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REVISTA DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE ANESTESIOLOGIA Vol. 21 | nº5 | 2012 - ISSN 0871-6099 Revista da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 1 A via aérea supraglótica I-gel está agora indicado para reanimação e pode ser inserido em menos de 5 segundos com utilização em pacientes com um peso de 30-90 Kgs+, torna o i-gel indicado para a maioria dos adultos. Para experimentar i-gel visite www.i-gel.com, onde poderá encontrar mais informação, videos, downloads e as últimas novidades. 2 Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 ´ Revista da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia Vol 21 - Nº 5 Editorial Artigo de Revisão Recuperação pós-operatória de sangue como alternativa à transfusão homóloga na artroplastia total do joelho e na artroplastia total da anca 08 HUGO LARANJEIRA, NUNO FERNANDES, RITA FERREIRA, LÚCIA BORGES Caso Clínico Miastenia gravis pós-infeção por vírus H1N1 18 F. HORTA E SILVA; A. NASCIMENTO; N. ZWOLINSKI; A. ANDRÉ Artigo Histórico Histórias da História da Anestesiologia Portuguesa 22 Notas sobre a história da anestesiologia portuguesa: a tese de doutoramento de Francisco Luis Gomez (n. 1823- M. Post. 1874). JOÃO DUARTE BLECK Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 3 Editorial António Augusto Martins Editor da Revista da SPA As estratégias de conservação de sangue no perioperatório são uma vertente fundamental para uma eficiente gestão de um banco de sangue de qualquer unidade hospitalar. Esta realidade é reconhecida pela Direção Europeia da Qualidade dos Medicamentos e Cuidados de Saúde que emana regularmente “Recomendações” para a administração de sangue e seus derivados1. Esta gestão visa a aplicação oportuna dos conceitos baseados na medicina da evidência e práticas cirúrgicas para a manutenção de concentrações de hemoglobina, optimização da hemostase e minimizara as perdas hemorrágicas num esforço para a melhoria do prognóstico do doente2. A maioria destes procedimentos está focada no pré e intraoperatório. O artigo de revisão “Recuperação pós-operatória de sangue como alternativa à transfusão homóloga na artroplastia total do joelho e na artroplastia total da anca” aborda as diferentes estratégias de “poupança” de sangue dedicando atenção particular aos dispositivos para o pós-operatório e na cirurgia ortopédica protésica. A miastenia gravis é um assunto recorrente em revistas da nossa especialidade. O caso clínico descrito tem a singularidade de esta patologia ter sido considerada consequente após infeção por vírus H1N1. A publicação de documentos de memória relativos à nossa especialidade tem merecido uma atenção especial por parte de um grupo de colegas preocupado com a preservação destes registos fundamentais para a compreensão da génese e desenvolvimento da Anestesiologia portuguesa. A edição do livro “História da Anestesiologia Portuguesa” (2008, edição da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia-SPA) da autoria do Professor Jorge Tavares e de outras publicações (Eusébio Lopes Soares, Figueiredo Lima, António Mesquita, Neves da Costa entre outros) têm mantido perene este registo. A Revista da SPA (e outras publicações como a Revista do CAR) tem contribuído de forma não sistemática para este desiderato (exemplos: O Serviço de Anestesiologia no Hospital da Marinha; O Doutor Francisco Luíz Gomez – nota bibliográfica. Revista SPA 2009. Vol 18; 3: 27-34). O presente número da Revista da SPA inicia uma secção regular sobre esta temática. A iniciativa e coordenação deste projeto é do Professor Jorge Tavares e será designado por “Histórias da História da Anestesiologia Portuguesa”. Este número encerra o ano de 2012. Em nome da equipa responsável pela Revista da SPA queria agradecer aos autores que enviaram os seus trabalhos a confiança depositada nesta publicação. O esforço de revisão colocado nos textos teve como objetivo a melhoria dos mesmos. Alguns dos textos enviados para submissão foram recusados por razões diversas. No entanto, elogiamos igualmente o esforço destes colegas e esperamos que mantenham o seu contributo e empenho de publicação na Revista. A redação de textos científicos e sua revisão é um trabalho voluntário, consumidor de tempo e exigente – o meu reconhecimento aos revisores como elementos fundamentais na construção científica da publicação. Por fim, e com igual ou maior importância, os leitores da Revista. Esperamos ter contribuído para aproximar e fazer chegar a todos algum do trabalho científico produzido em Portugal. O ano de 2012 foi também fértil em questões intimamente relacionadas com o futuro da nossa especialidade – o polémico Estudo para a Carta Hospitalar da ERS e a proposta de criação da especialidade primária de Medicina Intensiva. Foi nossa preocupação, neste contexto, fazer chegar aos colegas uma informação atualizada e as opiniões de colegas com responsabilidades institucionais relativamente a estes problemas que exigem uma resposta adequada e mobilizadora. Os meus melhores cumprimentos, António Augusto Martins Editor da Revista da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia Bibliografia 1. http://www.edqm.eu/en/edqm-homepage-628.html 2. http://www.sabm.org. Acedido a 29-11-2012 4 Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 Editorial Durante a elaboração da História da Anestesiologia Portuguesa, todos os colegas foram convocados para que colaborassem com as referências a acontecimentos relevantes de que tivessem sido protagonistas ou testemunhas. Com a publicação do livro, muitos outros colegas entenderam a importância da conservação da memória das instituições. Só assim se pode fazer justiça a quem as criou, ler os rumos em que foram estruturados os seus caminhos, projetar decisões futuras com sabedoria e coerência. A Revista da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia, nos seus mais de 25 anos de publicação regular, é uma fonte ímpar para o conhecimento de pessoas e factos da nossa história coletiva. Perante o interesse aumentado pela recolha de dados e documentos, fundamentos de opiniões e recordações, é lógico que passe a publicar textos relacionados com a História da Anestesiologia Portuguesa. Já não como inclusão avulsa de um ou outro texto, mas a como uma secção regular, a qual se inicia neste número. A secção está aberta a todos os sócios da Sociedade ou outros anestesiologistas que queiram relatar factos dessa história, revelar documentos ou incluir fotografias significativas. Tudo pode ter interesse, não há nada que possa não interessar: o editor da revista e eu próprio estamos disponíveis para contribuir para que seja dado o merecido relevo ao que for enviado com este objetivo. Jorge Tavares Histórias da História da Anestesiologia Portuguesa A inclusão de dados objetivos sobre a história coletiva da nossa especialidade na Revista da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia, dignifica a revista e honra a especialidade e os seus agentes. Jorge Tavares Histórias da História da Anestesiologia Portuguesa Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 5 6 Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 7 Artigo de Revisão Recuperação pós-operatória de sangue como alternativa à transfusão homóloga na artroplastia total do joelho e na artroplastia total da anca Hugo Laranjeira 1, Nuno Fernandes 2, Rita Ferreira 3, Lúcia Borges 4 Palavras-chave: - Transfusão sanguínea; - Transfusão de sangue autólogo; - Artroplastia Resumo As cirurgias ortopédicas, como a artroplastia total do joelho e a artroplastia total da anca são responsáveis por uma grande perda de sangue, sendo necessário recorrer frequentemente a transfusões de sangue homólogo. No entanto, para além das transfusões homólogas não serem isentas de riscos, o sangue homólogo é um recurso limitado e caro, o que se pode tornar problemático numa sociedade envelhecida. Assim, como forma de reduzir as necessidades de transfusões homólogas, tem-se desenvolvido várias estratégias alternativas. A utilização de dispositivos que permitem a recolha do sangue drenado do local cirurgico e a sua reinfusão depois de filtrado está na base de uma dessas abordagens. No presente artigo de revisão é feita uma análise das várias estratégias utilizadas com o intuito de reduzir as transfusões de sangue homólogo, dando particular ênfase à recuperação pós-operatória de sangue do local cirúrgico com dispositivos específicos para o efeito. Postoperative recovery of blood as an alternative to homologous transfusion in total knee arthroplasty and total hip arthroplasty Hugo Laranjeira 1, Nuno Fernandes 2, Rita Ferreira 3, Lúcia Borges 4 Keywords: - Blood transfusion; - Autologous blood transfusion; - Arthroplasty Abstract Orthopedic surgeries such as total knee arthroplasty and total hip arthroplasty are responsible for a massive blood loss, often requiring the recourse to homologous blood transfusions. However, in addition to potential risks, homologous blood is an expensive and limited resource, particularly problematic on an aging population. Thus, in order to reduce the need for homologous transfusions several alternative strategies have been developed. The use of devices that allow the postoperative recovery of blood from the surgical site and their reinfusion after filtration is the basis of one of those approaches. In the present study, the strategies available to reduce homologous blood transfusions are reviewed, giving special emphasis to the postoperative recovery of blood from the surgical site with specific devices. 1 Serviço de Imunohemoterapia Centro Hospitalar do Baixo Vouga, E.P.E. – Aveiro/ Departamento de Química – Universidade de Aveiro; e-mail: [email protected] telem: 919162377 2 Serviço de Anestesiologia Centro Hospitalar do Baixo Vouga, E.P.E. – Aveiro 3 Departamento de Química – Universidade de Aveiro 4 Serviço de Imunohemoterapia Centro Hospitalar do Baixo Vouga, E.P.E. – Aveiro O aumento da esperança média de vida está associado a um aumento de intervenções cirúrgicas, em particular de cirurgias ortopédicas e traumatológicas, dada a prevalência de osteoartrite e osteoporose nos indivíduos idosos1,2. De entre os procedimentos cirúrgicos que envolvem a colocação de uma prótese articular, é de salientar o aumento da artroplastia total do joelho (ATJ) e da artroplastia total da anca (ATA) nos países desenvolvidos3. Em Portugal, só no ano de 2008, foram registadas mais de 12500 artroplastias 4. 8 Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 Este tipo de cirurgia está associado a uma perda significativa de sangue5-8. No caso da ATJ é requerida uma dissecação extensa de tecidos moles e ósseo9,10 o que justifica a grande perda de sangue pós-operatória. Uma ATJ unilateral, por exemplo, pode levar a uma perda de sangue superior a 1500mL 5,11 sendo necessário recorrer frequentemente à transfusão sanguínea12. Efetivamente, 20 % a 50 % dos pacientes submetidos a ATJ13 e 30 % a 40 % dos pacientes submetidos a ATA recebem transfusão de sangue homólogo14. Os pacientes ortopédicos têm uma contribuição relativamente elevada no consumo de sangue. No Reino Unido, por exemplo, 10 % das unidades de concentrado de eritrócitos administrados nos hospitais são consumidas por pacientes ortopédicos. Dessas, 40 % são usadas em pacientes submetidos a ATJ ou a ATA 5. No sentido de reduzir o elevado consumo de sangue homólogo por partes de pacientes submetidos a estes procedimentos cirúrgicos torna-se fundamental recorrer a Recuperação pós-operatória de sangue como alternativa à transfusão homóloga na artroplastia total do joelho e na artroplastia total da anca estratégias alternativas que têm vindo a ser desenvolvidas e disponibilizadas comercialmente. Alternativas às transfusões de sangue homólogo: argumentos para a sua utilização A utilização de componentes de sangue homólogo está associada a um aumento da mortalidade e da morbilidade para além dos elevados custos financeiros que comporta. Efetivamente, as transfusões homólogas não estão isentas de riscos e estão associadas a efeitos adversos em cerca de 20 % dos casos10,11 e a reações severas em 0,5 %5,11. Os riscos associados às transfusões homólogas incluem a transmissão de agentes infeciosos e riscos não infeciosos9 (Quadro I). Riscos infeciosos Vírus (ex.: vírus da imunodeficiência humana)15-18 Riscos não infeciosos Reação transfusional hemolítica aguda16,19 Bactérias (ex.: Staphylococcus aureus)16,17,20,21 Parasitas (ex.: malária)16,17 Priões22 Reação transfusional hemolítica tardia16 Reação febril não hemolítica16 Reação alérgica16 Lesão pulmonar aguda associada à transfusão16,17 Doença do enxerto contra o hospedeiro16 Imunossupressão17 Purpura pós-transfusional16 Erros de transfusão17,23 Quadro I – Riscos infeciosos e riscos não infeciosos associados às transfusões de sangue homólogo Atualmente, o risco de transmissão de agentes infeciosos nos países desenvolvidos é bastante baixo. Na Europa, estima-se que ocorra 1 infeção pelo vírus da imunodeficiência humana em cada 909.000 a 5.500.000 unidades de sangue transfundidas18. No caso dos riscos não infeciosos, um dos problemas mais graves é a lesão pulmonar aguda associada à transfusão, responsável por cerca de 48 % de todas as mortes decorrentes de transfusões e com uma frequência de 1 para cada 5.000 a 190.000 transfusões16. Para além destes riscos, é necessário ter em consideração que o sangue constitui um recurso clínico valioso e a sua oferta é limitada24,25. Nos últimos anos tem havido um aumento da utilização de produtos de sangue por parte dos sistemas de cuidados de saúde, com consequente escassez das reservas de sangue e aumento dos custos associados à sua aquisição26 e à garantia da segurança do sangue27. Estratégias alternativas às transfusões homólogas Na decisão subjacente à realização de uma transfusão de sangue homólogo o parâmetro preditor mais utilizado é a concentração de hemoglobina (Hb). No passado, concentrações de Hb inferiores a 10g/dL eram usadas como critério para transfusão. Atualmente, vários autores definem valores de Hb mínimos toleráveis de 6-7g/dL, em pacientes normovolémicos sem distúrbios cardíacos severos28. O limite de transfusão pode ser mais baixo para pacientes mais jovens, Hb igual ou