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REGIANE LACERDA KNEIPP
A REINCIDÊNCIA CRIMINAL
POTENCILIAZADA PELA FALÊNCIA DA EXECUÇÃO
DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
BACHARELADO EM DIREITO
FACULDADE DE JAGUARIÚNA / JAGUARIÚNA
2012
REGIANE LACERDA KNEIPP
A REINCIDÊNCIA CRIMINAL
POTENCILIAZADA PELA FALÊNCIA DA EXECUÇÃO
DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
Monografia apresentada à banca examinadora
da Faculdade de Jaguariúna, como exigência
parcial para obtenção do grau de bacharel em
Direito, sob a orientação do professor Ms. João
Paulo Sangion.
JAGUARIÚNA
2012
Banca Examinadora:
Dedico este trabalho
Faber, meus filhos
em especial ao meu
memorian), alguém
esquecerei.
ao meu marido
Felipe e Vitor,
querido Pai, (in
que jamais te
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar agradeço a Deus, onde busquei força para conseguir
realizar esse sonho e estímulo para prosseguir até o final nesta jornada.
Em especial, agradeço ao meu marido Faber, pelo apoio incondicional
em minha vida, como sempre me dando força e coragem nos momentos difíceis, sendo
inclusive compreensivo em minhas ausências durante o decorrer desses anos, ajudando-me
em tudo, especialmente nos cuidados com nossos filhos e como sempre me transmitindo
seu amor e carinho.
Aos meus filhos, peço desculpas pelas horas de ausência, quando não
pude estar em casa cuidando de vocês, talvez não tenham conhecimento da relevância que
esse trabalho tem para mim, contudo saibam que vocês são a luz que ilumina de maneira
especial os meus pensamentos, incentivando-me em obter forças para continuar, pois tudo
que faço é para vocês, porque os amo muito.
Agradeço a minha mãe, minhas irmãs e todos da família que acreditaram
em mim e souberam entender a importância que é a realização desse sonho.
Ao meu orientador, professor João Paulo Sangion, pela atenção e
dedicação,
auxiliando-me
na
concretização
dessa
monografia,
meus
sinceros
agradecimentos.
Enfim, ao coordenador e a todos os professores do curso de Direito,
agradeço pelos ensinamentos disponibilizados nas aulas, cada um de forma especial
contribuiu para a conclusão deste trabalho e consequentemente para minha formação
pessoal e profissional.
KNEIPP, Regiane Lacerda. A Reincidência Criminal Potencializada pela Falência da Pena
Privativa de Liberdade. 2012. 68 folhas. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) –
Curso de Direito, Faculdade de Jaguariúna, Jaguariúna, 2012.
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo a análise da reincidência criminal potencializada pela
execução da pena privativa de liberdade, agravando a pena em razão de critérios subjetivos
ligados à índole da pessoa, sem a estrita análise que se deve fazer do fato efetivamente
praticado, baseando-se somente na culpabilidade do fato, não do indivíduo. Procuramos
demonstrar que o que deverá servir de parâmetro entre a sanção e a pena aplicada pelo juiz
é a gravidade do fato, sem basear-se nessa subjetividade do réu. Abordamos também a
possível inconstitucionalidade do instituto da reincidência frente à Constituição Federal de
1988, através da apreciação de alguns princípios constitucionais. Para a realização desta
monografia, foi verificada desde a origem da reincidência, bem como seus efeitos,
classificações, teorias que justificam sua aplicação e argumentos que a rejeitam. O objetivo
central do trabalho é questionar a aplicação da reincidência como fator obrigatório para o
agravamento da pena em razão do fracasso ressocializador da pena privativa de liberdade e
da precariedade do atual sistema prisional. Destacamos que o detento é induzido a novas
práticas delituosas por estar inserido no meio criminalizado, o que dificulta sua reinserção
no mercado de trabalho, justificando a menor culpabilidade do reincidente. Efetivamos
ainda a análise do desafio que o Estado tem, qual seja encontrar uma forma eficaz para que
a aplicação da Lei de Execução Penal ocorra de maneira efetiva, visando à recuperação e
ressocialização dos detentos, para que, ao final do cumprimento de suas penas, estejam
aptos ao convívio social. Por fim, encerramos o trabalho procurando apresentar outros
meios para a humanização da pena privativa de liberdade e a sua devida execução, não
perdendo de vista a finalidade punitiva, mas ressaltando que o objetivo de evitar a
reincidência e atingir a recuperação do condenado seja alcançado.
Palavras chave: Reincidência Criminal, pena privativa de liberdade, sistema prisional.
ABSTRACT
The monograph aims to analyze the criminal backslider potentiated by the implementation
of deprivation of liberty, making the punishment worse due to subjective criteria related to
the character of the person, without the strict analysis which should be done effectively
practiced the fact, based only on pleaded guilty to the fact, not the person. We tried to
demonstrate that the graveness of the fact is what will serve as a parameter in the
punishment and the sentence imposed by the judge, without relying on the subjectivity of
the defendant. We will also work with the possible unconstitutionality of the Institute of
recidivism front Constitution of 1988, through the appreciation of some constitutional
principles. For this monograph, it was checked from the origin of recidivism, as well as its
effects and classifications, theories that justify their application and arguments that reject
it. The main objective of the project is to question the application of recidivism as a factor
required for the graveness of the penalty by reason of the failure of resocializing,
deprivation of liberty and the precariousness of the current penitentiary system. We
emphasize that the new detainee practicing offenses to be criminalized in the middle, their
reintegration into the labor market is difficult. The state still has the challenge of finding an
effective way for the implementation of the Criminal Sentencing Act occurs effectively in
order to recovery and resocialization of detainees, so that they will be able to social
interaction. Finally, we finish the project
trying to show other alternatives for the
humanization of deprivation of freedom and its proper execution, without losing sight of
the punitive purpose, however, in order to avoid a recurrence and achieve the recovery of
the condemned.
Key words: Criminal recidivism, deprivation of liberty, prison system.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 10
1
Conceito e História ................................................................................................. 13
1.1 - Pressupostos ................................................................................................... 15
1.2 - Espécie de prova ............................................................................................. 15
1.3 - Reincidência Real e Ficta ................................................................................. 16
1.4 - Primariedade ................................................................................................... 17
1.5 - Maus antecedentes ........................................................................................... 18
1.6 - Efeitos ............................................................................................................. 19
2
Aspectos da Reincidência no Direito Comparado ................................................. 21
2.1 - Reincidência na Itália ...................................................................................... 21
2.2 - Reincidência na França .................................................................................... 22
2.3 - Reincidência em Portugal ................................................................................ 23
2.4 - Reincidência em Cuba ..................................................................................... 23
3
Fundamentos para Exacerbação da Pena ........................................................... 24
3.1 - Maior periculosidade do réu............................................................................ 24
3.2 - Maior culpabilidade do réu ............................................................................. 25
3.3 - Maior alarme social ........................................................................................ 26
3.4 - Insuficiência da pena anterior ......................................................................... 27
4
A Inconstitucionalidade da Reincidência ante os Princípios Constitucionais ...... 29
4.1 - Confronto ao princípio da culpabilidade ............................................................ 31
4.2 - Confronto ao princípio da humanização da pena ............................................... 33
4.3 - Confronto ao princípio da proporcionalidade da pena ....................................... 34
4.4 - Confronto ao princípio da individualização da pena ........................................ 35
4.5 - Confronto ao princípio ne bis in idem .............................................................. 38
5
Reflexos da Pena de Prisão na Reincidência Criminal ........................................... 40
5.1 - O Fracasso da ressocialização como causa da reincidência ................................ 44
5.2 - Fatores emocionais como contribuição para a ocorrência da reincidência .......... 47
6
Sistema Prisional e Reincidência .............................................................................. 50
6.1 - Os efeitos criminógenos da pena privativa de liberdade ..................................... 55
6.2 - A Lei de Execução Penal .................................................................................... 58
6.3 - Soluções eficazes para o problema da reincidência ............................................ 59
7
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 62
8
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 65
INTRODUÇÃO
Há muito tempo existe a discussão em torno da relevância da
reincidência na dosimetria da pena. A doutrina tendente a aceitá-la como agravante rege-se
por premissas equivocadas, contestadas ao longo deste trabalho, ante os resultados
desastrosos da função punitiva que a pena revela.
O instituto da reincidência previsto nos art. 63 e 64 do Código Penal
carece de receptividade pela Constituição Federal de 1988, pois a estigmatização do
indivíduo e o duplo juízo de um fato violam princípios do direito penal, em especial o
princípio do ne bis in idem.
Tal instituto também se confronta com princípios e garantias
constitucionais amplamente tutelados pela Constituição Federal de 1988, ao demonstrar a
ocorrência do duplo juízo de um fato.
A reincidência é considerada uma circunstância agravante da pena, ou
seja, é fruto de uma conduta anterior, que já passou por consideração judicial transitada em
julgado, ficando a partir daí cravada no autor como uma qualificação subjetiva, que
inevitavelmente durante cinco anos o acompanhará para agravar a pena de crime posterior.
O entendimento doutrinário acerca da reincidência baseia-se no fato de
que se uma pessoa vier a cometer outro crime merece receber maior censura, porque não
correspondeu às exigências da lei e do nosso ordenamento jurídico.
No decorrer do trabalho, abordaremos aspectos sociológicos e
psicológicos da reincidência, bem como sua ocorrência em função da pena privativa de
liberdade e a importância da falência no sistema prisional, como causa preponderante para
a ocorrência da reincidência.
Explanaremos sobre o conflito existente entre o tema e os princípios
constitucionais, tais como princípio da culpabilidade, proporcionalidade e outros
pertinentes ao assunto e abordaremos problemas sociais e psicológicos que promovem e
contribuem para a reincidência criminal.
Buscar-se-á tratar as diferenças entre primariedade, maus antecedentes e
reincidência, bem como os efeitos gravosos que acarretam ao condenado, após ter
cumprido sua pena e deixar o cárcere, alcançando a almejada liberdade.
O pensamento das fortes correntes doutrinárias colocam muitas objeções
contra o instituto da reincidência, tornando-o desprovido de receptividade pela
Constituição de 1988, pois são muitas as críticas que se fundam em ser a reincidência algo
que irá majorar a pena aplicada ao réu, visto que seria uma culpabilidade fundada em outro
fato, diverso ao que está sendo julgado, configurando-se ne bis in idem.
No que tange ao dever do Estado, é importante analisar seu fracasso no
aspecto ressocializador da pena de prisão, pois, devido à precariedade do sistema prisional,
o detento fica induzido a novas práticas delituosas por estar inserido em um meio
criminalizado, mantendo contato direto com condenados de altíssima gravidade, o que
dificulta sua reinserção no mercado de trabalho, justificando a menor culpabilidade do
reincidente.
Analisaremos alguns princípios constitucionais, dentre eles o princípio da
culpabilidade, pois “concentra-se no caráter pessoal da responsabilidade penal, na
compreensão desse caráter pessoal está inserida a ideia de que a responsabilidade penal é
subjetiva, isto é, pertence a seu autor, é própria dele, na medida em que é responsável pelo
fato praticado porque quis ou porque tal fato é devido à falta de um dever de cuidado”.1
A reincidência tem por base a maior culpabilidade do agente, acrescendo
a pena em razão de critérios subjetivos que estão ligados à índole da pessoa, sem dar
1
FRANCO, Alberto Silva. Reincidência: Um caso de não recepção pela Constituição Federal. In Boletim
IBCCRIM, n. 209, 2010. Disponível em http://www.ibccrim.org.br/site/boletim/exibir_artigos.php?id=4063.
Acesso em 18/02/2012.
atenção à análise estrita que deve ser feita do fato efetivamente praticado, baseando-se
somente na culpabilidade do fato.
Contudo, entendemos que a majoração da pena do reincidente fere o
princípio da proporcionalidade da pena, pois pelo fato de o réu ser reincidente não irá
obrigatoriamente exacerbar o novo crime, não agravando em nada o delito que este
praticou, nem tornará o fato mais grave por ter sido cometido por um reincidente, de forma
que é a gravidade do fato (crime) praticado que deve servir de parâmetro entre a sanção e a
pena aplicada pelo juiz, sem basear-se nesta subjetividade do réu, o que tentaremos afirmar
com nosso trabalho.
Efetivamos ainda, uma breve análise da Lei de Execução Penal e por fim
encerraremos o trabalho procurando apresentar outros meios para a humanização da pena
privativa de liberdade e sua devida execução, a fim de alcançar a ressocialização do
condenado e conter a reincidência.
CAPÍTULO 1
1. Conceito e História
Reincidência é derivada do latim, recider, que significa recair, tornar a
praticar, em uma linguagem mais fácil, significa repetir a prática do crime. No dicionário
Aurélio tal palavra é definida como “ato ou efeito de reincidir; obstinação; pertinácia;
teimosia”.2
Reincidência pode ter um significado popular comum, que é a ação ou
efeito de reincidir, fazer novamente. No sentido jurídico ela pode variar de acordo com a
legislação de cada país, tornando-se difícil obter um conceito único, contudo, conforme
mencionamos no parágrafo anterior, é definida pela repetição da prática do crime.3
Além disso, condenações obtidas em outros países também são válidas
para que se caracterize a reincidência no Brasil, conforme salientado por Estefam:4
[...] como decorre da definição legal, condenações proferidas no exterior
também produzem reincidência. Para tais efeitos, não se exige a sentença
estrangeira homologada. A exigência de homologação de uma sentença
penal estrangeira pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I i, da CF,
com redação da EC n. 45, de 8-12-2004) para que, no Brasil, cumpram-se
seus efeitos, somente se exige em matéria de efeitos civis ou
cumprimento de medidas de segurança (CP, art. 9°). É necessário,
contudo, que exista prova idônea da prolação do édito condenatório pelo
outro país, cuja decisão há de ter transitado em julgado antes do fato
sujeito à lei brasileira; por prova idônea, entende-se o documento oficial,
expedido pela nação estrangeira, traduzido por tradutor juramentado.
Não existe certeza sobre a historicidade da reincidência, contudo iremos
mencionar os apontamentos de alguns doutrinadores, pelos registros obtidos através dos
estudos que estes efetuaram.
2
YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. Da reincidência criminal. Belo Horizonte: Mandamentos, 2005, p. 25.
