Aspectos político e social - Estrasburgo 15/09/1998
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Aspectos político e social - Estrasburgo 15/09/1998
Revista ABBA Volume III – ano 2000 N1 O Movimento dos Focolares em seus aspectos político e social Discurso proferido a um grupo do Partido Popular Europeu. Estrasburgo (França), 15 de setembro de 1998. Chiara Lubich Tradução: Irami B. Silva Chiara Lubich fala a um grupo de deputados do Parlamento Europeu, em Estrasburgo (França), dia 15 de setembro de 1998, apresentando o Movimento dos Focolares em sua atuação na Economia de Comunhão e em seu empenho por uma política renovada. Chiara Lubich revela como, hoje, em quase todos os países do mundo, lenta mas decididamente, está crescendo o número de homens e mulheres que desejam ser, ao menos no lugar onde vivem, expressão de um povo novo, de um mundo mais solidário sobretudo para com os últimos, para com os mais pobres, expressão, enfim, de um Mundo Unido. Este encontro antecedeu a solenidade de entrega a Chiara Lubich do Prêmio Europeu pela Promoção dos Direitos Humanos 1998, conferido na mesma ocasião também à Fundação pelos Direitos do Homem, da Turquia, e ao Comitê para a Promoção da Justiça, da Irlanda do Norte, em 22 de setembro de 1998. Abba. São Paulo, v. 3, n. 1, 2000, pp. 9-16. Excelentíssimos Senhores Deputados, Agradeço ao Excelentíssimo Senhor Presidente Wilfried Martens e a Sua Excelência o Deputado Carlo Casini pela oportunidade que me foi dada de dirigir aos Senhores algumas palavras que espero sejam do seu agrado. Antes de mais nada, quero tecer algumas considerações sobre a grande realidade religiosa e social que represento, o Movimento dos Focolares. De fato, só assim alicerçada, é que lhes posso apresentar os aspectos do Movimento que mais podem despertar interesse. O Movimento pode ser visto sob diversos pontos de vista: do espiritual ao apostólico, do caritativo e social ao cultural, do ecumênico ao inter-religioso, e muitos outros. Recentemente, com a chamada Economia de Comunhão na Liberdade, dois novos campos, o político e o social, começaram a se desenvolver. O Movimento dos Focolares nasceu na Igreja Católica, em Trento, Itália, há mais de cinqüenta anos. Hoje, há também cristãos de outras 300 Igrejas que aderem ao Movimento, fiéis das mais importantes religiões, e homens e mulheres de boa vontade. Conta com alguns milhões de pessoas de todas as raças, línguas e nações, espalhadas no mundo inteiro, em 182 países. Seu estilo de vida é genuinamente evangélico. Sua finalidade é dar a sua contribuição para realizar o Testamento de Jesus: “Pai […] que todos sejam um como nós somos um” (Cf. Jo 17,21). Na prática, cooperar para fazer da humanidade uma só família. E busca atingir esta meta altíssima por meio de diversos diálogos. A sua espiritualidade, a Espiritualidade da Unidade, é atual e moderna. Inspirandose fundamentalmente em princípios cristãos — não descuidando e, sim, pondo em evidência valores paralelos em outros credos e culturas — trouxe amor, unidade e paz a este mundo. Não é vivida apenas individualmente, mas coletivamente, por uma multiplicidade de pessoas. De fato, possui uma dimensão comunitária acentuada. Finca suas raízes em algumas palavras contidas no Evangelho, que se entrelaçam umas às outras. A Espiritualidade da Unidade supõe, antes de mais nada, uma profunda consideração de Deus por aquilo que ele é: Amor, Pai. De fato, como seria possível ter a visão da humanidade como uma só família, sem a presença de um Pai para todos? Acreditar em seu amor é o imperativo desta nova espiritualidade; acreditar que somos por ele amados pessoal e comunitariamente, o seu ponto de partida. Com efeito, ele nos conhece no mais íntimo, segue cada um de nós em cada detalhe. “Até mesmo os cabelos da vossa cabeça estão todos contados”, diz o Evangelho (Lc 12,7). Não deixa apenas para a iniciativa dos homens a construção da sociedade, mas dela se ocupa. Acreditar no amor de Deus. E, entre as inúmeras possibilidades que a vida oferece, vê-lo como Ideal da própria vida. Mas não basta acreditar no amor de Deus. A presença e os cuidados de um Pai convocam cada um a ser filho, a corresponder àquele desígnio de amor especial que ele tem para cada um de nós, isto é, a fazer a sua vontade. E sabemos que a primeira vontade de um pai é que os filhos se tratem como irmãos, se amem. Que ponham em prática aquela que se pode definir como “a arte de amar”, que desponta do Novo Testamento. Esta prática requer que amemos todos sem discriminação; que amemos por primeiro, sem esperar amor dos outros, que amemos cada um como a nós mesmos. Pede que façamos nossos os pesos, as preocupações, os sofrimentos e as alegrias dos irmãos. Quer que amemos até os inimigos. E onde este amor é vivido radicalmente, o povo fica admirado, quer saber, e sentese arrastado a fazer o mesmo. Nasce