inferior a 7g/dL, mas para pacientes idosos ou com disfunções orgânicas o limite de Hb deve ser igual ou inferior a 8g/dL 29. Grover et al.30 realizaram um estudo com 260 pacientes submetidos a cirurgias ortopédicas, que foram divididos em 2 grupos, num grupo procedeu-se à transfusão de sangue homólogo quando os níveis de Hb foram inferiores a 10g/dL, enquanto no outro grupo a transfusão foi realizada quando os níveis de Hb foram inferiores a 8g/dL. Esta diminuição do limite de Hb utilizado como critério para transfusão traduziu-se numa redução significativa da taxa de transfusão30. No sentido de reduzir a necessidade de transfusões homólogas e assim economizar as reservas de sangue, evitar as possíveis reações adversas às transfusões de sangue homólogo27 e reduzir o tempo de internamento31 tem-se desenvolvido estratégias alternativas. O aumento dos custos diretos e indiretos do sangue homólogo, bem como o desafio continuo em manter um fornecimento de sangue seguro e adequado têm sido a principal força motriz por trás das iniciativas que visam limitar as transfusões homólogas. Com o aumento da idade média da população e com a diminuição do número de dadores é imperativo adotar uma abordagem mais criteriosa para a realização de transfusões sanguíneas32, sendo importante o estabelecimento de guidelines com vista a padronização do recurso às transfusões, de forma a evitar gastos de sangue homólogo desnecessários33. As estratégias alternativas às transfusões homólogas podem ser agrupadas em 2 grupos principais: um grupo que inclui as abordagens que reduzem a perda de sangue do paciente ou aumentam a tolerância à perda de sangue (como por exemplo o uso de eritropoetina recombinante humana, agentes antifibrinolíticos, selantes de fibrina, anestesia hipotensiva, normotermia, ventilação hiperóxica e técnica cirúrgica); outro grupo engloba as estratégias em que se reinfunde sangue do próprio paciente (como por exemplo a hemodiluição normovolémica, doação pré-operatória de sangue autólogo para reinfusão, recuperação intra-operatória de sangue e recuperação pós-operatória de sangue) 24,34 (figura 1). Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 9 Recuperação pós-operatória de sangue como alternativa à transfusão homóloga na artroplastia total do joelho e na artroplastia total da anca considerada clinicamente eficaz uma vez que promove o aumento dos níveis de Hb pré-operatória 39 reduzindo a necessidade de transfusão homóloga1. No entanto, para além de ser uma estratégia dispendiosa40, a eritropoetina recombinante humana pode induzir tromboembolismo venoso 41 e o aparecimento de anticorpos neutralizadores anti-eritropoietina e, consequentemente, aplasia eritroide pura42. Desta forma, a sua utilização deve ser limitada em doença cardíaca severa, doença vascular, evento cardíaco recente ou acidente vascular cerebral43. Agentes antifibrinolíticos Figura 1 – Esquema das várias estratégias alternativas às transfusões de sangue homólogo A escolha da estratégia mais adequada constitui um dilema clínico35, sendo fundamental o conhecimento das vantagens e limitações das diversas alternativas existentes. 1. Estratégias que se baseiam na redução da perda de sangue ou no aumento da tolerância à perda de sangue Eritropoietina recombinante humana A eritropoetina é uma hormona glicoprotéica produzida principalmente pelas células renais36, sendo considerada o maior regulador da eritropoiese37. Esta hormona atua na regulação da produção e diferenciação de percursores eritróides de acordo com a necessidade de transporte de oxigénio38. A eritropoetina recombinante humana tem sido utilizada com o objetivo de estimular um aumento significativo na massa de eritrócitos e consequentemente do volume de sangue para compensar as potenciais perdas associadas à cirurgia 38 e assim evitar transfusões sanguíneas. A utilização desta hormona recombinante tem sido 10 Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 Os agentes antifibrinolíticos, tais como o ácido tranexâmico, o ácido ε-aminocapróico e a aprotinina, promovem a hemostasia, podendo assim reduzir a perda de sangue e consequentemente a necessidade de transfusão. A aprotinina é um polipéptido natural que inibe a ação da plasmina44. No entanto, a sua utilização está associada a taxas de mortalidade mais elevadas comparativamente ao ácido tranexâmico e ao ácido ε-aminocapróico 45,46. Por esta razão a distribuição da aprotinina foi suspensa em novembro de 2007 pela Food and Drug Aministration46. O ácido tranexâmico, para além de ser mais seguro que a aprotinina, é mais potente que o ácido ε-aminocapróico 47. O ácido tranexâmico inibe a fibrinólise 48-50, impedindo a conversão do plasminogénio em plasmina, podendo também atuar como um inibidor não competitivo da plasmina51. A plasmina liga-se ao fibrinogénio ou a estruturas de fibrina e promove a dissolução do coágulo, ou seja, a fibrinólise 49,51. Este agente pode reduzir a perda sanguínea pós-operatória em cerca de 50 % 51, sendo eficaz na redução da necessidade de transfusão homóloga47. No entanto, os agentes antifibrinolíticos estão associados a um aumento do risco de tromboembolismo venoso 44,52, embora não seja evidente em pacientes tratados com ácido tranexâmico 48. Os efeitos do ácido tranexâmico são mais acentuados no local cirúrgico do que no sangue venoso periférico51 devido à formação no local cirúrgico de ativador de plasminogénio tecidular. Este agente atua como estabilizador do coágulo e não como promotor da coagulação49. Tem sido sugerido que o ácido tranexâmico reduz a necessidade de transfusão de sangue homólogo em pacientes submetidos a ATJ e ATA sem aumentar o risco de complicações tromboembolíticas50. Selantes de fibrina Desde 1972 que a utilização dos selantes de fibrina como agentes hemostáticos tem aumentado nas cirurgias especializadas, incluindo mais recentemente nas ATJ53 e ATA 54. Estes produtos resultam da combinação de trombina de origem bovina e fibrinogénio plasmático para reprodução dos últimos estadios da cascata de coagulação, isto é, a conversão de fibrinogénio em monómeros de fibrina e a ligação cruzada destes numa matriz insolúvel de fibrina55. Esta estratégia parece ser segura e eficaz na redu- Recuperação pós-operatória de sangue como alternativa à transfusão homóloga na artroplastia total do joelho e na artroplastia total da anca ção de perdas sanguíneas e na necessidade de transfusão, particularmente em cirurgias ortopédicas56, como as artroplastias54. Wang et al.53 verificaram que o uso de selantes de fibrina em pacientes submetidos a ATJ foi responsável por uma diminuição significativa do volume de sangue drenado no período pós-operatório, mas que não se traduziu numa diminuição significativa na necessidade de transfusão53. O uso de selantes de fibrina é dispendioso55,56, o que condiciona a sua aplicação clínica. Efetivamente, os selantes de fibrina são processados para remoção de patogénicos e são rastreados para deteção de contaminantes a fim de evitar a transmissão de doenças infeciosas subjacentes à utilização de componentes de sangue homólogo54. No entanto, não se conhecem casos graves de