A INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO PRINCÍPIO DA

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A INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO PRINCÍPIO DA
A Interpretação jurisprudencial do princípio da insignificância nos crimes militares – Diego
Franco Pereira/FACINAN
A INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
NOS CRIMES MILITARES
PEREIRA, Diego Franco/FACINAN
RESUMO
O Código Penal Militar de 1969 prevê expressamente a aplicação do princípio da insignificância,
estabelecendo que, quando verificada sua aplicação, deve ser o crime desclassificado para infração
disciplinar. Adota o Código para os crimes patrimoniais o critério de pequeno valor, para o
reconhecimento do princípio, aquele que não ultrapassar a um décimo da quantia mensal do mais
alto salário mínimo do país e para as lesões corporais que elas sejam levíssimas. Ocorre, no
entanto, que o art. 7º, IV, da Constituição veda a vinculação do salário mínimo para qualquer fim, o
que obriga os Tribunais a estabelecerem novos critérios para a aplicação do princípio da
insignificância aos delitos patrimoniais e criarem critérios para a aplicação do princípio aos crimes
cuja aplicação não é estabelecida expressamente no texto normativo. Devem tais critérios estar em
consonância com os valores e princípios atinentes à especificidade da atividade militar, sem que se
deixe de levar em conta o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.
Palavras-chave: Direito Militar. Intervenção mínima. Princípio da insignificância. Jurisprudência.
ABSTRACT
The Military Penal Code of 1969 expressly provides that the principle of insignificance, stating that,
when checked your application, should be disqualified for the crime disciplinary offense. The Code
adopts for property crimes the criterion of small value, for the recognition of the principle, one that
does not exceed one tenth of the monthly amount of the highest minimum wage in the country and for
minor injuries. It happens, however, that art. 7, IV, of the Constitution prohibits linking the minimum
wage for any purpose, forcing the courts to establish new criteria for the application of the principle of
insignificance to property offenses and create criteria for the application of the principle to crimes
whose application is not established specifically in the regulatory text. Such criteria must be consistent
with the values and principles relating to the specificity of military activity, without being sure to take
into account the fundamental principle of human dignity.
Keywords: Military Law. Minimal intervention. Principle of insignificance. Jurisprudence.
INTRODUÇÃO
O princípio da insignificância, embora não conte com reconhecimento
normativo expresso em nossa legislação penal ordinária, tem sua possibilidade de
aplicação positivada no Código Penal Militar, editado em 21 de outubro de 1969, em
dispositivos como o art. 209, §6° e art. 240 §1°, que permitem que o juiz
desclassifique a conduta para infração disciplinar quando não se mostra necessária
a intervenção do direito penal para a tutela do bem jurídico, no que buscou o
legislador castrense a solução administrativa para o problema penal.
Entrementes, em razão das peculiaridades da Justiça Penal Militar, parte da
doutrina e jurisprudência entende que a aplicação do Princípio da Insignificância,
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nesta Justiça especializada, exige extrema cautela, tendo em vista os bens jurídicos
por ela tutelados, principalmente os princípios constitucionais da hierarquia e
disciplina, sustentáculos de toda instituição militar.
Ante recentes decisões do Supremo Tribunal Federal, como nos autos de
Habeas Corpus n° 94085, relatado pelo Ministro Celso Mello, reconhecendo a
aplicação deste princípio como causa supra legal da exclusão da tipicidade penal,
necessária se faz uma análise acurada do tema para a verificar se atentam ou não
aos valores específicos vigentes na caserna.
1. ORIENTAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
É usual no Supremo Tribunal Federal (STF) a aplicação do princípio da
insignificância, inclusive nos crimes militares, que a faz pela análise da lesão ao bem
jurídico atingido no caso concreto que, se for ínfima, afastará a tipicidade material.
Para o reconhecimento do princípio, as duas turmas do STF verificam a
presença dos seguintes quesitos que devem estar presentes no caso: a mínima
ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o
reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão
jurídica provocada.
Ressaltam ainda as Turmas que deve ser levada em conta a capacidade
econômica da vítima, ressaltando que não pode ser considerada como insignificante,
nos crimes patrimoniais, a quantia necessária ao suprimento das necessidades
básicas da vítima1. Logicamente, quando não houver dano relevante ao patrimônio
da vítima, ou os bens são devolvidos, o princípio pode ser aplicável2.