daí a revolução do amor. Todavia, se este amor for vivido por uma multiplicidade de pessoas, torna-se recíproco. E Cristo deixou justamente como norma “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15,12). Ele sabia que este amor era necessário para se formar no mundo aquela família humana universal, que supera o conceito de sociedade internacional; família universal na qual as relações entre pessoas, grupos e povos são tais que lançam por terra divisões e barreiras de todo tipo, em qualquer época. Sabemos que todo aquele que se decide hoje a “remover as montanhas” da indiferença, ou mesmo do ódio e da violência, tem uma tarefa imane e pesada. Mas o que é impossível a milhões de homens isolados e divididos, parece ser possível a quem fez do amor mútuo, da compreensão recíproca, da unidade, o motor essencial da vida. Por que isto? Há um porquê. Um elemento, preciosíssimo, desta nova espiritualidade, conseqüência do amor recíproco, também anunciado pelo Evangelho, diz: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles” (Mt 18,20). O próprio Cristo está presente entre eles e, portanto, em cada um deles. Que possibilidade maior pode haver para quem quer ser instrumento de fraternidade e de unidade? Este amor recíproco, esta unidade, que tanta alegria dá a quem a põe em prática, certamente demanda empenho, treinamento diário, sacrifício. E aqui surge para os cristãos, em toda a sua luminosidade e dramaticidade, aquela palavra que o mundo não quer ouvir pronunciar, por ser tida como insensatez, absurdo, contra-senso: a cruz. Aceitá-la, saber carregá-la é essencial para esta espiritualidade. Sem decidir carregar a cruz, nada se faz de proveitoso no mundo. Atualmente, homens e mulheres de quase todas as nações do mundo querem ser, lenta mas decididamente, ao menos lá onde se encontram, expressão de um povo novo, de um mundo mais solidário — sobretudo com os últimos da sociedade, os mais pobres —, expressão de um mundo mais unido. Esta espiritualidade representa aquele húmus no qual todas as pessoas do Movimento se formam, inclusive as que se devotam às atividades políticas e sociais. Sem este húmus, os objetivos a que nos propomos dificilmente são realizáveis. Assim se expressou João Paulo II: “Não há renovação, inclusive social, que não parta da contemplação. O encontro com Deus […] insere nos rumos da história uma força misteriosa que sensibiliza os corações, leva-os […] à renovação e […] se torna uma força histórica de transformação das estruturas sociais” (João Paulo II, 1995). Passemos agora ao aspecto mais político desta Obra. Desde seu início, o nosso Movimento dedicou especial atenção ao mundo da política. Este nos oferecia a possibilidade de amar o próximo, num crescendo de caridade evangélica: do amor interpessoal a um amor maior ainda pela pólis. Já em um encontro nosso em 1959 ecoava esta mensagem: “Chegou o momento de amar a pátria alheia como a própria”. Realmente, a mais alta dignidade para a humanidade hoje seria sentir-se não tanto como um agrupamento de povos, um ao lado do outro, muitas vezes em luta entre si, mas, pelo amor recíproco, um só povo, embelezado pela diversidade de cada um, guardião das diferentes identidades. Esta política orientada pelo amor podia naturalmente parecer a nós mesmos um “sonho” e aos outros, uma utopia. Mas a experiência que estamos fazendo prova o contrário. Em maio de 1996, em Nápoles, Itália, surgiu a seguinte pergunta entre os nossos, empenhados em diversas linhas políticas: Como podem eles, partindo de posições diferentes e até antagônicas, aspirar à unidade? E encontrou-se uma resposta. Colocando em prática o amor recíproco na base de tudo, como Pedro aconselha às primeiras comunidades cristãs: “Acima de tudo, cultivai, com todo o ardor, o amor mútuo” (1Pd 4,8). E, depois, sendo militantes de partidos. Certamente não para criar outro partido único, mas sim para estarem dispostos, em plena lealdade às próprias filiações políticas, a compreender as razões uns dos outros num espírito de unidade. Um espírito de unidade que não aja apenas em ocasiões excepcionais, mas viva como norma fundamental e contínua pela política de cada povo e da cena internacional. Um espírito de unidade que ajude a tomar posições comuns, para salvaguardar os valores do homem. Naquele dia, em Nápoles, nasceu o Movimento da Unidade. Este movimento começou a se expandir por toda a Itália. São mais de 200 pessoas (de vereadores a deputados federais), tanto da situação, quanto da oposição, ocupando cargos eletivos; e cerca de outras mil pessoas empenhadas em diferentes partidos. Mas não paramos só na Itália. O Movimento da Unidade começa a florescer agora também no resto da Europa, nas Filipinas, assim como na Argentina e no Brasil, dando já os seus primeiros frutos. De fato, em minha recente viagem à América do Sul, em maio passado, no Brasil, falou-se