagamentos do seguro-desemprego e do abono
salarial não podem ser suspensos. Assim, a partir de 2003, o
déficit primário do FAT desceu ao patamar mais baixo desde
1995, quando se introduziu a prática das desvinculações. O
uso das receitas financeiras se reverteu em favor dos depósitos especiais, que têm crescido principalmente pela criação de
novas linhas de crédito e pela expansão das linhas voltadas
ao capital de giro.
É verdade que, na medida que este excedente de recursos se transforma também em novas linhas de crédito, não
é possível dizer que as receitas financeiras não contribuam
para impulsionar as atividades produtivas. Todavia, é preciso levar em conta que é a desvinculação de recursos do FAT
que produz, em primeira instância, o déficit primário do fundo, e que esse recurso ajuda na geração do superávit primário
do governo federal como um todo. Indiretamente, é a restrição de gastos em serviços de emprego que permite a “sobra”
que retornará ao FAT como receita financeira. Por outro lado,
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18/6/2009 09:47:28
esse processo tem consequências negativas do ponto de vista
da concepção de seguro-desemprego expressa na lei do FAT,
a qual havia delineado um programa que associava a concessão do benefício a serviços complementares de emprego,
como a intermediação e a qualificação profissional. Na medida em que o FAT deixa de financiar estes outros programas,
começa a desfazer-se a idéia de um sistema público integrado
e mais abrangente de emprego.
A restrição de recursos para os serviços de emprego
traz conseqüências para sua eficácia e efetividade. No caso
da qualificação profissional, isso é mais visível: passou-se de
3 milhões de trabalhadores treinados com recursos do FAT,
em 2000, para pouco mais de 100 mil treinandos em 2007. No
caso do SINE, não houve tal diminuição de trabalhadores
atendidos, até por conta de ser um serviço contínuo. Deve
ser ressaltado, todavia, que a diminuição dos recursos para o
SINE pode ter tido consequências em termos da qualidade do
serviço; um indicativo disso é a queda na taxa de admissão,
que mede a eficácia da intermediação realizada – depois de
um pico de quase 9% em 2002, vem caindo anualmente até
atingir 6,8% em 2007.
147
Alternativas para o Financiamento das Políticas
Públicas de Emprego no Brasil
Uma primeira proposta concreta seria simplesmente
buscar o incremento da receita primária do FAT por meio da
instituição do adicional da contribuição do PIS/PASEP para
as empresas de maior rotatividade, dispositivo originalmente
previsto no Artigo 239 da Constituição, mas nunca regulamentado. Acontece que este dispositivo tende mais a ser revogado que regulamentado, como demonstra a proposta de
reforma tributária em curso no parlamento.
Uma outra proposta, lançada no II Congresso do Sistema Público de Emprego de 2005, seria vincular 8% da arrecadação PIS/PASEP para as funções do sistema, exclusive
seguro-desemprego e abono salarial. Temos razões para crer
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 147
18/6/2009 09:47:28
que esta alternativa não resolveria o problema de financiamento do conjunto do sistema, pois a parte da arrecadação
que fica com o MTE já se mostra hoje insuficiente para cobrir
até mesmo as despesas obrigatórias.
148
Fazendo um rápido exercício com os dados de 2005,
ano em que a arrecadação primária do FAT - já descontada a Desvinculação de Recursos da União (DRU) foi de R$
17 bilhões, esse percentual de 8% significaria algo como R$
1,36 bilhões por ano, valor cerca de oito vezes superior aos
R$ 170 milhões gastos naquele ano com os programas de
intermediação de mão-de-obra e qualificação profissional.
Apesar disso, este montante não chega a ser excepcional
se comparado ao efeito da DRU sobre a arrecadação bruta
PIS/PASEP. Como se sabe, a DRU desvincula 20% da arrecadação anual do PIS/PASEP, o que em 2005 significou algo
como R$ 4,2 bilhões, ou seja, uma perda da ordem de R$ 1,7
bilhões para o BNDES e de R$ 2,5 bilhões para o MTE. No
caso do MTE, este valor é tão significativo que sua revinculação teria feito o déficit primário do FAT converter-se em
superávit em 2005.
Assim, uma alternativa mais vantajosa à proposta de
vinculação de 8% da arrecadação PIS/PASEP seria propor a
revinculação de ao menos uma parte dos recursos que atualmente são subtraídos do FAT por meio da DRU. Não apenas a DRU retém muito mais recursos do que a proposta de
subvinculação de 8% mencionada acima, como é possível
argumentar que uma parte desses recursos revinculados retornaria ao FAT sob a forma de receitas financeiras, as quais
poderiam ser usadas para cobrir parte das despesas correntes
não-obrigatórias do MTE.
É nessa direção que gostaríamos de apresentar uma proposta complementar à revinculação da DRU. Essa alternativa
consistiria em explicitar e disciplinar o uso das receitas financeiras do FAT no financiamento de certos gastos correntes do
MTE. É certo que esse uso levanta o problema da preservação
do patrimônio do fundo, mas embora esta seja de fato uma
preocupação das mais relevantes, é preciso lembrar que des-
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 148
18/6/2009 09:47:28
de 1995 esse uso já tem se dado com intensidade variável.
Assim sendo, argumentamos ser possível criar uma regra
que preveja a utilização de um percentual determinado das
receitas secundárias do FAT em gastos correntes, separandose uma parte destinada a manter o valor real do patrimônio
e outra voltada para a expansão dos programas de crédito.
É claro que uma regra como esta deveria ser discutida com
os atores representados no CODEFAT e em outros fóruns,
mas nosso argumento é o de que isso não só evitaria que
programas necessários ao SPETR fossem sistematicamente contigenciados, como também poderia viabilizar alguns
programas de inclusão financeira (microfinanças etc) com
juros abaixo das taxas oficiais, configurando uma espécie de
“subsídio cruzado” entre as diversas linhas de crédito atualmente existentes.9
Como nota final, sugere-se que seria mais interessante
um equilíbrio do FAT em que a arrecadação primária apropriada para o sistema fosse maior, com uma receita financeira menor em função de uma menor taxa de juros paga pelos títulos públicos. Esse seria um cenário que favoreceria o
149
9
A ambas as propostas anteriores – a revinculação da DRU ao
FAT e a conversão das receitas financeiras do fundo em mais
uma fonte explícita de financiamento das políticas de emprego
– deveríamos adicionar uma mudança na forma de contabilização das receitas e dos gastos correntes do MTE. A fim de
conferir um tratamento homogêneo para as categorias orçamentárias em jogo, seria necessário contabilizar como receita
primária do MTE e/ou do próprio FAT, as receitas financeiras efetivamente utilizadas, segundo a prescrição acima, no
custeio de parte dos gastos correntes do MTE. Fazendo isso,
eliminar-se-ia um dos problemas atuais do FAT, por onde o
déficit primário se vê exarcebado simplesmente pelo fato de
que se computam as despesas totais com programas como custeio orçamentário, mas não se computa como receita primária
aquela parte da receita financeira proveniente das aplicações
e empréstimos do FAT, a qual foi efetivamente utilizada para
financiar parcela importante das despesas correntes.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 149
18/6/2009 09:47:28
crescimento de empregos e salários, ao mesmo tempo em que
permitiria uma institucionalização dos serviços de emprego.
Ao contrário, a manutenção do quadro atual levará a uma dependência cada vez maior do FAT em relação às suas receitas
financeiras que, por sua vez, aproveitam-se da manutenção
de um patamar elevado de juros que prejudica a geração de
empregos e salários na economia.
Balanço da Política, Principais Programas e Ações
no Âmbito do FAT
Nesta seção, pretende-se apresentar um conjunto básico
de informações atinentes aos principais programas finalísticos do MTE, agrupados de acordo com uma forma particular
de classificação:
150
• Programas de garantia de renda: seguro-desemprego
e abono salarial;
• Programas que realizam serviços: intermediação de
mão-de-obra e qualificação profissional;
• Programas de geração de emprego, trabalho e renda:
Proger, economia solidária e microcrédito produtivo
popular; e
• Programas que fiscalizam as relações e condições de
trabalho.
Programas de Garantia de Renda: Seguro-Desemprego e Abono Salarial
Seguro-Desemprego
A baixa cobertura relativa do Seguro-Desemprego se
deve, ainda hoje, a uma série de fatores, tais como o caráter
tardio da montagem do SPETR no país, o nível ainda incipiente de integração entre os principais programas, a diversidade de situações a serem enfrentadas no mercado de traba-
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 150
18/6/2009 09:47:28
lho brasileiro etc. Além desses, vale aqui ressaltar outros dois
fatores dos mais importantes:
• A capacidade atualmente exaurida de gasto, presa
que está à estrutura própria de financiamento da
área; e
• O uso do vínculo assalariado contributivo como
critério de acesso dos beneficiários ao Seguro-Desemprego, este que é o principal programa do nosso
SPETR, pelos recursos envolvidos e pelo grau de cobertura atingido.
Tendo em mente estes dois aspectos, é preciso dizer que,
embora a base de financiamento do programa seja primordialmente o faturamento das empresas (e em menor medida
a folha de salários), estabeleceu-se o vínculo assalariado contributivo como condição de elegibilidade porque, ao que tudo
indica, esta seria uma forma tanto de valorizar e incentivar o
assalariamento formal, quanto de impor melhores condições
de fiscalização ao programa. Na prática, serviu também como
teto à expansão da cobertura, tendo em vista o potencial limitado de financiamento de um programa de seguro-desemprego mais abrangente.
151
Mas o problema é que, diante da elevação da taxa de
desemprego aberto ao longo dos anos 1990, do crescimento
do desemprego de longa duração (associado ao desemprego
de inserção para jovens e de exclusão para adultos e idosos), e
da crescente proporção de contratos de trabalho atípicos (diferentes do contrato por tempo indeterminado) e precários
(alta proporção de trabalhadores por conta própria, assalariados sem registro e trabalhadores produzindo para subsistência, principalmente no meio rural), um programa de SeguroDesemprego centrado no assalariamento contributivo como
condição de acesso estaria, por natureza, limitado a apenas
um subconjunto de trabalhadores.
Deste modo, embora este programa consiga cumprir as
prescrições contidas em seu marco legal e institucional – atender temporariamente com recursos financeiros os desempre-
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 151
18/6/2009 09:47:29
gados oriundos do setor formal da economia –, ele é pouco
eficaz para fazer frente às dimensões do problema contemporâneo do desemprego, aspecto que pode ser evidenciado
pelos indicadores da Tabela 4.
Tabela 4 – Indicadores de Desempenho do Seguro-Desemprego, em Porcentagem (%)
média
Programa
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
95/07
98,5
Seguro-desemprego
Taxa de habilitação (1)
98,9
99,2
99,4
99,1
97,7
98,1
98,3
98,4
98,5
98,4
98,0
98,1
98,2
Taxa de cobertura (2)
65,9
63,4
65,5
65,6
67,2
62,1
63,9
66,3
67,0
62,4
62,3
62,7
62,9
64,4
Taxa de reposição da renda (3)
51,0
49,4
50,6
44,5
45,5
51,3
53,9
57,2
60,3
61,3
64,0
65,1
68,3
55,6
Fonte: MTE.
Notas: (1) segurados / requerentes;
(2) segurados / demitidos sem justa causa;
(3) valor médio do benefício / valor médio de demissão.
152
Em outras palavras, embora a sua taxa de habilitação
(segurados / requerentes) tenha estado próxima dos 100%
ao longo de todo o período estudado, a sua taxa de cobertura (segurados / demitidos sem justa causa do setor formal)
tem girado em torno de 64,4%, patamar este que seria bem
menor se levasse em conta o conjunto dos trabalhadores
desempregados da economia em dado momento. Por outro
lado, a taxa de reposição da renda (valor médio do benefício / valor médio do salário de demissão do segurado)
vem melhorando continuamente desde 1998. Mas, embora
a taxa de reposição tenha passado de 51%, em 1995, para
68%, em 2007, isto pode estar sendo contrabalançado pelo
aumento na duração média do desemprego, pois já que o
número de parcelas pagas pelo seguro não se alterou durante o período, é possível que parte dos segurados esteja
passando mais tempo sem emprego depois de esgotada a
duração do benefício.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 152
18/6/2009 09:47:29
Tabela 5 – Número de Segurados do Seguro-Desemprego e
Número de Abonos Salariais Pagos por Ano
Seguro-Desemprego (segurados)
Abono Salarial
Trab. Do- Trab. Resga- (benefícios
emitidos)
méstico
tado
Ano
Formal
Pescador
Artesanal
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
4.742.043
4.360.917
4.400.738
4.357.528
4.325.867
4.185.673
4.690.038
4.811.169
4.973.676
4.815.067
15.710
20.090
29.127
30.997
46.935
57.861
73.699
91.973
114.073
185.990
2.105
8.016
9.207
9.490
832
1.965
2005
5.402.487
195.160
10.040
3.043
9.685.483
2006
5.742.298
308.031
10.846
2.651
11.095.398
2007
6.182.184
371.692
11.788
3.891
13.843.626
5.308.749
5.023.939
4.664.910
4.467.820
4.512.878
4.819.813
4.837.664
5.618.806
6.722.309
7.853.189
153
Fonte: MTE.
Obs: (1) Nº de segurados da modalidade Trabalhador Doméstico em
2001 compreende período julho-dezembro.
(2) Nº de segurados da modalidade Trabalhador Resgatado em 2005
compreende período janeiro-março.
(3) Nº de segurados da modalidade Formal inclui Bolsa de Qualificação
Profissional.
Percebe-se, na Tabela 5, que em termos absolutos ainda
é a modalidade do seguro formal que responde pela maioria dos novos beneficiários, saltando de menos de 5 milhões,
entre 1995 e 2004, para 6 milhões em 2007. Como não houve
mudanças significativas nas normas de concessão do segurodesemprego, o crescimento do número de beneficiários deve
ser explicado pelas mudanças no mercado de trabalho. Em
virtude dos requisitos de acesso ao seguro-desemprego, o
crescimento do número de segurados não é influenciado somente pela taxa de desemprego presente, mas também (e tal-
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 153
18/6/2009 09:47:29
vez preponderantemente) pela quantidade de trabalhadores
que no ano anterior tiveram passagem por emprego formal
e foram demitidos, isto é, pela alta taxa de rotatividade nos
empregos formais.10
154
A questão, então, é saber até que ponto o seguro-desemprego é capaz de oferecer proteção efetiva ao desempregado,
bem como favorecer sua reinserção no mercado de trabalho. A se manter o atual quadro, a tendência parece ser a de
manter o ciclo em que os segurados esgotam rapidamente as
suas parcelas (em média, quatro meses), sem obter colocação
nem treinamento por parte do SPETR, e acabam aceitando
ocupações mal remuneradas e de curta duração. Por conta
disso, o seguro-desemprego não cumpre a função anticíclica
que desempenha nos países centrais: seu gasto aumenta em
períodos de aceleração da atividade econômica, enquanto se
mantém relativamente rígido em períodos de elevação do desemprego. Também há um certo consenso de que falta coordenação entre a concessão do auxílio e a oferta de serviços de
emprego, como intermediação, requalificação etc.
Mas as propostas de mudança do seguro-desemprego
não são convergentes. Em um extremo, critica-se sua suposta
sobreposição com o FGTS, e há sugestões de fundi-los. Em
apoio a este argumento, alega-se que o próprio fundo de garantia acaba funcionando como um seguro por causa da alta
rotatividade, que faz com que os saques sejam constantes,
e os valores recebidos sejam bastante baixos. Essa proposta
desconsidera as diferenças entre a natureza indenizatória
do FGTS (um direito que não caberia condicionar à busca de
emprego, por exemplo) e a natureza assistencial do seguroUma comparação simples ilustra este ponto. Durante o período
2004/2006, o número de trabalhadores desocupados nas regiões
metropolitanas cobertas pela PME diminuiu cerca de 9% no período, enquanto que o número de segurados cresceu mais de 14% nas
mesmas regiões. Ao mesmo tempo, o volume de trabalhadores desligados cresceu 21,6%, para as mesmas localidades, e a taxa de rotatividade medida segundo os registros do CAGED para o conjunto das
regiões metropolitanas variou de 2,74% para 2,93%.
10
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 154
18/6/2009 09:47:29
desemprego (que pode ser interrompido caso haja recusa
sistemática de ofertas de trabalho). Na outra ponta já houve
reivindicações das centrais sindicais para aumentar o número de parcelas do seguro em função do aumento da duração do desemprego e do crescimento dos desempregados
de longa duração. O problema é que esse tipo de proposta,
ao não mexer nas regras de acesso ao seguro, ampliaria a cobertura do tempo de desemprego para os que já o acessam,
mas manteria inalterada a taxa de cobertura em relação aos
demais trabalhadores.
Abono Salarial
Ainda pela Tabela 5, vê-se que entre 1995 e 2001, a quantidade de abonos emitidos situou-se num patamar de pouco
menos de 5 milhões ao ano, mas em 2002 este nível subiu para
a casa dos 5,6 milhões, saltando para 9,6 milhões em 2005, e
para 13,8 milhões em 2007, num ritmo que impressiona, mas
não surpreende. Uma das causas deste crescimento vertiginoso é o incremento no padrão de divulgação do programa,
pois até recentemente muitos trabalhadores com direito ao
benefício, identificados pelo MTE através do seu número
PIS/PASEP no sistema RAIS/Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), simplesmente deixavam de
comparecer em tempo hábil às agências da CEF/BB para receber o abono salarial.
155
Um outro motivo estaria relacionado ao período de sete
anos consecutivos (1996/2003) de queda dos rendimentos
médios reais dos trabalhadores ocupados, inclusive dos trabalhadores assalariados com carteira que, recebendo ao longo
do ano menos de dois salários mínimos mensais, fazem jus ao
benefício.11 Isso significa que o crescimento dos beneficiários
Apenas para se ter uma idéia, este contingente de trabalhadores
passou de 13,1% para algo como 25,2% do total de ocupados do país,
entre 1995 e 2005. Em termos absolutos, isto significou um salto de
7,3 para 17,4 milhões de trabalhadores com carteira e renda de até
dois salários mínimos mensais, segundo a PNAD/IBGE.
11
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 155
18/6/2009 09:47:29
se deve ao crescimento de empregos formais na faixa de 1
a 2 salários mínimos, justamente a faixa de remuneração de
cerca de 90% das novas ocupações assalariadas com carteira
criadas nos últimos anos.
Além disso, é preciso também considerar a própria elevação do valor real do salário mínimo, fenômeno este que faz
aumentar o número de trabalhadores elegíveis, na medida
em que os rendimentos superiores ao mínimo não cresceram
na mesma magnitude.
156
De todo modo, apesar do aumento expressivo de
cobertura, parece haver certo consenso no fato de que,
estando o valor do abono limitado a um salário mínimo
anual por trabalhador contemplado, ele é pouco eficaz
para combater a pobreza ou amenizar a desigualdade de
rendimentos do trabalho, a despeito de ser um benefício
concedido a trabalhadores pobres oriundos do setor formal da economia. Como o valor total gasto com o programa já ultrapassou o montante anual de R$ 2 bilhões, talvez essa pudesse ser uma quantia aplicada de forma mais
racional em outra(s) política(s) de proteção ao trabalhador, como o próprio Seguro-Desemprego, caso o objetivo
seja manter o espírito de priorizar a garantia de benefícios
na forma monetária.
Uma perspectiva alternativa seria atualizar o propósito
original da criação do abono salarial, isto é, garantir a participação dos trabalhadores na renda nacional por meio dos
incrementos de produtividade geral da economia para o que
contribui a massa trabalhadora como um todo. Nesse sentido,
o abono salarial poderia ser visto como parte de um conjunto de medidas destinadas a garantir um patamar mínimo de
renda a todos os cidadãos.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 156
18/6/2009 09:47:29
Programas que Realizam Serviços: Intermediação
e Qualificação Profissional
Intermediação de Mão-de-Obra
Desde a década de 1990, houve progressiva ampliação e
melhoria dos serviços oferecidos pelos postos de atendimento
do SINE, decorrência direta do estabelecimento do FAT como
fonte permanente de financiamento. Com isso, o número de
colocados no mercado de trabalho formal via SINE passou
a crescer desde 1995, em resposta aos aperfeiçoamentos do
programa ao longo do tempo. Com base na Tabela 6 e Gráfico 4 que seguem, vê-se que não apenas aumentou o número
de trabalhadores inscritos, mas também o de vagas captadas
junto às empresas e o de trabalhadores efetivamente contratados. Também cabe ressaltar que o serviço aumentou sua
eficácia, especialmente no que tange ao aproveitamento das
vagas captadas, como pode ser visto na Tabela 6.
157
Tabela 6 – Indicadores de Desempenho da Intermediação
de Mão-de-Obra, em Porcentagem (%).
Programa
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
Intermediação de mão-de-obra via SINE
Taxa de
aderência
(1)
39,2
40,1
46,5
44,1
40,5
45,4
51,8
52,7
54,1
53,1
52,0
49,6
47,5
Taxa de
admissão
(2)
1,5
1,9
2,5
3,6
5,2
6,0
7,2
8,9
8,6
7,9
7,3
6,8
6,8
Fonte: MTE.
Notas:
(1) colocados via SINE / vagas captadas pelo SINE;
(2) colocados via SINE / admitidos segundo CAGED.
Apesar disso, a atratividade do SINE tem sido maior
para os trabalhadores que para as empresas, de modo que,
embora esse indicador tenha melhorado ao longo dos anos,
ainda há uma proporção razoável de vagas que não são preenchidas pelos trabalhadores inscritos.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 157
18/6/2009 09:47:29
6.000.000
5.000.000
4.000.000
3.000.000
2.000.000
1.000.000
0
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Trabalhadores Inscritos
Vagas Captadas
Trabalhadores Colocados
Gráfico 4 – Movimentação de Vagas e Trabalhadores pelo
SINE
Fonte: MTE.
158
Esses indicadores sugerem que, conquanto o serviço de
intermediação alcança uma fatia razoável do mercado de trabalho formal, sua contribuição para reduzir o desemprego,
mesmo que apenas seu componente friccional, é, na melhor
das hipóteses, limitada. De fato, atualmente o MTE encara as
agências do SINE mais como “porta de entrada” para outros
serviços de emprego que exclusivamente provedoras do serviço de intermediação.
Qualificação Profissional
No que se refere aos resultados dos primeiros anos desse novo formato da qualificação profissional, há indicações
positivas do ponto de vista qualitativo, embora ainda tímidas do ponto de vista numérico. O principal indicativo dessa mudança de qualidade é a extensão da carga horária dos
cursos, aproximando-se da meta de 200h, enquanto em 2002
essa média havia caído para pouco mais de 60h, o que implicava que em muitos casos as oportunidades de formação
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 158
18/6/2009 09:47:29
ofertadas aos trabalhadores eram totalmente insuficientes
para influir significativamente na sua inserção no mercado
de trabalho.
Os indicadores do programa também mostram um nível aparentemente alto de articulação com outras políticas:
cerca de ¾ dos educandos são beneficiados por outras políticas de inclusão social ou de trabalho e renda. Além disso,
acentuou-se a focalização em grupos mais vulneráveis, como
desempregados, mulheres e jovens: os educandos desempregados passaram de 55,5% do total, em 2000, para 64,4%, em
2005. A participação de mulheres cresceu de 58,7%, em 2002,
para 61,1%, em 2004, e a participação de jovens ampliou-se de
40,3% para 52,4% no mesmo período.
Como se vê na Tabela 7 abaixo, apesar dos dados de
2007 não estarem ainda consolidados até o fechamento desta
edição (ver Tabela 4), a tendência observada nos últimos anos
de aumento da carga horária média dos cursos e do custo por
educando/hora convergem para as mudanças propostas em
2003 no que se refere à prioridade dos cursos de longa duração e da melhoria da qualidade dos cursos.
159
Tabela 7 – Evolução da Qualificação Social e Profissional
(2003 a 2007)
Ano
Educandos Educandos
Inscritos Concluintes
Custo EduCarga Horácando/Hora
ria Média Concluintes
Concluintes
R$
110,88
2,35
Taxa de
evasão
2003
144.557
139.433
2004
155.145
147.352
176,70
2,47
3,5%
5,0%
2005
124.518
117.430
184,34
2,54
5,7%
2006
119.332
112.650
195,20
2,54
5,6%
2007*
52.842*
31.978*
197,14*
2,69*
-
Fonte: MTE.
*Os dados de 2007 são parciais, tendo em vista que a execução dar-se-á
até 30 de abril de 2008 e as prestações de contas até maio de 2008.
Por outro lado, a diminuição do volume de recursos liquidados aponta para uma limitação do alcance do progra-
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 159
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ma, a exemplo do que vem se observando desde 2005.12 Prova
disso é que o número total de educandos abarcados por essas
ações ainda é relativamente pequeno em relação à PEA.
No que tange à qualificação profissional de jovens, ela foi em
parte assumida pelo Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro
Emprego para os Jovens (PNPE), voltado para a inserção laboral
de jovens entre 16 e 24 anos, de baixa renda e escolaridade. No seu
primeiro ano de funcionamento, 2003, esse programa consistiu, sobretudo, no subsídio ao emprego de jovens, sendo uma parte do
salário do jovem contratado custeada com recursos governamentais durante um ano. Diante da pequena adesão das empresas, o
foco do programa foi redirecionado para a oferta de qualificação
profissional por meio dos Consórcios Sociais da Juventude, que
são redes de ONGs que se encarregam também do encaminhamento do jovem ao mercado de trabalho. Em termos de jovens
atendidos e de recursos aplicados, a vertente de qualificação do
PNPE tem tido dimensão comparável ao do conjunto do PNQ.
160
Sua especificidade é tornar-se um programa de qualificação
voltado para jovens. A nova política nacional de juventude, anunciada em setembro de 2007, previa a unificação de todos os programas com essas características. As modalidades dos Consórcios
Sociais da Juventude Cidadã, juntamente com o Programa Escola
de Fábrica, do Ministério da Educação, comporiam o Projovem
Trabalhador. A operação dessas modalidades continua a cargo
dos respectivos ministérios, porém não há até o momento clareza
quanto ao desenho futuro de uma ação unificada.
Programas de Geração de Trabalho e Renda: PROGER, PNMPO, ECOSOL
Programas de Geração de Emprego e Renda
Dentro do movimento de utilizar os recursos do FAT para
incrementar as políticas de emprego no país, a Lei 8.352/91 determinou que as disponibilidades financeiras do FAT poderiam
12
Vide seção específica sobre evolução dos gastos à frente.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 160
18/6/2009 09:47:29
ser aplicadas em Depósitos Especiais remunerados a cargo das
instituições financeiras oficiais federais, o que abriu espaço para
novas políticas voltadas à geração de emprego e renda.
A implementação desses programas foi feita por meio da
abertura de linhas especiais de crédito a setores com pouco ou
nenhum acesso ao sistema financeiro convencional, como micro e pequenas empresas, cooperativas e formas associativas
de produção, além de iniciativas de produção próprias da economia informal. Os programas foram sendo efetivados a partir
de 1995, tendo como agentes financeiros, inicialmente, o BB e o
BNB. Posteriormente, foi incluída a FINEP, e mais recentemente o próprio BNDES, a CEF e o Banco da Amazônia (BASA).
A cada ano, inúmeras linhas de crédito foram sendo incorporadas ao Programa, que deixou de privilegiar sua função
precípua – conceder empréstimos a pequenos empreendedores
formais e informais com pouco ou nenhum acesso ao sistema
financeiro tradicional – e passou a suprir a escassez de crédito de
diferentes setores da economia. Atualmente, conforme a Tabela
8, existem 20 linhas de crédito no âmbito do programa, sendo
que grande parte delas não se destina a pequenos empreendimentos populares, tendo, algumas vezes, questionável compromisso com os objetivos de geração de trabalho e renda.
161
Gráfico 5 – Evolução do Número de Operações com Recursos
do FAT e Respectivos Valores Anuais
Fonte: MEC.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 161
18/6/2009 09:47:29
Tabela 8 – Evolução dos Programas de Geração de Emprego
e Renda com recursos do FAT (Brasil: 2006 e 2007)
2006
PROGRAMAS
PROGER
Urbano
FAT-Empreendedor
Popular
PROGER
Turismo
PROGER
Exportação
Jovem Empreendedor
PROGER
Rural
PRONAF
PROEMPREGO
FAT-HABITAÇÃO
162
FAT-Material
de Construção
FAT-FOMENTAR
FAT-INTEGRAR
FAT GIRO
RURAL
FAT GIRO
Setorial
FAT GIRO
Coop. Agropecuário
FAT Inclusão
Digital
IE Econômica
IE Insumos
Básicos
FAT-EXPORTAR*
FINEP
Total
Valor total/orçamento MTE
2007
Variação
Qtd.
Operações
Valor em R$
2.227.654
7.232.268.351,0
6.648
36.757.961,0
5.687
25.936.655,0
2.017
74.285.803,0
2.290
104.650.190,2
242
9.071.523,0
232
30.021.607,3
179
2.181.604,0
63
922.763,3
Qtd. Operações
1.784.846
Valor em R$
6.754.693.022,8
2.610
68.719.994,0
997
27.980.433,0
386.301
2.243.415.327,0
169.811
1.637.801.739,3
1.186
503.337.212,0
1.204
378.164.969,1
24
1.741.562,0
-
-
114.802
245.944.853,0
89.317
222.551.477,3
7.079
2.120.213.716,0
13.692
3.326.829.718,1
2
2.069.690,0
-
6.399
2.081.901.617,0
3.946
716.344.391,3
7.566
1.824.542.606,0
7.077
1.063.264.128,1
27
33.764.522,0
11
6.550.000,0
10.013
11.600.028,0
1.866
2.074.854,4
-
2.956
4.993.096.926,0
947
4.023.704.590,3
607
1.489.712.456,0
203
510.940.956,6
196
1.729.575.481,0
123
1.430.222.875,6
50
349.975.958,1
55
232.911.939,6
2.776.558
25.054.177.190,1
2.082.367
20.495.566.311,3
-
0,87
-
0,66
Qtd.
Operações
Valor
em
R$
(0,20)
(0,07)
(0,14)
(0,29)
0,14
0,41
(0,04)
2,31
(0,65)
(0,62)
(0,56)
0,02
(1,00)
(0,22)
(0,58)
(0,59)
(0,27)
(0,25)
(1,00)
(0,10)
0,93
0,57
(1,00)
(1,00)
(0,38)
(0,66)
(0,06)
(0,42)
(0,59)
(0,81)
(0,68)
(0,67)
(0,37)
0,10
(0,25)
-
(0,81)
(0,82)
(0,19)
(0,66)
(0,17)
(0,33)
(0,18)
-
Fonte: Elaboração Própria dos Autores Baseada nos Dados do MTE.
Obs.: * Não incluem os programas financiados com os depósitos constitucionais no BNDES.
Dados preliminares. Posição em 17 de março de 2008.
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Além disso (ou por causa disso!), é preciso atentar para o
fato de que o atual esquema de financiamento dos programas de
geração de emprego e renda também têm dado sinais de esgotamento. A acelerada elevação do montante de recursos aplicados
em depósitos especiais nos últimos anos acarretou uma sensível
redução dos excedentes à Reserva Mínima de Liquidez (RML).
Ademais, sabe-se que a RML deve crescer de maneira a acompanhar a elevação dos gastos com os benefícios constitucionais.
Nesse quadro, se a fonte de recursos dos depósitos especiais é
parte do excedente da RML, e este excedente está escasseando,
então novos aportes de recursos aos programas de geração de emprego e renda – via Programações de Depósitos Especiais (PDEs)
aprovadas pelo Codefat – não conseguirão manter, em um futuro
próximo, os níveis que recentemente vinham atingindo.
Em 2007, esta esperada inflexão na evolução dos programas de geração de emprego e renda parece ter ocorrido. Como
pode ser observado na Tabela 9 a seguir, o número de operações de crédito nesse ano caiu 25% em relação ao verificado em
2006, e o valor total dessas operações teve uma queda de 18,2%,
o que, em valores absolutos, representou quase R$5 bilhões.
163
Tabela 9 – Evolução dos Depósitos Especiais, do Saldo
Extramercado e das Reservas Mínimas de Liquidez do
FAT (Brasil: 2000-2007)
Depósitos Especiais
Ano
Saldo (em
31/12)
Alocações
2000
15.782
2.131
2001
15.192
2.232
2002
19.972
5.481
2003
22.083
5.673
2004
27.350
6.902
2005
37.692
13.920
2006
48.482
16.202
2007
49.242
9.533
(em milhão
de R$)
Saldo Extramercado
(em 31/12)
RML (em
31/12)
Excedente
à RML (em
31/12)
6.673
2.812
3.861
8.885
3.645
5.240
8.707
2.567
6.140
13.830
4.957
8.873
15.541
5.006
10.535
11.621
6.822
4.799
8.157
7.552
605
9.975
9.489
486
Fonte: MTE.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 163
18/6/2009 09:47:29
Certamente, uma redução no número e no valor total
das contratações não evidencia per se que os programas de
geração de emprego e renda começam a enfrentar limites
ao seu crescimento. A verificada retração poderia advir, por
exemplo, de uma reorientação das diretrizes dos programas,
tornando-os mais focados nos seus objetivos originais de conceder crédito à população excluída do sistema financeiro em
projetos que priorizem a geração de emprego e renda. Poderia, também, ser resultado de entraves administrativos e/ou
políticos para a aprovação da alocação de depósitos especiais
por parte do Codefat. Ou, ainda, poderia representar que recursos alocados em depósitos especiais ficaram represados
nas instituições financeiras oficiais, sem que tivessem sido
emprestados aos tomadores finais.
164
Entretanto, das hipóteses levantadas, a que parece mais
factível remete à questão do financiamento. Por um lado,
as informações analisadas não permitem dizer que ocorreu
uma reorientação dos programas de geração de emprego e
renda. As quedas no número e no valor total das contratações foram generalizadas, tendo impactado praticamente
todas as linhas de crédito. Além disso, nota-se um crescimento do valor médio das operações contratadas (9,07%),
resultado bastante improvável caso os empréstimos tivessem priorizado o acesso aos pequenos empreendedores formais ou informais. Por outro lado, uma análise mais atenta
a respeito da evolução das alocações em depósitos especiais
e dos excedentes à RML parece dar evidências suficientes de
que o atual esquema de financiamento do sistema público
de emprego tem causado constrangimentos às políticas de
geração de trabalho e renda.
Verifica-se, na Tabela 9 acima, que o valor total de novos recursos aplicados na forma de depósitos especiais caiu
sobremaneira. Em 2006, as alocações de depósitos especiais
totalizaram R$16,2 bilhões, enquanto em 2007 essa quantia
foi de apenas R$ 9 bilhões, uma redução de 44%. Isso significa que os recursos disponibilizados para os programas de
geração de emprego e renda, de fato, diminuíram. Aliás, os
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18/6/2009 09:47:29
novos aportes de depósitos especiais em 2007 reduziramse mais que a queda verificada no valor total emprestado
pelas instituições financeiras (18,2%), o que põe em xeque
a hipótese dos recursos terem ficados represados nas instituições financeiras.
Atendo-se à trajetória dos excedentes à RML, nota-se
que a queda é, de fato, acentuada. Na verdade, o resultado
de 2007 expressa o patamar mínimo já verificado no histórico do FAT. Sendo assim, não seria razoável considerar que a
retração nas alocações de depósitos especiais foi uma medida deliberada ou resultado de algum entrave administrativo. Ela é, sem dúvida, conseqüência da escassez de recursos
disponíveis para financiar os programas de geração de emprego e renda.
Neste contexto, algumas considerações se fazem pertinentes. Aceitando as regras de gestão financeira do FAT como
dadas, as atuais restrições de recursos para as alocações em
depósitos especiais colocam em primeiro plano a necessidade
de se racionalizarem os programas de geração de emprego e
renda, reduzindo a pulverização de recursos entre linhas de
crédito de impactos duvidosos sobre a geração de trabalho e
promovendo uma democratização mais efetiva do acesso ao
crédito. Nesta direção, parece oportuno rediscutir o desenho
institucional dos programas de geração de emprego e renda,
uma vez que a trajetória de 13 anos desses programas evidenciou resultados muito tímidos no que diz respeito à democratização e à difusão do acesso ao crédito.
165
Na atual arquitetura institucional, quem define a alocação dos recursos do FAT, em última instância, são as instituições financeiras oficiais federais, que em geral operam segundo uma lógica de mercado, revelando profundo desinteresse
em atingir as camadas mais vulneráveis, percebidas como o
segmento de maior risco. Assim, dentre as questões centrais
que merecem ser reconsideradas, estão: a obrigatoriedade de
remuneração mínima do FAT vinculada à Taxa de Juros de
Longo Prazo (TJLP); as formas de participação e os mecanismos de controle social; a articulação dos programas de gera-
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 165
18/6/2009 09:47:29
ção de emprego e renda com as demais políticas de trabalho
e renda; e a exclusividade das instituições financeiras oficiais
federais em receber os repasses diretos do FAT.
Por outro lado, há que se avaliar, também, a pertinência de se alterar as atuais regras de gestão financeira do FAT,
desde que tais alterações não comprometam o patrimônio do
Fundo e, muito menos, o pagamento dos benefícios constitucionais. Por alguns anos os recursos do FAT, na forma dos
programas de geração de emprego e renda, supriram a escassez de crédito de diferentes setores econômicos, representando uma expressiva injeção de crédito na economia. Assim,
reconhece-se que é importante estudar se a reorientação dos
programas de geração de emprego e renda e, consequentemente, a extinção de algumas linhas, provocariam gargalos
à produção nacional, ou se essa demanda de crédito poderia
ser perfeitamente suprida pelos bancos de desenvolvimento,
agências de fomento e bancos comerciais.
166
Programas de Microcrédito Produtivo
O FAT, na área de microcrédito, liberou, em 1996, recursos
para o BNDES no âmbito do Programa de Crédito Produtivo
Popular (PCPP), que buscava formar uma rede de instituições
privadas capazes de financiar pequenos empreendimentos.
Esse programa, todavia, havia financiado apenas 300 mil empreendimentos até 2001. Assim, em 2002, foi criado um novo
programa de microcrédito com recursos do FAT, o FAT Empreendedor Popular, que buscava expandir a capacidade de financiamento de pequenos empreendimentos no Brasil. Na mesma
linha do microcrédito, mas no âmbito do próprio MTE, foi criado em 2004 o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo
Orientado (PNMPO), instituído com o objetivo de incentivar
a geração de trabalho e renda entre os microempreendedores
populares. Por microcrédito orientado entende-se aquele baseado em metodologia na qual existe o relacionamento direto
do chamado “agente de crédito” junto aos empreendedores no
local onde é executada a atividade econômica.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 166
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Em 2007, o PNMPO apresentou continuidade na sua
trajetória de crescimento, ainda que a taxas mais baixas que
a verificada no ano anterior. O volume de operações de microcrédito naquele ano foi de 963,5 mil, representando um
crescimento de 16,24% em relação a 2006. O total de recursos
liberados foi da ordem de R$ 1,1 bilhão, cabendo ressaltar que
grande parte desse valor refere-se à atuação do CrediAmigo
– vinculado ao Banco do Nordeste – que já opera com microcrédito há dez anos.
Tabela 10 – Evolução do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado - PNMPO (Brasil: 2005 - 2007)
Ano
2005
2006
2007
Total
Qtde de operações concedidas
de Microcrédito
632.106
828.847
963.459
Crescimento no ano
(em %)
Valor Concedido
(em R$ 1,00)
Crescimento
no ano (em
%)
-
602.340.000,0
-
0,31
831.815.600,8
0,38
0,16
1.100.375.829,9
0,32
2.424.412
167
2.534.531.430,7
Fonte: MTE/Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado.
Além de concentrado em uma única instituição, destaca-se que o volume de recursos emprestados ainda está
bastante abaixo do potencial existente, uma vez que os
agentes financeiros podem usar para financiamento desse
programa os recursos da exigibilidade bancária, que, caso
não sejam aplicados, são recolhidos pelo Banco Central
sem qualquer remuneração. Para se ter uma idéia desse potencial, a exigibilidade bancária, em dezembro de 2007, era
de R$2,98 bilhões. Entretanto, tudo indica que o programa ainda não conseguiu criar incentivos suficientes para
que as operações de microcrédito se tornem atrativas aos
interesses privados dos bancos e se difundam conforme é
socialmente desejável.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 167
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Programa de Economia Solidária
Por fim, em 2003, criou-se um programa voltado ao fortalecimento da Economia Solidária, segmento constituído pelos empreendimentos autogestionários, isto é, administrados
pelos próprios trabalhadores. Apesar de contar com poucos
recursos (que não vêm do FAT), e de ainda não ser evidente
sua inclusão no rol das políticas de emprego, este programa é
mencionado aqui pelo fato de ser um dos poucos que se propõem, explicitamente, a atuar com trabalhadores fora da relação de assalariamento sem ser ao mesmo tempo um programa vinculado essencialmente ao crédito: suas ações incluem o
mapeamento dos empreendimentos existentes, a constituição
de uma rede de incubadoras e o apoio a fóruns de articulação
das redes de economia solidária.
168
Essa proposta vem tendo, porém, grandes dificuldades
para avançar mais rápido, em decorrência, principalmente,
da discrepância que se verifica entre o volume dos desafios
com que se defronta e os recursos disponibilizados para o financiamento das suas ações. Tal disparidade faz com que os
escassos recursos alocados – tanto financeiros quanto de pessoal – sejam distribuídos entre diversas frentes de intervenção, colocando em questão a própria capacidade de as ações
virem a ter a efetividade pretendida.
Assim, a manutenção das bandeiras da economia solidária, sintetizadas na sua capacidade de contribuir para um
modelo de desenvolvimento econômico que seja ética, social
e ambientalmente superior, terá de estar cada vez mais ancorada no desempenho que chegar a ter no campo estritamente
econômico, sendo aí fundamental o fortalecimento das políticas públicas de apoio ao setor.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 168
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Evolução dos Gastos do SPETR com seus Principais
Programas
No que se refere aos gastos, é possível evidenciar alguns
pontos interessantes a partir do Gráfico 6, lembrando, no entanto, que:
• A receita primária do FAT não é a única fonte de
recursos do MTE para financiar o conjunto de suas
ações, embora seja, realmente, a mais importante;
• Alguns programas do MTE dispõem de recursos que
não aparecem no Orçamento Fiscal ou da Seguridade Social. São os casos, por exemplo, do Programa de
Alimentação do Trabalhador (PAT) e dos Programas
de Geração de Emprego e Renda (PROGER, PRONAF, PNMPO). Em relação a estes, a maior parte dos
recursos é composta de créditos concedidos pelas
instituições financeiras oficiais, que por sua vez são
financiadas com aportes do FAT por meio dos depósitos especiais remunerados.
169
Isto posto, cabe observar que olhando o SPETR exclusivamente pelo lado dos gastos realizados, transparece uma
longa distância de patamar entre os seus diversos programas.
Enquanto os programas de garantia de renda (seguro e abono) alcançaram o patamar de 12 e 5 bilhões ao ano respectivamente, os programas que realizam serviços (Intermediação,
Qualificação, Fiscalização e Segurança e Saúde no Trabalho)
jamais suplantaram a casa de R$1 bilhão em qualquer ano da
série. E como indicado acima, não há perspectiva, no curto
prazo, de uma mudança desses patamares de gasto, pois o
seu financiamento já está a depender dos retornos financeiros
do FAT (nos casos da intermediação e da qualificação profissional) ou de recursos ordinários (nos casos da fiscalização e
da segurança e saúde no trabalho), ambas as fontes limitadas
e incertas pela natureza discricionária que possuem.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 169
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14000000
Valor es em R$ mil cte dez/2007 IPCA/IBGE
12000000
10000000
8000000
6000000
4000000
2000000
0
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Seguro-Desemprego
Abono-Salarial
Intermediação + Qualificação
Fiscalização + Saúde no Trabalho
PNPE + ECOSOL
BNDES 40%
2007
Gráfico 6 – Evolução dos Gastos do SPET/MTE e BNDES 40%
Fonte: Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI)
170
Por fim, quanto aos dois programas criados em 2003
(Primeiro Emprego e Economia Solidária), basta dizer que
eles nem mesmo utilizam a fonte FAT para se financiarem.
Em ambos os casos, a tendência é a de se fixarem em recursos ordinários do Tesouro, a despeito do caráter discricionário – e supostamente mais frágil – desta fonte. Este aspecto
evidencia um dos problemas centrais do SPETR nas atuais
circunstâncias, pois quaisquer novas iniciativas que visem a
alargar a cobertura dos programas já existentes ou mesmo
abrir novas frentes de atuação governamental no mundo do
trabalho ver-se-ão limitadas pela capacidade exaurida de
gasto desta área.
E o problema é que ainda não existem no Brasil políticas públicas de geração de trabalho e renda para segmentos expressivos da população em idade ativa que
estejam ou desempregadas por longo período (tanto no
conceito de desemprego aberto como pelo desalento) ou
subempregadas em condições precárias (em termos de
estabilidade na ocupação, regularidade de rendimentos,
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contribuição previdenciária, apenas para ficar nos aspectos mais importantes).
As propostas recentes em torno da idéia de economia
solidária parecem promissoras, mas são ainda muito incipientes para afetar a magnitude dos problemas presentes
em nosso mercado de trabalho. Por sua vez, a família de
programas de concessão de bolsas (ou transferência direta de renda com condicionalidades), visando ao combate
direto e imediato à fome e à pobreza, nasceu, ou estão
se desenvolvendo mais pelos campos da assistência social, saúde e educação, o que os torna pouco eficazes para
enfrentar a questão da inserção pelo mundo do trabalho.
Assim, políticas tradicionais como seguro-desemprego,
intermediação e qualificação profissional, porquanto importantes, têm sido pouco eficazes para enfrentar esta situação de heterogeneidade e precariedade do mercado de
trabalho nacional, e este é justamente o desafio posto para
as novas políticas e programas governamentais no campo
do trabalho.
171
O Atual Estágio de Desenvolvimento do SPETR
O tema da reorganização das políticas públicas de trabalho e renda em torno de um sistema integrado e mais
eficaz foi recolocado em pauta a partir da realização do II
Congresso Nacional do Sistema Público de Trabalho, Emprego e Renda (SPETR) em julho de 2005, precedido de cinco congressos regionais. O II Congresso teve o propósito
explícito de elaborar resoluções para a normatização do
sistema, englobando as políticas de seguro-desemprego,
intermediação de mão-de-obra, qualificação e certificação
profissional, geração de emprego e renda e inserção da juventude no mundo do trabalho. Foram definidos “princípios gerais de construção” do SPETR, tais quais os descritos no Quadro 4 a seguir:
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• Erradicação da pobreza, da marginalização e redução das
desigualdades sociais e regionais pela via do trabalho,
tendo como bases o desenvolvimento sustentado em âmbito nacional, regional e local;
• Fortalecimento das políticas ativas, especialmente de geração de emprego, trabalho e renda;
• Fortalecimento e participação ativa dos atores sociais na
gestão do SPETR;
• Articulação do SPETR com ações e programas dos diversos órgãos governamentais e não-governamentais que
atuam na área social, notadamente os que utilizam recursos da seguridade social;
• Universalização das ações do SPETR como direito, com
ações afirmativas para segmentos populacionais específicos e mais vulneráveis à exclusão social;
172
• Integração à elevação de escolaridade, visando ao pleno
desenvolvimento dos trabalhadores e trabalhadoras para
o exercício da cidadania e da qualificação para o trabalho;
• SPETR integrado em todas as suas funções, descentralizado, capilar, informatizado e com informações acessíveis
sobre o mercado de trabalho para todos os atores sociais,
visando à efetividade social das políticas de emprego, trabalho e renda e à estruturação de um sistema único.
Quadro 4 – Princípios Gerais de Construção do SPETR no Brasil,
segundo Resoluções do II Congresso Nacional do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda Realizado em 2005 pelo MTE
Fonte: Elaboração Própria dos Autores.
As resoluções aprovadas dizem respeito à integração
das funções do SPETR (inclusive por meio de um sistema
informatizado único), à atualização do marco normativo, à
repactuação das competências entre os níveis federativos e
organizações da sociedade civil executoras, à participação social e fortalecimento da gestão tripartite, ao financiamento do
sistema, à integração do SPETR com políticas educacionais e
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com a rede de educação profissional e à articulação das ações
do sistema com políticas de desenvolvimento. Esse conjunto
contém desde indicações de mudança legislativa até demandas para abertura de fóruns de discussão, ou seja, diferem
acentuadamente quanto a sua importância e quanto à possibilidade de serem implementadas de imediato.
Ademais, toda esta agenda parece não estar tendo a
mesma dose de priorização ministerial desde que houve, no
bojo da reforma ministerial que tomou conta dos primeiros
quatro meses de 2007, a substituição da linha de comando
do MTE. Este, grosso modo, passou das mãos do Partido dos
Trabalhadores (PT) e seu braço sindical, a Central Única dos
Trabalhadores (CUT), para o Partido Democrático Trabalhista (PDT), o qual, por sua vez, tem como principal base sindical a Força Sindical (FS), justamente a central de sindicalistas
rivais à CUT.13
Desafios Atuais e Perspectivas
173
Este trabalho procurou traçar um amplo panorama sobre como estão estruturadas no Brasil as políticas públicas de
trabalho e emprego, assim como destacar seus principais indicadores de evolução em anos recentes. Essas considerações
finais se aterão, contudo, a destacar alguns dos principais desafios atuais e perspectivas que se impõem às políticas públicas de trabalho e emprego no Brasil.
É preciso dizer que a mudança de rumos no MTE não parece ter
sido motivada por julgamentos do presidente ou da cúpula do governo acerca de uma suposta má gestão dos programas ou mau desempenho político desta pasta no embate conjuntural. Ao contrário, a mudança na condução do MTE para o segundo governo Lula
inscreve-se na lógica da cultura política nacional, segundo a qual é
perfeitamente possível sacrificar um ministério menor, em termos
de importância política e estratégica, para acomodar e viabilizar um
desenho mais amplo de reforma ministerial, dada como necessária
para assegurar governabilidade ao novo mandato que se inicia.
13
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18/6/2009 09:47:29
Como síntese das considerações feitas ao longo do texto,
é possível dizer que:
• Dado o caráter tardio do nosso SPETR, não é de estranhar que ele ainda careça de integração entre seus
principais programas e de maior participação social
em suas mais importantes resoluções;
• Dado o caráter imitativo do SPETR, primordialmente
centrado em programas que atuam pelo lado da oferta de trabalho, não é de estranhar o seu baixo impacto
agregado frente aos principais problemas de um mercado de trabalho ainda marcado por grande heterogeneidade e precariedade de condições;
174
• Para ser mais eficaz, as políticas e programas do SPETR precisariam estar mais integradas entre si e melhor sintonizadas com políticas nacionais de desenvolvimento socioeconômico que ainda estão por ser
estabelecidas no país.
Não obstante, em linhas gerais, deve-se reconhecer que
o MTE tentou ir adequando o desenho de seus programas
aos problemas mais sérios do mercado de trabalho, embora
sempre com atrasos, insuficiência de meios e, muito importante, pouco espaço de influência na definição da política macroeconômica, responsável que é, em última instância, pelos
principais determinantes agregados do nível e qualidade das
ocupações e rendimentos dos trabalhadores. Alie-se a isso a
ênfase conferida pelo MTE a políticas ditas passivas (seguro-desemprego e intermediação de mão-de-obra), as quais
atuam sobre as características da oferta de trabalho. Neste
contexto, e à medida que o pleno emprego deixa de fazer
parte do horizonte de decisões políticas fundamentais da sociedade, reduz-se o potencial macroeconômico de geração de
postos de trabalho e de melhoria das ocupações a partir das
políticas tradicionais de emprego e renda. Os instrumentos
clássicos do SPETR tornam-se, em grande parte, compensatórios e de baixa eficácia, posto atuarem, principalmente, sobre
os condicionantes do lado da oferta do mercado de trabalho
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(intermediação e qualificação profissional). Estes, por si mesmos, são incapazes de engendrar a abertura de novas vagas,
já que os principais determinantes do nível e qualidade das
ocupações não fazem parte do conjunto de programas e ações
sob alcance do SPETR/MTE.
Neste sentido, cabe ressaltar que ainda há questões importantes que permanecem sem equacionamento adequado,
particularmente no que se refere aos públicos “não-tradicionais” destas políticas. O problema da relação do SPETR com
o setor não estruturado do mercado de trabalho, que hoje é
coberto por iniciativas isoladas, foi abordado em algumas
resoluções do II Congresso do SPETR, realizado em 2005, e
que remetem, fundamentalmente, à articulação do sistema a
outras iniciativas, especialmente aquelas que pretendem estimular o desenvolvimento territorial, como os investimentos
dos fundos constitucionais e as agências de fomento, cujos
programas devem passar a ter metas de emprego. O congresso também apontou a necessidade de que o Ministério
do Trabalho e Emprego participe dos fóruns governamentais
que definem as políticas econômicas, e propôs especificamente que o Conselho Monetário Nacional passe a ter uma
representação tripartite, incluindo o MTE, representantes de
trabalhadores e empregadores.
175
Assim, ao relacionar o problema da informalidade e
da inclusão de grupos vulneráveis com políticas de desenvolvimento, o II Congresso abordou a principal limitação do
SPETR, isto é, que ele pode apenas tentar gerenciar eficazmente um determinado nível de emprego. Os determinantes
do desemprego e da precariedade das ocupações não estão
ao alcance das políticas tradicionais de emprego, pois estas
agem, como dito acima, sobre a oferta de mão-de-obra; e mesmo os programas que atuam sobre a demanda, o fazem no
nível micro, isto é, procurando viabilizar pequenos negócios,
enquanto o nível de emprego geral depende, na verdade, da
demanda agregada da economia.
No lado da integração com políticas de desenvolvimento territorial, a questão ultrapassa o escopo dos serviços pú-
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blicos de emprego, e a governabilidade do MTE atualmente é
pequena, já que: a) como mencionado, a arquitetura dos programas de geração de emprego ancorados no FAT, via de regra, deixa o poder de decisão com as instituições financeiras,
e b) as iniciativas de desenvolvimento territorial estão dispersas por uma variedade de entes governamentais e geralmente
envolvem algum grau de pactuação entre os níveis federativos. Assim, embora existam experiências bem sucedidas de
convergência das ações federais em determinados locais, isso
geralmente ocorre em circunstâncias específicas e por indução
de um ator local suficientemente articulado. Compreende-se,
portanto, que o SPETR carece dos mecanismos institucionais
para atuar nos territórios onde as oportunidades de emprego
são restritas.
176
Outro ponto crítico é que os ganhos potenciais do Plano Plurianual podem se perder caso não se assegure um
fluxo estável de recursos. Isso, por sua vez, tem sido cada
vez mais difícil para o MTE, tendo em vista não apenas a
diminuição das dotações orçamentárias, como também os
sucessivos contingenciamentos que ameaçam a continuidade e o equilíbrio entre as funções do SPETR. É por isso que
o financiamento do SPETR foi uma das discussões centrais
do II Congresso, e que deu origem a algumas propostas de
mudanças menos convencionais. Foi destacado que há vários vetores pressionando a disponibilidade e a alocação de
recursos do FAT, tais como: a) a perda de uma parte substancial da receita por conta da DRU, que não é compensada
pela adição de recursos de outras fontes para as políticas de
mercado de trabalho; b) as restrições colocadas à utilização
das receitas secundárias (de origem financeira) para gastos
correntes não constitucionais, por conta da política de geração de superávit fiscal primário do governo federal; c) o
comprometimento crescente dos recursos do fundo com o
pagamento de benefícios constitucionais.
Formas alternativas de financiamento tornam-se, portanto, desafio fundamental para a continuidade e ampliação
das políticas de trabalho e emprego no Brasil. Neste docu-
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mento foram discutidas, superficialmente, algumas alternativas, tais como: a) a proposta lançada no II Congresso do
SPETR, que sugere vincular 8% da arrecadação PIS/PASEP
para as funções do sistema, exclusive seguro-desemprego e
abono-salarial; b) a revinculação de ao menos uma parte dos
recursos que atualmente são subtraídos do FAT por meio da
DRU; c) o uso de receitas financeiras – decorrentes das aplicações remuneradas do FAT – para a cobertura de parte dos
gastos correntes do MTE.
Independentemente da alternativa que vier a ser adotada, ela já se faz realmente premente na situação atual, que é
de esgotamento dos esquemas vigentes de financiamento das
políticas do SPETR. Esgotamento este que já se dá num contexto de pressão política tanto para a criação de novos tipos
de serviços quanto para a expansão dos serviços tradicionais,
em direção a segmentos populacionais até então à margem
das políticas, o que certamente implicará grande fonte de tensão sobre os recursos existentes.
177
Referências
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07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 179
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180
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5
IMPACTO DA ESPECIALIZAÇÃO INDUSTRIAL
E DOS ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS SOBRE A ECONOMIA DE ESCALA NAS MICRORREGIÕES CEARENSES
Francisco de Assis Soares1
Elton Eduardo Freitas2
Sandra Maria dos Santos3
Júnior Macambira4
Introdução
A distribuição espacial da atividade econômica sempre
constituiu um tópico importante da análise regional tendo
em vista que sempre houve uma preocupação em entender
como as bases das economias locais se estruturam e moldam
as desigualdades de emprego e renda entre regiões e pessoas.
Esta questão se torna mais relevante para aqueles países com
extensa área geográfica, população elevada e diferentes estádios de desenvolvimento industrial ou espacial.
181
As aglomerações produtivas são relevantes para o desenvolvimento local e os Arranjos Produtivos Locais (APL)
são aglomerações territoriais de agentes econômicos, políticos
e sociais, em torno de uma específica atividade econômica,
apresentando vínculos mesmo que incipientes. (REDESIST,
Livre Docente em Economia, professor do Programa de Pós-Graduação em Administração e Controladoria da UFC e Pesquisador
do CAEN/UFC.
2
Graduado pela Faculdade de Economia, Administração, Atuária e
Contabilidade, da Universidade Federal do Ceará/UFC e mestrando do CEDEPLAR/UFMG.
3
Professora do Departamento de Economia Aplicada da Universidade Federal do Ceará; Professora do Programa de Pós-Graduação
em Administração e Controladoria/UFC, e Editora da Revista Contextus/UFC.
4
Diretor de Estudos e Pesquisas do Instituto de Desenvolvimento
do Trabalho - IDT e Mestre em Planejamento e Políticas Públicas/
UECE.
1
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2008). Nesse sentido, estudos sobre especialização produtiva
regional devem considerar em que medida os APLs afetam
variáveis como tamanho médio, salário, qualificação da mãode-obra etc., para que se possa conhecer melhor a dinâmica
produtiva local.
Holmes e Stevens (2002); Barrios; Bertinelli e Strobl
(2003); Soares e Santos (2007) e Soares; Santos e Freitas (2008)
mostram que a especialização industrial regional é uma variável importante na geração de economias de escala da indústria. Ademais, mostram que características regionais e industriais influenciam o modo como as economias de escala são
geradas dentro das aglomerações.
182
Para se ter uma noção do que está ocorrendo em termos
de mudança estrutural da economia cearense, observa-se que
vem crescendo de modo acelerado o número de empresas
cuja sede está em outro estado da federação. Constata-se que,
de acordo com o cadastro geral de empresas realizado pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1996,
até 1969 o Ceará dispunha de 211 empresas cuja sede se localizava em outro estado, magnitude que gradativamente vem
se expandindo quando passou para 1498, no ano de 1996.
(SOARES, 1998). Tais alterações econômicas refletiram-se nos
níveis de emprego e no tamanho médio das empresas, pois
houve o surgimento de novas grandes e médias empresas associadas ao surgimento de uma franja de empresas micro e
pequenas em larga proporção, a ponto de reduzir o tamanho
médio das empresas operando no Ceará. (SOARES, 1998).
Esta questão tem-se aprofundado nos anos mais recentes.
A reestruturação produtiva do Ceará é conseqüência de
uma política industrial baseada em incentivos fiscais predominantemente sustentados pelo governo estadual, que tem
como marco determinante a criação de vantagens fiscais e de
infra-estrutura em conjugação com investimentos e recursos
federais em projetos de acordo com a política nacional de fomento aos eixos de desenvolvimento econômico e social, particularmente nos campos de turismo e transporte.
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Talvez um dos aspectos mais relevantes da nova política
industrial no Ceará esteja na ênfase dada à interiorização e à
busca de novas tecnologias através da instalação de empresas
modernas e da expansão do sistema estadual de tecnologia.
Estes vetores de política sinalizam a existência de uma busca
pela competitividade, particularmente evidenciada quando
se observa uma recomposição na pauta de exportações cearenses a favor de novos produtos manufaturados.
Este capítulo objetiva analisar os impactos da especialização industrial regional da economia cearense sobre as economias de escala da indústria local. Dada a importância da
formação de Arranjos Produtivos Locais (APL), procura-se
também verificar em que medida a sua presença em regiões
especializadas afeta os níveis de economia de escala, sob a
hipótese de que provoca uma redução do efeito escala.
As regiões de análise são formadas pelas microrregiões
do estado do Ceará, englobando dois períodos: 2000 e 2005.
Quanto à identificação dos APL’s do Ceará, são adotados os
resultados encontrados por Suzigan (2006), que identifica,
para todas as microrregiões brasileiras, aquelas que apresentam algum tipo específico de APL.
183
Além desta introdução e da conclusão, a seção 2 faz uma
breve avaliação sobre a relação entre especialização e Arranjos Produtivos Locais (APLs); a seção 3 expõe os aspectos metodológicos, abordando o modelo econométrico, as equações
a serem estimadas e a origem dos dados; a seção 4, por sua
vez, mostra os resultados segundo duas configurações de
análise: uma descritiva, mostrando o comportamento das variáveis selecionadas; e, outra, com os resultados da estimação
das equações de regressão que medem o impacto da especialização sobre a economia de escala.
Especialização Regional e Arranjos Produtivos Locais
Segundo Haddad et al. (1989), especialização industrial
refere-se à concentração de atividades produtivas em pontos
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do espaço geográfico-político-administrativo. Uma questão
importante, associada a esse termo, é a formação de economias
de aglomeração, ou seja, as vantagens oriundas da proximidade geográfica dos atores, incluindo acesso a conhecimentos
e capacitações, mão-de-obra especializada, matérias-primas e
equipamentos, dentre outros.
A aglomeração amplia as chances de sobrevivência e
crescimento das empresas, constituindo-se em relevante fonte geradora de vantagens competitivas, enfatizadas pela importância das economias externas, pela complementariedade
e transações entre plantas. (DINIZ; CROCCO, 1996; KRUGMAN, 1991). Isto é particularmente significativo no caso de
micro, pequenas e médias empresas, que tendem a se fortalecer pela proximidade locacional, pela necessidade de contado direto, troca de informações, articulações estratégicas e de
fluxos de mercadorias e de trabalho.
184
Estudos sobre concentração industrial no Brasil têm encontrado algumas propriedades bastante interessantes, tais
como o novo processo de relocalização da indústria, nomeado por Azzoni (1985) como o fenômeno da “reversão da
polarização” da indústria, um movimento de desconcentração industrial em direção a novas áreas produtivas, notadamente no interior das regiões Sudeste e Sul. Na verdade o
fenômeno da “reversão da polarização” tem se acelerado em
novas dimensões em virtude das características recentes da
economia brasileira relacionadas com o processo de globalização e do novo paradigma tecnológico que se incorporou ao
processo produtivo. Tais circunstâncias econômicas têm produzido uma reestruturação produtiva com deslocamento de
empresas entre macrorregiões ou entre microrregiões de uma
mesma macrorregião, cujos efeitos são a conformação de um
novo perfil regional de produção.
Mais recentemente tem-se observado o aprofundamento deste processo com o surgimento de Arranjos Produtivos
Locais (APL) em todas as macrorregiões brasileiras, inclusive, em microrregiões de pouca tradição industrial. (DINIZ;
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CROCCO, 1996; PACHECO, 1999; SABÓIA, 2000; SOARES;
SANTOS, 2007; SOARES; SANTOS; FREITAS, 2008).
O conceito de APL faz referência a um arranjo local de
firmas posicionadas em diferentes âmbitos da cadeia produtiva, tanto firmas concorrentes quanto complementares, presença de instituições de apoio como universidades, institutos de
pesquisa, associações de classe, etc. O APL está caracterizado
pela maior densidade de suas articulações intrassetoriais, pela
sua concentração geográfica e pelas sinergias que são geradas
no seu interior em termos de progresso técnico, produtividade
e competitividade. (AQUINO; BRESCIANI, 2005).
O Quadro 1, extraído de Aquino e Bresciani (2005), apresenta as principais diferenças entre quatro diferentes tipos de
aglomerações: distrito industrial, cadeia produtiva, cluster e APL.
Note-se que para identificação de um APL é preciso que existam
especialização industrial e outros fatores. Assim, o conceito de
APL é derivado do conceito de especialização, no sentido de que
para sua caracterização deve haver a identificação de mais fatores além de especialização, tais como cooperação e integração
entre empresas, que, na tradição de Porter (1989), caracteriza-se
como um conjunto de forças que integram o espaço econômico e
criam vantagens competitivas locais que são transferidas para as
empresas que operam nestes ambientes produtivos.
Conceito
Distrito
Industrial
Cadeia
Produtiva
Concentração
Geográfica
Existente
Especialização
Setorial
Pode Existir
Integração de
Atores
Pode Existir Pode Existir Fundamental Fundamental
Cooperação entre
Empresas
Pode Existir Pode Existir Fundamental Fundamental
Cluster
Pode Existir Pode Existir
Existente
Existente
185
APL
Existente
Existente
Quadro 1 – Comparação entre os Conceitos Relacionados à
Aglomeração Industrial
Fonte: Aquino e Bresciani (2005).
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No Brasil, costuma-se tratar APL como uma formação
que, em geral, abarca micro, pequenas e médias empresas
(BRITO; ALBUQUERQUE, 2002; HASENCLEVER; ZISSIMOS, 2006; CROCCO et al., 2006), que tendem a gerar ganhos
de escala, dado que a formação das economias externas incrementa a capacidade competitiva das empresas e as ajudam a
superar as barreiras ao seu crescimento.
Suzigan (2006), por meio de um refinamento interessante do método de seleção de aglomerações de empresas, utiliza
uma metodologia para identificação de APL’s, que consiste
no cálculo de Quocientes Locacionais (QL’s), tomando como
base os dados de emprego da Relação Anual de Informações
Sociais (RAIS)/Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) segundo as classes da Classificação Nacional das Atividades
Econômicas (CNAE), tendo como região geográfica analisada
as microrregiões brasileiras.
186
Devido à grande diversificação e densidade da estrutura industrial da economia brasileira, Suzigan (2006)
propõe ainda que diferentes filtros devam ser adotados
para cada estado brasileiro (ver Tabela 1). Nos estados que
apresentam estrutura industrial mais densa, são adotados
filtros mais rigorosos, enquanto para os estados menos desenvolvidos industrialmente, os critérios adotados são menos rigorosos.
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Tabela 1 – Definição dos Filtros para Identificação de APL’s
segundo Suzigan (2006)
Filtros
Gini
(maior
que)
QL
(maior
que)
Número de
estabelecimentos
(maior ou
igual a)
Participação
no emprego
(maior ou
igual a)
SP, MG
0,5
2
10
1%
-
RS
0,5
2
10
1%
2000
SC, PR
qualquer
2
10
1%
-
RJ
qualquer
2
10
1%
1000
Estados
Volume de
emprego
(maior ou
igual a)
CE, BA, PE, GO, ES
qualquer
2
5
1%
1000
PA
qualquer
2
5
1%
250
MA, PI, TO, AL,
SE, AM, RO, AC,
AP, RR, MT, MS,
RN, PB
qualquer
1
5
1%
-
Fonte: Suzigan (2006).