CHIQUEZI, Adler. Reincidência criminal e sua atuação como circunstância agravante. Dissertação.
(Mestrado em Direito Penal-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) São Paulo, 2009, p.11.
4
ESTEFAM, André. Direito Penal Parte Geral. São Paulo, Atlas, 2004, p. 366.
3
Ao discorrer sobre as raízes da reincidência criminal, Garraud narra que
elas “encontram-se no Direito Romano, embora a pena fosse agravada somente para alguns
crimes, como o furto, e fosse confundida com a reiteração delituosa.”5
Entretanto, Manzini, aponta uma legislação ainda mais remota que a
romana, “a Manava darma sastra, uma antiga lei indiana, que há mais de trinta séculos
agravava a pena de acordo com o número de crimes praticados...”.6
Após a Revolução Francesa de 1789, a França editou a lei de 22 de julho
de 1791, onde foi prevista a reincidência específica e algumas gerais, contudo, somente em
1810, o Código Penal francês efetivamente ingressou a reincidência na legislação penal.7
No direito brasileiro, está mencionada como circunstância agravante da
pena no artigo 61, I, do Código Penal: “São circunstâncias que sempre agravam a pena,
quando não constituem ou qualificam o crime: I – a reincidência;”.
Agravar a pena é apenas um dos aspectos do efeito da reincidência,
contudo é necessária uma análise mais profunda deste instituto. Marques explicou que “a
natureza jurídica da reincidência é discutida na doutrina, haja vista ser tratada por alguns
como mera circunstância do crime, enquanto outros atribuem sua essência a uma
qualificação subjetiva do indivíduo”.8
Para a caracterização da reincidência não é importante qual tipo de pena
tenha sido imposta ao sujeito, até mesmo condenação por pena alternativa terá a
prerrogativa de gerar reincidência se houver a prática de novo delito.
5
GARRAUD, René. Compêndio de direito criminal – v. I, Lisboa: Clássica, 1915, p. 531. Apud,
CHIQUEZI, 2009, p. 41.
6
MANZINI, Vicenzo. La recidiva nella soliologia, nella legislazione e nella sciencia Del diritto penale.
Firenze: Casa Editrice, 1899, p. 126. Apud, CHIQUEZI, 2009, p. 42.
7
ROCHA, Synesio. Da reincidência. São Paulo: Saraiva, 1938, p. 66. Apud, CHIQUEZI, 2009, p. 42.
8
CHIQUEZI, 2009, p. 33.
1.1 Pressupostos
Quanto aos pressupostos da reincidência, se faz necessária a ocorrência
de um crime e uma sentença condenatória já transitada em julgado, antes da prática de
nova infração, pois se o crime for praticado no mesmo dia da sentença condenatória não
estará a reincidência caracterizada, devendo obrigatoriamente ocorrer em data posterior.
Quanto à sentença anterior transitada em julgado, essa não prevalece para
efeito de reincidência, se, entre a data do cumprimento ou extinção da pena e o novo crime,
tiver decorrido tempo superior a cinco anos, conforme dispõe o artigo 64, I, do Código
Penal. Considerando ainda o artigo 64, II, do Código Penal, não serão considerados
reincidência os crimes militares ou puramente políticos.
Porém, também na Lei das Contravenções Penais, existe a possibilidade
de reincidência, caso o sujeito tenha sido condenado por crime e depois praticar uma
contravenção.9
“Salienta-se, ainda, que por não haver sentença penal condenatória, os
institutos da composição civil, transação penal e suspensão condicional do processo,
previstos na lei n. 9.099/95, não geram reincidência criminal”.10
1.2 Espécie de Prova
Apenas a confissão do réu de que já foi condenado definitivamente não é
aceita como prova, ou mesmo, através da folha de antecedentes criminais, emitida pela
Polícia Civil, que pode conter dados imprecisos, não é suficiente para que se comprove a
reincidência. É imprescindível comprovação documental da condenação anterior, através
de certidão cartorária, expedida pelo Poder Judiciário.
9
Decreto Lei n° 3.688, artigo 7°: “Verifica-se a reincidência quando o agente pratica uma contravenção
depois de passar em julgado a sentença que o tenha condenado, no Brasil ou no estrangeiro, por qualquer
crime, ou, no Brasil, por motivo de contravenção”.
10
CHIQUEZI, 2009, p. 37.
1.3 Reincidência Real e Ficta
A doutrina classifica a reincidência de duas formas, real e ficta. A real,
também conhecida como própria, se configura quando a prática da nova infração penal
acontece após o cumprimento total ou parcial da pena imposta na sentença anterior.
Na reincidência ficta, ou imprópria, o novo delito ocorre após o trânsito
em julgado da sentença que o condenou anteriormente, porém, sem que tenha sido
cumprida a sanção.
O Brasil adotou em seu Código Penal a reincidência ficta, demonstrando
com isso maior rigor, pois não se exige cumprimento total ou parcial da pena imposta para
caracterizar a reincidência. Contudo existem críticas na adoção da reincidência ficta em
nosso país por parte da doutrina, apregoando não haver lógica em aumentar a pena do novo
crime sem o cumprimento parcial ou total sanção da anterior.
Nesse sentido, discorre Estefam: “O agente não pode ter, por força de
uma única condenação anterior com trânsito em julgado, reconhecida em seu desfavor
agravante da reincidência ... sob pena de se realizar um inaceitável bis in idem”.11
Palavras sábias foram proferidas por Yarochewsky ao dizer que “não há
razoabilidade alguma em aumentar-se a dose de um remédio sem que o paciente tenha
tomado anteriormente doses menores. Assim, se o “remédio” da pena ainda não foi
ministrado, como dizer que ele não produziu o efeito esperado?”12
Também confirmando esse pensamento, a Súmula 241 do STJ esclarece
que: “A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e,
simultaneamente, como circunstância judicial”.
Se algum agravamento da pena em razão da reincidência se justifica, este
só poderia e deveria ser admitido, mesmo por aqueles que defendem e
justificam o aumento da pena pela reincidência, caso o condenado já
11
12
ESTEFAM, 2010, p. 369.
YAROCHEWSKY, 2005, p. 28.
tenha – além de ter sido condenado por sentença transitada em julgado –
cumprido pelo menos parte da pena do crime pelo qual tenha sido
anteriormente condenado.13
A reincidência faz um juízo subjetivo da pessoa, pois está baseada em
fatos exteriores, não ligados ao crime em questão, mas sim em saber se o delinquente já foi
condenado antes em sentença transitada em julgado.
1.4 Primariedade
O conceito de primário não está definido pela lei, contudo formaram-se
entendimentos próprios dos doutrinadores acerca da primariedade. Para Mirabete, réu
primário se divide em duas orientações:
Para a primeira, primário é o não reincidente, existindo somente essas
duas espécies de condenados. Para a segunda, primário é aquele que não
apresenta condenação anterior transitada em julgado no momento em que
se tem que verificar sua situação para a prorrogação da sentença ou
concessão de benefícios.14
Podemos depreender que no Brasil o criminoso é considerado primário
apesar de ter praticado vários crimes e em razão destes, possuir várias condenações, porém
por não ter praticado outro crime depois de ter sido condenado por sentença transitada em
permanece na condição de réu primário.
“Criminoso primário é não só o que foi condenado pela primeira vez,
como o que foi condenado diversas vezes, sem ser reincidente”.15
Há também outra categoria que achamos interessante destacar, a do
criminoso que não é primário nem reincidente, por exemplo: quem está sendo julgado e já
teve anteriormente uma sentença transitada em julgado, no entanto, após ter cometido o
13
YAROCHEWSKY, 2005, p. 28.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal parte geral. 24ª. Ed. São Paulo, Atlas, 2008, p. 312.
15
JESUS, Damásio E. Direito penal parte geral. Vol. I, 28ª. ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 565.
14
segundo crime, não pode ser considerado reincidente ou primário, pois ainda não ocorreu a
segunda condenação, ou seja, não houve o transito em julgado da sentença atual.
1.5 Maus Antecedentes
O sentido de maus antecedentes nos leva à análise da vida pregressa do
réu, os precedentes judiciais que antecedem à prática do fato criminoso. Porém, em virtude
do princípio da inocência, consagrado pela Constituição Federal de 1988, no art. 5°, LVIII,
ações penais em curso não poderão ser consideradas como maus antecedentes, tendo em
vista a necessidade de existir decisão condenatória já transitada em julgado.
Destacamos que maus antecedentes estão no rol das circunstâncias
judiciais previstas no art. 59 do Código Penal16, devendo, portanto, ser considerados para
fixar a pena base na primeira fase do sistema trifásico.
Por óbvio, maus antecedentes trazem uma avaliação subjetiva do
indivíduo, muitas vezes influenciando na decisão do magistrado, no momento de proferir
sua sentença.
[...] a “natureza dos antecedentes guarda estreita sintonia com o da
reincidência, ou seja, ambos versam sobre graduações valorativas
(negativas) da vida pregressa do acusado”. Aliás, de há muito um setor da
doutrina vem advertindo que a rotina da atividade judiciária atribui
relevância excepcional e demasiada aos antecedentes, com tendência
inclusive de pré-determinar juízos de condenação17.
Observa Salo de Carvalho, que “a valoração histórica do acusado, da
forma com que se estabeleceu no ordenamento jurídico pátrio, cria um
mecanismo incontrolável do arbítrio judicial, pois tende a (pré)
determinar juízos de condenação – geralmente, chegando o momento de
prolatar a sentença penal, o juiz já decidiu se condenará ou absolverá o
réu. Chegou a essa decisão (ou tendência de decidir) por vários motivos,
16
Artigo 59: “O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do
agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima,
estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:”.
17
CARVALHO, Salo de. Reincidência. 2004, p. 11. Apud, Nivaldo Brunoni. Ilegitimidade do
direito
penal
de
autor
à
luz
do
princípio
de
culpabilidade.
Disponível
em
<http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao021/Nivaldo_Brunoni.htm>. Acesso em 22/03/2012.
nem sempre lógicos ou derivados da lei. Muitas vezes, a tendência a
condenar está fortemente influenciada pela extensão da folha de
antecedentes do réu...18
Diferente da reincidência, os maus antecedentes têm o cunho da
perpetuidade, pois não existe limitação temporal para que sejam considerados. O que em
nosso entendimento está em confronto ao princípio da presunção de inocência, pois o
indivíduo ficaria estigmatizado pela condenação criminal, quando esta não deveria ser
perene, sob pena de contrariar o princípio da dignidade da pessoa.
1.6 Efeitos
Como vimos anteriormente, majorar a pena é uma das consequências que
a reincidência acarreta à pena que será imposta ao réu. Contudo a reincidência poderá
desencadear outros efeitos legais, como a restrição de benefícios de natureza material e
processual conferidos pela Lei em favor dos indivíduos.
No entendimento de Yarochewsky,19 os principais efeitos legais que a
reincidência gera são:
a) Agrava a pena privativa de liberdade (art. 61. I, do Código penal);
b) Impede o início de cumprimento de pena de reclusão no regime semiaberto e a de
reclusão no regime aberto (art. 33, § 2°, “b” e “c”, do Código Penal);
c) Obsta a substituição da pena de prisão por multa, se o réu for reincidente em crime
doloso (art. 60, § 2°, do Código Penal);
d) Se for específica em crime doloso, impede a substituição da pena privativa de
liberdade por restritiva de direitos (art. 44, II do Código Penal);
e) No concurso de circunstâncias agravantes e atenuantes, é circunstância
preponderante (art. 67 do Código Penal);
f) Impede a concessão da suspensão condicional da pena (sirsis) ao condenado
reincidente em crime doloso (art. 77, I, do Código Penal);
18
CARVALHO, Salo de. Reincidência. 2004, p. 51. Apud, Nivaldo Brunoni. Ilegitimidade do
direito
penal
de
autor
à
luz
do
princípio
de
culpabilidade.
Disponível
em
<http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao021/Nivaldo_Brunoni.htm>. Acesso em 22/03/2012.
19
YAROCHEWSKY, 2005, p. 70.
g) Revoga obrigatoriamente o sursis se a condenação for por crime doloso ou é causa
de revogação facultativa se for por crime culposo ou contravenção penal (art. 81, I
e § 1°, do Código Penal);
h) Aumenta para mais da metade o tempo de cumprimento da pena, ao reincidente em
crime doloso, para a obtenção de livramento condicional (art. 83, II, do Código
Penal);
i) Não permite a concessão de livramento condicional se for específica em crime
hediondos e assemelhados (art. 83, V, do Código Penal);
j) Interrompe a prescrição da pretensão executória (art. 117, VI, do Código Penal);
k) Aumenta em um terço o prazo da prescrição da pretensão executória (art. 110 do
Código Penal);
l) Revoga o livramento condicional (art. 86, I, do Código Penal);
m) Revoga a reabilitação se a concessão posterior não for de multa (art. 95 do Código
Penal);
n) Obsta a incidência das causas de diminuição de pena previstas nos arts. 155, § 2°,
170, 171, § 1°, e 180, § 5°, todos do Código Penal;
o) Impede a concessão de fiança ao condenado por crime doloso (art. 323, III, do
Código Penal);
p) Impossibilita a apelação em liberdade, conforme o art. 594 do Código de Processo
Penal, mas este artigo foi revogado pela Lei n° 11.719 de 20 de junho de 2008, que
entrou em vigor em 20 de agosto de 2008;
q) Aumenta de um terço até metade a pena da contravenção de porte de arma se a
condenação precedente for por violência contra pessoa (art. 19, § 1°, da Lei das
Contravenções Penais);
r) Possibilita a ocorrência da contravenção de posse não justificada de instrumento de
emprego usual na prática de furto (art. 24 da Lei das Contravenções Penais).
Vale ainda ressaltar que no artigo 296 da lei n° 9.503/97 (Código de
Trânsito Brasileiro) está descrito que “se o réu for reincidente na prática de crime previsto
neste Código, o juiz aplicará a penalidade de suspensão da permissão ou habilitação para
dirigir veículo automotor, sem prejuízo das demais sanções penais cabíveis”, (redação dada
pela lei nº 11.705, de 2008), portanto existe a previsão de suspender a permissão ou
habilitação para dirigir, em caso de reincidência.