Em relação à aplicação na seara militar, a Min. Ellen Gracie, ao indeferir
pedido de habeas corpus, no que foi seguida de forma unânime pela Segunda
Turma, ponderou que:
1
STF. 1ª Turma. HC 91.065 UF: SP, Rel. Min. Eros Grau. Julgamento: 29/04/2008. Disponível
<http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=91065&classe=HC>.
Acesso
19/10/2009.
2
STF. 1ª Turma. RHC n. 89.624 UF: RS, Rel. Min. Carmen Lúcia. Julgamento: 10/10/2006. Disponível
<http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=89624&classe=RHC>.
Acesso
18/10/2009.
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Diante dos valores e bens jurídicos tutelados pelo art. 195, do
Código Penal Militar, revela-se realmente inadmissível a aplicação
do princípio da insignificância. A prática da conduta amoldada no
referido dispositivo legal ofende, claramente, as instituições
militares, a operacionalidade das Forças Armadas, além de violar os
princípios da hierarquia e da disciplina na própria interpretação do
tipo penal3.
Assim, em relação à aplicação ao Direito Penal Militar, acrescenta-se aos
critérios já enumerados acima, que deve haver maior rigor para a sua aplicação que
se comparado ao Direito Penal comum, assim, de plano, condutas insignificantes
para o Direito Penal comum, podem não ser para o Direito Penal Militar, para que
restem preservadas a hierarquia e a disciplina militares, além da operacionalidade
das Forças Armadas.
2. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E O ART. 290 DO CPM
Maiores críticas e controvérsias na doutrina em relação às decisões do STF
encontram-se em relação ao reconhecimento, em julgados recentes, do princípio da
insignificância nos crimes de porte para uso próprio ou consumo de pequena
substância entorpecente em dependências militares. Reside neste ponto também o
principal ponto de divergência entre o STF e o Superior Tribunal Militar (STM).
Até recentemente, o STF mantinha posicionamento harmônico com STM e
considerava que, embora o art. 290 do CPM se mostrasse defasado, especialmente
por não distinguir o traficante do usuário, não havia sido revogado pela Lei
11.343/2006, pelo que não se aplicava o princípio da insignificância a delitos de
tóxicos, como se vê na seguinte ementa:
Habeas Corpus. Constitucional. Penal Militar e Processual Penal
Militar. Porte de substância entorpecente em lugar sujeito à
administração militar (art. 290 do CPM). Não-aplicação do princípio
da insignificância aos crimes relacionados a entorpecentes.
Precedentes. Inconstitucionalidade e revogação tácita do art. 290 do
Código Penal Militar. Não-ocorrência. Precedentes. Habeas Corpus
denegado4.
3
STF. 2ª Turma. HC n. 94.931 UF: PR, Rel. Min. Ellen Gracie. Julgamento: 07/10/2008. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=94931&classe=HC>.
Acesso
em:
18/10/2009.
4
STF. 1ª Turma. HC n. 91.759 UF: MG, Rel. Min. Menezes Direito. Julgamento: 09/10/2007. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=91759&classe=HC>.
Acesso
em:
18/10/2009.
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Para o STM:
EMBARGOS INFRINGENTES DO JULGADO. SOLDADO DO
EXÉRCITO. POSSE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE
"MACONHA" EM LUGAR SUJEITO À ADMINISTRAÇÃO MILITAR.
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA OU DA BAGATELA. LEI Nº
11.343/2006.
INAPLICABILIDADE
À
JUSTIÇA
MILITAR.
REVOGAÇÃO DO ARTIGO 290 DO CÓDIGO PENAL MILITAR
PELA "NOVATIO LEGIS". INOCORRÊNCIA. MANUTENÇÃO DO
ACÓRDÃO EMBARGADO.
1. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. "In casu", o fato de ser
pequena a quantidade de "Maconha" apreendida em poder do
agente não configura insignificância penal.Isto porque, a
Jurisprudência do Superior Tribunal Militar e do Egrégio Supremo
Tribunal Federal consagrou o entendimento de que o Princípio da
Insignificância ou da Bagatela não se aplica no caso de posse de
substância entorpecente em lugar sujeito à Administração Militar.
