acórdão nº 4554 - Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal

Transcrição

acórdão nº 4554 - Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal
Publicado no Diário da Justiça Eletrônico de
25 de 11 de 2011, fls. 02/03
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO DISTRITO FEDERAL
ACÓRDÃO Nº 4554
Classe
Num. Processo
Autor
Réu
Advogado
Relator
:
:
:
:
:
:
4 – Ação Penal
3366-97
Ministério Público Eleitoral
Edmilson Marçal Passos
Dr. Erich Endrillo Santos Simas – OAB/DF nº 15.853
Desembargador Eleitoral Josaphá Francisco dos Santos
EMENTA
AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA – CRIMES DE BOCA DE URNA E
DESOBEDIÊNCIA SUPOSTAMENTE PRATICADOS POR
PROMOTOR DE JUSTIÇA DO MPDFT – COMPETÊNCIA DO
TRE/DF – PRESENÇA DOS INDÍCIOS DE AUTORIA E
MATERIALIDADE – DENÚNCIA RECEBIDA.
1. Compete ao TRE/DF processar e julgar crime eleitoral
praticado por Promotor de Justiça do MPDFT.
2. Deve ser recebida a denúncia, pois presentes os indícios de
materialidade e de autoria dos delitos imputados (boca de urna
e desobediência), sendo que foram satisfeitos os requisitos do
art. 41 do CPP.
3. Denúncia recebida.
Acordam os desembargadores eleitorais do TRIBUNAL
REGIONAL ELEITORAL DO DISTRITO FEDERAL, JOSAPHÁ FRANCISCO DOS
SANTOS - relator, NILSONI DE FREITAS CUSTÓDIO, JOÃO BATISTA TEIXEIRA,
MARIO MACHADO, MARCOS LUÍS BORGES DE RESENDE e HILTON QUEIROZ
- vogais, em receber a denúncia, nos termos do voto do relator. Decisão UNÂNIME,
de acordo com a ata do julgamento e as notas taquigráficas.
Brasília (DF), em 23 de novembro de 2011.
Desembargador Eleitoral JOÃO MARIOSI
Presidente
Desembargador Eleitoral JOSAPHÁ FRANCISCO DOS SANTOS
Relator
RENATO BRILL DE GOES
Procurador Regional Eleitoral
Acórdão nº 4554 (Ação Penal nº 3366-97)
RELATÓRIO
O Ministério Público Eleitoral apresentou proposta de transação
penal em face de Edmilson Marçal Passos, Promotor de Justiça do MPDFT, que, no
dia 05/10/2008, data em que ocorreu o 1º turno da eleição municipal de 2008, teria
praticado os crimes previstos no art. 39, § 5º, II, in fine, e III da Lei 9.504/97 (boca de
urna) e no art. 347 do Código Eleitoral (desobediência), na Escola Estadual de Novo
Gama – Goiás, requerendo que fosse recebida a denúncia caso se frustrasse a
aplicação do benefício despenalizador. Eis o teor da peça acusatória:
“No dia 05 de outubro de 2008, dia do primeiro turno das eleições
municipais, por volta das 08:30 horas, em frente à Escola Estadual
do Novo Gama, onde se situa o Colégio Estadual do Novo Gama,
segundo local de maior votação com 14 seções eleitorais e 5.164
eleitores, na cidade do Novo Gama-GO, o requerido EDMILSON
MARÇAL PASSOS, de posse do veículo Mercedez Benz Classe A
160, placa JGA 4623- Brasília-DF, de propriedade de seu irmão
ENIO MARÇAL PASSOS (fls. 128), candidato à (sic) vereador no
referido município no aludido pleito (Reg. nº 25.515), estacionou
referido veículo que estava totalmente plotado e adesivado com
propaganda eleitoral ostensiva de seu irmão e do candidato a
Prefeito Municipal José Santos Ramos nº 25, deixando-o por longo
período em frente ao referido local de votação, visando a divulgação
dos referidos candidatos perante os eleitores daquelas seções
eleitorais ali existentes.