CAPÍTULO 2
2. Aspectos da Reincidência à Luz do Direito Comparado
O instituto da reincidência é disciplinado em quase todos os ordenamentos jurídicos
da modernidade, porém há países que a tratam com mais rigor do que o Brasil, por outro
lado, há àqueles em que sua aplicação é mais branda. Veremos a seguir, de forma
resumida, como é a aplicação da reincidência em alguns países.
2.1 Reincidência na Itália
Na Itália, o Código Penal Italiano de 1930 trata a reincidência com mais rigor do
que a lei brasileira, na qual o critério adotado é o da reincidência ficta, que é a
desnecessidade do cumprimento total ou parcial da pena imposta, para a sua
configuração.20
Observa Antolisei, com respeito à reincidência, que o critério italiano é mais
rigoroso, pois “acolhe a perpetuidade dos efeitos da condenação anterior para sua
caracterização, e, ainda, adota três formas de reincidência: a simples, a agravada e a
reiterada”. 21
A reincidência simples é apontada quando ocorrer a prática de nova infração, ou
seja, depois de o réu ter sofrido condenação criminal definitiva, acarretando aumento de
até um sexto na pena posterior, desde que o novo delito ocorra após cinco anos da primeira
condenação, pois, se for antes, será caracterizada reincidência agravada.22
20
Artigo 99 a 106 do Código Penal Italiano, conhecido como Código de Rocco. Apud, CHIQUEZI, 2009, p.
62.
21
ANTOLISEI, Francesco, Maneal de derecho penal. Buenos Aires: UTEHA, 1960, p. 482. Apud,
CHIQUEZI, 2009, p. 62.
22
CHIQUEZI, 2009, p. 63, et. seq.
Para caracterizar a reincidência agravada, “se faz necessária a ocorrência
de reincidência específica, que é a violação do mesmo artigo, ou se possuir caracteres
fundamentais comuns, ou se o novo crime acontecer durante ou após a execução da
primeira pena.” Nesses casos, o aumento da pena será de um terço.23
Já para a reincidência reiterada, sua configuração se dará para o caso da execução
de novo crime por quem já era considerado reincidente, com aumento da pena em até
metade, se for reincidência simples, e de até dois terços se for agravada.24
2.2 Reincidência na França
A lei penal da França, igualmente à brasileira, admite o sistema da reincidência
ficta e genérica, desta feita não exigindo o cumprimento da pena anterior, nem que os
crimes sejam da mesma espécie.
Porém, o Código Penal Francês prevê aumentos diferenciados para os reincidentes,
conforme “a quantidade de pena privativa de liberdade aplicada no primeiro crime e a pena
máxima prevista para a segunda infração penal”. Aplicando aos “crimes mais graves o
sistema da perpetuidade dos efeitos da sentença anterior para fins de reincidência”.25
Interessante ressaltar que na França existe a previsão de reincidência para as
pessoas jurídicas, com sistema próximo ao das pessoas físicas. “A pena aplicada variará da
elevação da multa aplicável até a interdição ou dissolução da empresa.”26
2.3 Reincidência em Portugal
23
CHIQUEZI, 2009, p. 63.
CHIQUEZI, 2009, p. 63.
25
CHIQUEZI, 2009, p. 61.
26
CHIQUEZI, 2009, p. 61.
24
Em relação ao sistema brasileiro, o Código Penal português é mais limitado para a
configuração da reincidência, visto que, mesmo adotando o sistema da reincidência ficta,
“só a reconhecem nos crimes dolosos, punidos com a pena de prisão efetiva superior a seis
meses, desde que o agente tenha sido condenado definitivamente por crime anterior com
esses requisitos mínimos.” Além disso, há necessidade de que seja analisado no caso
concreto, pois, “se a condenação anterior não serviu como foi suficiente advertência contra
novas práticas delituosas”, deverá o juiz “verificar se incidirá ou não o aumento da pena
decorrente da recidiva, não sendo sua aplicação automática.”27
2.4 Reincidência em Cuba
Em Cuba a reincidência também é reconhecida para a agravação da pena. Contudo,
considera-se reincidente quem tenha sofrido condenação penal por crime doloso e pratica
outro delito em seu território ou no estrangeiro, demonstrando que adotou o critério da
reincidência própria, qual seja, que o delito seja cometido após cumprimento total ou
parcial da pena anteriormente imposta, diferentemente do sistema brasileiro, que se
contenta com a simples reincidência ficta.
A lei penal cubana faz distinção entre o reincidente simples e o multirreincidente,
especificando que haverá reincidência múltipla se a nova prática delituosa for antecedida
de duas ou mais sanções cumpridas por crimes dolosos. Destaca-se também que foi
acolhida tanto a reincidência genérica, quanto a específica, pois “os crimes praticados
podem ser diferentes ou da mesma espécie, porém para esta o aumento da sanção é
maior”.28
O cotejo da legislação internacional é algo importante, pois poderá servir de
parâmetro para evolução da lei penal brasileira.
CAPÍTULO 3
27
DIAS, Jorge de Figueredo. Direito penal português: as consequências jurídicas do crime. Coimbra: 2005,
p. 274. Apud, CHIQUEZI, 2009, p. 64.
28
Art. 55, Código Penal Cubano. Apud, CHIQUEZI, 2009, p. 68.
3. Fundamentos para exacerbação da pena
Existe entendimento favorável para o agravamento da pena em
decorrência da reincidência, baseando-se em questões meramente subjetivas, análise
intrínseca do indivíduo, como a personalidade, a culpabilidade, enfim, concepções que não
se fundam em verdades absolutas e fazem um juízo de valor que nem sempre corresponde
com a verdade, conforme a análise que faremos a seguir.
3.1 Maior periculosidade do réu
O posicionamento de quem defende a reincidência baseia-se no fato de
que o reincidente apresenta periculosidade mais acentuada, pois já foi condenado
anteriormente, fato este que justificaria a agravação da pena devido à necessidade de
defender a população, mantendo-o mais tempo longe do convívio social.
Menciona Yarochewsky29, que os positivistas sustentam que o tratamento
mais grave decorrente da reincidência, se deve ao fato da maior periculosidade, por ter o
agente reiterado sua atuação criminosa, evidenciando maior temibilidade e periculosidade
do que demonstraria um delinquente primário.
Ferri, um dos principais integrantes da Escola Positiva, expôs a
preocupação positivista com a periculosidade que o delinquente apresenta à sociedade e a
necessidade de medidas preventivas e repressivas no combate à criminalidade, como se
observa na seguinte passagem:
Para a defesa preventiva, distinguem-se os cidadãos perigosos e não
perigosos; para a defesa repressiva todos os delinquentes são perigosos,
se bem que em grau diverso. Para a defesa preventiva, há uma genérica
periculosidade criminal. A periculosidade social traz consigo o perigo de
29
YAROCHEWSKY, 2005, p. 79.
crime: a periculosidade criminal traz consigo o perigo de recidiva. Há,
portanto, uma avaliação preventiva e há uma avaliação repressiva da
periculosidade. Em polícia de segurança, as providências de defesa
preventiva são “medidas de polícia” que as não devem confundir com as
“medidas de segurança” post delictum para a defesa repressiva.30
Portanto defendemos a posição que, se o reincidente é considerado mais
perigoso que o primário, tal afirmação baseia-se em fatores subjetivos, como a
antissociabilidade do delinquente, contudo devem ser analisadas quais causas o levaram à
recidiva, questão essa que trataremos mais adiante.
3.2 Maior Culpabilidade do Réu
A palavra culpabilidade nos remete a outras duas palavras: culpa e culpado,
indicando que uma pessoa é responsável por uma falta, uma transgressão, ou por um ato
que aos olhos da sociedade seja condenável.31
Ao analisarem o instituto da reincidência, alguns doutrinadores defendem que o
aumento decorrente da reincidência está lastreado na maior gravidade da culpabilidade,
pelo fato de o agente ter conhecimento da antijuridicidade e da punibilidade de sua
conduta, em decorrência da condenação anterior.
Salientamos que os “autores que veem na maior culpabilidade fundamento para o
agravamento da pena do reincidente consideram que este revela uma maior capacidade
para delinquir e para violar as normas penais”.32
Por outro lado, há doutrinadores que defendem que basear-se na maior
culpabilidade do agente é simplesmente agravar a pena devido a fatores de qualidade
30
FERRI, Enrico. Princípio de Direito Criminal. O criminoso e o crime. Tradução de Luiz de Lemos
D’Oliveira, 1ª. ed. Campinas-SP. Russell Editores, 2003, p. 266.
31
MIRABETE, 2008, p. 191.
32
YAROCHEWSKY, 2005. P. 82.
subjetiva do réu, ou seja, pelo fato de ser reincidente, não havendo com isso a análise da
gravidade e reprovabilidade do fato ilícito cometido por ele.
Com esse raciocínio, Zaffaroni destaca que ao justificar a reincidência
pela culpabilidade do réu, renuncia ao direito penal do ato e vai de encontro ao direito
penal do autor, “pretendendo julgar o que o homem é e não o que o homem fez”.33
3.3 Maior Alarme Social
Outro fundamento defendido pelos adeptos ao aumento da pena em função da
reincidência é o grande alarme social provocado, pois a população ficaria com uma
sensação de insuficiência na sanção aplicada, que visa reprimir novas práticas criminosas.
Por conseguinte majorar a pena transmitiria mais tranquilidade e sensação de dever
cumprido.
A sociedade anseia por uma punição mais rígida e por um tratamento mais rigoroso
com o reincidente que volta a delinquir, embora já tenha sofrido condenação anterior e
cumprido sua pena.
Ademais, a imagem geral do direito, como provedor da segurança jurídica, ficaria
abalada, pois aquele que já foi condenado e volta a delinquir demonstra que a punição que
lhe foi aplicada de nada serviu.
Contrário a isso Carrara afasta esse argumento da segurança jurídica ao expor que
em várias ocasiões a reincidência nem é sabida pela sociedade, pois esta muitas vezes
desconhece a vida criminosa do réu, sendo apenas do conhecimento da Polícia e do
Judiciário. Também o alarme que o delito causa na população é somente no momento que
33
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Reincidência: Um conceito do direito penal autoritário. Livro de Estudos
Jurídicos n. 6. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Jurídicos, 1993, p. 57. Apud, CHIQUEZI, 2009, p.78.
o fato ocorre e gera publicidade e notoriedade na mídia, caindo no esquecimento com o
passar do tempo.34
3.4 Insuficiência da Pena Anterior
Na visão de Carrara, a reincidência revela a ineficácia e insuficiência da
pena anterior, pois quando o “indivíduo volta a delinquir é inegável que a pena resultante
da condenação anterior não produziu o efeito esperado pelo legislador”.35
Verificado que o reincidente demonstrou desprezo à pena imposta no
crime anterior, por óbvio seria correto que fosse punido com maior severidade e rigor se
praticar um novo crime.
Contudo, embora pareça digno puni-lo com agravamento da pena, por
outro lado notamos que houve fracasso no caráter ressocializador que a pena procurar
alcançar, pois, se tivesse conseguido atingir seu objetivo, dificilmente o réu voltaria a
delinquir.
Esse posicionamento é afirmado por Yarochewsky, ao discorrer:
“Também não se justifica o agravamento da pena do reincidente sob o
fundamento de que o mesmo menosprezou a condenação anterior, pois se
a pena anterior demonstrou-se inapta e insuficiente em relação aos seus
fins, intimidação e reinserção do condenado, resta naturalmente
evidenciado o seu fracasso”.36
Não nos parece razoável insistir em uma pena privativa de liberdade, pois
esta se mostra ineficaz na prevenção da criminalidade e na redução da reincidência.
34
CARRARA, Francesco. Programa do curso de direito criminal. Parte Geral. Trad. Jose Luiz. V. de A.
Franceschini e J. R. Prestes Barra. São Paulo: Saraiva, 1957, v. II, p. 215. Apud, CHIQUEZI, 2009, p. 80.
35
CARRARA, Francesco. Programa do Curso de direito criminal. Parte geral. Trad. José Luiz V. de A.
Francesquini e J. R. Prestes Barra. São Paulo: Saraiva, 1957, v. II, p. 217. Apud, YAROCHEWSKY, 2005,
p. 75.
36
YAROCHEWSKY, 2006, p. 76.
A pena privativa de liberdade tem um vínculo umbilical com o próprio
Estado que a criou. Ela é um instrumento de afirmação do poder que o Estado deseja
transmitir aos cidadãos, é a reafirmação de sua existência, uma necessidade para sua
sobrevivência.
Sendo também a clara comprovação do extremado controle penal que o
Estado deseja manifestar. A pena surge no momento que fracassou toda e qualquer forma
de controle social, sendo, ela mesma, mais uma forma de controle, através de sua
expressão absoluta e seu caráter repressivo.37
Lamentavelmente a pena privativa de liberdade, da forma como ainda é
aplicada no Brasil, somente atua como geradora de desigualdades e injustiças.
Portanto, mostra-se não acolhedor o fundamento de majorar a pena em razão do
menosprezo à pena anteriormente imputada ao réu, ainda mais porque no Brasil adotamos
a reincidência ficta, ou seja, não é preciso que o indivíduo cumpra a sanção já fixada para
que seja reconhecida a reincidência.
37
SHECAIRA, Sérgio Salomão; Corrêa, Alceu Junior. Teoria da Pena: finalidades, direito positivo,
jurisprudência e outros estudos de ciência criminal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 153.
CAPÍTULO 4
4. A Inconstitucionalidade da Reincidência ante os Princípios Constitucionais
A essência de toda ciência jurídica tem como base fundamental os princípios. Estes
funcionam como diretrizes para aplicação da lei, orientando o direito penal na
interpretação e aplicação das normas, a fim de proteger os direitos de cada cidadão,
assegurando-lhes garantias fundamentais, tais como a vida, liberdade, dignidade, dentre
outros.38
A definição que Plácido faz sobre princípios é bem intensa, ao citá-los como
elementos vitais para o direito, como observamos a seguir:
Princípios, no plural, significam as normas elementares ou os requisitos
primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa [...] revelam o
conjunto de regras ou preceitos, que se fixam para servir de norma a toda espécie
e ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação
jurídica [...] exprimem sentido mais relevante que o da própria norma ou regra
jurídica [...] mostram-se a própria razão fundamental de ser das coisas jurídicas,
convertendo-as em perfeitos axiomas [...] significam os pontos básicos, que
servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito.39
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, os princípios
constitucionais tiveram força como alicerce em todas as áreas do direito. Contudo “as
relações existentes entre o Direito Penal e o Direito Constitucional são evidentes e
inafastáveis”40, pois as doutrinas “reconhecem que uma das funções primordiais do Direito
Penal é a de proteger os bens e valores fundamentais do Homem, o que se faz através da
imposição da pena àqueles que ofendem tais direitos consagrados na Constituição.”41
38
QUEIROZ, Carla Figueiredo Garcia de. Dignidade da família do encarcerado frente aos princípios
constitucionais penais. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br>. Acesso em 24/04/2012.