transmissão viral após o uso de selantes de fibrina comercial. A possibilidade teórica da transmissão da variante da doença de Creutzfeldt-Jakob pelo uso de trombina bovina deve ser considerada29. A utilização de sangue autólogo para a obtenção destes produtos eliminaria o risco de transmissão de doenças associadas à utilização de componentes de sangue homólogo. Mas atualmente, a utilização de selantes de fibrina preparados a partir de sangue autólogo permanece uma abordagem muito especializada pelo que muitos hospitais não possuem instalações para a sua aplicação54,56. Hipotensão controlada A indução de hipotensão foi inicialmente descrita por Gardner em 1946, que usou arteriotomia para redução da pressão sanguínea arterial durante uma cirurgia57. A hipotensão controlada envolve uma diminuição da pressão arterial média em mais de 50mmHg com diferentes fármacos58 e é aplicada para reduzir o fluxo de sangue nos vasos sanguíneos dentro do campo cirúrgico59, diminuindo assim a necessidade de transfusões homólogas. Adicionalmente, ao melhorar a visualização do campo cirúrgico, o tempo da cirurgia pode ser reduzido58. Com esta estratégia, tem sido possível reduzir a perda de sangue pós-operatória em procedimentos como a ATJ60. No entanto, durante a hipotensão existe o risco de hipoperfusão dos órgãos vitais61,62. Foram relatados casos de dano cerebral, défice neurológico, disritmia, paragem cardíaca ou mesmo morte57. De forma a evitar estes riscos, a hipotensão controlada é contraindicada em pacientes com história de doenças cardíacas, cerebrovasculares, renais, hepáticas, doença vascular periférica severa, hipovolémica não corrigida ou anemia severa59. Mais ainda, a hipotensão deve ser estreitamente monitorizada e controlada para assegurar a adequada perfusão dos órgãos vitais57. Normotermia A anestesia induz um comprometimento termorregulador, responsável por induzir hipotermia em pacientes cirúrgicos não aquecidos63 com consequente comprometimento da libertação de tromboxano A 2, fundamental para a formação do tampão de plaquetas inicial. A hipotermia também prejudica a atividade de enzimas da cascata de coagulação63,64. De uma forma geral, a hipotermia está associada ao aumento da perda sanguínea e do risco de transfusão32. No sentido de minimizar a perda de sangue tem-se recorrido à normotermia63 para manter os níveis de coagulação normais64 e reduzindo a necessidade de transfusão sanguínea63. Ventilação hiperóxica A tolerância a anemia pode ser aumentada por ventilação com uma elevada fração inspiratória de oxigénio, uma abordagem designada por ventilação hiperóxica que é utilizada para estender os limites de hemodiluição e minimizar a transfusão31. Em estudos experimentais, o efeito positivo da ventilação hiperóxica na tolerância à anemia tem sido demonstrado repetidamente65. Técnica cirúrgica A utilização de técnicas cirúrgicas específicas também permite diminuir as perdas sanguíneas, reduzindo a necessidade de transfusões. Os avanços na técnica cirúrgica com a utilização de abordagens minimamente invasivas em cirurgias como a ATA têm sido responsáveis pela redução significativa de perdas de sangue intra-operatória e pós-operatória40. Um fator crucial subjacente à técnica cirúrgica é a atenção meticulosa à hemostasia e à velocidade com que esta é atingida. A dissecação parcial é uma técnica cirúrgica em que é feita uma pequena incisão, a hemostase é atingida e depois completa-se o procedimento em fases31. A elevação do local cirúrgico acima do nível do coração constitui outra abordagem cirúrgica que pode reduzir eficazmente as perdas sanguíneas64. A técnica dos portais percutâneos suplementares é útil em cirurgias dos membros, particularmente em trauma ósseo. A exposição cirúrgica subjacente a este procedimento pode ser limitada a uma pequena incisão com acessos posteriores via incisão percutânea para colocação de parafusos de fixação. Em alguns casos pode ser mais adequado uma cirurgia maior e mais extensa se se conseguir uma redução substancial no tempo da cirurgia. O que inicialmente pode parecer uma exposição “mais sangrenta” pode resultar no final numa redução significativa da perda de sangue31. 2. Estratégias que se baseiam na reinfusão de sangue do paciente Hemodiluição normovolémica A hemodiluição normovolémica é uma estratégia útil e eficaz em procedimentos cirúrgicos com perdas de sangue previstas superiores a 1000mL66. Neste procedimento, realiza-se a flebotomia de 2 a 4 unidades de sangue dos pacientes antes da cirurgia e o sangue é recolhido para recipientes contendo citrato, que funciona como anticoaguRevista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 11 Recuperação pós-operatória de sangue como alternativa à transfusão homóloga na artroplastia total do joelho e na artroplastia total da anca lante67. O volume do sangue em circulação é restabelecido por um fluido acelular, cristaloide ou coloide32,68. Como o número de células sanguíneas no sistema circulatório do paciente é diluído, verifica-se uma perda menor de células sanguíneas por sangramento. O sangue recolhido é transfundido para o paciente caso haja necessidade32. Esta estratégia apresenta bastantes vantagens para os pacientes. Proporciona uma fonte fresca de sangue autólogo para transfusão; o sangue que retorna aos pacientes contém eritrócitos funcionais, proteínas de coagulação e plaquetas. A hemodiluição normovolémica leva ao melhoramento da perfusão tecidual e da distribuição de oxigénio. O sangue recolhido não sofre alterações bioquímicas e está imediatamente disponível, isento do perigo de transmissão de doenças e das reações hemolíticas. Esta estratégia é também financeiramente apelativa e pode ser usada tanto em cirurgias programadas como em cirurgias de emergência69. No entanto, a eficácia desta abordagem ainda hoje é debatida32. Alguns autores não encontraram efeitos significativos desta estratégia na redução de transfusão homóloga e do risco de complicações67. Mais ainda, a infusão de coloides expansores de plasma, especialmente se administrados em grandes volumes, pode induzir coagulopatia dilucional, aumentando assim o risco de hemorragia. Desta forma deve-se evitar uma substituição de sangue pré-operatória excessiva70. Doação pré-operatória de sangue autólogo A doação pré-operatória de sangue para transfusão autóloga tem sido aplicada com o objetivo de diminuir as transfusões homólogas, antecipando uma perda de sangue cirúrgica significativa67. De acordo com este procedimento, os pacientes doam 2 a 4 unidades de sangue autólogo várias semanas antes da cirurgia67, que pode ser usado em caso de necessidade de transfusão, em alternativa ao sangue homólogo. Nos anos 80s e 90s esta era a estratégia mais comum de conservação de sangue associada a artroplastias totais das articulações38,68, sendo ainda atualmente considerada, por alguns autores, como a abordagem gold standard alternativa às transfusões homólogas8. Apesar dos benefícios para a saúde dos pacientes, a doação pré-operatória também apresenta alguns problemas: só pode ser usada em procedimentos programados32, é dispendiosa8,71, cria desafios logísticos8, leva a