Metodologia
187
Especialização e Economia de Escala: Um Modelo
Econométrico
Holmes e Stevens (2002) mostraram que se pode fazer uma
avaliação da relação entre economias de escala e concentração
geográfica da atividade produtiva. Contrariando hipótese corrente na literatura especializada, revelaram, segundo um modelo econométrico de decomposição do quociente locacional para
a economia americana, que a presença de economia de escala na
atividade produtiva era determinada pela existência de concentração geográfica. Tal resultado foi constatado por Barrios; Bertinelli e Strobl (2003) para a Irlanda, acrescentando-se que certas
características setoriais e locais ampliam o efeito. Ademais, mostrou que a política econômica afeta o processo de concentração,
fato comprovado por uma análise painel temporal.
Seguindo a metodologia de Holmes e Stevens (2002) e
Soares; Santos e Freitas (2008) ajustaram o modelo para o Bra-
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 187
18/6/2009 09:47:30
sil e verificaram a prevalência da hipótese sobre o efeito
escala para as regiões de forte especialização industrial, segundo o quociente locacional calculado a partir da variável
emprego da RAIS. Tais resultados foram expandidos para
testar o modelo ampliado de acordo com Barrios; Bertinelli
e Strobl (2003) e gerou também estimativas similares às
destes autores.
No entanto, os estudos anteriores citados não analisaram a hipótese de que a presença de APL pode amortecer o
impacto da especialização sobre o efeito escala, isto porque,
como já discutido, no APL predominam micro, pequena e
média empresa.
188
A metodologia utilizada por Holmes e Stevens (2002)
mostra a relação entre escala e concentração econômica mediante a construção de um modelo de regressão que parte da
medida de especialização industrial pelo indicador do quociente locacional ( Q x ), gerado segundo a variável emprego,
onde “x” representa o setor produtivo selecionado.
Assim, faz-se a decomposição do Q x de forma a captar
duas possíveis fontes de especialização nas localidades: i) importância relativa da razão número de estabelecimentos por
trabalhador na microrregião comparado ao correspondente
indicador nacional; ii) contribuição das economias de escala
medidas pelo tamanho médio dos estabelecimentos nas microrregiões relativamente ao tamanho médio do país.
x
Para o cálculo do Q utiliza-se a fórmula conhecida na
literatura:
Qix,l 
x i ,l x l
xi x
(1)
Onde:
xi ,l = emprego na indústria i da microrregião l;
xl = emprego total das indústrias da microrregião l;
xi = emprego na indústria i de todas as microrregiões;
x = emprego total das indústrias do país.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 188
18/6/2009 09:47:30
Para decompor a medida do quociente locacional partese da expressão (1), que por meio de uma manipulação matemática chega-se à identidade (2):

Qix,l Qin,l  Qis,l
(2)
Sendo que:
Qin,l 
Qis,l 
ni ,l ni
xl x
xi ,l ni ,l
xi ni
(2.1)
(2.2)
Onde:
ni ,l = estabelecimentos da indústria i da microrregião l;
ni = total de estabelecimento da indústria i no país.
189
De (2.1) vê-se claramente que o quociente mostra no numerador a participação do número de estabelecimentos da indústria “i” da microrregição “l” em relação a esta mesma indústria em nível nacional e, no denominador, a participação
relativa do emprego microrregional no nacional. Assim, este
indicador mostra a contribuição relativa do número de estabelecimentos para a formação do emprego regional. Quando
a razão é maior do que a unidade a contribuição do número
de plantas instaladas é determinante para a geração do emprego local.
Por outro lado, a expressão (2.2) mostra a razão entre
o tamanho médio da planta local, refletindo a escala de produção local em confronto com a mesma dimensão em nível
nacional. Esta medida pode ser tratada como uma proxy para
a presença de economias de escalas na região de referência,
quando seu valor for superior à unidade.
Logaritimizando a equação (2) tem-se:
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 189
18/6/2009 09:47:30

qix,l qin,l  qis,l
(3)
onde:
qij,l  ln(Qi ,jl )
j  x, n, s
O modelo visa a testar a hipótese de que um maior grau
de especialização da microrregião em determinada indústria
acarreta maior tamanho médio da planta industrial. Sendo
assim, supondo as hipóteses usuais do modelo clássico de
regressão, estima-se uma regressão usando-se o método dos
Mínimos Quadrados Ordinários (MQO) para cada indústria i
n
conforme a equação 4. Equação similar pode ser feita para q
n
n
s
, para efeito de estimação de  . Assim,    
1.
190

qis,l  i   is qix,l   i ,l
l  1,2,3,..., k
(4)
Equações para Estimação
Soares; Santos e Freitas (2008) avançam na metodologia
proposta por Holmes e Stevens (2002) realizando estudo empírico sobre a indústria de transformação do Brasil. Para tanto, partiram do pressuposto de que os resultados não seriam
tão robustos quanto os encontrados por Holmes e Stevens
(2002), pois os mesmos não consideraram os efeitos diferenciados das características industriais e regionais, bem como
dos impactos das mudanças temporais associadas às mudanças estruturais da economia que envolvem o padrão de especialização do emprego industrial.
A partir da conclusão de Soares; Santos e Freitas (2008),
considera-se que as diferenças regionais são fundamentais na
determinação do padrão da economia de escala da cada região. Neste contexto, os APL’s apresentam características que
podem modificar as diferenças de tais padrões.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 190
18/6/2009 09:47:30
Neste sentido, procura-se verificar o impacto que uma
região com APL proporciona sobre a escala da economia.
Com isso, a equação 4 é reespecificada como um modelo com
dados em painel, considerando o tratamento econométrico
com efeitos fixos como a metodologia adequada para incorporar o efeito das variáveis não observadas.
Assim, a equação de regressão a ser estimada, usando os
MQO, assume a seguinte configuração:

qis,l ,t  i ,l ,t   s qix,l ,t    DAPLi ,l ,t   i ,l ,t (5)
Onde:
DAPLi ,l ,t = dummy APL, assumindo valor um para cada
região l em que há algum tipo de APL e zero nos demais
casos.
A equação 5 examina como a especialização industrial
relativa de uma microrregião afeta a escala produtiva das
plantas da indústria local. Capta também a contribuição de
cada indústria e das características regionais sobre a economia de escala, além dos impactos da presença de APL na região expressos pelo parâmetro  . Para identificação da micrrorregião com presença de APL usam-se os resultados de
Suzigan (2006).
191
Faz-se, ainda, a construção de uma equação para captar
as influências devidas ao tipo de indústria, agregadas por categoria de uso dos bens (Tabela 2), bem como devidas às políticas
econômicas implantadas nas regiões captadas por uma dummy
temporal. Assim, a equação é reescrita conforme segue:
2

qis,l ,t    s qix,l ,t  l  DAPLi ,l ,t    i I i ,l ,t   t Tt   i ,l ,t
(6)
i 1
Onde:
Ii = 1, se indústria i e igual zero nos demais casos;
T = 1 se 2005 e igual zero se 2000.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 191
18/6/2009 09:47:31
Esta equação também pode ser estimada tomando como
n
variável dependente q .
Neste caso, podem ser estimadas oito regressões, quatro
para cada variável dependente, de modo a expressar desde
a situação do modelo puro, sem a presença dos três conjuntos de dummies, ao modelo completo, com a incorporação dos
três conjuntos de dummies.
Base de Dados
192
Para a aplicação da metodologia de identificação estatística das áreas onde há especialização industrial foram
utilizados os dados de vínculos empregatícios e número de
estabelecimentos da RAIS/MTE referentes aos anos de 2000
e 2005. O universo de análise, convergente com a proposta
do trabalho e as características da base de dados da RAIS, foi
delimitado em dois diferentes níveis.
Do ponto de vista geográfico, tomam-se como unidade
básica de estudo as microrregiões cearenses definidas pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). (Anexo
A). Isto permite agrupar mais de um município, abrindo a
possibilidade de incorporar à análise o conjunto de cada aglomeração industrial e todas as possíveis relações industriais
locais, mas que ultrapassam as fronteiras de um município
específico.
Do ponto de vista da atividade econômica, foi utilizada uma desagregação setorial segundo o nível de divisão da
CNAE/95 (Anexo B) do IBGE, abarcando toda a indústria de
transformação. Para a estimação do modelo são agregadas,
ainda, as indústrias em três categorias de acordo com o tipo
de uso dos bens (ver Tabela 2).
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 192
18/6/2009 09:47:32
Tabela 2 – Agregação das Indústrias de 2 Dígitos por Categoria de Uso dos Bens
Categorias
Divisão
Bens de Consumo Não Duráveis
15; 16; 17; 18; 19
(BCND)
Bens Intermediários (BI)
21; 22; 23; 24; 25; 26; 27; 28; 37
Bens de Capital e Consumo Duráveis
20; 29; 30; 31;32; 33; 34; 35; 36
(BCD)
Fonte: Adaptada de Paiva; Cavalcante e Albuquerque (2007).
Análise dos Resultados
Análise descritiva dos resultados
Padrão do emprego e do salário
A Tabela 3 mostra a distribuição do emprego por microrregião de acordo com o tamanho dos estabelecimentos,
para 2005. No Ceará, 58,95% do emprego estão nas micros,
pequenas e médias empresas e 41,05% nas grandes empresas. Tomando-se como foco as regiões com APL, em geral,
o emprego se concentra nas médias, pequenas e micros empresas. Enquanto que, nas regiões que não possuem APL,
em geral, o emprego se concentra na grande empresa. Vale
destacar essas microrregiões: Sobral, Itapipoca, Uruburetama, Pacajus. Em algumas regiões, sem APL, onde o volume de emprego é menor, o emprego se concentra na média
empresa, por exemplo: Ipu, Santa Quitéria, Médio Curu,
Sertão de Senador Pompeu, Médio Jaguaribe, dentre outras.
Assim, nas regiões sem APL, o emprego está concentrado
nas médias e grandes empresas, enquanto nas regiões com
APL, o emprego está concentrado nas médias, pequenas, e
microempresas, tendo a média empresa grande importância
para os dois agrupamentos de microrregião.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 193
193
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Tabela 3 – Distribuição do Emprego por Microrregião e Tamanho, 2005
Pequena
empresa
Micro empresa
Microrregião
Grande
empresa
Total
Absoluto
%
Absoluto
%
Absoluto
%
Absoluto
%
Absoluto
%
Litoral de
Camocim e
Acaraúa
251
14,19
357
20,18
630
35,61
531
30,02
1.769
100,00
Ibiapabaa
225
26,19
148
17,23
486
56,58
0
0,00
859
100,00
Coreaúa
65
38,46
104
61,54
0
0,00
0
0,00
169
100,00
Meruoca
6
100,00
0
0,00
0
0,00
0
0,00
6
100,00
Sobral
740
4,14
946
5,29
1.392
7,79
14.791
82,77
17.869
100,00
Ipu
100
46,73
0
0,00
114
53,27
0
0,00
214
100,00
Santa Quitéria
53
25,60
0
0,00
154
74,40
0
0,00
207
100,00
Itapipoca
69
2,56
91
3,38
0
0,00
2.536
94,07
2.696
100,00
Baixo Curu
151
17,44
196
22,63
519
59,93
0
0,00
866
100,00
Uruburetama
146
3,58
146
3,58
633
15,53
3.151
77,31
4.076
100,00
Médio Curu
66
13,10
21
4,17
417
82,74
0
0,00
504
100,00
Canindé
42
19,09
178
80,91
0
0,00
0
0,00
220
100,00
Baturité
178
25,46
418
59,80
103
14,74
0
0,00
699
100,00
Chorozinhoa
119
11,84
155
15,42
134
13,33
597
59,40
1.005
100,00
a
194
Média empresa
266
6,71
544
13,73
905
22,84
2.247
56,71
3.962
100,00
21.058
19,67
28.424
26,55
24.334
22,73
33.260
31,06
107.076
100,00
Pacajus
277
2,14
552
4,27
1.996
15,44
10.099
78,14
12.924
100,00
Sertão de
Cratéusa
155
41,78
216
58,22
0
0,00
0
0,00
371
100,00
Sertão de Quixeramobima
330
39,01
403
47,64
113
13,36
0
0,00
846
100,00
Sertão de
Inhamuns
33
100,00
0
0,00
0
0,00
0
0,00
33
100,00
Sertão de Senador Pompeu
106
23,87
118
26,58
220
49,55
0
0,00
444
100,00
Litoral de
Aracati
119
7,27
310
18,95
700
42,79
507
30,99
1.636
100,00
1.039
18,08
963
16,76
1.207
21,00
2.538
44,16
5.747
Cascavel
a
Fortalezaa
Baixo Jaguaribea
100,00
continua...
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 194
18/6/2009 09:47:32
continuação Tabela 3
Médio Jaguaribe
86
27,92
49
15,91
173
56,17
0
0,00
308
Serra do Pereiro
15
100,00
0
0,00
0
0,00
0
0,00
15
100,00
Iguatua
495
24,79
352
17,63
318
15,92
832
41,66
1.997
100,00
Várzea Alegrea
25
8,53
268
91,47
0
0,00
0
0,00
293
100,00
Lavras da
Mangabeira
27
29,03
66
70,97
0
0,00
0
0,00
93
100,00
Chapada do
Araripe
58
100,00
0
0,00
0
0,00
0
0,00
58
100,00
Caririaçu
14
100,00
0
0,00
0
0,00
0
0,00
14
100,00
Barro
56
100,00
0
0,00
0
0,00
0
0,00
56
100,00
Cariria
2.520
21,69
3.120
26,85
3.651
31,43
2.327
20,03
11.618
100,00
Brejo Santo
Ceará
100,00
75
40,98
108
59,02
0
0,00
0
0,00
183
100,00
28.965
16,20
38.253
21,39
38.199
21,36
73.416
41,05
178.833
100,00
Fonte: Elaboração Própria dos Autores Baseada nos Dados da RAIS/2005.
Nota: a indica presença de APL na microrregião.
A Tabela 4 mostra os salários médios por microrregião
e por tamanho do estabelecimento, tendo-se, ainda, a distribuição microrregional da massa salarial do estado. Fica claro
mais uma vez o diferencial entre: Fortaleza e as demais microrregiões, Fortaleza concentra mais de 66% da massa salarial do Ceará. Existem, ainda, microrregiões que se destacam
perante as demais, concentrando boa parte da massa salarial,
no caso de Sobral, Pacajus, Baixo Jaguaribe e o Cariri. Outro
fator interessante é que o salário médio pago no Ceará pela
média empresa, R$ 673,08, é maior do que em todos os outros
tamanhos de empresas.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 195
195
18/6/2009 09:47:32
Tabela 4 – Distribuição do Salário por Microrregião, 2005
Micro empresa
Média empresa
Grande empresa
Total
S.M.
(R$)
Massa
Salarial
(%)
S.M.
(R$)
Massa
Salarial
(%)
S.M.
(R$)
Massa
Salarial
(%)
S.M.
(R$)
Massa
Salarial
(%)
S.M.
(R$)
Massa
Salarial
(%)
Litoral de
Camocim e
Acaraúa
337,84
0,76
325,58
0,70
310,77
0,76
352,82
0,47
330,22
0,62
Ibiapabaa
319,52
0,65
445,39
0,40
580,26
1,10
0,00
0,00
488,72
0,45
Coreaúa
296,81
0,17
288,20
0,18
0,00
0,00
0,00
0,00
291,51
0,05
Microrregião
196
Pequena empresa
Meruoca
300,57
0,02
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
300,57
0,00
Sobral
358,92
2,38
397,40
2,28
597,00
3,23
454,02
16,69
458,22
8,75
Ipu
335,70
0,30
0,00
0,00
321,75
0,14
0,00
0,00
328,27
0,08
Santa Quitéria
426,83
0,20
0,00
0,00
348,10
0,21
0,00
0,00
368,26
0,08
Itapipoca
330,05
0,20
388,92
0,21
0,00
0,00
452,84
2,85
447,54
1,29
Baixo Curua
353,56
0,48
322,16
0,38
412,62
0,83
0,00
0,00
381,85
0,35
Uruburetama
433,16
0,57
318,67
0,28
321,27
0,79
425,07
3,33
405,43
1,77
Médio Curu
285,56
0,17
422,03
0,05
433,62
0,70
0,00
0,00
413,75
0,22
Canindé
320,51
0,12
329,45
0,36
0,00
0,00
0,00
0,00
327,75
0,08
Baturité
397,22
0,63
425,31
1,08
320,11
0,13
0,00
0,00
402,66
0,30
Chorozinhoa
306,38
0,33
300,66
0,28
324,34
0,17
401,21
0,60
364,22
0,39
Cascavel
336,57
0,80
349,44
1,15
345,58
1,22
556,69
3,11
465,23
1,97
Fortalezaa
399,50
75,49
440,65
75,85
789,12
74,69
656,06
54,23
578,66
66,19
Pacajus
413,17
1,03
752,82
2,52
531,09
4,12
491,31
12,33
506,95
7,00
Sertão de
Cratéusa
319,20
0,44
428,96
0,56
0,00
0,00
0,00
0,00
383,10
0,15
Sertão de Quixeramobima
379,68
1,12
545,49
1,33
1.233,76
0,54
0,00
0,00
572,74
0,52
Sertão de
Inhamuns
308,00
0,09
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
308,00
0,01
Sertão de
Senador
Pompeu
308,87
0,29
337,06
0,24
444,07
0,38
0,00
0,00
383,35
0,18
376,94
0,40
509,70
0,96
446,83
1,22
406,17
0,51
441,06
0,77
335,58
3,13
371,56
2,17
511,86
2,40
400,14
2,52
407,14
2,50
352,17
0,27
323,87
0,10
364,43
0,25
0,00
0,00
354,55
0,12
429,71
0,06
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
429,71
a
Litoral de
Aracati
Baixo Jaguaribea
Médio
Jaguaribe
Serra do
Pereiro
0,01
continua...
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 196
18/6/2009 09:47:32
continuação Tabela 4
Iguatua
326,81
1,45
328,50
0,70
317,67
0,39
399,17
0,83
355,80
0,76
Várzea Alegre
319,14
0,07
375,09
0,61
0,00
0,00
0,00
0,00
370,31
0,12
Lavras da
Mangabeira
326,71
0,08
422,99
0,17
0,00
0,00
0,00
0,00
395,04
0,04
Chapada do
Araripe
314,35
0,16
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
314,35
0,02
Caririaçu
304,62
0,04
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
304,62
0,00
Barro
325,26
0,16
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
325,26
0,02
Cariria
340,27
7,69
382,27
7,22
473,92
6,73
438,64
2,54
413,25
5,13
a
Brejo Santo
317,61
0,21
343,07
0,22
0,00
0,00
0,00
0,00
332,64
0,07
Ceará
384,72
100,00
431,69
100,00
673,08
100,00
548,08
100,00
523,43
100,00
Fonte: Elaboração Própria dos Autores Baseada nos Dados da RAIS/2005.
Nota: a indica presença de APL na microrregião.
Dimensão industrial das microrregiões
Tem-se, na Tabela 5, uma descrição dos números de setores presentes nas microrregiões destacando ainda, as mesorregiões às quais as microrregiões pertencem. São apresentados,
na referida Tabela 5, a quantidade de setores que são especializados e quantos não são especializados por microrregião,
segundo o cálculo do Quociente Locacional (QL). A partir da
decomposição do QL, em Qs e Qn, que captam os efeitos escala e número de estabelecimentos, respectivamente, destaca-se
ainda, a quantidade de setores em que prevalece o efeito escala
(Qs > Qn), e em quantos prevalece o efeito número de estabelecimentos (Qs < Qn). Ainda são diferenciadas na Tabela 5, as
microrregiões que possuem APL das que não possuem.
197
Podem-se classificar a partir dessa Tabela 5 três grupos de
regiões de acordo com a dimensão econômica da microrregião,
determinada pela freqüência de setores econômicos presentes
na microrregião. Uma faixa com baixa dimensão econômica,
de zero a oito indústrias presentes na microrregião, outra com
média dimensão econômica, maior ou igual a oito e menor que
quinze indústrias, e alta dimensão econômica, microrregiões
com quantidade igual ou superior a quinze indústrias.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 197
18/6/2009 09:47:32
A Tabela 5 mostra que existem sete microrregiões com
alta dimensão econômica, de acordo com o mapa cearense
(Anexo B), das quais três localizam-se nas mesorregiões mais
ao norte do Estado – Região Metropolitana de Fortaleza (Fortaleza, Pacajus) e noroeste cearense (Sobral); uma mais para
centro do Estado – sertões cearenses (sertão de Quixeramobim) – e as duas outras duas mais ao sul – centro-sul cearense
(Iguatu) e sul cearense (Cariri). Estes resultados revelam que
há a formação de regiões econômicas que funcionam como
centros regionais na maioria das mesorregiões, o que pode
significar o fortalecimento da economia estadual.
Tabela 5 – Número de Setores Presentes nas Microrregiões, 2005
Especializadas
Efeito dominante
Mesorregião
Microrregião
Total
Escala
Nº de
Estabelecimentos
Escala
Nº de
Estabeleci-mentos
198
Noroeste
Cearense
Norte Cearense
Metropolitana de
Fortaleza
Não Especializadas
Efeito dominante
Litoral de Camocim e Acaraúa
12
1
3
2
6
Ibiapabaa
13
0
3
0
10
Coreaúa
5
0
3
0
2
Meruoca
1
0
1
0
0
Sobral
20
2
0
13
5
Ipu
8
1
3
0
4
Santa Quitéria
7
0
3
0
4
Itapipoca
11
2
0
2
7
4
Baixo Curu
10
0
4
2
Uruburetama
11
2
0
7
2
Médio Curu
6
1
1
2
2
Canindé
8
0
5
0
3
Baturité
12
1
5
0
6
Chorozinhoa
5
1
1
1
2
Cascavela
10
3
0
4
3
Fortalezaa
23
6
13
1
3
Pacajus
18
4
0
10
a
4
continua...
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 198
18/6/2009 09:47:32
continuação Tabela 5
Sertões
Cearenses
Jaguaribe
Sertão de Cratéusa
10
0
7
0
3
Sertão de Quixeramobima
15
2
4
0
9
Sertão de Inhamuns
5
0
4
0
1
Sertão de Senador Pompeu
11
1
5
0
5
Litoral de Aracati
9
2
1
3
3
7
Baixo Jaguaribe
13
2
1
3
Médio Jaguaribe
9
1
3
0
5
Serra do Pereiro
3
0
2
0
1
Iguatua
17
3
5
0
9
Várzea Alegrea
7
0
3
1
3
Lavras da Mangabeira
5
0
3
1
1
5
0
4
0
1
4
0
3
0
1
4
0
4
0
0
Cariri
17
1
8
4
4
Brejo Santo
6
0
4
0
2
a
Centro-Sul
Cearense
Sul Cearense
Chapada do
Araripe
Caririaçu
Barro
a
199
Fonte: Elaboração Própria dos Autores Baseada nos Dados da RAIS/2005.
Nota: a indica presença de APL na microrregião.
Em geral, nas microrregiões que possuem APL, a
quantidade de setores é maior é maior onde o efeito número de estabelecimentos supera o efeito escala. Isso vale
para os setores que foram identificados como especializados e não especializados de acordo com o Quociente Locacional. Devem-se destacar as microrregiões de Sobral e
Pacajus que, apesar de grande importância econômica para
o Estado, não é caracterizado nenhum APL, nessas microrregiões, e a quantidade de setores onde o efeito escala é
superior, é bem maior.
Esse fato revela outra hipótese interessante: nas regiões com APL predomina o efeito número de estabelecimentos, enquanto nas regiões apenas identificadas como
especializadas há predominância do efeito escala. Como
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 199
18/6/2009 09:47:32
QL é um indicador que mede a relação média de números
de emprego industrial local sobre, no caso, essa relação
em nível estadual, isso significa que para região ser caracterizada como especializada ela deve apresentar uma concentração de emprego em determinado setor maior que a
relação no Estado. Neste caso, nada garante que esse fato
se deve a existência de uma grande empresa na região,
empregando grande percentual da mão-de-obra, ou, que
se deve a existência de várias empresas de porte menor
empregando essa mão-de-obra. É por isso que a predominância do efeito número de estabelecimentos nas regiões com APL mostra que nessas regiões a mão de obra é
empregada, em geral, por várias empresas. Já nas regiões
sem APL, mas especializadas, a mão de obra é empregada
por uma grande empresa, visto que, em geral, predomina
o efeito escala.
200
Distribuição espacial das microrregiões especializadas
Na Tabela 6 identificam-se os setores que são especializados, em cada microrregião e quais desses setores compõem
o APL em 2005. Além disso, se mostra os setores onde o efeito
número de estabelecimentos é maior que o efeito escala. As
indústrias estão identificadas por seus códigos da divisão da
CNAE.
Em geral, os setores que estão presentes na economia
cearense, que compõem ou não APL, são das seguintes
categorias de uso dos bens: bens de consumo não-durável e bens intermediários. Vê-se claramente que a maioria dos setores estão identificados na coluna onde o efeito
número de estabelecimentos é maior que o efeito escala.
Esse fato também é percebido nos setores que compõem
o APL.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 200
18/6/2009 09:47:32
Tabela 6 – Distribuição da Especialização Microrregional
das Indústrias, 2005
Microrregiões
Litoral de Camocim e
Acarau
Ibiapaba
QL>1; Qs>Qn
QL>1; Qn>Qs
19
20a; 26; 36a
15; 23; 36
Coreau
18a; 20; 26
Meruoca
Sobral
Ipu
15
19; 21
18
Santa Quiteria
Itapipoca
15; 27; 36
19; 23; 29
15; 19
Baixo Curu
15; 21; 26a; 36
Uruburetama
19; 34
Medio Curu
19
Caninde
21
19; 20; 22; 26; 36
Baturite
18
15; 17; 25; 26; 29
Chorozinho
15
29
Cascavel
15; 19; 26a
Fortaleza
15; 16; 17a; 20; 23; 28a
Pacajus
15; 17; 20; 22; 26a; 27; 34
24; 27
Sertao de Inhamuns
Sertao de Senador Pompeu
15; 17a; 20; 26
17; 20; 22; 26; 28
19
16; 17; 20; 21; 26
Litoral de Aracati
19; 26
15
Baixo Jaguaribe
19; 36
26a
Medio Jaguaribe
36
20; 24; 25
19; 29; 37
20a; 26; 28; 33; 36a
Serra do Pereiro
Iguatu
18; 24
Varzea Alegre
20a; 26; 36a
Lavras da Mangabeira
15; 20; 24
Chapada do Araripe
15; 20; 26; 36
Caririacu
15; 24; 36
Barro
Cariri
201
17; 19; 21; 34
Sertao de Crateus
Sertao de Quixeramobim
18a; 22; 24; 25a; 27; 29; 30; 31;
32; 33; 34; 35; 37
15; 25; 26; 36
24
Brejo Santo
19a; 20; 21; 25a; 26; 27; 36a; 37
15; 21; 23; 26
Fonte: Elaboração Própria dos Autores Baseada nos Dados da RAIS/2005.
Nota: a indica presença de APL na microrregião.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 201
18/6/2009 09:47:32
Análise econométrica do impacto da especialização
A análise descritiva envolvendo as regiões que possuem
APL e as que não possuem evidenciou que algumas peculiaridades dessas regiões podem afetar a presença de escalas
produtivas nas microrregiões. Para se confirmar essas diferenças em termos de significância estatística, nesta seção são
apresentados os resultados das estimações das equações de
regressão apresentadas na metodologia (equações 4, 5 e 6).
202
A Tabela 7 apresenta os resultados para a regressão 4 e 5
para cada indústria inclusive para toda a Indústria de Transformação. Como esperado, em geral, as estimativas dos coeficientes de qx nos dois modelos foram positivas e significantes
para algumas indústrias, não se apresentando o resultado da
estimação, pois a base de dados para as mesmas era muito
pequena. Esse resultado mostra que a especialização industrial determina a presença de economia de escala nas plantas
produtivas locais.
A incorporação das dummies para as regiões com APL
s
gera algumas alterações nas estimativas de  quando, em
geral, a magnitude do parâmetro diminui. Esse resultado
mostra que a especialização industrial determina a presença
de economia de escala nas plantas produtivas locais, mas devido às especificidades e características das regiões com APL
esse efeito é minimizado.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 202
18/6/2009 09:47:32
Tabela 7 - Resultado das Regressões para Cada Indústria
(Variável Dependente: qs)
Indústrias
Fabricacao de produtos alimentícios e bebidas
Fabricacao de produtos do fumo
Sem dummy
APL
qx
Com dummy
APL
qx
0,681499*
0,668176*
-
-
Fabricacao de produtos texteisa
0,745576*
0,749375*
Confeccao de artigos do vestuario e acessoriosa
0,549453*
0,524231*
Preparaçao de couros e fabrç. de artefatos de couro,
artigos de...a
0,96038*
0,94726*
Fabricacao de produtos de madeiraa
0,078205
0,092633
Fabricação de celulose, papel e produtos de papel
0,65174*
0,582506*
Edicao, impressao e reproducao de gravacoes
0,159833
0,142690
Fabrç. de coque, refino de petroleo, elaboracao de
combustiveis nu....
-
-
0,300503*
0,32395*
Fabricacao de artigos de borracha e plasticoa
0,625588*
0,604338*
Fabricacao de produtos de minerais nao metalicosa
0,2226918*
0,219287*
Metalurgia basica
0,597301*
0,596515*
Fabricacao de produtos de metal - exclusive maquinas e equipamentos
0,35379*
0,317254*
Fabricacao de maquinas e equipamentos
0,716231*
0,723633*
-
-
0,628804*
0,604713*
-
-
Fabrç. de equipamentos de instrumentacao para
usos medico-hospital....
0,588937*
0,932816*
Fabrç. e montagem de veiculos automotores, reboques e carroceri...
0,799081*
0,774166*
Fabricacao de outros equipamentos de transporte
-
-
Fabricacao de moveis e industrias diversas
0,399387*
0,395576*
Reciclagem
Indústria de Transformação
0,142092
0,732452*
0,518039
0,768552*
Fabricacao de produtos quimicos
Fabrç. de maquinas para escritorio e equipamentos
de informatic...
Fabricacao de maquinas, aparelhos e materiais
eletricos
Fabrç. de material eletronico e de aparelhos e equipamentos de com....
a
203
Fonte: Elaboração Própria dos Autores Baseada nos Dados da RAIS/2005.
Nota: a indica presença de APL na microrregião.
* significante a 5%.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 203
18/6/2009 09:47:32
A Tabela 8 apresenta os resultados com a agregação das
indústrias por categoria de uso dos bens. De acordo com os
resultados, nota-se que ao adicionar cada conjunto de dums
mies, o parâmetro de  diminui, enquanto o  n aumenta.
Em Soares; Santos e Freitas (2008) ao estimarem o modelo
econométrico da economia de escala em função da especialização considerando as características regionais, industriais
e do tempo, a magnitude do parâmetro  s aumentou. Assim, percebe-se que as regiões com APL apresentam características que, diferente das demais regiões especializadas,
minimizam o efeito escala. Assim, o amortecimento do efeito
escala é ainda maior quando se consideram as características das indústrias de acordo com o uso dos bens e quando se
consideram as variações temporais que captam os efeitos das
políticas econômicas nas regiões.
204
Tabela 8 – Resultado das Regressões por Categoria de Uso
dos Bens
Variáveis
Independentes
Variável dependente qs
Variável dependente qn
Regressão 1
Regressão 2
Regressão 3
Regressão 4
Regressão 5
Regressão 6
Regressão 7
Regressão 8
0.450175*
0.448223*
0.377751*
0.378446*
0.549825*
0.551777*
0.562839*
0.562748*
Dummies
para os
APL’s
Não
Sim
Sim
Sim
Não
Sim
Sim
Sim
Dummies
para o
Tempo
Não
Não
Sim
Sim
Não
Não
Sim
Sim
Dummies
para as
Indústrias
Não
Não
Não
Sim
Não
Não
Não
Sim
0.178266
0.201236
0.204126
0.200960
0.245989
0.267066
0.269717
0.266813
qx
R² Ajustado
Fonte: Elaboração Própria dos Autores.
* significante a 5%.
Considerações Finais
Este trabalho procurou apresentar uma nova metodológica para estimar os impactos sobre o tamanho médio da
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 204
18/6/2009 09:47:32
empresa em conseqüência da especialização produtiva local,
medida pelo quociente locacional. Aspecto relevante desta
construção metodológica é oferecer instrumento analítico que
contrapõe grande parte da literatura que trata deste assunto,
partindo de regressões de natureza meramente empírica.
A análise descritiva mostrou algumas diferenças entre
as regiões com APL e sem APL, por exemplo, as regiões com
APL têm como principal agente empregador as micro, pequenas e médias empresas. Além disso, apresentam menores
salários e a mão de obra é menos qualificada em relação aos
demais tipos de regiões especializadas no Ceará.
A decomposição do quociente locacional mostrou que,
de fato, naquelas microrregiões com especialização industrial
o impacto sobre a escala produtiva foi positivo e significante.
Porém nas especializações que são identificadas como APL o
impacto sobre a escala produtiva é minimizado. Isso faz com
que o impacto sobre a quantidade de estabelecimentos na região seja mais expressivo.
205
Cabe notar, também, que o padrão de especialização
identificado pelas características industriais e pelas especificidades regionais amplia o efeito da especialização sobre a escala, revelando que a dinâmica produtiva de uma localidade
depende do padrão produtivo da indústria e das vantagens
oferecidas pela localização regional.
Uma fragilidade do modelo é que não revela que fatores
contribuem para existência de economias de escala. Assim,
devido a necessidades nas orientações de políticas de desenvolvimento regional, recomenda-se avançar com a aplicação
desta metodologia, incorporando, no modelo, variáveis econômicas, sociais e de infra-estrutura que possam caracterizar
as microrregiões de modo a se detectar quais os fatores que
explicam a existência de economia de escala em territórios
com produção especializada.
Deve-se avançar ainda com a abrangência do estudo, já
que para uma economia menos desenvolvida como é a do Ceará, os resultados foram ao encontro das hipóteses. Pode-se
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 205
18/6/2009 09:47:32
ampliar a base de dados, partindo do Ceará para outros estados mais desenvolvidos da federação ou para todo o Brasil.
Desta forma os resultados poderão ser mais expressivos. Fazendo-se isso para cada tipo de indústria, pode-se organizar
uma política de localização produtiva com maior eficiência
de longo prazo, acelerando-se, com isso, o processo de crescimento regional e reduzindo as desigualdades econômicas
entre regiões.
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07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 208
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ANEXO A
Tabela 9 – Códigos da CNAE 1.0 para as Divisões da Indústria de Transformação
CNAE - Divisões
(2 dígitos)
Industrias
15
fabricaçao de produtos alimenticios e bebidas
16
fabricaçao de produtos do fumo
17
fabricaçao de produtos texteis
18
confecçao de artigos do vestuario e acessorios
19
preparaçao de couros e fabricaçao de artefatos de
couro, artigos de viagem e calçados
20
fabricaçao de produtos de madeira
21
fabricaçao de celulose, papel e produtos de papel
22
ediçao, impressao e reproduçao de gravaçoes
23
fabricaçao de coque, refino de petroleo, elaboraçao de
combustiveis nucleares e produçao de alcool
24
fabricaçao de produtos quimicos
25
fabricaçao de artigos de borracha e de material plastico
26
fabricaçao de produtos de minerais nao-metalicos
27
metalurgia basica
fabricaçao de produtos de metal - exclusive maquinas
e equipamentos
fabricaçao de maquinas e equipamentos
fabricaçao de maquinas para escritorio e equipamentos de informatica
fabricaçao de maquinas, aparelhos e materiais elétricos
28
29
30
31
32
fabricaçao de material eletronico e de aparelhos e
equipamentos de comunicaçoes
35
fabricaçao de equipamentos de instrumentaçao médico-hospitalares, instrumentos de precisao e opticos,
equipamentos para automaçao industrial, cronometros
e relogios
fabricaçao e montagem de veiculos automotores,
reboques e carrocerias
fabricaçao de outros equipamentos de transporte
36
fabricaçao de moveis e industrias diversas
37
reciclagem
33
34
209
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)/Comissão Nacional de Classificações (CONCLA).
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ANEXO B
210
Mapa 1 – Mesorregiões e Microrregiões do Estado do Ceará
Fonte: IBGE.
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7
PAPEL DOS SERVIÇOS NO DESENVOLVIMENTO REGIONAL BRASILEIRO APÓS 1990
Ricardo Azevedo Silva1
Introdução2
Embora o Terciário venha assumindo peso elevado nas
economias, seja em relação à riqueza gerada, seja no que diz
respeito ao emprego, trata-se do setor menos compreendido
da economia, mas que vem sendo alvo de interesse de estudos recentes diante de sua crescente importância na economia capitalista.
Em países subdesenvolvidos, inclusive no Brasil, há menor disponibilidade de séries estatísticas, pois até bem pouco
tempo não eram muitos os levantamentos de dados macroeconômicos voltados para os serviços. Contribuem para a
dificuldade nos estudo a complexidade e a diversidade que
o Terciário apresenta em economias subdesenvolvidas e periféricas e, no caso brasileiro em particular, as diferentes estruturas regionais colocam dificuldades específicas em torno do
tema. A todas essas questões soma-se uma, de ordem geral,
recorrentemente apontada pela literatura: a dificuldade metodológica para a classificação das atividades do Terciário.
261
Apesar dessas dificuldades, há um relativo consenso
entre os pesquisadores: primeiro, nosso Terciário frente aos
outros dois grandes setores (Agricultura e Indústria) é o que
mais cresce e responde por cerca de 60% ou mais do Produto Interno Bruto (PIB) do país; segundo, o Terciário, embora
gere um volume expressivo de emprego, em geral é um setor
de baixa capitalização, atrasado e com baixa produtividade,
gerando empregos precários na maior parte dos casos.
Economista e doutorando em Desenvolvimento Econômico pelo
IE/UNICAMP.
2
Este artigo baseia-se em várias pesquisas anteriores, a saber: Silva
(2002) e Silva (2005a, 2005b).
1
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Outra questão que se coloca é a qualidade desse Terciário: este tem formado/abrigado setores dinâmicos capazes
de gerar encadeamentos positivos ou mesmo estimular/impulsionar (“induzir”) a economia brasileira? Ou, ao contrário,
seu crescimento tem se dado principalmente em atividades
mais intensivas em força de trabalho (e pouco qualificadas)
vinculadas principalmente à maior dispersão urbana verificada no Brasil nas últimas décadas? A essas duas questões
relaciona-se uma terceira: qual tem sido a dinâmica regional
recente dos serviços no Brasil?
262
Contudo, a complexidade do Terciário torna seu estudo muito mais difícil. Além da dificuldade metodológica de
definição e classificação do setor, no caso brasileiro os obstáculos são ainda maiores, dada a heterogeneidade estrutural
que marca sua economia com a conformação de um terciário
de características complexas, abarcando atividades bastante
diferenciadas, incluindo uma ampla gama ligada a práticas
de sobrevivência urbana, muitas vezes não captadas nas estatísticas disponíveis, e que são fundamentais para reprodução
das camadas mais pobres.
Cabe aqui uma ressalva: as análises e críticas baseadas
em dados estatísticos muitas vezes não captam determinadas
formas de remuneração não monetária, ligadas à alimentação, saúde, moradia etc., algumas até inerentes às escolhas
individuais e relacionadas aos costumes e limitações geoclimáticos locais. Barreiras quase intransponíveis a serem analisadas nos estudos macrorregionais e macrossetoriais, pois
o grau de desenvolvimento desses espaços não pode ser padronizado e depende de ações políticas frente às demandas e
necessidades socioeconômicas específicas, inclusive relativas
ao meio ambiente.
Para o entendimento do Terciário brasileiro seria necessário um conjunto de estudos bastante extenso. De tal forma, fazem-se necessários diversos levantamentos de dados
e abordagens, dada a importância de contornar as limitações
existentes e unir esforços aos estudos que vêm sendo realizados recentemente.
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Uma análise regional incluindo o mercado de trabalho envolveria uma série de estudos e desdobramentos
que vão além de um texto como este. Pretendemos, tãosomente, contribuir para uma melhor compreensão do
Terciário partindo de uma reflexão sobre as transformações recentes da economia brasileira, fazendo uma análise
regional de dados de geração do PIB e também de geração
de ocupações.
Neste sentido, este artigo buscou levantar algumas questões referentes ao papel dos serviços no desenvolvimento da
economia brasileira sob a ótica regional, seus efeitos sob a
‘espacialidade’ da riqueza e prováveis consequências para as
regiões brasileiras consideradas menos desenvolvidas. Procurou-se contribuir para esclarecer melhor as características
dos setores do Terciário nacional, destacando a geração de
renda e emprego.
Para tal, este artigo foi dividido em cinco partes: 1ª)
Esta introdução, que levanta o problema a ser pesquisado,
compõe a primeira seção. 2ª) Na segunda parte é feita uma
síntese sobre a organização espacial no Brasil, estrutura econômica e urbanização, que envolve os aspectos centrais do
desenvolvimento regional relacionados ao nosso tema. 3ª)
Na terceira parte é feita uma discussão sobre as transformações recentes do Terciário brasileiro e suas implicações para
a dinâmica da economia brasileira através de uma reflexão
sobre os efeitos regionais do recente reordenamento da economia brasileira da década de 1990, frente à crise internacional, destacando o papel dos serviços nesse processo de
reordenamento e os rebatimentos regionais. 4ª) Na quarta
parte fazemos uma análise de dados sobre a geração de riqueza baseada na evolução regional do PIB e das ocupações
no setor Terciário brasileiro. 5ª) Por fim, são feitas as considerações finais, onde são apresentadas algumas conclusões
e discutidas as implicações dos aspectos estudados para a
economia brasileira.
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263
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Evolução da Organização Espacial no Brasil, Estrutura Econômica e Urbanização
264
A organização espacial do Brasil apresenta, historicamente, três momentos distintos que refletem os diferentes estágios
do padrão de acumulação e divisão social do trabalho que marcaram o processo de ocupação socioeconômico e demográfico
de seu vasto território continental e que resultaram, em larga
medida, também, sua inserção na economia mundial. O período primário-exportador, pré-1930, caracterizou-se por aquilo
que Oliveira (1982) classificou como arquipélago regional, com
as regiões brasileiras se articulando muito mais com o mercado
externo que entre si, e com baixa divisão social do trabalho, o
que resultou uma rede de cidade também desarticulada, fortemente litorânea. Embora fosse marcada por especificidades
locais, ao mesmo tempo era concentrada economicamente (no
litoral) e dispersa demograficamente (FARIA, 1976, 1991), com
a existência de um significativo número de núcleos urbanos
interiorizados (AZEVEDO, 1956), ainda que com rarefeita população. Vinda a industrialização, deu-se a unificação do mercado nacional (1929-1980), que articulou economicamente as
regiões e, por consequência, a rede de cidades que efetivamente passaram a constituir uma rede urbana adensada por fluxos
crescentes de mercadorias, capitais e pessoas. Este processo, até
final dos anos 1960, apresentou-se concentrado nas principais
metrópoles brasileiras – especialmente Rio e São Paulo – que
cresceram acima da média nacional, tanto econômica quanto
demograficamente.
O final desse segundo momento vai se dar, no entanto,
com um processo de desconcentração econômica, que ganhou
impulso nos anos 1990.
Desde os anos 80 observam-se, também, mudanças importantes no padrão demográfico do país, com o maior ritmo
de crescimento das cidades pequenas e médias, menor crescimento das metrópoles do Sudeste que se tornaram menos atrativas às migrações, além do surgimento de novas aglomerações urbanas não metropolitanas que adensaram a rede urbana
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brasileira. Acrescente-se, ainda, que o número de municípios
no país salta, por razões diversas que não cabem aqui discutir,
de 3992, em 1980, para 5506, em 2000. Ainda que se manifeste com especificidades regionais (BAENINGER; BRITO, 2007),
a desconcentração demográfica acena para uma configuração
territorial do país muito mais complexa e heterogênea, com
o sistema de cidades apresentando duas características que
se acentuam: do ponto de vista interurbano, a rede urbana se
complexifica pelo surgimento de aglomerações que passam a
exercer centralidade em áreas pouco adensadas anteriormente, aumentando sua integração. Ademais, a desconcentração
demográfica associada aos impactos dos benefícios coletivos
decorrentes da Constituição de 1988 que atingiram as áreas
menos urbanizadas criou maior circulação monetária geradora
de externalidades para as atividades de serviços básicos, pouco
sofisticados e intensivos em força de trabalho, além daqueles ligados às atividades decorrentes da descentralização do serviço
público – saúde e educação basicamente. Cano (2007) aponta,
inclusive, para o fato sui generis de que a urbanização em partes
de algumas áreas, como no semiárido nordestino, não decorre
da expansão da agricultura, nem da indústria e nem do serviço
público, mas seria movida pelos efeitos das políticas coletivas.
265
Por outro lado, núcleos urbanos com dinamismo econômico acima da média nacional passam a se articular com mais
intensidade com o exterior, tencionando elos da rede urbana,
pois os centros de decisão que ordenam aqueles encontram-se
no exterior, e não no território nacional, numa verdadeira articulação local-global, com potencial desenvolvimento de forças
centrífugas fragmentadoras. Do ponto de vista intraurbano as
mudanças no padrão demográfico reproduzem, especialmente
nas cidades médias, problemas que são típicos de regiões metropolitanas: insuficiência de infraestrutura urbana, violência
crescente, periferização das cidades etc., indicando que a ocupação e o reordenamento territoriais tenderiam a reproduzir os
mesmo problemas verificados alhures no país.
Apesar do baixo ritmo de crescimento da economia
brasileira no período pós-1980, observa-se que a organiza-
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18/6/2009 09:47:33
266
ção espacial do país tornou-se muito mais complexa. Do ponto
de vista econômico a desconcentração criou novos pontos de
dinamismo no território, tornando a decisão de investimento
mais independente do antigo padrão de localização, que era
fortemente metropolitano e concentrado no Sudeste e dependente, prioritariamente, do ritmo de crescimento do mercado
interno comandado pelo aumento da renda gerada a partir
dos investimentos produtivos e seus desdobramentos intersetoriais. Ademais, a maior internacionalização da economia
brasileira motivada pelo ajuste exportador (anos 1980) e pela
acelerada abertura econômica promovida pela política neoliberal (anos noventa) redefiniu os determinantes locacionais do
investimento produtivo do país que – a despeito de se manter
baixo, vis-à- vis suas taxas históricas – tornaram-se, desde então, muito mais atrelados ao dinamismo da economia internacional que ao crescimento do mercado interno, como ocorrera
entre 1920 e 1980. Muitas áreas ligadas à atividade exportadora
– agronegócios e indústrias de bens intermediários, principalmente – puderam se conectar diretamente à economia internacional com a qual mantêm, em muitos casos, vínculo mais forte
que com o núcleo industrial do país, estimulando interpretações sobre a tese do enfraquecimento da integração nacional e
da maior fragmentação da economia brasileira, em parte derivadas dos efeitos dessa maior articulação local-global.
O reordenamento da economia apontada na década de
90 teve participação importante do setor serviços, que se reestruturou com rebatimentos espaciais expressivos, como trataremos a seguir.
Transformações Recentes no Terciário Brasileiro
e Possíveis Implicações Para a Dinâmica da Economia Brasileira: Uma Visão do Início da Década
de 1990
O padrão de organização espacial do país foi impactado
pelas mudanças no cenário de crise econômica internacional
da década de 1990, que afetaram profundamente as ativida-
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des produtivas nas diferentes regiões brasileiras. A maior
abertura econômica provocou impactos regionais importantes a partir do processo de reestruturação produtiva. Dentre
os principais traços deste destacam-se: ajuste defensivo, pautado em expressivo aumento de produtividade via redução
de custos, notadamente do trabalho; introdução de inovações
organizacionais e melhoria dos sistemas de qualidade em
busca de maior eficiência no processo produtivo; terceirização de atividades e especialização produtiva e; - crescente
utilização de insumos importados.3 No geral defendia-se que
o mercado de trabalho fora afetado negativamente com impactos regionais específicos.
No geral foi expressivo o aumento da penetração das
importações na oferta doméstica, especialmente nos setores
intermediários e em bens de capital, cujas cadeias produtivas foram as que sofreram maiores esvaziamentos devidos
não só à substituição da oferta local de importantes segmentos intermediários por importações, como também pela
estagnação dos investimentos. Numa economia continental
fortemente integrada, a maior penetração das importações
representou inicialmente a quebra de elos importantes de
cadeias produtivas, tensionando a integração regional da
economia brasileira.
267
Neste contexto, alguns analistas temiam que a eficiência
microeconômica teria prevalecido sobre as estratégias macroeconômicas de desenvolvimento socioeconômico regional,
industrial e de fortalecimento do capital nacional.
Do ponto de vista setorial a política econômica privilegiou as forças do mercado, enquanto determinante do processo de modernização do parque produtivo, impulsionando a
internalização no país de capacidade para inovar. Do ponto
de vista regional, regiões produtoras de bens intensivos em
recursos naturais para exportação se beneficiaram da maior
internacionalização da economia brasileira, resultando em taxas de crescimento acima da média nacional.
3
Ver Silva (2002, 2005a, 2005b).
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Todo o processo até aqui sinteticamente abordado, ao
qual a economia brasileira foi submetida na década de 1990,
traduziu-se numa reestruturação das atividades produtivas
em nível nacional com características regionais específicas.
Sob a ótica do emprego, o mercado de trabalho teria
sido severamente atingido, como mostram diversos estudos
da área. Apontavam como um grave problema da década o
desemprego e a deteriorização das condições de uso e de remuneração da força de trabalho, com achatamento da remuneração e aumento da informalização.
268
De fato, no que tange ao desemprego, segundo dados
copilados da PNAD, entre 1992 e 1999, a taxa anual de crescimento da população desempregada (7,42%) foi muito superior à da população ocupada (1,37%), da PEA (1,88%) e a
da população brasileira (1,35%), demonstrando um claro desequilíbrio no mercado de trabalho vis à vis a uma alteração
na estrutura PEA/população total. Consequentemente, os
desempregados passaram de 7,2% para 10,4% da população
brasileira e, como agravante, a parcela de empregos formais
medidos pela Rais caiu de 45,9% para 41,3% no total dos empregos neste intervalo.4 Ou seja, ao mesmo tempo em que a
PEA aumentou mais que o total da população, o mercado não
teria absorvido a procura por trabalho com carteira assinada,
provocando um crescente desemprego, especialmente nas regiões metropolitanas, aumentando os problemas urbanos nas
maiores aglomerações do país.
Entre 1990 e 1998, só na indústria de transformação, a qual foi a
mais afetada e apresenta altíssimo percentual de empregos formais
e melhor remuneração, eliminaram-se 18,6% do pessoal ocupado
(2,5% ao ano), cerca de 2,5 milhões de empregos, passando-se de cerca de 9 milhões para 7,5 milhões de empregos. Conforme as PNADs
de 1991 e 1999, o número absoluto de desempregados no Brasil cresceu de 4.765.212 em 1991, para 7.145.095 em 1998 (49,94% de crescimento), alcançando 7.865.563 em 1999 (65,06% de crescimento em
relação a 1991). Paralelamente, o número absoluto de trabalhadores
sem carteira assinada passou de 14.459.115 para 16.414.250, crescimento de 13,52%.
4
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Esses estudos também registraram o crescimento de outras formas de contratação da mão-de-obra dos autônomos,
prestadores de serviços, microempreendedores e/ou dos
“conta-própria”, o que teria agravado os problemas com o
aumento da concorrência por trabalho.
Embora isso tenha se constatado em muitos casos, principalmente em determinadas atividades e localidades, para
esses tipos de ocupação é difícil medir as condições de uso e
remuneração do trabalho. Os dados enfrentam dificuldades
de dimensionar outras formas de remuneração (alimentação,
saúde, moradia etc) e especificidades do desenvolvimento local, como mencionamos na introdução.
Reflexões sobre os Efeitos Regionais
Supostamente, com a ampla abertura comercial e o novo
padrão concorrencial, as regiões do Brasil que abrigavam as
economias mais diversificadas, especialmente as que exerciam função de fornecedoras de mercadorias e serviços às
outras economias de sua própria região ou de outros estados brasileiros, seriam as mais afetadas pela reestruturação
econômica da década de 1990. Tanto pela exposição de seu
próprio mercado consumidor quanto dos mercados nacionais
demandantes de seus produtos a novos concorrentes internacionais dotados de um padrão tecnológico e organizacional
mais avançado e operando com custos mais baixos.
269
Já as economias em maior ou menor grau de especialização e pouco diversificadas, tradicionalmente importadoras
líquidas de mercadorias e serviços de outras localidades do
país, seriam as menos afetadas por sua menor exposição setorial ao acirrado padrão concorrencial que se estabeleceu. Até
mesmo, conforme o caso, podendo se beneficiar da acentuada
queda dos impostos de importação e da posterior apreciação
cambial, que reduziu o custo dos produtos estrangeiros de
sua pauta de importações, além de viabilizar novas alternativas frente ao fornecimento nacional.
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Por outro lado, os condicionantes da reestruturação produtiva e a forma como se deu a inserção da economia brasileira no
mercado internacional privilegiaram inicialmente a localização
de investimentos nas áreas mais dinâmicas e competitivas do
país, especialmente no que tange às estratégias das grandes empresas em relação à internacionalização da economia. O padrão
tecnológico imposto pelo novo ambiente concorrencial tornou
mais atrativa a proximidade aos grandes centros, dotados de
um terciário avançado, capaz de oferecer suporte às demandas
da produção reestruturada, como a da indústria que, no processo de reestruturação, terceirizou etapas de sua atividade.
Como ressalta Tânia Bacelar,
270
os novos requisitos locacionais da acumulação flexível,
como: melhor oferta de recursos humanos qualificados,
maior proximidade com centros de produção de conhecimento e tecnologia, maior e mais eficiente dotação de
infra-estrutura econômica, proximidade com os mercados consumidores de mais alta renda [...] atuam no sentido da concentração dos investimentos em áreas mais
avançadas. (ARAÚJO, 2000, p. 118).
Diniz (2000a, p. 15) reforça:
Considerada a distribuição regional da produção e da
renda brasileiras e a rede de cidades da Região CentroSul, onde estão localizadas as maiores universidades e
instituições de pesquisa, o mercado de trabalho profissional e a infra-estrutura urbana de serviços modernos,
tenderia a ampliar a força da rede de serviços, promovendo ou acentuando a concentração regional.
Deve-se destacar o avanço da Logística de Distribuição,
que ganhou maior destaque com o aprofundamento da internacionalização da economia brasileira. Neste segmento observam-se também efeitos concentradores ao predominar um
sistema tecnológico e administrativo inviável aos pequenos e
médios distribuidores, que perderam mercado para grande
distribuidores, sejam terceirizados ou não, sendo gradativamente excluídos ou tendo seus mercados consumidores, antes preservados, reduzidos.
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Até 1999, pelo menos, como mostra Silva (2002), as regiões periféricas foram as maiores perdedoras em termos de
distribuição do PIB, para o que contribuiu a gradativa piora da infraestrutura devido ao grau de endividamento dos
municípios, dos estados e da União, afetados pela crise internacional e pela falta de recursos para conservação dos
aparatos existentes. Em geral, a severa redução dos investimentos estatais que haviam exercido papel fundamental no
desenvolvimento regional, contribuindo significativamente
para a descentralização das atividades econômicas, na década de 1990 contribuiu inicialmente para o fortalecimento dos
centros mais desenvolvidos do país, na medida em que a ausência desse importante vetor restringiu as possibilidades de
espraiamento das atividades para outras localidades menos
desenvolvidas.
Como forma de contornar a crise fiscal da União e dos
próprios estados, a grande maioria destes acentuou a antiga
prática de atração de investimentos, pautada principalmente
na renúncia fiscal. Prática denominada “Guerra Fiscal”, devido ao elevado grau de benefícios oferecidos especialmente
ao capital de médio e grande portes que tiveram condições
de deslocar plantas, privilegiando, no curto prazo, os estados
receptores, mas dada a crise afetou suas finanças no médio e
longo prazos. Fator que comprometeu ainda mais os bancos
estaduais e colaborou para a “quebra” ou saneamento pela
União da maior parte deles, medida imprescindível em uma
economia capitalista.
271
Neste cenário, perderam-se importantes instrumentos
de políticas de desenvolvimento que ainda ofereciam crédito
de longo prazo, além das empresas estatais diretamente envolvidas com a produção física. Com isso, comprometeu-se
boa parte dos efeitos de desconcentração regional da atividade produtiva do centro-sul em direção ao Nordeste, observados no período de 1970-85, que subsistiriam em alguns
setores até a entrada da década de 1990 e que vêm passando
por forte reestruturação.
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Aspectos do Envolvimento dos Serviços no Processo de Reordenamento Econômico: Abordagem Regional
O Terciário nacional foi envolvido de forma estratégica
no profundo reordenamento da economia nacional, abordado acima. Setor que vinha ganhando participação no valor
adicionado da economia brasileira e, principalmente, na geração de ocupações nas últimas décadas do século XX, acompanhando uma tendência geral da economia contemporânea.
Na década de 1990, essa posição (quantitativa) se mantém,
mas sua importância assumiu novos contornos de forma mais
visível, dado o papel estratégico que muitos de seus segmentos assumem no processo.
272
Esse macrossetor foi palco de inovações tecnológicas e
organizacionais importantes, assim como de mudanças no
que tange ao funcionamento de suas atividades e à importância de sua participação no processo produtivo da economia
contemporânea, estabelecendo novas relações com os outros
dois grandes setores (primário e secundário). Com a terceirização decorrente da reestruturação produtiva, atividades do
terciário ganharam papel de destaque, especialmente na determinação de escolhas locacionais dos investimentos. Por outro lado, avanços tecnológicos permitiram oferecer com maior
diversidade serviços estratégicos imprescindíveis à economia
reestruturada, influenciando a macroeconomia espacial e o
funcionamento do mercado de trabalho, dada a localização
diferenciada regionalmente dos serviços mais avançados.
Em ramos de atividade como telecomunicações, bancos,
redes de comércio atacadista e varejista, turismo, entre outros, verificaram-se exemplos de processos de modernização,
de restruturação e/ou de adoção de nova logística de distribuição. Tais processos, ocorridos em intensidade e extensão
variadas nos setores do Terciário brasileiro, tiveram expressiva repercussão macroeconômica na década de 1990 com
consequências posteriores. Contudo, como já ressaltado, os
condicionantes da reestruturação produtiva e a remodelação
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da inserção econômica do País e das empresas no mercado
internacional privilegiaram a localização de investimentos
próximos às áreas urbanas mais dinâmicas e competitivas do
país ou em espaços com possibilidades de conexão aos centros dinâmicos e aos mercados mais atrativos. A concorrência
aprofundou-se e se tornou cada vez mais necessário o acesso
aos serviços característicos de um Terciário avançado capaz
de oferecer suporte às demandas da produção reestruturada
de atividades industriais e agropecuárias.
[...] a integração agricultura-indústria-serviços aumenta
a demanda dos chamados serviços à produção, especialmente com o crescimento da internacionalização e a necessidade de administração e controle das grandes organizações (engenharia, pesquisa e desenvolvimento, mercado,
propaganda, seguros, bancos, processamento de dados,
contabilidade), e à circulação (venda, transporte, assistência técnica, manutenção, instalação etc.). Por sua vez,
o aumento da terciarização amplia a complementaridade
entre indústria e serviços e implica na atração dos serviços
para próximo à produção, com tendência à reaglomeração
e à “clusterização” [...]. (DINIZ, 2000a, p. 14).
273
Neste contexto, a própria estruturação do setor Terciário se deu de forma heterogênea, em termos setoriais e/ou
espaciais. Enquanto algumas atividades se reestruturaram
e se modernizaram privilegiando determinadas localidades,
outras atividades e localidades ficaram à margem desse processo, mantendo características tradicionais (informalidade,
atraso tecnológico e organizacional etc.), ou mesmo sendo
excluídas do mercado. O processo de modernização organizacional e tecnológico ditou dinâmicas distintas entre os espaços regionais, tendo sido as grandes concentrações urbanas
(notadamente as regiões metropolitanas) os principais alvos
do processo de reordenamento recente do Terciário que avançou em ritmo e direção diferentes conforme a região.
Como parte deste contexto, o intenso processo de privatização, somado aos significativos movimentos de fusões e
aquisições ocorridos principalmente na década passada, envolveram o setor Serviços, principal alvo dos investimentos
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 273
18/6/2009 09:47:33
estrangeiros interessados, em grande parte, na exploração do
mercado interno em segmentos nos quais a demanda estava
garantida. A entrada de novos agentes no mercado alterou
bastante os padrões concorrenciais, trazendo novas exigências às empresas participantes, principalmente nos segmentos onde esse processo foi mais acentuado. Os setores Telecomunicação e Finanças foram exemplos típicos de grandes
alterações em seu perfil setorial.
274
A reorganização do Terciário, como já destacado, afetou
o mercado brasileiro como um todo, influindo decisivamente
no ambiente concorrencial ao reduzir distâncias, estabelecer
novas modalidades de comercialização, impor padrões tecnológicos e organizacionais, elevar exigências de produtividade
e qualidade etc. A busca de agilidade e flexibilização no processo produtivo está entre os fatores que contribuíram para
ampliar a importância e condicionar o desempenho recente
do Terciário no Brasil para cujo crescimento foram decisivos
os efeitos do fenômeno da terceirização, que elevou a participação de suas atividades no processo produtivo e contribuiu
para o próprio crescimento estatístico de seus segmentos. Por
outro lado, tornou-se ainda mais problemática a divisão metodológica em três macrossetores, e os recortes setoriais foram mais recorrentemente utilizados, dificultando a análise
econômica, dada a crescente dificuldade em identificar com
maior clareza as relações intersetoriais.
A seguir, partindo de alguns dados levantados, procuraremos contribuir com subsídios para o entendimento de
questões até aqui abordadas.
Análise dos Dados
Como mencionado na introdução, a complexidade do
Terciário brasileiro torna seu estudo muito mais difícil. Além
da dificuldade metodológica de definição e classificação do
setor, os obstáculos são ainda maiores, dada a heterogeneidade estrutural que marca a economia com a conformação
de um terciário de características complexas, abarcando ati-
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 274
18/6/2009 09:47:33
vidades bastante diferenciadas, incluindo uma ampla gama
ligada a práticas de sobrevivência urbana, muitas vezes não
captadas nas estatísticas disponíveis e que são fundamentais
para a reprodução das camadas mais pobres. Para o entendimento do Terciário brasileiro seria necessário um conjunto de
estudos bastante extenso. De tal forma, fazem-se necessários
diversos levantamentos de dados e abordagens, dada a importância de contornar as limitações existentes e unir esforços
aos estudos que vêm sendo realizados recentemente.
Nesta seção faremos uma análise regional de dados de
geração do PIB e também de geração de ocupações. Iniciemos
pelos dados do PIB.
O Terciário Brasileiro pela Ótica Setorial
Em primeiro lugar, é preciso registrar que apesar das
limitações de dados disponíveis no Brasil (SILVA, 2005a,
2005b), houve um esforço das instituições oficiais coordenadas pelo IBGE, desde 1998, para aprimorar as contas regionais
de modo a torná-las comparáveis aos demais países, conforme a metodologia internacional recomendada pela ONU. Por
outro lado, o IBGE, através de pesquisas anuais, tem buscado
avaliar melhor o Terciário frente às dificuldades de quantificar vários serviços.
275
Na série das contas regionais que engloba o período
1985-2004, é possível verificar que o consenso entre os pesquisadores de que nosso Terciário frente aos outros dois
grandes setores (Agricultura e Indústria) é o que mais cresceu
não mais se verificou, especialmente nos anos subsequentes
à crise do real seguida da desvalorização cambial, em 1999, e
a posterior retomada do crescimento econômico. É possível
notar, na Tabela 1, a preços de mercado de 2004, o peso dos
Serviços no PIB nacional, que vinha aumentando, caiu já em
meados dos anos de 1990, enquanto a Indústria, depois da
desvalorização, recuperou parte da perda sofrida desde fins
da década de 1980; sendo que a de transformação se recupera
mais nitidamente só depois de 2003.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 275
18/6/2009 09:47:33
Tabela 1- Participação Setorial no PIB Total – Brasil
Anos Selecionados 1985/2004 (Preços de Mercado de 2004)
TOTAL DO VA
276
1985
1990
1995
2000
2004
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
Agropecuária
7,7
7,7
7,9
8,5
9,5
Indústria Total *
44,9
43,6
43,1
43,9
43,9
Indústria extrativa mineral
3,1
3,2
3,1
4,3
4,6
Indústria de transformação
31,5
29,0
29,1
28,1
29,1
Eletricidade, gás e água
2,9
3,4
3,6
3,8
3,5
Construção Civil
7,4
8,0
7,3
7,7
6,7
Serviços (Terciário)*
47,8
49,1
48,7
47,6
46,6
Com e Reparação de Veíc.,
Objetos Pess. e Domésticos
6,7
6,8
7,3
6,8
6,7
Alojamento e Alimentação
1,2
1,4
1,3
1,3
1,3
Transportes e Armazenagem
1,6
1,7
1,7
1,9
1,9
Comunicações
0,7
1,0
1,4
2,1
2,2
Intermediação financeira
Atividade Imob., Aluguéis e
Serviços prest. às empresas
6,5
6,4
6,3
6,2
6,2
8,7
9,4
9,5
9,6
9,3
Administração Pública, Defesa e Seguridade Social
18,2
18,0
16,9
15,8
15,1
Saúde e Educação Mercantis
2,5
2,4
2,3
2,2
2,1
Outros Serviços Coletivos,
Sociais e Pessoais
1,3
1,5
1,4
1,3
1,4
Serviços domésticos
0,5
0,5
0,5
0,5
0,5
Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada nos Dados de IBGE. Diretoria de Pesquisas. Departamento de Contas Nacionais. Contas Regionais
do Brasil 1985-2000. Microdados e Silva (2005a, 2005b).
Obs.: Nesta Tabela os valores a preços de 2004 foram obtidos deflacionando os valores nominais correntes a partir do índice de Crescimento
setorial do próprio IBGE. A partir dos valores nominais deflacionados
calculamos as participações setoriais a valores de 2004.
No entanto, o mais importante não é o peso do macrossetor
Serviços no PIB, mas entender melhor a dinâmica interna do terci-
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 276
18/6/2009 09:47:33
ário após as transformações recentes. Ou seja, a questão que se coloca é se esse terciário tem formado/abrigado setores dinâmicos
capazes de gerar encadeamentos positivos ou mesmo estimular/
impulsionar (“induzir”) a economia brasileira. Ou, ao contrário, se
seu crescimento tem se dado principalmente em atividades mais
intensivas em força de trabalho (e pouco qualificadas) vinculadas
principalmente à maior dispersão urbana verificada no Brasil nas
últimas décadas. A essas duas questões podem ser relacionadas a
dinâmica regional recente dos serviços no Brasil.
Como já mencionado, a reestruturação do terciário foi
heterogênea: alguns setores se modernizaram e assumiram
um papel dinâmico; outros se caracterizam, principalmente,
como atividades tradicionais e/ou tecnologicamente atrasadas, intensivas em trabalho. Boa parte dessas últimas vinculadas a estratégias de sobrevivência, seja de microempresas,
seja de ocupados, como é o caso das pessoas jurídicas e dos
autônomos/conta-própria. Acreditamos que isso está relacionado com a dinâmica regional e urbana do País.