Com efeito, o Promotor de Justiça EDMILSON MARÇAL PASSOS
agiu com a vontade livre e consciente de praticar propaganda de
boca-de-urna, mediante a veiculação, em via pública, por meio de
elemento móvel (automóvel M. Benz Classe A 160), mas utilizado de
forma fixa, estacionado, por longo período, em frente à Escola
Estadual do Novo Gama, de propriedade de seu irmão ENIO
MARÇAL PASSOS, candidato a vereador, e do candidato a prefeito
municipal JOSÉ SANTOS RAMOS, já que o referido automóvel
estava todo adesivado e plotado, conforme se depreende das
fotografias acostadas às fls. 43/44 e 129 dos autos do processo
administrativo em anexo.
De fato, referida propaganda eleitoral criminosa praticada pelo
requerido fora constatada in loco tanto pela Promotora Eleitoral do
Novo Gama, Dra. Vanessa Goulart Barbosa, quanto pela MM. Juíza
Eleitoral Polliana Passos Carvalho, haja vista que estas estavam
promovendo visita de fiscalização nos locais de votação, quando
constataram que vários veículos com propagadas ostensivas foram
estrategicamente estacionados próximos à referida Escola Estadual,
dentre eles o de posse do requerido, oportunidade em que a MM.
Juíza Eleitoral determinou aos policiais militares 3ºSGT.PM Jailson
Paiva Ferreira e SD. PM Marciel que removessem todos aqueles
veículos, sendo que em seguida ingressou juntamente com a
Promotora Eleitoral para dentro do colégio eleitoral.
Assim, passaram os aludidos policiais militares a cumprirem a ordem
judicial de remoção dos veículos em questão, oportunidade em que,
com o auxílio de um guincho requisitado, apreenderam um ônibus e
um opala diplomata, conforme fotos de fls. 129 e TCO de fls. 05/09.
Após estes automóveis, os policiais passaram a remover o veículo
Classe A de posse do requerido, que estava estacionado exatamente
2
Acórdão nº 4554 (Ação Penal nº 3366-97)
em frente à Escola Estadual do Novo Gama, oportunidade em que
aquele apareceu indagando sobre a apreensão, apresentando-se
como Promotor de Justiça do MPDFT, e opondo-se à apreensão do
veículo.
Nesse momento, avisado pelos policiais da situação, compareceram
novamente ao local, a MM. Juíza Eleitoral e a Dra. Promotora de
Justiça, quando explicaram ao requerido que o veículo estava sendo
apreendido ante a prática do delito previsto no art. 39, § 5º, inc. III, da
Lei nº 9.504/97, o que foi contra-argumentado pelo requerido, tendo
inclusive, dito que referido veículo não poderia ser guinchado pois ele
era Promotor de Justiça no Distrito Federal.
Após tal diálogo e respectivas explicações, a MM. Juíza Eleitoral
reiterou a ordem de remoção do veículo do requerido, estando este
ciente expressa, direta e pessoalmente, da referida ordem judicial,
oportunidade em que a autoridade judicial ingressou novamente,
juntamente com a promotora eleitoral, para o interior da Escola
Estadual visando dar continuidade à inspeção nas seções eleitorais.
Quando estava no interior da escola, chegou a notícia, por meio de
um dos policiais militares, de que o requerido EDMILSON MARÇAL
PASSOS entrou no veículo e, mesmo após ordenado para que
saísse, tentou evadir-se dando marcha-à-ré, porém seu automóvel já
estava preso com o cabo de aço do guincho. Assim, a MM. Juíza
Eleitoral reiterou a determinação de apreensão do veículo e que se
houvesse resistência por parte do requerido fosse ele conduzido à
delegacia para os procedimentos cabíveis.