desperdícios68,72 na ordem dos 40 % a 56 %73, uma vez que as unidades não utilizadas são geralmente eliminadas. Uma das razões para este desperdício está associada à imprecisão na previsão do volume de sangue potencialmente necessário para cada paciente15. Os pacientes podem experimentar anemia induzida pela flebotomia após a pré-doação, possivelmente aumentando a necessidade de transfusão pós-operatória73,74. Esta estratégia não é indicada para os pacientes que apresentam anemia71 ou doenças cardiovasculares, tais como angina, estenose aórtica severa, enfarte do miocárdio26. Mais ainda, o sangue doado tem um período de armazenamento limitado71, 12 Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 obrigando a que se proceda à recolha de sangue numa data relativamente próxima da cirurgia. Esta estratégia prevê a redução da probabilidade do paciente receber uma transfusão homóloga em 84 %, no entanto aumenta a necessidade de transfusão autóloga em cerca de 30 % dos casos75,76. As unidades deste sangue são armazenadas de forma similar às do sangue homólogo e portanto podem sofrer os mesmos efeitos associados ao armazenamento (lesões de armazenamento) e enfrentar os mesmos riscos de erros de transfusão32. Esta estratégia pode ainda ser combinada com o uso de eritropoietina recombinante humana74. Desta forma, a estimulação da eritropoiese, aumenta assim a quantidade de eritrócitos e consequentemente a tolerância dos pacientes à perda de sangue por doação36. Recuperação intra-operatória de sangue A recuperação intra-operatória de sangue baseia-se na combinação de um reservatório para a recolha do aspirado, o sangue recuperado, com um sistema de centrifugação para lavar e concentrar o sangue. Quando é atingido um volume adequado no reservatório, o sangue é centrifugado para concentrar os eritrócitos e lavado com solução salina normal. No final obtêm-se eritrócitos concentrados sem fatores de coagulação e plaquetas64. Este produto apresenta um hematócrito de aproximadamente 55 %-65 % 64,77 e deve ser reinfundido no espaço de 6h após a sua recuperação78. Esta estratégia é indicada para cirurgias quando a perda de sangue esperada é superior a 20 % do volume de sangue total64. A recuperação intra-operatória de sangue apresenta vários aspetos positivos: reduz a taxa de transfusão homóloga28,78; é uma estratégia pouco dispendiosa relativamente ao uso de sangue homólogo28; o sangue recuperado apresenta ainda efeitos imunoestimuladores podendo assim evitar infeções78,79. As complicações associadas a esta estratégia são raras; no entanto, podem ocorrer coagulopatias, principalmente quando se transfunde volumes de sangue mais elevados78. Esta estratégia também não deve ser usada em pacientes oncológicos, devido ao potencial risco de serem introduzidas células cancerígenas na circulação do paciente80. Recuperação pós-operatória de sangue A recuperação pós-operatória de sangue consiste na reinfusão do sangue recuperado do local cirúrgico, depois de filtrado81. Ao contrário do que acontece na recuperação intra-operatória, o sangue não é geralmente processado77. Esta estratégia é comum nas cirurgias ortopédicas64, particularmente nas ATJ82 e ATA14. Esta abordagem baseia-se no facto de neste tipo de cirurgia ocorrer uma grande perda de sangue do local cirúrgico que pode ser recuperado e reinfundido depois de filtrado13. Desta forma, nas cirurgias ortopédicas, a recuperação de sangue pós-operatória apresenta uma relação custo/benefícios mais eficaz do Recuperação pós-operatória de sangue como alternativa à transfusão homóloga na artroplastia total do joelho e na artroplastia total da anca que a recuperação intra-operatória78. O hematócrito deste sangue recuperado varia de acordo com a taxa de sangramento, mas é de aproximadamente 20 %77. O sangue recuperado a ser usado deve ser reinfundido nas primeiras 6h para prevenir a contaminação e reações febris83,84. A reinfusão de sangue recuperado no período pós-operatório representa uma boa alternativa à transfusão homóloga13,79. Com esta estratégia evita-se o recurso a anticoagulantes, pois o fibrinogénio é praticamente todo consumido no sangue drenado85, não se observando coagulação do mesmo86. Este sangue apresenta também efeitos imunoestimuladores78, reduz o número de episódios infeciosos e diminui ainda o tempo de internamento hospitalar76,79. Tal como a estratégia de recuperação intra-operatória, a recuperação pós-operatória não está dependente da data planeada para a cirurgia, podendo também ser usada em cirurgias de emergência. Adicionalmente, permite uma melhor monitorização das hemorragias no período pós-operatório, o que possibilita uma rápida intervenção em caso de hemorragia severa 28. No entanto, esta estratégia, da mesma forma que a recuperação intra-operatória, não deve ser aplicada em pacientes oncológicos80. Alguns autores questionam ainda a qualidade deste sangue recuperado do local cirúrgico não lavado85, questão que será discutida mais à frente. Dispositivos de recuperação de sangue pós-operatório Existem vários dispositivos disponíveis comercialmente que possibilitam recuperação de sangue no período pós-operatório, mas todos baseiam-se em conceitos similares de recolha, filtração, armazenamento e reinfusão77. Um desses dispositivos, o Cell Trans™, tem sido utilizado na prática clínica em Portugal. O Cell Trans™ é considerado um dispositivo interessante do ponto de vista de aplicabilidade na prática clínica devido à simplicidade e facilidade de manuseamento combinado com a potencial redução de custos comparativamente a outras estratégias24. Este dispositivo possui um filtro Pall LipiGuard® de 40µm, que segundo o fabricante é indicado para várias cirurgias, nomeadamente a ATJ e a ATA. O filtro reduz as partículas gordas, os leucócitos, a anafilatoxina C3a e microagregados de detritos encontrados normalmente no sangue recuperado do local cirúrgico87. Uma filtração eficaz é de extrema importância para a remoção de qualquer coágulo ou microcoágulo que se forme durante a recolha de sangue, a fim de prevenir o microembolismo pulmonar por microagregados na circulação do paciente88. O dreno é colocado na articulação no final da cirurgia e antes do garrote ser libertado, no caso da ATJ. O sangue recolhido é reinfundido no paciente, caso este necessite. O volume mínimo de sangue necessário para a reinfusão é de 200mL, podendo reinfundir-se até um volume máximo de 1200mL 89. No estudo publicado em 2005 por Kumar et al. 89, foram estudados 100 pacientes submetidos a ATJ com utilização de Cell Trans™. O volume total médio de sangue recuperado em 48h foi de 670mL e o volume médio de sangue reinfundido com este dispositivo foi de 480mL. Neste estudo, apenas 11 % dos pacientes receberam transfusão homóloga. Tal facto representa uma redução do número de transfusões homólogas que usualmente é de 20 % a 50 % nos pacientes submetidos a uma ATJ13 e 30 % a 40 % nos pacientes submetidos a ATA14. Em estudos onde foram utilizados dispositivos similares, também se observou uma redução do número de transfusões homólogas neste tipo de cirurgia. Athanasoulias et al.88 realizaram um estudo retrospetivo em 