39
SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. Apud, QUEIROZ, Carla
Figueiredo Garcia de. Dignidade da família do encarcerado frente aos princípios constitucionais penais.
Disponível em:< http://www.ibccrim.org.br>. Acesso em 24/04/2012.
40
SHECAIRA, 2002, p. 54.
41
SHECAIRA, 2002, p. 54. et. seq.
No entanto, neste trabalho é sublime desenvolvermos um melhor
entendimento da reincidência dentro do direito penal, pois é imprescindível seu estudo em
harmonia com os princípios constitucionais.
Os princípios constitucionais guardam valores fundamentais da ordem
jurídica, com isso regem todas as disposições positivadas do ordenamento, abrangendo a
todos os ramos do direito. Marques nos esclarece sobre os princípios gerais do direito
quando aduz:
No campo da ilicitude do ato, há casos onde só os princípios do direito
justificam, de maneira satisfatória e cabal, a inaplicabilidade das sanções
punitivas. É o que sucede nas hipóteses onde a conduta de determinada
pessoa, embora perfeitamente enquadrada nas definições legais da lei
penal, não pode, ante a consciência ética e nas regras do bem comum, ser
passível de punição.42
As regras do direito penal seguem os pilares apresentados na
Constituição Federal, contudo os princípios demonstram sua importância ao se mostrarem
eficazes ante as lacunas existentes na legislação brasileira.
A partir dessa premissa, “a legislação infraconstitucional penal deve
adequar-se à lei maior para evitar o desrespeito aos valores do ordenamento,
proporcionando à coletividade maior segurança jurídica”.43
É cediço que o escopo imediato do Direito Penal contemporâneo reside
na proteção de bens jurídicos — sejam esses de caráter individual ou
coletivo. Isso vale dizer: não há infração penal sem lesão a um bem
jurídico. Todavia, essa função primeira deverá nortear-se por
determinados princípios penais fundamentais, dentre os quais se destacam
o princípio da liberdade e dignidade da pessoa humana [...] da
culpabilidade, [...] da individualização da pena, entre outros. Desse modo,
faz-se míster que qualquer intervenção legislativa em matéria penal se
encontre sempre alicerçada nesses princípios de garantia, verdadeiros
pilares edificadores de um Estado de Direito democrático e social.44
42
MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal, V. I, p. 176. Apud, GRECO, Rogério. Curso de
direito penal. Parte Geral. Vol. I., 7ª. Ed. Impetus. Rio de Janeiro. 2006, p. 20.
43
ASSIS, Rafael Damaceno de. Análise crítica do instituto da reincidência criminal. Disponível em
<http:\www.ibccrim.org.br/site/artigos/capa.php?jur_id=9623>. Acesso em 18/04/2012.
44
REGIS PRADO, Luiz. Princípios penais de garantia e a nova lei ambiental. In Boletim IBCCRIM. n°. 70,
1998. Disponível em <http://www.ibccrim.org.br/site/boletim/exibir_artigos.php?id=4063>. Acesso em
18/4/2012.
Os princípios constitucionais penais, explícitos ou implícitos, servem
como limitadores na intervenção estatal dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário,
determinando limites a serem seguidos pelo Estado.45
Os princípios específicos de matéria penal dão fisionomia a este ramo do
Direito, demarcando os bens que têm responsabilidade de tutelar, e o
alcance de seu poder punitivo. Alguns dos Princípios Penais limitam o
poder punitivo do Estado, na tentativa de defender as garantias
individuais do cidadão. Estes princípios estão inseridos de forma
implícita e explicitamente também na Constituição. Os implícitos se
deduzem das normas constitucionais por estarem nelas contidas. Por sua
vez, os conceitos explícitos estão enunciados de forma expressa e
inequívoca no texto da Constituição.46
Assim, demonstraremos a seguir alguns princípios constitucionais, que
levantam questões conflitantes acerca da constitucionalidade da aplicação da reincidência
para majorar a pena.
4.1 Confronto ao Princípio da Culpabilidade
O princípio da culpabilidade está consagrado em diversas constituições47,
o que realça sua importância frente às garantias necessárias de um julgamento justo, que é
fortemente garantido pela Constituição Federal aos indivíduos.
A culpabilidade diz respeito a um juízo de censura ou reprovação que se
faz com respeito a uma conduta ilícita praticada pelo agente.
Greco demonstra sua visão quando diz que “reprovável ou censurável é
aquela conduta levada a efeito pelo agente que, nas condições em que se encontrava, podia
agir de outro modo”.48
45
YAROCHEWSKY, 2005, p. 107.
http://www.edipucrs.com.br/XISalaoIC/Ciencias_Sociais_Aplicadas/Direito/84438-WILLIAMSILVEIRA
MARTINS.pdf, p. 2. Acesso em 17/04/2012.
47
LUISI, Luiz. Princípios constitucionais penais cit., p.32.Apud, YAROCHEWSKY, 2005, p. 108.
48
GRECO, 2006, p. 93.
46
Na lição de “Miguel Reale Junior, reprova-se o agente por ter optado de
tal como que, sendo-lhe possível atuar de conformidade com o direito, haja preferido agir
contrariamente ao exigido pela lei”.49
Portanto toda pessoa tem possibilidade de optar, através do livre arbítrio
que Deus lhe conferiu, podendo escolher em certas circunstâncias se agirá de uma maneira
ou de outra.
No ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da culpabilidade está
descrito na Constituição Federal, artigo 5°, inciso LVII, (“ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”).
A censura ao indivíduo criminoso deverá ser confrontada com o fato por
ele praticado, tendo em vista que no direito penal brasileiro, o que se analisa é o direito
penal do fato e não direito penal do autor. Zaffaroni, discorre que: “o ser humano não
deve ser julgado pelo que é, mas sim pelo que faz”.50
Destarte, num direito penal moderno e verdadeiramente comprometido
com a dignidade do ser humano e com o Estado Democrático de Direito,
tem-se um direito penal do fato – descrição de modelos de condutas
proibidas – que considera também o autor, sem contudo apresentar uma
descrição tipológica do mesmo.51
Analisando o aspecto do reincidente, podemos salientar que sua
culpabilidade nem sempre é maior do que a do réu primário, somente pelo fato de já ter
sido condenado anteriormente.
O juízo valorativo que a culpabilidade tem e o juízo de censura feito ao
indivíduo, em relação ao fato ilícito praticado por ele, tem como objeto o agente e sua
conduta criminosa, portanto na reincidência não existe o elo entre o fato e o agente.
A pena será aumentada simplesmente em razão de um caráter subjetivo
do réu, qual seja, o fato de ser ele reincidente ou não.
49
GRECCO, 2006, p. 93.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Reincidência: um conceito do direito penal autoritário. Livro de Estudos
Jurídicos n.6. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Jurídicos, 1993, p. 57. Apud, CHIQUEZI, 2009, p. 91.
51
YAROCHEWSKY, 2006, p. 112.
50
4.2 Confronto ao Princípio da Humanização da Pena
O princípio da humanização da pena encontra-se expresso em vários dispositivos
constitucionais. Quando a Constituição Federal de 1988 constituiu o Estado Democrático
de Direito, consistia em um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana,52
devendo, portanto,
a pessoa humana ser primeira medida para a tutela do Estado,
principalmente no Direito Penal, tendo em vista ser o condenado um sujeito de direitos,
surgindo a necessidade de manter todos os direitos fundamentais que a condenação não
atingiu.
Os legisladores preocuparam-se em assegurar o exercício dos direitos
sociais e individuais na referida Constituição, protegendo-se valores supremos como a
liberdade, igualdade, dentre outros, com intuito de se estabelecer uma sociedade fraterna,
com ênfase na harmonia social. E assentou como um dos princípios fundamentais do
Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana, constituindo como
objetivos da federação a construção de uma sociedade justa, onde prevalecem os direitos
humanos nas suas relações.53
Confirmando o que acima mencionamos, podemos citar o artigo 3° e o
parágrafo único da Lei de Execução Penal, ao dizer que “ao condenado e ao internado
serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença, ou pela lei”, e que “não
haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política”.
[...] nas palavras de ZAFFARONI consiste reconhecimento do condenado
como pessoa humana, condição que faz repousar o princípio em causa. E
cremos que todo este sentido humanitário da prisão deveu-se pelo
progresso dos países ocidentais no reconhecimento e anseio na
concretização dos direitos fundamentais do Homem e dos cidadãos,
convencionados nas Declarações e Convenções Universais, o que
proporcionou e culminou na valorização dos direitos dos reclusos [...]54
52
“A Republica Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa
humana”. Art. 1°, III, Constituição Federal. 1988.
53
SANGION, 2008, p.118.
54
SANGION, 2008, p. 85.
Ademais, é através da forma como se pune que se verifica o avanço
moral, espiritual e sociológico da sociedade, não se admitindo nos tempos modernos
qualquer tipo de castigo que venha a ferir a dignidade e a própria condição do homem
sujeito de direitos.55
Além disso, a pena de prisão é privativa da liberdade e não da dignidade
ou do respeito daquela pessoa. Beccaria salientou a importância na proporção da pena ao
discorrer: “As penas que vão além da necessidade de manter o propósito da salvação
pública são injustas por sua natureza; e tanto mais justas serão quão mais sagrada e
inviolável for a sentença e maior a liberdade que o soberano propiciar aos súditos”.56
Ao falarmos dos direitos inerentes à pessoa humana, temos como
referência a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que acentua a afirmação de
preceitos relativos à paz, à justiça e ao bem-estar da humanidade, salientando
principalmente os direitos fundamentais da pessoa, como a busca pela igualdade e outros,
culminando no princípio inabalável e universal da dignidade da pessoa humana.57
4.3 Confronto ao Princípio da Proporcionalidade da Pena
O princípio da proporcionalidade das penas opera em duplo âmbito, sendo o
primeiro no âmbito legislativo, “mandato para o legislador que as penas abstratamente
cominadas sejam proporcionais à gravidade dos delitos”, o segundo no âmbito judicial,
mandato dirigido ao judiciário “para que as penas concretamente impostas aos autores dos
delitos guardem também proporcionalidade com a gravidade dos fatos no caso concreto”.58
Dessa forma, no momento que o legislador comina abstratamente uma
pena para o crime de homicídio, não está de maneira alguma fazendo qualquer distinção
entre ser o homicídio praticado por um réu primário ou por um reincidente. O fato de ser
55
SHECAIRA, 2002, p. 86.
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução Torrieri Guimarães. Ed. Hemus, 2005, p. 15.
57
SANGION, 2008, Ibid. p. 115
58
YAROCHEWSK, 2005, p. 124.
56
praticado por alguém reincidente não irá agravar em nada o delito por ele praticado,
tampouco o crime se torna mais grave.59
Cesare Beccaria defendia com maestria a proporcionalidade da pena em
relação ao crime cometido, quando destacado por Yarochewsky:
[...] não só é de interesse comum que não sejam cometidos delitos, mas
também que eles sejam tanto mais raros quanto maior o mal que causam à
sociedade. Portanto devem ser mais fortes os obstáculos que afastam os
homens dos delitos na medida em que estes são contrários ao bem
comum e na medida dos impulsos que os levam a delinquir. Deve haver,
pois, uma proporção entre os delitos e as penas.60
Beccaria exemplifica que os juízes não podem em nome da justiça e do bem
comum aplicar a um membro da sociedade uma pena que não esteja estabelecida em lei, “e
a partir do momento que o juiz se faz mais severo do que a lei, ele se torna injusto, pois
aumenta um novo castigo ao que já está prefixado”.61
Portanto, o que se deve levar em conta no momento de aplicar a pena são as
circunstâncias subordinadas somente ao fato praticado, pois é por este novo fato que o
agente está sendo julgado, não pelo anterior.
4.4 Confronto ao Princípio da Individualização da Pena
A Constituição Federal em seu artigo 5°, inciso XLVI, declara que “a lei regulará a
individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da
liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou
interdição de direitos.
59
YAROCHEWSKY, 2005, p. 125.
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. Lúcia Guidicini e Alessandro Berti Contessa. São
Paulo: Martins Fontes, 1998, p.50. Apud, YAROCHEWSKY, 2006, p. 112.
61
BECCARIA, 2005, p. 16.
60
Na interpretação deste artigo podemos analisar que o legislador valora a
conduta do indivíduo, imputando-lhe penas que variam de acordo com a importância do
bem que deverá ser protegido.
A proteção da vida, por exemplo, deverá ser feita através de uma ameaça
de pena mais severa do que aquela prevista para resguardar o patrimônio de uma pessoa,
ou até mesmo um crime doloso terá a pena maior do que aquele que foi praticado
culposamente.
Essa fase seletiva que o legislador executa é a chamada cominação, na
qual, de acordo com critério político, deverá valorar os bens que estão sendo objeto de
proteção do Direito Penal, individualizando as penas de cada infração de acordo com sua
gravidade.62
Chegando à conclusão de que o fato praticado é típico, ilícito e culpável,
o legislador decidirá qual infração penal foi praticada pelo réu e iniciará a individualização
da pena correspondente. “Primeiramente, fixará a pena-base de acordo com o critério
trifásico determinado pelo artigo 68 do Código Penal, atendendo às chamadas
circunstâncias judiciais”. (Greco, 2006, p. 76). Logo após, verificará as atenuantes e
agravantes, depois causas de diminuição e aumento da pena, encerrando então a fase
chamada de aplicação da pena.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça determina orientação a ser
seguida através do seguinte julgado:
Pena – Individualização (CP, art. 59). A individualização da pena é
exigência do Código Penal, com assento na Constituição da República.
