(BS-06-comunità ebraica)

Transcrição

(BS-06-comunità ebraica)
Centro Chiara Lubich
Movimento dos Focolares
www.centrochiaralubich.org
Buenos Aires, 20 de abril de 1998
Chiara aos membros da B'nai B'rith e a outros membros da comunidade judaica
Os pontos da espiritualidade e as suas origens no Antigo Testamento
(…)
E agora estou aqui com os senhores. Estou aqui com irmãos, com quem partilhamos a
verdadeira fé num único Deus e temos em comum o patrimônio inestimável da parte da Bíblia que
nós chamamos: o Antigo Testamento. O que acontecerá se Deus evidenciar que é Sua vontade que
se construa também entre nós, judeus e cristãos, um relacionamento fraterno?
Antes de vir, li diversos textos acerca da relação judaico cristã. Aprofundei e partilhei a
estima que a minha Igreja exprimiu em relação aos judeus, sobretudo através do documento Nostra
Aetate, do Concílio Vaticano II.
Mas deixei-me iluminar de modo especial por muitas verdades divinas que constelam a
tradição judaica e que nós partilhamos. Essas verdades podem unir a nossa vida espiritual e a dos
senhores. Isso despertou no meu coração o desejo de lhes revelar o segredo do sucesso do nosso
Movimento. O segredo está na sua espiritualidade, que emergiu sem dúvida do Evangelho de Jesus,
mas cujas raízes se encontram no Antigo Testamento, a tal ponto que poderíamos, de certa forma,
escrevê-la de novo com as palavras do Antigo Testamento.
Sonhei, então, com a possibilidade de vivermos juntos essas verdades e darmos, com a
profunda comunhão e colaboração entre nós, uma nova esperança ao mundo.
O nosso Movimento nasceu quando um grupo de moças, eu estava entre elas, constatou a
realidade efêmera das coisas, durante os bombardeios da Segunda Guerra Mundial, em 1943/1944,
em Trento, na Itália. Diante de tanta destruição, experimentamos na nossa pele que é verdade que
«Tudo é vaidade das vaidades». E já naquela época o livro do Eclesiastes nos iluminou.
Notando que tudo passa, por um inegável impulso de Deus, procuramos – em meio à
destruição de todos os ideais - um ideal de vida que nenhuma bomba pudesse destruir.
Compreendemos que esse Ideal existia: era Deus. Esforçamo-nos então em amá-lo com todo o
coração. Para isso, decidimos atuar (e é o que se pede a quem quer viver segundo o estilo do
Movimento dos Focolares) as palavras de Jesus, já referidas no Deuteronômio, no Shemá: «Amarás
o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas...»1 É um amor total,
com tudo, tudo!
Através do Evangelho compreendemos que amar a Deus significa fazer a Sua vontade. De
fato, lemos: «Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor, entrará no reino dos Céus, mas sim aquele
que faz a vontade de meu Pai que está nos Céus».2 Ora isso está escrito maravilhosamente nos
Pensamentos dos Padres judeus, inseridos na Mishna, uma obra muito importante da tradição
1
2
Cf. Shemá (6, 4-5).
Mt 7,21.
1
rabínica: «Sê enérgico como um leopardo, veloz como uma águia, ágil como uma gazela e forte
como um leão ao cumprir a vontade do teu Pai que está nos Céus».3
Depois, é fundamental para nós, cristãos, observar aquele preceito de Deus que nos diz para
«amar o próximo» e que sintetiza - como afirma Jesus - toda a Lei e os profetas.
Amamos os irmãos, porque vemos Cristo (que para nós é Deus) em cada pessoa. Sabemos
que nos salvaremos unicamente em virtude deste amor. A majestosa descrição do juízo universal,
feita por Jesus, bem o diz. Jesus dirá que todo o bem e todo o mal feito aos irmãos, Ele considera
feito a Si: «A mim o fizestes».4
Mas os senhores também possuem a tradição rabínica que diz que o amor ao próximo é «o
grande princípio da Torah»5, pois, tendo Deus criado o homem à Sua imagem, aquilo que fizermos
a qualquer pessoa é como se fizéssemos a Deus.