A Tabela 2 mostra o crescimento dos setores da economia brasileira segundo a segmentação adotada pelas contas
regionais do IBGE e uma adaptação ao modelo de classificação
setorial adotada por Browning e Singelmann (1978): six-sector
escheme (extrativa; transformativa; serviços distributivos; serviços produtivos, serviços coletivos e serviços pessoais). Ela
pode ser adequada à divisão do PIB em três setores: primário,
secundário e terciário e permite agrupar em categorias os setores do Terciário, conforme algumas características comuns.4
277
Considerando os três macrossetores na Tabela 2 a seguir,
nota-se que a Agropecuária, que recebeu importantes investimentos na década de 1990, inclusive estrangeiros, apresentou o melhor desempenho no intervalo 1985-2004, enquanto
o pior desempenho foi dos Serviços (Terciário). A Indústria
se recupera depois do final dessa década: a extrativa mineral,
já na segunda metade da década de 1990, puxada em parte
pela extração de petróleo, apresentou crescimento acima da
média; o setor industrial de transformação ganhou impulso
depois da desvalorização cambial de 1999.
4
Para esclarecimentos metodológicos, ver Silva (2008).
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 277
18/6/2009 09:47:33
Tabela 2 – Evolução do Volume do Valor Adicionado por Setores de Atividade
Anos Selecionados 1985/2004 - Brasil (1985=100)
1985
1990
1995
2000
2004
Total do VA
100
111,0
127,4
146,5
163,0
1. Agropecuária (primário)
100
110,8
131,0
161,3
201,6
2. Indústria Total (secundário)
100
107,9
122,3
143,2
159,4
Indústria extrativa mineral
100
113,8
126,6
200,4
238,8
Indústria de transformação
100
102,2
117,6
130,8
150,4
Eletricidade, gás e água
100
132,5
158,9
194,7
201,0
Construção Civil
100
119,8
126,3
152,0
148,4
3. Serviços (Terciário)
100
114,0
129,6
145,8
159,0
Com e Reparação de Veíc.,
Objetos Pess. e Domésticos
100
114,0
139,6
148,8
164,2
Transportes e Armazenagem
100
117,7
137,3
176,3
199,9
100
120,3
138,9
161,3
174,6
3.1 Serviços Distributivos
278
3.2 Serviços produtivos (complementares)
Atividade Imob., Aluguéis e
Serviços prest. às empresas
Comunicações
100
168,4
265,5
445,9
532,7
Intermediação financeira
100
109,4
124,0
140,4
155,2
Administração Pública, Defesa
e Seguridade Social
100
109,8
118,8
127,4
135,3
Saúde e Educação Mercantis
100
109,4
118,1
128,3
136,0
Alojamento e Alimentação
100
128,1
137,8
157,8
175,2
Outros Serviços Coletivos,
Sociais e Pessoais
100
123,8
130,1
141,5
164,5
Serviços domésticos
100
98,9
133,0
141,6
152,5
3.3 Serviços Sociais (coletivos)
3.4 Serviços Pessoais
Fonte: IBGE. Diretoria de Pesquisas. Departamento de Contas Nacionais. Contas Regionais do Brasil 1985-2004. Microdados.
Obs.: O IBGE utiliza seu deflator implícito do PIB. Para cada setor o
IBGE utiliza um deflator específico.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 278
18/6/2009 09:47:33
O desempenho da Indústria é fundamental para a dinâmica do Terciário. A Indústria de Transformação, que mais propicia
encadeamentos com o Terciário, apresentou menor crescimento
no período 1985-2004, o que limita seus efeitos multiplicadores.
No auge da crise econômica temia-se, inicialmente, que isto contribuiria negativamente para o crescimento do PIB dos Serviços,
especialmente os segmentos serviços prestados às empresas e
comércio atacadista. Ainda que com menor intensidade, provavelmente também seriam afetados mais diretamente os setores
Transportes e Armazenagem e Intermediação Financeira.
Mas é preciso olhar o desempenho do Terciário com mais
cuidado, considerando seus setores de forma desagregada e
por categorias de serviços. Para tanto, utilizamos a adaptação
à classificação de Browning e Singelmann (1978). Baseandose nesta, os melhores resultados estão nas categorias Serviços
Distributivos e Serviços Produtivos, cujo crescimento está
atrelado mais às atividades industriais e agroindustriais.
Dentre os Serviços Produtivos, as Comunicações apresentaram crescimento expressivo (Tabela 2), com a maior taxa
dentre todas as atividades do Terciário. De forma geral, todas
as atividades incluídas nesta categoria passaram por transformações e processo de modernização na década de 1990 (ver
à frente). Por este motivo, entre outros, apesar do ritmo de
crescimento lento da economia brasileira, as atividades desta
categoria apresentaram bom desempenho.
279
Em relação a Telecomunicações, um dos principais alvos
do processo de privatização, podem-se citar as seguintes novidades: adoção da tecnologia digital; novas possibilidades
de aplicação e ampliação da gama de serviços de telecomunicações, notadamente pela articulação com a informática (telemática); profunda alteração no quadro de agentes envolvidos
com o setor; e expressiva elevação dos investimentos no setor,
mas inicialmente com a criação de postos de trabalho em proporção menor que a esperada.6 Na telefonia deve-se reconheA mensuração dos empregos de atendimento ao cliente é difícil,
pois nem sempre estão organizados em empresas exclusivamente
prestadoras desse serviço.
6
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 279
18/6/2009 09:47:33
cer a expansão de linhas, especialmente móveis, que permitiu
uma maior agilidade e sinergia entre setores fornecedores e
consumidores. Contudo, o setor ainda mantém traços de concentração, notadamente na telefonia fixa, onde havia pouca
ou nenhuma alternativa de prestador e os serviços são alvos
de críticas e reclamações por parte dos usuários, embora se
deva registrar que a privatização reordenou o setor, desconcentrando-o regionalmente.
A queda na participação Intermediação Financeira no
PIB total (29,3% em 1985 para 13,3% em 2004), deve-se aos
efeitos do controle da inflação que superestimava sua participação no agregado da economia. Apesar dessa perda de
participação, o setor financeiro passou por um profundo processo de reestruturação e modernização que lhe possibilitou
aumentos de produtividade.
280
Dentre as alterações importantes nos bancos devem ser
destacados os seguintes impactos iniciais: ocorreu um forte
processo de automatização (em particular para facilitar o autoatendimento), com consequente redução de empregos diretos no setor; houve uma perda do lucro inflacionário com
reorientação das estratégias de atuação do setor e consequente cobrança de tarifas não cobradas anteriormente; e presenciou-se, também, uma expressiva elevação da participação do
capital estrangeiro no setor (palco de privatizações), após a
reestruturação bancária, sem que isso provocasse inicialmente uma melhoria significativa dos serviços, como foi previsto.
Depois, com o forte processo de centralização do capital e o
fortalecimento dos grandes grupos, principalmente nacionais, a participação estrangeira caiu. Recentemente os empregos no ramo de intermediação financeira, inclusive os bancos,
vêm apresentando crescimento. Outra questão importante a
destacar é que a função de oferecer crédito passa cada vez
mais a envolver agentes de outras atividades (do comércio
principalmente), seja de forma direta ou em associação com
instituições financeiras. Atualmente, deve-se reconhecer a
formação de um sistema financeiro sólido e facilitação do
acesso ao crédito. Por outro lado, frente às sucessivas crises
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 280
18/6/2009 09:47:33
do mercado financeiro internacional os juros reais, mesmo
apresentando uma queda importante, continuam muito elevados, o acesso ao crédito barato é limitado e, por fim, o peso
da operação financeira em vários outros segmentos vem ganhando participação no faturamento concorrendo com suas
atividades-fins.
Já na categoria Serviços Distributivos, apenas o setor de
Transportes e Armazenagens se destaca em termos de crescimento, beneficiado pelo papel central que os transportes assumem numa economia mais internacionalizada, a despeito
dos baixos investimentos em infraestrutura. O outro setor que
compõe esta categoria, o Comércio e Reparações, apresentou
crescimento semelhante à média da economia. Contudo, ambos também passaram por modernizações.
O setor de Transportes ganhou importância com o crescente papel estratégico que vem assumindo a atividade de
logística. Inicialmente, muitas empresas industriais reduziram seus departamentos de compra e de vendas, transferindo
atribuições para empresas especializadas em logística de distribuição. Ao mesmo tempo, muitas transportadoras se tornaram empresas de logística. Entre as inovações do setor estão:
introdução de rotas monitorizadas por satélite; incremento
da utilização da paletização das cargas; e atuação estruturada
em plataformas de distribuição. Com o incremento de novas
técnicas e tecnologias, o setor reduziu custos de distribuição e
o tempo despendido, acirrando assim a concorrência regional.
A maior internacionalização da economia exigiu, também,
modernização do segmento, dada a importância estratégica
dele na competitividade externa das empresas brasileiras.
281
O Comércio, mesmo que de forma bastante heterogênea,
também foi recentemente palco de alterações importantes, que
impactaram empresas atacadistas e algumas varejistas. Entre
as inovações mais expressivas ocorridas na década de 1990,
podemos mencionar: introdução do scanner; informatização
das operações administrativas e do controle de estoques; Troca
Eletrônica de Documentos (EDI); e mudanças organizacionais
nos processos de trabalho. Os ganhos provenientes das novas
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 281
18/6/2009 09:47:33
tecnologias, a circulação mais ágil de informação e a adoção
da logística de distribuição contribuíram para a consolidação
do maior poder de mercado das grandes redes atacadistas e
varejistas. Os atacadistas de menor porte procuraram se aproximar, através de suportes como crédito diferencial, dos micro,
pequenos e médios varejistas, estes, em busca de se associarem
para aumentar seu poder de compra. Porém, grande parte destes últimos manteve-se às margens das modernizações.
282
Em relação aos Serviços Pessoais, dependentes da renda das famílias, via de regra não apresentaram crescimento
expressivo no período 1985-2004, embora o setor Alojamento
& Alimentação tenha apresentado algum crescimento a considerar. Contudo, boa parte do desempenho desse setor está
relacionada a custos das atividades empresariais (Exs: valerefeição e turismo de negócios). Por outro lado, seu desempenho em geral foi afetado pela queda dos rendimentos médios
das famílias, em especial a classe média, afetados por efeitos negativos de sucessivas crises, embora do ponto de vista
do emprego, como veremos na seção seguinte, ele serviu de
“amortecedor“ das tensões por abrigar parcela importante da
força de trabalho deslocada do mercado formal.
Por fim, os Serviços Coletivos, que fogem à lógica de
mercado, foram os que apresentaram as menores taxas de
crescimento. Por um lado, no que tange ao setor público, além
da forma específica do cálculo do valor adicionado7, houve
Conforme os esclarecimentos metodológicos do IBGE, por ser um
serviço fornecido gratuitamente à coletividade, o produto dos serviços públicos precisa ser medido a partir de uma metodologia específica. O Valor da Produção (não-mercantil) da administração pública é
calculado pela soma dos gastos correntes realizados com a prestação
dos serviços públicos. Vale dizer, no caso da administração pública, a
produção é calculada a partir da soma dos custos de produção (material de consumo, mais gastos com pessoal ativo e inativo). Os gastos
correntes que entram no cômputo da produção são: material de consumo utilizado pelas administrações (Consumo Intermediário) mais
salários e encargos Coletivos dos empregados (ativos e inativos) no
serviço público (Valor Adicionado). Assim, o VA desse setor consiste
basicamente nos salários pagos menos os gastos de consumo.
7
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 282
18/6/2009 09:47:33
uma redução do Estado no que tange às atividades administrativas de 1989 a 2002, com crescimento insuficiente de
pessoal frente à demanda. Por outro lado, houve aumento
da demanda por serviços públicos concomitantemente a
uma forte expansão do número de municípios. Portanto,
aumenta a necessidade de serviços burocráticos e administrativos e de serviços ligados à reprodução da força de
trabalho: saúde e educação e serviços de seguridade social
garantidos pela constituição de 1988. O crescimento desses
últimos (serviços ligados à reprodução da força de trabalho) foi mais perceptível nos últimos anos com a entrada
em vigor da legislação.
Podemos enumerar alguns motivos que elevaram a demanda por serviços públicos: aumento do número de municípios; queda da renda/maior demanda por serviços públicos
gratuitos; aumento da taxa de urbanização e crescimento populacional mesmo em desaceleração.
Nem todos os setores e segmentos que compõem
os serviços coletivos e pessoais passaram por processo
de modernização, que nesses setores ocorreu de forma
localizada e desordenada. No que se refere aos serviços
coletivos pertencentes à administração pública, principal responsável, a modernização envolveu determinados
segmentos e parte da enorme gama de unidades administrativas e prestadoras dos serviços públicos de forma
desigual em momentos distintos, ficando amplos espaços
à margem do processo.8 No que se refere aos serviços coletivos não mercantis, a modernização dependeu da capacidade das empresas e dos incentivos. Os municípios e
estados mais desenvolvidos e/ou com demanda atrativa
foram os locais privilegiados, como foi o caso da Saúde e
Educação mercantis.
283
Devem ser destacados dois aspectos da evolução recente do Terciário no Brasil. Primeiro, a sua modernização
foi tardia em relação às economias desenvolvidas e esteve
8
O sistema de arrecadação tributária foi exemplo de modernização.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 283
18/6/2009 09:47:34
concentrada nos grandes centros urbanos, guardando diferenciações em termos regionais. Segundo, muitos setores,
como os relacionados aos serviços pessoais ou domiciliares e ao pequeno comércio, como também alguns serviços
públicos, não só não se modernizaram como permanecem
exercendo um papel importante na geração de ocupações
e de renda.
Um dos efeitos do processo de modernização até
aqui sintetizados foram novas formas de ocupação e contratação, indicando um crescimento dos postos de trabalho no setor.
Na Tabela 3 é possível verificar o peso dos serviços
no PIB do Terciário brasileiro, agrupados segundo nossa
classificação adaptada à construída por Browning e Singelmann (1978). Nota-se que os serviços produtivos, seguidos dos serviços coletivos, são os que mais pesam no
PIB do Terciário.
284
Nos serviços produtivos destacam-se as Atividades
Imobiliárias, Aluguéis e Serviços prestados às empresas
(principalmente os Serviços prestados com maior peso nesse
ramo) que ganharam participação entre 1985 e 2004. Comunicações foi o setor que mais aumentou sua participação e seu
peso do PIB do Terciário, passando a se tornar relevante. Nos
serviços coletivos o peso da Administração Pública, Defesa
e Seguridade Social, que incluem educação e saúde, embora
tenha caído continua sendo muito expressivo, não só para o
Terciário nacional como para a economia brasileira como um
todo, evidenciando a grande importância econômica do setor
público no Brasil.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 284
18/6/2009 09:47:34
Tabela 3 – Participação Setorial no PIB do Terciário – Brasil
Anos Selecionados 1985/2004 (valores de 2004)
1985
1990
1995
2000
2004
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
3.1 Serviços Distributivos
17,3
17,4
18,5
18,3
18,6
Com e Reparação de Veíc.,
Objetos Pess. e Domésticos
13,9
13,9
15,0
14,2
14,4
3,3
3,4
3,5
4,0
4,2
33,2
34,3
35,4
37,5
38,0
18,2
19,2
19,5
20,1
20,0
3. Serviços (Terciário)
Transportes e Armazenagem
3.2 Serviços produtivos (complementares)
Atividade Imob., Aluguéis e
Serviços prest. às empresas
Comunicações
1,4
2,1
2,9
4,3
4,7
Intermediação financeira
13,6
13,0
13,0
13,1
13,3
3.3 Serviços Sociais (coletivos)
43,2
41,6
39,5
37,8
36,8
Administração Pública, Defesa
e Seguridade Social
38,0
36,6
34,8
33,2
32,4
Saúde e Educação Mercantis
5,2
5,0
4,7
4,5
4,4
3.4 Serviços Pessoais
6,4
6,7
6,5
6,4
6,7
Alojamento e Alimentação
2,5
2,8
2,6
2,7
2,7
Outros Serviços Coletivos,
Sociais e Pessoais
2,8
3,0
2,8
2,7
2,9
Serviços domésticos
1,1
0,9
1,1
1,1
1,0
285
Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada nos Dados de IBGE. Diretoria de Pesquisas. Departamento de Contas Nacionais. Contas Regionais
do Brasil 1985-2000. Microdados e Silva (2005a, 2005b).
Obs.: Nesta tabela os valores a preços de 2004 foram obtidos deflacionando os valores nominais correntes a partir do índice de Crescimento
setorial do próprio IBGE. A partir dos valores nominais deflacionados
calculamos as participações setoriais a valores de 2004.
Por fim, deve-se destacar que os serviços distributivos
continuam tendo um peso significativo no PIB do Terciário
nacional e ganharam pouco de participação no período. Tanto os Transportes quanto o Comércio e Reparações de veículos, objetos pessoais e domésticos ganharam participação.
Embora este último tenha seu melhor momento em meados
da década de 1990, no auge do plano real.
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Feitos estes registros e observações sob a ótica setorial, a
seguir trataremos da estrutura do PIB sob a ótica regional. Ou
seja, procuraremos observar alguns efeitos das transformações recentes sobre a distribuição do produto da economia entre as macrorregiões do País, refletindo sobre os movimentos
mais importantes. Depois faremos o mesmo no que se refere
às ocupações geradas pelos setores do Terciário nacional.
A Geração do Produto Interno Bruto sob a Ótica
Regional
286
As mudanças da conjuntura econômica brasileira desde a
década de 1980, o reordenamento da economia, a reestruturação
das atividades e transformações até aqui sinteticamente mencionadas, refletiram sobre a economia regional do País. O Terciário,
ao participar desse processo, teve alguns de seus setores e segmentos exercendo papel estratégico. Partindo de dados de geração de
produto/riqueza (PIB), faremos a seguir uma análise regional de
forma a contribuir para o entendimento desse processo.
A Tabela 4 mostra a estrutura do PIB, especialmente do Terciário, em termos regionais. Consideramos aqui também a estrutura demográfica no que tange ao peso da população de forma a
avaliar melhor a evolução da participação regional no produto.
Tabela 4 – Participação das Regiões e Unidades da Federação
no PIB e População no Brasil - 1985/2004 (em %)
1985
1990
Regiões
1995
PIB
1999
2004
1985-2004
População
Norte
3,61
4,66
4,56
4,47
5,23
5,58
7,92
Nordeste
13,43
12,56
12,77
13,06
13,97
29,10
27,77
Sudeste
60,36
57,00
58,27
57,81
54,96
43,10
42,61
Sul
16,60
17,12
17,87
17,85
18,35
15,53
14,67
8,66
6,53
6,80
Centro-Oeste
Brasil
6,00
100,00
100,00 100,00 100,00
7,49
6,70
7,03
100,00
100,00
100,00
Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada nos Dados de IBGE. Diretoria de Pesquisas. Departamento de Contas Nacionais. Contas Regionais
do Brasil 1985-2000. Microdados.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 286
18/6/2009 09:47:34
É conhecida a elevada disparidade regional da riqueza
gerada no Brasil, como mostra a Tabela 4, que considera o
período recente 1985-2004. No Terciário isso também se verificava, mas a concentração se mostrou ligeiramente menos
acentuada em relação ao total do PIB brasileiro, como mostra
a Tabela 5.
O que chama a atenção é que o peso do Sudeste é muito
elevado e mesmo em leve declínio no período ainda superava
bastante seu peso populacional. Destaca-se o Estado de São
Paulo ainda com praticamente um terço do PIB dos Serviços
do Brasil, detendo, especialmente em seus maiores centros, o
Terciário mais diversificado e moderno do País, particularmente o da Região Metropolitana de São Paulo.9 Em geral, os
estados onde se localizam as maiores e mais desenvolvidas
regiões metropolitanas possuem as maiores participações do
produto dos serviços, seja em nível nacional ou regional.
Tabela 5 – Participação das Regiões e Unidades da Federação
no PIB do Terciário Brasil - 1985-2004 (em %)
1985
1990
Regiões
Norte
1995
1999
2004
PIB
1985
2004
População
3,25
4,04
3,88
4,15
4,65
5,58
7,92
Nordeste
13,18
13,22
13,02
13,39
14,94
29,10
27,77
Sudeste
59,26
54,79
59,01
58,54
55,16
43,10
42,61
Sul
14,88
14,13
15,66
15,23
15,63
15,53
14,67
13,83
8,43
8,69
9,62
6,70
7,03
Centro-Oeste
Brasil
9,43
100,00
100,00 100,00
287
100,00 100,00 100,00 100,00
Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada nos Dados de IBGE. Diretoria de Pesquisas. Departamento de Contas Nacionais. Contas Regionais
do Brasil 1985-2000. Microdados.
Mesmo com uma pequena melhora na distribuição espacial do PIB produzido pelo Terciário no Brasil, com a qual
o Norte e o Nordeste ganharam leve participação, ainda se
9
Ver Cano et al. (2007).
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 287
18/6/2009 09:47:34
mantém elevada a concentração desse grande setor no Sudeste, e levemente no Sul e Centro-Oeste. Estas três regiões, que respondiam por 64,3% da população brasileira,
detinham 80,4% do PIB da atividade em 2004, embora seja
preciso considerar que a localização do Distrito Federal no
Centro-Oeste acentua seu peso ao responder por 52% do PIB
do Terciário dessa região enquanto representava 34% do total do PIB da região.
Por outro lado, as duas regiões mais pobres, Nordeste
e Norte, com 35,7% da população brasileira, detinham apenas 19,6% do PIB da atividade nesse mesmo ano. O pequeno
ganho dessas regiões está relacionado a alguns fatores como:
efeitos da inclusão da previdência rural (especialmente no
Nordeste), aumento da urbanização e deslocamento de algumas atividades produtivas para subespaços dessas regiões.
Essas duas últimas também impactaram positivamente o Terciário do Centro-Oeste.
288
A Tabela 6, agrupada por setores e categorias de serviços do Terciário, seguindo a nossa adaptação metodológica,
mostra as variações no período. À primeira vista somos levados a acreditar que houve uma pequena, mas importante,
desconcentração do produto gerado pelo Terciário no período 1985-2004. Destaca-se o recuo do Sudeste em relação às
outras regiões, com variação negativa em oito dos dez setores
do Terciário, enquanto o Norte e o Nordeste, as duas regiões mais pobres do País, e o Centro-Oeste ganharam participação no produto desse grande setor. Mas para avaliarmos
melhor essa desconcentração é preciso considerar também
a variação populacional. Tanto no Norte quanto no CentroOeste a variação populacional foi positiva e superior aos seus
respectivos ganhos de participação no PIB do Terciário. Isso
aconteceu especialmente no Norte, que embora tenha obtido
ganho relativo no PIB de oito dos dez setores do Terciário,
em nenhum desses setores esse ganho foi superior ao seu ganho populacional. Com isso anulou-se totalmente a desconcentração da riqueza gerada pelos serviços nessa região. Isso
não aconteceu no Centro-Oeste, pois todos os seus ganhos de
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 288
18/6/2009 09:47:34
participação no PIB em sete setores do Terciário foram superiores ao seu ganho populacional.
Por outro lado, no Sul, o pequeno ganho relativo no PIB
do Terciário foi acentuado pela pequena perda populacional,
o que tornou relevante a concentração nessa região, a segunda mais rica do país. Em dois dos cinco setores nos quais essa
região perdeu peso no PIB, as perdas foram inferiores à sua
perda populacional, o que anulou parte da desconcentração.
Tabela 6 – Variação das Participações Regionais no PIB dos
Setores do Terciário Brasil e Regiões - 1985-2004* (Em Pontos
Percentuais)
Serviços
Serviços Produtivos
Distributivos
Serviços
Total do
Sociais
Serviços Pessoais
Setor
(coletivos)
Regiões
C&R
T&A AI&SE Com
IF
Adm
SE
Norte
0,38
1,56
-0,24
1,85
0,93
1,57
1,85 -0,41 1,37
1,09
1,40
Nordeste -0,52
3,55
-4,23
5,44
1,05
2,09
0,46 -3,02 5,33
1,86
1,76
-1,33
Sudeste
-4,97
-2,64
7,47
-14,98 -0,05 -6,6 -5,22 0,21 -9,51
-2,8
-4,1
-0,49
Sul
3,38
-3,09
-1,25
5,8
2,63 -0,71 1,87
3,38 -2,65 -0,67
0,75
-0,86
CentroOeste
1,73
0,6
-1,75
1,89
-4,56 3,65
0,19
0,33
A&A OS
1,04 -0,16 5,45
Parcela
da
SD’s Terciário População
0,52
2,34
289
Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada nos Dados de IBGE. Diretoria de Pesquisas. Departamento de Contas Nacionais. Contas Regionais
do Brasil 1985-2000. Microdados e Silva (2005a, 2005b).
Obs: ADM refere-se à Administração Pública, Defesa e Seguridade Social; AI&SE a Atividades Imobiliárias, Aluguéis e Serviços Prestados às
empresas, C&R ao Comércio e reparação de veículos, de objetos pessoais e de uso doméstico, IF à Intermediação Financeira, SE à Saúde e
Educação Mercantis, T&A a Transportes e Armazenagem, A&A a Alojamento e Alimentação, OS a Outros Serviços , SD’s refere-se a Serviços
Domésticos e Terciário à variação total no setor.
No Sudeste, como a perda populacional foi muito pequena, praticamente não se atenuou a desconcentração da riqueza
do Terciário nessa região. Dos oito setores nos quais a região sofreu perda relativa no produto nacional, apenas a Intermediação
Financeira apresentou perda menor que a perda populacional.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 289
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Já no Nordeste, seu ganho relativo no produto foi acentuado por sua perda de participação populacional. Essa região teve
desempenho relativo ascendente em sete setores do Terciário e
em um (Comércio e Reparação) dos três setores em que o desempenho foi declinante a perda foi inferior à sua perda populacional, aumentando, assim, o produto desse setor por habitante.
Em suma, a desconcentração regional do PIB ocorrida
nos serviços no período 1985-2004 reduziu a concentração regional em vários setores do Terciário, mesmo que os efeitos
da variação regional da população brasileira tenham, em alguns casos, contribuído para isso.
Dadas essas variações, a estrutura regional do PIB do
macrossetor Terciário e de seus setores no Brasil apresentou,
em 2004, a seguinte estrutura mostrada na Tabela 7.
290
Tabela 7 – Participações Regionais no PIB das Atividades do
Terciário segundo as Categorias de Serviços e Distribuição Populacional – Brasil e Regiões – 2004 (em %)
Serviços
Distributivos
Regiões
Serviços Produtivos
C&R T&A AI&SE Com
Serviços
Total do Parcela
Sociais
Serviços Pessoais
Setor
da
(coletivos)
IF
Adm
SE
A&A
OS
SD’s
6,67
4,88
3,13
7,37
Terciário
População
Norte
4,93
5,88
2,86
3,76
1,79
3,14
4,65
7,92
Nordeste
15,35
16,8
10,12
14,82
8,13 19,99 15,07 16,67 17,48 12,69
14,94
27,77
Sudeste
51,77 53,37
66,92
58,27 65,98 45,13 52,34 56,13 52,41 60,48
55,16
42,61
Sul
20,96
17
Centro6,99 6,94
Oeste
BRASIL 100,0 100,0
15,54
15,22 14,51 13,31 18,77 17,43 13,15 15,38
15,63
14,67
4,56
7,93
9,62
7,03
100,0
100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
100,0
100,0
9,59
14,9
8,95
6,64
9,58
8,3
Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada nos Dados de IBGE. Diretoria de Pesquisas. Departamento de Contas Nacionais. Contas Regionais
do Brasil 1985-2000. Microdados e Silva (2005a, 2005b).
Obs: ADM refere-se à Administração Pública, Defesa e Seguridade Social; AI&SE a Atividades Imobiliárias, Aluguéis e Serviços Prestados às
empresas, C&R ao Comércio e reparação de veículos, de objetos pessoais e de uso doméstico, IF à Intermediação Financeira, SE à Saúde e
Educação Mercantis, T&A a Transportes e Armazenagem, A&A a Alojamento e Alimentação, OS a Outros Serviços , SD’s refere-se a Serviços
Domésticos e Terciário ao total do setor.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 290
18/6/2009 09:47:34
Em termos de queda de PIB, na região Norte se destaca o Pará (1,7% do PIB do Terciário nacional). No Nordeste, a Bahia e Pernambuco (4,25% e 3,29% do PIB do Terciário
nacional). No Sudeste, São Paulo e Rio de Janeiro (31,51% e
12,17%). No Sul o Rio Grande o Sul (7,2%) e no Centro-Oeste,
o Distrito Federal (5,03%). Ou seja, os mesmos estados que
detinham as maiores participações em 1985.
Na próxima seção será avaliado o que aconteceu com a
geração de ocupações em termos regionais, considerados os
quatro grupos de serviços do Terciário conforme a classificação adotada: distributivos, produtivos, coletivos e pessoais.
O Terciário pela Ótica do Emprego
Os dados dos setores foram elaborados a partir dos microdados da PNAD e copilados de forma a adequar as diferentes
atividades de trabalho nos dez setores segundo o agrupamento
realizado pelo IBGE, e depois agrupados nas categorias de serviços conforme a classificação aqui adotada. Em cada categoria
foi sinteticamente analisada a evolução regional entre 1995 e
2006 do total dos ocupados por região e do percentual de ocupados sem contribuição à previdência pública. Portanto, estes
últimos, além de não possuírem registro em carteira, estariam
totalmente desprotegidos pelas garantias previdenciárias.
291
Mas, antes de fazer a análise, cabe aqui uma observação: além das dificuldades financeiras de expandir a rede de
atendimento da previdência pública, parte dos ocupados,
por diferentes razões, opta por não contribuir, por exemplo,
por precisarem utilizar recursos para girar seus negócios, ou
por encontrarem dificuldade de estabelecer esse vínculo em
serviços esporádicos, ou mesmo porque já possuem alguma
outra renda ou garantia de sobrevivência.10 Isso não diminui
10
Podemos citar alguns exemplos típicos: os micro empreendedores
e/ou conta-própria (pequenos agricultores, vendedores ambulantes,
camelôs, prestadores de serviços dos mais variados segmentos etc.)
e, inclusive participantes de programas sociais e beneficiários que
necessitam complementar sua renda.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 291
18/6/2009 09:47:34
as preocupações sociais, pois a maioria desses casos está relacionada à dificuldades de estabelecer maiores níveis de remuneração de ordem monetária frente a diversos limites e
especificidades setoriais e espaciais, já mencionados, em uma
economia capitalista em expansão.
292
Os Serviços Distributivos, categoria com maior contingente de ocupados entre as quatro categorias de serviços
de nossa classificação, são compostos pelo setor Comércio e
Reparações de veículos e objetos pessoais e de uso doméstico, que responde pela maioria dos empregos, e pelo setor
de Transportes e Armazenagem. Nos serviços distributivos
houve um crescimento de 43,6% do total das ocupações no
Brasil entre 1995 e 2006, como mostra a Tabela 8. Em termos
relativos a região Norte se destacou com 82% de crescimento, sendo que a região Sudeste foi a que teve o pior desempenho no intervalo (39,1%). Contudo, essa última região ainda
concentra cerca de 46% das ocupações dessa categoria de
serviços, seguida pelo Nordeste, que manteve sua participação no total dos ocupados em torno de 24%. Os dados
da PNAD também mostram os Estados que se destacaram
em termos de crescimento: Roraima (175,3%), Pará (93,4%),
e Mato Grosso do Sul (77,1%).11 Por outro lado, as maiores
concentrações de ocupados estão nos Estados de São Paulo (4,76 milhões), Minas Gerais (2 milhões) e Rio de Janeiro
(1,73 milhões).
Mas Roraima, em 2006, possuía apenas 36 mil ocupados, ou seja,
seu crescimento foi expressivo apenas em termos percentuais.
11
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 292
18/6/2009 09:47:34
Tabela 8 – Serviços Distributivos: total de Ocupados, percentual de ocupados sem contribuição à previdência e crescimento
percentual dos ocupados-1995/2006
1995
1995
2006
2006/1995
1.367.763
Sem
Contribuição
(%)
58,8
Nordeste
3.307.123
55,3
4.642.025
63,5
40,4
Sudeste
6.390.210
24,1
8.888.788
32,1
39,1
Sul
2.167.067
27,3
3.133.740
29,3
44,6
957.527
49,7
1.458.620
43,8
52,3
13.573.594
33,9
19.490.936
41,3
43,6
REGIÕES
Norte
Centro-Oeste
BRASIL
Total de
ocupados
751.667
Sem
Contribuição
(%)
56,1
2006
Total de
ocupados
Variação
(%)
82,0
Fonte: IBGE/PNAD.
Chama a atenção, também, que nos dois anos analisados os ocupados sem contribuição à previdência tinham peso
muito mais elevado no percentual de ocupados sem contribuição, enquanto no Norte, principalmente no Nordeste, aumentou o percentual de ocupados não cobertos por planos
previdenciários atingindo 63,5% dos ocupados nessa região
em 2006. Em 2006, os Estados com as piores situações em relação a essa cobertura ao trabalhador eram Mato Grosso do
Sul (77,1%), Acre (76,2,% dos ocupados não contribuíam) e
Sergipe (70%).
293
Em relação aos Serviços Produtivos, compostos pelo
setor Atividade Imobiliária, Aluguéis e Serviços prestados
principalmente às empresas, que responde pela maioria dos
empregos (cerca de 75%), e pelos setores de Comunicações e
de Intermediação Financeira, houve um crescimento de 69,6%
do total das ocupações no Brasil entre 1995 e 2006, como mostra a Tabela 9 a seguir. Em termos relativos, a região Norte se
destacou com 126,8% de crescimento, sendo que também foi
a região Sudeste que apresentou o pior desempenho no intervalo (60,1%). Contudo essa última região, mesmo perdendo
participação (4 pontos percentuais) ainda concentra em 2006
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 293
18/6/2009 09:47:34
praticamente 57% das ocupações dos Serviços Produtivos, seguida pelo Nordeste e Sul, com pouco mais de 15% do total
dos ocupados. Os dados da PNAD também mostram que entre os Estados se destacaram em termos de crescimento: Roraima (257,7), Pará (170,3%), e Espíríto Santo (153,8%).
294
Nos serviços produtivos os ocupados sem contribuição
à previdência apresentaram peso mais reduzido em 2006
(26,2% do total de ocupados). As regiões com pior nível de
cobertura da previdência foram o Nordeste (33,8%), e o Norte
(36,4%). Em todas as regiões, com exceção do Centro-Oeste, o
percentual de ocupados não cobertos por planos previdenciários aumentou entre 1995 e 2006, com destaque para o Nordeste onde o crescimento desse grupo foi maior. Em 2006, os
Estados com as piores situações em relação a essa garantia
ao trabalhador eram os Estados de Alagoas (48,3% dos ocupados não contribuíam), do Maranhão (45,5,%), e da Paraíba
(43,9%). Já os Estados com as maiores concentrações de ocupados são: São Paulo (2,34 milhões), Rio de Janeiro (0,85 milhões) e Minas Gerais (0,58 milhões).
Tabela 9 – Serviços Produtivos: Total de Ocupados, Percentual
de Ocupados sem Contribuição à Previdência e Crescimento
Percentual dos Ocupados-1995/2006
1995
1995
2006
2006
Norte
122.128
Nordeste
571.621
27,6
1.097.112
33,8
91,9
2.446.647
21,6
3.916.034
23,7
60,1
634.390
24,4
1.077.892
26,3
69,9
295.018
30,7
533.790
23,8
80,9
4.069.804
24,0
6.901.758
26,2
69,6
REGIÕES
Sudeste
Sul
Centro-Oeste
BRASIL
Total de
ocupados
Total de
ocupados
276.930
Sem
Contribuição
(%)
36,4
2006/1995
Sem
Contribuição
(%)
35,4
Variação
(%)
126,8
Fonte: IBGE/PNAD.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 294
18/6/2009 09:47:34
Os Serviços Coletivos constituem o grupo com o terceiro maior contingente de ocupados entre as quatro categorias
de serviços de nossa classificação. É composto pelo setor de
Educação e Saúde Mercantis e pela Administração Pública,
Defesa e Seguridade Social (incluindo educação e saúde) que
respondem pela grande maioria dos empregos (75% das ocupações). Nesse grupo houve um crescimento de 46,4% do total das ocupações no Brasil entre 1995 e 2006, como mostra a
Tabela 10. Em termos relativos, a região Norte novamente se
destacou com 81% de crescimento, sendo que a região Nordeste foi a que teve o pior desempenho no intervalo (35,2%).
Os dados da PNAD também mostram que entre os Estados o
Pará se destacou com crescimento de 126,9% no número total
de ocupados no intervalo considerado. O pior desempenho
foi da Paraíba, com crescimento de apenas 18,9%.
O Sudeste obteve um leve aumento de participação
no número de ocupados e era a região que mais concentrava ocupados nesse grupo em 2006, com cerca de 45,6% das
ocupações. A ela se seguia o Nordeste, que mesmo depois de
pequena perda de participação no total dos ocupados, ainda
respondia por 24,1% dos ocupados em 2006.
295
Tabela 10 – Serviços Sociais: Total de Ocupados, Percentual de
Ocupados sem Contribuição à Previdência e Crescimento Percentual dos Ocupados - 1995/2006
1995
REGIÕES
Norte
Total de
ocupados
491.744
1995
Sem
Contribuição
(%)
14,0
2006
Total de
ocupados
890.395
2006
Sem
Contribuição
(%)
11,1
2006/1995
Variação
(%)
81,1
Nordeste
2.199.273
21,8
2.972.614
17,1
35,2
Sudeste
3.791.251
10,0
5.620.352
14,0
48,2
Sul
1.232.727
10,3
1.813.529
14,0
47,1
701.031
11,7
1.024.359
10,9
46,1
8.416.026
13,5
12.321.249
14,3
46,4
Centro-Oeste
BRASIL
Fonte: IBGE/PNAD.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 295
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Dada a sua composição, que inclui o setor público, o
grupo dos serviços coletivos é o que apresenta a menor participação de ocupados sem contribuição à previdência. Em
nenhuma das regiões o peso dos ocupados sem contribuição
é dos mais expressivos. Contudo, enquanto o peso desse tipo
de ocupação caiu no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, nas regiões Sul e Sudeste ele subiu entre 1995 e 2006. Em 2006, os
Estados com as piores situações em relação a essa cobertura
ao trabalhador eram os Estados do Piauí (24,0%), do Alagoas
e do Sergipe (ambos com cerca de 20%).
296
Os Serviços Pessoais abriga o segundo maior contingente de ocupados entre as quatro categorias de serviços de
nossa classificação. Esse grupo é composto pelos seguintes
setores: setor de Alojamento e Alimentação, setor dos Outros
Serviços, Coletivos e Pessoais, ambos com mais de 3 milhões
de ocupados em 2006 e, ainda pelo setor de Serviços Domésticos, que responde por praticamente 50% das ocupações em
2006. Os Serviços Pessoais apresentaram um crescimento
de 29,4% do total das ocupações no Brasil entre 1995 e 2006,
como mostra a Tabela 11. Em termos relativos, mais uma vez
a região Norte se destacou com 69,4% de crescimento, sendo
que a região Sul foi a que teve o pior desempenho no intervalo (19,8%), em torno de 49% das ocupações dessa categoria
de serviços, seguida pelo Nordeste, que manteve sua participação no total dos ocupados em torno de 23%. Os dados
da PNAD também mostram que entre os Estados se destacaram em termos de crescimento: Roraima (190,3%) e Amapá
(155,2%), mas ambos em termos absolutos contêm número
pequeno de ocupados nesse grupo de serviços (23,9 mil e 33,4
mil ocupações). Por outro lado, as maiores concentrações de
ocupados estão nos Estados de São Paulo (3,4 milhões), Minas Gerais (1,59 milhões) e Rio de Janeiro (1,45 milhões).
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Tabela 11 – Serviços Pessoais: Total de Ocupados, Percentual
de Ocupados sem Contribuição à Previdência e Crescimento
Percentual dos Ocupados – 1995/2006
1995
REGIÕES
Norte
Total de
ocupados
473.911
1995
Sem
Contribuição
(%)
88,9
2006
Total de
ocupados
802.931
2006
Sem
Contribuição
(%)
82,0
2006/1995
Variação
(%)
69,4
Nordeste
2.476.313
86,1
3.137.894
78,8
26,7
Sudeste
5.210.689
64,4
6.688.220
56,9
28,4
Sul
1.579.103
67,3
1.892.042
58,8
19,8
823.960
80,1
1.145.655
68,1
39,0
10.563.976
72,2
13.666.742
64,6
29,4
Centro-Oeste
BRASIL
Fonte: IBGE/PNAD.
Os serviços pessoais é a categoria de serviços com o
maior percentual de ocupados sem contribuição à previdência. Embora esse tipo de contratação venha caindo proporcionalmente, ainda atingia 64,6% do total de ocupados em 2006.
As regiões com pior nível de cobertura da previdência foram
o Nordeste (82%) e o Norte (78,8%). Ao menos, em todas as
regiões o percentual de ocupados não cobertos por planos
previdenciários diminuiu consideravelmente entre 1995 e
2006, com destaque para o Centro-Oeste onde essa queda foi
mais expressiva. Contudo, essa situação em 2006 ainda era
muito preocupante nos serviços pessoais. Em 2006, em três
dos estados do Norte e em quatro do Nordeste o percentual de ocupados sem contribuição ultrapassava 80%, sendo a
situação mais delicada a do Piauí, onde 86,6% dos ocupados
não contribuíam para a previdência.
297
Por fim, cabe aqui uma comparação da evolução do
emprego entre os quatro grupos de serviços nos moldes da
abordagem acima realizada. Primeiro, no que tange ao crescimento das ocupações, e depois, em relação à falta de garantia
previdenciária à mão-de-obra.
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Em termos de crescimento do número de ocupados, foram os Serviços Produtivos que apresentaram a maior taxa
de crescimento entre 1995 e 2006, bem acima da taxa de crescimento do total de empregos do macrossetor Terciário que
cresceu consideravelmente, como é possível notar na Tabela 12. Da mesma forma, alguns setores que compõem esses
serviços foram os que apresentaram o melhor desempenho,
em termos de PIB, entre 1995 e 2004 (ver Tabela 2). Contudo, esse grupo é o que possui o menor número de ocupados,
embora apresente o segundo menor percentual de ocupados
sem contribuição. Segundo os dados de emprego da PNAD,
o crescimento das ocupações no setor das Atividades Imobiliárias, Aluguéis e Serviços prestados, que responde pala
maioria dos empregos no grupo, foi o que mais se destacou,
sendo que a região que apresentou o maior crescimento foi
a região Norte, que apresentou a maior taxa de crescimento
entre todos as categorias de serviços.
298
Tabela 12 – Total De Ocupados, Percentual De Ocupados Sem
Contribuição À Previdência E Crescimento Percentual Dos
Ocupados Segundo Os Grupos De Serviços-Brasil – 1995/2006
1995
1995
2006
2006
2006/1995
Grupos(categorias)
Total de
ocupados
Sem
Contribuição
(%)
Total de
ocupados
Sem
Contribuição
(%)
Variação
(%)
Serviços Distributivos
13.573.594
33,9
19.490.936
41,3
43,6
Serviços Produtivos
4.069.804
24,0
6.901.758
26,2
69,6
Serviços Sociais (coletivos)
8.416.026
13,5
12.321.249
14,3
46,4
Serviços Pessoais
10.563.976
72,2
13.666.742
64,6
29,4
Total
36.623.400
-
52.380.685
-
43,0
Fonte: IBGE/PNAD.
Já os Serviços Pessoais, que detêm o segundo maior
contingente de ocupados, apresentaram a menor taxa de
crescimento no intervalo considerado. Este também é o grupo com o maior percentual de ocupações sem contribuição
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previdenciária. A taxa de crescimento dos Serviços Distributivos foi a segunda menor e este grupo apresenta o segundo
maior percentual de ocupações sem contribuição. O grupo
dos Serviços Coletivos é o que detém o maior contingente de
ocupados (37,2% do total de ocupados no Terciário em 2006)
com percentual significativo de ocupações sem contribuição
à previdenciária.
Por fim, os Serviços Coletivos apresentaram a segunda maior taxa de crescimento entre as categorias de serviços,
com baixo percentual de ocupados sem contribuição previdenciária e detinham, em 2006, uma parcela expressiva do
total dos ocupados no Terciário brasileiro (23,5%).
Ainda é preciso destacar que foi expressivo o crescimento dos ocupados no macrossetor Terciário brasileiro entre 1995
e 2006, seja em termos absolutos (acréscimo de 15,76 milhões
de ocupações), seja em termos percentuais. Por outro lado,
exceto pelos Serviços Coletivos, onde o percentual de ocupados sem contribuição previdenciária ainda é significativo, nos
demais grupos este tipo ocupação aumentou no intervalo,
destacando-se os Serviços Distributivos. Mas dado que o intervalo observado é de onze anos, seriam necessários outros
estudos para qualificar sua importância em termos econômicos, inclusive considerando aspectos como remuneração,
jornada de trabalho, rotatividade da mão-de-obra, perfil dos
ocupados quanto à idade, sexo, vínculo de trabalho etc.
299
Considerações Finais
No desenrolar deste estudo, procuramos contribuir para
um melhor entendimento do desenvolvimento recente do
Terciário no Brasil, enfatizando sua importância para a economia nacional e os processos de modernização observados
em vários de seus segmentos econômicos, destacando comparações regionais, seja em termos da riqueza gerada (PIB),
seja em termos de postos de trabalho. Não se trata, agora, de
retomar todos os resultados da pesquisa e indicações apre-
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sentadas ou abordadas, mas de enfatizar alguns aspectos que
merecem maior destaque e estudos mais aprofundados.
300
1) Como mencionado, as atividades típicas dos serviços vêm passando por modificações que incorporaram transformações, em grande parte facilitadas
por avanços tecnológicos que permitiram o surgimento e/ou a modernização de determinados tipos
de serviços. Deve ser destacado que a reorganização do Terciário afetou o mercado brasileiro como
um todo, influindo decisivamente no ambiente concorrencial ao reduzir distâncias, estabelecer novas
modalidades de comercialização, impor padrões
tecnológicos e organizacionais, elevar exigências
de produtividade e qualidade etc. A busca de agilidade e flexibilização no processo produtivo está
entre os fatores que contribuíram para ampliar a
importância e condicionar o desempenho recente
do Terciário no Brasil.
Se por um lado a modernização do Terciário permitiu um avanço das grandes empresas sobre a periferia, por
outro lado também vem permitindo o atrelamento e desenvolvimento de espaços econômicos a centros importantes
de relações industriais e comerciais. Os avanços tecnológicos e o barateamento de determinados serviços de apoio
à produção e comercialização contribuem para tal. Destacam-se as telecomunicações, especialmente no que tange
à transmissão de dados por satélite; para o barateamento
dos transportes e para as facilidades de acesso aos serviços
bancários. Ainda que tenha avançado nesse sentido, muitos dos serviços modernos exigem unicamente condições
de infraestrutura de energia elétrica para instalação de
terminais de computadores nas empresas ou cobertura da
telefonia móvel, o que dispensou postos de trabalho, mas
abriu outras oportunidades e formas de contratação. Esse
novo contexto certamente influi e continuará influindo na
economia regional do país.
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2) No que tange a geração e distribuição da riqueza
gerada medida pelo PIB, ainda que os dados por estados e macrorregiões encubram muitos efeitos do
reordenamento recente da economia brasileira e da
modernização dos serviços de apoio à produção e
distribuição, foi possível notar uma desconcentração
da riqueza produtiva que vem acompanhada com
uma desconcentração populacional. Também se
observou uma alteração na composição interna do
grande setor Terciário. Mas, o importante a destacar
são a expansão e a modernização dos serviços que
vêm afetando as relações econômicas na esfera produtiva (e entre os diversos setores do próprio Terciário), assim como a reconfiguração espacial dessas
atividades. Mesmo de forma heterogênea, as implicações desse processo não podem ser desprezadas.
No caso da experiência brasileira, o desenvolvimento
do Terciário no contexto da reestruturação econômica teve
participação importante. A economia nacional foi palco de
grandes transformações, nas quais os serviços modernizados
e mais dinâmicos têm desempenhado um papel decisivo. O
reordenamento da economia nacional e as novas formas de
inter-relacionamento setorial vêm exercendo efeitos sobre a
localização de muitas atividades econômicas. Além disso, os
dados disponíveis indicam que as regiões e os estados mais
“desenvolvidos” (notadamente os que apresentam as maiores estruturas industriais) continuam mantendo peso expressivo no PIB e no total das ocupações do terciário nacional.
Certamente, isso tem sido influenciado pela expansão dos
outros dois grandes setores da economia: a agropecuária e a
indústria, assim como as influenciará, inclusive, propiciando
oportunidades de desenvolvimento econômico de outras regiões e localidades.
301
Baseando-se nos dados do PIB, a desconcentração ocorrida nos serviços no período 1985-2004, ainda insuficiente
para reduzir significativamente a forte concentração existente, acabou sendo, em parte, atenuada pela variação regional
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da população brasileira. Ou seja, em muitos estados e nas
macrorregiões com menor peso no produto econômico cresceu mais a população que o PIB Total e setorial do Terciário, portanto, exercendo efeito redutor sobre o produto per
capita. Contudo, é inegável que houve um crescimento importante do PIB do Terciário dessas regiões, e com as novas
oportunidades de negócios e encadeamentos, as perspectivas
precisam ser revistas. Inclusive, é necessário revisar a visão
desenvolvimentista que aponta o crescimento como solução
econômica para o País.
302
Em termos setoriais, a análise dos dados sobre o crescimento do Terciário no Brasil nos levaria a crer numa forte interdependência dos serviços com o desempenho da Indústria
e da Agricultura. Mas há razões para supor que tenha havido
uma autonomização, como pode não parecer a alguns analistas, que aponte para uma “economia autossuficiente dos
serviços” – isto é, para um rearranjo no qual o Terciário passe
a ditar a dinâmica e o sentido do desenvolvimento capitalista e a puxar o crescimento da economia brasileira arrastando
consigo os demais setores.11
Na série das contas regionais que engloba o período 1985-2004, foi possível verificar que o consenso entre os
pesquisadores de que nosso Terciário frente aos outros dois
grandes setores (Agricultura e Indústria) é o que mais cresceu
não mais se verificou especialmente nos anos subsequentes
à crise do real seguida da desvalorização cambial em 1999 e
a posterior retomada do crescimento econômico. O peso dos
Serviços no PIB nacional a preços de mercado de 2004, que
vinha aumentando, caiu já em meados dos anos de 1990. Enquanto a Indústria, depois da desvalorização, recuperou parte da perda sofrida desde fins da década de 1980; sendo que
11
Contudo, a evolução das ocupações mostra crescimento maior justamente dos serviços produtivos, fortemente influenciados pelas atividades produtivas industriais e agroindustriais. Da mesma forma,
vem aumentado a sinergia de determinados serviços e as demais
atividades produtivas.
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a de transformação se recupera mais nitidamente só depois
de 2003. Em termos de crescimento, considerando os três macrossetores, nota-se que a Agropecuária apresentou o melhor
desempenho no intervalo 1985-2004, enquanto o pior desempenho foi dos Serviços (Terciário).
Por outro lado, os setores do Terciário que apresentaram maior dinamismo em termos de crescimento do PIB
(Comunicações, Transportes & Armazenagem & Alojamento
e Alimentação) e nos quais o processo de modernização foi
mais intenso não eram os com maior representatividade na
geração do PIB da economia brasileira, embora venham ganhando representatividade e repercutindo significativamente
sobre diversas atividades, exercendo uma ação articuladora e
propulsora em algumas regiões. O aprofundamento de estudos sobre esses efeitos é uma agenda de pesquisa importante,
dadas as novas possibilidades de desenvolvimento regional.
Entre as quatro categorias de serviços da classificação
adotada, nos Serviços Produtivos destacaram-se as Atividades Imobiliárias, Aluguéis e Serviços prestados principalmente às empresas que ganharam participação entre 1985 e
2004. Comunicações foi o setor que mais aumentou sua participação e seu peso do PIB do Terciário passou a se tornar
relevante. Enquanto nos Serviços Coletivos, o peso da Administração Pública, Defesa e Seguridade Social, embora tenha caído, continua sendo muito expressivo, não só para o
Terciário nacional como para a economia brasileira como um
todo, evidenciando a grande importância econômica do setor
público no Brasil. Deve-se destacar também que os Serviços
Distributivos continuam tendo um peso significativo no PIB
do Terciário, mas ganharam pouca participação no período.
Tanto os Transportes e Armazenagem quanto o Comércio e
Reparações de veículos, objetos pessoais e domésticos ganharam participação.
303
3) No que tange ao emprego, destaca-se o expressivo
crescimento dos ocupados no setor terciário brasileiro entre 1995 e 2006, seja em termos absolutos
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(acréscimo de 15,76 milhões de ocupações), seja em
percentuais. Por outro lado, entre as quatro categorias de serviços, exceto pelos Serviços Coletivos,
onde o percentual de ocupados sem contribuição
previdenciária ainda é representativo, nos demais
grupos esse tipo ocupação aumentou, destacando-se os Serviços Distributivos. Vale destacar que
em todas as categorias as regiões Norte e Nordeste
apresentaram as maiores taxas de ocupados sem
contribuição. Contudo, é inegável que houve um
crescimento expressivo dos ocupados. Isso, a princípio, marca um momento em que é comum postergar a contribuição à previdência, exigindo, assim,
estudos mais atualizados.
304
As categorias com maior contingente de ocupados foram
os Serviços Distributivos, compostos pelo setor Comércio e
Reparações de veículos e objetos pessoais e de uso doméstico,
que respondem pela maioria dos empregos, e pelo setor de
Transportes e Armazenagem. Nos serviços distributivos houve um crescimento de 43,6% do total das ocupações no Brasil
entre 1995 e 2006. Em termos relativos, a região Norte se destacou com 82% de crescimento, e a região Sudeste apresentou
o pior desempenho no intervalo (39,1%), mas ainda concentrava aproximadamente 46% das ocupações dessa categoria
de serviços em 2006, seguida pelo Nordeste com 24%.
Em relação aos Serviços Produtivos, compostos pela
Atividade Imobiliária, Aluguéis e Serviços prestados principalmente às empresas, que respondem pela maioria dos
empregos (cerca de 75%), e pelos setores de Comunicações
e de Intermediação Financeira, houve um crescimento de
69,6% do total das ocupações no Brasil entre 1995 e 2006.
Em termos relativos, o Norte se destacou com 126,8% de
crescimento, sendo que a região Sudeste apresentou o pior
desempenho (60,1%), mas concentrava 57% das ocupações
dos Serviços Produtivos em 2006, seguida pelo Nordeste e
Sul (15% cada).
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Nos Serviços Coletivos o total das ocupações apresentou um crescimento de 46,4% entre 1995 e 2006. Este grupo
é composto pelo setor de Educação e Saúde Mercantil e pela
Administração Pública, Defesa e Seguridade Social, que inclui educação e saúde e respondiam pela maioria dos empregos em 2006 (75%). Em termos relativos, o Norte se destacou
com 81% de crescimento, e o Nordeste teve o desempenho
menos expressivo (35,2%). O Sudeste ganhou participação
no número de ocupados e era a região que mais concentrava
ocupados nesse grupo em 2006 (45,6% das ocupações), seguido pelo Nordeste (24,1%).
Por fim, os Serviços Pessoais, com o segundo maior contingente de ocupados, apresentaram a menor taxa de crescimento entre 1995 e 2006 (29,4%). É composto pelos setores de
Alojamento e Alimentação e dos Outros Serviços Coletivos, Coletivos e Pessoais, e, ainda pelo setor de Serviços Domésticos,
com praticamente 50% das ocupações do grupo. Nesse grupo a
região Norte também se destacou com 69,4% de crescimento dos
ocupados. A região Sul teve o pior desempenho (19,8%).
305
Em suma, a região Norte apresentou as maiores taxas
de crescimento das ocupações, o que contribui para a desconcentração regional do emprego. Por outro lado, nessa região,
assim como no Nordeste, as ocupações sem contribuição têm
um peso muito elevado, revelando baixa proteção aos trabalhadores do setor. Por outro lado, embora o Sudeste, em geral,
tenha apresentado baixo crescimento do número de ocupados, em termos absolutos apresentou aumentos expressivos e
as menores proporções de ocupados sem contribuição.
Por fim, dada a importância dos efeitos do crescimento do
Terciário sobre o desenvolvimento econômico regional e a geração de empregos, deve-se destacar a importância de estudos
sobre os estímulos e bloqueios resultantes da política macroeconômica recentemente adotada e sobre o atual papel do Estado
na reorientação das atividades econômicas no País, considerando a importância da alocação dos fatores e de políticas voltadas
para o desenvolvimento agrícola, industrial e regional frente a
constantes crises do setor financeiro internacional.
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18/6/2009 09:47:34
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07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 310
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6
DINÂMICA DO EMPREGO INDUSTRIAL NO
BRASIL ENTRE 1990 E 2007: UMA VISÃO REGIONAL DA DESINDUSTRIALIZAÇÃO
Bruno de Oliveira Cruz1
Iury Roberto Soares Santos2
Introdução
A questão da mudança estrutural da economia esteve
no cerne das discussões econômicas desde, pelo menos, os
fisiocratas com a defesa feroz da produção agrícola como
fonte para o desenvolvimento, até a mais recente discussão
sobre novas tecnologias da informação, empresas ponto com.
A partir da revolução industrial, no século XVII e XIX, observa-se um crescimento da indústria em termos de participação no Produto Interno Bruto (PIB). No início dos anos 30 do
século passado, contudo, começa a se observar uma inflexão
nesse processo com uma queda da participação da indústria
no PIB em países desenvolvidos. Os economistas começam a
estimar uma relação de “U” invertido entre renda per capita
e participação da indústria na economia: a principal questão
era a de determinar quais as causas e consequências para essa
relação. Nas últimas décadas o aumento do comércio internacional (com a redução do superávit ou mesmo o aparecimento déficit comercial em manufaturas para alguns países
desenvolvidos) e a redução do peso da indústria nas economias motivaram em grande parte o ressurgimento do debate
sobre as causas da chamada desindustrialização desses países
nos meios acadêmicos, principalmente entre os formuladores
de política e formadores de opinião. Essa discussão, muitas
vezes acalorada, pode ser exemplificada na recente edição da
The Economist “O mundo em 2009”, onde o executivo-chefe
da Rolls-Royce, John Rose, faz um apelo para o renascimento
211
Pesquisador do IPEA e Diretor-Adjunto de Estudos Regionais e
Urbanos do IPEA.
2
Bolsista do IPEA.
1
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da indústria inglesa como uma das únicas saídas para a crise
mundial, ou no famoso manifesto no fim dos anos 80 de Cohen
e Zysman (1987) intitulada “Manufacturing Matters” (A indústria é importante!). O debate nesta linha de argumentação em favor de uma desindustrialização parece ter conquistado muitos
adeptos fora da academia, o que gerou respostas muitas vezes
inflamadas por economistas acadêmicos. Por exemplo, Krugman (1996, p. 9, tradução nossa) afirma acerca do debate sobre a
desindustrialização: “É interessante se perguntar como um consenso intelectual [desindustrialização fruto do déficit comercial]
pôde emergir sobre um tema econômico, essencialmente sem
nenhum apoio de pesquisa econômica.” Ou mesmo, Skethhat
e Youridini (2003, p. 25, tradução nossa) afirmando que “parece haver uma certa glorificação da industria de manufaturas, a
qual nos lembra os Fisiocratas, que afirmavam que toda a riqueza vem da agricultura porque não se pode comer máquinas”. O
debate centra-se basicamente sobre dois pontos:
212
1) as causas da desindustrialização sendo fruto do déficit comercial em manufaturas.
2) Quais as consequências desse processo sobre o crescimento futuro das economias desenvolvidas? Existiria um processo benigno de desindustrialização ou
a economia estaria condenada a uma queda na taxa
de crescimento do PIB no longo prazo?
Essa querela, focada inicialmente em países em desenvolvimento, começou a tomar corpo no Brasil principalmente pela
perda de participação da indústria de transformação no PIB a
partir da segunda metade dos anos 1980. Palma (2005) e Scatolini et al. (2007) chegam a afirmar que o Brasil estaria entrando
no processo de desindustrialização em níveis de renda per capita muito abaixo dos países desenvolvidos, e que somente o
“processo natural” de crescimento da renda per capita não seria
suficiente para explicar a queda relativa no produto industrial
observada no Brasil. A grande questão seria também de entender o porquê desse processo prematuro de desindustrialização
e suas consequências sobre o crescimento futuro da economia.
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Uma questão quase esquecida nesse debate sobre desindustrialização seria qual o seu impacto sobre a distribuição
regional da indústria, isto é, esse grande processo de reestruturação da indústria, seja ele benigno ou com consequências
danosas para o futuro, certamente não é neutro com relação à
configuração espacial da indústria no Brasil.
O foco deste trabalho é exatamente o de observar como
esse processo de perda de participação da indústria na economia tem afetado a distribuição da indústria em termos regionais. Em especial, busca-se entender como a dinâmica do emprego industrial no Brasil foi afetada regionalmente, dado o
quadro de redução de participação da indústria na economia
e nos anos recentes de recuperação do emprego formal. Utilizam-se os dados da Relação Anual de Informações Sociais
(RAIS), entre 1990 e 2007, para se entender tal processo de reconfiguração da indústria no espaço. Diniz (1993) argumenta
que há uma desconcentração industrial com maior ênfase na
Região Metropolitana de São Paulo e no Estado de São Paulo
para um polígono localizado no Centro-Sul do País. A queda
do investimento público e a incapacidade de ação estatal resultam numa desconcentração industrial, ainda concentrada
em regiões do Centro-Sul brasileiro. Este trabalho, portanto,
realiza uma análise exploratória dos dados RAIS para se inferir algumas conclusões sobre a reconfiguração espacial da indústria. Certamente, essa dinâmica tem impactos não triviais
sobre as políticas de desenvolvimento regional e industrial,
mostrando a necessidade de integração dessas políticas.3
213
A recente Política de Desenvolvimento Produtivo pouco trata da
questão da configuração espacial da indústria. Por exemplo, efeitos positivos de aglomeração podem ser estimulados como fonte
de ganhos de produtividade, como também fica clara a necessidade de se complementarem investimentos públicos como forma
de ampliar os efeitos encadeadores locais de empreendimentos
industriais. A União Européia coloca como um ponto central para
a sua política de elevação da “competitividade” o fortalecimento
de aglomerações industriais e ampliação da conectividade entre as
regiões e localidades.
3
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O trabalho está divido da seguinte forma: na próxima
seção faz-se uma revisão da literatura sobre a desindustrialização e o debate sobre a configuração espacial da indústria
no Brasil. Na seção 3, apresentam-se os dados que mostram
a perda de participação da indústria no PIB brasileiro. A seção 4 concentra esforços sobre a distribuição da indústria no
espaço brasileiro e a evolução dessa distribuição entre as microrregiões brasileiras. Utiliza-se a técnica de Análise Exploratória de Dados (ESDA) para se identificarem aglomerações
industriais e uma caracterização das regiões ganhadoras nesse processo. Numa seção seguinte analisam-se as vinte microrregiões que mais perderam ou ganharam empregos entre
1990 e 2007 para tentar coligar algumas possíveis tendências
desse processo. Por fim são traçadas algumas conclusões.
Revisão da Literatura
214
A revolução industrial representou uma grande mudança estrutural na economia com a redução da importância do
setor agrícola e a elevação da participação da indústria. Contudo, a partir da década 30 do século XX, houve uma crescente preocupação sobre outra mudança estrutural em favor do
setor serviços, e a perda relativa de importância da indústria.
Skethhat e Youridini (2003) argumentam que existem três
principais “explicações clássicas” para a transição para uma
economia de serviços:
1) Serviços seriam “bens superiores”. Haveria uma mudança na demanda em favor do setor serviços quanto maior fosse a renda per capita, isto é, haveria uma
parcela cada vez mais elevada da renda alocada para
serviços uma vez que as economias aumentassem
a sua renda per capita. Clark (1951) e Fisher (1935)
são as principais referências nessa linha. Parte-se do
pressuposto que há uma hierarquia de preferências
ou necessidades, e os serviços estariam numa escala
mais baixa de necessidades. Assim, somente depois
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de atendidas as mais básicas necessidades é que se
tornaria possível adquirir serviços.
2) Diferencial de produtividade em favor da indústria:
este tipo de explicação aponta para o diferencial de
produtividade com a indústria sendo a fonte primária de ganhos de produtividade na economia, ou seja,
haveria uma redução da mão-de-obra empregada na
indústria. Isso implicaria que o setor serviços absorveria mais rapidamente a mão-de- obra excedente
da indústria. A realocação da mão-de-obra de um
setor altamente produtivo para o setor serviços explicaria a redução do peso da indústria na economia.
Basicamente este é o argumento de Baumol (1969).
3) Especialização de serviços: haveria uma terceirização (outsourcing) da indústria em favor de um setor
serviços cada vez mais especializado. Haveria, portanto, uma nova divisão de trabalho inter-setores
favorecendo uma especialização em serviços. Um
exemplo frequentemente citado seria a terceirização
do setor de marketing de uma firma industrial.
215
A primeira hipótese de mudanças pelo lado demanda se
justificaria por uma possível hierarquia de produtos, sendo
que serviços representariam um consumo de alto luxo, portanto necessitando uma renda mais elevada para que se consiga alocar parte da renda nesse segmento. Segundo Skethhat
e Youridini (2003), no entanto, tal hipótese não encontra bases empíricas para sustentar a explicação da mudança setorial
via elevação da renda per capita. Estudos realizados por Fuchs
(1968) para economia americana mostram que a elasticidade
renda dos serviços é bastante próxima à elasticidade renda
dos demais bens, e que não seria suficiente para explicar a
alteração da estrutura de empregos em favor de serviços.
Outro impacto pelo lado demanda seria devido ao comércio exterior. O aumento da desigualdade de salários (entre trabalhadores não qualificados e qualificados) nos países
desenvolvidos e desemprego (em especial na Europa) pode-
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216
riam ser explicados pela a deslocalização de empresas para
os novos países emergentes. Isto é, a perda da indústria seria
explicada pelo déficit comercial em manufaturas. Rowthorn
e Ramaswamy (1999) tentam estimar os efeitos do comércio
exterior sobre o processo de desindustrialização a partir de
regressões da participação do emprego industrial. Os autores
utilizam dados de painel para países desenvolvidos entre a
década de 1970 a1990. O efeito do déficit comercial em manufaturas sobre a participação do emprego industrial no PIB,
ainda que significativa na explicação da redução da indústria
no PIB, não seria quantitativamente relevante para explicar a
redução da indústria no produto. Estes autores argumentam
que, na verdade, a desindustrialização seria um processo, e
que a economia no longo prazo teria como motor setores de
serviços com elevada produtividade, como o setor de comunicações. Em outras palavras, para estes autores o comércio
Norte-Sul não é responsável pela queda na participação do
emprego industrial no total de empregados. A balança comercial, em alguns países, seria positiva, e mesmo países que
apresentem déficits nestes valores são bastante reduzidos
como proporção do PIB. A partir de regressões lineares eles
encontram uma relação não-negativa entre a participação do
emprego industrial (consideram apenas a indústria de transformação), o déficit em manufaturas poderia explicar a diferença na participação entre países e não ao longo do tempo.
Ainda que não considerem explicitamente os efeitos dinâmicos da desindustrialização sobre o crescimento da economia,
os autores argumentam que a produtividade em serviços,
como novas tecnologias da informação, compensaria a perda
relativa da indústria e tal fato garantiria o crescimento sustentado a longo prazo.4
Rowthorn e Ramaswamy (1999) argumentam, ainda, que a perda
de importância da indústria no emprego total tem efeitos diretos
sobre o grau de sindicalização da economia. Segundo eles, o setor
serviços (à exceção do serviço público) seria por demais complexo
para permitir, por exemplo, negociações coletivas.