Depreende-se o dolo na conduta do requerido, haja vista que mesmo
diante da ordem direta e expressa da autoridade judicial de
apreensão do veiculo em seu poder, a ela o requerido EDMILSON se
opôs, embaraçando a sua execução por parte dos policiais militares,
seja adentrando ao carro, conforme narrado, resistindo ao
cumprimento da ordem, seja, após retirado com uso de força física
pelos policiais da guarnição do GPT, subindo em cima do carro
iniciando um ‘discurso dizendo que a Polícia Militar e a Juíza Eleitoral
estavam do lado da Prefeita, ‘comiam na mão da Prefeita’, e disse
‘isso aqui tem que mudar, e é a partir de hoje’, incitando a população
a votar no candidato a Prefeito Municipal José Santos Ramos, que é
oposição à Prefeita’ (fls. 39), oportunidade em que, face o tumulto
causado, comprometendo e prejudicando os trabalhos eleitorais, a
MM. Juíza Eleitoral determinou, por telefone, já que se encontrava
em outro local de votação, sua condução à delegacia de polícia.
Assim agindo, o requerido incorreu nas sanções do art. 39, § 5º,
incisos II, in fine, e III, da Lei nº 9.504/97, e art. 347 do Código
Eleitoral c.c. art. 69 do Código Penal.”
Foram realizados todos os esforços no sentido de intimar
pessoalmente, em todos os endereços constantes dos autos, para que pudesse ser
oportunizada a transação penal, nos moldes ofertados pela d. Procuradoria Regional
Eleitoral. Procedeu-se, inclusive, intimação por hora certa, mas o autor do fato não
compareceu à audiência designada (fl. 246).
Em seguida, em observância ao rito previsto na Lei 8.038/90,
tentou-se realizar a notificação pessoal, mas o Sr. Edmilson Marçal Passos se
esquivou. Embora tenha sido notificado por hora certa, não apresentou resposta e
nem constituiu advogado (fl. 292).
3
Acórdão nº 4554 (Ação Penal nº 3366-97)
Em razão disso, nomeei o Dr. Erich Endrillo Santos Simas –
OAB/DF 15853 como defensor dativo (fl. 300), que apresentou resposta, alegando
que: 1) “o réu procurou justificar a sua conduta às autoridades, aduzindo que
estacionar um veículo adesivado em frente à seção eleitoral não seria, per si, uma
boca de urna, haja vista que o artigo 70 da Resolução nº 22.718/TSE, permite o uso
de adesivos em veículos particulares, no dia das eleições; 2) o réu não estaria
utilizando o veículo como instrumento de propaganda eleitoral e nem tentando
captar votos, mas apenas estaria exercendo seu direito de votar, pois sua seção
eleitoral se encontrava no local do fato.
Trouxe o feito para deliberação quanto ao recebimento da
denúncia, sendo esse o procedimento previsto no art. 6º da Lei 8.038/90 quando se
tratar, como de fato se trata, de ação penal originária.
É o relatório.
VOTOS
O Senhor Desembargador Eleitoral JOSAPHÁ FRANCISCO
DOS SANTOS - relator:
Inicialmente, deve ser ressaltada a competência deste Tribunal
para processar e julgar os crimes eleitorais praticados por Promotor de Justiça do
MPDFT.
Dispõe o art. 108, I, “a”, da CF1, que compete aos Tribunais
Regionais Federais processar e julgar nos crimes comuns e nos de responsabilidade
os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça
Eleitoral.
No caso, o denunciado é membro do MPDFT, que integra,
segundo o art. 128, I, “d” da CF, o Ministério Público da União.
Sobre a competência das Cortes Regionais Eleitorais para
processar ação penal originária instaurada contra membro de Ministério Público
vinculado à respectiva jurisdição, anoto o seguinte precedente do TRE-GO:
“INQUÉRITO POLICIAL. AGENTE SEM PRERROGATIVA DE
FORO. DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA.
I - Compete aos juízes eleitorais processar e julgar os crimes
eleitorais e os comuns que lhes forem conexos, ressalvada a
competência originária do Tribunal Superior e dos Tribunais
Regionais.