Temos, ainda, em comum o preceito: «Amarás o teu próximo como a ti mesmo»"6 do
Levítico. E o Talmude pede, como Jesus: «Tal como o Senhor veste os nus como fez com Adão,
assim tu vestirás os nus; como o Senhor visita os doentes como fez com Abraão, tu visitarás os
doentes; como o Senhor consola os aflitos como fez com Isaac, tu consolarás os aflitos; como o
Senhor enterra os mortos como fez com Moisés, tu enterrarás os mortos» .7
Além disso o amor ao próximo, vivido por diversas pessoas, torna-se recíproco. É este o
ponto central do pensamento de Jesus, que nos deixa um mandamento novo e tipicamente Seu:
«Dou-vos um mandamento novo: amai-vos uns aos outros».8
Se nos amarmos assim, com este amor, o Evangelho garante-nos que Cristo estará presente
entre nós. Diz: «Onde dois ou três estão reunidos no meu nome, eu estou no meio deles».9
A maioria dos nossos estudiosos, católicos, afirma que este versículo se baseia numa
tradição judaica. De fato, sempre nos Pensamentos dos Padres, está escrito: «Se duas pessoas se
reúnem e falam da Torah, então a Shekhinah (a morada divina) está no meio delas».10
Para nós também é central o mistério de Jesus na cruz, quando grita, usando as palavras do
Salmo 22: «Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?»11
Pensamos que Ele sofreu, com todas as atrocidades da cruz, também este abandono do Pai,
com quem era uma coisa só, a fim de recompor a unidade dos homens com Deus e entre eles,
rompida pelo pecado.
Comoveu-me o escrito de um judeu contemporâneo, recentemente falecido, a respeito do
12
Salmo 22: «Quem poderá personificar melhor o povo judeu do que este pobre Rabino de Nazaré?»
Este autor vê no grito de Jesus também e sobretudo os sofrimentos da Shoah e diz: «Meu
Deus, meu Deus, por que me abandonaste?» não foi apenas o Salmo de Davi ou uma frase
pronunciada por Jesus na cruz, mas eu diria que foi, de certa forma, a frase repetida dos deportados
nos campos de Auschwitz e de Maidanek». E continua: «Não é este rabino, Jesus, que morre
esvaído em sangue na cruz, a verdadeira imagem do seu povo sofredor, demasiadas vezes
assassinado na cruz do ódio antijudaico, que também nós provamos - infelizmente - na nossa
juventude?»13
3
Mishnà Avot 5,20.
4
Mt 25,40.
5
Rabbi Akiva.
6
Lv 19,18.
7
Talmud di Babilonia - Trattato Sota 14a.
8
Jo 13,34.
9
Mt 18,20.
10
Mishnà Avot 3,2.
11
Cf Mt 27,46.
12
P.LAPIDE, cit.
13
Ibid.
da H. Waldenfels in Gesù crocifisso e le grandi Religioni, Napoli 1987, p.35.
2
O abismo do sofrimento e da sensação do abandono de Deus é expresso na teoria do rosto
escondido de Deus. Martin Buber, após a Shoah, falava de "eclipse de Deus".
Saiu há poucas semanas o documento da Igreja católica sobre a Shoah, que pretende ser
sobretudo uma impelente advertência para que não se esqueça tão odioso crime e para que nos
desprendamos de uma vez para sempre dos vestígios do antijudaísmo que envenenou durante
séculos as relações entre judeus e cristãos.
No entanto, o sofrimento indescritível da Shoah e de todas as mais recentes e sangrentas
perseguições, não pode não dar fruto. Nós queremos participar dele com os senhores, para que não
seja um fosso que nos separa, mas uma ponte que nos une, tornando-se semente de unidade; sim, de
unidade!
Esta é a palavra que sintetiza a nossa espiritualidade assim como os desejos de Jesus no Seu
testamento: «Que todos sejam um».14
Ora a unidade é sentida fortemente também pelo povo judaico. O famoso filósofo Heschel
escreve: «A unidade de Deus é o fundamento da unidade de Deus com todas as coisas. Ele é um em
si mesmo e quer se fazer um com o mundo (...). A unidade de Deus requer a unidade do mundo».15
São estes os pontos fundamentais da nossa espiritualidade que correspondem aos aspectos
da tradição judaica, semelhantes aos nossos, quando não iguais.
Meditando-os, podemos refletir um instante diante de Deus: será que Ele quer que
percorramos juntos um caminho, de mãos dadas, para dizer a todos que Ele nos tornou irmãos e
testemunhar ao mundo de hoje, materializado, secularizado, hedonista, como é maravilhosa a
aventura de viver para anunciar o Seu nome e fazer crescer a fé nele, de maneira que os valores, que
Ele evidencia (como a paz, a solidariedade, a defesa dos direitos humanos, a liberdade, a justiça,
etc.), sejam restaurados?
Que Deus nos inspire.
Entretanto uma coisa é certa: nós hoje nos encontramos, e essa é uma grande alegria para
mim, para os membros do Movimento que se encontram aqui e, espero, também para os senhores.
Que o amor possa vencer!
Obrigada pela profunda e intensa atenção que me dispensaram.
14
Cf Jo 17,21.
15
A. HESCHEL, Man
is not alone, New York 1951, p.123.
(Publicado em Nuova Umanità, n. 117-118/1998)
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