Gestão de Resíduos não Orgânicos Perigosos da Actividade Agrícola

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Gestão de Resíduos não Orgânicos Perigosos da Actividade Agrícola
Gestão de Resíduos não Orgânicos Perigosos da
Actividade Agrícola
Helena Ramos Ribeiro; Pedro Rodrigues Sobral, CERNE – Serviços AgroAmbientais,
Lda
No âmbito de uma sequência de conteúdos sobre a
gestão de Resíduos não Orgânicos da Actividade
Agrícola, é aqui discutida a gestão de resíduos
agrícolas perigosos, uma componente particularmente
importante duma actividade agrícola sustentável.
Em sequência dos nossos anteriores artigos sobre a
temática dos Resíduos Não Orgânicos da
Agricultura (RNOA) onde se equacionaram, no 1º, as linhas gerais da problemática
dos RNOA, e, no 2º, as directrizes de gestão dos RNOA banais, no presente texto
discutem-se os princípios subjacentes à gestão dos RNOA classificados como
perigosos de acordo com o actual CER em vigor - Decisão n.º 2000/532/CE, de 3 de
Maio e subsequentes alterações.
A tabela seguinte tipifica os RNOA perigosos produzidos ao nível da exploração
agrícola.
(1) Decisão n.º 2000/532/CE, de 3 de Maio e subsequentes alterações.
(2) Percentagem mais significativa em plástico embora outros materiais,
designadamente o vidro, também se encontrem representados
De entre os grupos de RNOA classificados como perigosos, destacam-se as
Embalagens Residuais de Fitofármacos – ou Embalagens Residuais de Pesticidas
(ERP), designação mais correntemente utilizada para referir o grupo dos Fitofármacos,
apesar de não serem rigorosamente coincidentes - as quais, em resultado das alterações
verificadas na classificação europeia de resíduos, em vigor a partir de Janeiro de 2002
(Decisão n.º 2000/532/CE, de 3 de Maio e subsequentes alterações), deverão
actualmente presumir-se resíduos perigosos. Este facto implica a reformulação dos
respectivos procedimentos de gestão por forma a garantir a conformidade legal e
eficácia ambiental das soluções a adoptar, as quais deverão verificar, simultaneamente,
um nível satisfatório de exequibilidade operacional.
Esta problemática foi recentemente discutida no âmbito do Projecto GERAQ “Gestão
de Embalagens Residuais de AgroQuímicos” da responsabilidade da CERNE, cujo
Relatório Final foi apresentado em sessão pública em Janeiro 2003, em S.Teotónio –
Odemira, podendo em breve ser consultado em permanência no site da Câmara
Municipal local: www.cm-odemira.pt.
O Projecto GERAQ propôs-se definir um Modelo técnico-operacional capaz de servir
de quadro de referências ao nível nacional e de guia prático para a organização
experimental, ao nível local, de um Sistema Integrado de Gestão das ERAQ
(SIGERAQ).
Em particular, preconiza-se a adopção, por parte dos Produtores Agrícolas, das Boas
Práticas de manuseamento das ERAQ ao nível da exploração e na articulação com o
Sistema de Gestão, contribuindo assim para a melhoria do desempenho ambiental da
agricultura intensiva e para a promoção de formas de exploração compatíveis com a
protecção do ambiente e conservação da paisagem.
A operacionalização deste Sistema a nível local
contribuirá, por sua vez, a título de Modelo
Experimental, para a resolução do problema a nível
nacional.
Actualmente, as práticas de gestão de ERP mais
correntemente adoptadas pelo Agricultor, consistem, de
um modo geral, em práticas clandestinas de
encaminhamento e eliminação de resíduos, baseadas
em procedimentos expeditos sem custos monetários para
o Dono dos Resíduos (custos ambientais não
internalizados), como a queima a céu aberto, o abandono
e o enterramento - estas práticas implicam, no entanto,
consideráveis impactes ambientais e são actualmente
proibidas por lei (Decreto- Lei n.º 239/97, de 9 de Setembro e Despacho 25297/2002,
de 27 de Novembro).
Em paralelo, tem-se assistido a uma utilização crescente dos contentores camarários
como destino de encaminhamento das ERP. Este procedimento, apesar de se constituir
como uma alternativa preferível, do ponto de vista ambiental, às práticas anteriormente
descritas, não decorre no entanto do estabelecimento de acordos formais entre os Donos
de Resíduos e a Autarquia e subsequente regulação e controlo dos respectivos termos,
mas antes da prática de descargas semi-clandestinas (a letra da lei permite alguma
subjectividade na identificação dos limiares da legalidade que enquadram este tipo de
procedimento).
Para este panorama geral contribui a actual inexistência de soluções económica e
ambientalmente eficientes para a gestão das ERP em Portugal, situação esta que resulta
da conjunção de vários factores, de entre os quais se destaca a indefinição da estratégia
nacional para gestão dos Resíduos Perigosos: actualmente em Portugal a única solução
em termos de destino final para as ERP é a sua exportação para valorização energética
ou para aterro de resíduos perigosos.