II - Não tendo o delito sido cometido por Juiz Eleitoral, Promotor
Eleitoral, Deputado Estadual, Secretário de Estado ou Prefeito
Municipal, sujeitos a jurisdição desta Corte, há de se declinar da
1
Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:
I - processar e julgar, originariamente:
a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do
Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União,
ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;
4
Acórdão nº 4554 (Ação Penal nº 3366-97)
competência em favor do juízo de primeiro grau nos termos do
artigo 35, inciso II, do Código Eleitoral.
III - Remessa dos autos ao juízo eleitoral de primeira instância.
(INQUÉRITOS POLICIAIS nº 32, Acórdão nº 32 de 06/02/2003,
Relator(a) MARIA THEREZA PACHECO ALENCASTRO VEIGA,
Publicação: DJ - Diário de Justiça, Tomo 13965, Data 13/02/2003,
Página 0072 – destacou-se)
Estabelecida a competência deste Tribunal, tenho que a
denúncia deve ser recebida.
Nesta fase, ressalte-se, trata-se de mero juízo de
admissibilidade no qual deve prevalecer o princípio in dubio pro societate, de modo
que se deve perquirir apenas se há ou não indícios suficientes do fato e de sua
autoria, e não analisar o mérito da persecução criminal.
No caso, ao denunciado imputa-se a prática dos crimes de
boca-de-urna e de desobediência.
Quanto aos fatos, eis o que a MM. Juíza Polliana Passos
Carvalho informou nos autos:
“No dia 05 de outubro de 2008, por volta das 9h, ao dar início às
visitas, nos locais de votação, a fim de fiscalizar o andamento dos
trabalhos, bem como vistoriar de modo geral a eventual infringência
às normas do pleito eleitoral, mormente no que tange à realização de
propaganda eleitoral ilegal, desloquei-me primeiramente para a
Escola Estadual do Novo Gama.
A escolha recaiu primeiramente sobre a Escola acima mencionada
por duas causas.
A uma, por se tratar do maior local de votação do município. Com
efeito, na referida Escola estavam agrupadas 18 (dezoito) seções
eleitorais, cujo número de eleitores perfazia um total de 6.932.
Impende ressaltar, que exatamente ao lado da Escola situa-se o
Colégio Estadual de Novo Gama, segundo maior local de votação
com 14 (quatorze) seções e 5.164 eleitores. Vale dizer, mais que um
quarto do eleitorado dessa cidade vota na região que compreende os
dois locais de votação. […]
A duas, porque antes de deslocar-me para o referido local já havia
chegado ao conhecimento dessa magistrada que vários candidatos
estavam, estrategicamente, estacionando veículos com propagandas
ostensivas, próximo ao setores de votação, de modo a burlar a
legislação, que proíbe qualquer propaganda eleitoral.
Diante desse contexto, ao chegar no setor em frente à Escola e
Colégio Estadual dessa cidade, verifiquei in loco a veracidade das
denúncias. Desse modo, foi divulgado ali que todos aqueles que
estavam estacionados nas redondezas dos locais de votação
deveriam retirar seus veículos, sob pena de remoção deles. Nesse
momento, os policiais militares foram orientados a guinchar os
veículos estacionados, cujos donos não os retirassem dali ou nas
situações em que os responsáveis não fossem encontrados.
Assim, alguns dos condutores que estavam estacionados
indevidamente obedeceram à ordem judicial, retirando os seus
veículos. Não obstante isso, outros permaneceram no local, ocasião
em que foi por mim requisitado o auxílio de um guincho que se
encontrava ali para que fossem realizadas as apreensões dos
veículos.
5
Acórdão nº 4554 (Ação Penal nº 3366-97)
Primeiramente ordenei a apreensão de um ônibus que estava nas
proximidades da Escola, pois era o que continha propagandas
eleitorais de forma mais incisiva devido ao tamanho das fotografias
dos candidatos.
Após a apreensão do ônibus e de um segundo veículo (Diplomata)
por um único guincho, os policiais começaram a remover o veículo
Classe A, placa JGA 4623-DF, cujo proprietário não fora encontrado,
e que estava estacionado exatamente em frente à Escola Estadual.