2007 com 430 pacientes submetidos a ATA e 530 pacientes submetidos a ATJ com utilização do dispositivo Ortho Pas™. Neste estudo, o volume médio de sangue reinfundido foi de 524mL no grupo de pacientes submetidos a ATA e de 660mL no grupo submetido a ATJ. Em geral, 24 % dos pacientes necessitaram de transfusão de sangue homólogo, sendo que 18 % receberam uma unidade de sangue homólogo e 6 % duas unidades. Em 2008, Moonen et al.90 realizaram um estudo com 438 pacientes submetidos a ATA e a ATJ com utilização do sistema de reinfusão ConstaVac™. A quantidade de sangue reinfundido 6h após a cirurgia foi em média de 152mL para os pacientes submetidos a ATA e de 410mL para os pacientes da ATJ. No entanto, em cerca de 8,4 % e 5,1 % dos casos de ATA e de ATJ, respetivamente, foi necessário recorrer a transfusões de sangue homólogo. Fatores a considerar na utilização do sangue recuperado do local cirúrgico Alguns autores defendem o uso cauteloso da reinfusão do sangue drenado do local cirúrgico devido a problemas que podem ocorrer, tais como o embolismo, infeção, nefrotoxicidade, acidose metabólica hiperclorémica e anomalias da coagulação tais como coagulação intravascular disseminada34. É necessário ter em consideração que o sangue drenado do local cirúrgico apresenta numerosas diferenças relativamente ao sangue em circulação84, tais como: a contagem de eritrócitos, os valores de Hb e o hematócrito são normalmente mais baixos11; os níveis aumentados de aminotransferase glutamato piruvato, creatina cinase e em parte também de lactato desidrogenase devido, provavelmente à libertação destas enzimas pelo tecido muscular durante a cirurgia91. Mais ainda, o sangue drenado do local cirúrgico é exposto a fatores teciduais, ao ar e ao próprio material sintético do equipamento de recolha92. Os leucócitos e os fatores de coagulação começam a atuar na ferida, deixando o sangue com um número reduzido de leucócitos e plaquetas, e quase sem fibrinogénio84. O sangue drenado apresenta ainda uma diminuição de pH93 que ocorre no recipiente de drenagem devido à produção de lactato a partir da glucose. O pH baixo causa um ligeiro, mas significativo, edema dos eritrócitos do sangue drenado, podendo afetar as trocas de oxigénio nos capilares93. Outro fator a ter em consideração é a presença de Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 13 Recuperação pós-operatória de sangue como alternativa à transfusão homóloga na artroplastia total do joelho e na artroplastia total da anca vários mediadores de inflamação, produtos de degradação da fibrina, frações do complemento, interleucinas e fator de necrose tumoral α em concentrações significativamente superiores às do sangue em circulação. A maioria destes mediadores fazem parte de sistemas em cascata e uma vez gerados induzem e amplificam reações no sangue que resultam em mais produtos de ativação94. No quadro II são apresentados vários parâmetros que se encontram alterados no sangue drenado do local cirúrgico e que podem refletir a ocorrência de vários processos moleculares. Parâmetros hematológicos: Hemoglobina↓9,84,95-97, Eritrócitos↓9,84,91, Hematócrito↓9,95,96, Plaquetas↓84,91,95,97, Leucócitos↓84,95,97 Parâmetros que indicam ativação da coagulação: Antitrombina III↓91,98,99, Fibrinogénio↓95,98,100, Trombina↓101, Fator XIIa↓101, Fator VIII↓91,95, Fator V↓91, Complexo trombina antitrombina↑102, Monómeros de Fibrina↑102, Produtos de degradação do fibrinogénio↑91, Fragmentos de protrombina F1+2↑95, Fibrinogénio↓99 Parâmetros que indicam ativação da fibrinólise: Dímeros D↑91,98-100, Plasminogénio↓91,98,99,101, Fibrina↓99,100, Ativador de plasmina tecidual↑100, Complexos plasmina antiplasmina↑91 Parâmetros que indicam a ativação do complemento: Complexo de complemento ativo C3a↑9,84, Complexo terminal do complemento SC5b-9↑84,92 Parâmetros que indicam ativação de leucócitos: Fator de necrose tumoral α↑9,84,91, Interleucina-1β↑9,91, I interleucina-6↑84,91,92, Interleucina-8↑84,91,92, elastase↑84,92 Parâmetros que indicam ativação de plaquetas: Seletina P↑95 Parâmetros que indicam hemólise: Hemoglobina livre↑92,96,103, Ião potássio↑91,103, Aminotransferase glutamato-oxalato↑91, Lactato desidrogenase↑91,103 Quadro II – Parâmetros que se encontram alterados no sangue drenado do local cirúrgico (as setas ↓ e ↑ indicam que o parâmetro em questão se encontra diminuído e aumentado, respetivamente) Apesar da alteração dos níveis sanguíneos destes parâmetros, vários estudos sugerem que, na prática clínica, a utilização do sangue drenado do local cirúrgico é segura81,98,99. Horstmann et al.81 analisara 1819 pacientes submetidos a ATJ e ATA com reinfusão de sangue drenado do local cirúrgico depois de filtrado e verificaram a ocorrência de efeitos adversos graves em 0,1 % dos casos. A segurança deste sangue pode ser explicada pelo facto de, normalmente, o volume reinfundido ser pequeno, o que possibilita a rápida diluição e eliminação dos produtos nocivos na circulação99. A reinfusão de sangue recuperado do local cirúrgico não lavado é geralmente considerada segura se o volume for limitado a menos do que 1000mL64. Considerações finais Existem várias estratégias alternativas às transfusões homólogas; no entanto, é impossível definir a ideal em termos de eficácia e segurança. A estratégia a utilizar deve 14 Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 ser definida tendo em consideração o tipo de cirurgia, as condições do hospital, a experiência dos profissionais clínicos, a condição clínica do paciente e a opinião do próprio paciente. Nas cirurgias ortopédicas, ATJ e ATA, a recuperação pós-operatória de sangue do local cirúrgico tem sido sugerida como a estratégia mais adequada, devido ao facto de grande parte das perdas sanguíneas ocorrerem no período pós-operatório. Esta estratégia tem-se revelado eficaz na redução da necessidade de transfusão homóloga e os resultados obtidos na prática clínica sugerem ser uma abordagem segura. Com a utilização de estratégias como a eritropoietina recombinante humana e agentes antifibrinolíticos teme-se o aumento do risco de tromboembolismo venoso. Os selantes de fibrina apresentam ainda o risco de transmissão de agentes infeciosos, a anestesia hipotensiva o risco de hipoperfusão de órgãos vitais, a hemodiluição normovolémica está associada ao risco de coagulopatia dilucional e a doação pré-cirurgia de sangue homóloga pode induzir anemia aos pacientes. A recuperação intra-operatória de sangue não parece ser uma estratégia ideal para estas cirurgias ortopédicas, visto ocorrerem grandes perdas sanguíneas pós-operatórias, sendo então mais adequado o uso da recuperação pós-operatória de sangue. No futuro será importante a realização de estudos comparativos entre as diferentes estratégias alternativas à utilização de sangue homólogo com vista à definição de guidelines para a sua segura e eficaz aplicação clínica. Declaração de interesse: os autores declaram que não existem conflito de interesse. Bibliografia 1. Bisbe E, Castillo J, Nomen N, Mestre C, Gonzalez R, Comps O. Preoperative erythropoietin as blood conservation technique for elderly patients in elective orthopedic surgery. Med Clin (Barc) 2004; 123:413-415. 