Cumpre ao magistrado ponderar os requisitos mínimos do art. 59 do
Código Penal. Em seguida, à pena-base, considerará circunstâncias
agravantes e atenuantes. Por fim, causa de aumento ou diminuição. A
sentença será fundamentada, exigindo-se, como tal, explicitação dos
fatos, de modo que se conheça como foram ponderados.63
62
GRECO, 2006, p.75.
STJ, RHC n° 0895 – MG, 6ª. Turma – Rel. Min. Vicente Cernicchiaro, DJ de 1°/4/1991, p. 3.427. Apud,
GRECO, Rogério. 2006, p. 76.
63
Ao analisarmos a individualização da pena no caso da reincidência, o
Código Penal, no artigo 61, inciso I, determina que obrigatoriamente a pena seja agravada,
conforme podemos observar a seguir: “São circunstâncias que sempre agravam a pena,
quando não constituem ou qualificam o crime: I - a reincidência”.
Contudo ainda temos outros efeitos gravosos que atingem a reincidência,
qual sejam o início do cumprimento da pena em regime mais grave e a impossibilidade de
substituição da pena corporal por pena restritiva de direitos ou multa.
Destarte nem sempre o reincidente poderá ser digno de sanção penal mais
gravosa, pois é necessária análise do caso concreto e de fatores que podem ter contribuído
para a reincidência, de forma que a pena aplicada seja justa e de acordo com a gravidade
do crime praticado.64
Quando falamos do princípio da individualização da pena “refere-se à
individualização judicial, o que equivale dizer que ao aplicá-la deve o juiz considerar a
pessoa, o indivíduo concretamente”.65
Portanto agravar a pena em razão de um fato (a condenação anterior) não
demonstra que o juiz está comprometido com o indivíduo, com a pessoa à qual a pena está
destinada.
É óbvio que o juiz na individualização da pena não pode desconhecer a
reincidência do réu, tampouco sua personalidade, sua primariedade, seus antecedentes.
Com o estudo do nosso trabalho, podemos verificar que a imposição
obrigatória de agravar a pena em função da reincidência não está em conformidade com o
princípio da individualização da pena.
Cernichiaro, quando mencionado por Yarochewsky, propõe “que a
circunstância agravante da reincidência, prevista no art. 63, do Código Penal brasileiro, não
64
65
CHIQUEZI, 2009, p. 93.
YAROCHEWSKY, 2005, p. 122.
seja interpretada de forma meramente objetiva, vez que considerar simplesmente a
pluralidade de infrações implicaria a projeção de pena de um crime em outro”.66
Porém o que é inaceitável é o fato de a reincidência automaticamente e
obrigatoriamente agravar a pena do indivíduo, comprovando-se nossa afirmação de que
agindo dessa forma o juiz vincula-se ao crime anterior, para agravar a pena atual
tornando-se mais severo do que a própria lei.
4.5 Confronto ao Princípio do Ne Bis in Idem
Passaremos a analisar a inconstitucionalidade da reincidência do ponto de
vista do princípio do ne bis in idem, que veda dupla punição, ou seja, não admite uma
persecução penal múltipla, isto é, que uma pessoa e o mesmo fato sejam de novo aferidos
judicialmente. Tal princípio proíbe a dupla valoração penal na medida em que obsta que o
delito anterior produza novamente consequências penais ao delinquente.
O amparo legal do princípio ne bis in idem está no princípio
constitucional da legalidade, previsto na Constituição Federal em seu artigo 5°, inciso
XXXIX,67 pois impede que um mesmo fato seja duas vezes tipificado.68
O princípio do ne bis in idem surge como pilastra do Estado Democrático
de Direito e do garantismo. Isto porque veda a dupla incriminação, demonstrando que o
Estado não pode punir o indivíduo duas vezes pelo mesmo fato.
No sistema jurídico brasileiro, no qual a presunção deve ser de inocência
e não de culpabilidade, a reincidência afeta o princípio do ne bis in idem, o que deixa o
indivíduo estigmatizado, tornando-o diferenciado dos demais membros da sociedade.
66
YAROCHEWSKY, 2005, p. 122. et. seq.
Constituição Federal, artigo 5°, XXXIX, “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal”.
68
FRANCO, Alberto Silva. Et Al. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial, tomo 1. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1995, p. 781. Apud, CHIQUEZI, 2009, p. 95.
67
A violação ao princípio ne bis in idem também afeta o princípio processual
constitucional da coisa julgada (art. 5°, XXXVI, da Constituição Federal)69, endo em vista
que a pena maior que se impõe no segundo delito decorre do primeiro, fato esse pelo qual o
indivíduo já havia sido julgado e condenado.70
Na visão de Maia Neto, a reincidência “configura um plus para a
condenação anterior já transitada em julgado. Quando o juiz agrava a pena na sentença
posterior está, em verdade, aumentando o quantum da pena do delito anterior, e não
elevando a pena do segundo crime...”71 quando citado por Yarochewsky.
A aplicação da reincidência em nosso direito afronta os direitos e
garantias individuais que a Constituição Federal Brasileira largamente defende, tornandose temerário à população, na medida em que a aplicação dessa pesada regra, inclusive a
crimes que não sejam graves ou violentos, poderá gerar verdadeira discrepância como o
apenamento mais severo àquele que cometer dois crimes pequenos, sem violência ou
gravidade, frente a outro que cometer somente um delito, mas infinitamente violento e
cruel.72
Cabe ainda salientar que, aplicada a pena ao caso concreto, encerra-se o
poder punitivo do Estado, isso quer dizer que, se o infrator “pagou” à sociedade sua dívida,
não poderá ser novamente punido pelo mesmo fato.
Portanto, após a análise dos princípios constitucionais, cabe-nos a
reflexão sobre a inconstitucionalidade da reincidência frente a tais princípios, tendo em
vista ser o direito penal brasileiro comprometido com o ser humano e com as garantias
constitucionais que um Estado Democrático de Direito nos oferece.
69
Constituição Federal, artigo 5°, XXXVI, “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e
a coisa julgada”.
70
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, v. I. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 718. Apud, CHIQUEZI, 2009, p. 95.
71
MAIA NETO, Cândido Furtado. Direitos humanos do preso. Lei de execução penal. v. I, p. 138-139.
Apud, YAROCHEWSKY, 2005, p. 132.
72
ALMEIDA, Débora de Souza de. Three strikes and you’re out: A vitimização da democracia substancial
na cruzada contra a reincidência criminal. In Boletim IBCCRIM n° 213, 2010. Disponível em
http://www.ibccrim.org.br/site/boletim/exibir_artigos.php?id=4149. Acesso em 26/04/2012.
CAPÍTULO 5
5. Reflexos da Pena de Prisão na Reincidência Criminal
Propõe-se demonstrar neste capítulo que a elevada taxa de reincidência no país tem
correlação à ineficácia da pena de prisão. Contudo é míster que façamos uma breve análise
da história das penas no contexto jurídico.
A definição da palavra pena é derivada do latim, poena, indicando castigo ou
suplício. Todavia também possui origem grega, ponos, que significa trabalho ou fadiga. Na
visão jurídica, mais específica no direito penal, pena é consequência atribuída por lei ao
crime ou contravenção penal que algum indivíduo praticou. A pena é sempre uma reação a
uma violação normativa, uma punição com caráter restritivo ou privativo da liberdade,
podendo também ser de natureza pecuniária.73
Ao longo da existência humana, foram surgindo várias legislações que tinham
como propósito orientar as penalidades impostas a cada infração por elas previstas.
Nos tempos antigos, a pena, na maioria dos casos, repousava sua
justificativa em fundamentos religiosos e tinha por escopo agradar a divindade afrontada
pelo criminoso, ou seja, devido à importância da religião naquela época, muitas vezes a
imposição das penas era empregada pelos sacerdotes.74
Desde a antiguidade, as penas se caracterizavam como extremamente aflitivas,
obrigando o agente do delito a pagar com sofrimento do próprio corpo pelo mal que
causou. Após o período Iluminista, iniciou-se a modificação na mentalidade das pessoas
com respeito à cominação das penas. Beccaria foi um grande incentivador para tal
mudança, pois em sua obra Dos Delitos e das Penas, publicada em 1764, defendia que os
73
ESTEFAM, 2010, p. 290.
POLAINO, Celso Gomes. Adequação da Pena: Reflexos e Sugestões. Dissertação (Mestrado em Direito
Penal - Faculdade Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011, p. 11.
74
seres humanos não podiam tratar seus próprios semelhantes com tanta barbárie e
sofrimento.75
Com a evolução da humanidade, após o século XVIII, viu-se a
necessidade de encontrar uma forma mais humana e justa de punir os criminosos,
mantendo proporção entre o castigo a ser aplicado e a transgressão cometida, gerando com
isso uma mitigação nas penas a serem aplicadas.76 (POLAINO, 2011, p. 45).
Há que se verificarem as três correntes doutrinárias que surgiram a
respeito da natureza e dos fins das penas, conforme mencionado por Mirabete:
As teorias absolutistas (de retribuição ou retribucionistas) “têm como
fundamento da sanção penal a exigência da justiça: pune-se o agente porque cometeu o
crime (punitur quia pecatum est).” Menciona ainda que Kant afirmava que a pena é um
imperativo categórico, consequência natural do delito, uma retribuição jurídica, pois ao
mal do crime está imposto o mal da pena, resultando em igualdade, que por consequência
trará a justiça. O castigo irá compensar o mal e dará reparação à moral. “O castigo é
imposto por uma exigência ética, não se tendo que vislumbrar qualquer conotação
ideológica nas sanções penais. [...] Para a escola clássica, a pena era tida como puramente
retributiva, não havendo qualquer preocupação com a pessoa do delinquente”.77
Porém nas teorias relativas (utilitárias ou utilitaristas) a pena tinha um
fim prático, em especial o de prevenção. O crime não seria causa da pena, mas a ocasião
para ser aplicada. “O fim da pena é a prevenção geral, quando intimida todos os
componentes da sociedade, e de prevenção particular, ao impedir que o delinquente
pratique novos crimes, intimando-o e corrigindo-o”.78
Entretanto, para as teorias mistas (ecléticas), juntaram-se as duas
correntes, pois entenderam que a pena, por sua natureza, é retributiva, com seu aspecto
moral,
contudo sua finalidade não é só a prevenção, mas também um misto de educação
e correção, “... a pena deve conservar seu caráter tradicional, porém outras medidas devem
75
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das Penas. Apud, GRECO, Rogério. 2006, p. 522.
POLAINO, 2011, p. 45.
77
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I. 24ª. Ed. São Paulo. Atlas, 2008. p. 244.
78
MIRABETE, op. cit., p. 245.
76
ser adotadas em relação aos autores de crimes, tendo em vista a periculosidade de uns e a
inimputabilidade de outros”.79
Conclui-se, que a atual legislação penal adotou a teoria mista, pois fica
claro na parte final do caput do artigo 59 do Código Penal, que a seguir descrevemos:
Artigo 59: O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta
social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e
consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima,
estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e
prevenção do crime. Grifo nosso.
Contudo hoje percebemos que existe uma preocupação maior com a
integridade física dos apenados, pois vários pactos entre as nações foram assinados. Como
exemplo, citemos a Convenção Americana de Direitos Humanos - Pacto de San José da
Costa Rica, (1969), tendo como objetivo um regime de liberdade pessoal e de justiça
social, fundado no respeito dos direitos humanos, preservando a dignidade física e mental
das pessoas.80
Vimos que anteriormente as penas exprimiam a natureza aflitiva e
sofredora ao corpo do criminoso, que pagava pelo mal causado, porém na atualidade
quando penetramos no atual sistema de prisão, o quadro que avistamos não é muito
diferente.
Nesse sentido, abordaremos a seguir a origem da pena de prisão, ou seja,
a privação da liberdade como pena principal.
A origem da pena de prisão ocorreu nos mosteiros da Idade Média,
“como punição imposta aos monges ou clérigos faltosos, fazendo com que se recolhessem
às suas celas para se dedicarem, em silêncio, à meditação e se arrependessem da falta
cometida, reconciliando-se assim com Deus.”81
79
MIRABETE, 2008, p. 245.
<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>. Acesso em
28/04/2012.
81
PIMENTEL, Manoel Pedro. O crime e a pena na atualidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p.
132. Apud, GRECO, 2006, p. 529.
80
Isso serviu de inspiração para a construção da primeira prisão dedicada
ao recolhimento de criminosos, em Londres, por volta de 1550, a House of Correction,
propagando-se a partir daí esse modelo.82.
No que diz respeito à execução das penas privativas de liberdade,
destacaremos aqui a visão doutrinária de Mirabete sobre três sistemas penitenciários: o
sistema da Filadélfia, o de Auburn e o sistema Progressivo.
Para o sistema da Filadélfia, era utilizado isolamento absoluto em cela,
sem trabalho ou visitas, incentivando ao detendo a leitura da Bíblia. Porém ocorreram
muitas críticas ao sistema, pela severidade no isolamento do condenado.83
No sistema Auburn, o isolamento era apenas noturno, contudo os presos
já podiam trabalhar, primeiro em suas celas, depois em grupos. Todavia a característica
desse sistema era o total e absoluto silêncio entre os criminosos, mesmo quando em
grupos, o que era motivo de censuras, pois o consideravam desumano, porque além de
privados de sua liberdade, ficavam obrigados ao silêncio.84
O sistema Progressivo rompeu-se na Inglaterra, no século XIX, onde o
que se considerava era o comportamento e aproveitamento do preso, através da boa
conduta e do seu trabalho.
Eram estabelecidos três períodos de estágio para o
cumprimento da pena, sendo o primeiro chamado de período de prova, no qual o detento
tinha que suportar o isolamento absoluto na cela; o segundo já obtinha permissão para
trabalhar em comum com os outros presos, porém o silêncio era obrigatório, passando-se a
obter alguns outros benefícios se tudo fosse cumprido; no terceiro era concedido ao preso o
livramento condicional. Esse sistema é o que mais se aproxima ao sistema adotado no
Brasil.85
Apesar de ter contribuído para eliminar as antigas penas aflitivas
corporais, a pena de prisão não corresponde às expectativas de cumprimento, com a
82
MIRABETE, 2008, p. 250.
MIRABETE, 2008. p. 250.
84
Ibid. p. 250
85
Ibid. p. 251
83
finalidade de recuperação do criminoso, muito contrário a isso, auxilia para que o preso ao
sair execute novos crimes, aumentando a reincidência criminal em níveis alarmantes.