Nesse momento, esta magistrada já estava dentro da Escola
percorrendo as seções eleitorais quando chegou a notícia que um
promotor de Justiça de Brasília estava se opondo à apreensão do
veículo.
Desloquei-me para o lado externo do Colégio quando avistei a
referida pessoa, que posteriormente foi identificada por Edmilson
Marçal Passos, conversando com um dos policiais militares e
solicitando a liberação do automóvel de forma autoritária dizendo que
era Promotor de Justiça e que estaria de plantão naquele dia.
Diante da situação, determinei aos policiais que dessem continuidade
ao cumprimento da ordem e apreendessem o veículo, removendo-o
para o pátio do 19º Batalhão de Polícia Militar, local para onde os
veículos apreendidos estavam sendo levados.
Ato contínuo, o Sr. Edmilson veio até mim e questionou sobre o
motivo do veículo ‘dele’ estar sendo apreendido, argumentando que
era Promotor de Justiça do DF e que estava de plantão naquele dia.
Diante da argüição, foi esclarecido por mim e pela Promotora de
Justiça Eleitoral, Dra. Vanessa Goulart Barbosa, que o fato do
veículo todo plotado com propagandas eleitorais estar estacionado,
de maneira estratégica, próximo ao maior local de votação da cidade
e por um longo período de tempo, representava afronta à norma do
art. 39, § 5º, inciso III, da Lei 9.504/97. Nessa ocasião foi inclusive
lido pela Promotora de Justiça o referido dispositivo.
Após a explicação acima, determinei aos policiais militares que
dessem continuidade à remoção do veículo e ingressei novamente
para o interior da Escola Estadual para dar continuidade à inspeção
nas seções eleitorais, atividade que foi interrompida pelo incidente
ocorrido, sendo que nesse momento não foi ordenado que o Sr.
Edmilson fosse conduzido à Delegacia local.
Quando estava no interior da Escola, novamente chegou a notícia,
por meio de um dos Policiais Militares, que o Sr. Edmilson entrou no
veículo, tentou sair do local e foi contido pelos policiais.
Os policiais queriam orientações sobre como deveriam proceder e
determinei que o carro deveria ser apreendido e se houvesse
resistência que o Sr. Edmilson deveria ser conduzido à Delegacia de
Polícia para os procedimentos cabíveis.
Antes da remoção do veículo e da condução do Sr. Edmilson à
Delegacia, recebi a ligação de um dos policiais informando que
aquele subiu no carro e iniciou um discurso dizendo que ‘todas as
autoridades locais seriam coniventes com a atual administração’ e
que ‘isso aqui tem que mudar e é a partir de hoje’.
Mais uma vez orientei os policiais que procedessem à condução do
Sr. Edmilson à Delegacia, tendo em vista que, apesar da
impossibilidade de ordenar a sua prisão, não havia como mantê-lo no
local até a chegada do Procurador Geral de Justiça do MPDFT ou de
qualquer outro representante da referida instituição, pois o tumulto
6
Acórdão nº 4554 (Ação Penal nº 3366-97)
por ele causado foi de grande monta, causando uma aglomeração de
pessoas.
Nesse contexto, a ordem para conduzir o Sr. Edmilson à Delegacia
deu-se em virtude da desobediência eleitoral, consistente em opor
embaraços ao cumprimento da determinação de apreensão do
veículo Mercedez Benz Classe A e pelo fato de ter promovido
desordem que prejudicou os trabalhos eleitorais, incidindo nas
penas, respectivamente, dos arts. 347 e 296 do Código Eleitoral.
[…] Como já dito, o referido veículo ostentava propaganda eleitoral
em toa a lataria, referente ao candidato a Prefeito Municipal José
Santos Ramos, nº 25 e do candidato a Vereador Enio Marçal Passos,
nº 25.515, irmão do Sr. Edmilson Marçal Passos. […]
Posteriormente aos fatos, chegou ao meu conhecimento que o
referido veículo é de propriedade de ENIO MARÇAL PASSOS,
candidato a vereador e irmão de Edmilson Marçal Passos, o que
reforça ainda mais os argumentos de que, à semelhança dos outros
veículos, o Mercedez Classe A estava estacionado naquele local
com a finalidade de fazer propaganda eleitoral, conforme denúncia
de populares. Segue pedido de liberação do veículo comprovando
que o carro pertencia a Enio e não a Edmilson. (fls. 37/41)
Ressalta-se que a Promotora de Justiça Vanessa Goulart
Barbosa (fls. 43/49) confirmou a mesma dinâmica dos fatos narrados pela
magistrada.