2. LEI Nº 11.343/2006. ALEGADA REVOGAÇÃO DO ARTIGO 290
DO CÓDIGO PENAL MILITAR. Conforme prescreve o artigo 2º da
Lei de Introdução ao Código Civil, opera-se a revogação de uma lei
anterior por outra superveniente, quando a nova lei expressamente
assim o declare ou quando for incompatível com a lei anterior e/ou
quando regular integralmente a mesma matéria. No caso concreto,
nenhuma dessas situações se verifica. Ao contrário, a Lei nº 11.343,
de 23 de agosto de 2006, não revogou expressamente o artigo 290
do CPM. Quisesse o legislador revogar qualquer dispositivo do
Código Penal Militar, poderia tê-lo feito no artigo 75 da referida
norma, quando determinou a revogação de outras leis. De igual
modo, a "Nova Lei de Tóxicos" não é incompatível com a matéria
disciplinada no precitado artigo 290 da Lei Substantiva Castrense,
pois a primeira é norma geral e a segunda, norma especial. Assim,
se o objetivo principal da Lei nº 11.343/2006 é prescrever MEDIDAS
DE PREVENÇÃO AO USO INDEVIDO DE DROGAS no âmbito civil,
recomendando tratamento terapêutico ao respectivo usuário, o
Código Penal Militar, em seu dispositivo específico, preocupou-se
com o tráfico, posse e uso de entorpecente ou de substância de
efeito similar, EM LUGAR SUJEITO À ADMINISTRAÇÃO MILITAR,
definindo essa hipótese como infração penal e estabelecendo uma
pena "In Abstracto" a ser aplicada ao sujeito ativo de tal delito.
3. Restando comprovado nos autos que a substância encontrada em
poder do ora
Embargante, em lugar sujeito à Administração Militar, era
"CANNABIS SATIVA LINEU", vulgarmente denominada "Maconha",
e inexistindo, em favor do Acusado, qualquer causa excludente de
culpabilidade e/ou de ilicitude, não há que se falar em absolvição.
Rejeitados os Embargos, mantendo-se integralmente o Acórdão
hostilizado, por seus próprios e jurídicos fundamentos. Decisão
majoritária5.
5
STM, Embargos infringentes 2006.01.049706-8/MG, Rel. Min. Flávio de Oliveira Lencastre, Julgamento:
17/04/2007. Disponível em: <http://www.stm.gov.br/pesquisa/acordao/2006/160/01.0497068/01.0497068.pdf>
Acesso em 14 de outubro de 2009.
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Assim, entendia-se que se o legislador quisesse revogar o art. 290 do Código
Penal Militar, o teria feito através do art. 75 da Nova Lei de Drogas, como o fez com
as Leis 6.368/1976 e 10.409/2002 e, ainda, à luz do art. 2°, §1°, da Lei de Introdução
ao Código Civil, considerava-se que a revogação só se operaria pela lei
superveniente se expressamente o declarasse, fosse com ela incompatível ou
regulasse inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior 6”, o que não se
verificava no caso em tela.
Todavia, operando-se mudança de posicionamento jurisprudencial, recentes
julgados do STF, “a despeito do princípio da especialidade e em consideração ao
princípio maior da dignidade humana 7”, vieram a reconhecer a aplicação do princípio
da insignificância e a incidência da Lei 11.343/2006 - que não pune com restrição de
liberdade o usuário, no âmbito militar.
A Segunda Turma considerou que se estiverem preenchidos os requisitos
objetivos autorizadores do princípio da insignificância nada obstaria sua aplicação8,
vez que caberia à Suprema Corte confrontar o princípio da especialidade da lei
penal militar com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana arrolado
no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, fazendo com que se aplique a Lei
11.343/2006, que possibilita a recuperação do civil que é usuário de substância
entorpecente, ao invés de apenar, como na ementa do seguinte julgado:
HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR. USO DE SUBSTÂNCIA
ENTORPECENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO
NO ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR. ART. 1º, III DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA9.
Elenca a Turma como requisitos para o reconhecimento: a) a mínima
ofensividade da conduta; b) ausência de periculosidade social da ação; c) reduzido
grau de reprovabilidade do comportamento; d) inexpressividade da lesão ao bem
6
STM, Embargos n. 2006.01.049706-8 UF: MG, Rel. Min. Fávio de Oliveira Lencastre. Julgamento:
17/04/2007. Disponível em: <http://www.stm.gov.br/pesquisa/acordao/2006/160/01.0497068/01.0497068.pdf>.
Acesso em: 18/10/2009.