No momento que ingressa na prisão, o preso é submetido a uma série de
rituais de admissão, quando seu nome é alterado por um número, seu cabelo é raspado,
suas roupas são substituídas por uniformes, ou seja, todos seus bens pessoais são extintos,
sua individualidade e personalidade são banidas, de forma que, a partir daquele momento,
possa absorver a nova cultura e ensinamento que o sistema prisional lhe impõe,
manifestando assim o poder repressor que o Estado executa.86
A pena de prisão só alcança o objetivo de coibir a prática de novos
crimes enquanto o preso estiver exclusivamente cumprindo a pena, sem ter como executar
os delitos.
Porém, no momento em que deixar o cárcere, o efeito desastroso que
esse causará será o aumento da prática de novos delitos proporcionado pela privação da
liberdade.87
Vimos, portanto,
que a pena de prisão é uma triste ilusão de
ressocialização e reintegração do criminoso, pois, ao cumprir a pena privativa de liberdade
dentro deste submundo do crime, que é o sistema prisional, estará fadado à marginalidade,
ficando estigmatizada em sua vida esta triste condição de criminoso.
5.1 O Fracasso da Ressocialização como causa da Reincidência
Na Constituição Federal de 1988 a prisão perpétua foi proibida, portanto toda
pessoa que entrar no sistema prisional terá data determinada para sair.88
86
BRAGA, Ana Gabriela Mendes. A Identidade do Preso e as Leis do Cárcere. 2008. Dissertação.
Dissertação (Mestrado em Direito Penal-Faculdade Direito da Universidade de São Paulo) São Paulo, 2008,
p.45. Acesso em 30/04/2012.
87
SALVADOR, Alamiro Velludo Netto. Finalidades da Pena, Conceito Material de Delito e Sistema Penal
Integral. 2008. Tese. (Doutorado em Direito Penal-Faculdade Direito da Universidade de São Paulo) São
Paulo, 2008, p.257. Acesso em 30/04/2012.
Contudo o que se espera do Estado é que o ex-detento ao deixar o cárcere tenha
condições mínimas de reintegração à sociedade. Porém hoje o que se vê é uma realidade
muito diferente.
Lamentavelmente poderemos constatar “que a prisão tem apenas o condão de
isolar, temporariamente, o indivíduo da sociedade, infligindo-lhe toda a espécie de
sofrimentos e humilhações além, é claro, de manter o sistema de poder e dominação do
Estado”.89
O atual sistema penitenciário do país demonstra que a ressocialização é quase
inexistente. Vários fatores contribuem para isso, dentre eles falta de estrutura dos presídios,
superlotação, precária assistência médica, despreparo dos agentes públicos responsáveis
pelos detentos e principalmente pelo total desrespeito às regras mínimas dos Direitos
Humanos.90
Oportuno o ensinamento de Cervini, conforme salienta Chiquezi:
Na prisão, o interno geralmente não aprende a viver em sociedade, pelo
contrário, continua, e ainda, aperfeiçoa sua carreira criminosa por meio
do contato e das relações com os outros delinquentes. Certamente a
prisão muda o delinquente, quase sempre para pior. Ali não lhe ensinam
sobre valores positivos mas negativos para uma vida livre na sociedade.
Como assinala de forma aguda o norte-americano Nimmer, o interno
entra numa instituição como “graduado” e sai com um “doutorado”.91
Grifo nosso.
Há tempos, também as cadeias públicas transformaram-se em depósitos
de presos, com celas minúsculas, superlotadas. Nelas o que menos se encontram são
presos provisórios, como a regra dita, ao contrário, a superpopulação ocorre por contas dos
presos definitivos, que ali permanecem.
88
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, Artigo 5°, inciso XLVII: não haverá penas :a) de morte, salvo em
caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de
banimento; e) cruéis.
89
YAROCHEWSKY, 2006, p.185.
90
CHIQUEZI, 2009, p. 116.
91
CERVINI, Raúl. Os processos de descriminalização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 48. Apud,
CHIQUEZI, 2009, p. 117.
É preciso que haja na sociedade uma mudança de mentalidade, para
propiciar aos ex-presos meios de aceitação e sobrevivência, como trabalho e moradia, pois,
se efetivamente estiverem reintegrados, dificilmente voltarão a delinquir.
Chiquezi salienta a triste situação dos nossos presídios e presos que foi
documentada no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI, da Câmara dos
Deputados, sobre o sistema carcerário, onde foram constatadas graves violações aos
direitos dos presos e relatou que “ao invés de recuperar quem se desviou da legalidade, o
Estado embrutece, cria e devolve às ruas verdadeiras feras humanas”.92
Nesse sentido, não temos como negar a relação existente entre a falta de
ressocialização e reincidência, pois a pena de prisão deveria resultar em uma preparação
profissional ao preso, ocupando-o e educando-o durante o tempo ócio, com o objetivo de
melhorar sua relação pessoal, procurando despertá-lo para uma consciência social,
propiciando a ele no momento de sua liberdade certa segurança ao vislumbrar uma nova
oportunidade de vida.
Contudo o que acontece é bem diferente, pois o delinquente ao sair não tem a
receptividade que almejava, não tem perspectiva alguma de trabalho, de educação, muitas
vezes nem apoio familiar, ao passo que não lhe resta alternativa a não ser voltar a
delinquir, confirmando nossa posição de que a ineficácia no caráter ressocializador da pena
de prisão contribui amplamente para a reincidência criminal.
O Estado não consegue alcançar sua finalidade ressocializadora através da pena de
prisão, pois esta “não é capaz de intimidar àqueles que a conhecem de perto e já sofreram
seus males”, demonstrando ser infrutífera.93
92
CPI presidida pelo Deputado Neucimar Fraga e sob relatoria do Deputado Domingos Dutra, com relatório
final apresentado em julho de 2008. Relatório disponível no site oficial da Câmara dos Deputados.
Disponível em:< http://www2.camara.gov.br>. Apud, CHIQUEZI, 2009, p. 117.
93
YAROCHEWSKY, 2005, p. 185.
5.2 Fatores Emocionais como Contribuição para a Ocorrência da Reincidência
A falta de preparação psicológica, emocional e os efeitos colaterais negativos pela
privação da liberdade do ex-detento repercutem diretamente nos altos índices da
reincidência criminal, pois ao deixar o cárcere levará consigo o rótulo de criminoso e de
ex-presidiário.
Como demonstra Sangion, ao mencionar Maria Camacho Brindis, vários
transtornos psíquicos apresentados pelos presos poderiam estar relacionados “a diversos
fatores ligados à personalidade do indivíduo sujeitado à privação da liberdade, ligados
principalmente ao próprio ambiente prisional, que constitui em si uma agressão, um germe
patológico por ser tão desfavorável e dessocializador".94
A autora ainda relata que os transtornos psíquicos, reflexos que a prisão
acarreta nos detentos, através de sua rigidez, levam a comportamentos anormais, que
dificultam seriamente uma adequada reinserção do preso ao meio social.
Quanto às consequências provenientes do encarceramento, podemos
ainda mencionar a retirada do indivíduo do convívio social, gerando a ruptura da relação
familiar, na maioria dos casos homens, pais que se ausentam do lar, acarretando também
efeitos negativos aos filhos do ex-detento.
Outro ponto a salientar diz respeito ao que a Lei de Execução Penal
regula para o cumprimento de pena aplicada aos condenados no Brasil.
Várias emendas ocorreram nos últimos anos, tornando-a moderna e
compatível com todo o corolário legislativo, garantindo ao apenado respeito a sua condição
humana.
O artigo 5º da Carta Magna estabeleceu vários direitos fundamentais em
favor do condenado, como a proibição das penas cruéis (inciso XLVII,
94
letra e); o
CAMACHO BRINDIS, María Cruz, “Psiquiatría y prision” ADPCP, Madrid, 1993, tomo XLVI, fasc, 2,
may./ago., p 736. Apud, SANGION, 2008, p.106.
cumprimento da pena em estabelecimentos distintos e adequados (inciso XLVIII) e
naturalmente o respeito à integridade física do preso (inciso XLIX).
Direitos e garantias aos presos, “... além daqueles previstos em
convenções e pactos dos quais o Brasil é signatário, se encontram descritos na Lei de
Execução Penal, que formalmente é adequada, mas na prática é falha quando aplicada pelo
Estado nos milhares de encarcerados do país”.95
O artigo 10 da Lei de Execução Penal dispõe que “a assistência ao preso
e ao interno é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à
convivência em sociedade”, estabelecendo um referencial para o Estado, levando em
consideração que, ao sair, o condenado retornará à sociedade, portanto necessita de ajuda e
orientação.96
Devido à falência do Estado em proporcionar meios de subsistência e
oportunidades ao ex-detento, lamentavelmente só lhe restarão duas alternativas, juntar-se
aos milhares de brasileiros desempregados que passam fome ou retornar ao mundo do
crime.97
Em seu trabalho “Psiquiatría y Prisión”, que aborda sobre o problema
das penitenciárias do México, María Camacho Brindis, mencionada por Sangion, relaciona
a prisão e seu fator criminógeno como a grande problemática que encerra a ideia de
reinserção social do detento através daquele meio. “Segundo a autora o recluso ao
ingressar no sistema carcerário desenvolve uma série de psicoses e esquizofrenias nada
eficazes para seu objetivo (re)socializador”.98
O próprio cotidiano e rotina do cárcere, como as crueldades cometidas
pelos agentes penitenciários, ou pelos companheiros de cela, a convivência com
criminosos
95
perigosos,
dentre outros
fatores,
certamente desencadeiam
traumas
FERREIRA, Juvenal Marques Filho. A ilegalidade do recolhimento de presos condenados nas cadeias
públicas. Disponível em: < http://adpesp.org.br/noticias_exibe.php?id=1390>. Acesso em 04/05/2012.
96
ANJOS, Fernando Vernice. Análise Crítica da Finalidade da Pena na Execução Penal: Ressocialização e o
Direito Penal Brasileiro. Dissertação. (Mestrado em Direito Penal-Faculdade Direito da Universidade de São
Paulo) São Paulo, 2009. p. 92. Acesso em 01/05/2012.
97
CHIQUEZI, 2009, p. 125.
98
SANGION, 2008, p. 101.
psicológicos, acarretando também fatores de despersonalização nos detentos, ocasionando
maior probabilidade de reincidência criminal.99
Pelas pesquisas efetuadas, concluímos que vários elementos contribuem
para a ocorrência da reincidência, contudo os fatores sociossistêmicos, sociofamiliares e
psicológicos são de grande relevância.100
O Conselho Federal de Psicologia publicou, em julho de 2010, a
Resolução nº. 009/2010, que regulamenta a atuação do psicólogo no
sistema prisional e estabelece princípios a serem seguidos por este
profissional. O conteúdo da resolução indica diversas formas nas quais o
psicólogo deverá prestar serviços nos sistema prisional de maneira
responsável e com qualidade, respeitando os princípios éticos que
sustentam o compromisso social da Psicologia. Ou seja, o trabalho do
psicólogo deve envolver a construção de políticas públicas no campo
criminal que objetivem o tratamento dos apenados, a retomada de laços
sociais através de instituições comprometidas com a promoção de saúde e
bem estar, que lhe deem apoio, suporte e acompanhamento
psicossocial.101(Grifo nosso)
Vimos no artigo acima, que, embora precários, os meios de apoio que o
Estado fornece ao ex-detento, através de acompanhamento psicológico, só comprovam os
prejuízos que o encarceramento causa àquela pessoa.
As consequências do encarceramento provocam lesões profundas aos presos,
contudo esses ainda têm que sofrer no momento da saída do cárcere, pois encontram a
sociedade despreparada para recebê-los, sem saber como conviver com
ex-
presidiários, tratando-os com preconceito e desprezo, esquecendo-se que já pagaram pelos
crimes que cometeram.
99
FERREIRA, Ana Paula Cavallare. A relação entre Transtorno de Personalidade e os atos delituosos dos
internos do Sistema Penal do Estado do Pará. Dissertação. (Trabalho de Graduação para a obtenção do Grau
de Bacharel em Psicologia, na Universidade da Amazônia) Pará, 2002, p. 14. Acesso em 02/05/2012.
100
FERRES, Carlos Roberto; CAMPOS, Rubens Filho; ALMEIDA, Sergio José Alves; CORDEIRO, José
Antônio. Crimonologia – Avaliação Psicológica de Grupos de Criminosos do Sistema Penitenciário do
Estado de São Paulo. Revista USP, São Paulo, n.53, p. 153-164, março/maio 2002, Acesso em 02/05/2012.
101
<http://psicologiaimed.blogspot.com.br/2010/07/avaliacao-psicologica-de-presos-e.html>. Acesso em
02/05/2012.
CAPÍTULO 6
6. Sistema Prisional e Reincidência
Há tempos que o sistema prisional brasileiro está falido e sem perspectivas de
recuperação e, por mais que tentem, as políticas públicas não conseguem alcançar
resultados satisfatórios.
Culminando em tragédias, com repercussão internacional e
destaque para o caos que é o atual sistema prisional no Brasil. Citemos, como exemplo
dessa precariedade, o massacre do Carandiru, ocorrido na Casa de Detenção de São Paulo,
em 1992, quando a Polícia Militar executou cento e onze presos.
Esse incidente demonstrou a falta de preparo e estrutura, bem como a
péssima administração por parte dos diretores e funcionários que ali trabalhavam, além de
evidenciar a superpopulação do local.
Contudo esses fatores foram insuficientes para a realização de
providências efetivas na solução do problema prisional, pois o Estado que deveria educar,
tutelar, garantir a segurança dos detentos, fracassou na sua função.102
Cabe ainda salientar a afirmação feita pelo Ministro Cézar Peluso,
Presidente do Supremo Tribunal Federal, em entrevista coletiva no Centro de Convenções
de Salvador, onde se realizava o 12º Congresso da ONU sobre Prevenção ao Crime e
Justiça Criminal:
“É uma deficiência que beira, em certas situações, a falência total. Há
casos específicos que têm sido ultimamente ventilados, até pela própria
imprensa, que envergonham o país. Eu não quero citar particularmente,
mas há casos de tratamento vergonhoso, em que na verdade o que se faz
ao preso é um crime do Estado contra o cidadão.”103Grifo Nosso.