4
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Krugman (1996) é outro autor que não considera relevante o impacto do comércio exterior no fenômeno da desindustrialização. O autor reconhece que este efeito realmente
possa ser teoricamente possível, entretanto sua estimativa
para o impacto do comércio exterior seria quase irrelevante
em termos quantitativos. Ele estima em 0,363% o impacto da
desindustrialização induzida pela pressão concorrencial externa da manufatura sobre o bem-estar das famílias. A partir
de um simples modelo, que toma como dado o diferencial de
salários entre a indústria e os demais setores da economia,
conclui-se que a parcela da desindustrialização seria mais devida ao efeito doméstico (o diferencial de salários), que induzida pela balança comercial deficitária em manufaturas.
Imbs e Wacziarg (2003) encontram uma relação não monotônica entre grau de concentração setorial da economia e
renda per capita. De acordo com os dados utilizados pelos autores, as economias tendem a se diversificar setorialmente no
início do desenvolvimento, e após um dado nível de renda per
capita a tendência é revertida, ou seja, há uma reconcentração
setorial da economia. Há teorias tanto para a diversificação
(preferências não homotéticas e teoria do porfólio, onde os
ativos seriam os setores) quanto para a concentração setorial
(teoria das vantagens comparativas de Ricardo e a nova economia geográfica, com externalidades de demanda e ganhos
de aglomeração). Essas teorias, no entanto, só explicam relações monotônicas entre grau de diversificação e renda per
capita. Imbs e Wacziarg (2003) tornam endógeno o grau de
diversificação da economia a partir de um modelo onde há
interação de produtividade e custos de transação.
217
Baumol (1967) é precursor da chamada visão pelo lado
oferta5. Tal abordagem, que ficou conhecida como “doença do
custo”, tem um argumento que é bastante simples: a produtividade na indústria cresceria a uma taxa mais elevada que
no setor serviços. Devido ao fato de que os salários seriam
equalizados entre os setores, o nível de preços no setor servi5
Krugman (1996) denominaria este um dos efeitos domésticos.
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ços cresceria a taxas mais elevadas, os empregos migrariam
da indústria para os serviços. Desta forma, o setor industrial
teria cada vez menos peso na economia. Um efeito de longo
prazo seria a queda na taxa de crescimento da economia, que
convergiria para os níveis do crescimento da produtividade
no setor mais estagnado, que é exatamente o setor terciário.
Este influente artigo motivou diversos trabalhos, como o já
citado Rowthorn e Ramaswamy (1999); Oulton (2001) e Groot
(1998), o próprio estudo clássico de Fuchs (1968) que traz evidências em favor de Baumol (1967).6
218
Outra fonte frequentemente levantada como uma possível
explicação do processo de desindustrialização seria a especialização de serviços levando a indústria a terceirizar com maior
intensidade atividades não diretamente ligadas a produção,
por exemplo: contabilidade, marketing, vendas, dentre outros.
Certamente, este é um tópico relevante na discussão do tamanho do peso do setor manufatureiro na economia, no entanto
ele parece ser apenas uma parte da explicação, não sendo possível atribuir toda a mudança a esse processo de terceirização.
Uma abordagem alternativa para explicar a questão da
desindustrialização vem da chamada nova economia geográfica. Estes autores argumentam que não é possível explicar o
fenômeno a partir de uma visão de concorrência perfeita. Assim, aplicam o modelo de concorrência oligopolística, onde
ressaltam também dois fenômenos observados concomitante
à queda na participação do emprego da indústria: constante
declínio nos custos de transporte e ainda mais impressionante redução nos custos de comunicação. Estes dois fatos são
utilizados pelos autores para estudarem o impacto sobre a
deslocalização de empresas manufatureiras ou, pelo menos,
transferência de atividades industriais do centro em direção
à periferia.
O crescimento do preço relativo de serviços é uma implicação direta do modelo de Baumol (1967). Segundo Schettkat e Yocarini (2003),
tal fato é observado para alguns tipos de serviços, mas não todos.
Maiores detalhes veja o artigo de Schettkat e Yocarini (2003).
6
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Os modelos tradicionais da Nova Economia Geográfica
(NEG) argumentam que quando os níveis do custo transporte
estão muito elevados não haveria tendência a aglomeração de
atividades. No entanto, com a queda dos custos de transporte
haveria incentivos para a aglomeração de atividades, dado o
clássico processo de cumulativo, incentivando a concentração
das atividades devido aos retornos crescentes de escala. No
entanto, haveria um valor ótimo para o custo de transporte, e
abaixo deste valor os incentivos para a deslocalização seriam
mais elevados que as chamadas forças centrípetas, ou seja,
os incentivos para manter a atividade econômica aglomerada
nas economias centrais.
As conclusões da NEG são de que existiria uma relação
não-linear entre redução de custos de transporte e aglomeração, com três intervalos possíveis: um primeiro com elevados
custos de transporte onde a economia tenderia a se distribuir
de forma mais equânime no espaço. Um segundo intervalo
para níveis intermediários de custo de transporte (e integração econômica), onde a aglomeração na economia central
seria uma solução estável. Finalmente, haveria um nível de
redução de custos do transportes no qual haveria uma deslocalização de atividades das economias centrais em direção da
periferia e as economias tenderiam a convergência de renda.
Não obstante, outra constatação empírica, concomitante à redução dos custos de transportes, é a redução dos custos de
comunicação. O aumento da “conectividade” entre as regiões
reduziria os custos de gerenciamento de várias plantas em
diversas partes do mundo, o que facilitaria o deslocamento
das atividades econômicas. Fujita e Thisse (2004) consideram
tais efeitos a partir de um mercado de trabalho com mão-deobra qualificada e não-qualificada. Nicoud (2006) considera
os efeitos encadeadores para a frente e para trás na economia como a maior força impulsionadora das aglomerações.
O resultado obtido por Nicoud (2006) é que a redução dos
custos de comunicação permitiria às empresas localizadas na
região central deslocalizar apenas algumas poucas atividades
de baixos salários, mantendo a principal atividade ainda no
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219
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“centro”. A periferia se beneficiaria muito pouco da deslocalização das atividades. Segundo o autor, a redução dos custos
de comunicação faria com que a aglomeração fosse um equilíbrio estável para um intervalo maior dos custos de transportes. Em outras palavras, um processo de integração comercial
tenderia a beneficiar mais diretamente as economias centrais.
Os custos de transportes, para iniciar um processo benigno
de desconcentração industrial entre países, seriam muito menores, isto é, mais difícil de ser atingido. O interessante da
discussão da NEG é que inclui explicitamente os efeitos da
secular redução nos custos de transporte e comunicação, que
permitem a chamada fragmentação da produção. Esta seria
uma possível explicação para o fenômeno de desindustrialização e relocalização da produção.
220
Outros autores que analisam a questão da desindustrialização seriam aqueles de inspiração estruturalista, para
quem o cerne do desenvolvimento seria a mudança estrutural
da economia. A ampliação da estrutura produtiva reduziria
a dependência externa e possibilitaria ao país diversificar a
pauta de exportações em favor de produtos de maior conteúdo tecnológico, reduzindo os efeitos deletérios dos chamados
termos de troca.
Grande parte da literatura internacional sobre a desindustrialização tem como foco os países desenvolvidos. Alguns
autores estudando o caso de países em desenvolvimento argumentam que estes poderiam estar entrando num processo
de desindustrialização em níveis de renda per capita mais baixo que o anteriormente observado. Ou seja, ainda que o processo de desindustrialização, fruto do crescimento da renda
per capita, seja um processo benigno, países subdesenvolvidos
estariam entrando neste processo em estágios muito prematuros de desenvolvimento, isto é, com níveis de renda per capita
abaixo do observado em países desenvolvidos. Shafaeddin
(2005) analisa o efeito do fenômeno da desindustrialização
(e da especialização) de países em desenvolvimento. Ressalta
que países em desenvolvimento, principalmente economias
engajadas em um processo de substituição de importações,
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teriam sofrido uma especialização da economia e consequente perda de peso da indústria após iniciarem um processo de
liberalização comercial e reformas com vistas a alteração do
modelo de desenvolvimento.
Palma (2005) também analisa o processo de desindustrialização da economia em países em desenvolvimento. Ele
encontra também uma relação não linear (relação de “U invertido”) entre a participação do emprego industrial e a renda per capita: No entanto, apenas o crescimento da renda per
capita não é suficiente para explicar a evolução do setor industrial com relação ao PIB. A partir dessas regressões para
81 países, em 1960, e 105 em 1970, 1980, 1990 e 1998, o autor
identifica quatro fontes de desindustrialização:
1ª Fonte: Relação de “U invertido” entre o emprego industrial e a renda per capita. Essa relação foi desenvolvida
por Rowthorn e Ramaswamy (1999) a partir da participação
do emprego industrial no emprego total sobre o log natural
da renda per capita e log natural da renda per capita ao quadrado. Foi utilizada nessa regressão uma base de dados com
informações sobre 70 países para o ano de 1990.
221
2ª Fonte: relação inversa entre renda per capita e emprego industrial: a relação entre renda per capita e participação
relativa do emprego industrial não é estável com o passar do
tempo. A partir de dados da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) para emprego industrial e tabelas Summers e
Heston Penn para renda per capita o autor fez a mesma regressão de Rowthorn para 1960 (81 países), 1970, 1980, 1990 e 1998
(todos estes a amostra tinha os mesmos 105 países). O declínio ao longo do tempo da relação entre emprego industrial
e renda per capita é a segunda fonte de desindustrialização.
Entre as causas desse declínio figuram: novo paradigma tecnológico (microeletrônica), terceirização, realocação de produção para países em desenvolvimento, políticas econômica
(principalmente para 1980, segundo o autor).
3ª Fonte: declínio da renda per capita correspondendo ao
turning-point da regressão. Há uma nítida redução do ponto
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de virada da regressão do ano de 1980 para 1990. Até 1980
nenhum país tinha renda per capita superior ao ponto de virada. Em 1990 30 países já haviam ultrapassado a renda per
capita de virada. Segundo o autor, como o processo de queda
do emprego industrial acontecia desde os anos 60, isso sugere que a desindustrialização não acontecia porque os países
tinham renda superior ao ponto crítico, mas por causa da segunda fonte de desindustrialização.
Em suma, as três primeiras fontes de desindustrialização
são: relação de U invertido entre renda per capita e emprego
industrial, relação inversa entre emprego industrial e renda
per capita ao longo do tempo, e diminuição do valor da renda
per capita associada ao ponto de virada da regressão.
222
Palma (2005) discute, então, a possibilidade de um novo
conceito de doença holandesa. A relação emprego industrial
e renda per capita seria diferente para países que procurassem
obter um saldo comercial industrial positivo e aqueles que
se contentassem em ter um déficit comercial industrial que
seria “neutralizado” por um superávit comercial em produtos primários, serviços, turismo ou via conta de capitais. Uma
vez que essa relação é conhecida, podemos definir a doença
holandesa como uma segunda via de desindustrialização de
países que passam do primeiro grupo (saldo comercial industrial) para o segundo (déficit comercial industrial). A primeira via de desindustrialização é decorrente das três primeiras
fontes de desindustrialização natural de países desenvolvidos, enquanto a segunda via decorre da passagem de grupo
e, consequentemente, do aumento das exportações de bens
primários, serviços, turismo e finanças, ou seja, em consequência de déficits comerciais no setor manufatureiro.
Scatolin et al. (2007) focam especificamente no caso brasileiro traçando uma comparação com o caso do Estado do
Paraná. Discute-se a perda persistente de participação relativa no valor adicionado e no emprego no Brasil a partir
do meio da década de 1980. Os autores argumentam que as
evidências do caso brasileiro, no entanto, mostram que houve uma queda na produtividade relativa do setor industrial
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brasileiro em relação aos EUA, portanto o argumento de que
a mudança estrutural seria fruto de um processo dinâmico
benigno de ganhos de produtividade não teria fundamentação empírica. Destaca-se a possibilidade de algumas políticas
macroeconômicas (alta taxa de juros e câmbio valorizado) e
a queda de investimento no setor industrial como uma das
causas do processo de desindustrialização. Este quadro de
alteração da estrutura produtiva no Brasil contrasta com a
situação do setor industrial no Estado do Paraná. Fica claro
que o estado não compartilha das mesmas tendências do País
como um todo. Houve um aumento da participação relativa
do setor industrial, assim como do emprego relacionado ao
mesmo. Os autores levantam hipóteses para este descolamento do comportamento do Estado do Paraná, entre elas incentivos fiscais por parte do governo estadual e beneficiamento de
uma política de desconcentração industrial no Brasil. Deve-se
ressaltar que Scatolini et al. (2207) argumentam que o impacto da desindustrialização ou, pelo meno, a reconfiguração da
indústria não é neutro em termos espaciais.
223
Tratando da dinâmica da desconcentração industrial no
Brasil, Diniz (1993) argumenta que este processo passou por
duas fases: uma primeira onde houve espraiamento industrial da Região Metropolitana de São Paulo para o interior do
Estado, e para praticamente todos os estados brasileiros. Na
segunda fase há uma reconcentração no polígono formado
por BH-Uberlândia-Londrina/Maringá-Porto Alegre-Florianópolis-São José dos Campos-BH. Diniz (1993) analisa cinco
fatores teóricos que podem explicar a dinâmica industrial no
período analisado. Estes cinco fatores são: (a)deseconomias
de aglomeração na RMSP e sua criação em outros centros urbanos e regiões; (b)o papel do Estado, seja através de políticas
regionais explícitas, seja pela consequência espacial de outras
decisões de importância; (c)disponibilidades diferenciadas de
recursos naturais; (d)unificações do mercado e mudanças de
estrutura produtiva; (e)concentração de pesquisa e renda. O
autor analisa a primeira fase da desconcentração onde praticamente todos os estados brasileiros apresentam ganho no peso
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224
industrial. Logo após, segundo o autor, devido à maior ênfase
em indústrias de alta tecnologia e o relativo fracasso das políticas regionais e do investimento estatal há uma concentração
poligonal, uma vez que o crescimento industrial passa a estar
circunscrito ao Estado de São Paulo e ao polígono em volta
dele. Ele analisa as mudanças tecnológicas e o potencial para
aglomeração poligonal. Assim, de acordo com Diniz (1993),
a desconcentração industrial que ocorreu a partir dos anos
1970 se fez no mesmo padrão de industrialização anterior
(indústrias básicas – articuladas à base de recursos naturais
– e dos bens duráveis de consumo. No entanto, as mudanças tecnológicas em curso (anos 1990) induzem à expansão
de setores fortemente ancorados na ciência e na técnica, com
reduzida ou inexpressiva demanda por recursos naturais. Os
requisitos locacionais dessa “nova” indústria estão ligados a
centros de pesquisa, mercado de trabalho profissional, clima
de negócios, base educacional e cultural. Logo, partindo da
estimativa de quinze cidades brasileiras com alguma experiência em pólos tecnológicos, o autor faz uma “previsão”
sobre o comportamento industrial: reconcentração industrial
nessas cidades (que estão no polígono). Ele cita casos como
as experiências da Unicamp (telecomunicações), Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) (departamento de
materiais), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
(microeletrônica) e Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) em Campina Grande. Por fim, o autor considera
a formação do Mercado Comum do Sul (Mercosul) como um
fator favorável à concentração no Sudeste brasileiro, devido à
proximidade com os outros países membros e a já concentrada estrutura industrial. Embora ocorrendo a desconcentração
industrial em termos nacionais (mesmo que marginalmente),
há vários fatores que atenuam a continuidade desse processo:
má distribuição de renda, mercado de trabalho profissional,
crise econômica (anos 1980), concentração da pesquisa, redução dos investimentos estatais diretos e diminuição na velocidade de expansão da fronteira agrícola e mineral devido às
condições precárias de infraestrutura, desafios tecnológicos e
custos de transporte.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 224
18/6/2009 09:47:35
Oliveira e Guimarães Neto (1997), analisando o período
de 1990 a 1995, mostram que a queda do emprego nas regiões
brasileiras ainda que estejam correlacionadas com a dinâmica nacional, existem especificidades regionais que explicam a
redução do emprego. Estes autores argumentaram ainda que
o processo de redução do emprego atingiu mais fortemente
regiões centrais localizadas em especial em São Paulo e no
restante do Sudeste e Sul.
Desindustrialização: Do Que Estamos Falando?
Os autores que discutem a questão da desindustrialização no Brasil partem da constatação da perda da participação da indústria de transformação a partir de metade da
década de 1980. Observa-se uma queda persistente do emprego e do produto no total da economia brasileira a partir
desse período.
A evolução da estrutura produtiva setorial do Brasil no
período de 1947 a 2007 pode ser acompanhada pelo Sistema
de Contas Nacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). A partir da análise do Gráfico 1, nota-se a
perda constante de importância no PIB do setor Agropecuário. A agricultura atinge um máximo de participação, em
1950, de 25,0%, com queda constante no produto até atingir,
em 2007, o total de 5,9%. A indústria de transformação tem
um crescimento a partir de 1950 até 1985, quando atinge um
máximo de 35% do PIB. A partir de então observa-se uma
queda de participação do PIB. Exatamente esta queda da indústria a partir da metade da década de 1980 é identificada
como o início do processo de desindustrialização. Os Serviços, por outro lado, mantêm a participação no PIB praticamente constante e a partir da queda da indústria observa
expressivo crescimento, chegando a atingir quase 80% do
PIB em 1994.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 225
225
18/6/2009 09:47:35
Agro
IT
07
99
03
20
20
95
19
91
19
87
19
83
19
75
79
19
19
71
19
67
19
63
19
59
19
55
19
19
19
19
51
Ser
47
% do PIB
90,000
80,000
70,000
60,000
50,000
40,000
30,000
20,000
10,000
0,000
Ano
Gráfico 1 – Participação da Agricultura, Indústria de Transformação e Serviços
Fonte: IBGE.
226
A série do emprego que apresenta o período em que se
inicia a queda da participação da indústria é apresentada no
Gráfico 2 com dados da RAIS/MTE. A série do emprego pode
ser dividida7 em duas fases: a primeira fase de queda consistente até 1999/2000, e a segunda fase a partir de 2000, quando
o emprego industrial passa a se recuperar, com o crescimento
da formalização do emprego no Brasil. Note-se que somente
a partir de 2002 o setor da indústria manufatureira atingiu o
mesmo nível do emprego que em 1985. Dado este desempenho do emprego na indústria de transformação, a participação do emprego industrial no total do emprego formal tem
queda acentuada passando de 27,0% em 1986 para 18,3% do
total do emprego em 2007. A partir do período de recuperação
do emprego industrial iniciado em 1999/2000, a participação
do emprego na indústria no total da economia interrompe o
processo de perda de participação, mantendo constante em
torno de 18% do total do emprego.
7
Observa-se um pequeno crescimento do emprego industrial
até 1988.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 226
18/6/2009 09:47:35
250
200
150
100
50
0
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
Serviços
1994
1995
1996
1997
1998
Indust ria Transf ormação
1999 2000
2001 2002
2003 2004
2005 2006
2007
Tot al
Gráfico 2 – Evolução do Emprego Formal no Brasil, nos Setores
Indústria de Transformação, Serviços e no Agregado da Economia 1985 a 2007
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)/ Relação Anual de Informações Sociais (RAIS).
227
O argumento frequente, levantado por Palma (2005) e
outros autores, seria de que a queda na participação da indústria observada no Brasil, a partir de 1985, realizou-se em níveis
muito mais baixos de renda per capita. O ponto de inflexão seria observado para valores muito menores que em economias
desenvolvidas. De fato, o ponto máximo de participação da
indústria foi atingido em 1985, quando a renda per capita era
de US$ 5.600,00 (reais de 2007). O Gráfico 3 apresenta regressões não-lineares (método lowess) para a série de participação
do PIB industrial no total economia para o período 1947-2007.
Os resultados apontam para valores ainda mais baixos que os
encontrados por Palma (2005) de níveis de renda per capita
para o ponto de inflexão, ou seja, para a queda da indústria. A
regressão não-linear ajustada mostra que o ponto de inflexão
de queda da participação da indústria é atingida em valores
equivalentes à renda per capita de 1973 ou 1974, isto é, algo
equivalente a R$ 7.570 e R$ 8.400 (reais de 2007). Note-se que
a partir de 1973 há um descolamento dos pontos em relação à
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 227
18/6/2009 09:47:35
curva, com dois grupos distintos nos anos 70 e 80 (muito
acima do esperado pela curva estimada) e o grupo dos
anos 90/2000 muito abaixo dos valores observados mesmo no início da série, e abaixo do estimado pela curva. A
curva, estimada pela regressão não linear mostra também
uma assimetria muito forte, isto é, a curva apresenta uma
queda abrupta após atingir o ponto de inflexão. É necessário, portanto, maior aprofundamento destas observações para tentar-se inferir as causas de tal queda abrupta
na relação da participação da indústria no PIB e o log do
PIB per capita.
228
Gráfico 3 – Participação da Indústria de Transformação no PIB
e o Logaritmo da Renda Per Capita entre 1947 e 2007
Fonte: IBGE/Contas Nacionais.
Para a regressão linear com o logaritmo do PIB ao quadrado (metodologia empregada por Palma (2005) e os demais autores nesta linha de pesquisa, à exceção de Imbs e
Wacziarg (2003), estima-se um valor de R$ 6.789,05 (reais de
2007) como o do ponto de inflexão para a queda da indústria no PIB. Este valor seria equivalente à renda per capita de
1970/71.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 228
18/6/2009 09:47:35
F
Gráfico 4 – Participação da Indústria de Transformação no PIB
e o Logaritmo da Renda Per Capita entre 1947 e 2007 – Regressão Linear com Termo Quadrático
Fonte: IBGE/Contas Nacionais.
Observa-se que parece haver uma quebra no processo, a
partir de 1985, com baixo crescimento do PIB per capita acompanhado de uma queda na participação da indústria no PIB.
Na regressão linear com termo quadrático, tanto os anos do
milagre econômico quanto os dados da década de 90/2000
estão fora do intervalo de confiança, ou seja, estas observações podem ser caracterizadas como valores extremos e não
podem ser explicadas somente pela variável renda per capita.
Dito de outra forma, somente o “comportamento natural” (ou
seja, a primeira fonte de desindustrialização levantada por
Palma (2005) da renda per capita não é suficiente para a queda
na participação da indústria no PIB. A relação não linear ou
pelo menos a rápida perda de peso da indústria certamente
é um fato em busca de melhor fundamentação teórica, com
consequências para as políticas públicas e para o crescimento
de longo prazo da economia. A questão que se pretende analisar neste artigo é como a dinâmica da indústria em termos
de distribuição regional do emprego foi afetada nos anos 1990
e 2000, num quadro de perda de empregos industriais. Dadas
a concentração da renda e a ainda mais forte concentração da
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 229
229
18/6/2009 09:47:35
indústria, quais foram as regiões mais afetadas, como se comportou a distribuição do emprego no Brasil? A próxima seção
trata mais detalhadamente desta questão.
Dinâmica do Emprego Industrial no Brasil em
Termos Regionais
Diante do quadro apresentado na seção anterior, de redução da participação da indústria no PIB, esta seção procura
analisar os impactos sobre o emprego industrial em termos de
microrregiões no Brasil. Foram utilizados os dados da RAIS
para medir o emprego organizado na indústria de transformação. Optou-se por utilizar a série de dados da Rais, a partir
de 1990, dada a melhor cobertura a partir desse ano.8
230
A Tabela 1 apresenta algumas estatísticas descritivas da distribuição do emprego da indústria manufatureira e o total do emprego formal da economia entre as 558 microrregiões brasileiras.
Nota-se que entre 1990 e 2000 o país apresenta um decréscimo no
total do emprego formal na indústria manufatureira. O estoque
total de empregos foi reduzido em quase 580 mil empregos, isto
é, houve uma queda total de 10% na década de 90. Anualizando
a taxa de crescimento do emprego industrial, chega-se a 1,1% de
queda anual. Os dados no quinquênio seguinte mostram a recuperação do emprego com um aumento de 25,5% em relação à base
de 2000, resultando uma taxa de crescimento anualizada de 5,8%.
O comportamento da indústria manufatureira esteve entre 2000
e 2007 bastante próximo do desempenho da economia brasileira,
o que estabilizou a queda na participação do emprego industrial
formal no total do emprego formal na economia, conforme ressaltado anteriormente. A expressiva perda de empregos na manufatura durante os anos 1990 refletiu-se na participação do emprego
industrial formal na economia. Nos anos 90 este percentual estava
em 23,6%, e caiu para 18,6% em 2000.
8
Houve uma melhoria na cobertura da RAIS a partir dos fins dos
anos 80. Ainda que essa melhoria tenha também ocorrido durante
a década de 1990, acredita-se que a necessidade de se constituir um
quadro mais amplo com um alcance temporal maior é mais importante que o eventual risco de contaminação dos dados pelo ganho de
cobertura da RAIS no início da década de 1990.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 230
18/6/2009 09:47:35
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 231
42129,8
5.464.388
9783,4
1120
56598,5
17,64
Estoque
Total
Média
Mediana
Desvio
Padrão
Assimetria
Fonte: RAIS/MTE.
14,44
214524,7
6955
23.198.656
558
Total de
Microrregiões
Todos
Setores
(B)
Ind. de
Trans.
(A)
Estatísticas
Descritivas
1990
1,17
16,1
14,9
18,0
23,6
A/B
16,63
43911,4
1292
8761,9
4.906.524
558
Ind. de
Trans.
(A)
14,00
206350,5
7826
42438,8
23.755.736
Todos
Setores
(B)
1995
1,07
14,7
13,6
17,0
20,7
A/B
14,14
34503,8
1819
8723,9
4.885.361
558
Ind. de
Trans.
(A)
17,5
15,1
13,7
1,08
46836,8
10283
205710,9
13,03
12,69
37817,9
2538
10952,6
6.133.461
12,78
238220,6
16012
59354,7
33.238.617
18,6
26.228.629
558
Todos
Setores
(B)
A/B
Todos
Setores
(B)
Ind. de
Trans.
(A)
2005
2000
1,00
13,0
14,2
16,8
18,5
A/B)
12,39
42596,4
2818
12646,7
7.082.167
558
Ind. de
Trans.
(A)
12,88
270687,2
18005
67156,1
37.607.430
Todos
Setores
(B)
2007
0,90
13,3
14,4
17,3
18,8
(A/B)
Tabela 1 – Brasil - Estatísticas Descritivas sobre o Emprego da Indústria de Transformação e da Economia nas
Microrregiões 1990 a 2007
231
18/6/2009 09:47:35
232
Quanto à média do emprego na indústria manufatureira
entre as microrregiões, esta série também apresenta acentuada queda entre 1990 e 1995, no entanto mantém-se relativamente estável entre 1995 e 2000. A redução da média neste
período de perda de empregos industriais é acompanhada de
uma queda no desvio-padrão entre as microrregiões, o que
parece indicar um grande movimento de relocalização do
emprego na manufatura no Brasil. A mediana da distribuição
do emprego formal apresenta crescimento em todos os anos
da série, a despeito da queda do emprego em termos absolutos na década de 90. Novamente o crescimento da mediana
também aponta para este movimento de reconfiguração espacial da indústria na economia brasileira. Outro dado que
mostra uma clara evidência de desconcentração industrial é
a queda constante do grau de assimetria da distribuição. O
grau de assimetria (skewness) representa o quão concentrada
em uma das pontas da distribuição a variável está. Ela pode
ser positiva, indicando a concentração à esquerda, ou negativa indicando uma concentração à direita. No caso atual da
distribuição do emprego formal manufatureiro no Brasil, há
uma “assimetria à esquerda”, ou seja, grande parte das microrregiões está próxima à origem, poucas microrregiões possuem valores expressivos de empregos na indústria.9 Na seção seguinte, faz-se uma análise mais detalhada das medidas
de concentração espacial do emprego industrial no Brasil.
Medidas de Concentração
A curva de Lorenz é uma medida do grau de concentração de uma distribuição. No Gráfico 5 apresentam-se as duas
curvas para os anos extremos da série. Quanto mais próxima
a curva de Lorenz estiver da reta de 45 graus, mais igualitária é a distribuição. No eixo X está ordenado da menor para
a maior microrregião em termos de emprego industrial. No
A distribuição Normal, por exemplo, sendo simétrica, tem um grau
de assimetria igual 0.
9
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 232
18/6/2009 09:47:35
eixo das ordenadas encontram-se as participações acumuladas, a última microrregião (no caso a que possui maior
parcela do emprego industrial, microrregião de São Paulo
Capital), atinge-se 100% do emprego entre as regiões. Graficamente, fica clara a redução das desigualdades entre as microrregiões, a despeito do processo de perda relativa de peso
da indústria. A curva de Lorenz, referente ao ano de 2007,
tem um claro deslocamento na direção da reta de 45º, isto é,
indicando uma distribuição mais igualitária. Uma medida
formal para se quantificar essa desigualdade está descrita
na Tabela 3 com o chamado Índice de Gini. Quanto mais
próximo de 1, mais desigual a distribuição, significando que
toda distribuição está concentrada, de forma degenerada, na
microrregião mais elevada. Em 1990, o grau de concentração
medido pelo Índice de Gini atingiu 0,86083, reduzindo-se
para 0,77746 no último ano da série, 2007. Nota-se também
que a maior queda do Índice de Gini ocorre entre 1995 e
2000, o que novamente indica que, a despeito da perda absoluta de empregos, há de fato uma desconcentração do emprego industrial.
233
1
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
2007
547
534
521
508
495
482
469
456
443
430
417
404
391
378
365
352
339
326
313
300
287
274
261
248
235
222
209
196
183
170
157
144
131
92
118
79
105
66
53
40
1
27
14
0
1990
Gráfico 5 – Curva de Lorenz da Distribuição do Emprego na
Indústria Manufatureira no Brasil 1990 E 2007
Fonte: MTE/RAIS.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 233
18/6/2009 09:47:35
O índice de Moran, também conhecido como de autocorrelação espacial é outro indicador para se auferir a concentração espacial. Ele mede o grau de relacionamento linear
de variáveis distribuídas no espaço com os seus vizinhos, ou
seja, o quanto o emprego numa região vizinha poderia estar
correlacionado com o emprego numa dada microrregião. A
questão-chave em modelos de estatística espacial é o de definir esta vizinhança, pois existem vários tipos de vizinhança.
Neste trabalho utilizou-se a matriz de contiguidade, isto é,
são consideradas vizinhas apenas as microrregiões que são
contíguas, que possuem fronteiras. Esta definição de matriz
de vizinhança é conhecida na literatura como matriz queen.
Formalmente, a autocorrelação espacial é definida
como:
Im =
1
å wij
åw
ij
i¹ j
i¹ j
234
æ y i - y öæ y j - y ö
÷
֍
ç
÷
ç s ÷ç s
y
ø
è y øè
onde wij=0 se a região não for vizinha, e wij=1 caso a região
seja contígua. O valor y é a média aritmética da variável e s y
o desvio padrão. Em outras palavras, o índice de autocorrelação irá medir o quanto o valor observado em uma região depende ou não dos valores observados nas regiões vizinhas.
Tabela 2 – Medida de Concentração Espacial do Emprego Formal entre as Microrregiões Brasileiras – 1990 a 2007
Medidas de
Concentração
Espacial
1990
1995
2000
2005
2007
Índice de Gini
0,86083
0,83723
0,79951
0,78077
0,77746
Ìndice de Moran
0,30765***
0,28205***
0,27467***
0,26683***
0,26003**|*
G Generalizado
1,55824***
1,194782***
0,854089***
0,690587***
0,653530***
Fonte: RAIS/MTE.
*** significância ao nível de 1%.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 234
18/6/2009 09:47:35
Certamente para o caso da distribuição do emprego na
manufatura na economia brasileira observa-se um elevado
grau de autocorrelação espacial. Todos os valores apresentados na Tabela 2 são significativos, ou seja, rejeita-se com
um grau de significância bastante elevado a hipótese nula de
que o emprego industrial não apresenta um padrão de concentração espacial, isto é, rejeita-se a hipótese nula de que os
dados estão dispersos de maneira aleatória no espaço. Há um
padrão de concentração no espaço. Interessante observar,
contudo, que para a economia brasileira os índices de autocorrelação de Moran vêm se reduzindo ao longo do tempo.
A queda do índice de Moran é outra forma mais rigorosa de
se testar a hipótese de desconcentração industrial. Os dados
para o período indicam uma queda na autocorrelação espacial, ou seja, o emprego estaria distribuído de maneira menos
concentrada espacialmente.
Outro indicador utilizado na análise exploratória de dados espaciais é o chamado Índice Generalizado G. Enquanto
o Índice de Moran tenta avaliar ou não o grau de concentração espacial, ou seja, identifica se os dados são ou não concentrados no espaço, o Índice Generalizado G tenta captar o
tipo de aglomeração espacial. Valores positivos e significativos de G indicam que há uma grande aglomeração de valores elevados, ou seja, no caso presente se uma microrregião
apresenta um elevado número de empregos industriais tenderia a ter vizinhos com o mesmo comportamento. Os valores obtidos para a distribuição do emprego manufatureiro no
Brasil apontam para a concentração de valores elevados. No
entanto, observa-se que o valor do índice G também se reduz
ao longo do tempo, o que mais uma vez indica uma desconcentração das atividades, ou seja, ainda que continue a existir
uma elevada concentração de microrregiões altamente industrializadas, essa concentração vem se reduzindo ao longo dos
últimos anos.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 235
235
18/6/2009 09:47:35
Análise de Indicadores Locais de Aglomeração Espacial (LISA)
236
Outra forma de se analisar esse processo é através de
mapas e da chamada análise Local Indicators of Spatial Association (LISA). Os mapas apresentam a evolução do emprego
por microrregião com alguma presença industrial entre 1990
e 2007. Definiu-se uma microrregião industrial como aquela
tivesse mais de 5.000 empregos na indústria manufatureira. O
primeiro ano da série em análise é 1990. Nesse ano evidenciase a importância de São Paulo (Capital) e interior, a região Sul,
em especial a região de Porto Alegre/Caxias e Santa Catarina
com o Vale do Itajaí. No Paraná aparece Curitiba como a microrregião mais importante do Estado e o sudeste do Estado.
Fortaleza desponta como uma microrregião isolada, e no restante do Nordeste há uma concentração em Recife e na zona
da mata pernambucana, além de Salvador e alguma presença
no recôncavo. Na região Norte aparecem apenas as microrregiões de Manaus, Belém e alguma atividade ligada à região
de Carajás. Na região Centro-Oeste há apenas alguns focos
nas capitais Goiânia, Campo Grande e Cuiabá. Uma outra
medida bastante relevante para se estudar a reconfiguração
da indústria no país é o centro geográfico da distribuição10.
Tomando-se o centro geográfico da distribuição do emprego
industrial no Brasil em 1990, nota-se que ele se localiza no
sul de Minas, refletindo a forte polaridade das principais áreas industriais localizadas nas regiões metropolitanas de Belo
Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro.
O centro geográfico pode ser interpretado como centro de gravidade da distribuição.
10
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 236
18/6/2009 09:47:36
Mapa 1 – Distribuição do Estoque Emprego Formal entre as
Microrregiões Brasileiras em 1990
Fonte: MTE/RAIS.
237
Quando se observa a distribuição do emprego em 1995,
contata-se que mesmo diante de um quadro de perda absoluta de empregos industriais existe um considerável aumento
de regiões industriais, ainda que concentrada nas vizinhanças de São Paulo ou no “polígono” apontado por Diniz (1993).
Notadamente, há uma expansão em direção do norte do Paraná, e a região Centro-Oeste e Sul de Minas. Há uma redução do emprego na microrregião de São Paulo Capital e no
interior, como também na microrregião do Rio de Janeiro em
função da redução dos empregos industriais nestas áreas metropolitanas. Observa-se, também, uma redução do emprego
industrial na microrregião de Recife e no interior11. Com estas
pequenas alterações, e num quadro de redução do emprego
Oliveira e Guimarães Neto (1997) ressaltam, por exemplo, o impacto negativo do setor sucro-alcooleira, em Pernambuco, como um
fator relevante para explicar a redução do emprego industrial naquele Estado.
11
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 237
18/6/2009 09:47:36
industrial entre 1990 e 1995, o centro geográfico da distribuição do emprego nas microrregiões, ainda que se desloque um
pouco na direção Oeste, praticamente se mantém inalterado.
238
Mapa 2 – Distribuição do Estoque Emprego Formal entre as
Microrregiões Brasileiras em 1995
Fonte: MTE/RAIS.
No ano 2000 o país encontrava-se num quadro de redução do total de empregos industriais, não obstante continuar
a se observar a reconfiguração do emprego industrial no Brasil. No Nordeste, Fortaleza continua a se destacar como um
centro industrial, no entanto observa-se um crescimento no
interior, em especial na microrregião do Crato e de Sobral.
Pernambuco, principalmente Recife, perdem empregos industriais, bem como a região da mata pernambucana. As microrregiões de Imperatiz e Açailândia, além da Microrregião
de Teresina despontam com alguma atividade industrial relevante, isto é, acima do limite de 5000 empregos na industria
manufatureira. O sul da Bahia também aparece com alguma
atividade industrial. No Centro-Oeste, o sudoeste de Goiás e
a microrregião de Goiânia são beneficiadas pelo processo de
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desconcentração industrial, bem como Campo Grande e a microrregião de Ponta Porã e Dourados. No Mato Grosso, começa a se destacar a região de Sinop, além da capital, Cuiabá. No
Norte, a microrregião de Manaus continua a perder empregos mas se mantém como o principal pólo industrial do Norte. A microrregião de Belém também apresenta retração no
emprego industrial, enquanto observa-se trajetória oposta na
microrregião de Paragominas, que amplia o emprego industrial. Na região Sudeste observa-se uma expansão na direção
do sul de Minas e da microrregião de Belo Horizonte. No Sul
a expansão no oeste do Paraná fica evidente, e em Curitiba o
vale do Itajaí e a microrregião de Caxias do Sul destacam-se
com a ampliação do emprego industrial. Como resultado desse movimento, o centro geográfico da distribuição do emprego desloca-se de forma mais acentuada na direção Noroeste.
239
Mapa 3 – Distribuição do Estoque Emprego Formal entre as
Microrregiões Brasileiras em 2000
Fonte: MTE/RAIS.
A partir do ano de 2005, com a recuperação no início dos
anos 2000, as perdas de empregos industriais são revertidas.
Observa-se uma expansão da indústria no sul de Goiás, no tri-
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18/6/2009 09:47:36
ângulo mineiro, na região central do Estado de Mato Grosso.
Em direção à região Sul há uma ampliação do oeste do Paraná
e um crescimento expressivo de microrregiões industriais em
Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Fortaleza consolidase como a principal microrregião industrial do Nordeste, no
entanto o movimento de ampliação da indústria de transformação em outras regiões é observado como no sul da Bahia,
no recôncavo e na microrregião de Salvador, Mossoró, com
atividade industrial nos estados do Sergipe, Alagoas e Paraíba. No Norte observa-se uma recuperação do emprego industrial na microrregião de Manaus, uma ampliação da atividade
na microrregião de Porto Velho, e no Pará uma ampliação ao
sul de Paragominas. Dado esse movimento, o centro geográfico da distribuição se altera na direção Noroeste, ainda mais
fortemente, também devido a esse processo de ampliação da
produção industrial nas microrregiões fora do eixo São Paulo-Rio-Minas.
240
Mapa 4 – Distribuição do Estoque Emprego Formal entre as
Microrregiões Brasileiras em 2005
Fonte: MTE/RAIS.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 240
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A expressiva criação de empregos nos últimos anos não
interrompeu o processo de reconfiguração da produção industrial no Brasil. Nota-se a importância da microrregião de
Curitiba, Blumenau e Joinville, a grande expansão em direção
ao Centro-oeste, com destaque para o pólo Paragominas-Imperatriz. Devido a essa expansão do emprego a medida de
centro geográfico novamente se desloca na direção Noroeste.
241
Mapa 5 – Distribuição do Estoque Emprego Formal entre as
Microrregiões Brasileiras em 2007
Fonte: MTE/RAIS.
Uma metodologia muito utilizada para se identificarem
aglomerados espaciais é a chamada Análise LISA (indicadores locais de aglomeração espaciais). A noção intuitiva dessa
técnica é bastante simples: identificam-se pontos focais (hot
spots) através da significância dos índices de correlação local.
A metodologia permite destacar quatro tipos diferentes de
pontos focais:
High-High: microrregião com elevado empregado industrial e com a vizinhança contando também com elevado emprego industrial. (hot spots).
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 241
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Low-low: microrregião com baixo estoque de empregos
industriais e a vizinha com o mesmo padrão.(cold-spots).
High-low: a microrregião apresentação um alto número de empregos industriais, enquanto os vizinhos apresentam um pequeno número de empregos industriais.
Podem-se considerar regiões classificadas neste grupo
como sendo um enclave industrial.
Low-High: a vizinhança apresenta um elevado emprego
industrial, no entanto a região em análise tem um baixo
nível de emprego industrial.
A análise LISA foi realizada em duas variáveis:
• Estoque do Emprego Industrial.
• Variação do Estoque Industrial.
242
A análise para a primeira produz informações sobre
aglomerações industriais mais relevantes, podendo ser comparada a evolução no tempo dessas aglomerações e o surgimento de novos pólos.
A variação do estoque indica as regiões que mais perderam ou ganharam em termos absolutos, e sua relação com os
vizinhos. A variável foi calculada tendo como base o ano de
1990, desta forma a variação do estoque em 2007 será representada pela diferença entre o ano de 2007 e a base 1990.
Os mapas mostram aumento de pontos considerando
High-high, por exemplo em 1990, apenas da microrregião de
Curitiba, Belo Horizonte, Rio de Janeiro Vale do Parnaíba e o
triangulo formado por Campinas-São Paulo-São José dos Campos pólos industriais. Comparando-se com o mapa de 2007,
nota-se claramente a ampliação em direção a Riberão Preto e
a incorporação de novos aglomerados industriais, BlumenauJoinville. A região de Divinópolis, Caxias do Sul e Porto Alegre
aparecem como pontos focais relevantes no nível de emprego.
Fortaleza passa a se destacar como um enclave industrial, ou
seja, um ponto High-Low, elevado emprego industrial e vizinhança com baixo emprego. Identificam-se, ainda, algumas
regiões low-high em São Paulo, ou seja, regiões com baixo emprego industrial numa ilha cercada de baixo emprego.
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Mapa 6 – Análise LISA para o Estoque de Emprego Formal em
2007
Fonte: MTE/RAIS.
243
Mapa 7 – Análise LISA para o Estoque de Emprego Formal
em 1990
Fonte: MTE/RAIS.
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244
O Mapa 8 com a análise LISA para a variação do emprego no ano de 2007 apresenta um quadro bem mais complexo
que para os anos anteriores12. Aqui identificam-se claramente
ganhadores no processo de desconcentração, destacando-se
Curitiba, Goiânia, Blumenau, Joinville e Caxias do Sul.13 Estas
seriam regiões que apresentaram elevado crescimento do emprego, e a vizinhança também apresentou um elevado crescimento do emprego. Belo Horizonte-Divinópolis é um foco de
crescimento na zona da mata mineira. Além do norte fluminense, destacam-se como regiões ganhadores de empregos numa
região com baixo crescimento do emprego (isto é, são classificadas no grupo High-Low), poderiam ser destacadas como
ilhas de crescimento do emprego industrial. A microrregião de
São Paulo é classificada como uma região de baixo crescimento
do emprego, com a vizinhança tendo um alto crescimento, o
que novamente reflete a perda de importância de São Paulo
(capital) na produção industrial. O Rio de Janeiro e Vale do
Paraíba são identificados como regiões low-low, ou seja, baixo
crescimento em regiões que apresentaram baixo crescimento.
A análise LISA, portanto, nos permite identificar como o
processo de desconcentração industrial afetou a configuração do
emprego industrial no Brasil. Em comparação com 1990, identifica-se, claramente, um número maior de pólos industriais, enquanto a variação do emprego mostra que nos anos 1990 há claramente um processo concentrado espacialmente de destruição
ou baixo crescimento de emprego em aglomerações industriais
relevantes. Quando se dá recuperação do emprego, consegue-se
identificar regiões ganhadoras de empregos de três tipos:
1) Pontos focais positivos fora do eixo São Paulo-Belo
Horizonte-Rio de Janeiro, as microrregiões e o entorno
com elevado crescimento do emprego, entre elas estão
Goiânia, Curitiba, Caixas do Sul e Blumenau-Joinville.
12
Por parcimônia não foram incluídos os mapas com a análise LISA
para anos anteriores. O leitor interessado pode solicitar diretamente
aos autores estes mapas.
13
Interessante observar que para o ano de 2005 somente a região de
Blumenau é identificada como um ponto focal high-high.
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2) Microrregiões que apresentam alto crescimento do
emprego industrial, mas o entorno baixo crescimento. São elas Belo Horizonte-Divinópolis, o norte fluminense.
3) Microrregiões, que perderam significativamente
empregos, e a vizinhança teve comportamento parecido. Dois exemplos: a Microrregião do Rio de Janeiro (Capital) e Vale do Paraíba.
O processo de desconcentração industrial parece ter se
acentuado durante o período de recuperação do emprego industrial nos últimos anos. Ainda que a grande redução dos
anos 90 observada no interior de São Paulo tenha se revertido, esta microrregião não foi classificada como um ponto
focal de crescimento do emprego.
245
Mapa 8 – Análise LISA da Variação do Estoque do Emprego
Formal entre 1990 e 2007
Fonte: MTE/RAIS.
Tomando-se as maiores microrregiões pode-se observar
claramente a dinâmica de relocalização do empresas. Estas
dez microrregiões representavam 32,2% do total do emprego
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 245
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industrial no Brasil, portanto as dez maiores microrregiões
em 1990, 46,8% do total. Entre estas dez maiores microrregiões industriais em 2007, cinco microrregiões estão localizadas
na região Sul, enquanto em 1990 apenas contavam as microrregiões de Curitiba e Porto Alegre. Da região Nordeste apenas Recife constava entre as dez maiores regiões industriais
durante a década de 1990 e início dos anos 2000. Recife perde
participação absoluta e a microrregião de Fortaleza passa ser
a mais industrializada do Nordeste e a constar entre as dez
maiores microrregiões brasileiras. Importante notar também
a perda relativa de microrregiões localizadas no interior de
São Paulo, em 1990, cinco das dez maiores estavam localizadas no Estado de São Paulo, e em 2007 apenas São Paulo e
Campinas figuravam entre as dez maiores microrregiões empregadoras do setor manufatureiro.
246
O comportamento agregado das dez maiores microrregiões evidencia também a desconcentração industrial. As dez
maiores perdem empregos industriais tanto em termos absolutos quanto em termos relativos.
Tabela 3 – 10 maiores Microrregiões Industriais em 1990 e 2007
1990
Emprego
Industrial
São Paulo
1.203.384
2007
(%)
Total Ind.
Trans
22,0
Emprego
Industrial
São Paulo
793.604
(%)
Total Ind.
Trans.
14,5232
Rio de Janeiro
390.878
7,2
Rio de Janeiro
245.702
4,496423
Porto Alegre
219.643
4,0
Campinas
226.385
4,142916
Campinas
182.226
3,3
Porto Alegre
223.921
4,097824
Belo Horizonte
153.622
2,8
Belo Horizonte
209.288
3,830035
Guarulhos
113.496
2,1
Curitiba
189.892
3,475083
Curitiba
112.568
2,1
Caxias do Sul
127.040
2,324872
Sorocaba
94.787
1,7
Blumenau
126.134
2,308291
São Jose dos
Campos
89.181
1,6
Fortaleza
125.262
2,292334
Recife
86.327
1,6
Joinville
120.844
2,211483
2.388.072
43,7
Total
2.646.112
48,4 Total
Fonte: RAIS/MTE.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 246
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O Gráfico 3 mostra a evolução ao longo da década de
1990 e nos anos 2000. Observam-se claramente três grupos
distintos. O primeiro, formado por microrregiões que tiveram um crescimento muito acima da média nacional, como
Curitiba, Fortaleza, Blumenau, Joinville, com um acréscimo
total no estoque de empregos industriais no período acima
de 60%. As microrregiões de Campinas e Belo Horizonte têm
comportamento muito próximo da média nacional, com um
crescimento total do emprego acima de 20%. Por fim, destaca-se o comportamento das microrregiões de São Paulo e
Rio de Janeiro. Estas perdem sistematicamente empregos até
o ano 2000, e a partir desta data há uma relativa estagnação
do emprego industrial nestas microrregiões. A microrregião
de Porto Alegre tem uma dinâmica diferenciada dos demais
grupos, com o emprego industrial mantendo-se praticamente
estável. Em resumo, pode-se afirmar que houve uma desconcentração com grande perda da microrregião de São Paulo e
Rio de Janeiro. Microrregiões localizadas no Sul foram beneficiadas com essa relocalização de empresas, como também a
microrregião de Fortaleza.
247
180
160
140
120
100
80
60
40
20
0
1990
1995
2000
2005
2007
Sao Paulo
Rio de Janeiro
Campinas
Porto Alegre
Belo Horizonte
Curitiba
Caxias do Sul
Blumenau
Fortaleza
Brasil
Joinvile
Gráfico 6 – Evolução do Emprego nas Dez Maiores Microrregiões Industriais Brasileiras – 1990 a 2007
Fonte: MTE/RAIS.
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Identificando Ganhadores e Perdedores no Processo de Desconcentração Industrial
Um critério neste trabalho para se definirem ganhadores
e perdedores nesse processo de reconfiguração da produção
industrial no Brasil foi de aumento/redução na participação
relativa de cada microrregião no emprego industrial no Brasil
entre 1990 e 2007. Isto é, comparou-se a participação relativa
do emprego industrial no Brasil em 2007 com essa mesma relação em 1990. Tomando-se a diferença dessas participações
nos pontos inicial e final do período, pode-se obter uma relação das microrregiões que mais ganharam em termos de participação do emprego industrial e as que mais perderam, isto
é, esta medida descreve quais regiões ampliaram sua participação no emprego industrial no Brasil e quais regiões reduziram a participação no emprego total.12
248
A Tabela 4 mostra as vinte microrregiões que mais ganharam em participação relativa no emprego industrial entre
1990 e 2007. Estas microrregiões totalizaram 1,320 milhões de
trabalhadores em 2007, ou seja, 18,6% do emprego industrial
brasileiro. No agregado, as vinte maiores microrregiões ganhadoras, em termos relativos, ampliaram em 6,1% sua participação no emprego industrial entre 1990 e 2007. No período
analisado o estoque do emprego industrial no Brasil cresceu
29,6%, enquanto o agregado das vinte maiores ganhadoras
cresceu 82,2%.
14
A participação do emprego industrial da microrregião i em 1990 é
igual a li ,1990 =
Emprego Industrial na Microrregião
, a variação do emprego é
Estoque Emprego Industrial Brasil
dada por Dli = li , 2007 - li ,1990
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 248
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Tabela 4 – Vinte Microrregiões que Mais Ganharam Participação no Emprego Industrial entre 1990 e 2007
Emprego
Industrial
1990
Participação
Emprego
no Total do
Industrial
emprego in2007
dustrial 1990
Participação
no total do
emprego Industrial 2007
Variação na
Participação
do Emprego
entre 1990 e
2007
Curitiba
112.568
2,06
189.892
2,68
0,62
Goiânia
25.534
0,47
70.630
1,00
0,53
Chapecó
8.408
0,15
38.053
0,54
0,38
Blumenau
76.851
1,41
126.134
1,78
0,37
Divinópolis
21.032
0,38
48.412
0,68
0,30
Caxias do Sul
81.521
1,49
127.040
1,79
0,30
Rio Claro
11.993
0,22
35.759
0,50
0,29
Joinville
77.499
1,42
120.844
1,71
0,29
Apucarana
11.157
0,20
34.002
0,48
0,28
Sudoeste de
Goiás
1.673
0,03
21.773
0,31
0,28
Toledo
7.400
0,14
29.226
0,41
0,28
Manaus
68.496
1,25
108.771
1,54
0,28
Fortaleza
81.172
1,49
125.262
1,77
0,28
Maringá
13.808
0,25
36.504
0,52
0,26
Sobral
2.649
0,05
20.655
0,29
0,24
Sao Miguel dos
Campos
13.661
0,25
33.938
0,48
0,23
Londrina
21.636
0,40
43.623
0,62
0,22
Ribeirao Preto
38.084
0,70
64.980
0,92
0,22
Cascavel
5.917
0,11
23.547
0,33
0,22
Cianorte
3.855
0,07
20.171
0,28
0,21
Total Emprego
Industrial
Brasil
5.464.388
249
7.082.167
Fonte: MTE/RAIS.
Note-se que das microrregiões que mais ganharam em
participação apenas Rio Claro e Ribeirão Preto estão localizadas no Estado de São Paulo. Também das microrregiões
localizadas no Nordeste apenas figuram Sobral e Fortaleza.
Goiânia e o sudoeste de Goiás destacam-se na região CentroOeste, enquanto observa-se uma recuperação do pólo indus-
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trial de Manaus. As demais microrregiões estão localizadas
na região Sul, com destaque para o Paraná, que conta seis microrregiões entre as vinte maiores ganhadoras em termos de
participação no emprego industrial.
250
Qualificando-se intersetorialmente os ganhos dessas
microrregiões, o comportamento é bastante heterogêneo. Por
exemplo, o crescimento de emprego industrial em Fortaleza,
e em especial em Sobral, marca o período de fraca coordenação da política de desenvolvimento regional, onde predominou a guerra fiscal e a competição via baixos salários.
Nestas duas regiões, por exemplo, o crescimento do emprego
está concentrado na indústria de calçados, têxteis, alimentos
e bebidas. Em geral, a observação do ganho de emprego industrial reflete a importância de outros fatores locacionais, e
que mesmo com incentivos fiscais agressivos o crescimento
significativo do emprego em indústrias de maior porte tecnológico se deu em microrregiões que já possuíam um parque
industrial mais diversificado, como por exemplo, Curitiba e
Caxias do Sul. Externalidades locais, ganhos de aglomeração
e concentração espacial de trabalhadores especializados (labour market pooling), reduzem o poder de atração de regiões
menos desenvolvidas e pode sinalizar para uma explicação,
conforme Diniz (1993), para o crescimento do emprego industrial, em especial aquele relacionado ao processo produtivo mais complexo, nas vizinhanças de São Paulo e em centros
industriais já consolidados. O Gráfico 7 expressa melhor essa
relação. No eixo X estão os coeficientes locacionais da indústria tradicional15, ou seja, a participação da industria tradicional no emprego industrial na dada região dividido pela mesma relação no Brasil. Desta forma, um coeficiente locacional
menor que 1 indica que a região possui relativamente menos
15
Indústria tradicional foi definida como o agregado das indústria
de madeira e mobiliário, borracha, fumo e couro, calçados, têxtil, alimentos e bebidas. Para indústrias mais avançadas tecnologicamente,
inclui-se química, metarlurgia, minerais não-metálicos, eletrônicos e
comunicações, material de transporte e mecânica.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 250
18/6/2009 09:47:36
empregos na indústria tradicional que a média nacional em
1990, caso contrário a microrregião seria mais especializada
que a média da economia nacional em indústrias tradicionais. No eixo y inclui-se a participação do ganho de emprego da microrregião em indústrias tradicionais, isto é, se uma
determinada região teve um ganho acima de 0,5, significa
que mais da metade dos empregos criados entre 1990 e 2007
se concentrou em indústrias tradicionais. As microrregiões
mais industrializadas relativamente são Manaus, Curitiba,
Caxias do Sul e Rio Claro.
Desta forma, as microrregiões ganhadoras em indústrias mais avançadas foram aquelas que já possuíam uma
base industrial, mesmo à exceção de Londrina e Riberão
Preto, que se localizam na vizinhança de regiões industrializadas. Interessante, portanto, ressaltar que fatores locacionais (como mercado de trabalho de mão-de-obra qualificada, acesso a fornecedores e ao mercado consumidor,
externalidades de aglomeração), ou seja, incentivos à aglomeração parecem ser mais importantes para indústrias mais
avançadas tecnologicamente que incentivos fiscais. Outra
observação interessante deve-se ao fato de o Brasil, dada
a estrutura produtiva em 1990, apresentar uma tendência
à criação de empregos em indústrias tradicionais acima do
valor estimado pela regressão. Em outras palavras, o ajuste simples realizado indica que o Brasil deveria ter criado
mais empregos em setores mais avançados tecnologicamente. O número de observações é, contudo, insuficiente para
se inferir conclusões mais precisas acerca deste tema, mas
é interessante observar que há uma relação positiva entre
o grau de especialização da região em indústrias de menor
conteúdo tecnológico e a criação de empregos industriais
em indústrias tradicionais.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 251
251
18/6/2009 09:47:36
252
Gráfico 7 – Coeficiente Locacional em Indústrias Tradicionais e
Participação do Emprego em Indústrias Tradicionais no Total
da Variação do Emprego nas Vinte Maiores Microrregiões Ganhadoras de Empregos Industriais entre 1990 e 2007
Fonte: RAIS/MTE
As vinte microrregiões que mais perderam empregos
industriais em termos relativos estão explicitadas na Tabela
5. Estas regiões no agregado representavam, em 1990, 2,744
milhões de empregos, ou seja, 50,8% do total do emprego industrial no Brasil. Estas vinte microrregiões possuíam nesse
mesmo 1990 1,436 milhões de empregos em indústrias mais
avançadas tecnologicamente, representando 58,1% do total
do emprego industrial brasileiro nestas indústrias tecnologicamente mais avançadas. Este grupo de microrregiões é
bastante industrializado e com forte presença em indústria
de maior conteúdo tecnológico. Comparando-se com 2007,
estas vinte microrregiões apresentam perda de mais de 521
mil empregos industriais. Desta forma, este conjunto de
microrregiões passa a representar, em 2007 apenas 31,0%
do total do emprego industrial no Brasil. Deve-se ressaltar
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que grande parte desta dinâmica de destruição de empregos deve-se à microrregião de São Paulo, onde houve uma
redução de 409 mil empregos industriais, e também a microrregião do Rio de Janeiro apresenta uma redução de 145
mil empregos industriais. Apenas as duas microrregiões
perdem 14,0% do total do emprego industrial no Brasil no
período analisado.
Outro ponto interessante a notar é a perda de empregos industriais em Recife e na zona da mata pernambucana. Juntas elas perderam quase 47 mil empregos industriais, ou seja, uma redução de 27,0% no total do emprego
em comparação entre 1990 e 2007. A grande perda de empregos concentra-se na indústria têxtil (em especial para o
caso de Recife) e alimentos e bebidas para as microrregiões
da mata pernambucana setentrional e meridional. Essas
microrregiões de Pernambuco são as únicas incluídas entre
as vinte maiores regiões perdedoras de emprego que se localizam no Nordeste.
Além de São Paulo Capital, há sete microrregiões localizadas no Estado de São Paulo: Franca, Sorocaba, São
José dos Campos, Moji das Cruzes, Guarulhos e Campinas.
Deve-se ressaltar, contudo, que grande parte das perdas,
para este grupo de microrregiões paulistas, concentraram-se
em indústrias tradicionais. Em indústrias tecnologicamente
mais avançadas, estas microrregiões, de fato, apresentaram
um ganho no emprego total, à exceção de Santos e Guarulhos. Portanto, algumas regiões do interior parecem se especializar ainda mais em termos relativos em indústrias tecnologicamente mais avançadas. Em 1990 a participação do
emprego em indústrias mais avançadas tecnologicamente
nestas regiões totalizava 362, 5 mil empregos, ou seja, 59 %
do total do emprego industrial nessas microrregiões. Já no
ano de 2007 essa participação aumenta para 63,2% do emprego concentrado em indústrias mais avançadas tecnologicamente. De fato, excluindo-se Santos e Guarulhos, que
foram microrregiões que perderam efetivamente empregos,
as demais microrregiões apresentaram uma taxa de cres-
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 253
253
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cimento do emprego em indústrias mais avançadas tecnologicamente entre 1990 e 2007 de 30,8%, bastante acima da
média nacional de 21%.
Para as demais regiões, Juiz de Fora figura entre
as vinte microrregiões que mais perderam participação,
a despeito da instalação de uma montadora de veículos na década de 1990. Observa-se nesta microrregião
o crescimento no setor de material de transportes, mas
acompanhada de queda no setor de metalurgia e mecânica. Novamente aqui parece indicar que mesmo que uma
política agressiva seja colocada em prática, não havendo
uma estrutura industrial previamente instalada os efeitos
encadeadores, mesmo em indústrias avançadas e capital
intensivo, são bastante reduzidos.
254
As demais regiões com perda significativa encontramse no Sul, com Porto Alegre e Pelotas, Belém na região Norte, e regiões do interior do Estado do Rio de Janeiro, como a
região Serrana, Vale do Paraíba e Campos dos Goytacazes.
Para Porto Alegre é também observada a mesma dinâmica
de microrregiões do interior de São Paulo. Há uma queda do
emprego manufatureiro em indústrias tradicionais, mas um
aumento no emprego em indústrias mais avançadas tecnologicamente, ainda que esse crescimento tenha ficado abaixo da
média nacional.16
O crescimento do emprego em indústrias mais avançadas em Porto Alegre foi de 12,0%. A média nacional foi de 21%. Para emprego
em indústrias tradicionais caiu 5% em Porto Alegre, o que elevou
a participação de indústrias mais avançadas tecnologicamente para
44% do total do emprego industrial.
16
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Tabela 5 – Dezenove Microrregiões que Mais Perderam Participação no Emprego Industrial entre 1990 e 2007
Emprego
Industrial
1990
São Paulo
Participação
Participação Variação na
no Total do Emprego no total do Participação
emprego
Industrial
emprego
do Emprego
industrial
2007
Industrial entre 1990 e
1990
2007
2007
1203384
22,02
793.604
11,21
Rio de Janeiro
390878
7,15
245.702
3,47
-3,68
Porto Alegre
219.643
4,02
223.921
3,16
-0,86
Recife
-10,82
86327
1,58
65.497
0,92
-0,65
113496
2,08
114.138
1,61
-0,47
47096
0,86
32.604
0,46
-0,40
35885
0,66
23.081
0,33
-0,33
Mata Setentrional
Pernambucana
32.095
0,59
20.443
0,29
-0,30
Vale do Paraiba
Fluminense
37.706
0,69
32.148
0,45
-0,24
Serrana
25100
0,46
19.030
0,27
-0,19
São José dos
Campos
89181
1,63
102.168
1,44
-0,19
Moji das Cruzes
62842
1,15
68.722
0,97
-0,18
Guarulhos
Mata Meridional
Pernambucana
Santos
Sorocaba
94787
1,73
112.362
1,59
-0,15
Pelotas
17.764
0,33
12.612
0,18
-0,15
Belém
33271
0,61
33.271
0,47
-0,14
-0,14
Juiz de Fora
29854
0,55
28.791
0,41
182226
3,33
226.385
3,20
-0,14
Franca
29768
0,54
31.996
0,45
-0,09
Campos dos
Goytacazes
13651
0,25
11.356
0,16
-0,09
Campinas
Total Emprego
Industrial Brasil
255
5464388
Fonte: RAIS/MTE.
Em resumo, pode-se afirmar que:
•
A perda relativa de empregos industriais foi em
grande parte dada pela queda do emprego industrial nas duas maiores aglomerações metropolitanas
brasileiras, Rio de Janeiro e São Paulo.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 255
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•
A perda de empregos industriais em regiões com diversificação industrial e com base industrial relevante se concentrou em indústrias tradicionais, o que levou de fato a uma especialização dessas regiões em
indústrias de maior conteúdo tecnológico.
•
As microrregiões perdedoras de emprego em termos
relativos estão em grande parte localizadas no Sul e
Sudeste, à exceção de Recife e zona da mata pernambucana no Nordeste, e Belém na região Norte.
•
Para as vinte microrregiões ganhadoras, apenas
Ribeirão Preto e Rio Claro estão localizadas em
São Paulo. O Paraná e Santa Catarina têm maior
parte das regiões ganhadoras. No Nordeste aparecem Fortaleza e Sobral, enquanto no Norte
Manaus é o destaque com a recuperação do pólo
industrial. A região Centro-Oeste está entre as
maiores ganhadoras com Goiânia e o Sudoeste de
Goiás se destacando.
•
Regiões periféricas, como as localizadas no Nordeste, tendem a atrair indústrias de menor conteúdo tecnológico, enquanto as microrregiões que já
contavam com uma estrutura industrial diversificada tendem a criar mais empregos em setores mais
avançados tecnologicamente. Isto é, as microrregiões ganhadoras em indústrias mais avançadas foram aquelas que já possuíam uma base industrial
diversificada, ou seja, os fatores locacionais (como
mercado de trabalho de mão-de-obra qualificada,
acesso a fornecedores e ao mercado consumidor,
externalidades de aglomeração) ou economias de
aglomeração seriam mais importantes para indústrias mais avançadas tecnologicamente que incentivos fiscais ou custo da mão-de-obra. Um caso clássico de deslocalização do emprego é Sobral, onde
praticamente todo o aumento do emprego industrial deveu-se à indústria de calçados.
256
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 256
18/6/2009 09:47:36
•
Novamente a desconcentração industrial é refletida
na maior diversificação regional entre as microrregiões ganhadoras de empregos industriais.
•
Finalmente deve-se estudar a possibilidade de terceirização explicando a redução do emprego industrial, em especial nas regiões metropolitanas de São
Paulo e Rio de Janeiro. Além disso, deve-se estudar
a qualidade do emprego, mesmo em indústrias mais
avançadas. Um estudo mais atento sobre a qualidade de empregos criados em microrregiões periféricas é um passo lógico da pesquisa ora em curso.
Certamente é um estudo que deve ser realizado para
melhor qualificar o processo de desconcentração industrial observado no Brasil, uma vez que a desconcentração parece ser mais forte em indústrias tradicionais que em indústrias de conteúdo tecnológico
mais avançado.
257
Conclusão
Há um grande debate na literatura econômica sobre o
peso da indústria na economia. Essa discussão, muitas vezes
bastante apaixonada, tenta entender o impacto da perda de
importância da indústria no produto e no emprego. Os estudos para países desenvolvidos tendem a enfatizar questões
domésticas como a maior produtividade do setor industrial
vis-à-vis o setor de serviços como uma das causas da desindustrialização. Outros autores, no entanto, enfatizam o comércio externo como um dos fatores de desindustrialização A
fragmentação produtiva, explicada pela queda nos custos de
transporte e de comunicação, também é outra causa apontada
pela literatura econômica. Autores de tradição estruturalista
analisando o caso de países em desenvolvimento tendem a
levantar a hipótese de uma “nova doença holandesa”, isto é,
o déficit comercial em manufaturas, a abertura econômica e
políticas macroeconômicas que tenderam a elevar a taxa de
juros e valorizar o câmbio como o cerne desse processo.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 257
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Ainda que não haja um indicativo conclusivo, de fato
observa-se no Brasil uma relação não linear, em forma de “U
invertido”, com uma perda persistente do emprego industrial
no total do emprego a partir da segunda metade da década de
1980. Este trabalho procurou descobrir quais seriam as consequências desse processo sobre as microrregiões. A primeira
constatação é uma desconcentração industrial, com a perda
de importância das regiões metropolitanas de São Paulo e
Rio de Janeiro. Considerando-se o nível de 5.000 empregos
industriais como um limite para definir uma microrregião industrial, observa-se uma elevação do número de microrregiões industriais no Centro-Oeste em direção à região Sul, em
especial no Paraná e Santa Catarina. O centro geográfico da
distribuição é alterado em direção Noroeste quando se compara 1990 com 2007.