7
STF. 2ª Turma. HC n. 92.961 UF: SP, Rel. Min. Eros Grau. Julgamento: 21/02/2008. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=92961&classe=HC>.
Acesso
em:
18/10/2009.
8
STF. 2ª Turma. HC n. 90.125, UF: RS, Rel. Min. Eros Grau. Julgamento: 24/06/2008. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=94524&classe=HC>.
Acesso em:
18/10/2009.
9
STF. 2ª Turma. HC n 94.524 UF: DF, Rel. Min. Eros Grau. Julgamento: 24/06/2008. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=94524&classe=HC>.
Acesso
em:
15/10/2009.
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jurídico e e) a não cogitação pelo Superior Tribunal Militar em aplicar a Lei n.
11.343/2006, que em lugar de apenar, possibilita a recuperação do civil que praticou
a mesma conduta (uso de substância entorpecente), reservando punição severa e
exemplar aos traficantes.
E nos aspectos atinentes à operacionalidade das Forças Armadas e à
hierarquia e disciplina: f) a instituição militar não foi afetada, pois a pequeníssima
quantidade não seria capaz de causar distúrbio ou alteração psíquica de modo a
causar risco ao exercício de atividades militares e g) as sanções disciplinares são
suficientes para que restem preservadas a hierarquia e a disciplina militares.
Na corrente oposta à aplicação do princípio da insignificância no delito
tipificado pelo art. 290 do CPM, dentro da 2ª Turma, a ministra Ellen Gracie, em voto
vencido10, fundamenta que o bem jurídico penal-militar tutelado no art. 290 do CPM
não se restringe à saúde do próprio militar, mas também abrange a tutela da
regularidade das instituições militares. Assim, a prática das condutas do art. 290 do
CPM violaria os princípios da hierarquia e da disciplina na própria interpretação do
tipo penal.
Considera, nesta linha, a doutrina que, se vier a ser constantemente aplicado
o princípio da insignificância nos delitos de posse ou uso de drogas pelo julgador,
poderá ser causado um “colapso institucional 11” nas Forças Armadas, pela grave
afronta à hierarquia e à disciplina que estas condutas representam.
Como exemplifica Ricardo Vergueiro Figueiredo:
Será que um graduado, por exemplo, teria confiança em um seu
superior se soubesse que o mesmo estivesse envolvido com
drogas? Será que ao menos tal subordinado não teria sequer um
receio de cumprir as ordens recebidas deste superior, por desconfiar
que o mesmo pudesse estar os efeitos de determinada substância
entorpecente? Ou então, será que um capitão não teria receio em
advertir verbalmente o sargento-de-dia, durante um serviço,
sabendo que este último tem no coldre uma pistola 9 mm, e também
em uma de suas mãos, em plena luz do dia, um “fininho” aceso de
maconha, com outros poucos no bolso de sua gandola para uso
posteriormente? Em um outro exemplo, imagine-se uma Bateria de
soldados artilheiros, que pouco antes da prática de determinado
exercício militar de tiro com morteiro de 120 mm, se reunissem para
10
STF. 2ª Turma, HC 90.125/RS, Rel. Min Ellen Gracie, Rel. para o acórdão Min. Eros Grau. Julgamento:
24/06/2008.Disponível
em
<http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=90125&classe=HC>. Acesso em 14 de
setembro de 2009.
11
A expressão é de Abelardo Julio da Rocha (Os crimes de porte e uso de drogas em área sujeita à administração
policial militar em face da lei nº 11.343/06. Revista Direito Militar, AMAJME, n. 71, p. 16, maio/jun. 2008.)
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fumar cigarros de maconha. Será que os demais colegas de caserna
que também iria participar de tal exercício, que não fumaram coisa
nenhuma, se soubessem que tais colegas minutos antes fumaram
cigarros de maconha, se sentiriam seguros na realização e prática
do exercício?12
A Primeira Turma, por sua vez, denegou ordem de habeas corpus13, nos
termos da relatora Min. Carmen Lúcia, porque reconheceu não estarem preenchidos
os requisitos elencados acima na situação concreta apresentada. Em ponto
discordante com a 2ª Turma, fez a ressalva de que, pelo princípio da especialidade,
o art. 290 do Código Penal Militar não restou alterado pela superveniência da Lei nº
11.343/2006, pelo que deve continuar a ser aplicado.