102
MOURA, Stella Maris Guergolet de. A problemática da ressocialização versus o discurso da
segurança social. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/site/artigos/capa.php?jur_id=10329>. Acesso
em 05/04/2012.
103
NEIVA, Gerivaldo Alves. Os mutirões carcerários e a crise do sistema penitenciário. Disponível em:
< http://www.ibccrim.org.br/site/artigos/capa.php?jur_id=10385>. Acesso em 17/05/2012.
Esta é a visão, do Ministro Presidente da mais alta corte de justiça do
Brasil, o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal guardião da Constituição Federal.
Portanto se uma pessoa extremamente conceituada chega ao ponto de
publicamente manifestar essa opinião, cabe-nos apenas a desilusão quanto a perspectivas
positivas de soluções para o sistema prisional atual.
As consequências e os episódios negativos que o cárcere produz no
detento desde sua entrada no sistema prisional até sua efetiva liberdade são infinitamente
prejudiciais, existindo a necessidade de esforço diário para repelir as mais variadas formas
de violência que a prisão lhe impõe por meio de um ambiente negativo e sombrio.104
O cotidiano e rotina do cárcere produzem fatores de dessocialização e
despersonalização, pois o detento vê a necessidade de adaptar-se a um ambiente que lhe é
hostil, quando deveria ser um local tutelar, gerando-lhe maior agressividade, o que faz pelo
seu instinto natural de defesa e sobrevivência.105
Entretanto torna-se mais fácil e menos custoso ao poder público erradicar
o delinquente por meio do cárcere, do que combater o crime com educação, trabalho, ou
eliminando a miséria e pobreza ou ainda com a inatingível ressocialização.106
Assim, amontoar encarcerados e esconder a realidade não é a solução, nem mesmo
a troca de um “Estado paternalista por um Estado máximo punitivo, com prisões de
segurança máxima e investimento maciço em uma pseudo-segurança pública, faz-se
desnecessário e exagerado ante a sua total ineficácia”.107
A Itália e os Estados Unidos são exemplos que achamos por bem
mencionar, haja vista o fato de adotarem políticas rígidas quanto ao cumprimento de pena
e quanto à forma dos estabelecimentos prisionais.
104
SANGION, 2008, p. 97.
SANGION, 2008, p. 97 et. seq.
106
MOURA, Stella Maris Guergolet de. A problemática da ressocialização versus o discurso da
segurança social. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/site/artigos/capa.php?jur_id=10329>. Acesso
em 05/04/2012.
107
MOURA, op. cit.
105
A Itália após a década de 1980 começou a aplicar um sistema para os
chefes da Máfia, efetuando inclusive julgamentos coletivos de “suspeitos” de pertencerem
a organizações criminosas, em total desrespeito a princípios universalmente aceitos, como
o da presunção de inocência e o da dignidade da pessoa humana. Salvatore “Totó” Riina,
um dos maiores líderes da Máfia, está preso em isolamento desde 1993, isso porque
segundo a justiça italiana ele ainda é considerado perigoso.
Outro exemplo de abuso no sistema prisional ocorre nos Estados Unidos,
onde desde 1930, com a inauguração do presídio conhecido como Alcatraz, o “tratamento
aos encarcerados vem sendo questionado por organizações internacionais, principalmente
por se encontrar em total desacordo com recomendações de tratamento ao presidiário
previstas na Convenção de Genebra”.108
Essas convenções têm exigências mínimas que devem ser cumpridas,
como “a garantia ao direito de higiene, segurança interna, alimentação adequada, acesso
mínimo à assistência médica, ou seja, por questões humanitárias todos os direitos básicos
devem ser salvaguardados.”109
O número de encarcerados nos Estados Unidos nas três últimas décadas
quadruplicou, enquanto a França tem noventa presos para 100.000
habitantes, nos Estados Unidos esse índice chega a 750, e em
consequência os custos para a construção de presídios já superam as
despesas com novas universidades e a terceirização de penitenciárias já se
tornou um ramo promissor e emprega duas vezes mais pessoas do que a
Microsoft. Em 28 de fevereiro último, foi lançado, pelo The Pew
Charitable, o relatório One in 100: Behind in América.O documento
compila dados sobre o sistema penitenciário estadunidense, segundo o
relatório, os Estados Unidos entraram em 2008 com 2.319.258 adultos –
entre homens e mulheres – presos, o maior contingente prisional do
mundo, correspondente a mais de cinco vezes a população penitenciária
brasileira e quase três vezes a população penitenciária da Rússia, o
segundo colocado mundial .Pela primeira vez na história daquele país,
um em cada 100 adultos, (99,1 para ser mais preciso) está preso!110
108
MOURA, Stella Maris Guergolet de. A problemática da ressocialização versus o discurso da
segurança social. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/site/artigos/capa.php?jur_id=10329>. Acesso
em 05/04/2012.
109
MOURA, op. cit.
110
MOURA, op. cit.
Nesse sentido, um estudo do ILANUD, braço da Organização das Nações
Unidas, sobre reincidência de presos “mostra que 45% dos detentos que cumprem penas
em prisões de segurança máxima voltam ao crime e acabam novamente detidos”, o que
indica ser totalmente improdutivo esse tipo de sistema prisional. 111
No entanto, é fundamental analisarmos dados oficiais e pesquisas sobre a
realidade do sistema prisional brasileiro. Para tanto, utilizaremos os dados apresentados
pelo DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional).112
Iniciaremos com um número assustador, embora seja um dos dados mais
importantes em relação ao sistema carcerário brasileiro, a quantidade de reclusos no país:
514.582 mil detentos, dados de 2011. Mais de meio milhão de pessoas encarceradas! Sem
considerarmos os estabelecimentos que deixaram de apresentar dados, ou mesmo o
percentual de erros que possa existir nas informações fornecidas.
O segundo dado importante que passamos a destacar é o número de
vagas disponíveis no sistema, ou seja, a capacidade que o sistema prisional brasileiro tem
em comportar a população criminosa.
No Quadro Geral apresentado pelo DEPEN, em 2011, o sistema
penitenciário nacional contava com apenas 293.684 vagas, lembrando-se sempre do
percentual daqueles estabelecimentos que deixam de informar os dados solicitados pelo
DEPEN, ou possíveis erros nos dados informados. “Os números bastam para ponderarmos
uma realidade completamente irregular e ilegal”.113
Desta feita, podemos presumir o déficit no número de vagas do sistema
penitenciário, um total de 220.898 vagas. Ao pensar que a lei dispõe que as celas deveriam
ser individuais e, no entanto, o sistema tem aquele amontoado de presos em uma única
cela, por óbvio, torna a situação ainda mais precária e desumana.
111
MOURA, Stella Maris Guergolet de. A problemática da ressocialização versus o discurso da
segurança social. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/site/artigos/capa.php?jur_id=10329>. Acesso
em 05/04/2012.
112
< http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJA21B014BPTBRIE.htm>. Acesso em 10/05/2012.
113
SANGION, 2008, p. 33.
Contudo só nos resta lamentar diante da impossibilidade de efetivação
dos preceitos que a Lei de Execução Penal garante aos detentos.
Outro dado essencial, o qual tem consequência direta no objetivo
ressocializador, é o que se refere ao trabalho. Conforme disposição legal orientada pelo
artigo 31 da Lei de Execução Penal,114 o trabalho do condenado à pena privativa de
liberdade é obrigatório.
Segundo os dados do DEPEN, em 2011, dos 514.582 reclusos do sistema
penitenciário nacional, apenas 109.404 exerciam algum tipo de atividade laboral, ou seja,
aproximadamente 21% do total de reclusos trabalham, dado que devemos avaliar como
muito baixo, o restante, 79%, fica ocioso nas celas.
Isso porque é do próprio objetivo do modelo brasileiro de execução penal
que advém a necessidade do trabalho (daí sua obrigação) como um dos
fatores imprescindíveis à efetivação – ou pelos menos sua tentativa – do
programa de tratamento oferecido ao recluso, no intuito de que a ele
sejam direcionadas todas as possibilidades de, querendo, recompor-se ao
convívio social. Este fator lamentável, quanto à impossibilidade de o
sistema oferecer vagas suficientes para o trabalho dos condenados,
julgamos dever-se a alguns fatores socioeconômicos e políticos, como
por exemplo, o alto índice de criminalidade no estado e uma consequente
política criminal de cariz emergencial e securitária, de caráter pseudopersuasivo, voltada apenas à uma tentativa frustrada de contenção da
violência – aparente e ineficaz. Os projetos legislativos voltam as costas
ao fim primordial determinado pela LEP, ignoram os reclusos como
cidadãos sujeitos de direitos e desconsideram o fato de que voltarão a
conviver em sociedade.115
Pautados nessa estatística, vimos a total ineficácia em que o atual sistema
penitenciário encontra-se.
Porém, infelizmente, a tendência é que continue e predomine cada vez
mais um sistema baseado no direito penal punitivo, visando castigar severamente
determinadas espécies de criminosos, tornando o direito penal um mero instrumento de
vingança, baseado somente no autor e não no fato por ele praticado.
114
Artigo 31. “O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida das suas
aptidões e capacidade”.
115
SANGION, 2008, p. 33.
6.1 Os Efeitos Criminógenos da Pena Privativa de Liberdade
Ao analisarmos os efeitos criminógenos que a pena privativa de liberdade
causa nos detentos, uma indagação permeia-nos o pensamento: Afinal, de quem é a culpa
pela expansão da criminalidade? Seria dos criminosos que escolhem o caminho do crime?
Ou então seria dos políticos e governantes corruptos que se valem da ignorância do povo e
não combatem os reais fatores que levam um indivíduo à vida do crime? Talvez fosse da
mídia, considerada também como o quarto poder, a qual induz o povo a um determinado
comportamento?116
Respostas a todas essas perguntas são indiscutivelmente delicadas demais
para abordarmos neste momento do trabalho, porém resta-nos deixá-las em nossa mente
para uma futura reflexão sobre o assunto.
O reflexo da discriminação está diretamente ligado ao cárcere, descrito
por Beccaria como “a horrível mansão do desespero e da fome”117, onde a maioria dos
detentos pertence a grupos excluídos, qual sejam negros, pardos e pobres. São vários os
paradigmas desenvolvidos pela sociedade dominante para com a classe mais pauperizada e
estigmatizada, principalmente para com ex-detentos.
Examinaremos
alguns
fatores
que
induzem
o
crescimento
da
criminalidade e confirmam a falência da pena privativa de liberdade, por certo, um dos
argumentos mais utilizados é o efeito criminógeno transmitido ao condenado.
Os fatores negativos presentes na vida carcerária imprimem a esta um
caráter criminógeno, classificado pela doutrina de três formas: materiais, psicológicos e
sociais.
Os fatores materiais dizem respeito às condições que exercem efeito
nefasto sobre a saúde dos detentos. As deficiências de acomodação, facilmente visíveis
116
SILVA, Vilsemar J. Sociedade Criminógena II. Disponível em <http://www.jurisway.org.br/v2/sala dos
doutrinadores-artigos políticos/>. Acesso em 17/05/2012.
117
BECCARIA, 2005, p. 21
através da superlotação, péssima alimentação e falta de higiene, facilitam o
desenvolvimento de doenças, sobretudo tuberculose, enfermidade por excelência das
prisões, que acabam por contribuir e danificar
a saúde dos reclusos, devido às más
condições das celas, originadas pela falta de ventilação, luz solar, bem como umidade e
odores insuportáveis.118
Quanto aos fatores psicológicos são grandes os problemas que a reclusão
pode causar, devido à própria natureza da prisão, de ser um lugar dissimulador, onde se
aprende todo tipo de atrocidade e onde se aprimoram os traços de criminalidade. “A prisão,
com sua disciplina necessária, mas nem sempre bem empregada, cria uma delinquência
capaz de aprofundar no recluso suas tendências criminosas”.119
Sob o ponto de vista social, a vida desenvolvida nesse tipo de instituição
facilita a aparição de uma estruturação do pensamento criminoso. A aprendizagem do
crime e a formação de associações e gangues são tristes consequências do ambiente
carcerário.
Outra importante afirmação quanto aos fatores psicológicos foi retratada
por um psicólogo, Dr. Alvino Augusto de Sá, ao dizer que no momento do cumprimento da
pena o indivíduo “enfrenta uma crise de perda... perda do convívio familiar e social,
rompimento de muitos elos significativos (com a ameaça de perdê-los em definitivo),
passagem, agora formalmente concretizada, para o ‘mundo do criminoso’, às vezes
fantasiado por ele como o mundo cão”.120 Salienta ainda, a crise existente no detento após
várias passagens pelo cárcere, conforme segue:
Quanto maior o número de entradas, mais profundamente o preso tende a
carregar a “marca” de preso, mais ele introjetará essa identidade, mesmo porque
isso lhe será inculcado pela própria sociedade. Criar-se-á aí um círculo vicioso.
Outro microfator externo negativo será a severidade no trato com o preso,
quando intensa: disciplina muito rigorosa, persecutoriedade, castigos,
confinamento severo, ameaças constantes. Além de contribuir para um processo
118
MIRABETE, Julio Fabrinni; FABRINI, Renato N. Execução Penal, Comentários à lei 7210, de
11/07/1984, São Paulo: Atlas, 11ª ed. 2004; Apud, RIBAS, Osni de Jesus Taborda. A relação entre as
deficiências na ressocialização do preso e o papel da responsabilidade social das empresas. In: Âmbito
Jurídico, Rio
Grande, XIV, n .94, nov/2011. Disponível em:
<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_ artigos_leitura&artigo_id=10666>. Acesso em 17/05/2012.
119
Mirabate, op. cit.
120
SÁ, Alvino Augusto de. SÁ, Reincidência criminal: sob o enfoque da psicologia clínica preventiva. São
Paulo: EPU, 1987, p. 24.
de autodesvalorização, confirmará e intensificará as fantasias persecutórias,
confirmará a severidade do superego, alimentará a ansiedade.
Consequentemente, realimentará os impulsos agressivos com vistas à
autodefesa.121
Com referência aos fatores sociais, a exclusão de uma pessoa do seu
meio social ocasiona uma desadaptação tão profunda que se torna quase impossível
conseguir novamente a reinserção social do detento.