258
Detalhando-se as microrregiões ganhadoras e perdedoras nesse processo conclui-se que a maioria das microrregiões
que mais perderam empregos estão concentradas no Sudeste,
em especial em São Paulo. Contudo, regiões com uma base
industrial relevante, por exemplo, no interior de São Paulo,
ainda que tenham reduzido sua participação no emprego industrial, especializaram-se em indústrias de maior conteúdo
tecnológico. Em vários casos houve ganho de empregos industriais nessas indústrias capital-intensivas. Para as regiões
ganhadoras a conclusão é que para as indústrias de maior
conteúdo, economias de aglomeração parecem ser mais importantes que incentivos fiscais, ou mesmo tais incentivos parecem ser efetivos para essas indústrias quando já existe na
região uma base industrial importante.
Este trabalho deve ser visto como um primeiro passo
para entender o processo de reconfiguração da indústria, contudo é urgente a elaboração de estudos que possam delinear
as consequências da redução do emprego sobre o crescimento
de longo prazo e o processo de relocalização do emprego
nessas microrregiões.
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18/6/2009 09:47:36
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07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 260
18/6/2009 09:47:36
8
A RECENTE QUEDA DO ÍNDICE DE CONCENTRAÇÃO DA RENDA NO BRASIL ALTEROU A
ESTRUTURA DA DISTRIBUIÇÃO DE RENDA?
Maria Cristina Cacciamali1
Vladimir Sipriano Camillo2
No início do século XXI, trava-se, no Brasil, um debate
a respeito da diminuição do grau de desigualdade na distribuição pessoal da renda, aferido pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A controvérsia gira,
principalmente, em torno de dois pontos: a importância dessa
queda no aumento do bem-estar das famílias brasileiras e a
incerteza da persistência dessa tendência.3 Este estudo inserese neste contexto e pretende contribuir desenvolvendo dois
objetivos: o primeiro é o de analisar as mudanças na distribuição da renda domiciliar por pessoa no Brasil, entre 2001 e
2006, de acordo com o tipo de renda e a macrorregião do país.
311
Doutora e Livre Docente em Economia pela Universidade de São
Paulo (Brasil) com Pós-doutorado pelo Massachusetts Institute of
Technology. Atualmente é Professora Titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade e Presidente do Programa
de Pós-Graduação em Integração da América Latina, da Universidade de São Paulo, Pesquisadora Sênior do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenadora
Científica do Núcleo de Estudo e Pesquisa de Política Internacional,
Estudos Internacionais & Políticas Comparadas, Núcleo de Estudos
e Pesquisas de Política Internacional (NESPI)-Universidade de São
Paulo (USP)/CNPq.
2
Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica
(PUC)-SP, Professor da Faculdade de Economia da Fundação Santo
André e pesquisador do NESPI-USP/CNPq. Os autores agradecem a
Fábio Tatei, pela montagem do banco de microdados das PNADs. Emails: [email protected] e http://www.econ.fea.usp.br/cacciamali
3
Vejam-se, entre outros, para a correlação entre essa queda e o
bem-estar das famílias, o estudo de Barros et al. (2006a). Com relação à magnitude dessa queda, destaca-se a abordagem crítica de
Salm (2006c).
1
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 311
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O segundo objetivo é o de investigar a magnitude da variação
da renda no período e mensurar o impacto sobre o total da
renda domiciliar por decil de renda.
Consideraram-se as macrorregiões Norte (urbana), Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste e as categorias de renda
domiciliar per capita total; do trabalho; aposentadorias e pensões; e transferências públicas totais. A seleção dos tipos de
renda mencionados refere-se à importância que cada tipo tem
na composição da renda domiciliar e ao objetivo de averiguar
a responsabilidade de cada um na diminuição do grau de desigualdade ao longo do período.
O recorte dos dados segundo as macrorregiões brasileiras,
por outro lado, justificou-se, ainda que insuficiente para dar
conta das múltiplas espacialidades nacionais, pela necessidade
de conferir maior número de evidências sobre o comportamento e a evolução da desigualdade da renda nessas regiões.
312
Quanto ao período analisado, contemplaram-se dois
subperíodos de 2001 a 2004, e de 2004 a 2006. Essa desagregação temporal reportou-se a um conjunto de evidências produzidas sobre o tema, entre 2001 e 2004, que apontavam a
redução do índice de Gini de 0,59 para 0,57.4 Assim, verificamos, entre 2004 e 2006, a consistência da tendência à queda
do grau de desigualdade.
Por fim, a escolha de analisar a magnitude da variação da
renda segundo estrato decílico de domicílios permitirá averiguar
o impacto da queda da desigualdade sobre o aumento da renda
real das famílias, em especial, as mais pobres da população.
Com a finalidade de apresentar alguns dos resultados
alcançados ao longo da investigação em curso, estruturamos
este trabalho em quatro seções, além da introdução e das considerações finais.5
Dentre os estudos mais recentes podemos mencionar: Soares (2006);
Hoffmann (2006b); Ferreira et al. (2006); IPEA (2006) e Soares et al.
(2006).
5
Os autores desenvolveram, recentemente, uma pesquisa sobre a
evolução da distribuição de renda no Brasil que permitiu a produção
de dois artigos: Cacciamali (2007) e Cacciamali e Camillo (2008).
4
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 312
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Na primeira seção apresentaremos a sistematização da
literatura sobre o tema. Trataremos das causas da desigualdade da distribuição de renda no Brasil depois da rápida industrialização da segunda metade do século XX, das interpretações dominantes da escola do individualismo metodológico
dos anos de 1990, dos argumentos sobre a importância dos
diferentes tipos de renda na diminuição da desigualdade entre 2001 e 2004 e da controvérsia sobre a relevância da magnitude da diminuição da desigualdade sobre o aumento de
bem-estar das famílias de baixa renda.
Optamos por analisar a literatura pertinente desde os
anos de 1960. Essa escolha foi motivada porque os estudos
até 1980, baseados em arcabouço teórico keynesiano, kaleckiano ou no estruturalismo histórico, reportavam-se às relações entre a distribuição funcional e pessoal da renda. A
partir de 1990, a dominação da ciência econômica pela escola
do individualismo metodológico praticamente implicou o
abandono do estudo dessas relações.
O arcabouço analítico neoclássico não privilegia a decomposição da renda nacional entre a renda do trabalho e do capital. A abordagem isolada da distribuição pessoal ou familiar da
renda per capita considera, em geral, e de forma subestimada,
apenas a renda do trabalho ativo e inativo e as transferências
públicas de renda. Esses componentes representam em torno da
metade da renda total do Brasil. Dessa forma, as análises a partir
dos surveys familiares ofuscam a concentração de renda advinda
do poder de mercado do setor privado. Quanto maior o grau de
monopólio, maior é o poder do setor privado e do governo, por
meio da regulação, de se apropriar de parcela crescente do valor
adicionado do país.6 Queremos destacar que desde os anos de
1960 a política econômica das diferentes administrações federais
– do regime militar ou do democrático – privilegiou, salvo em
313
Os rendimentos do trabalho têm se apropriado de uma parcela cada
vez menor da renda nacional no Brasil, passando de 53,5% em 1990
para 42,8% da renda nacional (DIEESE, 2006), indicando elevação da
concentração funcional de renda, num momento atual marcado pela
redução da desigualdade pessoal de renda.
6
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18/6/2009 09:47:37
períodos curtos e com diferentes intensidades, ao longo dessas
décadas, lucros, impostos e rendas financeiras. Dessa maneira,
estimativas da massa salarial indicam que depois de ter atingido
o patamar de 30% da renda interna, a sua participação, na atual
década, gira em torno de 35%.
314
A segunda seção aborda a evolução dos indicadores de
Gini por tipo de renda, entre 2001 e 2006, de tal forma a contextualizar a queda da desigualdade da distribuição de renda no
Brasil e em cada macrorregião. Com o objetivo de identificar os
principais tipos de renda associados à redução dos respectivos
índices, examinaremos, na segunda seção, para cada região, os
resultados da decomposição da variação do índice de Gini, ou
seja, o coeficiente de participação relativa de cada fonte de renda, o coeficiente de concentração de cada uma delas e o resultado total. A quarta seção trata da variação da participação da renda domiciliar segundo a distribuição por décimo de domicílios,
bem como da aferição do ganho real médio de renda para cada
décimo. A combinação das variações de renda com os ganhos
monetários reais, embora seja insuficiente para se avaliar o bemestar social de forma ampla, fornece indícios sobre o impacto da
redução da concentração de renda sobre o bem-estar das famílias, decorrência que não é visualizada por meio do índice de
Gini – medida adimensional. Por fim, teceremos as considerações finais. Nesta parte relacionaremos os resultados que obtivemos com as principais constatações da literatura especializada,
apontando causas adicionais que influenciam a conservação da
concentração da renda e que não são correntemente discutidas
na literatura. Apontaremos, ainda, perspectivas para a sustentabilidade da tendência decrescente do grau de desigualdade.
Interpretações Críticas sobre a Literatura que Trata das Causas e do Comportamento da Desigualdade na Distribuição de Renda no Brasil
No Brasil, os estudos sistemáticos sobre a distribuição de
renda iniciam-se a partir da década de 1970. Ao considerarmos o período posterior à segunda metade do século passado,
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18/6/2009 09:47:37
as causas da persistente e elevada concentração da renda brasileira podem ser analisadas em dois períodos: a controvérsia
de 1970 e o pensamento hegemônico dos anos de 1990.7
A literatura especializada de inspiração keynesiana e
kaleckiana, típica dos anos de 1970, trata conjuntamente do
crescimento econômico, da distribuição funcional e da distribuição pessoal da renda. Duas são as causas principais, de
acordo com vários autores, do aumento do grau de desigualdade na distribuição da renda, entre 1960 e 1970: o crescimento econômico centrado no desenvolvimento da indústria e
impulsionado pelo setor de bens de consumo duráveis, intensivo em capital; e o declínio do valor real do salário mínimo a
partir da instauração do regime militar.8
Fishlow (1978), por exemplo, seguindo o marco teórico keynesiano, entende que o aumento do salário mínimo pode propagar impulsos capazes de elevar os demais
salários e promover uma melhor distribuição de renda.
(FISHLOW, 1978). Segundo esse autor, a política salarial
instaurada pelo regime militar, entre 1964 e 1967, impediu
o crescimento do salário mínimo e do salário médio. Nesse
período, o salário mínimo, por decreto federal, foi reajustado abaixo da inflação e aos salários-bases das distintas categorias profissionais foram aplicadas fórmulas de reajuste
que subestimavam a inflação futura, implicando perdas
salariais recorrentes. Soma-se a esses fatos a suspensão das
negociações capital-trabalho dificultando a incorporação
de ganhos de produtividade aos salários. Nesse contexto, o
aumento do grau da desigualdade da distribuição pessoal
da renda, nos anos de 1960, é aderente à diminuição da
participação relativa dos salários e ao aumento da massa
de lucro no período, ou seja, é consistente com o aumento
da desigualdade funcional da renda.
315
No primeiro grupo destacam-se os estudos de Langoni (1973);
Fishlow (1978) e Bacha (1978), enquanto no segundo notam-se os
estudos coordenados por Barros e Mendonça (1995).
8
Veja-se uma resenha sobre o tema em Cacciamali (2005).
7
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Nessa direção, Souza e Baltar (1979), de um lado, e Macedo e Garcia (1979), de outro, travam um debate emblemático.
Os dois primeiros autores, partindo de enfoque marxista-estruturalista, argumentam que no Brasil o salário mínimo determina o salário da mão-de-obra não qualificada do núcleo
tipicamente capitalista da economia – a indústria. Constituise, portanto, um parâmetro, tanto para a hierarquia salarial
das empresas quanto para as remunerações dos trabalhadores não qualificados que se inserem nas atividades do setor
informal.9 Assim, para Souza e Baltar, a contenção do salário
mínimo, durante o regime militar, provoca a ampliação da
dispersão salarial no período e o aumento da concentração
funcional e pessoal da renda.
316
Roberto Macedo e Manuel Enriquez Garcia contestam o
papel redutor do salário mínimo durante esse mesmo período.
(MACEDO; GARCIA, 1979). Os autores, utilizando-se do modelo
de Lewis, defendem que o salário de subsistência é o determinante da taxa básica de salário da economia urbano-industrial e a evolução desse indicador depende do comportamento do índice de
custo de vida. Conforme visto anteriormente, na década de 1960,
o salário mínimo, recorrentemente, foi reajustado abaixo do índice de custo de vida, tornando-se inoperante. De acordo com essa
linha de interpretação, o salário mínimo, nessas circunstâncias,
perde a sua atribuição e a sua relevância de indicador de salário
básico da economia, que passa a ser estabelecido pelo mercado.
9
De acordo com a definição da Organização Internacional do Trabalho, o setor informal é o conjunto das empresas familiares operadas
pelos proprietários e seus familiares, ou em sociedade com outros
indivíduos. São unidades produtivas que não são constituídas como
entidades legais separadas de seus proprietários e que não dispõem
de registros contábeis padrão. O setor informal, sob a ótica da ocupação, é definido como o conjunto de trabalhadores inseridos nessa
forma de organização da produção, que inclui os proprietários, a
mão-de-obra familiar e os ajudantes assalariados. (CONFERÊNCIA..., 1993). Define-se o setor formal, por oposição, como o conjunto de empresas, organizações formais sob relações capitalistas, de
produção e jurídicas, bem como seus respectivos trabalhadores.
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18/6/2009 09:47:37
Assim, a diminuição do salário mínimo apenas redunda na diminuição do número de ocupados com essa remuneração.10
Nos anos de 1960, outra racionalização para o aumento
do grau de desigualdade da distribuição pessoal da renda,
baseada na elevação da concentração funcional da renda, foi
elaborada por Bacha (1978). Bacha (1978) elabora os seus argumentos a partir do comportamento no período da estrutura ocupacional e salarial das grandes empresas. A política
salarial executada pelas grandes empresas, na presença de
elevadas taxas de crescimento econômico e da ausência de
regulação distributiva no mercado de trabalho, origina exacerbada desigualdade salarial entre as ocupações gerenciais
e aquelas da produção. Em um ambiente de alta competição
para atrair mão-de-obra qualificada, as empresas de maior
porte possuem margens de lucro que lhes permitem pagar
salários mais altos, principalmente para os seus gerentes.
Dessa maneira, a alta hierarquia das firmas, apoiando-se na
sua posição diferenciada no mercado, indicada pelo maior
poder de monopólio, estabelece seus vencimentos para além
da produtividade marginal do trabalho, abocanhando parcela dos lucros.
317
No início da década de 1970, a análise de Langoni (1973)
sobre o aumento do grau de desigualdade da distribuição da
renda não considera o comportamento da distribuição funcional da renda, privilegiando a metodologia e o argumento econômico mais freqüentemente utilizado nas décadas posteriores: o individualismo econômico e a teoria do capital humano.
Langoni (1973) defende que a concentração da renda no Brasil,
da década de 1960, derivou principalmente da incapacidade
Diferentes testes empíricos apóiam a hipótese de que os reajustes do salário mínimo determinam os demais salários da economia,
sejam eles aproximados pelos salários medianos reais da indústria,
dos serventes do setor da construção civil, dos empregados com
carteira assinada ou dos empregados não qualificados com carteira
assinada, registrando elasticidades salário mínimo/salário selecionado que variam de 0,50 a 0,90. Veja-se uma resenha, entre outros,
em Cacciamali (2005).
10
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do sistema educacional brasileiro de produzir trabalhadores
qualificados na proporção demandada pela crescente industrialização.11 Ademais, reinterpretando Kuznets (1955), Langoni (1973) afirma que o aumento da concentração da renda, em
um período de crescimento industrial acelerado é esperado,
tendo em vista o aumento da heterogeneidade estrutural do
setor produtivo brasileiro. Segundo Kuznets (1955), a concentração da renda aumenta nas fases iniciais do desenvolvimento
econômico, reduzindo-se quando a estrutura produtiva apresenta predominantemente setores de maior produtividade.
Assim, sob a ótica de manter o crescimento econômico,
a concentração de renda é um fenômeno passageiro, típico
de uma economia em processo de reestruturação produtiva e
desenvolvimento. Nos setores de atividade de maior produtividade a distribuição pessoal da renda dependerá ainda mais
da escolaridade dos trabalhadores.
318
Analisando os estudos realizados a partir dos anos de
1990, nota-se a influência da abordagem de Langoni (1973),
baseada na teoria do capital humano e no abandono de quaisquer relações com a distribuição funcional da renda.
A Hegemonia do Individualismo Metodológico
Na década de 1990, Barros e co-autores ampliam e complementam o modelo langoniano. Em artigo de Barros e Mendonça (1995), estes identificaram teórica e empiricamente os
determinantes da desigualdade de renda no Brasil, principalmente aqueles da desigualdade salarial. Os autores destacam
três fatores: a segmentação no mercado de trabalho brasileiro,
por exemplo, segundo ramo de atividade, formal-informal e
regional; a discriminação por cor e sexo; e a experiência no
Além da escolaridade, Langoni (1973) insere, no modelo econométrico, a variável idade como proxy da experiência, obtendo resultados robustos, que ratificam a sua opção pelo poder explicativo do
capital humano.
11
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mercado de trabalho e a escolaridade do trabalhador, ambos
associados ao capital humano que ele incorporou.
Os resultados da investigação de Barros e Mendonça
(1995) indicaram que a segmentação por ramo de atividade
devido à heterogeneidade estrutural explica 15% da desigualdade salarial, a segmentação formal-informal responde por
apenas 1%, embora os diferenciais salariais entre trabalhadores formais e informais não sejam desprezíveis12 e a segmentação regional importa entre 2 e 5% da desigualdade salarial,
porque a diferenciação salarial dos trabalhadores com qualificações similares entre as regiões é pequena. (BARROS; MENDONÇA, 1995).
Quanto à discriminação por cor e sexo, Barros e Mendonça (1995) mostraram que a variável cor participa com 2%
na explicação da desigualdade de renda brasileira, e 5% representa a participação da discriminação de sexo. Por outro
lado, a experiência do trabalhador no mercado de trabalho
explica 5% da desigualdade salarial, a sua experiência na empresa responde por 10% e a escolaridade explica de 35 a 50%.
Ou seja, os autores concluíram que as variáveis de capital
humano explicam a metade ou mais da desigualdade salarial brasileira, resultados que se alinham às constatações de
Langoni da década de 1970. Com isso esses autores remetem
a discussão sobre a desigualdade de renda para as características da oferta de trabalho, assim como propõem ações públicas focalizadas na oferta de trabalho. Barros e Mendonça
319
Informa-se que Barros et al. (2006a) entendem a segmentação formal-informal de uma maneira pouco rigorosa na medida em que o
segundo segmento compreende todos os empregados que não dispõem de carteira de trabalho assinada, inclusive empregados domésticos, e trabalhadores por conta própria. Essa heterogeneidade,
provavelmente é uma das causas do resultado alcançado. Os empregados domésticos dispõem, por exemplo, do menor nível de renda
entre as demais categorias, os trabalhadores por conta própria mostram elevada dispersão de vencimentos, assim como os empregados
sem carteira de trabalho assinada, embora em um patamar médio
inferior ao dos trabalhadores por contra própria.
12
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(1995), posteriormente, com recursos de pesquisa originários
principalmente do Banco Mundial e a partir do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), criaram as condições
para a elaboração de inúmeros estudos que sobrepujam na
ordem das explicações para a ocorrência da desigualdade os
fatores de demanda, os fatores institucionais, os tipos de política pública de mercado de trabalho, o tipo de regulamentação de mercado de trabalho e a política macroeconômica.
(BARROS; MENDONÇA, 1995).
320
Cinco anos depois, Barros e Mendonça (2000) elaboraram um estudo que concordava com as principais conclusões
do artigo de 1995 citado acima. No estudo de 2000, os três autores identificaram o fator heterogeneidade educacional como
o principal determinante da desigualdade salarial brasileira,
sendo responsável por 39,5% dessa desigualdade. Segundo
Barros e Mendonça (2000), as diferenças educacionais entre
os trabalhadores brasileiros são desvendadas pelo mercado
de trabalho, pois mostram que os trabalhadores mais escolarizados auferem salários maiores porque apresentam maior
produtividade. Além de identificarem a escolaridade como
o principal determinante da desigualdade salarial no Brasil,
esses autores também apontavam problemas permanentes do
sistema educacional brasileiro que reforçam a concentração
de renda, principalmente, o relativo atraso educacional, estimado em uma década. (BARROS; MENDONÇA, 2000).
Outro estudo dos anos de 1990 combina-se com os resultados anteriores. Ferreira (2000), utilizando-se das evidências
empíricas de Barros e Mendonça (2000), também constatou
que a escolaridade é o principal determinante do perfil desigual da distribuição de renda no Brasil. Segundo Ferreira
(2000), os anos de estudos explicam entre 33 e 50% da desigualdade total, embora, outras causas devam ser citadas, por
exemplo, os efeitos da segmentação e da discriminação.
Além dos resultados empíricos, Ferreira (2000) construiu um modelo teórico para explicar a persistência da desigualdade de renda no Brasil. Esse modelo contém uma característica de dinâmica intergeracional que retroalimenta a
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desigualdade existente. Essa retroalimentação inicia-se com
uma elevada desigualdade educacional que causa uma acentuada desigualdade de renda. Essa última, por sua vez, ao
criar grupos populacionais de rendas baixas, também promove uma desigualdade de poder político. Essa desigualdade
de poder político perpetua a desigualdade educacional, uma
vez que os grupos populacionais de rendas baixas não conseguem alterar as decisões políticas que podem favorecê-los,
como a expansão de escolas públicas de qualidade. Dessa
forma, o circuito de retroalimentação se completa com as diferenças educacionais provocando desigualdade de renda e
desigualdade de poder político, impedindo que esse circuito
seja interrompido. Ferreira propõe a expansão e melhoria dos
gastos públicos em educação com a focalização nos grupos de
elevado déficit educacional. (FERREIRA, 2000).
Século XXI: O Início da Diminuição do Grau de Desigualdade da Distribuição de Renda
321
Mais recentemente, a literatura nacional investigou as
causas da queda da concentração pessoal de renda depois de
2001. O debate recente, além de incorporar parte dos resultados
derivados dos estudos dos anos de 1970 e dos anos de 1990,
também incluiu outros itens determinantes da variação da concentração de renda, por exemplo, os gastos sociais da Seguridade Pública e do Programa Bolsa Família. A introdução dessas
variáveis expandiu o número de determinantes da variação do
grau de desigualdade da distribuição de renda sem romper com
a literatura anterior, ao contrário, ampliou as conexões causais.
Essas conexões apareceram numa série de estudos que se utilizam de técnicas matemáticas de decomposição.13
Soares (2006) decompôs a variação da concentração da
renda domiciliar brasileira no período de 1995 a 2004 e conDentre esses estudos mais recentes podem ser mencionados: Soares (2006); Hoffmann (2006b); Ferreira et al. (2006) e IPEA (2006);
Soares et al. (2006).
13
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clui que depois de 2001 a participação da renda do trabalho
explica 75% da queda da desigualdade; e que nesse processo
as transferências públicas do Programa Bolsa Família destacam-se pela sua contribuição com 27%.
Hoffmann (2006b), utilizando-se da mesma técnica de
decomposição de Soares, obteve resultados similares para algumas regiões brasileiras. As transferências públicas, especialmente no Nordeste, contribuíram significativamente para a redução da concentração de renda domiciliar com 86,9%. Para as
demais regiões analisadas, Hoffmann (2006b) obteve resultados
que ressaltam a renda do trabalho como o principal tipo de renda envolvido com o movimento de redução da desigualdade.
322
Ferreira et al. (2006) também efetuaram uma série de
decomposições da desigualdade de renda brasileira. Dentre
os principais resultados, os autores salientaram as contribuições da escolaridade e da discriminação por cor. Em 2004, as
diferenças educacionais entre os responsáveis pelo domicílio
explicam 38% da desigualdade total, enquanto a variável cor
responde por 11%. Contudo, apesar da elevada capacidade
explicativa da educação, entre 1981 e 2004 houve uma redução de sua importância, indicando a redução nos retornos à
escolaridade, enquanto a importância da discriminação por
cor se mantém. Adicionalmente, os autores identificaram que
em 2004 a renda do trabalho contribui com 67%, e as aposentadorias e pensões com 18%.
A importância das transferências públicas para a redução da concentração da renda brasileira, depois de 2001,
tornou-se um objeto específico de análise. Soares et al. (2006)
analisando essa questão concluíram, por meio de decomposição, que o Benefício de Prestação Continuada, o Programa
Bolsa Família e as aposentadorias e pensões no piso, contribuíram, respectivamente, com 7%, 21% e 32% para a redução
da desigualdade no período de 1995 a 2004. A principal causa
para que essas transferências públicas contribuíssem para a
redução da desigualdade foi a diminuição de seus coeficientes de concentração, fato que vem acompanhado da ampliação da focalização desse tipo de gasto público.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 322
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O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)
também analisou a contribuição das transferências públicas
para a redução da desigualdade, no período de 2001 a 2004,
e o estudo concluiu que as aposentadorias e pensões no piso,
o Benefício de Prestação Continuada e as transferências do
Programa Bolsa Família contribuem, juntos, com 30% da redução total. O estudo realizado por esse Instituto também
analisou a importância de outros fatores para a redução da
desigualdade no período. Dentre eles, o estudo destacou
a escolaridade, a produtividade do trabalho e a segmentação regional com 16, 18 e 11% da explicação total, respectivamente. Tendo em vista esses resultados, o IPEA sugere
ampliar ainda mais a cobertura dos programas públicos de
transferência de renda, bem como programas de qualificação
da força de trabalho e maior a integração dos mercados de
trabalho. (IPEA, 2006).
Declínio do Grau de Desigualdade e a Magnitude
da Variação da Renda
323
Paralelamente às questões discutidas anteriormente sobre as causas do comportamento da desigualdade da distribuição pessoal de renda, o meio técnico-acadêmico estabeleceu outra polêmica sobre o tema. O mote do debate agora
é a relação entre a magnitude da queda da desigualdade de
renda e o bem-estar das famílias mais pobres. Os argumentos
que perpassam essa contenda podem ser agrupados em três
vertentes que se distinguem pelo grau de importância que
cada uma confere à redução do grau de desigualdade.
A primeira vertente, representada por Barros et al.
(2006a, 2006b) e Hoffman (2006a, 2006b), entende que a magnitude da queda foi intensa, ocasionou forte redução da pobreza e acarretou expressivos ganhos de bem-estar social.
Barros, utilizando-se de uma linha de pobreza de R$ 162,59
e de extrema pobreza de R$ 81,29, conclui que, no período
mencionado, o número de pobres caiu em 3,8 milhões e o de
extremamente pobres reduziu-se em 5,6 milhões. Esses nú-
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18/6/2009 09:47:37
meros absolutos, em 2005, representavam, respectivamente,
34,1 e 13,2% do total das famílias brasileiras.
Hoffmann (2006b, p. 70), por sua vez, defende que a
magnitude da queda da desigualdade de renda, no Brasil, no
período de 2001 a 2005, é elevada e proporcional ao aumento
da desigualdade na década de 1960 que tanto chamou a atenção na literatura da época.
Essa redução de 2,8 pontos percentuais em quatro anos
pode parecer pequena, mas cabe assinalar que o valor
absoluto de sua intensidade anual é semelhante ao do
crescimento de 8 pontos percentuais do índice de Gini do
rendimento da PEA no Brasil, na década de 1960 que mereceu grande destaque na literatura sobre distribuição de
renda e no debate público.
324
Destacamos, entretanto, que o “acentuado crescimento
na renda dos mais pobres” e a “elevada queda da desigualdade de renda” durante o período em tela, no Brasil, encobrem
o real poder de compra das linhas de pobreza que foram empregadas por Barros. Ou seja, é possível sair da linha de pobreza no período mencionado e continuar com um padrão de
vida muito reduzido, em função de esse valor ser insuficiente
para a sobrevivência e o bem-estar social de uma família.
A segunda abordagem, defendida por Dedecca (2006),
reconhece que a redução da desigualdade é significativa, mas
incapaz de promover uma mudança estrutural na distribuição de renda no Brasil. Dedecca (2006, p. 220) admite a importância da queda da desigualdade, mas considerou que “[...] os
avanços são ainda muito limitados, e podem ser facilmente
revertidos em razão do seu baixo impacto sobre o perfil estrutural da distribuição de renda familiar”. Essa afirmativa se
justifica, segundo esse autor, porque entre 1995 e 2005, considerando-se a distribuição de renda, os décimos inferiores
da população não aumentaram a sua participação na massa
salarial, além de, entre 2002 e 2005 se reduzirem as médias de
rendimento real para o primeiro, sexto e nono décimo da população. Esse comportamento indicou a “[...] deterioração dos
níveis de rendimentos da população brasileira” que ocorreu
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“porque a elevação de certos rendimentos passa a ser obtida...
com a redução do de outros”. Sendo assim, o autor nota que
o padrão médio de renda familiar não sofreu significativas
alterações e conclui que a recuperação da renda familiar em
2005 não se restringiu aos estratos mais pobres e que “o processo parece estar se estabelecendo sem a observância de uma
elevação do padrão médio de bem-estar da sociedade”.
Finalmente, o terceiro posicionamento afirma que o estreitamento do grau de desigualdade na distribuição de renda “nada tem de substancial”. (BARROS et al., 2006a). (BARROS; MENDONÇA, 1995). Salm (2006) entende que “a queda
em torno de 4% nada tem de substancial, principalmente se
levarmos em conta os níveis absurdamente elevados de concentração de renda de que padecemos”. Além de acreditar que
a magnitude da queda é relativamente reduzida, esse autor
questionou a direção de causalidade entre a desigualdade e a
pobreza - estabelecida pelos autores da primeira vertente de
interpretação – e propôs a inversão de causalidade por meio
de uma pergunta provocativa: “...por que não inverter os termos da proposição e, em vez de dizer, como consequência da
queda da desigualdade reduziram-se a pobreza e a extrema
pobreza, dizer como conseqüência da queda na pobreza e da
extrema pobreza, reduziu-se a desigualdade?”
325
A inversão de causalidade, indicada por Salm (2006),
é consistente com a interpretação estrutural do processo de
desenvolvimento econômico, na medida em que esse modelo prioriza a elevação da produtividade e o crescimento econômico como os instrumentos privilegiados para superar os
elevados patamares de desigualdade de renda.
Naturalmente, sabemos que a produtividade e o crescimento econômico são fatores econômicos essenciais para
elevar o nível de bem-estar e combater a desigualdade de
renda, desde que os ganhos de produtividade sejam repassados aos vários níveis salariais, que o governo execute políticas redistributivas e que os trabalhadores, na sua grande
maioria, apresentem cobertura associativa ou sindical em
prol de seus interesses.
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A Diminuição do Coeficiente de Gini no Início do
Século XXI
Entre 2001 e 2006, a queda da desigualdade na distribuição de renda diminuiu quatro pontos percentuais. A maior
queda ocorreu no Sul, de um Gini de 0,56 para 0,51, que contrastou com as demais regiões, todas com uma redução igual
ou menor que a média nacional. (Tabela 1).
Tabela 1 – Grau de Desigualdade Regional da Renda do
Trabalho, das Transferências Públicas e das Aposentadorias e Pensões para os anos 2001, 2004 e 2006
Brasil e
Macroregiões
Brasil
Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
326
Renda do Trabalho
Transferências Públicas Aposentadorias e Pensões
GINI
GINI
GINI
GINI
GINI
GINI
GINI
GINI GINI
2001
2004 2006
2001 2004 2006
2001 2004 2006
0,56
0,54 0,53
0,56
0,18
0,13
0,54 0,53 0,51
0,56
0,53 0,52
0,43
0,02
0,02
0,51 0,50 0,52
0,62
0,59 0,59
0,28
0,09
0,09
0,59 0,61 0,58
0,59
0,58 0,58
0,61
0,10
0,12
0,59 0,56 0,59
0,53
0,51 0,51
0,67
0,36
0,28
0,52 0,51 0,48
0,55
0,52 0,52
0,67
0,47
0,39
0,55 0,51 0,48
GINI GINI
GINI
Total Total Total
2001
2004 2006
0,56
0,53 0,52
0,55
0,52 0,51
0,61
0,58 0,57
0,59
0,57 0,57
0,53
0,51 0,50
0,56
0,52 0,51
Fonte: Elaboração Própria dos Autores a partir dos Microdados das PNADs
de 2001, 2004 e 2006.
A desigualdade de renda do trabalho diminui em todas as regiões, mas permanece alta, sobretudo no Nordeste
e Centro-Oeste. Essas duas regiões apresentam os maiores
coeficientes de desigualdade, próximos a 0,60, o que indica
a existência de mercados de trabalho de estruturas ocupacionais muito heterogêneas e de elevados diferenciais salariais.
A renda das aposentadorias e pensões distribui-se de
forma muito concentrada e, como era de se esperar, o perfil
da distribuição é similar ao da renda do trabalho e da própria
cobertura do Sistema Público de Seguridade Social. Em 2006
as maiores desigualdades de renda ocorrem para as macrorregiões Nordeste e Centro-Oeste, que atingem coeficientes de
Gini de 0,58 e 0,59 respectivamente. As menores desigualdades são apresentadas pelas macrorregiões Sudeste e Sul, que
mostram coeficientes idênticos de 0,48. A contribuição desse
tipo de renda para a redução do grau de desigualdade da renda é de 8,64% entre 2001 a 2004, e 33,69% entre 2004 e 2006.
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O Sul, entre 2001 e 2004, como era de se esperar, apresenta a
maior contribuição – 25,35% - devido à maior cobertura da
legislação trabalhista e da seguridade pública.
O grau de desigualdade das transferências públicas de
renda, em 2001, alcança um coeficiente de 0,56 para o agregado
e indica o maior valor do benefício vitalício frente às demais e
escassas transferências de renda até aquele período. Entretanto, a ampliação dos programas, especialmente do Programa
Bolsa Família, conduz à queda abrupta do coeficiente entre
2001 e 2004, e mostra-se, neste último ano, em 0,18. Entre 2004
e 2006, o grau de desigualdade das transferências públicas
manteve a tendência de queda e, para o período completo, de
2001 a 2006, o coeficiente é de 0,13.
A desigualdade da distribuição cai de forma expressiva,
especialmente, para o Norte urbano, onde alcança um coeficiente de Gini próximo a zero (0,02). A segunda maior queda
relativa ocorre na macrorregião Centro-Oeste, passando de um
coeficiente de 0,61, em 2001, para 0,13 em 2006. A participação
relativa do primeiro décimo de domicílio em 2006 é similar entre as regiões, entre 7 e 8%, exceto para o Sul, que apresenta
5,2%. A queda abrupta das desigualdades nesse tipo de renda
ratifica as informações sobre o adequado grau de focalização
do Programa Bolsa-Família no atendimento dos domicílios de
menor renda. Ao decompor a queda da desigualdade da renda
domiciliar per capita, nota-se que entre 2001 e 2004 os programas analisados contribuem com mais de um quarto (25,71%)
na redução do grau de desigualdade da distribuição da renda
domiciliar per capita em nível agregado.14
327
A distribuição de renda domiciliar per capita por tipo
mostra que o trabalho ocupa a maior parcela, situando-se
em 74% para Brasil em 2006, e ultrapassando os 80% para as
Chamamos a atenção para o fato de que, neste estudo, assim como
em outros, o tipo de renda transferências públicas agrega a parcela de
juros recebida pelas famílias. Entretanto, devido à subdeclaração desta parcela na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD),
a superestimação da renda referente às transferências é diminuta.
14
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macrorregiões Centro-Oeste e Norte urbano. (Tabela 2). As
transferências públicas de renda – Bolsa Família, Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil (PETI) e outros – ocupam parcela reduzida
da renda domiciliar per capita, apenas 2%, em 2006. A única
macrorregião que, no período, amplia de forma significativa
a participação desse tipo de renda na renda domiciliar é o
Nordeste, 4% naquele mesmo ano. Considerando-se a magnitude da pobreza no Brasil, esses resultados indicam que as
transferências de renda pouco representam na composição
da renda nacional e regional, enquanto as aposentadorias e
pensões representam no agregado um quinto (21%) da renda
domiciliar per capita e constitui um tipo de renda relevante
para a análise do processo redistributivo.
Tabela 2 – Participação Relativa %da Renda do Trabalho,
Aposentadorias e Transferências Públicas
328
Brasil
Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
Trabalho Trabalho Transferências Transferências Aposentadorias
2001
2006
2001
2006
75
74
1
2
83
81
1
2
73
71
1
4
81
79
1
2
74
72
1
1
74
73
2
2
2001
20
14
23
14
22
22
Aposentadorias
2006
21
14
23
16
23
22
Fonte: Elaboração Própria dos Autores a partir dos Microdados das PNADs
de 2001 e 2006.
A Importância de Cada Tipo de Renda no Comportamento do Grau de Desigualdade
A decomposição da variação do índice de Gini referente à renda domiciliar per capita foi efetuada para o
Brasil e para as cinco macrorregiões para os períodos de
2001-2004, 2004-2006 e 2001-2006 utilizando-se de calculo
diferencial. O resultado da diferenciação resultou em dois
efeitos: renda e concentração.15
Matematicamente os efeitos renda e concentração podem ser formalizados da seguinte maneira: [(C* - G*) < < &
15
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As estimativas realizadas, inicialmente, apontam dois fatos.
O primeiro é que a contribuição da renda do trabalho é o fator
mais importante na queda da desigualdade da distribuição da
renda; o segundo refere-se à correlação positiva entre a contribuição da renda do trabalho e a diminuição do grau de desigualdade da distribuição de renda – quando a contribuição da renda
do trabalho se reduz entre 2004 e 2006, a queda do índice de Gini
diminui. Apenas a macrorregião Norte (urbana) apresenta correlação negativa entre a contribuição da renda do trabalho e a
queda da desigualdade regional. Conforme pode ser observado
na Tabela 3, a importância do efeito renda foi relativamente pequena na diminuição da desigualdade de renda, exceto para o
Nordeste e o Norte: -25%, entre 2001 e 2006, e -69% entre 2004
e 2006, respectivamente. O peso do efeito renda nessas duas regiões deve ser remetido ao aumento das transferências públicas
que no Nordeste se mantiveram altas e com poucas oscilações nos
dois subperíodos, condizente com o montante de transferências
efetuadas para essa macrorregião pelo Programa Bolsa Família aproximadamente 50% do total dos gastos do programa. No caso
do Norte o aumento ocorreu no período de 2004 a 2006 e, conforme visto anteriormente, os gastos representam cerca de 2 % de
renda domiciliar total em 2006. As demais estimativas do efeito
renda indicam que as rendas do trabalho e das aposentadorias e
pensões não se ampliaram significativamente no período de 2001
a 2006, numa clara indicação do baixo desempenho do mercado
de trabalho e dos resultados da reforma da previdência.
329
Tabela 3 – Participação do Efeito-Renda na Variação das
Desigualdades Regionais para os dois Subperíodos (20012004 - 2004-2006) e para o Período (2001-2006)
Brasil e
Macroregiões
Brasil
Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
Renda do Trabalho
Efeito
Efeito
Efeito
Renda
Renda
Renda
Transferências Públicas
Efeito
Efeito
Efeito
Renda
Renda
Renda
Aposentadorias e Pensões
Efeito
Efeito
Efeito
Renda
Renda
Renda
2001 a 2004 2004 a 2006 2001 a 2006 2001 a 2004 2004 a 2006 2001 a 2006 2001 a 2004 2004 a 2006 2001 a 2006
-0,20
-0,27
-1,20
0,00
0,20
0,03
-0,21
-1,60
0,50
*
0,00
-0,11
-0,30
-0,47
-0,83
-0,21
-0,10
-0,03
-4,30
-8,51
-27,30
-3,25
-0,05
0,17
-17,27
-69,41
-24,93
*
-7,53
-2,97
-6,09
-14,88
-24,65
-9,02
-0,77
-0,06
-0,34
-0,12
0,24
0,04
-0,65
-0,08
0,08
0,08
-1,77
*
0,51
-0,23
-0,25
0,05
0,00
0,62
-0,76
-0,16
Fonte: Elaboração Própria dos Autores a partir dos Microdados das PNADs
de 2001, 2004 e 2006.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 329
18/6/2009 09:47:37
O efeito concentração mostra-se mais importante para a
queda da desigualdade da distribuição da renda domiciliar
per capita total do que o efeito renda nos dois períodos considerados. Ou seja, a redução da concentração da renda do
trabalho, das transferências públicas e das aposentadorias e
pensões exerceram maior poder sobre a queda da desigualdade total: -55,5% na média brasileira. (Tabela 4).
Tabela 4 – Participação do Efeito-Concentração na Variação das Desigualdades Regionais para os dois Subperíodos
(2001-2004 - 2004-2006) e para o Período (2001-2006)
Brasil e
Macroregiões
Brasil
Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
330
Renda do Trabalho
Transferências Públicas
Aposentadorias e Pensões
Efeito
Efeito
Efeito
Efeito
Efeito
Efeito
Efeito
Efeito
Efeito
Concentração Concentração Concentração Concentração Concentração Concentração Concentração Concentração Concentração
2001 a 2004
2004 a 2006
2001 a 2006
2001 a 2004
2004 a 2006
2001 a 2006
2001 a 2004
2004 a 2006
2001 a 2006
-63,84
-72,37
-67,68
-54,10
-70,58
-64,35
-39,02
-79,02
-36,31
*
17,26
-32,77
-55,51
-73,31
-56,35
-58,17
-53,24
-54,10
-21,41
-13,20
-14,16
-22,58
-16,09
-10,12
-6,71
-0,44
-1,21
*
-11,41
-10,05
-19,13
-16,10
-10,99
-29,37
-16,24
-11,01
-8,30
-4,96
11,45
-19,46
-10,68
-25,27
-33,77
43,86
-35,06
*
-67,01
-46,10
-16,60
4,10
-5,78
-2,54
-27,20
-31,94
Fonte: Elaboração Própria dos Autores a partir dos Microdados das PNADs
de 2001, 2004 e 2006.
A desconcentração da renda do trabalho contribui expressivamente para a diminuição na macrorregião Norte (urbana), atingindo o peso de -79,02% no subperíodo de 2004
a 2006, e -73,31% no período de 2001 a 2006. Os resultados
da renda do trabalho para as demais macrorregiões aproximam-se da média nacional, exceto o Centro-Oeste com taxa
próxima a -58%.
As aposentadorias e pensões contribuem para a queda
da desigualdade total com cifras relativamente reduzidas,
exceto para as macrorregiões Sudeste (com -27,2%) e Sul (31,94%), devido à menor cobertura nas demais regiões e à
maior participação das aposentadorias derivadas do setor
público vis-à-vis aquelas derivadas do setor privado que têm
perfil mais concentrado.
As transferências públicas, entre 2001 e 2006, apresentam
resultados expressivos quando comparados com a sua baixa
participação na renda domiciliar per capita total, sobretudo,
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 330
18/6/2009 09:47:37
no período entre 2001 e 2004 (-21,41%). Entre 2004 e 2006, o
efeito concentração desse tipo de renda perde importância
(-6,71%) para a queda da concentração em virtude do esgotamento do efeito homogeneização do valor das transferências públicas que ocorrera no período anterior.
Somando-se os resultados dos efeitos renda e concentração obtém-se o efeito total dos três tipos de renda selecionados (trabalho, transferências públicas e aposentadorias e
pensões) que podem ser observados na Tabela 5. Entre 2001
e 2004, a renda do trabalho apresenta a maior contribuição
para a queda da desigualdade de renda total, com cifras que
ultrapassam os 70% nas regiões Norte (urbana) e Sudeste,
resultados relacionados à importância das mudanças do
mercado de trabalho urbano, por exemplo, o aumento da
oferta de mão-de-obra mais escolarizada e a diminuição das
diferenças de anos de escolaridade entre os trabalhadores
redundaram no estreitamento dos diferenciais de salários.16
Entre 2004 e 2006, a importância da contribuição da renda do
trabalho diminuiu concomitante à menor redução do Gini.
Mesmo assim, o resultado da Tabela 3 indica que a renda do
trabalho importa, nesse subperíodo, em média, -39,23% para
a diminuição da desigualdade, atingindo cifras superiores a
-80% para a macrorregião Norte (urbana) e -70% para o Sul
e Sudeste.
331
Nos anos de 2001 a 2004 as transferências públicas contribuem com parcela significativa da queda da desigualdade
na macrorregião Nordeste, atingindo uma cifra de 41,46%.
(Tabela 5). No segundo subperíodo de 2004 a 2006 as transferências públicas atingem uma contribuição muito expressiOs resultados alcançados merecem dois comentários adicionais. O
primeiro é que, em função da técnica matemática utilizada, era esperado esse resultado, uma vez que a renda do trabalho representa cerca de três quartos da renda domiciliar per capita. Em segundo lugar,
embora o mercado de trabalho se constitua em um forte candidato
na explicação da redução da desigualdade, não se pode, a partir do
modelo matemático adotado, afirmar que apenas esses fatores estejam envolvidos com a redução das desigualdades.
16
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 331
18/6/2009 09:47:37
va na região Norte (urbana), sugerindo inserção dos gastos
sociais, como o Programa Bolsa Família, na distribuição de
renda urbana. Considerando o período completo de 2001 a
2006, ocorre uma redução da contribuição das transferências
públicas, oscilando de 11,07% (para a região Sul) a 38,39%
(para a região Centro-Oeste).
Tabela 5 – Decomposição dos Tipos de Renda. Efeito Total.
Brasil e Microrregiões. 2001-2006
Fonte: Elaboração Própria dos Autores a partir dos Microdados das PNADs
de 2001, 2004. e 2006.
332
Desagregação da Distribuição de Renda por Décimos da População e Macrorregiões
Com o propósito de se avaliar a magnitude da variação da renda entre diferentes estratos da população, construímos decis de domicílios e respectiva participação na
renda para cada tipo de renda – domiciliar total, trabalho,
aposentadoria e pensões e transferências públicas – para
cada macrorregião.
O primeiro décimo dos domicílios mostra que, em 2006,
a despeito de todos os esforços de transferência de renda, o
Nordeste percebe uma participação da renda inferior a todas
as demais regiões (0,797%), resultado também da menor variação positiva (0,197%) ao longo de 2001 e 2006. Essa macrorregião, no período analisado, combina três características
que definem o círculo vicioso da pobreza: baixa variação do
primeiro decil da distribuição de renda; elevados coeficientes
de Gini (de 0,61 em 2001 e 0,57, em 2006) e, como veremos
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 332
18/6/2009 09:47:37
adiante, baixo rendimento médio no primeiro decil de R$ 45
reais, em valores reais de 200417.
Tabela 6 – Distribuição da Renda Domiciliar per Capita
Total
Tabela 6 - Distribuição da Renda Dom iciliar per Capita Total
Dis trib.
B ra s il
2001
B ra s il
2006
Va r.
20062001
No rte
2001
No rte
2006
Va r.
20062001
No r
de s te
2001
No r
N
ode s te
r2006
d
e
Va r.
20062001
Su
de s te
2006
Su
de s te
2001
Va r.
20062001
S ul
2006
Va r.
20062001
0,75 1,048 0,298
0,96 1,367
0,407
0,6
0,797
0,197
0,87
1,23
0,86
1,29
2,01 2,522 0,512
2,27 2,754
0,484
1,61
1,945
0,335
2,38
2,73
0,35
2
2,61
0,61
1,89
2,21
2,92 3,416 0,496
2,96 3,518
0,558
2,43
2,861
0,431
3,37
3,65
0,282
2,89
3,6
0,71
2,61
2,94
0,33
4º Decil
4 4,373 0,373
3,89 4,131
0,241
3,1
3,715
0,615
4
4,59
0,589
3,74
4,23
0,49
3,29
3,715
0,425
5º Decil
4,57 5,284 0,714
4,93 5,271
0,341
4,02
4,554
0,534
4,99
5,36
0,368
6º Decil
5,83 6,227 0,397
5,64 6,509
0,869
5,26
5,823
0,563
6,18
6,51
0,333
5,89
6,45
0,56
4,92
5,292
0,372
7º Decil
7,38 7,701 0,321
7,36 7,707
0,347
6,42
7,355
0,935
7,79
8,11
0,32
7,52
8,26
0,73
6,39
6,647
0,257
8º Decil
10 10,19 0,189
9,84 10,19
0,354
8,59
9,173
0,583
10,6
10,5
-0,06
10
10,4
0,33
9,07
9,072
0,002
15,59 15,18
-0,41 14,96 15,08
0,119
13,9
14,14
0,237
16,2
15,5 -0,702
15,3
15,1 -0,18
15,4 14,469 -0,931
10º Decil 46,95 44,06
-2,89 47,19 43,47
-3,72
54,1
49,64
-4,43
43,7
41,8 -1,836
47
42,7 -4,23
51,66 50,309 -1,351
0,55
3,96
1,053
Va r.
20062001
3º Decil
5,31
0,81
C e ntro Oe s te
2006
2º Decil
4,76
0,43
C e ntro Oe s te
2001
1º Decil
9º Decil
0,356
S ul
2001
4,293
0,243
0,32
0,333
Fonte: Elaboração Própria dos Autores a partir dos Microdados das PNADs
de 2001 e 2006.
Entre 2001 e 2006, para o Brasil, a participação do último décimo dos domicílios - 10% mais ricos – reduz-se de
46,95% para 44,06%. Em todas as macrorregiões, a trajetória
do último decil é semelhante à realidade nacional, mas o Nordeste e o Centro-Oeste, conforme os respectivos coeficientes
de Gini já mostraram, mantêm-se como as regiões que, em
2006, apresentaram a maior apropriação de renda por parte
do decil mais rico da ordem de 49,64% e 50,31% do total, respectivamente. (Tabela 6).
333
A variação da renda domiciliar do segundo décimo de
domicílios ocorre em escala inferior a 1%, de forma análoga à
variação do primeiro decil, fatos que sugerem o baixo impacto da queda da desigualdade na renda média dos domicílios
Esse dado sobre a renda real do primeiro decil foi extraído de Dedecca (2006). construído pelo autor para uma distribuição de renda
familiar per capita A mensuração do bem-estar social não é tarefa
fácil, uma vez que os próprios conceitos dependem de um conjunto amplo de melhorias socioeconômicas e políticas e não apenas da
renda. Nesse estudo será usado como indicador de bem-estar social
o poder de compra adicional gerado pela variação de renda dos decis e o índice de Sen.
17
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 333
18/6/2009 09:47:37
mais pobres. Aliás, exceto os últimos decis que mostram queda de participação na renda total, todos os demais decis apresentam variações baixas, porém positivas e, em geral, abaixo
de 0,3%.
334
Os estratos intermediários, situados entre os 20% mais
ricos e 20% mais pobres, apresentam variações percentuais
da renda domiciliar per capita maiores que o primeiro décimo
dos domicílios. Assim, a desconcentração da renda, depois
de 2001, ocorre de maneira pulverizada, ao invés de concentrar-se entre os mais pobres. Esse comportamento ratifica a
importância da renda do trabalho vis-à-vis às transferências
de renda pública na queda da desigualdade da distribuição
de renda. Isso porque os estratos intermediários empregaram-se em virtude das oportunidades do mercado de trabalho, enquanto os mais pobres tiveram menor probabilidade
de se empregar com melhor qualidade, e apenas uma parte
recebeu as transferências públicas que são, como devem ser,
de baixo valor.
Estimativas realizadas por Cacciamali e Camillo (2008b)
por décimo de domicílio e tipo de renda apontam que a renda do trabalho apresenta resultados muito próximos da distribuição da renda domiciliar total apresentada na Tabela 6.
Esse resultado é esperado porque a renda do trabalho, conforme visto anteriormente, representa a maior parcela de renda domiciliar per capita e influencia o resultado agregado dos
tipos de renda.
As variações de renda, ao longo de 2001 e 2006, para todas as macrorregiões e para todos os decis da distribuição,
expressam-se em valores decimais sempre inferiores a 0,9%.
As maiores variações são encontradas na região Sul no terceiro e sétimo decil, no Nordeste do quarto ao oitavo decil, e no
sexto decil da região Norte. (Tabela 6).
Em 2001 a menor renda média domiciliar do primeiro
decil ocorre no Nordeste (R$ 71,4) e a maior encontra-se
no Sul (R$182,77). (Tabela 6). O Norte - urbano, Sudeste
e Centro-Oeste apresentam, no primeiro decil, rendas médias próximas de R$112,74, R$110,72 e R$117,47, respecti-
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 334
18/6/2009 09:47:37
vamente. Em 2006, as rendas médias cresceram e atingiram
R$171,68, R$170,31 e R$170,59, respectivamente para as
três macrorregiões mencionadas acima. Em termos reais,
esse crescimento da renda gera, aproximadamente, em valores de 2002, R$ 60 adicionais em cinco anos, permitindo que anualmente a renda do primeiro decil de qualquer
uma dessas três macrorregiões (Norte-urbana, Sudeste e
Centro-Oeste) aumentasse, em média, R$12 mensais. Supondo um domicílio nesse decil com quatro pessoas, a
renda adicional por pessoa atinge R$3 mensais e, conseqüentemente, o aumento por pessoa é de R$ 0,1 por dia. Os
resultados para o segundo décimo de domicílios são similares e mostram valores de R$ 65, exceto para o Nordeste,
que cresce R$45, e efetuando os mesmos cálculos levam a
pouco mais de R$3 mensais por pessoa. Ou seja, o impacto
da diminuição da desigualdade sobre os estratos de renda
mais pobres pode ser considerado pequeno em termos de
renda média em todas as macrorregiões. (Tabela 7).
335
Tabela 7 – Renda Média Domiciliar Total (R$) por Decis e
Índice de Bem Estar de Sen
Distrib.
Macro-Regiões 2001 - 2006
Norte
Norte
Var. %
2001
2006
Nordeste
2001
Nordeste
2006
1º Decil
112,74
171,68
52,28
71,4
105,05
2º Decil
Var. %
47,13
110,72
170,31
53,82
182,77
267,46
46,34
25,78
170,99
216,39
431,76
41,01
224,39
295,38
31,64
422,57
499,07
18,10
458,46
558,89
21,91
334,55
419,03
25,25
476,26
14,86
266,8
331,2
24,14
541,82
612,06
12,96
542,97
633,25
16,63
414,64
514,09
23,98
5º Decil
499,94
593,48
18,71
802,51
18,49
528,26
633,1
19,85
6º Decil
618,69
742,97
20,09
420,21
504,32
20,02
867,29
918,03
5,85
833,59
924,73
10,93
670,72
766,79
14,32
7º Decil
748,16
809,83
8,24
498,44
587,02
17,77
1092,16
1146,71
4,99
1022,56
1161,66
13,60
868,66
991,58
14,15
8º Decil
1004,51
1076,01
232,19
293,3
26,32
658,9
785,13
19,16
1487,81
1513,67
1,74
1343,17
1495,69
11,36
1218,59
1363,64
11,90
1442,3
1516,68
5,16
992,61
1064,74
7,27
2242,69
2196,88
-2,04
1908,56
2077,01
8,83
1907,47
2074,11
8,74
10º Decil
Renda Média **
3813,74
3711,25
-2,69
2948,97
3200,17
8,52
5455,11
5414,42
-0,75
4655,35
4734,46
1,70
5461,5
5581,43
Domiciliar
Índice de Sem *
920,54
983,69
6,86
658,62
751,73
14,14
1319,69
1358,1
2,91
1194,64
1304,39
9,19
1175,28
1280,64
8,96
414,24
482,01
16,36
256,86
323,24
25,84
620,25
679,05
9,48
525,64
639,15
21,59
481,86
550,67
14,28
9º Decil
7,12
677,3
20,81
Centro- Centro- Var.%
Oeste
Oeste
2006
2001
117,47
170,59
45,22
307,09
9,44
388,13
Var.%
306,2
756,75
321,28
Sul 2006
414,66
691,45
23,61
Sul 2001
244,15
28,19
353,08
Var. %
4º Decil
428,13
285,63
Sudeste
2006
3º Decil
333,97
26,55
Sudeste
2001
2,20
Fonte: Elaboração Própria dos Autores a partir dos Microdados das PNADs
de 2001 e 2006.
* O índice de Sen é calculado multiplicando-se a renda média domiciliar
por 1 menos o Gini da região. Embora a mensuração do Bem Estar seja mais
complexa, o índice utilizado permite ponderar a renda média pelo grau de
desigualdade da renda
** Todas as rendas foram deflacionadas pelos deflatores construídos por Corseuil e Foguel (2002). Esses deflatores podem ser encontrados no IPEADATA
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 335
18/6/2009 09:47:37
Por outro lado, o crescimento monetário real das rendas médias do terceiro ao sexto decil nas cinco macrorregiões
situa-se entre R$ 51 (para o Sudeste no sexto decil) e R$125
(para o Norte urbano), gerando aumentos de R$ 13 até R$31
mensais por pessoa, respectivamente. O Sudeste apresenta o
menor crescimento das rendas médias do terceiro ao sexto
decil e o Nordeste mostra as maiores taxas de crescimento
das rendas médias reais do quarto ao sexto decil. (Tabela 7).
Adicionalmente, para completar o diagnóstico sobre a renda
real, destacamos o indicador de Sen que aponta, para qualquer
uma das cinco macrorregiões, a queda da renda real domiciliar de
aproximadamente metade de seu poder de compra em decorrência das elevadas desigualdades da distribuição de renda.18
336
Por fim, podemos concluir que as mudanças na distribuição de renda por decis são compatíveis com as respectivas
rendas médias, indicando uma evolução relativamente pequena dos decis inferiores, típica de uma estrutura distributiva pouco maleável. Também é importante considerar que o
período analisado é relativamente curto. Ou seja, não se esperam mudanças abruptas na distribuição de renda nesse curto
prazo, ainda mais numa economia como a brasileira marcada
pela trajetória histórica de elevadas desigualdades de renda,
tanto funcional quanto pessoal, e a manutenção de forte riqueza patrimonial, financeira e humana.
Considerações Finais
O debate sobre a distribuição pessoal de renda no Brasil
intensifica-se a partir da queda da desigualdade verificada
em 2001. Esse debate incorpora as transferências públicas, a
discriminação no mercado de trabalho e a segmentação regional como condicionantes da desigualdade de renda e tem
Apenas para ratificar a explicação do índice de Sen contida no rodapé da tabela 6, é importante considerar que sua metodologia de
cálculo possui o seguinte procedimento metodológico: multiplica-se
a renda média domiciliar por 1 menos o Gini da região.
18
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o mérito de ampliar o número de variáveis para além da variável educação. Contudo, o debate atual reproduz a abordagem hegemônica da década de 1990, remetendo tal queda
aos aspectos ligados ao déficit de capital humano, às rendas
do trabalho e às transferências públicas, desconsiderando
qualquer análise sobre os demais tipos de renda e mesmo
sobre sua distribuição funcional. Nesse sentido, discute-se a
distribuição de cerca de menos da metade da renda, captada
pelos surveys domiciliares, e não se analisa a evolução da
apropriação de lucros, impostos, juros e rendas financeiras,
fato que maquia quaisquer bons resultados sobre a menor
desigualdade de renda.
Circunscritos às limitações supracitadas, os resultados
que obtivemos na decomposição da desigualdade nacional e
regional da renda convergem para aqueles apresentados na
literatura nacional, principalmente no que tange à participação da renda do trabalho na queda das desigualdades que
indicam elevada participação desse tipo de renda. A participação das transferências públicas mostra seu foco regional,
com predominância na macrorregião Nordeste que absorve
parcela significativa dessas transferências, dentre elas o Programa Bolsa Família.
337
Os decis inferiores da distribuição de renda domiciliar
per capita, por outro lado, mudam numa escala não desprezível, mas decimal. Por definição matemática, uma mudança
decimal só pode gerar resultados significativos caso o montante sobre o qual incida seja elevado. Seria no mínimo exagerado afirmar que a renda domiciliar per capita brasileira
encaixa-se nesse caso de montante elevado. Naturalmente
que uma variação decimal pode permitir a aquisição de um
bem ou serviço essencial para alguma família do decil inferior, ou até tirá-la da faixa de pobreza pré-estabelecida, mas a
elevação do bem-estar social depende de mudanças maiores
na oferta de serviços públicos e de consumo das famílias brasileiras. Sem uma mudança estrutural na oferta de bens públicos, distribuição de escolaridade e maior acesso às oportunidades de trabalho, o poder de compra, principalmente
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das populações dos estratos mais pobres, altera-se pouco,
predominando o consumo de bens e serviços estritamente
vinculados à sobrevivência.
Os decis da distribuição da renda do trabalho, construídos para o período de 2001 e 2006, indicam que a composição
da força de trabalho mudou no período mais recente. A manutenção de elevada taxa de desemprego urbano durante mais de
dez anos e a redução da dispersão dos anos de escolaridade entre os trabalhadores contribuíram para estreitar os diferenciais
de salário. Uma mudança distributiva combinada com baixo
crescimento da renda média em geral e reduzido aumento relativo nos estratos mais pobres não pode ser classificada como
uma mudança estrutural da distribuição da renda.
338
Os resultados para os decis analisados alinham-se à escassa literatura nacional crítica, indicando que os decis inferiores
(mais pobres) não apresentam elevações expressivas em suas
participações relativas, caracterizando uma mudança pouco
(ou nada) estrutural na distribuição pessoal de renda no Brasil e regiões. Também é importante considerar que a literatura
nacional mais recente estabeleceu algumas associações entre a
distribuição de renda e o consumo dos domicílios por estratos
de renda. A desigualdade de consumo entre as famílias, em
2003, fica evidente: enquanto os 20% mais pobres consumiam
R$ 142,59 reais, essa cifra para os 10% mais ricos atingia
R$ 2403,18 reais – praticamente 17 vezes mais. Além dessa
desigualdade de consumo, os 20% mais pobres apresentavam,
nesse mesmo ano, déficit orçamentário de R$ 70,14 reais, e os
10% mais ricos um superávit de R$ 587,57 reais.19 O déficit do
orçamento familiar dos 20% mais pobres aumentou, em 2003,
em comparação ao déficit de 1996, além do rendimento real
médio diminuir R$ 16,10 reais, numa clara indicação de perda
do poder de compra. Para os 50% mais pobres, a trajetória de
consumo e do déficit orçamentário foi similar.20
Dados extraídos de: Diniz et al. (2007). Os autores utilizaram como
base de dados as Pesquisas de Orçamentos Familiares de 1987-1988;
1995-1996 e 2002-2003.
20
Diniz et al. (2007).
19
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Em suma, embora a renda do trabalho esteja contribuindo significativamente para a queda da desigualdade nacional
e regional da renda, não há indícios de uma mudança estrutural ampla na distribuição de renda pessoal nos domicílios brasileiros, permitindo, assim, a manutenção de um baixo poder
de compra e de fortes restrições de acesso aos bens públicos
por parte dos estratos de renda inferiores. Uma mudança desse tipo (não estrutural) na distribuição de renda é compatível
com o melhor desempenho do mercado de trabalho em um
ambiente de maior formalidade e estreitamento dos salários.
As transferências públicas, como mecanismos de curto prazo
de combate à desigualdade de renda, principalmente o Programa Bolsa Família, poderão perder capacidade de redução
das desigualdades no médio e no longo prazo, uma vez que
seus impactos tendem a ser maiores enquanto os estratos inferiores absorverem parcelas inexpressivas da renda domiciliar. As aposentadorias e pensões, exceto no Sudeste e no Sul,
desempenharão papel limitado no processo redistributivo,
enquanto o Sistema Público de Seguridade Social apresentar
baixa cobertura nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
339
Por fim, não se pode deixar de mencionar que o período de 2001 a 2004 apresentou características auspiciosas que
apoiaram a diminuição da desigualdade de renda, tais como
crescimento econômico continuado, maior crescimento econômico nas regiões economicamente atrasadas do país, política ativa de salário mínimo, tendência de crescimento do
emprego formal e vigorosa política de transferências públicas de renda na forma do Programa Bolsa Família, maior
cobertura da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), e
maior concessão de aposentadorias rurais. Esse ambiente,
caso se mantenha, acrescido de investimentos em infra-estrutura social e econômica tenderão a diminuir o elevado
grau de concentração de renda que ainda vigora em todas
as macrorregiões do país.
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9
DINÂMICA DO MERCADO DE TRABALHO E
DAS CLASSES OCUPACIONAIS NO BRASIL:
1981 A 2007
Alexandre Gori Maia1
Introdução
As transformações observadas no mercado de trabalho brasileiro nas últimas décadas ocorreram em contextos
econômicos bastante desfavoráveis. A elevação do nível das
taxas de juros nos EUA e a interrupção do crédito internacional foram o estopim para uma crise econômica que se instalou no país a partir do início dos anos 1980. Houve uma
brusca interrupção na trajetória de crescimento da economia
brasileira e a estagnação iniciou-se com uma forte queda do
PIB e do poder de compra das remunerações do trabalho.
(CARNEIRO, 2002).
345
A recuperação da atividade econômica observada entre
1984 e 1986, devida a um excepcional aumento das exportações, deu a falsa impressão de que o país poderia retornar à
sua anterior trajetória de crescimento. O Plano Cruzado, por
um curto período de tempo, conseguiu bloquear os aumentos
de preços e elevar o poder de compra dos salários. Entretanto,
a partir de 1987, reafirmou-se o contexto de estagnação e a
volta de uma cada vez mais descontrolada inflação.
O fraco desempenho da economia brasileira na década
de 80 provocou expressivas alterações na composição das
oportunidades do mercado de trabalho, sem interromper,
entretanto, a tendência de aumento da taxa de participação
e sem provocar aumento desenfreado do desemprego. (BALTAR, 2004).
Doutor em Economia Aplicada e Pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT) - Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp).
1
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A década de 1990 foi marcada pela liberalização comercial e financeira, racionalização e modernização da estrutura
produtiva, as quais repercutiram no nível de emprego e afetaram os setores mais estruturados e organizados da economia.
Reduziu a criação de novos postos no mercado de trabalho e
o desemprego cresceu assustadoramente. A flexibilização da
produção, a desconcentração industrial, a busca de qualidade
total, as formas transitórias de produção e outros tipos de desregulações estão cada vez mais presentes nas indústrias, que
buscam se adaptar às novas formas de produção e à lógica
do mercado mundial. Há subcontratação de parte do trabalho para seus estabelecimentos transnacionais, generaliza-se
a utilização de mão-de-obra temporária e, ao mesmo tempo,
busca-se o consentimento da força de trabalho para a reversão de contratos sociais mais benéficos aos trabalhadores.
346
Enquanto em alguns setores os trabalhadores se tornaram mais qualificados, como o supervisor e o vigilante de um
processo produtivo, houve desqualificação em outros setores, como na metalurgia, onde a habilidade do trabalhador
foi substituída pelo simples papel de operador de máquinas
semi-automáticas. A automação acentuou o processo de eliminação do emprego rural, reduziu o emprego industrial e,
por outro lado, fez crescer o peso do setor de serviços na estrutura social, principalmente serviços pessoais. Ao mesmo
tempo, há uma expansão generalizada de diversas formas de
trabalho: temporário, parcial, precário, terceirizado, subcontratado, vinculado à economia informal e ao setor de serviços.
(ANTUNES, 2000).
Nesse contexto de baixo crescimento do produto, transformações da estrutura produtiva e das formas de contratação, o objetivo central deste ensaio é analisar a dinâmica do
mercado de trabalho brasileiro entre os anos de 1981 e 2007.