Veja-se que a discussão, sempre relacionada ao princípio da insignificância,
sobre se a Lei 11.343/2006 revogou ou não o art. 290 CPM e se aquela é aplicada
ao usuário que é encontrado com pequena quantidade, tem razão de ser porque se
reconhecida a aplicação da Lei 11.343/2006, o foco da aplicação da norma será
dado à pessoa do usuário que não mais será visto como um delinquente, mas como
um doente que precisa de tratamento e não de reprimenda penal, ao passo que, se
reconhecida a incidência do art. 290 do CPM, o enfoque da norma seria a
incolumidade pública e o resguardo da hierarquia e disciplina, razão pela qual exige
o tipo penal seja a conduta cometida em “lugar sujeito à administração militar”, pelo
que seria incompatível com o princípio da insignificância – Em que pese aparente
entendimento contrário da 1ª Turma, citado acima, que reconheceu que se
estivessem presentes os requisitos, poderia o princípio ser aplicado diretamente em
relação ao art. 290 do CPM.
Conclui-se por esta linha, recentemente adotada pelo Supremo, que a
especialidade do Código Penal Militar não afastaria a incidência da nova Lei de
Drogas e a imposição de pena de prisão ao usuário não seria mais justificada em
qualquer hipótese.
Esta discussão e a divergência entre o STF e o STM sobre se a lei penal mais
benéfica é aplicável apesar do princípio da especialidade não é nova e foi suscitada
com a edição da Lei 9.099/1995, que criou os Juizados Especiais Criminais.
Discutia-se se seus institutos da suspensão condicional do processo e a
12
FIGUEIREDO, Ricardo Vergueiro. A pequena quantidade de entorpecente, o princípio da insignificância e o
artigo 290 do código penal militar. Revista Direito Militar, AMAJME, n. 44, p. 17-18, nov./dez. 2003. p. 18.
13
STF. 1ª Turma, HC 94.649-6/RJ, Rel. Min. Carmen Lúcia. Julgamento: 12/08/2008. Disponível em
<http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=94649&classe=HC>. Acesso em 14 de
outubro de 2009.
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representação criminal nos crimes de lesão corporal simples e culposa seriam
aplicáveis à Justiça Militar, tendo havido, inclusive, a formação de três correntes
jurisprudenciais: a que decidia pela aplicação integral dos institutos à legislação
militar; a que entendia cabíveis apenas nos crimes impropriamente militares e a pela
não aplicação em nenhuma hipótese14.
O STM, para uniformizar seu posicionamento, chegou a sumular a questão
com a súmula 9 que estabelecia: “A Lei n. 9.099, de 26.09.1995, que dispõe sobre
os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, não se aplica à
Justiça Militar da União”.
A questão foi levada ao STF, no que anota João Ronaldo Roth que:
Muitos habeas corpus, naquele mesmo período, por iniciativa dos
advogados dos réus, foram impetrados junto ao Supremo Tribunal
Federal, o qual, de maneira unânime, deu guarida à Primeira
Instância da Justiça Militar Federal, anulando as decisões do STM e
concedendo a suspensão condicional do processo e/ou decretando
a extinção de punibilidade por ausência de representação nos
crimes militares correlatos àquele benefício15.
A divergência entre os dois Tribunais encerrou-se pela via legislativa, com a
edição da Lei n. 9.839/1999, que acrescentou o art. 90-A à Lei 9.099/1995,
estabelecendo que: “Art. 1o A Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, passa a
vigorar acrescida do seguinte artigo: "Art. 90-A. As disposições desta Lei não se
aplicam no âmbito da Justiça Militar”.
Mesma solução deveria ser dada à nova divergência agora suscitada sobre a
aplicação ou não da Lei 11.343/2006 e o princípio da insignificância; não devendo tal
lei ser aplicada no âmbito militar, para que seja mantida a sua especialidade, e sim,
o art. 290 do CPM ser reformado para se adequar às modernas exigências políticocriminais que não mais admitem a equiparação entre o usuário e traficante 16.
14
ROTH, Ronaldo João. Justiça militar e as peculiaridades do juiz militar na atuação jurisdicional. São Paulo:
Editora Juarez de Oliveira, 2003. p. 65.
15
Idem.