A segregação sofrida, bem como a chantagem que fazem os
companheiros de cela, podem ser fatores decisivos na definitiva incorporação do preso ao
mundo criminal.
122
“Considera-se que a prisão em vez de frear a delinquência parece
estimulá-la, convertendo-se em um instrumento que oportuniza toda a espécie de
desumanidades”,123 sem trazer “nenhum benefício ao apenado, ao contrário, possibilita
toda a sorte de vícios e degradações”.124
Como demonstrado, é evidente que o ambiente carcerário ao qual ficam
sujeitos os condenados à pena privativa de liberdade é pendentemente criminógeno, seja de
forma direta ou indireta, com influência psicológica drástica no preso, promovendo
distúrbios agressivos e hostis provenientes de diversas situações conflituosas que
vivenciaram naquele ambiente.125
Porém o que de fato nos interessa quando nos referimos ao caráter
criminógeno que o cárcere e a pena de prisão causam nos detentos, são as consequências
negativas, refletidas primeiramente no detento, depois na sociedade de forma geral,
maculando suas capacitações psíquicas e sociais, seja no ambiente prisional, “cujo clima
antissocial não poderia trazer outros traumas senão os mencionados, quanto na sua vida
pós-liberdade”.126 Dessa forma são atingidos tanto os que estão dentro da prisão quanto os
121
SÁ, Alvino Augusto de. SÁ, Reincidência criminal: sob o enfoque da psicologia clínica preventiva. São
Paulo: EPU, 1987, p. 25.
122
MIRABETE, Julio Fabrinni; FABRINI, Renato N. Execução Penal, Comentários à lei 7210, de
11/07/1984, São Paulo: Atlas, 11ª ed. 2004; Apud, RIBAS, Osni de Jesus Taborda. A relação entre as
deficiências na ressocialização do preso e o papel da responsabilidade social das empresas. In: Âmbito
Jurídico, Rio
Grande, XIV, n .94, nov/2011. Disponível em:
<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_ artigos_leitura&artigo_id=10666>. Acesso em 17/05/2012.
123
BITENCOURT, Cezar Roberto. A falência da Pena de Prisão, RT, São Paulo, 1993, p. 145. Apud,
SANGION, 2008, p. 100.
124
Ibid. p. 100
125
Ibid. p. 102
126
SANGION, 2008, p. 106.
que estão fora dela, de maneira que todos se tornam alvos do paradoxo que é o sistema
penitenciário brasileiro.
Assim, sustentamos a ideia de que a pena privativa de liberdade, somada
a outros fatores, condiciona negativamente os detentos à reincidência criminal e
desencadeia várias crises psicológicas nas quais os sentimentos predominantes são de
inferioridade, insegurança, agressividade e muitos outros. Todavia, por mais sombrio que
pareça, não avistamos possibilidades de mudança nessa realidade.
6.2 A Lei de Execução Penal
A Lei de Execução Penal, considerada um dos pilares do direito penal,
encerrou um antigo pesadelo, pois o condenado à pena de prisão era despojado de todos os
seus direitos. Aliás, relembramos que o detento terá todos os direitos que não lhe foram
retirados pelos efeitos da sentença ou pela lei, portanto perderá sua liberdade, mas terá
direito a um tratamento baseado no respeito e na dignidade, além do direito de não sofrer
violência física ou moral, pois a execução criminal impõe que sejam respeitadas todas as
garantias constitucionais ao preso.127
Não obstante seu conteúdo moderno, na prática é ineficaz e isso ocorre
pela ineficiência e a falha do Poder Executivo ao isentar-se das suas obrigações sociais.
Nesse sentido, devido ao Estado não executar sua função social, é de
suma importância que a sociedade participe, fiscalizando o efetivo cumprimento da
execução penal, para que seja alcançado o objetivo real e a verdadeira finalidade da prisão,
qual seja punir, mas acima disso promover a ressocialização daqueles que se encontram
sob o regime penitenciário.
127
RIBAS, Osni de Jesus Taborda. A relação entre as deficiências na ressocialização do preso e o papel da
responsabilidade social das empresas. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 94, nov 2011. Disponível
em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10666>.
Acesso em 17/05/2012.
De fato, a Lei de Execução Penal prevê recursos, que infelizmente ficam
apenas na teoria, entretanto, se fomentados pelo poder público, com ajuda da sociedade,
certamente, haveria grandes mudanças para o sistema.
Assim, o verdadeiro desafio do Estado é encontrar uma forma eficaz para
a efetiva aplicação da Lei de Execução Penal, visando a ressocialização dos detentos na
condição de cidadãos que são, para que, ao final do cumprimento de suas penas, estejam
aptos ao convívio social.
6.3 Soluções Eficazes Para o Problema da Reincidência Criminal
Diante de tudo que demonstramos até o momento, a ideia de que o
sistema prisional atual esteja longe de alcançar seus objetivos de ressocialização não é
incorreta, haja vista a pouca iniciativa do Estado em tentar humanizar a pena privativa de
liberdade e a valorizar a pessoa humana. Em decorrência disso, a reincidência surge como
um problema crônico no Brasil e no mundo, tornando-se uma barreira ao convívio pacífico
e harmonioso entre as pessoas.
O Estado, infelizmente, não reúne condições eficazes de atuar na
execução da pena com o fim de recuperar o condenado. Por isso, através da Lei de
Execução Penal, em seu artigo 4º, o legislador propôs que "O Estado deverá recorrer à
cooperação da comunidade nas atividades de Execução da Pena e da medida de
segurança."
Fazem-se necessárias, portanto, outras medidas através da iniciativa
privada e população realmente interessada em solucionar o problema, fornecendo aos
condenados demonstrações de que alguém tem interesse em ajudá-los, através de novas
oportunidades.
Existe desde 1972 um método conhecido como APAC – Associação de
Proteção e Assistência aos Condenados, idealizado pelo advogado e membro da pastoral
carcerária, Mário Ottoboni, que visa ao resgate do humano intrínseco ao criminoso,
incentivando à supressão do crime e objetivando a recuperação dos encarcerados,
“suprindo a deficiência do Estado nessa área, atuando na qualidade de Órgão Auxiliar da
Justiça e da Segurança na Execução da Pena”.128
O índice de recuperação dos que se submetem a esse método é de 91%,
apresentando também o índice de reincidência inferior a 5%, quando no sistema comum a
média de reincidência é de 86%, dados segundo “o professor de Direito e presidente do
Conselho de Fundadores da APAC, Fábio Alves citado pelo Jornal PUC Minas.”129
A filosofia da APAC, o que ao nosso entender é muito interessante,
sugere que se mate o criminoso e salve o homem presente nos sujeitos delinquentes,
através da valorização humana, do trabalho, do convívio com os familiares (em dias de
visita e aniversários), e, principalmente, por meio da religião na qual se fundamenta o
método.
A APAC conta com a participação da comunidade na execução da pena e
esta participação se faz necessária, uma vez que a própria comunidade é a maior
interessada em obter um país mais seguro. Ela opera como “entidade auxiliar dos poderes
Judiciário e Executivo, respectivamente, na execução penal e na administração do
cumprimento das penas privativas de liberdade nos regimes fechado, semiaberto e
aberto”.130
O objetivo principal é promover a humanização na prisão e na execução
da pena, sem perder de vista a finalidade punitiva. Seu propósito é evitar a reincidência no
crime e oferecer alternativas para o condenado se recuperar e poder ressocializar-se no
momento de sua liberdade.
O trabalho por eles elaborado dispõe de um método de valorização
humana, vinculada à evangelização, para oferecer condições ao condenado em
128
COSTA, Lucas; PARREIRAS, Arthur. APAC: alternativa na execução penal. Disponível em:
<http://www.carceraria.org.br/fotos/fotos/admin/SistemaPenal/SistemaPenitenciario/Apac_alternativanaexec
ucaopenal.pdf >. Acesso em 21/05/2012.
129
COSTA, Lucas; PARREIRAS, Arthur. APAC: alternativa na execução penal. Disponível em:
<http://www.carceraria.org.br/fotos/fotos/admin/SistemaPenal/SistemaPenitenciario/Apac_alternativanaexec
ucaopenal.pdf >. Acesso em 21/05/2012.
130
< http://www.dac.mg.gov.br/apac>. Acesso em 22/05/2012.
recuperar-se. “Busca também, em uma perspectiva mais ampla, a proteção da sociedade, a
promoção da justiça e o socorro às vítimas”, pessoas que foram alvo de algum tipo de
violência.131
A principal diferença entre esse método e o sistema carcerário comum é que na
APAC os presos, chamados de recuperandos, são corresponsáveis pela recuperação uns
dos outros, além de receberem assistência espiritual, médica, psicológica e jurídica
fornecida pela comunidade.
A segurança e a disciplina são feitas com a colaboração dos próprios
recuperandos, tendo como suporte funcionários, voluntários e diretores das entidades, sem
que haja necessidade da presença de policiais ou agentes penitenciários.
Além de frequentarem cursos profissionalizantes, os presos possuem atividades
variadas, evitando a ociosidade, contudo, através de uma disciplina rígida, caracterizada
pelo respeito, ordem, trabalho e o envolvimento da família do sentenciado.
Outro destaque interessante é que o condenado cumpre sua pena em
presídio de pequeno porte, com capacidade para, em média, 100 (cem) recuperandos, de
preferência permanecendo em sua terra natal ou onde sua família residir.
Se o Estado fizesse investimentos para ampliar o uso do método APAC
em todo o país, poderíamos obter êxito no declínio do índice de reincidência criminal, já
que a solução através dos métodos atuais está longe de propiciar melhora significativa para
esse problema.
131
< http://www.dac.mg.gov.br/apac>. Acesso em 22/05/2012
CONCLUSÃO
A reincidência criminal é um problema enfrentando por todas as nações e uma
preocupação que aumenta substancialmente, pois, através do exame efetuado na legislação
brasileira e no direito comparado, esse instituto é aplicado de forma obrigatória para
agravar a pena do indivíduo que já obteve uma condenação transitada em julgado.
Vimos que a reincidência faz um juízo subjetivo da pessoa, baseando-se
em fatos externos, não ligados ao crime em questão, interessando apenas saber se o
indivíduo já foi condenado antes em sentença transitada em julgado. Observamos, através
das análises sobre os maus antecedentes, que estes corroboram na decisão do magistrado
ao proferir sua sentença, vez que trazem essa avaliação íntima do indivíduo, porém,
infelizmente, por motivos nem sempre lógicos ou derivados da lei.
Outro aspecto abordado foi a questão da reincidência majorar a pena,
sendo essa uma das consequências acarretadas ao réu, contudo outros efeitos legais podem
ser desencadeados, como a restrição de benefícios conferidos pela lei em favor dos
condenados.
No cotejo da legislação internacional comprovamos a importância do
estudo de outras leis, para que nossos legisladores as utilizem como parâmetro no
momento da constituição de novas leis penais.
Ante os fundamentos apresentados para exacerbação da pena, apreciados
pela doutrina simpatizante à aplicação da reincidência, destacamos a maior periculosidade
do réu, maior culpabilidade, maior alarme social e a insuficiência da pena anteriormente
aplicada, o que procuramos inferir como não acolhedor, pois tais fundamentos mostram-se
inócuos para justificar o agravamento da pena.
Abordamos a inconstitucionalidade da reincidência frente aos princípios
constitucionais, que são a essência de toda ciência jurídica, orientando o direito penal na
interpretação e aplicação das normas, visando proteger os direitos e garantias de cada
cidadão.
Contudo
as
questões
levantadas
são
conflitantes
acerca
da
constitucionalidade da reincidência para majorar a pena, tendo em vista ser o direito penal
brasileiro comprometido com o ser humano e com as garantias constitucionais que um
Estado Democrático de Direito nos possibilita.
Quanto às elevadas taxas de reincidência no país, apontamos como uma
das causas a ineficácia da pena privativa de liberdade a partir de uma breve análise da
história das penas no âmbito jurídico. Contemplamos que anteriormente as penas
expressavam uma natureza aflitiva e sofredora ao corpo do criminoso, o que na atualidade
não é muito diferente, pois, ao penetrarmos no atual sistema de prisão, vislumbramos o
quadro assustador em que este se encontra.
Vimos, portanto, que a pena de prisão é uma ilusão na ressocialização e
reintegração do detento, que vive neste submundo do crime chamado sistema prisional,
pois nele estará predestinado à marginalidade, com a condição de criminoso estigmatizada
em sua vida.
Procuramos demonstrar que o que se espera do Estado, é que o exdetento, ao deixar o cárcere, tenha condições mínimas de reintegração à sociedade.
Contudo estamos diante do fracasso da função Estatal, evidenciado pela falta de estrutura
dos presídios e principalmente pelo desrespeito às regras mínimas dos Direitos Humanos,
entretanto o interno faz escola no sistema, pois entra como graduado e sai como doutorado.
A falta de preparação psicológica, emocional e os efeitos negativos pela
privação da liberdade do ex-detento repercute diretamente nos altos índices da reincidência
criminal, pois as consequências do encarceramento provocam lesões profundas aos presos.
Examinamos fatores que induzem o crescimento da criminalidade e
confirmaram a falência da pena privativa de liberdade e do sistema prisional, como o efeito
criminógeno transmitido pelo cárcere ao condenado, tendo em vista a vida desenvolvida
nesse tipo de instituição facilitar a aparição de uma estruturação do pensamento criminoso.
De forma sucinta, buscamos analisar a Lei de Execução Penal, exibindo o
desafio que o Estado tem para encontrar uma forma eficaz na efetiva aplicação dessa lei,
visando à ressocialização dos detentos na condição de cidadãos que são, para que, ao final
do cumprimento de suas penas, estejam aptos ao convívio social.
Por fim, mostramos soluções eficazes para o problema da reincidência,
através de outras medidas, como a de iniciativas privadas, transmitindo aos condenados
verdadeiro interesse em ajudá-los, através de novas oportunidades, uma delas oferecidas
pelo método conhecido como APAC – Associação de Proteção e Assistência aos
Condenados, que tem como meta principal promover a humanização na prisão e na
execução da pena, sem perder de vista a finalidade punitiva. Com o propósito de evitar a
reincidência criminal e oferecer alternativas para o condenado se recuperar e poder
ressocializar-se no momento de sua liberdade, sendo esse o cerne e objetivo a ser
alcançado em nosso trabalho.

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