Pretende-se, ainda, realizar um estudo segmentado, identificando os setores econômicos e grupos ocupacionais mais
ou menos afetados nesse período. A hipótese central destas
análises é que as transformações evidenciadas nesse período
acentuaram o já precário quadro de exclusão socioeconômica
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dos principais grupos da população ocupada no Brasil. Para
cumprir tais objetivos, este trabalho foi estruturado em três
seções, além desta parte introdutória: i) apresentação das fontes de informações e da metodologia de análise dos dados; ii)
análise da dinâmica geral das transformações no mercado de
trabalho brasileiro; iii) descrição da tipologia de estratificação
ocupacional e análise dos impactos sobre estrutura de classes
da população ocupada no Brasil.
Metodologia de Trabalho
A principal fonte de informações utilizada neste trabalho é a base anual de microdados da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE). Utilizaram-se, ainda, informações do sistema de Contas Regionais do Brasil para
obtenção do Produto Interno Bruto (PIB) entre os anos de
1981 e 2007.
347
Na composição na População Economicamente Ativa
(PEA), consideraram-se como ocupados os indivíduos com
dez anos ou mais de idade que tinham trabalho remunerado na semana ou que exerciam trabalho não-remunerado em
pelo menos quinze horas na semana. Como desempregados,
aqueles indivíduos com dez anos ou mais de idade que não
estavam ocupados na semana, mas que em um período de
dois meses estavam à procura de trabalho.
Os padrões econômicos da população ocupada foram
analisados a partir do rendimento autodeclarado da ocupação principal. Todos os valores foram deflacionados para reais (R$) de outubro de 2007 a partir do INPC corrigido para
a PNAD, disponibilizado pelo IPEA. (CORSEUIL; FOGUEL,
2002). Por sua vez, os valores do PIB foram corrigidos pelo
deflator implícito do PIB e foram obtidos no endereço eletrônico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. (IPEADATA, 2008).
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Dinâmica do Mercado de Trabalho Brasileiro
Durante boa parte das duas últimas décadas, o desempenho do PIB real do Brasil esteve muito aquém do crescimento de sua PEA. De maneira geral, o PIB cresceu 96%
entre 1981 e 2007, contra 100% da PEA no mesmo período. Enquanto o crescimento da PEA foi impulsionado pela
maior participação das mulheres no mercado de trabalho
e pelo aumento da participação de jovens ingressantes na
População em Idade Ativa (PIA), o PIB sofreu os efeitos
macroeconômicos de adaptação da economia brasileira à
restrição de crédito internacional através de uma profunda recessão no início dos anos 80, hiperinflação a partir da
segunda metade desta mesma década, abertura comercial,
racionalização e modernização da estrutura produtiva na
década de 90 e oscilações perante inúmeras crises do sistema financeiro internacional.
348
Após crescer a respeitáveis taxas de 8,6% ao ano durante a década de 70 2, o PIB brasileiro passou, a partir da
década de 80, a oscilar entre períodos de recessão e baixo
crescimento. Na década de 80 o crescimento do PIB caiu
para 3,1% a.a., o mesmo verificado para a PEA. O pior desempenho ocorreu, entretanto, na década de 90, quando
o PIB cresceu apenas 1,6% a.a. contra 2,6% a.a. da PEA.
Nos anos 2000, impulsionado pela nova onde de crescimento da economia mundial, o PIB voltou a apresentar
taxas mais elevadas de crescimento, sobretudo a partir de
2004, mantendo um saldo positivo quando comparado ao
crescimento da PEA no mesmo período: 3,3% a.a. contra
2,5% a.a.
2
PIB brasileiro em R$ de 2005. (IPEA, 2006).
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Gráfico 1 – Taxa Anual de Crescimento do PIB Real e da População Economicamente Ativa – Brasil 1981 a 2007*
Fonte: Contas Regionais do Brasil; IBGE; PNAD e IBGE/Microdados.
*
Exclusive áreas rurais dos Estados de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima,
Pará e Amapá.
O baixo crescimento econômico no período analisado
contribuiu para o expressivo aumento do número de desempregados no país. (Gráfico 2). Durante a década de 80, mesmo sob condições de baixo crescimento do produto, houve
reestruturação das posições do mercado de trabalho no Brasil
e o aumento da taxa de participação na população em idade
ativa conteve a expansão do desemprego no país. (BALTAR,
2004). De fato, nesse período a população ocupada cresceu a
taxas semelhantes ao do produto nacional, enquanto que o
número de desempregados pouco variou e a taxa de desemprego não ultrapassou o equivalente a 6% da PEA.
349
Entretanto, na década de 90, período marcado pela intensificação da liberalização econômica, comercial e reorganização da estrutura produtiva, houve o pior nível de crescimento das ocupações nesses 27 anos de análise. Em 1992 o
desemprego no Brasil quase dobrou em relação ao observado
em 1990 (80% superior), atingindo 8,4% da PEA. Entre 1990 e
1999, a ocupação cresceu apenas 1,7% a.a., enquanto o desemprego cresceu a expressivas taxas de 13,1% a.a. Nos anos 2000
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houve uma ligeira retomada do crescimento das ocupações
(2,8% a.a.) e o desemprego parou de crescer assustadoramente. Continua, entretanto, representando parcela expressiva da
população, afligindo cerca de 10 milhões de brasileiros em
2007, população 3,5 vezes superior à observada em 1990.
350
Gráfico 2 – Evolução da População Ocupada e Desempregada – Brasil 1981 a 2007*
Fonte: PNAD e IBGE/Microdados.
*
Exclusive áreas rurais dos Estados de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima,
Pará e Amapá.
Outro impacto negativo do baixo crescimento econômico pode ser observado na distribuição da população ocupada
segundo classes de rendimento do trabalho principal. (Gráfico 2). Baseado em múltiplos de R$ 300 de outubro de 2007,
valor pouco inferior aos R$ 380 do salário mínimo vigente na
época, foram definidas cinco faixas de rendimentos da ocupação principal, ou estratos econômicos: 1) Superior (acima de
R$ 3.000); 2) Médio (entre R$ 3.000 e R$ 1.500); 3) Baixo (entre
R$ 600 e R$ 1.500); 4) Inferior (entre R$ 300 e R$ 600); 5) Ínfimo (abaixo de R$ 300). Em uma breve analogia aos padrões
sociais da população, poder-se-ia associar os dois últimos estratos econômicos (inferior e ínfimo) às condições de pobreza
e indigência do trabalhador, já que se referem a valores insu-
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ficientes para manter padrões sociais básicos de consumo de
uma família de quatro pessoas3. Por sua vez, os três primeiros
estratos (superior, médio e baixo) representariam diversos estágios de inserção do trabalhador na classe média brasileira.
(QUADROS, 2003).
O primeiro fato a destacar é o baixo padrão econômico da população ocupada no Brasil. A média histórica é de
37% dos ocupados ganhando menos de 300 reais mensais, e
de 64% ganhando menos de 600 reais. Os momentos de ganhos econômicos mais significativos aos trabalhadores foram
observados: i) no Plano Cruzado, em 1986, que por um curto
período de tempo conseguiu bloquear o aumento dos preços
e aumentar o poder de compra dos trabalhadores; ii) o início
do Plano Real, em 1995, que, baseado no controle da inflação,
reduziu em 7 pontos percentuais a parcela de ocupados dos
níveis inferior e ínfimo; e iii) na segunda metade dos anos
2000, quando, favorecido pela nova onda de crescimento econômico e pelo programa de valorização do salário mínimo, a
parcela de ocupados do estrato ínfimo reduziu para o menor
valor da série histórica (22%).
351
Mas, de maneira geral, constata-se que, passados 27
anos de profundas transformações econômicas, há muito
pouco a comemorar. Entre 1981 e 2007 houve apenas uma
modesta redução de três pontos percentuais na participação
de ocupados pertencentes aos dois últimos estratos econômicos. Prevalecem ainda baixíssimos padrões econômicos, com
57% dos ocupados ganhando menos de R$ 600 mensais.
Kageyama e Hoffmann (2006) definem, por exemplo, o valor de ½
salário mínimo como linha de pobreza domiciliar per capita, ou seja,
o valor per capita abaixo do qual os integrantes domiciliares são considerados como pobres. Considerando um “ocupado padrão”, que
seja responsável por uma família composta por quatro integrantes
(responsável, esposa e dois filhos), um único rendimento mensal de
R$ 600 equivaleria a uma renda per capita de R$ 125, valor inferior a
meio salário mínimo de outubro de 2007 (R$ 380).
3
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Gráfico 3 – Evolução da População Ocupada segundo Faixas
de Rendimento da Ocupação Principal – Brasil 1981 a 2007*
Fonte: PNAD e IBGE/Microdados.
Exclusive áreas rurais dos Estados de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima,
Pará e Amapá.
*
352
Nesse período as transformações da estrutura setorial
estiveram associadas, sobretudo, à expressiva expansão das
ocupações relacionadas a prestação de serviços e redução das
ocupações agrícolas. Esta última se deveu tanto pelo processo
de mecanização agrícola quanto pelo êxodo de agricultores
empobrecidos aos grandes centros urbanos.
Reduziu em quase 1 milhão de pessoas o número
de ocupados em atividades agrícolas entre 1981 e 2007,
e a participação desse setor na estrutura setorial dos ocupados caiu 15 pontos percentuais. (Tabela 1). Continua,
entretanto, representando uma parcela expressiva da população (13 milhões de ocupados ou 15% da estrutura setorial), com participação inferior somente à dos setores de
comércio e reparação e atividades industriais. Caiu também, embora de forma menos intensa, a participação do
setor industrial, tanto no ramo da transformação quanto
no de outras atividades industriais. Por outro lado, cresceu principalmente a participação dos setores de: i) comércio e reparação de veículos, objetos pessoais e domésticos (10 milhões de novas ocupações e crescimento de 6
pontos percentuais na estrutura setorial); e ii) educação,
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saúde e serviços sociais (5 milhões de novas ocupações
e crescimento de 3 pontos percentuais na estrutura setorial), atividades prestadas a empresas (aumentou em 2,2
pontos percentuais).
Também foi expressivo o crescimento do número de
trabalhadores dos serviços domésticos (4 milhões de novas ocupações e crescimento de 2 pontos percentuais na
estrutura setorial). Mesmo crescendo 49% o rendimento
médio deste setor entre 1981 e 2007, associado, provavelmente, à maior formalização das ocupações e valoração do
salário mínimo, continua sendo o segundo menor rendimento médio da estrutura setorial, superior apenas ao das
atividades agrícolas.
Analisando ainda a dinâmica do rendimento médio
dos setores, observa-se uma tendência de redução dos
valores nos setores melhor remunerados e crescimento
naqueles pior remunerados. É o caso, por exemplo, do
crescimento do rendimento médio dos ocupados nos setores de serviços domésticos (49%) e serviços pessoais e
recreativos (47%), respectivamente, o segundo e o terceiro pior remunerado setor econômico em 1981. Por outro
lado, caiu 18% o rendimento médio do setor financeiro e
6% o de outras atividades industriais, respectivamente, o
primeiro e segundo setores melhor remunerados em 1981.
Exceção ocorreu com o rendimento médio dos ocupados
na administração pública, que cresceu 13% no período e
continua sendo o terceiro setor melhor remunerado da
atividade econômica.
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353
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Tabela 1 – Evolução da População Ocupada segundo Grupo
de Atividade Econômica – Brasil 1981 a 2007*
1981
Grupo de Atividade
Atividades Agrícolas
%
Renda
Média
Pessoas
(1.000s)
%
Renda
Média
13.270
29,5
385,8
12.550
14,7
371,7
7.607
16,9
1.128,1
12.853
15,0
907,9
612
1,4
1.672,8
729
0,9
1.567,6
Construção Civil
3.625
8,1
746,4
5.911
6,9
748,3
Comércio e Reparação
5.733
12,7
957,2
16.060
18,8
852,4
Alojamento e Alimentação
1.068
2,4
806,9
3.282
3,8
688,4
Transporte, Armazenagem e
Comunic.
1.929
4,3
1.334,6
4.334
5,1
1.117,1
Setor Financeiro
922
2,1
2.378,5
1.180
1,4
1.939,1
Outros Serviços
713
1,6
1.222,4
2.343
2,7
1.059,5
Indústria da Transformação
Outras Atividades Industriais
354
Pessoas
(1.000s)
2007
Atividades a Empresas
976
2,2
1.312,2
3.966
4,6
1.343,2
Administração Pública
1.977
4,4
1.433,7
4.468
5,2
1.614,2
2.819
6,3
1.111,1
8.272
9,7
1.140,6
1.010
2,2
568,1
2.989
3,5
832,7
2.718
6,0
221,3
6.682
7,8
330,5
44.980
100,0
841,5
85.618
100,0
864,1
Educação, Saúde, Serviços
Sociais
Serviços Pessoais e Recreativos
Serviços Domésticos
Total
Fonte: PNAD e IBGE/Microdados, IBGE.
Valores em Outubro de 2007 (INPC corrigido para a PNAD – IPEA)
*
Exclusive áreas rurais dos Estados de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima,
Pará e Amapá.
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Impactos sobre a Estrutura de Classes
Após um rápido panorama das tendências gerais dos
ocupados no mercado de trabalho brasileiro, pretende-se
identificar os grupos sociais mais ou menos afetados nestes
27 anos de análise. Inspirado na análise de Mills (1979) sobre
a nova classe média norte-americana, Quadros (2003) propõe
uma tipologia de estratificação social baseada na inserção das
pessoas ocupadas no mercado de trabalho. O pressuposto
desta análise é que grupos sociais com estilos de vida relativamente homogêneos podem ser obtidos a partir da combinação entre inúmeras possibilidades de geração de renda,
prestígio social e poder político das ocupações, uma praxy
para o comportamento de classes de uma sociedade. Uma
análise detalhada dessa estrutura ocupacional pode ser encontrada em Gori Maia (2008), cuja síntese descritiva de suas
treze principais classes apresenta-se na Quadro 1.
355
Sigla
A
C
D
Classe Ocupacional
Descrição
Empregadores
Empreendedores, do setor agrícola ou não
agrícola, que empregam 10 ou mais ocupados.
Profissionais
autônomos
Ocupações típicas de classe média, onde
predominam atividades relacionadas ao
comércio, escritório e prestação de serviços, exercidas de forma independente
pelo ocupado (vendedores e demonstradores, supervisores, representantes comerciais, entre outros);
Profissionais
assalariados
Profissões típicas de classe média, onde
predominam atividades relacionadas ao
comércio, escritório e prestação de serviços, exercidas de forma assalariada pelo
ocupado (auxiliares administrativos, recepcionistas, professores, entre outros).
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Trabalhadores
autônomos
Ocupações não-agrícolas de perfil operário ou assemelhado popular, que são
exercidas de forma independente pelo
ocupado (vendedores ambulantes, trabalhadores da construção civil, prestadores
de serviços na área de higiene e estética
corporal, entre outros).
G
Trabalhadores
assalariados
Ocupações não-agrícolas de perfil operário ou assemelhado popular, que são
exercidas de forma assalariada pelo
ocupado (zeladores e ascensoristas, ajudantes de obras, guardas e vigias, entre
outros).
I
Trabalhadores
domésticos
Ocupações associadas ao trabalho no serviço doméstico remunerado.
H-1
Proprietários agrícolas conta-própria
Ocupações associadas à pequena produção no ramo da agricultura ou pecuária
familiar realizada sem o emprego de
mão-de-obra assalariada.
H-2
Trabalhadores
agrícolas autônomos
Profissões agrícolas exercidas de forma
autônoma (pescadores, caçadores, extrativistas, entre outros).
H-3
Assalariados
agrícolas
Profissões agrícolas exercidas de forma
assalariada permanente ou temporária
(bóia-fria).
J-1
Trabalhadores
não- remunerados
não- agrícolas
J-2
Trabalhadores
não- remunerados
agrícolas
F
356
Ocupações não-remuneradas não-agrícolas exercidas durante pelo menos uma
hora por semana em ajuda a membro do
domicílio, aprendiz ou estagiário.
Ocupações não-remuneradas agrícolas exercidas durante pelo menos uma
hora por semana, seja em atividade de
autoconsumo ou em ajuda à produção
familiar.
Quadro 1 – Classes Ocupacionais
Fonte: Elaboração Própria do Autor.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 356
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O grupo majoritário da estrutura sócio-ocupacional brasileira é a massa trabalhadora não-agrícola, posições de perfil
tipicamente operário-urbano e de menor prestígio social (38
milhões de trabalhadores autônomos, assalariados e empregados domésticos, correspondendo a 44% dos ocupados em
2007). Entre 1981 e 2007 a massa trabalhadora não-agrícola
ainda apresentou crescimento de 3 pontos percentuais e importantes alterações em sua composição interna: reduziu a
participação de trabalhadores assalariados e aumentou a de
trabalhadores domésticos e autônomos.
O crescimento das posições autônomas e redução dos
assalariados da massa trabalhadora não-agrícola estaria associado ao fenômeno da desproletarização do trabalho industrial e subproletarização do setor de serviços. (ANTUNES,
2000). Segundo Antunes (2000), observa-se no mundo capitalista contemporâneo uma tendência de redução da classe
operária tradicional e ampliação do assalariamento no setor de serviços e de inúmeras categorias de trabalho parcial,
precário, terceirizado, subcontratado e vinculados à economia informal.
357
A estrutura ocupacional brasileira ainda mostra que a
proliferação de ocupações associadas à prestação de serviços fez aumentar, sobretudo, a participação de profissionais
(19 milhões de novas ocupações e crescimento de 10 pontos
percentuais na estrutura ocupacional). Em 2007 essa classe já
representava mais de 37% da população ocupada do país. Em
contrapartida, como salientado anteriormente, a mecanização
agrícola e o êxodo rural contribuíram para a expressiva redução da participação da massa trabalhadora agrícola, que
perdeu cerca de 600 mil postos de trabalho entre 1981 e 2007 e
reduziu de 19% para 9% sua participação na estrutura sócioocupacional brasileira.
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Tabela 2 – Estrutura Ocupacional – Brasil 1981 a 2007*
1981
Grupo
Ocupacional
Empregadores
Profissionais
Classe Ocupacional
Pessoas
(1.000s)
Rnd
Méd
3,2
2.998,7
3.389
4,0
2.863,2
1.613
3,6
1.420,6
4.934
5,8
1.327,9
D Profissionais Assalariados
10.184
22,6
1.563,9
26.330
30,8
1.248,2
Total
11.797
26,2
1.544,3
31.264
36,5
1.260,7
4.393
9,8
698,5
10.046
11,7
642,2
11.601
25,8
691,2
20.955
24,5
616,9
G Trabalhadores Assalariados
I Trabalhadores
Domésticos
2.662
5,9
217,4
6.689
7,8
330,5
18.656
41,5
625,3
37.691
44,0
572,6
3.649
8,1
575,5
3.335
3,9
534,3
357
0,8
274,9
412
0,5
321,5
H-3 Assalariados
Agrícolas
4.638
10,3
327,9
4.309
5,0
387,6
Total
8.645
19,2
429,8
8.056
9,4
443,7
741
1,6
1.394
1,6
0,0
J-2 Agrícolas
3.718
8,3
3.789
4,4
0,0
Total
4.459
9,9
5.184
6,1
0,0
34
0,0
1.016,0
85.618
100,0
864,1
H-2 Trabalhadores
Autônomos
J-1 Não Agrícolas
Trabalhadores
Não Remunerados
%
1.424
H-1 Proprietários
Conta-Própria
358
Pessoas
(1.000s)
A Empregadores
Total
Massa
Trabalhadora
Agrícola
Rnd
Méd
C Profissionais
Autônomos
F Trabalhadores
Autônomos
Massa Trabalhadora Não
Agrícola
%
2007
Ignorados
Total
44.980
100,0
841,5
Fonte: PNAD e IBGE/Microdados.
Valores em outubro de 2007.
*
Exclusive áreas rurais dos Estados de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima,
Pará e Amapá.
O crescimento da participação das classes associadas às
posições de maior prestígio social em relação às precárias posições agrícolas impediu a queda do rendimento médio dos
ocupados, que cresceu 3% entre 1981 e 2007. Isso porque o
crescimento das formas precárias de inserção no mercado de
trabalho, aliado às circunstâncias econômicas pouco favoráveis das últimas décadas, resultou em expressivas perdas reais dos rendimentos médios em praticamente todas as classes
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18/6/2009 09:47:38
ocupacionais. As únicas classes com ganhos reais no período
foram aquelas mais precárias, que possuem os menores rendimentos médios da estrutura ocupacional: i) trabalhadores
domésticos (crescimento de 52%); ii) trabalhadores agrícolas
autônomos (crescimento de 17%); iii) assalariados agrícolas
(crescimento de 18%). Por outro lado, as demais classes apresentaram perdas reais entre 5% (empregadores) e 20% (profissionais assalariados) no período.
O processo de empobrecimento das classes ocupacionais brasileiras pode ainda ser constatado analisando-se os
percentuais de ocupados pertencentes aos estratos inferior
ou ínfimo (ou seja, com renda inferior a 600 reais), os quais
aqui se denominam subclassificados (Gráfico 3). Para simplificar a análise, as classes ocupacionais dos ocupados remunerados apresentam-se em quatro grupos ocupacionais:
empregadores (A); colarinhos brancos (C e D); massa trabalhadora não- agrícola (F, G e I); e massa trabalhadora agrícola (H-1, H-2 e H-3).
Após 27 anos de baixo crescimento econômico, aumentou a parcela de subclassificados nos principais agrupamentos ocupacionais. Os grupos mais prejudicados
foram justamente os dois mais expressivos da estrutura
sócio-ocupacional: i) massa trabalhadora não-agrícola, com
crescimento de 4 pontos percentuais na parcela de sublcassificados; e ii) profissionais, com crescimento de 6 pontos
percentuais na parcela de subclassificados. Os empregadores tiveram crescimento de 3 pontos percentuais na participação de subclassificados, e a massa trabalhadora agrícola,
que já apresentava elevados níveis de pauperização e miséria em 1981, reduziu em apenas 1 ponto percentual a participação de subclassificados em 2007.
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359
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Gráfico 3 – Percentagem de Ocupados nos Estratos Inferior e
Ínfimo segundo Grupos Ocupacionais – Brasil 1981 a 2007*
Fonte: PNAD e IBGE/Microdados.
*
Exclusive áreas rurais dos Estados de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima,
Pará e Amapá.
Conclusão
360
Em um contexto de baixo crescimento do produto nacional, liberalização comercial e financeira e profundas transformações na economia e na estrutura produtiva, este trabalho procurou apresentar alguns indicadores que mostram o agravamento
e estagnação das já precárias condições de trabalho no Brasil.
O baixo crescimento econômico não foi suficiente para
absorver a crescente população economicamente ativa e se
observou, a partir da década de 90, um substancial incremento da população desempregada. A massa salarial cresceu
quase no mesmo ritmo da população ocupada e o rendimento
médio ficou praticamente estagnado. Houve, por outro lado,
queda dos rendimentos médios em alguns dos principais segmentos da população ocupada.
Observou-se, por exemplo, uma tendência de redução
dos rendimentos médios dos setores melhor remunerados e
crescimento daqueles pior remunerados. Em relação às classes ocupacionais, verificou-se que o crescimento das classes
associadas a posições não-agrícolas (principalmente profissionais), em detrimento das posições agrícolas de baixos padrões sociais, foi acompanhado por um processo que pode
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ser denominado de “regressão social”. Aumentou a parcela
de subclassificados em praticamente todos os grupos ocupacionais, principalmente naqueles de maior prestígio social.
Assim, a tênue redução de subclassificados no conjunto da
população ocupada se deveu às mudanças observadas na
composição da estrutura ocupacional, e não na melhora generalizada das classes ocupacionais.
Referências
ANTUNES, R. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 2000.
BALTAR, P. Posição na ocupação e rendimento da população ocupada em atividades não agrícolas no Brasil: 1981-2001.
In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 14., 2004, Caxambu. Anais... Caxambu: ABEP, 2004.
361
CARNEIRO, R. Desenvolvimento em crise: a economia brasileira no último quarto do século XX. São Paulo: Editora
UNESP, 2002.
CORSEUIL, C. H.; FOGUEL, M. N. Uma sugestão de deflatores para rendas obtidas a partir de algumas pesquisas domiciliares do IBGE. Rio de Janeiro: IPEA, 2002. (Texto para
Discussão, n. 897).
GORI MAIA, A. Estrutura de classes e desigualdades no
Brasil. Campinas: LTR, 2008.
IPEADATA. Disponível em: <http://www.ipeadata.gov.
br/>. Acesso em: 8 out. 2008.
IPEA. Disponível em: <http://www.ipeadata.gov.br>. Acesso em: 5 dez. 2006.
KAGEYAMA, A.; HOFFMANN, R. Pobreza no Brasil: uma
perspectiva multidimensional. Revista Economia e Sociedade, Campinas, v. 15, n. 1, jan./jun. 2006.
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18/6/2009 09:47:39
MILLS, W. A nova classe média. Tradução de Vera Borda. 3.
ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.
QUADROS, W. J. Aspectos da crise social no Brasil dos
anos oitenta e noventa. 2003. Tese (Livre-Docência) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2003.
362
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 362
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10
SETOR INFORMAL: CONCEPÇÕES TEÓRICAS
E CONVENIÊNCIAS IDEOLÓGICAS
Fernando J. Pires de Sousa1
Nos países desenvolvidos o capitalismo expandiu a sociedade assalariada e o seu pleno desenvolvimento implicou
a incorporação extraordinariamente expressiva da força de
trabalho nessa condição. Se, por um lado, o assalariamento
constituía uma condição essencial ao regime capitalista para
o processo de acumulação do capital, por outro ele possibilitava gerenciar a coesão social a partir de um processo
gradual de satisfação de necessidades, graças, certamente, à
ingerência do Estado e à organização dos trabalhadores. De
princípio, foram contempladas as necessidades fundamentais à sobrevivência e, em seguida, as demais necessidades
inerentes às diferentes circunstâncias da existência humana
e das relações sociais.
Os países que não conseguiram engendrar esse processo apresentam problemas sociais graves de caráter estrutural. Uma grande parte da população, pelo fato de permanecer fora da relação salarial, não tem acesso aos frutos da
expansão e dos benefícios sociais, embora estes possam atingir níveis consideráveis.
363
Face aos países desenvolvidos, o fato marcante das economias que sofrem atraso econômico-social é a existência
representativa de atividades não comandadas por relações
de produção formalmente estabelecidas. Isso constitui uma
problemática que suscitou grandes polêmicas sobre as teorias do subdesenvolvimento e da pobreza, a natureza e o papel do Estado (e a definição de políticas públicas), a relação
1
Doutor em Economia pela Université Paris XIII, França. Professor
do Departamento de Teoria Econômica, Faculdade de Economia,
Administração, Atuária e Contabilidade (FEAAC) e dos cursos de
pós-graduação em Saúde Pública e em Avaliação de Políticas Públicas da Universidade Federal do Ceará.
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Estado-sociedade, e o papel dos organismos internacionais
a respeito da indicação de políticas direcionadas aos países
do terceiro mundo.
Este ensaio visa, então, a retomar a discussão acerca das
principais interpretações que contemplam a questão do mercado informal com o propósito de remarcar a forte conotação
ideológica intencionalmente manipulada pelas instituições
internacionais, por determinados autores e pelos estados
nacionais dos países do terceiro mundo. Essa manipulação
é usada como forma de paliar os problemas estruturais vinculados à pobreza e à questão social e perpetuar um padrão
de acumulação fortemente excludente que tende a se aprofundar sob a égide neoliberal.
364
A dimensão que assume o informal, inserido em praticamente toda a estrutura produtiva, com uma forte expressão em termos de absorção de força de trabalho, sempre conferiu um significado importante como campo de
convergência de políticas públicas. Estas visam a regular
uma situação que, dependendo da conjuntura, poderia ser
encarada como positiva para a promoção do desenvolvimento econômico, ou para, simplesmente, constituir uma
estratégia de enfrentamento da miséria e dos problemas
sociais. A margem de manobra que esse significativo e heterogêneo segmento de atividades possibilita constitui um
trunfo para se perpetuar o referido padrão de acumulação
sem, todavia, chegar a comprometer a coesão social. Na realidade, legitimam-se formas de relação Estado – sociedade nos países do terceiro mundo como especificidades de
uma lógica de regulação fundada na reprodução do poder
do Estado em consonância com a peculiaridade de reprodução do capital. Certamente este contexto, fundamentado
na legitimidade forçosamente alcançada em razão da precariedade social existente, é favorável à convergência de
interesses contrários ao avanço dos direitos sociais e trabalhistas e de expansão do assalariamento formal da força de
trabalho nesses países.
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Concepções do Informal e Manipulação dos Organismos Internacionais
A gênese do conceito e sua evolução sempre foram fortemente vinculadas aos interesses dos governos dos países
centrais, que sob expressiva influência das circunstâncias da
conjuntura econômica foram ideologicamente difundidas
pelos organismos internacionais. A tentativa de definição
do setor informal surgiu, no início dos anos 19702, devido às
inquietações do escritório internacional do trabalho perante
esse fenômeno quase de massa no terceiro mundo. De teorização recente, este assunto suscitou a produção de uma literatura muito vasta dentro e fora dos países subdesenvolvidos
e mudou de concepção segundo as políticas, especialmente
do Birô Internacional do Trabalho (BIT) e do Banco Mundial,
agências portadoras dos interesses dos centros hegemônicos
do capitalismo mundial.
Em primeiro lugar, a visão predominante do informal
era depreciada, baseada no fato de que ele contradiz o predomínio de uma economia formal fundada sobre a empresa moderna, legalmente constituída e estruturalmente organizada.
Daí passa-se a uma concepção de valorização, que se poderia
mesmo considerar como imposta pela conjuntura da crise
econômica e do emprego, onde o informal seria a alternativa
dissimulada a fim de conter as tensões sociais.
365
O documento do BIT (BIT, 1972), publicado em 1972,
propunha “estratégias para aumentar o emprego produtivo no Kenya”, que, de maneira inédita, incluía na definição “de setor informal” diferentes formas antigas de
sobrevivência dos trabalhadores, que anteriormente eram
assimiladas às noções de marginalidade, de subemprego
e de pobreza (desde o comércio ambulante, passando pelo
2
O conceito de “setor informal” foi disseminado pelo Birô Internacional do Trabalho (BIT), num estudo sobre o Kenya, em 1972, mas
o termo já havia sido empregado, pela primeira vez, por Hart (1973);
Cacciamali (1983); Charmes (1990) e Tokman (1990).
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trabalho doméstico, ou ao seio da empresa formal no que diz
respeito à não declaração do emprego)3. Em primeiro lugar,
o esforço era intensificar o desenvolvimento econômico para
integrar todos os trabalhadores na condição salarial, por meio
da modernização. “A formalização do informal” aparecia
como um imperativo para eliminar o anacronismo do atraso
econômico-social abolindo o dualismo entre um setor tradicional no qual predomina o subemprego e um setor moderno
fundado sobre o assalariamento da força de trabalho.
Considerando a falta de reconhecimento da rentabilidade das atividades produtivas “do setor não estruturado”4
(uma outra maneira de evocar “o setor informal”), o relatório
Kenya preconizava a existência de um dinamismo neste setor
Antes do documento do BIT, o estudo de Hart (1973, p. 61-89),
que ele já tinha apresentado em 1971 (antes da sua publicação)
quando da conferência sobre o subemprego urbano na África,
analisava a problemática do informal, mas sem lhe dar uma dimensão setorial, porque restrita à questão da renda gerada por
essas atividades como complemento à renda familiar, que compreende freqüentemente recursos de origem formal e informal.
O caráter setorial do informal foi dado pelo trabalho do BIT a
partir de uma visão do setor “como agrupamento de unidades de
produção, identificadas a partir de características essencialmente técnicas às quais se tem um fraco nível de regulamentação.”
(LAUTIER, 1994, p. 9-10, tradução nossa). Além disso, a problemática do informal a partir da renda (da renda real disponível)
adotada por Hart (1973) foi em seguida substituída pela da Organização Internacional do Trabalho (OIT) - seguida também pelo
Programa Regional de Emprego para a América Latina e o Caribe
(PREALC) por meio de uma abordagem privilegiando o emprego
(em termos de excedente estrutural de força de trabalho), que se
torna dominante. (MIRAS, 1991).
4
Não se deveria então subestimar essa rentabilidade a partir do problema das baixas remunerações do trabalho neste setor, pois os empregos oferecidos apresentavam um nível de remuneração que, por
exemplo, era superior à média da remuneração dos trabalhadores
na pequena agricultura. É assim que se pode visualizar a migração
para a cidade, cujas alternativas de ganhos não se encontram tão
somente no setor estruturado, mas também no setor não estruturado
das cidades. (BIT, 1975).
3
366
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(pelo qual se poderia mesmo vislumbrar evoluções técnicas)
capaz de contribuir para o esforço de um desenvolvimento
integrado e sustentado. A estratégia era então privilegiar o
crescimento (indistintamente, em todos os setores)5 e promover, a partir dele, uma melhor eqüidade, pela via da redistribuição. Esta seria possível pelo reforço das relações entre os
dois setores por meio da eliminação das barreiras que tornavam difíceis a intensificação dos fluxos de moeda, de bens e
de serviços entre eles, bem como pela promoção do investimento produtivo no setor não estruturado.
De acordo com essa visão, o Estado exerceria um papel
primordial de intervenção planificada no domínio econômico, suprimindo os obstáculos regulamentares ao florescimento das atividades neste setor, intervindo na estrutura da
demanda para direcioná-la mais para os produtos do setor não
estruturado e promovendo o aporte técnico às atividades produtivas urbanas e rurais. O Estado poderia também intervir diretamente no desenvolvimento integrado por meio de compras
governamentais a título de despesas de consumo e de investimento, e pelo estímulo à subcontratação pelo estabelecimento
de contratos com os poderes públicos e o setor estruturado em
termos capitalistas. (BIT, 1975). Neste sentido, o referido relatório, enaltecendo as potencialidades do setor “não estruturado”
cujas atividades poderiam se tornar formais, de produção rentável, caracteriza-o pela existência de vários fatores que o distinguem do setor estruturado. Esta caracterização constitui mesmo
um truísmo, pois o que não caracterizava o formal seria fator de
367
Sobre a importância atribuída ao setor não estruturado para o desenvolvimento, o relatório assinala: “Os programas oficialmente postos em prática estão longe de ser completos. O setor não estruturado
pode ser considerado como um complemento ao desenvolvimento
planejado. A condição de se exercer, num quadro determinado, a
atividade econômica realizada em pequena escala neste setor pode
ter uma forte influência na estrutura da economia do país e contribuir para alargar a gama de atividades geradoras de renda que são
necessárias para uma população em crescimento rápido.” (BIT, 1975,
p. 270, tradução nossa).
5
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identificação do informal, simetricamente inverso. Desta
maneira, não é difícil reconhecer o informal como setor.
Vejamos abaixo os fatores ligados ao setor “estruturado”
(ou formal) da economia, seguidos respectivamente dos
fatores do setor “não estruturado” (ou informal), postos
entre parênteses:
368
a) dificuldade de acesso aos ofícios em questão (facilidade de acesso);
b) demanda freqüente aos recursos do estrangeiro (utilização de recursos locais);
c) propriedade sob a forma de sociedade (propriedade
familiar das empresas);
d) operações conduzidas em grande escala (escala restrita das operações);
e) técnicas à forte intensidade de capital e freqüentemente importadas do estrangeiro (técnicas à forte intensidade de mão-de-obra e adaptadas);
f) qualificações obtidas no sistema institucional de ensino, freqüentemente graças a cursos no exterior (qualificações que se adquirem fora do sistema escolar oficial);
g) mercados protegidos por barreiras aduaneiras de
contingenciamento e licenças. (Mercados que escapam
de qualquer regulamento e são abertos à concorrência).
(BIT, 1975, p. 7-8).
De maneira semelhante, outro estudo, consubstanciado
no Programa Regional de Emprego para a América Latina e
o Caribe (PREALC), reproduziu para a América Latina a concepção setorial do informal adotada pelo BIT, confrontando ao
mesmo tempo uma dimensão moderna de organização produtiva com outra cujas características eram opostas. (PREALC,
1978). Assim, no setor informal encontram-se as atividades a
baixo nível de produtividade, os trabalhadores independentes
(com exceção dos profissionais), e as empresas pequenas não
organizadas. Além disso, o emprego não é guiado por critérios
técnicos de acordo com as necessidades de contratação, pois a
demanda de mão-de-obra depende da parte da força de trabalho não absorvida pelo setor formal. A característica notável
dos trabalhadores das atividades informais é, por conseguin-
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te, a precariedade. Uma razão fundamental pela qual eles se
encontram na precariedade é que, em geral, são procedentes
da zona rural, com predominância de jovens, pessoas idosas e
mulheres com baixa qualificação. Grande parte se compõe de
analfabetos funcionais (menos de três anos de escolaridade).
Estas características seriam já importantes para justificar
os diferenciais de remuneração do trabalho e da produtividade
em relação ao setor dinâmico da economia. Contudo, ainda que
se possa associar em grande medida as atividades informais ao
subemprego urbano (os que têm rendimentos e/ou empregos
instáveis), constata-se a presença de empregos de longa duração
em quase todos os ramos competitivos. A existência de relações
funcionais entre os setores informais e formais incentivava as
políticas do PREALC no sentido de promover a “formalização
do informal” (preconizada pelo BIT), por meio de uma estratégia de seleção de ramos de atividades produtivas que apresentavam ligações reais ou potenciais com o setor formal. Já os
que não apresentavam tais características não seriam contemplados, pois tenderiam a desaparecer6. Em termos gerais, para
os objetivos de crescimento da produtividade e do rendimento
total do setor informal, atividades com maiores performances
seriam, portanto, selecionadas como objeto de medidas visando
ao aumento da eficiência econômica e da produção.
369
Logo depois deste trabalho do PREALC tem-se também
a contribuição para o pensamento teórico sobre o informal, notadamente a partir das interpretações de Souza (1980). De certa
forma, ante as apreensões referentes à relação setor informal e
pobreza, como constante no documento do PREALC, até então
dominante, a preocupação evidente deste autor era não cair na
6
Assim: “Es necesario estudiar las relaciones intersetoriales a nivel de un
mismo rubro a fin de conocer qué actividades informales deberán ser fomentadas y qué otras habrán de desaparecer, por las escasas perspectivas que
presentan. Se procurará que las primeras establezcan vínculos con el setor
formal, de manera que amplíen su mercado y eleven su productividad y nivel
de ingresos; las segundas deberán ser objeto de una política consistente en
la reubicación de las personas actualmente ocupadas en ellas.” (PREALC,
1978, p. 12).
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armadilha dualista7. Mas a atenção essencial consistia no esforço de negar uma concepção setorial do informal, caracterizado
assim por ser entendido como “um depositário” de mão-deobra não assimilada pela economia formal. Isso decorreria da
facilidade de absorção de novos produtores (fracas barreiras à
entrada), por corresponder a atividades de importância econômica reduzida, situadas na base das estruturas oligopolizadas
ou sobre mercados competitivos, constituindo assim uma espécie “de circuito inferior da economia” que engloba, de resto,
um campo heterogêneo de atividades. A questão seria então
identificar as atividades produtivas que poderiam ser consideradas como não tipicamente capitalistas, pela inexistência
representativa do trabalho assalariado8.
Assim, a visão de Souza (1980) – reconsiderando a rentabilidade das atividades informais para fazer frente à concorrência
capitalista, no sentido da fraca eficiência produtiva como entrave
para se tornarem competitivas – afasta-se das políticas de for-
370
Segundo Souza (1980, p. 131): “o fato de definir dois setores diferenciados dentro da economia urbana não significa que se adote um esquema
analítico dualista. Pelo contrário, o marco de análise estabelecido distingue-se do dualismo devido às relações existentes entre dois setores definidos e ao grau de homogeneidade que se encontra no seu interior”.
8
Assim, “no setor formal prevalecem as relações capitalistas, no sentido de que se distingue a propriedade do capital e do trabalho, e que a
produção está dirigida principalmente para o mercado. No informal, por
sua vez, em que pese cumprir-se esta última condição, não predomina a
divisão entre proprietários do capital e do trabalho e, conseqüentemente, o salário não constitui a forma usual de remuneração ao trabalho”.
(SOUZA, 1980, p. 132-133). Souza (1980) define então uma tipologia que
compreende as formas de organização mercantis simples (sem assalariamento permanente, englobando as empresas familiares e trabalhadores
por conta própria); os trabalhadores por conta própria subordinados (os
que são autônomos, mas que, com efeito, produzem ou asseguram serviços para uma única empresa); os pequenos vendedores de serviços; e o
serviço doméstico (que embora assalariados prestam serviços a uma unidade não-econômica, às famílias. Considera também as “quase-empresas
capitalistas”, que agrupam microunidades econômicas, cuja organização
assemelha-se às empresas familiares, que não podem ser caracterizadas
como unidade tipicamente capitalista, e que, apesar da existência da relação salarial, a formalização contratual legal não existe geralmente.
7
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malização do informal preconizadas pelo PREALC, valorizando
então o informal como uma alternativa de atenuação da questão
social. Contrapõe-se, assim, numa certa medida, às determinações das agências internacionais a paliar as repercussões sociais
da crise econômica, propondo, então, a preservação e a promoção
de atividades informais. Em contrapartida, enquanto aquelas se
baseavam nas convicções liberais de remoção do Estado, desregulamentando para facilitar a formalização dessas atividades, a
tese de Souza (1980) propunha um papel importante do Estado
na sua identificação com vistas a protegê-las frente à concorrência
do setor formal9. Recomenda, então, estender ao setor informal
políticas econômicas que privilegiam o setor formal, como facilidade ao crédito, financiamento, subsídios etc. Paralelamente,
considera importante o apoio específico das políticas públicas
no que se refere à expansão de mercado para os produtos daquele setor – via, principalmente, compras governamentais e
subcontratação – e para a organização e administração dos microempreendimentos, inclusive a partir do cooperativismo. Propõe também políticas de infra-estrutura, de ciência e tecnologia,
e de formação profissional com vistas a promover melhorias de
produtividade e da qualidade da produção e comercialização do
referido setor. Convém destacar que essa interpretação repercutiu de forma significativa no caso brasileiro, com forte influência
teórica nas investigações empíricas sobre o informal. (FUENTES,
1997).
371
De certa forma, também nesta mesma linha de preservação do informal, porém com forte viés liberal, o UNICEF
preconiza uma nova política para o terceiro mundo frente à
urgência de atenuar a situação de crise que colocava então
9
Assim, ele assinala: “É indispensável estabelecer os mecanismos para,
de alguma maneira, proteger o mercado do setor informal vis-à-vis o do
setor formal, junto com as medidas destinadas a aumentar o seu grau
de eficiência produtiva. […] A política para o setor informal deveria
como um primeiro passo identificar os setores nos quais se tratará de
restringir a penetração ou ampliação da participação do “setor formal.
[…] O problema central da política de promoção ao setor informal passa a ser então a seleção das atividades”. (SOUZA, 1980, p. 181-183).
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o desenvolvimento no centro nevrálgico da questão social a
partir de uma nova onda ideológica de ajustamento estrutural “a rosto humano”10. Certamente o malogro dos propósitos
do BIT e do PREALC suscitou a crítica da incapacidade dos
países do terceiro mundo em “eliminar” as atividades informais pela sua integração na economia formal a partir da promoção do desenvolvimento econômico sustentado, ao modo
“dos trinta gloriosos”, com a generalização do assalariamento
da força de trabalho. O desenvolvimento perdia, então, sua
importância frente a essa nova concepção do informal.
372
Por trás daquela expressão sugestiva e sensibilizadora escondia-se uma estratégia de intensificação liberal – pela adaptação à conjuntura adversa – em que o informal passa a assumir
um lugar singular numa nova forma de apreender o desenvolvimento. Agora não mais pela apologia no sentido explícito de expansão do crescimento econômico e conseqüente “eliminação”
do informal (integrando-o no setor formal), mas, ao contrário,
pela promoção deste. A preocupação é, então, de atribuir-lhe
um papel importante como resposta aos problemas do desemprego e da precariedade social por meio da criação de empregos
De acordo com Cornia; Jolly e Stewart (1987, p. 2), o sentido dos termos
visage humain (rosto humano) é compreendido por esta instituição do seguinte modo: “As incidências no plano humano do ajustamento devem
fazer parte integrante da política de ajustamento como um todo sem ser
tratadas para tanto como um elemento suplementar da proteção.” Considera-se que há aqui uma inflexão na história do informal, marcada por
uma fase em que existia uma alternativa de sobrevivência pela possibilidade de transformá-lo numa pequena empresa formal (de 1971 a 1985),
e outra fase (a partir de 1986) em que era considerado como uma saída
possível para diminuir os problemas sociais. (LAUTIER, 1994).
11
A propósito dessa mudança radical de visão, Lautier (1991, p. 19, tradução nossa) observa: “O objetivo não é mais o de integrar toda a população
no emprego “moderno” (pela integração gradual dos indivíduos, ou pela
modernização das unidades de produção). É tão somente criar empregos
e rendas, quaisquer que sejam os tipos de emprego e os níveis de renda;
a dicotomização da economia e da sociedade não é mais vista de modo
patológico (uma doença “a erradicar”); ela é aceita, reivindicada. O desenvolvimento, ou o emprego, nesses discursos, não são mais questões
políticas ou econômicas, são unicamente questões sociais”.
10
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e, por conseguinte, da geração de certo nível de renda11.
A “responsabilidade” imputada ao informal conduzia
ao outro pilar da estratégia liberal, ou seja, à crítica referente à
responsabilidade do Estado em relação ao informal, ou melhor,
de sua “irresponsabilidade”. A desregulamentação era a regra,
porque a justificativa do peso das leis assentadas no direito que
normalizam a formalização das atividades produtivas (com extensão a toda sorte de burocratização e de pressão fiscal excessiva) impedia a organização e a legalização dos negócios. Em conseqüência, comprometia as perspectivas de investimento e de
retorno econômico para os microempreendedores. De qualquer
forma, era uma surpreendente negação da estrutura reguladora
concebida para gerar o processo de desenvolvimento fundado
na aliança entre o Estado e a indústria para edificar uma sociedade assalariada, sob a égide de um modelo político de caráter
populista e de práticas corporativistas. (LAUTIER, 1991).
À primeira vista isso poderia parecer paradoxal, mas
não o é. Anteriormente, a noção de modernidade assentada no desenvolvimento significava a apologia do lado formal da economia que devia “imperativamente assimilar” o
lado informal (por conseguinte a importância funcional das
leis demarcativas entre os dois). Doravante, modernidade
traduz-se pela “apologia” do setor informal, ou pelo menos
pela sua coexistência “pacífica” com o setor formal (cujo não
cumprimento das leis não se traduziria como transgressão insuportável). Em contrapartida, ao se pretender suprimir os
obstáculos legais pela redução ao mínimo de regulamentação
estatal relativamente ao emprego para promover a formalização, esta se nivelaria por baixo. E isso por meio da legalização
de atividades econômicas demasiadamente fracas, nas quais
residiriam as situações de subemprego observadas em razão
da sub-remuneração da força de trabalho. Poder-se-ia mesmo
afirmar ironicamente que se chegaria a formalizar “o mínimo
de sobrevivência” do trabalhador. Com efeito, a questão era
antes suprimir os obstáculos à criação de pequenas empresas formais, mas na medida em que a desregulamentação não
comprometesse o controle das contas públicas (considerando
a ameaça de deriva dos déficits interno e externo).
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O Debate Teórico: O Informal em Relação ao Formal
e a Sua Importância para a Acumulação Capitalista
Certamente, as propostas das instituições internacionais, como as do BIT/PREALC, repousavam sobre uma
concepção positiva das atividades informais em relação à
dinâmica global da economia, já que estas últimas geravam
“relações benignas.” (PREALC, 1978). Em outros termos, o informal é, teoricamente, uma fonte potencial de acumulação,
quer seja considerado como autônomo ou complementar. O
fundamento é a sua capacidade de gerar excedentes que, no
primeiro caso, são utilizados no próprio setor, o que geraria
o seu crescimento autônomo (na visão dualista da economia).
374
No segundo caso, a acumulação global seria favorecida
de maneira complementar pelo suporte dado ao setor formal graças à integração por meio da produção e pelo papel
atribuído aos ramos dos serviços (principalmente o comércio
e as atividades domésticas), de importância complementar à
produção nas atividades organizadas formalmente segundo o
modo capitalista. O potencial de progresso do setor informal
resultaria, assim, dessa inter-relação, o que favoreceria o acesso aos diferentes mercados dinâmicos da economia, tornando
possível a inserção gradual de categorias dos trabalhadores
deste setor em melhores níveis de renda. Em consonância, portanto, com estes quadros analíticos, as políticas preconizavam
seja o investimento tecnológico para melhorar a produtividade e a rentabilidade das atividades informais (considerando a
premissa da autonomia), seja o reforço de suas inter-relações
com os outros domínios da economia. Além disso, poder-se-ia
promover a integração com os poderes públicos (em harmonia
com a premissa da complementaridade), assim como reforçar a
luta contra a pobreza pela redistribuição da renda12.
Preconizava-se, assim, a subcontratação com o setor formal e os governos, a intensificação das vendas da produção informal (por exemplo, ferramentas e equipamentos agrícolas) e atenção prestada aos
mais pobres por meio da redistribuição da renda. (PREALC, 1978).
12
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Já a concepção de Souza (1980), considerando a importância da heterogeneidade estrutural, que corresponde à própria
segmentação das atividades produtivas da economia de uma
forma geral, opõe-se à adoção de um quadro analítico único no
sentido de englobar as diferentes atividades para investigar o
conjunto do setor informal. Contudo, conserva uma visão setorial da economia, pois o seu propósito é distinguir as atividades
formais das atividades informais pelo critério da existência da
relação salarial que caracteriza o capitalismo. Assim, no informal, a propriedade do capital e a propriedade do trabalho não
são separadas; conseqüentemente, a relação salarial não predomina. Nessa perspectiva, permanece como marca do informal o estatuto de atividades de importância econômica reduzida, subordinadas – de acordo com a hierarquia estabelecida
pela referida heterogeneidade – às atividades organizadas de
maneira capitalista13. Ele reconhece a existência de atividades
desde as dinâmicas e fortes, em termos de absorção de mãode-obra, até as com reduzidas capacidades de contribuição ao
crescimento econômico e com pouca expressão em termos de
geração de ocupações. E isso apesar da importância atribuída a
uma visão global da economia, cujas relações formal e informal
são complexas, complementares e competitivas, obedecendo
às leis gerais de acumulação do capital.
375
Como não é fácil apreender este contexto, e principalmente de identificar de forma objetiva e operacional as linhas
demarcativas classificadoras entre esses dois tipos de atividades, compreende-se que, ideologicamente, o esforço para
se ter uma visão holística funda-se na oposição prévia às
Tokman (1990, p. 122, tradução nossa) explica a heterogeneidade das
atividades informais, mas permanecendo com a concepção de setor,
em razão da característica geral de uma variação limitada dos rendimentos: “[...] apesar da heterogeneidade do setor, os rendimentos
ocupam finalmente apenas uma escala de variação bastante limitada.
[…] A variação do rendimento nos parece indicar que, no conjunto,
seríamos autorizados a conservar a idéia de setor. Mas a variação do
modo de organização e também do modo de determinação da renda
confirmaria a presença de diferentes segmentos neste setor.”
13
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376
políticas públicas reducionistas. Estas associam o informal à
pobreza, procurando legitimar a adoção de políticas focalizadas que visam a atenuar a questão social pela via das políticas
voltadas para o mercado informal. A preocupação é, portanto,
propor políticas macroeconômicas globais, mas que sejam capazes, numa certa medida, de suscitar distribuição de renda,
reduzindo assim a pobreza. Para se chegar a isso seria necessário, em primeiro lugar, selecionar as atividades informais para
“protegê-las da eliminação” como conseqüência da expansão
do setor formal. (SOUZA, 1980)14. Duas medidas são, então,
propostas por este autor como solução à baixa produtividade e
aos níveis reduzidos de renda característicos da produção e do
trabalho nas atividades informais. Elas compreendem políticas
de extensão do referido mercado, pela expansão da produção
em resposta a estímulos visando a aumentar a demanda dos
produtos procedentes deste setor, e políticas que visam a aumentar sua eficiência econômica, seja pela redução dos custos
de produção, seja pelo crescimento da sua participação no valor
adicionado relativo ao agregado da produção da economia.
Outras formulações também consideram teoricamente
o setor informal como incapaz de gerar excedentes importantes devido ao seu caráter subordinado e dependente. A visão
transcende aqui o domínio das atividades localizadas, regionais e mesmo nacionais, para situar-se na esfera global, ou seja,
na lógica da acumulação do capital em nível internacional. Esta
constituía a visão da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) em relação ao subdesenvolvimento,
cujo argumento fundamental consiste em que os países industrialmente avançados retinham nas suas economias os seus
ganhos de produtividade, e se apropriavam, por diferentes
meios, daqueles que são gerados nas economias menos desenvolvidas. Conseqüentemente, uma estrutura produtiva hetero-
14
Tendo em conta a incapacidade de expansão das atividades informais
frente à concorrência assimétrica com o setor formal onde, mesmo se
existissem políticas estatais de promoção deste setor, seria difícil se ter
êxito devido à sua heterogeneidade significativa. (FUENTES, 1997).
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gênea perpetuava-se nessas economias pela incapacidade de
disseminação uniforme do progresso técnico que se concentrava nos ramos modernos sem integrar os ramos tradicionais,
que permanecem superpostos aos primeiros. Já a teoria da dependência, partindo da crítica aos determinantes externos vinculados à relação centro-periferia e às propostas de superação
do subdesenvolvimento, pela via da industrialização, centra o
foco de análise nos condicionantes internos dos países do terceiro mundo, em particular da América Latina, com ênfase na
luta de classes. A correlação de forças políticas desfavoráveis
à classe trabalhadora perpetuava um modelo de dominação
francamente vantajoso à acumulação de capital com concentração de renda e patrimônio, fundado numa profunda desigualdade social. A proposta cepalina de industrialização forjava uma estrutura produtiva, e conseqüentemente do trabalho,
fortemente anacrônica, pois restrita em termos de modernização das relações de produção e de expansão do assalariamento da força de trabalho. (PREALC, 1978; THEODORO, 1988;
BRESSER-PEREIRA, 2005; FURTADO; FERRER, 1998).
377
Nessa concepção as perspectivas do setor informal são muito negativas. A dependência do informal, numa situação de autonomia setorial, verificar-se-ia pelo caráter marginal do acesso aos
mercados de matérias-primas e de produtos. Isso se dá pelo fato
de sua expansão restringir-se – dada a concorrência – a determinados produtos pela dificuldade de acesso à produção de bens
dominados pela produção das empresas oligopolísticas do setor
formal, o que constitui uma restrição significativa à sua acumulação produtiva e, por conseguinte, à extração de excedentes.
Se o setor informal mantém um nível de integração com
o setor formal, é em seu detrimento (de maneira assimétrica), ao se considerar a exploração traduzida pelas restrições
impostas pelos fornecedores e pelos compradores dos seus
produtos, bem como pelos fracos diferenciais de preços que
o prejudicam (compras muito caras e vendas baratas). Deste
modo, a sua vulnerabilidade consiste na sua fraca influência
sobre a determinação dos preços e sobre o controle dos mercados, verificados exteriormente, de acordo com a lógica de
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acumulação ditada pela dinâmica capitalista, notadamente
dos países industrializados.
No entanto, há concepções que encaram tal realidade de
maneira não radical, considerando o setor informal numa situação intermediária, nem realmente autônomo nem fortemente
integrado ao setor moderno da economia. Neste caso, não é
difícil compreender que este setor sofre de uma espécie de dependência heterogênea ligada a restrições de ordem interna ao
processo de acumulação da economia nacional, bem como de
ordem externa, que caracteriza mesmo o subdesenvolvimento.
Assim, poucas alternativas permitem vislumbrar o seu desenvolvimento, mas outros fatores tornariam, contudo, possível
manter sua existência. (PREALC, 1978). Em síntese, o problema de uma visão dualista da economia não está superado.
378
Contudo, as severas críticas contra uma representação
dividida da economia conduziram os organismos internacionais a abandonar o postulado dualista, ou pelo menos fugir
desta referência. Assim, as diferenças estruturais existentes no
sistema produtivo resultavam de uma lógica de acumulação
global específica dos países subdesenvolvidos, que se revelaram incapazes de distribuir os frutos do desenvolvimento de
maneira harmoniosa nas suas economias, o que explicaria a
existência de profundas estratificações técnico-produtivas e
do mercado de trabalho. (FUENTES, 1998).
O “progresso” de sentido na perspectiva do setor tradicional – sinônimo de atraso econômico, de fonte e reserva de
pobreza – passou então a congregar suas atividades sob uma
nova denominação capaz de associá-lo não à idéia de estagnação, mas, pelo contrário, num estatuto mais elevado, compreendido como capacidade de empreender ou mesmo de arrefecer a questão social, aproximando-o assim das performances
das atividades produtivas modernas, então associadas ao setor
formal. Parte-se assim do dualismo na direção agora do setorial. A visão de um setor informal não fechado nas suas leis
próprias de definição e de evolução traduz-se, portanto, no reconhecimento de interdependências entre os setores informal
e formal. Isso induziu mudanças também das políticas, com o
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abandono dos limites do informal para concentrar-se na promoção das relações com os ramos dinâmicos da economia.
A Ênfase no Estado como Ator Principal no Debate Teórico sobre o Informal
A agitação teórica que vem reforçar ideologicamente os
dogmas liberais em relação às políticas econômico-sociais do
terceiro mundo surgiu em meados dos anos 1980, numa obra
que procurava apreender a problemática do informal a partir
do estudo da realidade peruana. (DE SOTO, 1994). Este trabalho
teve por objeto deslocar o centro de gravidade das explicações
sobre a existência do informal (e de tudo o que o acompanha:
subemprego, marginalidade, pobreza), da esfera estrita das
conseqüências de um processo de desenvolvimento econômico
anacrônico para a inculpação do Estado. Este último passa a ser
considerado o responsável pelo excesso de regulamentação estatal promovido principalmente pelo direito. A persistência no
subdesenvolvimento explica-se, então, pelo freio imposto em
razão do excesso e do peso das normas para a disseminação e o
desenvolvimento de atividades produtivas segundo o estatuto
de empresas legalmente constituídas. O conceito de informal
foi construído, portanto, em referência à existência de atividades que se encontravam fora da estrutura legal formalmente
reguladora do funcionamento da produção social15.
379
Assim, a partir da primeira frase de abertura desta obra (no prefácio
à edição francesa) apreende-se a aversão ao “abuso” da intervenção do
Estado na vida econômica e suas conseqüências nefastas para o desenvolvimento: “Esta obra descreve a emergência de uma nova classe, ator
da revolução conduzida contra um sistema legal que constitui uma
verdadeira barreira contra o desenvolvimento”. Esta classe compreenderia todos os que se encontram “na informalidade”, assim explicado:
“A informalidade não é mais um setor preciso ou estático da sociedade; é uma franja de sombra intermediária do mundo legal onde se
refugiam os indivíduos quando o respeito das leis custa mais caro do
que transgredi-las […]. As atividades informais são também aquelas
para as quais o Estado criou um sistema legal de exceção no qual “um
informal” pode agir, sem, contudo, aceder à proteção e às vantagens
do sistema legal.” (DE SOTO, 1994, p. 5, 20, tradução nossa).
15
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380
Para ter êxito no seu empreendimento, o empresário defrontava-se, assim, com uma dupla restrição, devendo por um
lado superar os obstáculos ao acesso à legalidade (“os custos
de acessão à legalidade”) e, por outro, suportar os custos de
permanência nesta condição (“os custos de durabilidade”).
Mas tal acepção não significa a supressão das “boas” leis, ou
seja, das que asseguram a eficácia da atividade econômica. O
Estado mínimo surgiria, portanto, após a supressão das “más”
leis, que gangrenam o corpo econômico, impedindo, desse
modo, o seu desenvolvimento16. Certamente, a conclusão tirada deste balanço de custos evidencia os prejuízos causados
à acumulação pelos efeitos negativos da série de fatores que
repercutem no funcionamento e na performance do conjunto
da economia. Assim seriam afetados notadamente a produtividade, os investimentos e o progresso tecnológico. A ineficácia do sistema fiscal e a pressão resultante do aumento dos
impostos e das tarifas públicas seriam visíveis. Além disso, a
significativa representatividade das atividades informais e a
sua progressão gerariam restrições à elaboração de políticas
macroeconômicas de grande amplitude. (DE SOTO, 1994).
Nesta perspectiva, a obrigação legal a respeito da fiscalização não
é considerada como desfavorável à atividade econômica, mas um fator importante em relação à determinação ou não da legalidade das
empresas. São “mais os custos legais não fiscais” (“a multiplicação
das leis, que forçam os empresários a superar uma série de restrições
– que efetuem inúmeras diligências junto às administrações até a gestão minuciosa do seu pessoal”) que são os verdadeiros responsáveis
pela presença significativa das atividades informais na economia. (DE
SOTO, 1994, p. 97-99, 111-113, tradução nossa). Além disso, a ausência
de uma boa lei, garantindo “os direitos de propriedade, os contratos
e o direito extracontratual” para promover o desenvolvimento das
atividades econômicas constituiria custos importantes para o empresário informal. A estes custos acrescentam-se “os custos simples da
ilegalidade (custos para escapar às sanções das autoridades; custos
para as transferências nítidas ao setor formal e custos derivados do
não-pagamento de impostos e do não respeito às leis do trabalho)”
para compreender o que o autor considera como o conjunto dos “custos da informalidade” suportados pelas empresas que vivem nesta
situação. (DE SOTO, 1994, p. 98, 115-122, tradução nossa).
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Essa visão passou então a ser alvo das críticas dos defensores do papel do Estado como regulador da produção social,
procurando minar os fundamentos teóricos desta nova interpretação, sublinhando sua fraqueza analítica por se limitar a
uma visão partilhada da sociedade. Assim, os que procuram
sobreviver graças ao trabalho informal estão verdadeiramente
nessa condição devido à excessiva presença do Estado na estruturação das atividades econômicas. Ora, a expansão das atividades informais no terceiro mundo suscitou interpretações
muito divergentes com respeito à relação Estado-informal. Elas
vão da incapacidade técnico-burocrática (ou mesmo da falta de
elaboração mais detalhada do direito) do Estado para controlar
estas práticas, até a conivência com a ilegalidade. E isso, politicamente, na medida de se defrontar à problemática social e à
perpetuação de formas clientelistas e patrimoniais de poder.
No extremo, a tolerância de atividades econômicas fora
das restrições legais pode mesmo conduzir à negligência em
relação à repressão de práticas delituosas, como o tráfico de
drogas, o contrabando e a corrupção17. Se o excesso de regulamentação e as despesas decorrentes são “produtores” de
informalidade, a não-aplicação do direito na proibição dessas atividades constitui uma espécie de precedente que, num
processo de generalização, produz uma forma substantiva
de relação Estado-sociedade caracterizada pela mescla de códigos públicos e privados prejudiciais à sociedade como um
todo. No entanto, parece que nos encontramos frente a uma
situação inelutável desde que “a causa” estrutural da não-
381
Lautier (1994, p. 99-112). Em relação à tolerância do Estado para
com a informalidade, este autor considera que isso não representa
necessariamente “um simples sinal de fraqueza do Estado”. Porque
o estado, de fato, torna-se “mesmo um modo de governo”. “O Estado
tolera a informalidade por razões múltiplas que decorrem mais da
necessidade política que da funcionalidade econômica”. (LAUTIER,
1994, p. 105-106). Em termos de caracterização geral “a economia
informal não se encontra “fora” da regulação estatal; a não-observância do direito negocia-se tanto quanto seu respeito”. (LAUTIER,
1994, p. 108, tradução nossa).
17
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observação do direito seja inerente à não-universalização do
assalariamento nos países subdesenvolvidos.
Além disso, a não-generalização da mercadoria nesses
países, ou seja, a constituição de uma sociedade guiada pela
relação salarial não permitiria deduzir a natureza de classe do
Estado, como acontece nos países desenvolvidos. No entanto,
essa dedução seria possível perante as relações mantidas com
“a economia mundial constituída” que representa assim uma
espécie de mediatização da aplicação na periferia capitalista das
leis da acumulação que emanam das economias centrais. Nesta
perspectiva, o Estado sofre nestes países restrições externas permanentes em razão da necessidade de reprodução do capital à
escala internacional. No mais, ele constitui o espaço de “difusão
das relações mercantis e capitalistas necessárias à realização da
divisão internacional do trabalho”, veiculando assim “a violência necessária para que ela se realize”, conforme Mathias e Salama (1983).
382
O fenômeno do setor informal no terceiro mundo pode
assim ser antes a representação mais concreta dessa “imposição” na divisão internacional do trabalho que o resultado
de uma fraca determinação na aplicação das leis estatais de
regulação do mercado de trabalho18. No mais, o fraco desenvolvimento da proteção social nesses países revela que o Estado mantém mesmo, em grande medida, uma legitimidade
fundada numa estrutura social bastante desigual. Além disso,
Desse fato, o desenvolvimento do setor informal “traduz as modalidades particulares de extensão do capital no contexto do subdesenvolvimento, manifesta os mecanismos originais de assalariamento
incompleto e/ou semi-assalariamento”. A legitimação nos países
subdesenvolvidos seria compreendida então como resultante “de
uma combinação entre a legitimação “capitalista” e “tradicional.”
(LAUTIER, 1994, p. 64, 97). Neste contexto, confronta-se com um tipo
de legitimação que mistura a observância dos direitos e dos deveres
fundados na lei e no “favor”, difundindo, assim, as práticas clientelistas e corporativistas. Todavia, parece que são inelutavelmente os
imperativos da dinâmica da acumulação capitalista para com esses
países que definem esta situação.
18
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credita-se mesmo à generalização do assalariamento da força
de trabalho o progresso do direito e a sua legitimação, cuja
referência maior encontra-se no modelo de sociedade solidamente fundada sobre o capital e a relação salarial. Nestas sociedades, os papéis dos parceiros sociais são bem definidos,
são regulados por uma estrutura político-legal e institucional
que assegura um estágio avançado de cidadania. Em outros
termos, a trilogia direitos civis, direitos políticos e direitos sociais – destacados como os pilares que apóiam as democracias
modernas – é uma realidade. Atingiu a sua maturidade graças à edificação do último pilar, durante esta segunda metade
do século. Este pilar garantiu não somente a estrita reprodução imediata da força de trabalho pela implicação das responsabilidades dos empresários na relação capital-trabalho, mas
principalmente a satisfação de uma gama de necessidades
inerentes à sociedade como um todo (trabalhadores e nãotrabalhadores), sob a égide do Estado, a título de cobertura
dos riscos sociais.
383
Relação Estado-Sociedade, o Informal e a Referência ao Sistema de Emprego: Uma Forma Particular de Legitimidade
A partir de uma visão de unicidade das relações sociais e de uma perspectiva analítica mais ampla, fundada
na relação Estado-sociedade, foi construído, nos anos 1990,
um outro quadro teórico que tenta compreender e explicar
o fenômeno “do informal” no terceiro mundo, em especial
na América Latina. Em primeiro lugar, rejeita-se qualquer
referência ao informal como elemento constitutivo de um
setor econômico (em alusão às explicações das instituições
internacionais, notadamente o BIT e o PREALC), considerando que essa concepção foi imposta por tais organismos.