2. Johanson NA, Litrenta J, Zampini JM, Kleinbart F, Goldman HM. Surgical treatment options in patients with impaired bone quality. Clin Orthop 2011; 469:2237-2247. 3. Kurtz SM, Ong KL, Schmier J, Zhao K, Mowat F, Lau E. 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Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 17 Caso Clínico Miastenia gravis pós-infeção por vírus H1N1 F. Horta e Silva1; A. Nascimento2; N. Zwolinski2; A. André2 Palavras-chave: - miastenia gravis, - vírus Influenza A subtipo H1N1, - timoma, - anticolinesterásicos, - relaxantes musculares Resumo Introdução: A miastenia gravis é uma doença auto-imune, resultante da produção de anticorpos anti-receptores da acetilcolina, que actuam ao nível da junção neuromuscular. Apesar da etiologia desta doença ser desconhecida, existem alguns factores associados ao seu início e/ou agravamento. O tratamento médico consiste em fármacos anticolinesterásicos e imunossupressores, sendo que a timectomia é considerada a terapêutica de escolha em casos seleccionados. A infeção pelo vírus Influenza A subtipo H1N1 foi considerada o factor desencadeante da doença no caso clinico relatado, facto até então nunca descrito na literatura. Caso clínico: Doente do sexo feminino, 49 anos, com antecedentes de hipertensão arterial, obesidade e infeção documentada pelo vírus Influenza A subtipo H1N1, complicada de síndrome de dificuldade respiratória do adulto (ARDS). Três meses após a infeção inicia quadro de crise miasténica inaugural de agravamento progressivo, com necessidade de terapêutica médica, oxigenoterapia e ventilação mecânica não invasiva. Após ter sido realizado o diagnóstico de timoma, a doente foi submetida a timectomia sob anestesia geral balanceada, tendo sido utilizados fármacos de curta duração de ação. Apesar da administração de 10 % da dose adequada ao peso de relaxante muscular não despolarizante, a tentativa de extubação, após descurarização, não foi bem sucedida. A doente foi transferida para a unidade de cuidados intensivos tendo sido extubada no dia seguinte. A evolução da doença foi favorável com remissão completa dos sintomas. Conclusão: A infeção pelo vírus Influenza A subtipo H1N1 foi considerada, neste caso clínico, o factor desencadeante da doença auto-imune, até então nunca relatado. As sequelas respiratórias graves associadas à infeção viral e as implicações anestésicas características de um doente com miastenia gravis revelaram-se factores de risco acrescidos à abordagem perioperatória da doente. O tratamento médico e cirúrgico adequado permite uma evolução favorável da doença (80-94 %) com remissão sintomática e suspensão gradual da terapêutica. Myastenia gravis following H1N1 infection F. Horta e Silva1; A. Nascimento2; N. Zwolinski2; A. André2 Keywords: - myasthenia gravis, - Influenza A virus H1N1 subtype, - tymoma, - cholinesterase inhibitors, - neuromuscular agents. 18 Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 Abstract Introduction: Myasthenia gravis is an auto-immune disease, resulting from the production of anti-Ach receptor antibodies at the neuromuscular junction. In spite of its unknown etiology, there seems to exist some factors which withstand its arise and/or the worsening of the patient's clinical condition. The mainstay of medical treatment relies on anticholinesterase drugs and immunosuppression. Thymectomy is considered the treatment of choice in selected cases. Influenza A (H1N1) viral infection was considered the disease’s triggering factor in this case, so far never reported. Clinical Report: Female patient, 49 years old, with a previous history of arterial hypertension, obesity and Influenza A (H1N1) viral infection, with subsequent development of an acute respiratory distress syndrome. Three months after the infection, the patient presents an inaugural myasthenic crisis with progressive deterioration. Medical therapy was immediately undertaken, including the administration of supplemental oxygen and institution of non-invasive mechanical ventilation. Once the diagnosis of thymoma had been established, surgical management ensued with thymectomy under general anesthesia. Short duration of action drugs were employed. In spite of administration of ten percent of the weight-adjusted dose of non-depolarizing muscle relaxants, one attempt at extubation was made and was deemed unsuccessful. Transfer to the intensive care unit ensued, with deferred extubation taking place the following day. Miastenia gravis pós-infeção por vírus H1N1 Disease course proved remarkably favorable with total remission of symptoms. Conclusions: Influenza A viral infection, H1N1 subtype, has been considered, in this case, as the triggering factor of the auto-immune disorder, so far never reported. The rather serious respiratory comorbidities potentially arising from the viral infection enhance the already important anesthetic implications of approaching a patient with myasthenia gravis and reveal themselves as an additional risk factor towards its perioperative management. The combined and adequate medical and surgical management allows a benign outcome in 80-94% of patients with complete remission of the manifestations and steady withdrawal of therapeutic agents. . Interna de Anestesiologia do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (CHLO); 1 2 . Anestesiologista – Assistente hospitalar (CHLO); A miastenia gravis (MG) é uma doença auto-imune, resultante da produção de anticorpos anti-receptores da acetilcolina, que actuam ao nível da junção neuromuscular. Afecta predominantemente o sexo feminino (3:2), entre os 20 e os 40 anos. A partir da quinta década, a prevalência é igual para ambos os sexos1. A MG manifesta-se por fraqueza muscular e fadiga com actividade muscular repetida, com predomínio dos músculos bulbares e faciais. Os músculos oculares são os mais afectados causando ptose palpebral e diplopia. Pode, ainda, afectar os músculos proximais dos membros, de forma assimétrica, e o diafragma causando insuficiência respiratória, podendo mesmo vir a ser necessária ventilação assistida. Apresenta períodos de exacerbação e remissão. O tratamento médico consiste no uso de anticolinesterásicos com ou sem corticoterapia. A doença grave requer imunossupressão, imunoglobulina ou plasmaférese2. O tratamento cirúrgico está indicado em todos os doentes que apresentem alterações tímicas (timoma / hiperplasia do timo), o que ocorre em 75 % dos casos1, em doentes entre a adolescência e os 60 anos, mesmo que não apresentem alterações e em doentes que apresentem efeitos secundários à terapêutica médica ou em casos em que esta se revele ineficaz3. A timectomia pode alterar a evolução da doença, embora o seu benefício possa ser visível apenas passado um a dez anos. A etiologia desta doença é, ainda, desconhecida. Pensase, no entanto, que a actividade física, os antibióticos, a gravidez, as cirurgias, as infecções e os períodos de stress podem agravar e/ou desencadear a doença 1. O caso clínico apresentado descreve uma crise miasténica inaugural após infeção pelo vírus Influenza A, subtipo