16
É de se ver que desde 1976, com a Lei 6.368/1976, a antiga Lei de Tóxicos, é feita a distinção entre usuário e
traficante, que revogou o antigo art. 281 do Código Penal que, assim como faz o art. 290 do Código Penal
Militar, os equiparava. Encontra-se o art. 290 do CPM, no mínimo desde então, desatualizado por injustificável
omissão do legislador.
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3 ORIENTAÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR
O entendimento do STM para a aplicação do princípio da insignificância é o
de que não podem ser observados critérios meramente patrimoniais para o
reconhecimento desta excludente de tipicidade no âmbito da caserna, pois outros
valores, imensuravelmente maiores, são ofendidos com a conduta criminosa do
militar das Forças Armadas17 Assim, deve ser levado em conta o prejuízo para as
instituições militares e a violação da hierarquia e disciplina.
Em relação aos crimes patrimoniais há no STM decisões no sentido de não se
aplicar o critério do §1º, do art. 240 do CPM, eis que reconhece haver vedação
constitucional de vinculação do valor da res furtiva ao salário mínimo, conforme art.
7º, IV, da CF:
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL
DE VINCULAÇÃO DO VALOR DA RES AO SALÁRIO MÍNIMO
(ART. 7º, INC. IV).
Na avaliação do dano patrimonial suportado pelo ofendido, não deve
ser feita qualquer referência ao salário mínimo, até porque a
irrelevância de um determinado valor para uma pessoa pode não sêlo para outra. Afasta-se a bagatela nos crimes patrimoniais para
preservar os princípios da hierarquia e da disciplina, predominantes
nas instituições militares. Ausência de ambigüidade, obscuridade,
contradição ou omissão no acórdão18.
No mesmo Tribunal, no entanto, há decisões mais recentes no sentido de
aplicação do critério do art. 240, §1º, do CPM, ainda que vinculado ao salário
mínimo, o que aparenta ser um retrocesso ante a sistemática da Constituição
Federal de 1988:
Não são insignificantes os prejuízos individuais sofridos quando
comparados aos valores do salário mínimo e do soldo percebido por
um Recruta da Marinha à época dos fatos.
Nos crimes contra o patrimônio, o parâmetro utilizado para
demonstrar a pouca lesividade é previsto no art. 240, § 1º, in fine, do
17
STM. HC n. 2007.01.034426-8 UF: SP, Rel. Min. Rayder Alencar da Silveira. Julgamento: 19/12/2007.
Disponível em <http://www.stm.gov.br/pesquisa/acordao/2007/180/01.0344268/01.0344268.pdf>. Acesso em:
20/07/2009.
18
STM. Embargos de Declaração n. 2005.01.049521-4 UF: PE, Rel. Min. Marcus Herndl, Julgamento:
16/08/2005. Disponível em <http://www.stm.gov.br/pesquisa/acordao/2005/440/01.0495214/01.0495214.pdf>.
Acesso em: 20/07/2009.
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CPM, além da equivalência entre o patrimônio furtado e o da
vítima.19
Em relação ao art. 290 do CPM, é pacífico o entendimento do STM no sentido
de que, no caso de posse e/ou uso de substância entorpecente em lugar sujeito à
Administração Militar, a circunstância de ser pequena a quantidade apreendida não
descaracteriza o delito20, por este tipo penal tutelar bens que avançam muito além
da preservação da saúde pública e da do próprio usuário de drogas, alcançando,
assim, a segurança e a pronta operacionalidade das forças militares e a estabilidade
das relações entre as pessoas que as integram, bens estes ineludivelmente
imbricados com a hierarquia e a disciplina21.
Há um singular entendimento no STM de que o princípio da insignificância
não se aplica aos crimes culposos, haja vista que, segundo seus julgados, nestes
delitos o que se pune não é o resultado lesivo e, sim, a conduta anterior do agente 22;
relaciona-se, pois, o princípio da insignificância ao desvalor do resultado –
representado pela lesão ao bem jurídico - o que o torna compatível apenas com os
crimes dolosos.
Entende, por fim, a corte castrense que a análise sobre a aplicabilidade do
princípio da insignificância deve ocorrer na fase de julgamento do processo se a
denúncia estiver revestida das formalidades legais23.
19
STM. Recurso Criminal n. 2008.01.007583-1 UF: DF, Rel. Min. Rayder Alencar da Silveira. Julgamento:
25/02/2009. Disponível em: <http://www.stm.gov.br/pesquisa/acordao/2008/320/01.0075831/01.0075831.pdf>.