O veículo, estacionado em frente ao maior local de votação do
município, pertencia ao então candidato a vereador Enio Marçal Passos, com
adesivos em toda a lataria com menção à sua candidatura e à do candidato a
prefeito da mesma agremiação partidária, consoante comprovam as fotografias de
fls. 49 e 50.
Ademais, o automóvel pertencia ao candidato Enio Marçal
Passos, irmão do denunciado, conforme cópia do CRLV de fl. 71.
A defesa sustentou que “o réu procurou justificar a sua conduta
às autoridades, aduzindo que estacionar um veículo adesivado em frente à seção
eleitoral não seria, per si, uma boca de urna, haja vista que o artigo 70 da Resolução
nº 22.718/TSE2, permite o uso de adesivos em veículos particulares, no dia das
eleições”.
Em que pese o alegado pela defesa, tenho que a presença de
propaganda ostensiva em local próximo às seções de votação, em tese, ultrapassa o
permissivo encontrado no art. 70 da Res. 22.718/08-TSE. Nesse sentido já decidiu o
TRE/RJ:
2
Art. 70. É permitida, no dia das eleições, a manifestação individual e silenciosa da preferência do
eleitor por partido político, coligação ou candidato, revelada no uso de camisas, bonés, broches ou
dísticos e pela utilização de adesivos em veículos particulares.
§ 1º É vedada, durante todo o dia da votação e em qualquer local público ou aberto ao público, a
aglomeração de pessoas portando os instrumentos de propaganda referidos no caput, de modo a
caracterizar manifestação coletiva, com ou sem utilização de veículos.
§ 2º No recinto das seções eleitorais e juntas apuradoras, é proibido aos servidores da Justiça
Eleitoral, aos mesários e aos escrutinadores o uso de vestuário ou objeto que contenha qualquer
propaganda de partido político, de coligação ou de candidato.
§ 3º Aos fiscais partidários, nos trabalhos de votação, só é permitido que, em suas vestes ou crachás,
constem o nome e a sigla do partido político ou coligação a que sirvam.
7
Acórdão nº 4554 (Ação Penal nº 3366-97)
Recurso Criminal. Art. 39, § 5°, inc. III, da Lei n ° 9.504/97. Sentença
condenatória. O posicionamento prevalente nos Tribunais Eleitorais e
nesta corte considera burla à Lei n° 9.504/97 e à R esolução TSE n°
22.718/08, o estacionamento de veículos repletos de propaganda
nas proximidades de locais de votação. A manifestação silenciosa
referida no art. 70, da Resolução TSE n° 22.718/08, caracteriza-se
pelo uso de um adesivo apenas. Caminhonete, do tipo S-10, cheia de
cartazes e com o capô totalmente revestido com a publicidade de
candidata. Manifestações de testemunhas afirmando que veículo
estava estacionado em frente a um local de votação. A liberdade de
manifestação silenciosa não alcança um conjunto de adesivos e
propagandas diversas. Manutenção da sentença nos termos em que
prolatada. (RECURSO CRIMINAL nº 177, Acórdão nº 52.398 de
18/10/2010, Relator(a) LUIZ UMPIERRE DE MELLO SERRA,
Relator(a) designado(a) LUIZ MÁRCIO VICTOR ALVES PEREIRA,
Publicação: DOERJ - Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro,
Tomo 195, Data 26/10/2010, Página 01/02 )
Ademais, talvez esteja a revelar o dolo do crime de boca-deurna o discurso realizado pelo denunciado quando os policiais iniciaram o
procedimento de apreensão do veículo, segundo narrou a Promotora de Justiça
local:
“Após ser retirado do veículo com o uso de força física, aproveitou-se
da situação, subiu no veículo e iniciou um discurso dizendo que a
Polícia Militar e a Juíza Eleitoral estavam do lado da Prefeita,
‘comiam na mão da Prefeita’, e disse ‘isso aqui tem que mudar, e é a
partir de hoje’, incitando a população a votar no candidato a Prefeito
Municipal José Santos Ramos, que é oposição à Prefeita.” (fl. 45)
Desse modo, considero que estão presentes os indícios da
autoria e da materialidade do crime de boca-de-urna previsto no art. 39, § 5º, II e III,
da Lei 9.504/97:
Art. 39. […]
§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção,
de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços
à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a
quinze mil UFIR:
II - a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna;
III - a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos
políticos ou de seus candidatos, mediante publicações, cartazes,
camisas, bonés, broches ou dísticos em vestuário.