Importa no entanto referir a recente evolução (Comunicado do Governo datado de
03/02/2003) verificada na Estratégia Nacional de Gestão de Resíduos Industriais
Perigosos (ENGRIP) determinando importantes repercussões na gestão das ERP,
nomeadamente ao nível dos destinos finais disponibilizados em território nacional. A
ENGRIP preconiza, entre outras componentes, a implementação dos chamados
“Centros Integrados de Redução, Reutilização e Reciclagem de Resíduos Industriais
(CI4R)” equipados com várias unidades de processamento, donde se destacam as
Unidades de Classificação e Transferência, de Recuperação de Embalagens
Contaminadas e um Aterro de Resíduos Perigosos.
As directrizes estratégicas e operacionais que norteiam a implementação dos CI4R
apontam para a integração das ERP no leque de resíduos a abranger por estes centros.
Com particular relevância para a gestão das ERP é a prévia triagem entre as ERP
triplamente lavadas e ERP não triplamente lavadas a retomar pelo CI4R , permitindo a
diferenciação da classificação interna destes dois sub-fluxos das ERP, reflectindo-se na
diferenciação dos respectivos procedimentos de manuseamento e encaminhamento para
destino final, assim como na diferenciação dos custos associados.
No contexto internacional, a procura de soluções para a efectivação das
responsabilidades dos agricultores na gestão das ERP tem convergido, de um modo
genérico, na estruturação de Sistemas Integrados de Gestão (ver na tabela seguinte
alguns exemplos).
* Associações nacionais de Fabricantes e Importadores de Fitofármacos
Estes Sistemas Integrados de Gestão (SIG) adoptam o conceito “Extended and
Shared Producer Responsability”, promovendo a partilha de responsabilidades da
gestão dos resíduos pelos vários intervenientes no ciclo de vida do binómio
produto/embalagem.
Regra geral, os referidos Sistemas imputam a responsabilidade do financiamento e
organização do SIG aos primeiros colocadores do binómio produto AQ/emblagem no
mercado (fabricantes / formuladores / embaladores / importadores).
A estruturação de um SIG para as ERP passa por uma tomada de posição, por parte das
autoridades competentes na matéria, no que respeita às ERP triplamente lavadas, uma
vez que o nível de perigosidade formalmente associado a estas embalagens e a eventual
definição de um enquadramento regulamentar específico determinarão as opções de
gestão a adoptar e os termos da respectiva operacionalização, desde a triagem na
exploração, até ao tratamento final mais adequado, passando pela recolha, transporte e
armazenamento temporário, com repercussões significativas ao nível dos custos de
gestão respectivos.
No respeitante à gestão dos Pesticidas Obsoletos, existem diversas vantagens em
proceder ao seu enquadramento no âmbito do SIG das ERP, nomeadamente decorrentes
do facto de ambos os fluxos resultarem do mesmo sector e dinâmica de produção,
permitindo potenciar o efeito de economia de escala na operacionalização do SIG. É no
entanto recomendável a estruturação de um Programa de Gestão próprio que defina,
entre outros, os procedimentos especificos prévios ao seu encaminhamento e os destinos
finais mais adequados.
- A gestão do fluxo de Acumuladores Usados encontra-se regulamentada pelo Decreto
Lei n.º 62/2001, de 19 de Fevereiro, que determinou a estruturação do Sistema
Integrado de Gestão deste fluxo – Ecopilhas, sendo este financiado pelos primeiros
colocadores de Pilhas e Acumuladores no mercado. Este SIG começou a funcionar no
final de 2002 e permite aos detentores deste tipo de resíduos a respectiva entrega nos
locais onde o produto foi adquirido sem custos directos associados.
- No que respeita à gestão do fluxo dos Óleos Usados e decorrente da alteração da
ENGRIP, importa referir a intenção do Governo em rever a legislação no sentido de
criar um Sistema Integrado de Gestão específico para este fluxo, financiado pelos 1os
colocadores de óleos no mercado, o qual promoveria a recolha adequada de óleos
usados e o tratamento dos mesmos, de acordo com a hierarquia de princípios de gestão
de resíduos.
Actualmente existem operadores privados que promovem a gestão deste fluxo junto
dos produtores de óleos usados (abrangendo a recolha e transporte do mesmo para
valorização energética).
- Refira-se ainda a existência de uma fracção do fluxo das sucatas com perigosidade
associada que também serão objecto de intervenção na ENRIP.
Existem actualmente em Portugal operadores designados desmanteladores que
promovem a separação das várias componentes deste fluxo para posterior reutilização e
comercialização, responsabilizando-se pelo encaminhamento para destino final
adequado da porção deste fluxo não passível de reutilização.
***
Como já foi referido no 2º artigo referente às directrizes de gestão dos RNOA banais é
recomendável, para as explorações de maiores dimensões e/ou com dinâmicas
produtivas complexas (p.ex. envolvendo as actividades de viveiro, produção, colheita e
embalamento), a elaboração de um Plano de Gestão de Resíduos (PGR) a título de
instrumento de apoio à gestão dos mesmos, em particular quando os resíduos a gerir
apresentam perigosidade associada. O PGR caracteriza os vários fluxos de resíduos
produzidos na exploração, estabelece as directrizes estratégicas para a respectiva gestão
e sistematiza os procedimentos de Boas Práticas a adoptar pelo agricultor, constituindo
um instrumento estratégico e um incentivo para a internalização dos requisitos
ambientais na lógica de gestão corrente da exploração agrícola.