Negando o caráter simbiótico das relações formais-informais
chegava-se a opor “duas esferas de uma sociedade, todavia
única”, conforme Lautier et al. (1991, p. 8), ou mesmo ocultar,
sob essa dimensão nova e delimitada, a velha problemática
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verdadeira da pobreza. Nesse sentido, denuncia-se veementemente a força ideológica dessa setorização, considerando
sua importância como substituição conceitual da pobreza no
sentido da marginalidade que se encontra então englobada,
no setor informal, durante os anos 1970. Como setor, substituiria a dimensão política da questão social comprometendo
o modo de desenvolvimento econômico excludente (e mesmo pondo em questão a sociedade como um todo) por uma
dimensão técnica, cuja solução limita-se à intervenção das
políticas econômicas públicas, restrita à esfera setorial19. O
que é utilizado como argumento essencial de negação do informal como setor, a saber, a relação de convívio legalidadeilegalidade, torna-se uma justificação da nova abordagem
constantemente centrada “na informalidade”.
384
Esta noção tenta explicar – além da onipresença do informal, ou seja, nas pequenas e nas grandes empresas (mesmo no setor público), e assumindo várias formas (trabalho
independente, subcontratação) – o binômio não obediência
e não-aplicação da lei “proibitiva” do trabalho executado
em atividades econômicas informais como uma forma de
ser das nações menos desenvolvidas. Portanto, tais como
existem, estas nações têm também um Estado que consagra
relações de “informalidade” com a sociedade, que afinal legitima a profusão de práticas mistas, ou mesmo as formas
Isso funciona ainda como instrumento de controle social pelo
Estado e de legitimação do seu poder: “Neste sentido, o informal
é efetivamente setor, e tanto que setor de intervenção, tal qual o
vêem os poderes públicos. […] Tanto a marginalidade é analítica e antropológica quanto a noção de setor informal é de ordem
econômica e operacional. Esta centralidade evitou a derrapagem
que podia provocar uma problemática que do social viria a questionar a política. Com o setor informal, pelo contrário, o econômico
(revestido de uma perspectiva operacional) limita-se a formular
respostas técnicas (crédito, formação, gestão) de acordo com um
vocabulário valorizador (microempresários, promoção etc.), terminando por dar uma contribuição à reabilitação do Estado.” (MIRAS, 1991, p. 111-113).
19
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mistas do direito20, que se explica praticamente devido a não
generalização da relação salarial.
A partir desta compreensão de informalidade estrutura-se o conceito de sistema de emprego como a articulação
dos diversos segmentos de atividades e de ativos que, na sua
disposição espontânea, constituem uma totalidade plenamente heterogênea. Sob esta forma, este último não poderia
ser ordenado em dois setores (um formal e outro informal),
cujo fundamento da coesão global e da dinâmica encontra-se
no seu modo particular de regulação. O que diferencia então
o sistema de emprego no terceiro mundo em relação ao dos
países desenvolvidos é a predominância de uma especificidade reguladora das relações entre os elementos que compõem
esta heterogeneidade. Ela é comandada por uma lógica de
reprodução do poder do Estado (bem como da reprodução
do capital) fundada sobre “a negligência” na observância do
direito, materializado por práticas paternalistas e clientelistas
que caracterizam a “informalidade” das relações. Neste sentido, o sistema de emprego transcende a esfera do mercado
de trabalho – no qual estritamente a oferta e a procura pela
mão-de-obra se vinculam – para compreender o conjunto do
sistema articulado das unidades produtivas (de dimensões
diferentes: da grande empresa industrial ao artesanato de pequena expressão econômica; formais e informais em relação
ao respeito da lei). Isso compõe a rede heterogênea da estrutura de produção que no caso dos países de capitalismo retar-
385
Por conseguinte, o “não-respeito da lei” como ângulo político de
análise da informalidade “é um modo de funcionamento complexo
e coerente das sociedades e caracteriza igualmente as grandes e pequenas empresas, a administração estatal e o contrabando”. As formas mistas do direito “misturam autoridade e conivência, repressão
e tolerância, formalismo dos códigos e laxismo das práticas.” (LAUTIER, 1991, p. 6-8, tradução nossa). “Mistas por um lado porque procedem de compromissos entre códigos públicos e códigos privados,
por outro lado porque os elementos de códigos públicos que aqui
se encontram não são freqüentemente sancionados pela justiça estatal.” (LAUTIER, 1990, p. 190, tradução nossa).
20
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datário (países onde o assalariamento não é predominante),
as relações são mediadas pela prática da informalidade. (MIRAS, 1991; THEODORO, 1988).
386
Se a informalidade materializa-se por acordos implícitos
entre os agentes econômicos (empregadores e trabalhadores),
fora do quadro legal, o “consentimento” do Estado a estas práticas caracteriza apenas uma forma particular de legitimidade.
Essa legitimidade gera uma espécie “de consolidação” da exclusão social pela assimilação daqueles que, permanecendo em
condições de trabalho informais, seriam naturalmente excluídos da proteção social institucionalizada para acolher notadamente os que são protegidos pela condição salarial. Encontrase assim perante uma situação que parece paradoxal devido
à coexistência entre normas jurídicas que estruturam relações
formais no mundo do trabalho e normas tácitas (que não obedecem, portanto, as regras legais), mas, contudo, legitimadas.
Certamente, elas alteram esta formalidade, mas na realidade
participam sob uma forma integrada da definição de um regime singular de acumulação que reproduz as desigualdades.
Com efeito, existiria uma espécie de complementaridade entre integração e exclusão social, constituída por uma representação de cidadania assimétrica apoiada pela coesão social de diferenças de estatutos devido à mediação das práticas
clientelistas. É, portanto, a partir das relações entre o Estado
e a sociedade civil fundadas sobre a harmonia entre uma estrutura legal pública e arranjos que caracterizam a informalidade das relações na esfera privada, que se forma enfim um
todo institucional regulador das relações sociais e do trabalho. Isso permite a viabilidade de um processo simultâneo de
integração e de diferenciação social. (MARQUES-PEREIRA,
1998). Sob este ângulo, é importante sublinhar o contraponto
em relação à maneira de manter a coesão social nas sociedades onde predomina o respeito à legalidade estatal.
A legitimação do papel centralizador do Estado, fundado no seu princípio de soberania para salvaguardar a identidade da nação, confere-lhe o poder da edificação normativa
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que progride a fim de barrar os antagonismos e promover a
coesão social21. A estratégia visando a moderar a força dos
conflitos políticos consiste em promover a diferenciação social (resultando ela própria desse processo de normalização)
materializada por uma estratificação categorial crescente que
enviesa a luta social (fragmentando-a) por meio da ilusão da
ascensão no estatuto categorial22. Há, assim, duas maneiras de
manter a coesão social, uma “integra excluindo” – e o cimento
da coesão são as práticas clientelistas (ou “a informalidade”)
–, enquanto o outro “integra diferenciando” – e o cimento da
coesão é então a normalização. O que é evidente é o fato de
que nos dois casos o capitalismo sempre sai ganhando, pois
sua preservação é assegurada, e até mesmo a promoção do
seu tônico: as diferenciações sociais23.
Ultrapassando o estrito domínio econômico na definição do setor informal, a maneira de analisar o fenômeno da
existência de relações de produção fora das regras formais de
organização funcional e jurídica reforça a crítica à setorialização da economia. Se existem outras motivações na escolha
dos indivíduos em relação à sua inserção na vida do trabalho
que não sejam guiadas por uma racionalidade apenas econômica e que ponham em confronto as opções trabalho formal-informal, não se poderia considerar estes dois campos de
acesso ao trabalho como claramente dissociados. Motivações
387
21
“O Estado tem, portanto, uma dupla face: a unidade de processos
políticos que institui as normas; a pluralidade dos processos administrativos que as gerenciam. O processo político distingue a normalização
estatal da normalização contratual porque ele procede da soberania da
nação.” (AGLIETTA; BRENDER, 1984, p. 113, tradução nossa).
22
“A normalização separa, define lugares, distribui indivíduos nas
funções, estratifica grupos e atribui papéis. ” […] “Essa dupla realidade do Estado, por sua vez centralizada no respeito ao princípio
de soberania e agente de uma normalização cada vez mais flexível
e diversificada, represa os antagonismos que poderiam revelar-se
irredutíveis se eles se aprofundassem, e transforma os afrontamentos políticos em lutas categoriais para a conquista de posições numa
estratificação social em movimento”. (AGLIETTA; BRENDER, 1984,
p.13, 113-114, tradução nossa).
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que, além disso, são tornadas evidentes por inquéritos antropológicos sobre a carreira profissional dos trabalhadores
e pelos aspectos sociais e familiares de suas vidas. Embora
os inquéritos sejam restritos para se generalizar a negação da
divisão setorial da economia em geral, relativizando a idéia
globalizante de sistema de emprego24, eles evidenciam a existência de outros fatores determinantes. Estes são não somente
de natureza econômica, mas também de natureza social, pois
conduzem os agentes econômicos a se engajarem numa atividade legalmente constituída ou não.
Na perspectiva global do sistema de emprego, a verdadeira complementaridade entre informal e formal25 reenvia à
consideração os aspectos inerentes à legalidade e à legitimidade que regulam as formas de trabalho. Em síntese, a questão
central na perspectiva analítica é aquela em relação à lei e ao
seu aporte na definição da legitimidade, o que torna compreensível a evolução da regulação do sistema de emprego e as
388
“Sobre este aspecto da importância da diferenciação social para o
capitalismo, convém citar esta passagem: “Uma sociedade animada
pelo capitalismo tem mesmo é que mover-se na ambivalência para
não matar uma força que é, por sua vez, sua energia vital e seu veneno. Ela mantém sua coesão produzindo diferenciações, ou seja, organizando-se. Na sociedade assalariada essa organização se define em
torno de duas relações fundamentais: a concorrência comercial e a relação salarial.” (AGLIETTA; BRENDER, 1984, p. 17, tradução nossa).
24
A antropologia do trabalho torna evidente a não-oposição entre
os setores formal e informal, mas os resultados obtidos por enquetes realizadas a nível microssociológico são bastante restritos para
autorizar a sua extrapolação para as relações à escala macrossociológica: “A generalização, em termos de sistema de emprego, dos
determinantes sociais das relações de trabalho, situados numa escala microssociológica (o bairro ou a empresa, por exemplo), suscita múltiplas questões de método que tornam problemática uma
definição satisfatória desta noção”. (MARQUES-PEREIRA, 1998, p.
314, tradução nossa).
25
O que não se resume a uma complementaridade econômica entre
dois setores, pois é necessário sublinhar a importância das diferenças de engajamento no trabalho de acordo com a existência de uma
estrutura legal e o tipo de legitimidade decorrente.
23
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conseqüências em termos de estruturação (ou, mais precisamente, de reestruturação), bem como de reprodução da força de trabalho. (MARQUES-PEREIRA, 1998). Essa regulação
pode assumir a orientação vislumbrada pelos poderes públicos por meio da implementação das políticas sociais de emprego (que obedecem notadamente a objetivos guiados por
restrições conjunturais), segundo o grau de legitimidade que
chegam a inserir. É sob este aspecto que se pode apreender a
amplitude do caráter singular de legitimação do Estado nos
países da América Latina, em especial no Brasil. Com efeito,
sua forma construiu-se ao longo dos anos por um processo
pedagógico de elaboração da cidadania que confere “legitimidade” a um movimento (aparentemente contraditório) de incremento da exclusão. Isso tem se verificado simultaneamente
na integração social, o que permite explicar por que a questão
social não provoca desdobramentos que poderiam comprometer a ordem social e política. Na realidade, conforme Sousa
(2006), pode-se considerar que o mercado de trabalho constitui uma variável de ajuste para a globalização e para a proteção social.
389
Conclusão
A formalização do informal, preconizada pelo Relatório
Kenya e PREALC, e pela proposta de De Soto (1994), e sua
preservação ou mesmo proteção, segundo as propostas do
UNICEF, apresentam forte viés liberal pelo fato de promoverem a desregulamentação das atividades produtivas, portanto, com redução de direitos trabalhistas e sociais. Isso condiz
com o entendimento ou não do informal como setor dinâmico e gerador de excedente econômico. Num caso, parte-se da
premissa de relações funcionais entre os dois setores, sendo
necessária a desregulamentação para facilitar a formalização,
considerando que essas atividades apresentam certo grau de
dinamismo e eficiência, contribuindo, assim, para o desenvolvimento econômico, mas na perspectiva de expansão do
setor formal, “eliminando”, pela absorção, o setor informal.
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Chega-se mesmo a estimular a proliferação das atividades
informais com vistas a formalizá-las. Em certa medida funcionaria como uma espécie de “incubadora” de empreendimentos produtivos a partir da ação do Estado. É como se o Estado assumisse a incubação de atividades informais. Noutro
caso, desconsidera-se a capacidade de geração de excedentes
dessas atividades, portanto com fraca capacidade de inserção
concorrencial no capitalismo segundo normas legais exigidas
de funcionamento e, por conseguinte, de contribuição ao desenvolvimento econômico. Nessa perspectiva, o papel central
desempenhado pelo informal não passaria de uma estratégia
do Estado com vistas a explorá-lo enquanto importante trunfo para paliar a questão social, cujas atividades existentes deveriam ser “protegidas” e até estimulada sua proliferação, a
despeito do próprio impedimento legal.
390
De forma incisiva, é a proposta De Soto (1994) que centra
as críticas mais aguçadas sobre o Estado, culpando-o pelo excesso de normas que dificultam a disseminação de atividades
produtivas legalmente constituídas. Esta é a razão pela qual
se justificaria a existência de um significativo setor informal
e a persistência de uma situação social precária, fundada
na marginalidade, no subemprego e na pobreza. Ele passa
então a advogar a favor da desregulamentação estatal, todavia circunscrita à supressão do aparato normativo que
constitui uma carga de custos à formalização dos empreendimentos, mas que não prejudique o funcionamento do
mercado nem afete substancialmente a arrecadação fiscal.
Em outros termos, sua preocupação reside em reduzir a
carga da burocracia, eliminando as “más” leis responsáveis
pelos custos não-fiscais. Neste sentido, o autor acredita na
capacidade expansiva dos empreendimentos não formais
aproximando-se, assim, das argumentações dos organismos internacionais, mas propondo uma desregulamentação que não chegue a prejudicar o pleno desenvolvimento
das atividades econômicas.
A análise do UNICEF (CORNIA; JOLLY; STEWART,
1987) sobre o caráter não dinâmico das atividades informais
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considera-o como estratégia, por um lado, de preservação da
ocupação de parcela considerável da PEA e, por outro, como
nível precário de sustentabilidade econômica da população
pobre pela obtenção de certa renda. Essa dupla função, garantia de ocupação e de renda mínima, funcionaria, assim,
como “amortecedora” das tensões sociais como prevenção ao
aprofundamento dos índices de criminalidade e marginalidade etc. Vale registrar que a idéia subjacente não era uma
aposta na capacidade dinâmica e de geração de excedente das
atividades informais e no próprio dinamismo da economia
como um todo, cujas forças convergiriam para o avanço na
formalização das atividades e, conseqüentemente, para a expansão do assalariamento da força de trabalho. Muito pelo
contrário, era antes simplesmente não seguir o rigor exigido
pelo Estado para a existência legal das atividades produtivas
ou eliminar os entraves para o livre exercício de significativa
parcela de microempreendimentos.
Souza (1980) reconhece também o informal como forte
absorvedor de força de trabalho – e não necessariamente
como potencial produtivo em termos capitalistas – e exercendo significativo papel social relativamente à pobreza.
Todavia, ele discorda das outras concepções por identificar uma saída para o setor informal, mas não pela via da
desregulamentação das atividades produtivas. Muito ao
contrário, considera importante a intervenção do Estado
no sentido de proteger e promover as diversas atividades
estendendo ao setor informal políticas econômicas e políticas públicas que privilegiam o setor formal. Dessa forma
aqui não se vislumbra a retirada do Estado pela “precarização” do formal para aproximá-lo do informal ou facilitar sua absorção, mas sim levar ao informal as vantagens
e os privilégios dispensados ao setor formal, combatendo
deste modo uma sorte de discriminação negativa, caso se
possa encarar assim, referente às atividades desenvolvidas
no setor informal. O combate à pobreza ou à precariedade
social tem aqui uma conotação valorativa de inclusão social, embora reconhecendo o baixo potencial de expansão
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econômica dessas atividades, no sentido mesmo de ultrapassarem os limites da informalidade e alçarem assim à
condição de atividades formais.
392
Todas essas concepções apresentam, todavia, a característica comum de encarar o informal na perspectiva setorial, o que constitui objeto de crítica pelas interpretações que
partem de uma visão de integralidade consubstanciada na
lógica que permeia as relações Estado-sociedade nos países
do terceiro mundo relativamente aos do primeiro. Nesse
sentido, insere-se aqui o conceito de informalidade como
especificidade de regulação existente naqueles países fundada na reprodução do poder do Estado, em consonância
mesmo com a especificidade de reprodução do capital. O
informal estaria presente assim em toda a estrutura produtiva graças à “informalidade” das relações Estado-sociedade,
o que possibilita transcender a própria dimensão de mercado de trabalho na perspectiva da constituição do conceito
de sistema de emprego que articula os diversos segmentos
de um conjunto de atividades plenamente heterogêneas. A
especificidade nesta forma de regulação chega mesmo a se
legitimar por assumir um significado cultural nas referidas
sociedades onde há coexistência harmoniosa entre uma dimensão normativa, formalmente legal, e outra tácita, portanto à margem da legalidade. Como elemento de consolidação dessa legitimidade se sobressai então toda uma rede
de mediações clientelistas que favorecem a integração do
tecido social por meio de relações informais mantidas entre
as esferas políticas, econômicas e sociais.
Enfim, a heterogeneidade identificada no conceito de
sistema de emprego constitui mesmo o “jeitinho” – plagiando o adágio popular do “jeitinho brasileiro” – colocado em
prática pelo Estado e pelo capital nas sociedades terceiromundistas, notadamente da América Latina, para acomodar
a pobreza e o fraco aparato público de proteção social a um
regime de acumulação excludente que usufrui sobremaneira desta rede de relações não amparadas pela normalidade
jurídica. A legitimidade desta situação se verifica pela força
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ideológica de uma dominação que se fundamenta na inexorabilidade da falta de alternativas pela via da plena inclusão
social e do estatuto da cidadania. É dessa forma que se abona o exercício de atividades informais para os que se encontram nos limites da sobrevivência e se dissemina em toda a
estrutura produtiva a inserção de atividades profissionais
precárias como forma de se conservar (ou obter ganhos suplementares ao salário direto) um lugar no sistema de emprego. No geral confere uma satisfação restrita das necessidades, contexto que se aprofunda com a desregulamentação
e a flexibilização das relações de trabalho verificadas com o
avanço neoliberal.
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396
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11
MODERNIZAR SEM EXCLUIR
Marcio Pochmann1
Introdução
O inegável comportamento do mercado de trabalho menos desfavorável à mão-de-obra na atualidade encontra-se
diretamente relacionado ao melhor desempenho da economia brasileira. Longe do ideal, contudo, percebe-se ainda o
predomínio de longas jornadas de trabalho, salários baixos e
desiguais, além de forte insegurança e desproteção na maioria
das ocupações existentes. Sem falar do desemprego a superar
a taxa de 8% do total da força nacional de trabalho.
Mas o avanço do ambiente mais adequado e contínuo
nos investimentos (públicos e privados) no Brasil poderá permitir à economia registrar, proximamente, um conjunto de
indicadores de desempenho do mercado de trabalho comparável ao verificado ao longo da década de 1970, últimos anos
do período de ouro vivido pelo capitalismo nacional. Dessa
forma, o país interromperá a fase de quase três décadas de
piora considerável e generalizada no padrão de vida daqueles que possuem somente a sua força de trabalho para sobreviver, conforme apresentado a seguir.
397
Para isso, contudo, o presente estudo precisou se apoiar
na sistematização de uma série de dados oficiais gerados
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
– censos demográficos, pesquisa nacional por amostras de
domicílios, contas nacionais, índices de preços, entre outros.
Em síntese, a apresentação dos dados agrega elementos mais
substantivos à interpretação sobre a relação da macroeconomia com o mercado de trabalho desde o final do “milagre
Professor e pesquisador licenciado do Instituto de Economia (IE) e
do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT)
da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Presidente do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
1
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econômico” durante o regime militar até o primeiro mandato do Governo Lula.
Além disso, destaca-se também o breve registro sobre
o atual padrão de contratação laboral brasileiro, incapaz de
permitir a convergência dos requisitos de segurança no emprego e da formação no local de trabalho com a elevação da
produtividade. A sua revisão, portanto, constitui-se uma tarefa principal de modernização das relações de trabalho combinado ao ambiente de fortalecimento das condições macroeconômicas no Brasil. Do contrário, a sociedade perde, mais
uma vez, a oportunidade de fazer convergir o crescimento
econômico com o pleno emprego e a distribuição mais desigual da renda e da riqueza.
Condições Gerais da Macroeconomia do Emprego
398
Com expansão média de 8,8% ao ano, a década de
1970 conferiu o último fôlego do ciclo de meio século de
contínua expansão rápida e sustentada da economia nacional verificado desde o início dos anos 30. O que se assistiu
a partir de 1980 foi a seqüência do baixo dinamismo econômico (2,4% a.a.) acompanhada de significativa oscilação
nas atividades produtivas2.
Em conseqüência, o funcionamento do mercado de trabalho produziu amplo resultado desfavorável ao conjunto da
mão-de-obra. Assim, o último quartel de século que se iniciou
com a crise da dívida externa (1981 – 83) caracteriza-se como
um dos mais longos e regressivos social e economicamente
após a abolição da escravidão (1888), com semi-estagnação do
produto por habitante e queda na taxa dos investimentos.
De um lado, prevaleceu a contínua perda de participação relativa do rendimento do trabalho na renda nacional.
De outro, assistiu-se ao avanço tanto das ocupações precárias
2
Para maiores detalhes sobre as razões do fim do ciclo de ouro do
capitalismo brasileiro, ver Mello e Belluzzo (1983).
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demarcadas pela desproteção social e trabalhista quanto do
desemprego aberto em escala jamais observada no país.
60
56,6
50
52,0
50,0
45,0
40
39,1
30
1959/60
1969/70
1979/80
1989/90
2005
Gráfico 1 – Brasil – Evolução da Participação do Rendimento do
Trabalho na Renda Nacional em Anos Selecionados (Em %)
Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada nas Contas Nacionais Publicadas pelo IBGE.
Quando se analisa o período de trinta anos (1976 a
2006), percebe-se, por exemplo, que o Produto Interno Bruto
(PIB) cresceu à taxa média anual de somente 2,8%, sendo de
2,9% como média anual na década de 1980, de 1,8% na década de 1990 e de 3,1% no período de 2000 a 2006. A perda
de dinâmica da economia nacional deveu-se muito mais ao
esvaziamento dos investimentos produtivos no mesmo período de tempo (crescimento médio anual de 1,6%) do que
o baixo comportamento do consumo interno (crescimento
médio anual de 2,6%).
399
Em síntese, o investimento registrado em 2006 foi 30,4%
inferior à trajetória do Produto Interno bruto (PIB) desde
1976. Também em comparação ao PIB de 2006, percebe-se que
o consumo das famílias foi 8,2% menor, o que indica o quanto
os agregados externos passaram a ter importância maior na
composição do produto brasileiro.
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250
232,5
230
210
213,4
190
161,7
170
150
130
100,0
110
90
70
76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99
PIB
Consumo das famílias
0
1
2
3
4
5
6
Investimento
Gráfico 2 – Brasil – Evolução do Índice do PIB, do Consumo
e dos Investimentos (1976 = 100)
Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada nas Contas Nacionais Publicadas pelo IBGE.
400
Na realidade, parte importante do desempenho do produto nacional passou a estar associada à economia internacional. Entre 1976 e 2006, as exportações cresceram ao ritmo
médio anual de 7,9% e as importações subiram 4,7% ao ano.
Enquanto as vendas do Brasil para o exterior aumentaram 4,2
vezes mais rapidamente que o PIB, as compras realizadas por
residentes no exterior cresceram 1,7 vezes acima da evolução
do próprio Produto Interno Bruto.
Com o ajuste exportador procedido no início da década
de 1980, a abertura comercial e a internacionalização da economia nacional verificadas nos anos de 1990, a inserção do
Brasil no exterior ganhou maior importância. Essa novidade
em relação à economia nacional trouxe implicações também
para a composição setorial do PIB.
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18/6/2009 09:47:40
1000
900
978,4
800
700
600
500
400,4
400
300
200
232,5
100
0
76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99
Exportação
Importação
0
1
2
3
4
5
6
PIB
Gráfico 3 – Brasil – Evolução do Índice de Exportação e de
Importação (1976 = 100)
Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada nas Contas Nacionais Publicadas pelo IBGE.
Frente à discrepância no desempenho dos componentes
(internos e externos) da demanda agregada nacional nos últimos trinta anos, a estrutura da produção sofreu alterações
significativas. A principal ocorreu nos setores agropecuários
e industriais, com a perda relativa de importância em relação
ao setor de serviços.
401
70
64,0
59,2
60
49,2
50
43,7
39,9
45,1
40
30,9
32,9
30
20
11,2
10,9
7,9
10
5,1
0
1976
1986
Agropecuária
1996
Indústria
2006
Serviços
Gráfico 4 – Brasil – Evolução da Composição do PIB (Total = 100 %)
Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada nas Contas Nacionais Publicadas pelo IBGE.
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Na composição geral do PIB, o setor agropecuário respondeu, em 2006, a somente 53% do que equivalia em 1976
(de 10,9 para 5,1%), assim como o setor industrial foi somente
77,4% do que era no mesmo período de tempo (de 39,9 para
30,9%). Somente o setor terciário (serviços) cresceu a sua
participação relativa em 30% (de 49,2 para 64%) entre 1976
e 2006.
Comportamento do Mercado de Trabalho
402
Diante de tão intensa alteração na estrutura produtiva,
acrescida ainda do baixo dinamismo da produção e da forte oscilação no nível de atividade econômica, o mercado de
trabalho apresentou, em sequência, situação inédita até então
observada. Em trinta anos de desempenho singular da economia nacional o mercado de trabalho registrou geração de
excedente de força de trabalho quase cinco vezes maior em
2006 que o verificado em 1976.
570
520
470
466,7
420
370
320
270
220
170
120
208,2
100,0
70
76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 0
Desemprego
1
2
3
4
5
6
Ocupação
Gráfico 5 – Brasil – Evolução do Índice da Ocupação e do
Desemprego (1976 = 100)
Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Ajustada Publicada pelo IBGE.
Isso ocorreu fundamentalmente porque a abertura de
novas vagas ficou aquém do ingresso de mão-de-obra no in-
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terior do mercado de trabalho. Para a entrada média anual de
quase 2 milhões de trabalhadores a economia gerou próximo
de 1,7 milhão de vagas em média a cada ano. Em síntese: de
cada grupo de 100 pessoas ativas que ingressaram no mercado de trabalho 85 trabalhadores encontraram algum tipo de
ocupação, enquanto 15 permaneceram desempregadas.
Além do desemprego aberto em alta percebe-se também
o comportamento desfavorável do rendimento do trabalhador. Especialmente em relação à evolução do PIB, que cresceu
2,8% ao ano, o rendimento médio real do ocupado aumentou
somente 1,1% ao ano em média entre 1976 e 2006, apontando
o desvio da renda para os proprietários.
Em três décadas o rendimento médio real dos ocupados apresentou cinco movimentos de expansão do seu poder
aquisitivo (1980-1981; 1985-1986; 1989; 1993- 1996; e 20052006) e quatro movimentos de queda (1976-1979; 1987-1992;
1997- 2004). O ano de maior poder aquisitivo do rendimento
do trabalhador foi em 1986 (Plano Cruzado) e o menor em
1979 (política salarial de arrocho do regime militar).
403
130
118,9
120
109,9
106,6
110
100,0
100
90
82,9
89,2
89,9
80
76,6
70
73,5
72,6
66,9
60
76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 0
1
2
3
4
5
6
Gráfico 6 – Brasil – Evolução do Índice do Rendimento Médio Real dos Ocupados (2006 = 100)
Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Ajustada Publicada pelo IBGE.
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Em paralelo ao elevado desemprego e à contida evolução na remuneração média dos trabalhadores, observou-se o
avanço da precarização dos postos de trabalho. A tendência
de contenção à expansão das vagas sem proteção da legislação social e trabalhista que vinha se verificando até o final da
década de 1970 foi interrompida com a crise da dívida externa logo no início dos anos 1980.
Somente na segunda metade da década de 1980 os postos de trabalho protegidos voltaram a superar brevemente
as ocupações sem nenhuma proteção social e trabalhista. A
partir da década de 1990, por sua vez, ganhou dimensão a
geração dos postos de trabalho precários, sem proteção social
e trabalhista, que ainda permanecem superando o total das
vagas protegidas existentes no interior do mercado de trabalho no ano de 2006.
404
Após o ajuste no interior do mercado de trabalho
transcorrido durante o governo Collor, que comprimiu
drasticamente o emprego de boa qualidade no país, a distância que separa o conjunto das ocupações desprotegidas
do segmento de trabalhadores cobertos pela legislação social e trabalhista passou gradualmente a ser reduzida. Mas
foi somente a partir de 2000, com a mudança no regime
cambial, que a geração de ocupações protegidas passou a
ocorrer em maior ritmo que os postos de trabalho desprotegidos. No ano de 2006, por exemplo, a maior parte das ocupações (51,2%) no Brasil ainda não possui qualquer tipo de
proteção social e trabalhista, enquanto em 1999 eram 56,5%
do conjunto dos ocupados.
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18/6/2009 09:47:40
59
57,0
57
56,5
55
53
50,3
51
49
47
45
52,3
52,1
49,7
50,7
51,2
49,3
48,8
47,9
47,7
43
43,0
41
43,5
76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 0 1
Ocupação protegida
2
3 4
5 6
Ocupação desprotegida
Gráfico 7 – Brasil – Evolução da Composição dos Trabalhadores Ocupados segundo Grau de Proteção* e de Desproteção** (Total = 100%)
Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Ajustada Publicada pelo IBGE.
* Proteção: ocupações com alguma proteção por parte da legislação social e
trabalhista, como no mínimo o acesso à previdência social.
405
** Desproteção: ocupações sem nenhuma proteção por parte da legislação
social e trabalhista.
Em síntese, percebe-se que durante os últimos trinta
anos (1976-2006), o funcionamento do mercado de trabalho
não se apresentou, em geral, favorável ao conjunto dos brasileiros. Em consonância com a grave situação da economia
nacional, caracterizada pelo baixo dinamismo e elevada oscilação nas atividades produtivas, os trabalhadores tiveram de
conviver com o significativo desemprego aberto e a ampliação dos postos de trabalho precários.
Não obstante as condições gerais de degradação do trabalho humano no Brasil, percebe-se que o melhor desempenho
macroeconômico observado desde 2005, se continuado nos
anos de 2008 até 2010, contribuirá com resultados mais satisfatórios para o mercado de trabalho. Mantida a expansão anual
do PIB em 5%, acompanhada de investimentos e da permanência do saldo comercial positivo, o Brasil poderá apresentar no-
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18/6/2009 09:47:40
vamente a maior parcela das ocupações protegidas, bem como
a taxa de desemprego próxima à da década de 1970.
300
280
260
281,5
240
220
200
180
208,2
160
140
120 100,0
100
137,8
80
76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 0 1
Massa de rendimento
Rendimento médio
2 3
4 5 6
Ocupação
Gráfico 8 – Brasil Índice da Massa de Rendimento Real, do
Rendimento Médio Real e da Ocupação (1976 = 100)
Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Ajustada Publicada pelo IBGE.
406
Neste sentido pode-se compreender como a evolução
da massa de rendimento (ocupados mais rendimento), que
alcançou parâmetros importantes em 2006, poderá até interromper a tendência de meio século de queda na participação
do rendimento do trabalho na renda nacional. Tudo isso é
possível de ocorrer até o final da década de 2000, caso a trajetória de expansão econômica atual não seja, mais uma vez,
contida, conforme se verificou em outras oportunidades equivalentes ao longo das últimas três décadas.
Padrão Flexível de Contratação Laboral e Desigualdade Salarial
No ano de 2006, o Brasil teve 8,1 milhões de trabalhadores com carteira assinada demitidos sem justa causa no setor
privado. Considerando-se somente este contingente identifica-se que a taxa nacional de rotatividade anual aproximou-se de um terço de todos os ocupados no mercado de
trabalho formal.
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Diante dos requisitos econômicos envolvidos no processo de rompimento do contrato individual de trabalho, a
soma comprometida ao ano equivaleu a 13,3 bilhões de reais.
Apesar do valor nominal expressivo, essa quantia representou apenas 2,1% da massa de rendimento do total dos trabalhadores contratados em regime formal e somente cerca de
1% do total do custo do trabalho do empregador.
Além do reduzido impacto na estrutura de custos das
empresas, prevalece uma enorme flexibilidade quantitativa
dos trabalhadores, o que torna distantes os esforços de elevação da escolaridade e da qualificação dos empregados. Com a
reduzida temporalidade contratual, percebe-se como a opção
brasileira voltada à gestão da força de trabalho encontra-se
ainda longe das novas exigências mundiais de competitividade. Isso porque um dos principais pilares estruturantes da reorganização do trabalho na nova economia do conhecimento
encontra-se diretamente associado ao abandono do modelo
taylorista de supervisão direta das atividades laborais.
Cada vez mais ganha importância a autonomia relativa
do trabalhador e equipes de empregados voltadas à resolução de problemas e à melhora da qualidade dos sistemas de
produção e distribuição. O crescente envolvimento da mãode-obra no processo produtivo permite ampliar consideravelmente o ganho de produtividade.
407
A partir de sua maior participação, o trabalhador passa a
fazer mais e melhor, com maior velocidade e menor custo, desestimulando a adoção de medidas espúrias de atendimento
empresarial ao imperativo da competitividade. De um lado, a
crença de que o crescimento no lucro do empregador significaria ao trabalhador maior tempo de emprego e remuneração
ampliada desestimula a desconfiança que tradicionalmente
separa o empregado do empregador.
Da mesma forma, o acolhimento das contribuições da
mão-de-obra pelo patrão implica efetividade e eficácia crescentes nas funções exercidas (queda na porosidade do tempo
de trabalho e no desperdício de material e aumento na dura-
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18/6/2009 09:47:40
bilidade do equipamento utilizado e na aplicação dos insumos), com inegável redução dos custos de produção e maior
produtividade. De outro lado, a formação laboral reconhecida pelo patronato por intermédio da maior longevidade no
emprego na mesma empresa permitiu ao trabalhador converter em investimento o custo da qualificação contínua. Com
isso, a inovação no processo produtivo deixou de ser matéria
exclusivamente empresarial para se transformar em assunto
de interesse dos próprios trabalhadores.
As exigências de flexibilidade no interior do moderno
sistema de produção expressam intensa transição funcional
por parte dos trabalhadores, cuja formação contínua se traduz em mais inovação e, por conseqüência, produtividade
superior. Confirma-se, em síntese, a perspectiva dos países
que procuram sustentar o crescimento econômico pela via do
trabalho com alta produtividade, sobretudo nas atividades
de maior valor agregado e intensivo conteúdo tecnológico.
408
Mesmo não se configurando num todo homogêneo, percebe-se que a opção dos países da Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta para
a convergência da antiguidade do trabalhador no estabelecimento com produtividade e remuneração positivas. Isso porque se conforma o imperativo da competitividade na forma
da flexibilidade funcional de seus trabalhadores.
Ao invés da flexibilidade funcional, prepondera no Brasil fundamentalmente a flexibilidade quantitativa dos trabalhadores. Em outras palavras, o abusivo uso da rotatividade
como mecanismo de intensificação primitiva do trabalho sem
ganhos consistentes e sustentáveis de produtividade. Assim,
o imperativo da competitividade somente termina sendo perseguido com prejuízos ao trabalhador, com soma zero para
o país. O empresário se ilude com o ganho no curto prazo,
embora possa estar inviabilizando o médio e longo prazos.
O Brasil não se viabiliza neste começo de século enquanto nação sustentada no padrão de emprego asiático, o que o
impede de ser uma China com mais população no continente
americano. A enorme rotatividade da mão-de-obra praticada
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somente se mostrou atrativa durante o ciclo do fordismo, tardiamente adotado no país, cuja produção interna se viabilizou com perda de participação do trabalho na renda nacional
por meio da economia fechada e subdesenvolvida.
O avanço da flexibilidade quantitativa ocorreu desacompanhado da flexibilidade qualitativa no processo de contratação laboral. Entre 1980 e 2005, o Brasil ceifou 1/5 do poder
aquisitivo do trabalhador, e a produtividade praticamente
não se expandiu fortemente, o que termina revelando a clara
opção pela manutenção do atraso nas relações de trabalho.
Menos tempo de trabalho na empresa combina com menor
salário, insuficiente formação profissional, contida inovação
técnica e produtividade estancada.
Incluídos, ainda, os postos de trabalho informais à enorme rotatividade praticada no Brasil, percebe-se o quanto é
primitivo o processo de seleção e contratação de trabalhadores pelas empresas. Talvez por isso o tempo de serviço na
mesma empresa seja curto, assim como a maior produtividade e o avanço na formação contínua no próprio local de trabalho tendem a permanecer tão distantes da realidade geral do
padrão de contratação.
409
50
36,2
40
30
20
11,7
10
2,9
0,2
0
-10
-20
Produtividade
anual
Salário m édio
anual
Média de anos na Menos de um ano
em presa
na em presa
Dez anos e m ais
na em presa
-0,7
Gráfico 9 – Modelo Brasileiro de Gestão do Emprego Formal
entre 1980 e 2005 (Em % a Produtividade Período na Empresa e em Anos o Tempo Médio na Empresa)
Fonte: Organização Internacional do Trabalho (OIT); EUROSTAT e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
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Por força disso, o Brasil termina se encontrando entre
os países de maior desigualdade salarial do mundo. Atualmente, a distância que separa o menor do maior salário no
país chega a atingir quase duas mil vezes. Isso porque a mais
baixa remuneração recebida pelo trabalhador no ano de 2006
foi de 70 reais mensais, enquanto o mais elevado salário identificado pela Pesquisa Nacional de Amostras de Domicílio
(PNAD) do IBGE foi de 120 mil reais mensais.
410
A desigualdade salarial no interior do mercado de trabalho pode ser ainda maior, uma vez que se considera apenas
o setor estruturado do mercado de trabalho, responsável por
7,7 milhões de trabalhadores. Por setor estruturado compreendem-se aqueles postos de trabalho ocupados por empregados formalmente contratados e que possuem maior grau
de escolaridade, maior tempo de serviço e possuem, ainda,
entre 25 e 59 anos de idade. Caso fosse incluída também a
remuneração praticada no setor informal, possivelmente a
desigualdade de remuneração dos trabalhadores alcançaria
níveis ainda mais expressivos.
Analisando-se o grau de desigualdade salarial entre o setor privado e a administração pública, verifica-se que a maior
desigualdade decorre das remunerações pagas pela iniciativa
privada. Enquanto no setor público a desigualdade salarial
entre o menor e o maior salário alcança quase 190 vezes, no
setor privado ela chega a ultrapassar a 1.700 vezes. Mesmo
sendo nove vezes menor, não parece haver justificativas para
manter a enorme desigualdade salarial no interior da administração pública brasileira. No setor privado a injustiça é indescritível. Como pode alguém ser tão mais importante que
outro para justificar uma diferença de remuneração de quase
duas mil vezes?
Como se sabe, a justiça social constitui-se uma das principais características do desenvolvimento de uma nação.
Com a desigualdade salarial verificada no Brasil percebe-se o
quanto o país precisa avançar. E isso parece ser mais necessá-
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 410
18/6/2009 09:47:40
rio justamente nas regiões onde o nível de desenvolvimento
econômico encontra-se mais avançado, especialmente no setor privado. A região Sudeste, por exemplo, apresenta desigualdade entre o maior e o menor salário equivalente a
quase 343 vezes, enquanto a região Norte possui a menor
desigualdade de remuneração (28,2 vezes). No caso da administração pública, a menor desigualdade salarial encontra-se na região Sul. Já a maior distância que separa o menor
do maior salário no setor público localiza-se na região Centro Oeste.
2000
1714,3
1800
1600
1400
1200
1000
800
600
342,9
400
200
28,2 8 0 ,5
44,4 7 9 ,2
7 7 ,8
115,4
9 8 ,0
6 3 ,9
50,0
18 6 ,7
411
0
Norte
Norde ste
Sude ste
Setor privado
Sul
Ce ntro O e ste
Brasil
Adm instração pública
Gráfico 10 – Desigualdade salarial em 2006 no Brasil (número de vezes que separa a maior da menor remuneração no
setor estruturado do mercado de trabalho)
Fonte: Elaboração do IPEA Baseada nos Dados da PNAD Publicada pelo IBGE.
Caberia uma reflexão mais aprofundada a respeito das
causas de tamanha desigualdade. Parte disso pode ser identificada na contida remuneração dos trabalhadores de salário
de base. Em outras palavras, a desigualdade é elevada não
em função de salários muito altos, mas porque na base da pirâmide as remunerações são extremamente reduzidas. Embora existam salários altos para dirigentes de empresas e postos
de maior responsabilidade na administração pública, sabe-se
que o grosso dos trabalhadores ocupados percebe mensalmente remunerações de fome.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 411
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Por conta disso, uma das principais medidas de contenção da desigualdade salarial diz respeito à elevação dos salários de base da pirâmide salarial. O salário mínimo, neste sentido, possui um papel de inegável contribuição para reduzir
a desigualdade, pois não se trata de comprimir os salários do
topo da pirâmide, mas de elevar mais rapidamente o poder
aquisitivo dos trabalhadores de base.
412
De outra parte, o país precisaria reinventar a atual estrutura de tributação. Além de alta, a carga tributária termina se concentrando justamente nas menores remunerações.
De acordo com a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do
IBGE, o trabalhador que recebe mensalmente até dois salários
mínimos tem uma carga tributária de até 48% de seu rendimento. Por força dos impostos indiretos (que se encontram
incluídos nos preços de bens e serviços básicos), quem recebe
dois salários mínimos mensais deixa quase um salário mínimo com a Receita Federal. Já o trabalhador com remuneração
superior a 30 salários mínimos mensais transfere para os impostos somente 26% de sua renda.
Em síntese, quem ganha mais paga menos impostos.
Ao contrário de quem recebe menos, cuja carga tributária é
quase o dobro dos salários maiores. Frente a isso, parece não
haver outra solução para o caso da vergonhosa desigualdade
salarial no Brasil que não seja a completa inversão da carga
tributária. Com a progressividade na tributação (quem ganha
mais paga mais impostos e vice-versa), a desigualdade salarial seria bem menor que a atual.
Repensando a Garantia do Emprego
A fase de reformas inaugurada na década de 1990 prometia a generalizada modernização do país que, frente ao histórico de enorme exclusão social já acumulada, gerou a crença
de redução sensível das terríveis desigualdades de oportunidades. Decorrida mais de uma década da realização das reformas de corte neoliberal, colhem-se os frutos que apontam
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18/6/2009 09:47:40
para o aumento das injustiças no país. Exemplo disso pode
ser observado pelas indicações de agravamento da exclusão
de pessoas ao acesso à proteção social.
Pode-se recordar, por exemplo, que um dos pilares da reforma previdenciária efetuada na segunda metade da década
de 1990 foi o abandono do princípio de acesso à aposentadoria
por tempo de trabalho. Em conformidade com as novas regras
estabelecidas, o trabalhador, para habilitar-se ao recebimento
da aposentadoria, precisaria antes contribuir, em geral, por
35 anos (se homem) ou 30 anos (se mulher). Além desse novo
requisito obrigatório de acesso ao benefício da aposentadoria
estabeleceu-se, ainda, a carência mínima de 180 contribuições
(o que corresponde a 15 anos de contribuições contínuas).
Desde a introdução do sistema de aposentadoria no Brasil, em 1923, sabe-se que o tempo de trabalho pode equivaler ao
tempo de contribuição quando há estabilidade no emprego, seja
pela manifestação do pleno emprego, seja pela existência de garantias legais estabelecidas no ato de contratação laboral. Como a
experiência do pleno emprego se mostrou praticamente ausente
no país, percebe-se como ainda predomina o contingente atual
de mais de 55% da força de trabalho sem estar protegido pela
legislação social e trabalhista. Somente nos três decis mais ricos
da distribuição da renda do trabalho há, por exemplo, 70% das
famílias com membros contribuintes da previdência, enquanto
nos três decis mais pobres não chegam a 30% das famílias.
413
Entre os ocupados que conseguem contribuir para a previdência social prevalece no setor privado o grave fenômeno da
rotatividade no trabalho, que torna muito difícil ao empregado
cumprir o ano todo com doze prestações mensais ao sistema de
aposentadoria. Isso não apenas compromete o atendimento dos
requisitos mínimos para o acesso à inatividade remunerada,
como torna mais vulnerável o financiamento da própria previdência social. Como se sabe, a substituição do regime da estabilidade no emprego pela garantia do acesso ao Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço (FGTS), ocorrida em 1966, fez com que o
empregado e o empregador passassem a dispor de enorme flexibilidade na determinação da duração do tempo de trabalho.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 413
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414
Em resumo, percebe-se que ocorreu o inegável aumento
da desconfiança tanto do empregador em relação ao empregado, que o demite sem causa quando lhe convém, quanto
o empregado, que se desfaz do contrato de trabalho diante
da alternativa ocupacional de melhor condição. De um lado,
os investimentos em qualificação terminam sendo contidos,
uma vez que a empresa teme fortalecer a formação de seu
empregado sob pena de terminar perdendo-o para outra firma, muitas vezes concorrente, bem como o próprio trabalhador desconfia de que a maior qualificação profissional possa
limitar o raio de procura por outras formas de trabalho impostas pela recorrente rotatividade no emprego. De outro, o
registro anual de mais de oito demissões nos empregos formais no setor privado implica a absurda taxa de rotatividade
acima de 1/3 dos postos de trabalho (quase duas vezes maior
que a dos Estados Unidos), e em dois milhões de processos
trabalhistas no sistema judiciário (17% do total das demissões anuais). Por conta disso, o Brasil possui quase 6 milhões
de empregados com carteira assinada com menos de um ano
no estabelecimento. Deste contingente que representa mais
de 1/5 do total dos empregos formais, há 3,7 milhões de indivíduos (13,1% dos empregados com carteira no Brasil) que,
a cada 12 meses, somente conseguem contribuir por cinco
meses de prestação, o que torna a habilitação para a aposentadoria por tempo de contribuição extremamente difícil.
Projetado no longo prazo, o trabalhador deverá precisar de
aproximadamente 84 anos para reunir o tempo necessário de
contribuição para se aposentar. Considerando-se, também,
que, em média, o início na vida laboral ocorre aos 15 anos de
idade, compreende-se que somente por volta dos 99 anos de
idade é que o acesso à aposentadoria por tempo de contribuição deverá ocorrer.
Esse cenário parece ser pouco realista para se concretizar, uma vez que a expectativa de vida ao nascer encontra-se,
na média da população brasileira, levemente acima dos 70
anos (esta média deve ser mais baixa para o grupo de pessoas de menor renda devido às características socioeconômicas,
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 414
18/6/2009 09:47:40
com desempenho de ocupações com maior incidência de doenças/acidentes laborais e maiores jornadas de trabalho).
No contingente de maior vulnerabilidade ao acesso à
previdência social, deve-se acrescer também o grupo de mais
2,2 milhões de indivíduos (7,7% dos empregados com carteira
no país) que a cada 12 meses somente consegue contribuir
com nove prestações. No longo prazo, esse mesmo segmento
ocupacional precisará de quase 48 anos para poder cumprir
os requisitos básicos para se aposentar.
30
120,0%
100,0%
25
100,0%
20
80,0%
15
60,0%
10
40,0%
20,8%
13,1%
3,7
5
28,3
5,9
Total empreg.C.Cart.
Empreg.< 1 ano
0
Nº (em milhões)
7,7%
20,0%
2,2
0,0%
Empreg.contrib. 5 / 12Empreg.contrib. 9 / 12
meses
meses
%
415
Gráfico 11 – Brasil – Distribuição dos Empregados com Carteira por Tempo de Contribuição à Previdência Social (Em
Nº Milhões e Em %)
Fonte: PNAD publicada pelo IBGE.
Considerando-se que, em média, começam a vida profissional aos 15 anos de idade, somente por volta dos 62 anos
alcançarão as condições necessárias para a aposentadoria por
tempo de contribuição. Mesmo que minimamente factível,
dada a expectativa de vida no Brasil, não se pode dizer que esse
cenário traga alento a essa parcela dos trabalhadores brasileiros. Neste sentido, a aposentadoria por tempo de contribuição
permanece uma meta incerta, quando não inatingível, apesar
das contribuições realizadas ao longo da trajetória ativa do trabalhador. Isso porque o emprego formal em expansão tem sido
justamente aquele de maior rotatividade, o que contribui para
a formação de uma nova legião de excluídos fundamentados
pelas reformas neoliberais da década de 1990.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 415
18/6/2009 09:47:40
Assim, cabe destacar que a recorrente intermitência da contribuição entre os empregados sujeitos à maior rotatividade termina por comprometer o financiamento da própria previdência
social, uma vez que 21% do total dos empregados formais do país
contribuem menos de 12 meses a cada ano de sua vida ativa no
mercado de trabalho. Além das debilidades na sustentação do seu
financiamento no Brasil, percebe-se como a busca da modernidade torna-se falsa na medida em que termina gerando exclusões
adicionais de pessoas que mesmo trabalhando e contribuindo
deixam possivelmente de ter acesso à previdência social.
Em síntese, pode-se observar como somente a existência de
legislação social e trabalhista protetora não se mostra plenamente
suficiente para a sua total efetividade. Sem o pleno emprego, o
marco regulatório do mercado de trabalho deixa de cobrir o conjunto da mão-de-obra desempregada e ocupada informalmente.
416
Quando o Brasil tinha o ritmo de expansão econômica
vigorosa (1933- 1980), o grau de cobertura da legislação social
e trabalhista subiu rapidamente. Na década de 1940, quando
da criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), havia
para cada grupo de dez ocupados somente um protegido.
60
55
50
5 4 ,7 **
5 0 ,3
45
5 0 ,1
4 1,8
40
4 4 ,9
3 7 ,4
35
30
25
2 3 ,1
20
15
12 ,9
10
5
0
1940
1950
1960
1970
1980
1990
2000
2010
Gráfico 12 – Brasil – Evolução da Participação dos Trabalhadores Protegidos pela Legislação Social e Trabalhista no
Total da Ocupação (Em %)
Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Ajustada Publicada pelo IBGE.
* Proteção: ocupações com alguma proteção por parte da legislação social e trabalhista.
** Estimativa.
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18/6/2009 09:47:40
Quatro décadas depois, o Brasil conseguiu cobrir com
proteção social e trabalhista mais de 50% do total dos ocupados. A partir disso, o grau de proteção dos ocupados estancou, somente recuperado na década atual. Para o ano de 2010
o Brasil deverá registrar menos de 55% do total dos ocupados
com algum grau de proteção social e trabalhista. Por conta disso percebe-se o quanto a macroeconomia do emprego assume
maior centralidade na determinação das possibilidades de proteção social e trabalhista. Mas isso pode não garantir que a totalidade dos trabalhadores seja plenamente beneficiada.
Para a existência do direito ao trabalho, assim como ao
direito à propriedade, a macroeconomia do emprego deve estar comprometida com o crescimento das forças produtivas.
No caso da não existência do pleno emprego, cabe a garantia
de renda que deveria ter a função de substituir a escassez de
postos de trabalho para todos.
Considerações Finais
417
O Brasil, que emergiu da Revolução de 30, caminhou no
sentido da modificação importante do conceito tradicional da
propriedade. Ao invés do clássico entendimento que separa
o proprietário do não-proprietário imobiliário (posse da terra) e de demais detentores das fontes de geração de renda e
riqueza, passou a ganhar maior relevância a interpretação a
respeito da propriedade social mediada pelo trabalho e diversos mecanismos de proteção e segurança societal.
Justamente em torno dos riscos relacionados ao pleno
exercício do trabalho (acidente, doença, invalidez e morte,
desemprego e instabilidade contratual, precocidade e envelhecimento, variabilidade e sub-remuneração, despreparo
formativo, entre outros), conformou-se a propriedade social,
operada, na maioria das vezes, por fundos públicos absorvedores de parcela do excedente econômico nacionalmente gerado pelo conjunto do país. Neste sentido, deve-se reconhecer
o papel pioneiro das ações estabelecidas em 1923, com a Lei
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 417
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Eloy Chaves (base da previdência social), e, em 1943, com a
Consolidação das Leis do Trabalho, que fundamentaram a
propriedade social no Brasil.
O financiamento da propriedade social ocorre de forma
tanto contributiva (previdência social) como impositiva (tributos e taxas). O resultado final disso tem sido a geração de
uma massa expressiva de recursos comprometida originalmente com a promoção e a defesa do bem-estar social geral
dos detentores da propriedade social.
Na medida em que avançou a titularidade da propriedade social, o brasileiro ampliou o tempo de vida para além do
exercício exclusivo do trabalho. Antes da existência da propriedade social, por exemplo, o trabalho comprometia 2/3 do
tempo de vida de cada cidadão.
418
Por conta disso, o ingresso na vida laboral iniciava-se
aos 5/6 anos de idade e se encerrava somente com a morte,
geralmente próxima dos 35 anos, que representava a expectativa média de vida dos brasileiros do início do século 20. Ao
se acrescentar ainda a ausência da regulação do tempo de trabalho (48 horas semanais, férias, descanso semanal, feriados)
e de medidas de aposentadoria e pensão, o tempo de trabalho
podia equivaler a mais de 5,5 mil horas de trabalho por ano.
Com o desenvolvimento urbano e industrial protagonizado desde a década de 1930, parte dos ganhos de produtividade foi carreada para a nova propriedade social. Em conseqüência da difusão da titularidade dos novos proprietários,
tornou-se possível reduzir o peso do trabalho heterônomo
(realizado em troca de uma remuneração pela sobrevivência)
para 1/5 do tempo de vida. Isso porque o ingresso no mercado de trabalho foi postergado para os 15 anos de idade, após
o acesso ao ensino básico, enquanto o saída para a inatividade se deu a partir da contribuição por 35 anos ao fundo
previdenciário. Contando com a duplicação da longevidade
da vida ao longo do século 20 (de 35 para 70 anos), percebese que o desenvolvimento nacional permitiu a propriedade
social alargar o tempo de vida, bem como direcioná-lo à so-
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18/6/2009 09:47:40
ciabilidade moderna, com mais educação, saúde, consumo e
investimento humano.
No limiar do século 21, com a perspectiva de elevação
da longevidade de vida para acima dos cem anos de idade
e profunda ampliação da produtividade do trabalho, especialmente do trabalho imaterial, abrem-se oportunidades
inéditas de o desenvolvimento fortalecer ainda mais a nova
propriedade social. Seus detentores possuem cada vez maior
influência sobre as decisões públicas e privadas nacionais,
como no caso dos fundos de aposentadoria e pensão, FGTS,
Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), entre outros.
Tudo isso motiva preparar, em novas bases, as ações estratégicas para o desenvolvimento brasileiro de longo prazo.
Para quem vai viver cem anos, com a intensificação da produtividade, ampliam-se as possibilidades de ingresso no mercado de trabalho após os 25 anos de idade, conforme já ocorre
para os filhos dos ricos no país, assim como o tempo de trabalho em menor escala, contando com o seu exercício em diversas modalidades, ficando cada vez mais distante o tradicional
local de trabalho, como no passado recente. Se tecnicamente
já é possível, por que não convergir para as condições estruturais necessárias para que isso realmente venha a ocorrer?
Somente com a promoção do desenvolvimento nacional os
brasileiros universalizam as possibilidades de acesso a uma
nova propriedade social.
419
Referência
MELLO, J.; BELLUZZO, L. Reflexões sobre a crise atual. In:
COUTINHO, R.; BELLUZZO, L. (Org.). Desenvolvimento
capitalista no Brasil. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1983.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 419
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420
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 420
18/6/2009 09:47:40
12
IMPACTOS DA FINANCEIRIZAÇÃO
MUNDO DO TRABALHO
NO
Cássio da Silva Calvete1
Introdução
A ditadura do capital financeiro e a imposição do
pensamento único procuram impor a máxima de que a
situação atual e as condições no mercado de trabalho são
inexoráveis e necessárias. A personificação do mercado
financeiro com atribuições de humores (nervoso, calmo,
excitado etc.), coloca-o na condição de demiurgo da economia. Ao mesmo tempo em que seus humores podem
impingir verdadeiros desastres à economia, e por conseqüência às sociedades e às pessoas, os mercados são inatingíveis e têm vontade própria, não podendo ser submetidos e nem subjugados pelos homens. Essa falácia tem
como objetivo passar como naturais as mazelas derivadas
da sua estruturação. Fome, miséria, má distribuição de
renda, desemprego, trabalho informal e precarização dos
postos de trabalho são a outra face dos mercados pujantes
e do enriquecimento de poucos.
421
Este estudo procura mostrar como o novo regime de
acumulação liderado pelas finanças, ou simplesmente financeirização, impõe mudanças no mundo do trabalho, e mais
particularmente na gestão da mão-de-obra, analisando em
que medida e de que forma a lógica financeira e as suas exigências interferem nas relações trabalhistas.
Doutor em Economia Aplicada na área de Economia Social e do
Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas, Economista do
Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) e Professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUCRS).
1
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 421
18/6/2009 09:47:40
Gênese da Financeirização
Financeirização é um termo enxuto que muitas vezes é
utilizado para sintetizar uma série de fenômenos ligados ao
mercado financeiro. Porém, para além desse propósito, ele
também é utilizado para conceituar um novo regime de acumulação descrito por vezes como regime de acumulação liderado pelas finanças ou simplesmente regime de acumulação
à dominante financeira.
A expressão, envolta em polêmica, às vezes tem seu uso
preterido em função da utilização das expressões globalização financeira, finança mundializada ou mundialização financeira2. O termo passou a ser utilizado para descrever o
fenômeno do aumento do poder das finanças no mundo, não
somente na economia e na política, mas em todas as áreas da
atividade humana.
422
O fenômeno da financeirização, como todo fenômeno
histórico, traz consigo a dificuldade de não ter fronteiras nem
marcos definitivos que possam estabelecer de forma precisa
o período da sua gênese. Ele é conseqüência de uma sucessão
de acontecimentos que, contínua e paulatinamente, levam à
sua concretização. Por isso mesmo é difícil, senão impossível, delimitar exatamente quando ele principia. Não obstante,
Chesnay (1998), distingue três etapas do processo de evolução
contínua da financeirização. A primeira etapa é caracterizada
como de internacionalização financeira “indireta”; a segunda,
de desregulamentação e liberalização financeira; e a terceira,
de incorporação dos mercados emergentes.
Segundo o Chesnay (1998), a primeira etapa vai de 1960
a 1979, e tem como destaques a formação do mercado de eurodólares em off-shore, a formação de mercados de títulos de
crédito nos EUA, a revogação do sistema de Bretton Woods,
que põe fim ao padrão ouro do dólar americano, a adoção das
2
As duas últimas expressões foram utilizadas como títulos de duas
obras de François Chesnay sobre o tema.
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 422
18/6/2009 09:47:40
taxas de câmbio flexíveis, o surgimento de mercados derivados e o início do endividamento do Terceiro Mundo. Estes
acontecimentos formam o alicerce sobre o qual vai se estruturar a financeirização.
A segunda etapa, de desregulamentação e liberalização
financeira, vai de 1979 a 1985, e tem como destaques o início
do monetarismo nos Estados Unidos e no Reino Unido nos
governos de Ronald Regan e Margaret Thatcher, a liberalização dos movimentos de capitais, a expansão dos mercados
de bônus, o crescimento rápido dos derivativos e dos ativos
de fundos de pensão e dos mutual funds, securitização da dívida pública e a arbitragem internacional sobre os mercados
de bônus.
Ainda segundo Chesnay (1998), a terceira etapa inicia-se
em 1986, e tem como destaque o que ficou conhecido como
big-bang na city – liberalização abrupta do mercado financeiro
inglês, que obrigou as demais praças a acelerar seus processos
de liberalização-, além da abertura e desregulamentação dos
mercados de ações e de matérias-primas, o aumento das transações sobre os mercados de câmbios, a aceleração do crescimento do mercado de bônus e dos mercados emergentes de
matérias-primas e a incorporação dos mercados emergentes
do Terceiro Mundo com o aumento da interligação aos mercados financeiros dos países do centro do sistema e a extensão
da arbitragem.
423
A transformação do sistema financeiro, caracterizada
pela desregulamentação dos mercados, liberalização dos
fluxos de capitais e pela taxa de juros flutuantes foi viabilizada e impulsionada pelas mudanças nas legislações nacionais, pelo surgimento de novos instrumentos financeiros,
pelo avanço das telecomunicações e da informática e pelo
aumento dos recursos das instituições financeiras. O crescimento econômico das instituições financeiras, acompanhado do aumento do seu poder político, da hegemonia sobre o
Estado, do controle sobre os fluxos de capital, da participação nos processos políticos e, inclusive, da participação nos
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 423
18/6/2009 09:47:41
aparatos de Estado, são os responsáveis pela hipertrofia das
finanças na economia mundial e sua influência em todas as
áreas da atividade humana.
A Hegemonia do Capital Financeiro
424
A crise estrutural do capitalismo (CHESNAY, 1996;
KURZ, 1992; MÉSZÁROS, 2002), iniciada na década de 1970,
transformou as políticas keynesianas e o Estado social-democrata em vilões de todos os problemas econômicos. Abriu espaço para o ressurgimento das políticas liberais, que são mais
funcionais ao capital financeiro internacional, e juntamente
com elas reapareceram revigorados os valores associados a
essas políticas: consumismo, competitividade exacerbada, individualismo e utilitarismo. Como a outra face da mesma
moeda, as políticas liberais atacam os mecanismos de regulação públicos, o Welfare State, o setor produtivo estatal e o
sistema nacional de relações do trabalho.
A mundialização financeira impôs a participação de todos os países. A crescente mobilidade de capitais no plano
internacional, associada à adoção de taxas de juros flutuantes que tornam errática a posição financeira das nações, também exigiu a liberalização financeira dos países emergentes.
Ainda que de forma subsidiária, concomitantemente ocorria
também a mundialização da produção, que provocou profundas modificações nos parques industriais. A nova lógica
capitalista exige, mais que nunca, a participação dos países
considerados emergentes. A livre mobilidade de capitais, ao
mesmo tempo em que deixa os países reféns do capital especulativo, é apresentada como solução para a estabilização de
suas finanças. A nova escala planetária em que atua o capital
na sua acumulação e expansão é incompatível com fronteiras
nacionais e leis que impeçam a sua livre movimentação.
Porém, a mudança essencial é que a nova mobilidade de
capitais, associada à liberalização financeira, mudou a lógica
vigente do capitalismo. Da lógica do investimento, da produ-
07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 424
18/6/2009 09:47:41
ção e do lucro no setor produtivo D — M ... P... M’ — D’ passa
para uma lógica puramente especulativa D — D’. Os ativos
passam a ter quase 100% de liquidez, e os ganhos de curto
prazo são o objetivo corrente. A instabilidade da demanda e
o risco da atividade produtiva, num cenário de grande competitividade e rápido processo de inovações associadas à alta
rentabilidade do mercado financeiro, levaram à financeirização do capital produtivo e, mais do que isso, conduziram o
setor produtivo à mesma lógica do sistema financeiro.
Nesta sociedade regida pelo curto prazo, os interesses
estão direcionados para o consumo imediato. O capital, que
comanda o tempo no processo de produção, atualmente, também comanda o tempo livre. O apelo ao consumo exacerbado, a mercantilização de tudo, a valorização do homem pela
marca que ele consome e a ideologia do desfrute são funcionais ao capital. Nesse processo o lazer foi transformado em
consumo e apresenta-se em grande parte monetizado. Como
o consumo é efêmero e cada vez mais na sociedade tudo é
consumo, tudo é efêmero. Segundo Arendt (2003), o aumento
da intensificação do trabalho e do consumo via obsolescência programada transformou toda produção em produção
de bens de consumo, evidenciando a vitória do animal laborans sobre o homo faber. O labor do animal laborans também é
consumo e, conseqüentemente, é efêmero; portanto, cada vez
mais intenso na sociedade atual. A dinâmica de todo o processo − financiamento, investimento, produção, distribuição,
consumo − passou a ter maior velocidade a partir do ritmo do
capital financeiro, passando pelas novas formas de produção
e de consumo e chegando aos novos valores da sociedade: o
tempo se acelerou.
425
A continuidade do processo de acumulação de riqueza
que, segundo Marx é a quinta essência da economia capitalista, com os atuais e crescentes níveis de produtividade só
consegue se sustentar com o contínuo crescimento do círculo:
aumento da produção, aumento da intensidade do trabalho,
aumento da produtividade, aumento do consumo, aumento
da produção. (ARENDT, 2003). As novas formas de organiza-
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ção do processo de produção e da sociedade são flexíveis. A
flexibilidade, enquanto grande diretriz que perpassa todas as
formas de organização da sociedade atual, esconde um sistema de poder baseado em três elementos: reinvenção descontínua de instituições, especialização flexível de produção3 e
concentração de poder sem centralização. (SENNETT, 2000).
426
A flexibilidade requer novas formas de controle. O controle na sociedade ou no chão-de-fábrica continua a existir, porém
com outro aspecto e com novas exigências. A necessidade da
flexibilidade está associada ao império do curto prazo. A hegemonia do capital financeiro trouxe consigo a fluidez e a efemeridade do seu mercado, que passou a reger o setor produtivo e
até mesmo a influenciar os valores da sociedade. A confiança, a
lealdade, o senso objetivo e o compromisso mútuo são valores
corroídos pelo fim do longo prazo. O setor produtivo, na gestão
da mão-de-obra, na relação interempresas e na relação com a
sociedade, valoriza e impõe os novos valores associados ao curto prazo: a flexibilidade, o gosto pelo risco, a cooperatividade
superficial e a adaptabilidade. (SENNETT, 2000).
Financeirização e Impactos no Mundo do Trabalho
A opção pela aplicação financeira, em detrimento do
investimento produtivo, põe em questão as conseqüências
A utilização dos termos flexibilidade e rigidez para referir as formas
de organização do processo de produção de especialização flexível e
fordista, respectivamente, está envolta em polêmica. Apesar de muito usuais, essas terminologias carecem de maior precisão. (SAYER,
1989; SOUZA, 1990; WOOD, 1991). É importante lembrar que o fordismo comportava enorme flexibilidade, à medida que qualquer
trabalhador podia ser rapidamente substituído por outro que se encontrava no exército de reserva de mão-de-obra. A terminologia de
flexibilidade, como é usualmente utilizada, carrega em si um forte e
enganoso apelo ideológico de referência aos aspectos positivos da
modernidade e esconde a verdadeira intenção da retirada das regulamentações estatais das relações de trabalho e transferência de
poder para as empresas nessas relações. (URIARTE, 2002).
3
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sobre o mundo do trabalho, e mais especificamente sobre a
gestão da mão-de-obra, o nível de ocupação e desemprego
desse novo modelo. A primeira impressão é a diminuição dos
postos de trabalho em conseqüência da aplicação financeira
em detrimento do investimento produtivo, este sim, gerador
de postos de trabalho. Porém, a dúvida se estabelece na medida em que o desenvolvimento financeiro tem uma relação diretamente proporcional com o crescimento econômico. Para
que o mercado financeiro tenha um bom desempenho é necessário que o setor produtivo esteja evoluindo positivamente. Apesar do grande descolamento que o mercado financeiro
apresenta do setor produtivo, este último ainda é a referência
que valida seus movimentos de elevação ou retração.