Também entendo que estão presentes os indícios da autoria e
materialidade do crime de desobediência previsto no art. 347 do Código Eleitoral:
Art. 347. Recusar alguém cumprimento ou obediência a diligências,
ordens ou instruções da Justiça Eleitoral ou opor embaraços à sua
execução:
Pena - detenção de três meses a um ano e pagamento de 10 a 20
dias-multa.
Inicialmente, a autoridade local facultou a retirada dos veículos
com propagandas eleitorais pelos proprietários e determinou que fossem
apreendidos os veículos que permanecessem no local. Ao saber que o veículo de
8
Acórdão nº 4554 (Ação Penal nº 3366-97)
seu irmão estava sendo guinchado, o réu teria se apresentado como Promotor de
Justiça aos policiais, opondo-se à ordem judicial.
Na presença da juíza, o réu teria resistido à apreensão,
tentando justificar que o estacionamento do veículo no local estava permitido pelas
normas do TSE. Em seguida, ao se retirar a autoridade judiciária, o acusado teria
subido no automóvel e incitado os eleitores presentes a votar no candidato da
oposição.
Portanto, presentes os indícios de materialidade e de autoria
dos delitos imputados, estando preenchidos os requisitos do art. 41 do CPP, pois a
denúncia descreve os fatos com todas as circunstâncias, contendo a qualificação do
acusado, a classificação do crime e o rol das testemunhas.
Pelo exposto, recebo a denúncia de acordo com o art. 7º da Lei
8.038/903.
Caso seja recebida a denúncia por este Tribunal, ao réu deve
ser oportunizada, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal4, a suspensão
condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/90), tendo em vista que a soma das
penas mínimas de privação de liberdade cominadas aos delitos imputados é menor
que 1 ano. Posteriormente, caso frustrada a suspensão, é cabível o processamento
do feito com designação de dia para interrogatório como prevê a parte final do art. 7º
da lei de regência.
É como voto.
A Senhora Desembargadora Eleitoral NILSONI DE FREITAS
CUSTÓDIO - vogal:
Acompanho o relator.
O
Senhor
Desembargador
Eleitoral
JOÃO
BATISTA
TEIXEIRA - vogal:
Acompanho o relator.
O Senhor Desembargador Eleitoral MARIO MACHADO –
vogal:
Acompanho o relator.
O Senhor
BORGES DE RESENDE - vogal:
Desembargador
Eleitoral
MARCOS
LUÍS
Acompanho o relator.
3
Art. 7º - Recebida a denúncia ou a queixa, o relator designará dia e hora para o interrogatório,
mandando citar o acusado ou querelado e intimar o órgão do Ministério Público, bem como o
querelante ou o assistente, se for o caso.
4
Pet 3898, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 27/08/2009, DJe-237
DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-02 PP-00140.
9
Acórdão nº 4554 (Ação Penal nº 3366-97)
O Senhor Desembargador Eleitoral HILTON QUEIROZ vogal:
Acompanho o relator.
DECISÃO
Receber a denúncia, nos termos do voto do relator. Unânime.
Em 23 de novembro de 2011.
10