do Movimento da Unidade pela primeira vez a um grupo de políticos nãoitalianos. E com aquele encontro, a unidade entre políticos de partidos diferentes começou a se estender a políticos de países diferentes. Simultaneamente procuramos, com todo o Movimento, fazer desenvolver a partir das bases “germes de um povo novo”, um povo que se encaminha para aquele mundo mais unido que os sinais destes tempos novos reclamam cada vez mais. Agora, o aspecto social. Seguindo as linhas de vida evangélica acima mencionadas, procuramos colocar em prática, desde os primórdios do Movimento, a comunhão de bens, a exemplo da que se fazia na comunidade primitiva de Jerusalém. Há quem faça essa comunhão de modo completo: são as pessoas totalmente doadas ao Movimento, que dão seu salário integral e entregam os eventuais bens, com testamento, em favor dos pobres. Os outros dão o excedente. O aspecto social do Movimento também se traduz em obras concretas, sólidas (cerca de 750 no mundo), que pretendem ser um testemunho do amor aos irmãos, para que a unidade se realize entre muitos. Contudo, é naturalmente típica do nosso Movimento a chamada Economia de Comunhão na Liberdade, nascida no Brasil em 1991. O Movimento, presente no país desde 1958, difundiu-se em todos os Estados, atraindo pessoas de todas as categorias sociais. Mas eu já percebera, havia alguns anos, que — dado o grande crescimento do Movimento no Brasil (são quase 250.000 pessoas) — não conseguíamos suprir sequer as necessidades mais prementes de nossos membros, apesar de uma intensa comunhão de bens. Tive impressão de compreender, então, que Deus chamava o nosso Movimento para algo novo. Mesmo não sendo versada em problemas econômicos, imaginei que, para aumentar as receitas, podiam-se criar empresas, estabelecimentos comerciais, entre o nosso pessoal, cuja administração deveria ser confiada a pessoas competentes, capazes de fazê-los funcionar com eficácia e com isso obter lucros. Estes lucros — e aqui está a novidade — deveriam ser postos em comum: uma parte, lógico, para incrementar a empresa, vista como comunidade de trabalho; outra, para ajudar os necessitados e lhes dar o de que viver, até que encontrem um meio de sustento; e, finalmente, uma terceira parte, para desenvolver meios de formação para “homens novos” (como o apóstolo Paulo os chama), isto é, pessoas formadas e animadas pelo amor, capazes de atuar aquela que nós chamamos a “cultura do dar”. E deveria surgir em nossas “cidadezinhas de testemunho” (temos umas vinte no mundo) um verdadeiro setor empresarial. A idéia foi recebida com entusiasmo não somente no Brasil e em toda a América Latina, mas também na Europa e em outras partes do mundo. Surgiram muitas empresas, e muitas outras se transformaram segundo os padrões da Economia de Comunhão. Este é um modo de agir econômico que — mesmo sendo atuado dentro do sistema econômico vigente — caminha em direção oposta aos critérios fundamentais da economia, como hoje são concebidos pela maioria. Aos empresários é proposta uma nova linha de direção da empresa, que põe em prática procedimentos que se inspiram em nossa espiritualidade. Ela exige que o homem e as relações interpessoais sejam colocados como ponto central, evitando comportamentos contrários ao amor evangélico. Ela pleiteia a valorização dos empregados por meio do seu próprio envolvimento na gestão. Deve-se, ainda, respeitar a ética nos relacionamentos com os clientes, os fornecedores e a administração pública, portanto, a legalidade. Deve-se dar atenção ao ambiente de trabalho e ao respeito pela natureza. Deve-se incrementar a colaboração com outras realidades empresariais e sociais etc. Além do mais, que não se esqueça de deixar espaço para a intervenção de Deus, para a sua Providência, inclusive na atuação econômica concreta: um rendimento inesperado, uma solução técnica genial, a idéia de um novo produto bem sucedido... Já aderiram a este projeto 622 empresas e 125 atividades de gêneros diferentes. Economistas, sociólogos, filósofos examinam a fundo esta nova idéia que se está revelando uma nova filosofia econômica. Isto, em poucas palavras, é a Economia de Comunhão. Excelentíssimos Senhores Deputados! Expus alguma coisa sobre o Movimento da Unidade e sobre a Economia de Comunhão, dois aspectos do nosso Movimento que se desenvolveram ultimamente. Como afirmei antes, o Movimento dos Focolares, realizado com a ajuda de Deus, tem outros aspectos bem mais amplos e consolidados que um dia — penso — os Senhores poderão ter a alegria de conhecer em toda a sua amplitude. Por enquanto, agradecendo a todos pela atenção, desejo-lhes muitas felicidades. Bibliografia BÍBLIA DE JERUSALÉM, 1985. São Paulo : Paulinas. JOÃO PAULO II, 1995. Discurso ao III Simpósio da Igreja Italiana. L’Osservatore Romano. Roma, 24 nov., p. 5.
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