Acesso em: 18/10/2009.
20
Este, conforme já discutido no item anterior, é o principal ponto de divergência entre o STM e o STF que
recentemente veio a acolher o princípio da insignificância e a aplicação da Lei 11.343/2006 no âmbito militar.
21
STM.Embargos 2003.01.049230-9 UF: SP, Rel. Max Hoertel, Julgamento: 04/11/2003. Disponível em:
<http://www.stm.gov.br/pesquisa/acordao/2003/160/01.0492309/01.0492309.pdf>. Acesso em: 18/10/2009.
22
STM. Apelação 1991.01.046348-8 UF: PE, Rel. Cherubim Rosa Filho, Julgamento: 31/10/1991 e Apelação
1991.01.046569-3 UF: RJ, Rel. Paulo Cesar Cataldo, Julgamento: 02/04/1992. Disponíveis em:
<http://www.stm.gov.br/cgi-bin/nph-brs?s1=&s2=1991.01.0463488&s3=&s4=&s5=&s6=&s7=&s8=&s9=&s10=&s11=&s12=&s13=&s14=&s15=&s16=&l=20&d=JURI&p=1&
u=jurisprudencia.htm&r=1&f=G&sect1=NOVAJURI>
e
<http://www.stm.gov.br/cgi-bin/nphbrs?s1=&s2=1991.01.0465693&s3=&s4=&s5=&s6=&s7=&s8=&s9=&s10=&s11=&s12=&s13=&s14=&s15=&s16=&l=20&d=JURI&p=1&
u=jurisprudencia.htm&r=1&f=G&sect1=NOVAJURI >. Acesso em: 18/10/2009.
23
STM. Recurso Criminal 2008.01.007496-7 UF: RS, Rel. Min. Francisco José da Silva Fernandes, Julgamento:
26/02/2008. Disponível em: <http://www.stm.gov.br/pesquisa/acordao/2008/320/01.0074967/01.0074967.pdf>.
Acesso em: 18/10/2009.
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A Interpretação jurisprudencial do princípio da insignificância nos crimes militares – Diego
Franco Pereira/FACINAN
CONCLUSÕES
Pelo que foi até o momento pesquisado, pôde-se verificar que o Código Penal
Militar de 1969, vanguardista para a época, dentre outras inovações, trouxe a
previsão expressa, em alguns de seus dispositivos, sobre a aplicação do princípio da
insignificância, o que ainda hoje inexiste na legislação penal comum, permitindo que
o juiz ao se deparar com um crime de bagatela desclassifique-o para infração
disciplinar, mantendo a repressão do fato no âmbito administrativo ao mesmo tempo
em que afasta a sensação de insegurança jurídica ao não deixar o militar infrator
impune.
Em que pese a aplicação do princípio estar positivada, espancando qualquer
dúvida sobre sua aplicabilidade no âmbito dos crimes militares, os parâmetros legais
para sua aplicação mostram-se insuficientes e até em dissonância com a atual
sistemática constitucional, no que ficou a cargo da doutrina e, principalmente, da
jurisprudência, embora de forma ainda não totalmente incontroversa, fixar seus
critérios à luz dos princípios penais limitadores e dos específicos da atividade militar
ao defrontar-se com o caso concreto.
Desta forma, embora o Direito Penal Militar, por sua natureza, deva ser mais
rígido, não pode se afastar das criações jurídicas perfiladas pelo direito comum,
razão pela qual a aplicação do princípio da insignificância se mostra plenamente
compatível com aquele direito especializado e vem amplamente sido reconhecida
pelos Tribunais. Devem, entretanto, observar os Tribunais e os aplicadores do
Direito maior cautela quando da sua aplicação no âmbito castrense para que não
sejam violados os princípios vigentes na caserna e nem seja prejudicada a
operacionalidade das Forças Armadas com a sua aplicação.
A previsão expressa em alguns tipos para a aplicação do princípio deve ser
vista não como uma limitação à sua aplicação, o que é incompatível com a
interpretação do Direito Penal em um Estado Democrático de Direito e do alcance da
insignificância como princípio, que por esta condição transcende à norma, mas como
um norte para a aplicação nos demais dispositivos. Como princípio que é deve ter
sua aplicação ampliada no direito penal independente de norma específica que o
preveja, pois a ela transcende.
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Artigo recebdo em 11/2012. Aprovado em 01/2013.
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