Não obstante, segundo Chesnay (2005), a mundialização
não é um processo integrador e nem base de uma repartição
menos desigual das riquezas, ao contrário ela é, em parte,
causadora da exclusão econômica, do aumento da informalidade e do desemprego nos países da OCDE.
Storckhammer (2004), ao olhar para o interior das empresas e perceber a opção pela obtenção de taxas de lucros
mais elevadas conquistadas através da diminuição do capital
fixo e do próprio crescimento da firma, conclui que o resultado é a diminuição da ocupação.
427
Bruno e Freire (2007), ao estudar os impactos da financeirização sobre a ocupação no Brasil, verificaram o declínio
da taxa de acumulação de capital fixo produtivo, gerando
uma baixa demanda por trabalho que é incapaz de reduzir
significativamente as taxas de desemprego. Segundo os autores, essa conclusão é valida para o país tendo em vista as características particulares do processo brasileiro, onde a renda
financeira é composta predominantemente de juros.
Sauviat (2005), afirma que a lógica financeira pela busca
da flexibilidade tornou os empregos menos estáveis e permanentes, lembrando que na década de 1980 as grandes empresas norte-americanas adotaram a estratégia do downsizing,
que atingiu os segmentos mais protegidos dos trabalhadores
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– os operários sindicalizados. Segundo Sauviat (2005, p. 42)
a “instabilidade dos mercados financeiros foi levada para o
centro da atividade das empresas e da ‘economia real’”. Ressalta, ainda, que o ano de 2001 concentrou as dez falências
mais importantes da história dos EUA até aquele momento. Mesmo que esses fenômenos (falências, downsizing) não
tenham levado à diminuição absoluta dos postos de trabalho no plano macroeconômico, é inegável que contribuíram
para a precarização dos postos de trabalho, para a insegurança no emprego e para o aumento da flexibilização nas
relações trabalhistas.
428
Por fim, Scherer (2003), ao discorrer sobre o modelo de
Governança Corporativa norte-americana, onde o que é relevante é o desempenho de curto prazo, cita que as medidas
que têm maior impacto no mercado financeiro para reverter
uma avaliação negativa da empresa são: a venda ou encerramento de unidades que têm desempenho abaixo do esperado
e o anúncio de demissões.
Visto isso, pode-se inferir que mesmo que não haja
comprovação de que a financeirização seja responsável diretamente pela diminuição dos postos de trabalho num plano
macroeconômico, ela em nada contribui para amenizar o problema, além de ser um dos pilares da nova arquitetura do
modo de produção capitalista juntamente com a liberalização
e desregulamentação do comércio internacional, a fragilização dos estados nacionais e dos sistemas nacionais de relações do trabalho.
As Flexibilizações na Gestão do Trabalho
Tendo como pano de fundo as mudanças numa dimensão mais ampla, como as explicitadas anteriormente, as empresas buscaram inovações para elevar a rentabilidade do
capital e manter a competitividade seja no mercado interno,
seja no mercado internacional. A forma rígida de organização
do processo de produção que vigorou do final do século XIX
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até meados da década de 70 do século XX não atendia mais às
necessidades do setor produtivo. Na busca pela flexibilidade,
a reestruturação produtiva passou a ser necessária.
As novas formas de organização do processo de produção trouxeram mudanças significativas em relação ao que
vigorava de forma hegemônica até meados da década de 70.
Indubitavelmente, as mudanças ocorridas em nível macroeconômico têm reflexos na organização industrial e social que,
por sua vez, reafirmam e aceleram as transformações macroeconômicas. Na antiga etapa do desenvolvimento das formas
de organização do processo de produção, das relações industriais e do estado das artes, a “rigidez” da produção era determinada, em parte, pela especialização das máquinas e pela
automação dedicada e repetitiva das mesmas e, em parte,
pela demanda em massa, que exigia altos níveis de produção,
contudo, sem a necessidade de uma diferenciação exacerbada. A menor mobilidade do capital internacional, a estabilidade da taxa de juro fixa, a relativa estabilidade da demanda
e o estado das artes coadunavam com a “rigidez” da gestão
da mão-de-obra.
429
Nos primórdios do capitalismo, a fixação rígida da jornada de trabalho, com seu tempo de duração e de horário de
começo e fim, diário e semanal, além da jornada de tempo
integral, foi funcional aos empresários. Esse foi o meio de formar na classe trabalhadora uma habituação própria do trabalho no interior da fábrica. Essa máxima, que valeu no início da
revolução industrial, continuou valendo até meados dos anos
70 do século passado. Essa forma de organização do processo
de produção, com enorme intensificação do processo de trabalho e completa separação entre concepção e execução, foi
rejeitada pelos trabalhadores. Assim, só conseguiu se impor
na medida em que se alastrou por todo o parque industrial
e deixou o trabalhador sem outra opção de trabalho. (BRAVERMAM, 1981). Também nessa etapa, os horários fixos e de
tempo integral foram funcionais para facilitar o controle do
tempo dos trabalhadores por parte dos capitalistas.
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A globalização financeira, a mundialização da produção,
o acirramento da competição internacional, o surgimento de
novas tecnologias e a instabilidade da demanda forçaram a
reestruturação produtiva. O desempenho de curto prazo passou a ser o objetivo principal e, como metas complementares
ou auxiliares despontaram a necessidade da diminuição dos
custos, do aumento da produtividade, a redução do espaço
de produção, do tempo e do capital de giro. Nesse cenário,
surgiu a exigência da re-regulamentação das relações trabalhistas e a flexibilização4 na gestão da mão-de-obra como
forma de reduzir os custos, diminuir os riscos, aumentar a
intensidade do trabalho, ganhar margem de manobra para
se adaptar à demanda instável, aumentar o tempo de utilização do capital constante e intensificar o seu uso. Enfim, a
reestruturação produtiva busca redução de custo, aumento
de poder em relação à disposição do tempo do trabalhador e
intensificação do trabalho.
430
A flexibilização busca não só o aumento do tempo de
uso do capital variável (mais-valia absoluta) e aumento da intensidade de sua utilização (mais-valia relativa), mas também
o aumento do tempo do uso do capital constante e a intensidade de sua utilização.
Na atual gestão de pessoal, destaca-se a busca pela flexibilização e pela participação dos trabalhadores. Agora, sob o
signo da financeirização, as empresas procuram diminuir as
regras que implicam compromissos para si: buscam a diminuição de vínculos com os trabalhadores, a flexibilidade na
alocação do tempo de trabalho e pagamento salarial variável.
Contraditoriamente a esse movimento de descomprometi4
As expressões correntemente utilizadas de flexibilização e re-regulamentação do mercado de trabalho expressam a reformulação
da ordem jurídica que permite maior leque de opções aos empregadores no âmbito do pagamento salarial, da modulação da jornada
de trabalho e da forma do contrato de trabalho. Entre as mudanças
verificadas no Brasil, nos últimos anos, encontra-se a instituição do
banco de horas, do contrato temporário, participação nos lucros e
resultados, terceirização e cooperativas de trabalho.
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mento, há uma exigência maior de participação e identificação do trabalhador para com a empresa. Os instrumentos de
persuasão são o risco crescente do desemprego e os novos
valores associados ao curto prazo, de autonomia, gosto pelo
risco, adaptabilidade e flexibilidade.
A flexibilidade na gestão da mão-de-obra abrange três
dimensões: da remuneração, do tipo de vínculo e da jornada
de trabalho. Para cada uma das dimensões foram impostas
novas práxis e elaboradas novas regulamentações que permitem a flexibilização sob o comando das empresas. Cada
nova medida adotada confere ênfase na flexibilização de
uma das três dimensões, no entanto, invariavelmente, atuam sobre as três.
No tipo de vínculo
As novas medidas possibilitando novos tipos de vínculos entre as empresas e os trabalhadores vêm em substituição
ao padrão anterior de vínculo com um trabalhador de emprego padronizado. (CETTE; TADDÉI, 1992). Visam à contratação com menores custos, menor burocracia, mais flexibilidade para se adaptar às flutuações da demanda, menores riscos,
intensificação do ritmo de trabalho e aumento do tempo de
uso do capital variável.
431
Neste aspecto, podem-se diferenciar dois tipos de novos
vínculos: um referente ao mercado de trabalho interno das
empresas, de trabalhadores que, de uma forma ou outra, continuam com um vínculo formal e legal com a mesma; e outro
referente ao mercado externo, onde os trabalhadores não têm
(ou, em muitos casos, deixam de ter) um vínculo formal de
emprego com a empresa, são prestadores de serviços. A desestruturação do mercado de trabalho com a transformação
do assalariado em autônomo visa a anular as conquistas de
limitação e redução da jornada de trabalho que os trabalhadores conquistaram ao longo da história. O “falso autônomo”
é pseudo-responsável pelo seu tempo. Na aparência, a exten-
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são da jornada de trabalho é definida por ele próprio, porém
de forma diferente do “verdadeiro autônomo”, não mais conforme as suas necessidades de subsistência ou interesse de
acumulação de riqueza, mas, sim, pela necessidade de atender à demanda e os prazos da empresa contratante.
432
No caso de o trabalhador ter o vínculo empregatício, o
que muda em relação ao emprego padronizado é a precariedade que essa nova relação tem. Dentre as diversas formas de
precarizações, destacam-se a perda de direitos, a insegurança
e a temporalidade definida de seu vínculo. Como paradigmas
de cada uma delas, têm-se, respectivamente, o estagiário, o
trabalhador por tempo parcial e o trabalhador por contrato
temporário. Podem-se citar também os trabalhadores em turnos de revezamento, que, inicialmente, eram contratados apenas para produções em processo contínuo e que, atualmente,
são contratados para todos os tipos de serviço. Ao contrário
da idéia que os adeptos da flexibilização tentam passar, pesquisas de opinião e análises mais apuradas demonstram que
o tempo parcial e o trabalho em turnos, na grande maioria
dos casos, são imposições do empregador, e não uma opção
do empregado. (BOULIN, 1992; ROSENBERG, 1992).
As terceirizações, que de longa data existem, mas que se
restringiam a áreas de apoio à produção como alimentação,
vigilância e limpeza, agora se responsabilizam, em muitos
casos, por atividades-fins das empresas. As terceirizações adquiriram novo perfil, não só pelo conteúdo do seu trabalho,
mas também pelo local de produção e pela diversidade de
formas de contratação. O trabalho terceirizado, atualmente,
pode ser de apoio, de escritório, de marketing, contábil, jurídico, de ginástica laboral, de psicologia, de análise de sistemas
e, ainda, de produção. Quanto ao local da prestação de serviço e/ou produção, pode ser nas próprias dependências da
empresa, no domicílio, em dependências próprias e em dependências próprias montadas pelas empresas compradoras
do serviço e/ou da produção.
As formas de contratação também passaram a contar
com várias possibilidades: a antiga contratação de uma em-
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presa já constituída para prestar serviço ou realizar parte
da produção, contratações de autônomos e de cooperativas,
dentre outras. A terceirização traz várias vantagens para a
empresa contratante, desde a diminuição dos espaços físicos e redução dos estoques e a conseqüente diminuição do
capital de giro quando associada ao Just-in-Time, até, e principalmente, a transferência dos riscos e do ônus da manutenção de um elevado quadro de pessoal que em parte do
ano poderia ficar ocioso devido à instabilidade da demanda.
Associado a isso tudo, a diminuição do quadro permanente
torna mais fácil às empresas impor aos trabalhadores que
restaram contenções salariais e maiores exigências quanto
ao ritmo e ao tempo de trabalho.
A terceirização e as diversas formas de contratação temporária possibilitam às empresas a contratação do serviço na
quantidade exata e no momento preciso em que desejam, sem
incorrer nos custos e nos riscos da manutenção de um quadro fixo elevado de trabalhadores, mantendo sob seu vínculo apenas aqueles trabalhadores que fazem parte do núcleo
duro da empresa. (ROSENBERG, 1992).
433
Na remuneração
Evidentemente, essas novas formas de vínculos têm reflexos também na remuneração do trabalhador, que passa a
sofrer as mesmas inconstâncias da contratação do serviço terceirizado e que, invariavelmente, tem remunerações inferiores às dos trabalhadores da própria empresa. Porém, os trabalhadores do núcleo duro da empresa também tiveram os
seus salários flexibilizados com a adoção da Participação nos
Lucros e Resultados (PLR). As suas remunerações passam a
ter percentuais cada vez maiores da parcela variável que está
atrelada ao desempenho de curto prazo da empresa. Assim,
a remuneração do trabalhador, cada vez mais, fica condicionada ao desempenho da empresa, que passa a dividir com os
trabalhadores os riscos da sua atividade econômica.
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Na mesma linha do aumento da remuneração variável
como forma de intensificar o ritmo de trabalho e diminuir os
riscos das empresas também existe a prática da stock option ─
remuneração com ações ou apenas a facilitação da compra de
ações da própria empresa em que trabalha, mecanismo que
inicialmente foi utilizado por dirigentes e funcionários de altos escalões e agora se estende para todos os trabalhadores
da empresa.
434
O resultado do aumento da precarização e da diversificação das formas de inserção e de remuneração foi o aumento
da desigualdade de renda. Desigualdade entre os trabalhadores com contratos precários e os permanentes padronizados,
e entre esses e os assalariados de “alto escalão”, dirigentes
remunerados e com ganhos atrelados ao desempenho das
ações nas bolsas de valores. Nos Estados Unidos a diferença
entre os ganhos de um diretor de empresa e seus trabalhadores aumentou muito nas últimas décadas. (SAUVIAT, 2005;
REICH, 2008).
Paradoxalmente, o futuro do trabalhador também está
atrelado ao desempenho de curto prazo das empresas. Os
fundos de pensão das grandes empresas, que são os responsáveis pelo pagamento das aposentadorias dos seus funcionários, são importantes agentes do mercado financeiro. Fundos que são formados pelos rendimentos dos assalariados
adquiriram dimensão e permissão para atuar no mercado
financeiro para garantir rentabilidade e liquidez para honrar
as aposentadorias. A rentabilidade que garantirá as aposentadorias no futuro depende do desempenho de curto prazo da
sua carteira de ações.
No tempo de trabalho
A flexibilização da distribuição da jornada de trabalho
ocorre via modulação anual, novos turnos e liberalização do
trabalho aos domingos e feriados. A modulação anual, que
no Brasil tomou a forma do “banco de horas”, refere-se à
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prática da contratação e da contabilização da jornada de trabalho de forma anual e não mais mensal ou semanal. Desse
modo, a empresa pode ajustar a utilização do tempo de trabalho conforme as necessidades advindas das variações da
demanda, variações estas que podem ter uma sazonalidade
ou simplesmente ocorrerem de forma aleatória. Em ambos
os casos, a modulação da jornada é eficaz em ajustar a utilização do tempo de trabalho às necessidades da produção. A
modulação anual e a liberação dos trabalhos aos domingos e
feriados trouxeram consigo a desoneração, para as empresas,
do trabalho aos finais de semana. É cada vez mais comum
o trabalho ser executado sem pagamento do adicional. (ROSENBERG, 1992).
Os três casos, modulação da jornada de trabalho, adoção
de novos turnos e liberalização dos trabalhos aos domingos e
feriados, inserem-se na luta pelo controle da distribuição do
tempo do trabalhador. Em geral, a utilização do tempo, quando vigoram essas possibilidades, fica, de forma unilateral, a
critério do empregador. (BOULIN, 1992; ROSENBERG, 1992).
Assim ele passa a ter à sua disposição, a qualquer hora do dia
e a qualquer dia da semana, o tempo do trabalhador. Essa
disponibilidade é gratuita; o empregador só precisa remunerá-la quando fizer uso efetivo da força de trabalho. Porém, independentemente de o trabalho ser sistemático, eventual ou
não ocorrer nunca fora do horário comercial, a simples obrigatoriedade de deixar o tempo disponível à empresa para ela
utilizá-lo caso tenha necessidade traz sérios transtornos para
a vida pessoal e familiar do trabalhador. Ele já não dispõe do
seu tempo livre e, muitas vezes, é impossível estudar ou planejar formas de lazer coletivo. Seguidamente o trabalhador é
avisado, um ou dois dias antes, de que terá que trabalhar no
domingo ou horas a mais em determinado dia. A compensação pode vir em um dia da semana em que seus filhos estarão na escola e o cônjuge trabalhando. O trabalhador terá um
dia livre sem planejamento e sem contato familiar; um longo,
monótono e aborrecido dia livre, contribuindo, assim, para a
desintegração familiar e social. (BOULIN, 1992).
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A modulação da jornada de trabalho pode ser acordada
na empresa para todos os trabalhadores, apenas de determinado setor ou, ainda, individualmente. Quando a contratação
é individualizada, a fiscalização do cumprimento da jornada
de trabalho e do respectivo pagamento torna-se mais difícil
para os agentes externos à empresa. (FRACALANZA, 2001).
A fiscalização pelo sindicato ou por órgãos públicos ganha
maiores dificuldades, principalmente em países pouco desenvolvidos ou em desenvolvimento, onde os descumprimentos
às normas são mais freqüentes.
436
A adoção de mais um turno, noturno, ou de turnos ininterruptos de revezamento5 são opções que vêm crescendo
junto aos empresários por aumentarem significativamente o
período de utilização do capital constante. O sistema de turnos ininterruptos de revezamento vem crescendo nas manufaturas desde meados da década de 1980. Ele é mais utilizado
em grandes firmas, com elevada composição orgânica de capital, onde o uso prolongado do capital é importante para o
retorno mais rápido do recurso financeiro investido, e para
acelerar a depreciação, evitando que ele se torne obsoleto antes do retorno do capital investido.
Produção em grande escala e motivos técnicos justificam
a utilização dos turnos de revezamento em grandes siderúrgicas − onde a fornalha não pode ser apagada − ou em indústrias
químicas de processo contínuo, em que o seu uso é uma imposição técnica. Também são importantes nos serviços prestados
à comunidade como saúde, transporte e segurança. Porém a
composição orgânica do capital, cada vez mais elevada, torna
atrativo e freqüente o trabalho em turnos de revezamento nas
grandes empresas, independentemente da imposição técnica.
Apesar das vantagens para as empresas e para a geração
de novos postos de trabalho, esse tipo de organização também tem seus inconvenientes. A desestruturação familiar e os
“Shift-working may be defined as a situation where one wage earner
replaces another at the same task within a 24-hour period.” (OECD,
1998, p. 161).
5
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problemas de saúde são mais comuns entre os trabalhadores
em turnos de revezamento e em turnos noturnos.
As novas tecnologias, como telefone celular, blackberry,
internet, também atuam no sentido de colocar o trabalhador
24 horas por dia à disposição do empregador. É cada vez mais
comum o trabalhador estar de plantão, em estado de alerta,
para o caso de a empresa ligar para o seu celular. A remuneração para esse estado de alerta é irrisória e muitas vezes
inexistente; ela de fato acontece quando efetivamente ocorre o contato. O trabalhador fica 24 horas à disposição para a
eventualidade da necessidade de sua utilização, porém esse
tempo não é devidamente remunerado.
Maior participação e maior identificação do trabalhador
com a empresa têm como objetivo aumentar a intensificação
do trabalho; intensificação obtida não mais com uma vigilância externa ao trabalhador pelas chefias ou pelos ritmos das
máquinas, mas, sim, com a vigilância interna, o autocontrole
do trabalhador. As vantagens para as empresas são: diminuição dos custos associados à vigilância com a diminuição dos
níveis hierárquicos, fim do desperdício de ter funcionários
com a tarefa exclusiva de controlar os seus subordinados e,
principalmente, o aumento da intensidade verificada com o
controle mais efetivo que é propiciado pelo autocontrole individual e coletivo dos trabalhadores.
437
A participação, permitida e exigida do trabalhador, viabilizada pelos programas de qualidade total e pela maior autonomia que eles gozam, restringe-se ao chão-de-fábrica, com
o objetivo de obter sua contribuição na melhoria da qualidade
do produto, redução de custos e aumento de produtividade.
As participações nas definições do que, como, quando e onde
produzir não são permitidas. Essas decisões são as chamadas
decisões gerenciais e ficam a cargo única e exclusivamente
das direções das empresas.
O autocontrole individual caracteriza-se pela própria
conscientização que o trabalhador deve adquirir da “necessidade” da intensificação do seu trabalho, seja para manter a firma
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competitiva no mercado interno e/ou externo, garantindo a sua
fatia no mercado e, conseqüentemente, o seu emprego, seja na
concorrência interna com seus colegas para se mostrar tão ou
mais eficiente que eles e assim garantir o seu emprego. A estratégia do terror e a possibilidade iminente do desemprego funcionam perfeitamente para aumentar a intensidade do trabalho.
Também é muito utilizada a motivação pecuniária através do
pagamento de participação nos lucros ou resultados estabelecidos no curto prazo e que não são incorporadas à remuneração
fixa. O estabelecimento de metas por períodos é cada vez maior,
com sucessivas metas mais altas e mais difíceis de ser atingidas.
Associadas à política de metas, aumenta em importância a parcela variável do salário em detrimento da parcela fixa. Cada vez
mais a parcela variável representa percentual maior do total da
remuneração percebida pelo trabalhador.
438
O anseio pela preservação do padrão de vida e a ameaça
do desemprego fazem o trabalhador exercer sobre si mesmo
a pressão pelo aumento da intensidade do trabalho. O envolvimento não é mais apenas da sua força física de trabalho,
mas também da sua capacidade intelectual, buscando reduzir custos e colaborar com inovações incrementais. A maior
autonomia, o círculo de controle de qualidade e as caixas de
sugestões espalhadas pelas empresas buscam a exploração da
capacidade intelectual do trabalhador. O comprometimento é
total: físico, intelectual e espiritual
O autocontrole coletivo é decorrente da nova forma de
organização em células de produção que se estabeleceu em
substituição à linha de produção. A existência no interior da
fábrica de teamworks, ou grupos de trabalho, possibilita estabelecer a concorrência entre eles através de um prêmio de
produção para o “time” ou célula mais produtiva. O prêmio
pode ser na forma pecuniária ou em viagem. A premiação e a
nova relação buscam atingir três objetivos: atiçar a concorrência entre os diferentes grupos de trabalho, estabelecer o controle e as cobranças do trabalhador individual pelo próprio
grupo de que ele faz parte, substituir a solidariedade de classe estabelecida no antagonismo capital/trabalho pelo espírito
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de grupo baseado na identificação com a empresa e no antagonismo com outros grupos dentro da própria empresa com
os quais compete pela conquista do prêmio. (SILVA, 2003).
A organização em células de produção também possibilita que um mesmo trabalhador opere mais de uma máquina.
O trabalhador polivalente pode operar muitas máquinas ou
executar várias funções em uma só. Nos dois casos, ocorre
uma forte intensificação do trabalho, que requer atenção redobrada por exigir a execução de mais de uma tarefa, muitas
vezes, simultaneamente.
Essa nova forma de autocontrole coletivo é perversa,
porque, ao mesmo tempo em que exige um trabalho em grupo baseado na solidariedade, é extremamente impiedosa com
o trabalhador que, por algum motivo, segundo a avaliação
dos colegas, não esteja atendendo às exigências do grupo e,
dessa forma, impedindo o mesmo de atingir os ganhos de
produtividade de forma superior aos demais grupos. Sob o
falso manto de autonomia e democracia ― uma vez que é o
próprio grupo que decide sobre a intensidade do trabalho,
os tempos de pausa para o lanche e até mesmo a exclusão de
algum membro ―, estabelece-se a vigilância coletiva e condiciona-se o espírito de solidariedade.
439
O grupo de trabalho, ou, em outros termos, o próprio
coletivo de trabalhadores agora separado em grupos é que
passa a exigir de cada membro maior dedicação, maior qualificação, polivalência, empenho, intensificação do trabalho
etc. As técnicas organizacionais de círculo de controle de
qualidade e controle de qualidade total prestam-se perfeitamente como instrumentos de avaliação de desempenho do
trabalhador individual por parte do grupo a que ele pertence.
O Just-in-Time, com sua ausência de estoques, funciona como
um sinal de alerta a cada problema ocorrido ao longo do processo de produção, evidenciando as falhas e denunciando o
seu autor. Qualquer problema que apareça é imediatamente
detectado e resolvido, evitando o re-trabalho e reduzindo o
tempo de produção.
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Alterações no Sistema Nacional de Relações do
Trabalho
440
Essa nova relação no interior das empresas e todas as demais mudanças na gestão de pessoal vêm sendo viabilizadas
na esteira das mudanças do Sistema de Relações de Trabalho
(SRT). Esse sistema, como tão bem descrito por Dunlop (1993),
é parte integrante de um sistema econômico e social mais amplo e tem como alicerce, por um lado, o Estado de bem-estar
social e, por outro, a interrelação, com distribuição equânime
de poder entre três atores: representantes dos trabalhadores,
representantes dos empregadores e governo nacional. Essas relações são institucionalizadas e mediadas por acordos entre as
partes, que estabelecem regras e normas com força de lei. Essas
relações e, mais especificamente, esses sistemas se estabeleceram sob determinadas condições políticas, sociais, econômicas
e tecnológicas. Com as mudanças nesses macrocondicionantes,
vêm sofrendo enormes pressões para suas alterações.
São as alterações mais significativas em curso nos sistemas de relações do trabalho: (a) as re-regulamentações encaminhadas pelo Estado, propiciando maior flexibilidade e
heterogeneidade nas contratações, nas formas de pagamento de salários e na jornada de trabalho; (b) a descentralização
das negociações que vêm sendo realizadas em nível local; e,
(c) a desproporção do poder que vem pendendo em favor
das empresas.
O enfraquecimento do movimento sindical, que dificulta a luta do mesmo em favor dos trabalhadores, tem como
principais causas: a insegurança no mercado de trabalho, a
heterogeneização da classe trabalhadora, o fim do compromisso social-democrata de distribuição dos ganhos de produtividade, a dualização do mercado de trabalho, o crescente
desemprego estrutural e o crescimento dos valores do individualismo e do consumismo que minam os valores sobre os
quais se sustenta a solidariedade sindical. Por causa desse enfraquecimento, o movimento sindical não consegue impedir
as re-regulamentações realizadas pelo governo e as flexibili-
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zações impostas pelas empresas, que vêm no sentido de tirar
direitos, intensificar o ritmo de trabalho, diminuir os tempos
mortos do trabalho e modular, a critério patronal, a jornada
de trabalho. A nova gestão de pessoal atua cada vez mais com
menos freios legais, sociais e sindicais.
Considerações Finais
As mudanças impostas pela financeirização são profundas e nefastas para a classe trabalhadora. Mesmo que o crescimento do desemprego estrutural e da informalidade ainda
não esteja comprovadamente associado ao novo modelo de
acumulação, é indiscutível que a nova forma de organização
do processo de produção, com seus métodos de gestão da
mão-de-obra, foi moldada em função dos requisitos exigidos
pelo capital financeiro e pela lógica associada aos valores de
curto prazo.
As alterações nos sistemas nacionais de relações do trabalho, nos tipos de vínculos, nas formas de remuneração e
na gestão do tempo do trabalho que tornaram mais flexíveis
as relações trabalhistas foram impostas no sentido de moldar
o mercado de trabalho à fluidez e à efemeridade do capital
financeiro. A flexibilidade nas relações trabalhistas tem como
objetivo aumentar a adaptabilidade das empresas para melhorar o desempenho de curto prazo, diminuir os custos, intensificar o ritmo de trabalho e aumentar a produtividade.
441
A governança corporativa, que levou os dirigentes de
empresas a terem os mesmos interesses e a mesma lógica dos
acionistas, caminha a passos largos para cooptar também os
trabalhadores. A disseminação da prática de utilização da
Participação nos Lucros e Resultados (PLR) por parte das empresas aumentou e continua aumentando a importância da
parte variável das remunerações. A remuneração com ações
(stock options), que primeiro cooptou os dirigentes, passa a ser
utilizada também como alternativa para conquistar os trabalhadores para a lógica do capital. Já são três os instrumentos
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de associação dos trabalhadores à dinâmica de curto prazo do
capital: PLR, aplicação dos fundos de pensão e stock options.
A questão fundamental a ser levantada é: essa lógica do
curto prazo, que é tão benéfica aos rentistas que vivem da
especulação financeira, também será benéfica aos trabalhadores que dependem única e exclusivamente da sua força de
trabalho para viver? A experiência está a nos dizer que não. A
lógica do curto prazo traz a corrosão dos valores, como muito
bem aponta Richard Sennett, a instabilidade, a insegurança
no mercado de trabalho e mesmo no trabalho, a intensificação do ritmo de trabalho e suas conseqüências: o estresse, a
depressão, o cansaço e as doenças ocupacionais.
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13
CONHECIMENTO, FIRMAS-REDE E O (ANTI)TRABALHADOR COLETIVO E SOCIAL1
Liana Maria da Frota Carleial2
Introdução
O ponto de partida deste capítulo é a afirmação de Marx
nos Grundrisse sobre o papel do conhecimento científico, o
qual, com a grande indústria, vem a ser a força produtiva
imediata:
Nesta mutação, não é nem o trabalho imediato efetuado pelo homem ele mesmo, nem seu tempo de trabalho, mas a apropriação de sua própria força produtiva
geral, sua compreensão e sua dominação da natureza
enquanto corpo social, em uma palavra o desenvolvimento do indívíduo social, que aparece como a grande
base fundamental da produção de riquezas3. (LEFEBVRE, 1980, p. 193).
445
É inegável que nesta fase do capitalismo contemporâneo o conhecimento científico já é a força produtiva principal;
no entanto, o indivíduo social ainda é uma potencialidade.
Neste capítulo defendemos o argumento de que o que temos
mesmo é a presença do antitrabalhador coletivo e social, indicando a efetiva negação do trabalho vivo nos processos de
trabalho, mas também sua redefinição no conjunto da socie1
A idéia central deste capítulo já foi discutida pela autora num artigo intitulado L´(anti)-travailleur collectif et la crise de la société du travail apresentado no Congrés Marx Internacional na Université Paris X,
Nanterre - França, em 1998. Também foi apresentado no Encontro
da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP), em Curitiba, em
1990. No entanto, nesta versão o argumento é substancialmente ampliado e a noção de antitrabalhador social é introduzida.
2
Professora titular da Universidade Federal do Paraná (UFPR), pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) e atualmente diretora de Estudos Regionais e
Urbanos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
3
Riqueza e não valor.
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dade. Tal redefinição ancora uma certa unidade do trabalho
no mundo e supera a construção clássica do trabalhador coletivo no âmbito de cada empresa, como definido por Marx
em O Capital.
O conceito de trabalhador coletivo foi apresentado por
Marx no capítulo sobre a manufatura, o qual introduz a parcelização das tarefas e das qualificações necessárias que permitem a produção de um mesmo valor de uso. A cada mudança do processo de trabalho torna-se necessário redefinir o
trabalhador coletivo, bem como as suas condições de produção e reprodução. (DONA-GIMENEZ, 1979).
O desenvolvimento dos Grundrisse antecede o “O Capital” e não obedece ao seu rigor analítico. No entanto, apresenta
uma interpretação rica e detalhada das tendências do capitalismo e possui uma enorme capacidade de nos auxiliar na compreensão deste momento do capitalismo contemporâneo.
446
Aqui o nosso interesse é apresentar uma interpretação
que dê concretude à noção de “indivíduo social” de Marx num
momento no qual o capitalismo assume um desenvolvimento
sem precedentes, pois a mercadoria é realmente “cidadã do
mundo”. Ademais, o processo de globalização produtiva e
financeira, a incorporação de grandes massas populacionais
aos mercados consumidores e aos mercados de trabalho em
decorrência da expansão econômica de países como a China
e a Índia, e a conformação da firma-rede como formato organizacional dominante de firma geram impactos importantes
sobre o trabalho.
O processo de trabalho, tal como entendido por Marx, e já
superado quando da introdução da máquina que substituiu a
ferramenta, instrumento esse adequado apenas à fase manufatureira, explodiu tanto no plano espacial como organizacional.
A presença crescente da firma-rede nos diferentes mercados
consolidou a prática de cooperação entre empresas, que funciona como uma proteção contra a incerteza dos mercados,
mas também permitiu a distribuição do processo de produção
em diferentes países tanto para conceber quanto para produzir uma mercadoria. As práticas da definição de competência
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central de cada firma4, a subcontratação para a produção das
outras fases e a deslocalização industrial em busca de menores
salários, incorporando segmentos populacionais antes à margem da produção capitalista, são exemplos eloqüentes.
Para Marx o capitalismo está assentado em duas pernas:
o assalariamento e a moeda. Entretanto, ao longo de seu desenvolvimento tende sempre a negar a primeira e se apoiar
na segunda.
A tradição da economia política, desde Adam Smith, foi
de atribuir ao trabalho humano a capacidade de criação de
riqueza; mas nunca foi qualquer trabalho. Para Smith, inicialmente, era o trabalho útil que assume posteriormente a condição de trabalho produtivo, identificando quais atividades
seriam capazes de gerar excedentes e promover a acumulação. Para Marx, entretanto, a capacidade de geração de excedentes é generalizada, dependendo de uma única condição:
a de que esse trabalho (ou melhor, a força de trabalho) seja
vendida na esfera pública e, portanto, vendida a um capitalista contra um pagamento, o salário. O assalariamento é,
portanto, a base sobre a qual se ergue o capital. Até hoje essa
é a forma prevalente de inserção nos mercados de trabalho5.
A tendência de sua negação decorre do caráter contraditório
do capital, que busca incessantemente essa riqueza abstrata e
também poder de compra universal, a moeda6.
447
Para uma corrente importante entre os neoschumpeterianos, por
exemplo, a firma é um núcleo de competência e pode ser definida
meramente pelo o que ela sabe fazer. Nesse sentido, ela pode decidir
quais atividades ela não abre mão de realizar. No caso da automotiva, por exemplo, o central é a concepção do produto. Não sem razão,
a Renault intitula-se “criadora de automóveis.”
5
Ver Carleial e Azais (2007) para maiores detalhes; só como exemplo, na França, em 2005, do conjunto dos trabalhadores ocupados,
92% eram assalariados.
6
A discussão contemporânea sobre a moeda é vasta, complexa e rica.
Por exemplo, Aglietta e Orlean (1990) colocam a moeda no centro do
sistema econômico e apontam para a violência que ela representa ao
excluir os que não a detêm.
4
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O avanço do capitalismo tem ampliado o seu caráter
contraditório especialmente em decorrência das mudanças
ocorridas ocorrido nos processos de produção a partir da introdução permanente de progresso técnico, das subsequentes
revoluções tecnológicas que alteraram os processos, sua gestão e a sua dependência do trabalho vivo imediato.
448
A relação entre trabalho e tecnologia nos processos de
trabalho constitui-se também uma tradição da economia política, uma vez que a clássica produção de alfinetes de Adam
Smith já evidenciava as mudanças que a divisão do trabalho
poderia trazer em termos de ganhos de produtividade, emulação entre os trabalhadores e aprendizado. Mas não só; ali,
naquele momento, já estava claro para ele que a prática da
observação ao participar de cada etapa do processo geraria
neles uma capacidade especial de produzir instrumentos
que facilitassem o trabalho, redundando, assim, na constituição de um setor destinado só a produzir máquinas. Desde sempre a interpretação dos economistas reconhecia “um
saber” da produção que, associado à subjetividade de cada
trabalhador, produziria um dado conhecimento apropriável privadamente e retratado, primordialmente, em instrumentos e máquinas. Evidentemente, nada comparável aos
processos de trabalho atuais, beneficiados pela revolução
microeletrônica e pela convergência das tecnologias de informação e comunicação.
Assim, o avanço do capital no último século nos permite enxergar de forma mais precisa a presença determinante
do conhecimento nos processos de produção e a negação do
trabalho nestes processos, mas, ao mesmo tempo, uma generalização do trabalho abstrato. (OLIVEIRA, 2003). Tal generalização multiplica as possibilidades de extração de mais-valia
relativa e mais-valia absoluta, independentemente do quadro
institucional e do espaço territorial no qual acontece a produção. Este fato confere a sustentação do que chamaremos aqui
antitrabalhador coletivo e social, instituindo uma possibilidade efetiva de aproximação dos trabalhadores no mundo.
Essa aproximação se concretiza, preferencialmente, através
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da presença da firma-rede mundializada, a qual, por sua vez,
retrata a atual divisão internacional do trabalho.
O capítulo está organizado em três seções além desta
introdução. Na primeira parte apresentamos o conceito de
trabalhador coletivo em Marx e as pistas de sua superação
com a emergência do antitrabalhador coletivo e social. Na segunda, apresentamos as transformações sofridas pelo capitalismo especialmente no que se refere ao trabalho e à natureza
da firma. Na última seção, então, estabeleceremos a proposta
do antitrabalhador coletivo e social enquanto compreensão
possível para o “indivíduo social” proposto por Marx neste
momento do desenvolvimento do capital.
O Conceito de Trabalhador Coletivo e a sua
Superação
O conceito de trabalhador coletivo é exposto no capítulo sobre a manufatura em O Capital, de Marx, mas enquanto tendência da produção capitalista ele já estava presente a
partir da cooperação, fase predominantemente lógica de seu
pensamento na qual se instala a natureza do trabalho sob o capital como um trabalho necessariamente cooperado. Trata-se,
então, de um conceito historicamente datado: “É o trabalhador coletivo formado pela combinação de um grande número
de operários parciais que constitui o mecanismo específico do
período manufatureiro.” (MARX, 1974, p. 31).
449
A manufatura iniciou uma época estruturada a partir da
divisão do trabalho e da ferramenta que constituía o prolongamento da mão do trabalhador. A organização do trabalho
permitia a divisão das tarefas, o aperfeiçoamento das ferramentas e instituiu, por seu turno, as hierarquias das tarefas e
dos salários.
A organização do trabalho propiciou a ampliação da
mais-valia, aumento ainda limitado em função da natureza
da ferramenta. Esse período também engendrou a extensão
do assalariamento e o domínio do capital industrial. Do mes-
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mo modo preparou a passagem da subordinação formal (do
trabalho ao capital) à subordinação real. O trabalhador coletivo se tornou finalmente um conceito estreitamente ligado
ao processo de produção, ao progresso técnico, à divisão do
trabalho e à noção de trabalho cooperado em Marx.
A cada momento em que o processo de trabalho se instalava para produzir um dado valor de uso, o trabalhador coletivo devia ser estruturado. A cada mudança do processo de
trabalho era preciso renovar o trabalhador coletivo, ou seja,
os trabalhadores também reciclavam seu conhecimento e seu
savoir-faire. É verdade que esta construção é uma abstração,
mas foi concebida em relação à realidade naquele momento.
450
A importância do trabalhador coletivo – sua estruturação, a necessidade de sua estabilização em cada empresa
– pode ser atestada por várias pesquisas, principalmente após
a segunda guerra mundial. Dona-Gimenez (1979, p. 263) sustentou a hipótese segundo a qual a definição de trabalhador
coletivo para o andamento “normal” do processo de trabalho
exigia sempre uma correspondência entre as práticas de produção e as práticas de reprodução. Sobre este tema o exemplo
que pode nos interessar é o famoso caso de Ford, a partir do
five dollars a day, até o exemplo de exigência de coordenação
entre o trabalho e a vida privada.
Para Dona-Gimenez (1979, p. 266),
a unidade das práticas de produção e de reprodução
permite desenvolver a idéia que a disciplina de usina,
no sentido amplo, abrange não somente as condições nas
quais é efetuado o trabalho, mas também as condições
nas quais deve ser efetuada a reprodução da força de trabalho de forma que os membros do trabalhador coletivo
sejam capazes de recomeçar no dia seguinte e nos demais dias que virão.
Não podemos esquecer que no movimento real do capitalismo o acesso a vários meios de consumo e direitos sociais
deu origem a lutas concretas que produziram resultados diversos nos países desenvolvidos.
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A partir do momento no qual foi possível produzir a máquina e estabelecer o sistema de máquinas, no entanto, o trabalhador
coletivo, tal como inicialmente proposto, foi superado. Assim, o
próprio movimento do capital é responsável pelo surgimento do
antitrabalhador coletivo. A presença da máquina altera a posição
de comando que o trabalho tinha em sua posição anterior, na manufatura; consequentemente, “o processo de produção deixou de
ser um processo de trabalho.” (LEFEBVRE, 1980, p. 186).
O fato mais marcante é que a negação do processo de
trabalho permitiu o crescimento considerável da produtividade, tornando-se, assim, a forma mais apropriada ao desenvolvimento efetivo do capital. Assim, a forma mais apropriada é a forma negada.
Na grande indústria, ou seja, sob o modo de produção
tipicamente capitalista, a incorporação mais intensa da ciência no processo de produção criou uma situação totalmente
nova. Neste sentido, Texier (1993, p. 142) afirma que
o trabalho imediato – ou seja, o trabalho vivo e o tempo que
ele dura – tem uma importância limitada se comparado aos
efeitos produtivos do trabalho científico e de sua aplicação
tecnológica. Esta é a grande transformação qualitativa que
temos que absorver em todas suas consequências.
451
Neste momento revolucionário “o que assume o lugar
do trabalho imediato enquanto princípio determinante da
produção é o trabalho geral do conhecimento científico”. (TEXIER, 1993, p. 144). que é também uma produção histórica7 8.
Mais precisamente: “O trabalho vivo produtivo de riqueza material
é então conservado sob forma do trabalho de vigilância socialmente combinado. Por outro lado, o que é radicalmente suprimido é o
caráter decisivo do trabalho vivo na produção da riqueza material”.
(TEXIER, 1993, p. 144)
8
O domínio da ciência tem como consequência, segundo Lazzarato
e Negri (1991), por exemplo, o desenvolvimento de dois tipos de trabalho: o imaterial e o material. Para nós, esta interpretação abstrai a
importância do trabalho cooperado na sociedade e a ligação entre todos os tipos de trabalho. A unidade de trabalho comanda esta fase do
capital, ou seja, o antitrabalhador coletivo comanda este período.
7
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Mas, qual seria, então, o lugar atribuído ao trabalho imediato, segundo Marx? O trabalho do operário é reduzido “a uma
simples abstração”9. A tendência imposta pela concorrência no
nível dos capitais particulares evidencia processos de produção automatizados, informatizados, cientificizados. O trabalho
imediato (vivo) é, então, deslocado de sua posição anterior de
comando do processo e de base única da riqueza; no entanto,
continua sendo um momento imprescindível da produção. Por
outro lado, se a ciência desloca o trabalho imediato do processo
de produção, ela o redistribui em toda a sociedade, ao mesmo
tempo em que suscita a emergência de novas atividades10.
452
Para recapitular o argumento desenvolvido até aqui:
o desenvolvimento do capital e a exigência de valorização
engendram uma nova força produtiva, a ciência (o conhecimento científico) que, por sua vez, nega o trabalho imediato.
Assim, o capital recorre à tecnologia e à ciência como intermediários necessários à sua própria valorização sob a forma
de dinheiro.
A passagem referida dos Grundrisse, mencionada acima, coloca em evidência a mais forte negação do trabalho no
capitalismo. Essa mudança afeta de forma radical a realidade
no mundo do trabalho e a nossa capacidade de interpretálo e dominá-lo analiticamente. Ficam misturadas e confusas
as noções de trabalho produtivo e improdutivo, de trabalho
formal e informal, de trabalho material e imaterial etc. O mais
importante, entretanto, é o fato de que do ponto de vista da
apropriação dos valores produzidos e criados não interessa
mais de que trabalho se trata. Ganha, então, concretude a generalização do trabalho abstrato.
À fase de domínio da acumulação à escala financeira,
que representa o desenvolvimento mais intenso da moeda,
corresponde o antitrabalhador coletivo, ou seja, o trabalho
negado, desvalorizado.
Lefebvre (1980, p. 186).
Nesta passagem já se insinua que qualquer trabalho conta, ou seja,
pode ser apropriável.
9
10
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Pelo desenvolvimento das próprias forças produtivas o
capitalismo chegou a uma fronteira na qual o assalariamento continua a forma prevalente de inserção nos mercados
de trabalho. O trabalho é negado nos processos de trabalho
e reposicionado na sociedade, a incorporação de trabalhadores na produção da mercadoria mundializada independe
do território, das diferentes regulações e condições de vida
entre eles, negando o clássico trabalhador coletivo. Instituiu-se, assim, uma relação específica entre conhecimento,
exploração e financeirização, representada aqui pelo antitrabalhador coletivo, síntese do trabalho cooperado e fortemente diferenciado nesta fase do capitalismo. Vejamos este
argumento mais de perto.
As Tendências Relevantes do Desenvolvimento
Recente do Capitalismo11
O modo capitalista de produção repousa sobre a propriedade privada dos meios de produção postos em ação pela
força de trabalho, a qual, organizada de acordo com a divisão
do trabalho vigente, vai gerar mercadorias e/ou serviços. Tais
mercadorias e serviços, se vendidos, possibilitarão a realização de valor acrescido que será apropriado privadamente.
453
A firma emerge ao longo do desenvolvimento capitalista exatamente como um formato de organizar a produção e o
trabalho com o fim de produzir bens e/ou serviços. Os movimentos de concentração e centralização de capitais impõem
a introdução do progresso técnico, alteram a natureza e a organização do trabalho, ampliam as escalas de produção das
Esta seção aborda as tendências relevantes do capitalismo contemporâneo. Aqui lançamos mão de deferentes correntes de pensamento para ilustrar este período. Como é sabido, a análise desenvolvida
por Marx aborda unicamente o movimento mais geral do capital; a
nossa análise, porém, exige a inclusão dos movimentos efetivados
pelos capitais em particular, ou seja, o movimento efetivo do capital
imposto pela concorrência. Daí por que a análise incorpora diferentes abordagens teóricas.
11
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firmas, alterando a sua forma de organização e de propriedade através das sociedades anônimas, sofisticam os mercados
financeiros, buscando assim reagir às diferentes expressões
da concorrência intercapitalista. As mudanças nos formatos
organizacionais das firmas procuram reduzir a grande incerteza que as ronda e dificulta seus planos, defendendo-as da
ação dos mercados.
454
Para essa contribuição é importante demonstrar que a firma atual se organiza sob a forma de firma-rede, mundializada,
e também expressão da divisão internacional do trabalho. A
constituição da firma-rede ocorre na esteira das transformações geradas pela crise dos anos setenta do século passado. Ao
mesmo tempo em que a ciência se impunha como força produtiva, as empresas viveram um forte ajustamento para superar
a queda da rentabilidade e da produtividade. O acordo que
emergiu exigiu uma nova forma de organizar a firma; a pressão da concorrência intercapitalista e as exigências do consumidor num mundo globalizado impuseram novas regras.
A grande empresa, enquanto tendência dominante, foi
então substituída por um modelo mais leve, a firma-rede. Da
subcontratação clássica (ALTHERSON, 1997) ao co-desenvolvimento (LAIGLE, 1996), existem muitas maneiras de dividir o
trabalho entre empresas num mesmo lugar, num mesmo país,
numa mesma região, ou ainda no nível mundial. Esse formato
organizacional possui três elementos centrais: a descentralização voltada para o mercado, a forma contratual que permite
uma enorme lista de relações diversificadas (formas jurídicas,
estilos, hierarquias, ocupações, territórios, países etc.) e o caráter plurifuncional entre as unidades que trabalham em rede.
O caráter dominante da firma-rede é atestado por diferentes pesquisas teóricas e empíricas. Boutiller (2005), numa
análise de mudança social, estuda a evolução das firmas no
longo prazo, desde a formatação inicial de Marx, para quem
cada capital particular constitui parte alíquota da massa de
capital em movimento e considera o dono do dinheiro que
circula como capital seu proprietário. A autora considera nesse percurso Schumpeter (1976) e o empresário inovador, en-
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quanto figura capaz de romper com o fluxo circular da renda
através da introdução de novas combinações que podem ser
novos produtos, novos mercados, novos materiais ou novo
formato organizacional. Esse empresário tem por função convencer ao banqueiro de lhe conceder crédito, transformandose, assim, no motor do desenvolvimento.
Já em 1942, a interpretação de Schumpeter (1979) vai
substituir o indivíduo pela grande empresa e a sociedade por
ações substitui o proprietário individual. Em seguida, Galbraith (1978) vai identificar na grande empresa que planeja
o mercado mundial a substituição do empresário por uma
tecno-estrutura que separa acionistas e administradores ou
gestores do capital e uma aproximação entre essas empresas
e o Estado. Boutiller (2005) considera, finalmente, que a firma
atual, a firma-rede busca exatamente compensar as tendências de burocratização instaladas no passado e tornar-se mais
horizontal e mais flexível.
Faber; Jorna e Van Engelen (2005), numa análise que privilegia a perspectiva organizacional e de gestão das firmas,
propõem uma classificação que articula desenvolvimento dos
mercados, tecnologia e competição para definir não a firma
ideal, mas identificar a imagem do que a firma está desejando
ser. (Quadro 1). Faber; Jorna e Van Engelen (2005) utilizam
uma tipologia produzida dos teóricos Bolwijn e Kumpe para
o período de 1960 a 1990 e complementam esse quadro até os
anos 2000.
Décadas
“conceito” de firma
1960
1970
1980
1990
2000
Eficiente
Qualidade
Flexível
Inovativa
Conhecimento
455
Quadro 1 – Evolução do “Conceito” de Firma
Fonte: Faber; Jorna e Van Engelen (2005).
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Na década de 60 do século passado os mercados exigiam
das firmas produtos a baixo custo. A ênfase, então, era na hierarquia e especialização. Já nos anos 70 do mesmo século o modelo de firma esteve centrado na qualidade e a ênfase, então,
era nos aspectos de comunicação e cooperação. Nos anos oitenta, o modelo era da firma flexível cujo foco se fazia então na
integração e descentralização da produção. A firma inovativa
emerge nos anos noventa, centrando as suas atenções na participação e democratização. Certamente a base dessa tipologia
é evolucionária. Cada fase estabelece as bases do modelo seguinte. Assim, o modelo caminha em direção à constituição da
firma centrada no “conhecimento” ou knowledge firm.
456
Do ponto de vista empírico, Veltz (2000) e Zarifian
(1999) estudam o comportamento das firmas-rede no setor
de telecomunicações, bancos e eletrônica. A indústria automobilística12, por sua vez, é o exemplo recente mais eloqüente de uma intrincada firma-rede que se espalha pelo mundo levando consigo fornecedores e parceiros identificados
como fazendo parte de uma rede mundial de produtores,
cuja qualidade central é exatamente ser confiável enquanto
fornecedor mundial13.
Neste movimento mais recente ganha força a ampliação
do Investimento Direto Estrangeiro (IDE), o qual, até os anos
noventa do século passado tinha se restringido à chamada
tríade: Europa, Estados Unidos e Japão. A partir dos anos noventa, entretanto, alteraram a rota para incluir a América Latina, a Ásia e a Europa Oriental, constituindo, finalmente, as
firmas-rede mundializadas. De acordo com a United Nations
Conference on Trade and Development (UNCTAD), em 2000 haviam 63.212 sociedades-mães multinacionais localizadas em
47 países de origem controlando 821.818 filiais estrangeiras
Ver a este respeito Pries (1998) e Humprey e Salerno (1998).
O caso brasileiro é exemplo enquanto sede de experimentos organizacionais inovadores na rede automobilística. Aqui as empresas
montadoras adotaram a concepção de pólos, condomínios industriais e de consórcio modular. Ver Carleial; Meza e Neves (2001b).
12
13
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em 175 países hospedeiros. Em 1977, tais indicadores eram:
11000 sociedades-mães com 82.000 filiais estrangeiras.
Este é o resultado das fusões e aquisições internacionais que cresceram significativamente intensificando o comércio internacional intrafirmas, que chega a atingir um
terço das trocas internacionais, sendo que outro terço se
faz entre as empresas-mãe e seus fornecedores. (VELTZ,
2000). Este fato certamente acelera a troca de informações
sobre novos procedimentos, novos produtos e novas formas de gestão do trabalho.
A dominância do conhecimento na organização da firma indica a diversificação de seus ativos, bem como de suas
fontes de renda. Algumas vezes escamoteado como capital
fixo, o conhecimento vai se consolidar como um ativo cujo
direito de uso pode ou não ser vendido, não como se vende
uma máquina, mas para mera utilização por um dado período de tempo contra um pagamento.
Durante os últimos vinte anos a produção dos neoschumpterianos tem logrado evidenciar a relevância dos processos de aprendizado enquanto elemento central da trajetória das firmas; aprendizados decorrentes não só de saberes
codificáveis como também de saberes e práticas subjetivas e
conhecimentos tácitos não codificáveis14.
457
No âmbito interno das firmas a gestão do trabalho alterou-se para centrar-se no trabalho em grupo, que busca
ampliar a produtividade e, ainda, obter um controle coletivo
do trabalho, não personificado no gerente (ou gestor), mesmo que a avaliação de cada trabalhador continue individualizada e medida por diferentes (e quase obscuros) modelos
de avaliação de competência15. A introdução de novas tecnologias e de novos padrões organizacionais nos processos
de produção associadas à subjetividade de cada trabalhador
tem ampliado a possibilidade de apropriação privada do conhecimento ali gerado.
14
15
Dosi (1984) e Dosi et al. (1988).
Zarifian (1999) e Hirata (1998).
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458
O conjunto dos resultados empíricos disponíveis sobre
esse aspecto indicam, cada vez mais, que as novas regras de
controle e as exigências de gestão exercem seu poder de forma
decisiva sobre o trabalhador, cobrando mais responsabilidade,
competência e performance. Gaulejac (2005) apresenta uma
análise detalhada da natureza atual da gestão contemporânea
do trabalho com ênfase na crescente responsabilização de trabalhadores, executivos e gerentes nos resultados obtidos pela
empresa, mas num processo, digamos, de mão única, ou seja, a
cooperação é para a obtenção do resultado para a firma.
Do ponto de vista ainda da organização do trabalho, a
presença da ciência nesses processos aqui descritos apresenta uma diferença qualitativa em relação à fase da grande indústria. Não se trata apenas de conhecimento incorporado na
máquina, sob a forma de capital fixo, mas também de uma
organização pensada cientificamente que interliga máquinas,
trabalhadores, gerências, planejamento, controle e avaliação de
resultados pensados cientificamente para cada unidade produtiva que compõe a firma-rede em qualquer parte do mundo.
Do mesmo modo alteraram-se as formas de remuneração.
Nem sempre ao trabalho corresponde um salário. Os trabalhadores podem ser pagos mediante ações da própria empresa em
que trabalha ou de alguma empresa do grupo (sim, porque a
centralização de capitais no período foi significativa!), por conta de poupança ou, ainda, por participação nos lucros.
Assim, da discussão até aqui apresentada é possível estabelecer uma comparação entre o modelo de firma mais desenvolvida apresentada por Marx e aquela que passaremos a
chamar de firma hipermoderna16, a firma-rede. (Quadro 2).
16
A qualificação “hipermoderna” foi apropriada de Castel (2005) em
seu artigo sobre o indivíduo hipermoderno. Tal qualificação explicita o
entendimento de que estamos ainda na modernidade, mas numa fase
muito específica na qual o trabalho assalariado é a forma prevalente de
inserção nos diferentes mercados de trabalho e a exploração da força
de trabalho é exponencial. Este momento é o resultado da conjugação
de duas razões centrais: a perda relativa da força dos trabalhadores em
relação aos capitalistas, e a implementação de uma base material mais
complexa na qual as máquinas e o desenvolvimento mais intenso do
conhecimento jogam um papel único, negando assim qualquer semelhança com o desenvolvimento do capitalismo cognitivo.
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A firma organizada segundo a
concepção da grande indústria:
centrada no proprietário.
A firma hipermoderna (a firma-rede):
empresa coletiva, preferencialmente
uma sociedade por ações, sob o domínio do conhecimento.
Características centrais:
Caracterísitcas centrais:
•
a geração de valor
•
a geração de valor excedente
através da utilização da força
excedente através da
de trabalho dentro e fora
utilização da força de
dos processos produtivos
trabalho;
•
o valor é uma condipróprios à firma;
•
o valor não é mais capaz de
ção prévia aos preços;
reger os preços(Prado, 2004) ;
•
o valor é regido pelo
•
obtenção de renda pela via
tempo de trabalho socialmente necessário.
financeira, tout court;
•
obtenção de renda pela
transferência de tecnologias,
conhecimento e serviços tecnológicos, ou seja, pela venda
de ativos tecnológicos;
•
obtenção de renda em decorrência da redução de custos
originários da prática da
subcontratação;
•
obtenção de renda em decorrência da deslocalização de
plantas.
459
Quadro 2 – Firma Centrada no Proprietário e Firma-Rede (Hipermoderna): Organização e Fontes de Renda
Fonte: Elaboração Própria da Autora.
O lado esquerdo do quadro acima evidencia o núcleo
central da firma típica de um período histórico do capitalismo,
retratado especialmente no capítulo sobre a Grande Indústria
em O capital, no qual o tempo de trabalho socialmente necessário regula o valor (trabalho) que, por sua vez, é subjacente
aos preços de produção. Neste caso, a relação entre acumulação e exploração do trabalho é direta, sendo, portanto, essa a
única fonte de excedente gerado na produção.
O lado direito do quadro retrata a natureza da firmarede (hipermoderna) inspirada pela interpretação de Marx
nos Grundrisse, a qual decorre da substituição do trabalho
pelo conhecimento enquanto força produtiva, reduzindo o
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trabalho do operário a uma “pura abstração” e transformando o processo de trabalho em processo de produção17.
Neste caso procurou-se identificar todas as transformações recentes do padrão de firma, diversificando suas fontes
de rendimento e multiplicando as formas de obtenção de
rendas. Admitimos, então, que a presença mais acentuada
do conhecimento nos processos de produção, concomitante
com a financeirização, tem propiciado a constituição de uma
relação própria entre-conhecimento exploração do trabalho
e financeirização. Neste sentido o formato de exploração
do trabalho mantém as formas clássicas de apropriação da
mais-valia absoluta e relativa, ou seja, ampliando jornada de
trabalho, ganhos de produtividade cada vez menos mensuráveis adequadamente18, intensificando trabalho, mas, também,
lançando mão das vantagens das mudanças organizacionais
ocorridas na firma e, ainda, do novo padrão de divisão internacional do trabalho.
460
A pista central que esta análise expõe é que o formato de
firma-rede e as práticas de subcontratação e de deslocalização
produtiva e industrial permitem que essa firma se constitua
num núcleo de contratos. Assim, ela pode dominar e extrair
excedentes de trabalhadores regidos por diferentes regulamentações do trabalho se compararmos, por exemplo, Brasil
e França, ou mesmo os Estados Unidos e a China; e ainda de
trabalhadores não protegidos por qualquer regulamentação,
ou seja, os trabalhadores informais.
Do mesmo modo, extrai excedentes de trabalhadores
com diferentes participações no processo de produção, desde
aqueles que concebem e desenvolvem os produtos até aqueles que simplesmente fazem a montagem (aqui os exemplos
A relação entre mundialização e processo de produção, do ponto
de vista teórico, pode ser vista em Lautier (1998).
18
Veltz (2000) aborda a crise teórica do conceito valor-tempo, bem
como do conceito de produtividade; para esse autor é impossível
hoje uma mensuração adequada da produtividade, uma vez que o
tempo de trabalho invadiu praticamente todo o tempo de vida.
17
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são incontáveis: Nike, Dell, Benetton, toda a rede automobilística deslocada para a América Latina, a confecção deslocada para a Tailândia, China, México, Indonésia, entre outros)
ou, ainda, daqueles trabalhadores que prestam serviços aos
consumidores do mundo em desenvolvimento, mas estão localizados territorialmente na periferia do capitalismo, como é
o caso dos trabalhadores dos serviços de call centers, especialmente para cartões de crédito. (ROSENFIELD, 2007).
Para Prado (2004, p. 12), nesta fase o momento racional do capitalismo é deixado para trás, uma vez que deixa
de existir a adequação entre forças produtivas e relação de
produção:
[...] as relações sociais capitalistas baseadas na propriedade dos meios de produção e na apropriação da maisvalia entram em contradição explosiva com as forças produtivas quantitativa e qualitativamente transformadas.
Pois estas forças produtivas imensamente poderosas não
dependem mais, crucialmente, do tempo de trabalho,
mas sim de uma compreensão científica e tecnológica da
natureza que Marx designou denominar de inteligência
coletiva (general intellect).
461
Para os objetivos deste capítulo é importante remarcar
que é o conhecimento como produto histórico e força produtiva que vai incitar, produzir e reiterar um formato de trabalho cooperado para além da firma.
Estamos, então, diante de uma mercadoria mundializada, mas o conhecimento que permite a sua concepção, desenvolvimento e produção é restrito geograficamente, salvo se
for possível pagar por ele; a moeda, por sua vez, é acessível
por diferentes meios, segundo os modelos de desenvolvimento de cada país. Para alguns, a moeda é obtida mediante a
exportação de produtos; para outros através da titularização
das dívidas dos Estados Nacionais ou, ainda, de uma maior
inserção dos mercados financeiros mundializados.
O trabalho, por sua vez, é territorializado, ou seja, apesar da mundialização cabe a cada país gerir o seu mercado
de trabalho e a sua política social. E, finalmente, o trabalho
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abstrato se generaliza. A generalização do trabalho abstrato
significa que a apropriação dos excedentes gerados ocorre
independente do território, das diferentes legislações que
regem o trabalho e das condições de trabalho vigentes em
cada país.
Estamos, então, diante de uma forma de generalização
do trabalho abstrato (OLIVEIRA, 2003) para além do setor de
atividade econômica, de sua localização no mapa produtivo
mundial, da natureza das diferentes relações salariais ou da
existência ou não de um contrato de trabalho. Instala-se, assim, um tipo de trabalho cooperado no âmbito da produção
capitalista, viabilizada, fundamentalmente, pela presença da
firma-rede mundializada.
462
Este parece ser o formato adequado para o trabalho
nesta fase do desenvolvimento capitalista retratado por uma
mais intensa integração internacional dos mercados de bens e
o financeiro, produzindo mercados de trabalho cada vez mais
fragilizados pelo lento crescimento econômico, pela perda de
poder político dos sindicatos, pelo ataque sistemático aos
modelos de Estado de Bem-Estar no mundo desenvolvido e,
ainda, pela quase impossibilidade de sua implementação nos
países subdesenvolvidos. Na realidade, ao lado de um claro
movimento de globalização produtiva e financeira, assiste-se
também a uma espécie de concorrência entre os modelos de
Estado Social entre diferentes blocos de países, cada um buscando ser o mais atraente possível para sediar novos investimentos, ameaçados cada vez mais pelo poder sedutor das
condições chinesas de produção.
Todo esse processo ancora-se fortemente numa transformação tecnológica importante: a microeletrônica, que permitiu a convergência das tecnologias de comunicação e informação, invadindo os diferentes setores da atividade econômica,
transformando o formato de firma e de gestão do trabalho,
retratando cada vez mais a dominância da ciência nos processos produtivos.
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O Antitrabalhador Coletivo e Social como Antecedente do “Indivíduo Social” em Marx
O desenvolvimento capitalista se faz permanentemente
através das contradições entre as relações sociais de produção e o desenvolvimento de suas forças produtivas. A análise
apresentada na seção anterior evidenciou os elementos centrais que expressam o momento mais recente desse desenvolvimento: a dominância do conhecimento e a centralidade da
moeda, representada pela intensa financeirização dos últimos
anos numa escala mundial.
Esse desenvolvimento produziu mudanças importantes na natureza da firma e do trabalho, engendrando uma
relação própria entre conhecimento, exploração do trabalho
e financeirização.
No centro dessa fase encontra-se a firma-rede enquanto
formato adequado às exigências da concorrência intercapitalista. Em primeiro lugar, porque, contraditoriamente, constitui-se uma estratégia redutora dessa mesma concorrência ao
construir mercados próprios, fornecedores próprios, estabelecendo relações de compra e venda em condições privilegiadas, ou seja, protegidas do mercado. Em segundo lugar, porque a aproximação entre capital industrial e capital financeiro
acentuou-se, constituindo-se mercados financeiros também
preferenciais. Em terceiro lugar, o padrão científico e tecnológico dos processos de produção das firmas-rede e de seus
fornecedores e sistemistas é muito próximo, pois tal relação
é regulada institucionalmente através de padrões de qualidade e controle rigidamente construídos e vigilantemente perseguidos. Em quarto lugar, a firma-rede é mundializada, ou
seja, ela retrata a divisão internacional do trabalho vigente.
463
A firma-rede também evidencia a profunda diferenciação que há entre países e blocos de países no que se refere ao
acesso à tecnologia e informação. Finalmente, por ser também
um núcleo de contratos, a firma-rede viabiliza a produção
de um mesmo bem e/ou serviço por trabalhadores regidos
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por distintas regulamentações do trabalho ou sem qualquer
proteção social. A firma-rede, a nosso ver, é o exemplo mais
preciso que temos da capacidade de “apropriação da força
produtiva geral” do trabalho.
Por outro lado, a firma-rede produz também uma aproximação entre os trabalhadores de diferentes países, formações, práticas profissionais e inserções sociais, uma vez que
mesmo regido por legislações sociais distintas, eles manipulam o mesmo produto, utilizam o mesmo software, trocam informações sobre estoques, práticas produtivas e organizacionais num processo que pode vir a ser de desfetichização das
condições de produção, trabalho e vida.
464
Foi a esse processo que chamamos de generalização do
trabalho abstrato; nesse sentido qualquer trabalho conta e
pode ser apropriável pelo capital, pois está interligado numa
cadeia de produção sistematizada e coerente. Este processo
é absolutamente consistente com a prevalência do assalariamento enquanto forma de inserção nos mercados de trabalho.
Estamos diante de um dado formato de trabalho cooperado
que transcende a uma firma, a uma região ou a um país. Certamente, esse é um momento do desenvolvimento do capital
cujas regras e medidas evaporam-se.
Ganha extrema importância, então, a contribuição de
Marx nos Grundrisse. Na passagem que originou este capítulo, ele expõe aspectos que já são reais no capitalismo
contemporâneo, como o papel do conhecimento científico
enquanto força produtiva. No entanto, o “indivíduo social”
ainda é uma potencialidade. Este descompasso decorre do
fato de que o revolucionário desenvolvimento das forças
produtivas encontra-se impossibilitado de produzir todos
os efeitos possíveis, limitado que está pela apropriação privada de seus resultados.
Neste sentido, “o indivíduo social” proposto por Marx
deve pertencer a uma formação social mais desenvolvida. O
que de fato temos é o antitrabalhador coletivo e social. Antitrabalhador coletivo, pois foi gestado pelas condições de pro-
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dução que superaram a manufatura e o seu trabalhador coletivo. Antitrabalhador coletivo e social, pois incorpora todo e
qualquer trabalho produzido pela sociedade.
Esta figura é um indicador da permanência do trabalho
cooperado nesta fase do desenvolvimento capitalista. Fiel à
natureza do capital, o anti-trabalhador coletivo e social resulta de modificações nos processos de produção decorrentes da
incessante incorporação do progresso técnico e ancora-se na
expressão atual da divisão internacional do trabalho, a firmarede. É também a forma adequada para o trabalho neste momento do capital.
O antitrabalhador coletivo e social é “uma unidade”
formada pelos trabalhadores ligados à ciência, produtores
de conhecimento, trabalhadores industriais, trabalhadores
da grande e da pequena empresa, trabalhadores de uma firma-mãe ou de uma firma subcontratada/terceirizada, trabalhadores de todos os países (desenvolvidos ou não), trabalhadores ocasionais, a tempo parcial, a domicílio e, ainda, os
desempregados.
465
Como o próprio Marx afirmou, uma formação social jamais desaparece antes que sejam desenvolvidas todas as suas
forças produtivas. Neste sentido, o antitrabalhador coletivo e
social, mesmo sendo produto do desenvolvimento histórico
do capital, pode ser também uma “pista” para se pensar para
além dele.
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