H1N1. Esta estirpe viral, nunca foi, até então, relatada como factor precipitante da doença, sendo um dos motivos pelo qual consideramos importante a sua apresentação. Caso Clínico Doente do sexo feminino, 49 anos, com antecedentes pessoais de hipertensão arterial e obesidade. Foi internada com o diagnóstico de infeção pelo vírus Influenza A, subtipo H1N1, complicada de ARDS. Foi realizada terapêutica antiviral, com necessidade de suporte aminérgico e ventilação mecânica durante 15 dias, tendo tido alta após melhoria do quadro clínico. Aproximadamente três meses depois, a doente é internada para estudo diagnóstico de novo quadro clínico, caracterizado por ptose palpebral à esquerda com agravamento vespertino, fraqueza muscular e dispneia exacerbadas pelo exercício. Ao exame objetivo a doente encontrava-se consciente e orientada, com os seguintes sinais vitais – PA 157/102 mmHg, FC 90 bpm, FR 17 cpm, temperatura axilar 36.7ºC, saturação periférica de oxigénio de 95 %. A análise dos gases no sangue arterial revelava uma insuficiência respiratória global com acidose respiratória compensada. Ao exame neurológico: ptose palpebral à esquerda com fotorreactividade pupilar bilateral e simétrica, sem anisocória, diplopia ou xeroftalmia; discreta disfonia, sem disartria; provas de fatigabilidade dos membros superiores e inferiores positivas; prova de Mingazzini com queda bilateral; sem alterações da sensibilidade ou dos reflexos tendinosos profundos. Foi confirmada a suspeita diagnóstica de crise miasténica inaugural através do teste do edrofónio/Tensilon® (positivo – melhoria transitória da ptose palpebral), da electromiografia (resposta decremental à estimulação repetida, compatível com disfunção pós-sináptica da placa motora) e da pesquisa de anticorpos anti-receptores da acetilcolina, anti-MuSk, anti-tiroperoxidase e anti-tiroglobulina (positivos). Foi iniciada terapêutica com brometo de piridostigmina (Mestinon®) 60mg, quatro vezes ao dia, imunoglobulina endovenosa a 2g/Kg durante cinco dias, oxigenoterapia 2L/min e iniciou BIPAP (pressão positiva inspiratória 20 cmH2O , pressão positiva expiratória 4 cm H2O) apenas durante o período nocturno. Foram detectadas alterações tímicas na tomografia computadorizada (TC) de tórax e na biópsia da massa mediastínica conclusiva para timoma. A doente foi proposta para timectomia transesternal electiva devido à presença de alterações tímicas, à ausência de remissão completa de sintomas e ao seu grupo etário. Na visita pré-anestésica, a doente foi classificada como ASA III (classificação segundo a Sociedade Americana de Anestesiologia). Optou-se pela manutenção do anticolinesterásico e pela não administração de pré-medicação. Os exames analíticos pré-operatórios não apresentavam Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 19 Miastenia gravis pós-infeção por vírus H1N1 alterações e na espirometria – FEV1 2.32, PEF 356, CV 2.7 (valores diminuídos relativamente ao esperado para esta doente). Antecipando eventuais dificuldades na recuperação ven- Figura 1 – Rx tórax ântero-posterior da doente um débito de 4ml/h. No intraoperatório manteve-se o esquema terapêutico de anticolinesterásico pré-estabelecido, tendo sido administrada uma dose de neostigmina equivalente à dose de brometo de piridostigmina (neostigmina 2.5mg e atropina 1.5mg), com manutenção da estabilidade hemodinâmica. No final da intervenção cirúrgica, sob monitorização neuromuscular (TOF 4), foi realizada uma tentativa de extubação, após descurarização com neostigmina 1mg e atropina 0.5mg, sem sucesso. Verificou-se uma fraqueza muscular generalizada (abertura dos olhos mas com dificuldade na sustentação da cabeça, com reduzida expansão torácica e volume corrente insuficiente), pelo que a doente foi transferida para a UCI, sedada com remifentanil em perfusão 0.05-0.1μ/Kg/min e ventilada em pressão assistida. Foi possível uma extubação precoce (em menos de 24h), tendo permanecido na UCI por um período de 48h. Durante o internamento na enfermaria, a doente manteve-se assintomática. Teve alta uma semana mais tarde após a normalização da análise dos gases no sangue arterial e da espirometria, não apresentando até à data mais episódios de exacerbação da doença. Discussão Figura 2 – TC tórax da doente tilatória, foi assegurada uma vaga na Unidade de Cuidados Intensivos (UCI). Foi realizada uma anestesia geral balanceada com colocação de cateter epidural T7-T8, introduzido 4cm, a nível mediano, para analgesia. Utilizaram-se os seguintes fármacos para indução anestésica: remifentanil (Ultiva®) 0.25μg/Kg/min, propofol (Fresenius) 2mg/Kg e cisatracúrio (Nimbex®) 2mg (10 % da dose de indução). A manutenção anestésica foi realizada com remifentanil em perfusão (0.1-0.25μg/Kg/min) e desflurano (Suprane®) 5-6 %. A monitorização intraoperatória incluiu electrocardiografia, oximetria de pulso, frequência cardíaca, pressão arterial invasiva (artéria umeral) e não invasiva, capnografia, capnometria, pressão das vias aéreas, monitorização neuromuscular (train-of-four com recurso a monitor TOFWatch®) e índice bispectral. Foi colocado um cateter venoso central na veia jugular interna direita. No intraoperatório foram administrados para analgesia: paracetamol (Fresenius Kabi®) 1g ev, parecoxib (Dynastat®) 40mg ev e bólus epidural de morfina (Labesfal) 2mg e levobupivacaína (Chirocaíne®) 0.25 % (17.5mg no início e 20mg no fim da cirurgia). Próximo do final da cirurgia, foi colocado elastómero de perfusão contínua epidural (duração de 25 horas) com levobupivacaína 150mg, morfina 2mg e soro fisiológico perfazendo um total de 100ml, com 20 Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 A miastenia gravis pode ser desencadeada ou exacerbada por vários factores, nomeadamente, por uma infeção de origem viral ou bacteriana sendo o fenómeno de mimetismo molecular, o mecanismo responsável. A infeção pelo vírus Influenza A, subtipo H1N1 foi considerada, neste caso clínico, o factor desencadeante da doença auto-imune. Após revisão bibliográfica, verificou-se a inexistência de qualquer relato de caso clínico que identifique este vírus como factor desencadeante ou exacerbante da miastenia gravis. O diagnóstico da miastenia gravis foi realizado através da história clínica da doente, detecção de anticorpos anti-receptores da acetilcolina em circulação, electromiografia, estimulação nervosa repetida e pelo teste do edrofónio2 (Tensilon®). Foi considerada miastenia gravis tipo III, de acordo com a classificação de Osserman (I-IV) 4, pela presença de crises respiratórias e pela sua rápida evolução. A gravidade da doença está associada ao número de anticorpos em circulação e ao grau de destruição da membrana pós-juncional. A timectomia no doente miasténico exige um grande número de cuidados no perioperatório, nomeadamente a realização de uma consulta pré-anestésica adequada, onde deve ser avaliado o grau de fraqueza muscular, a existência de comprometimento bulbar ou dos músculos respiratórios e a duração dos sintomas. Deve ser ponderada a suspensão pré-operatória dos fármacos anticolinesterásicos (a doença grave pode ser muito sen- Miastenia gravis pós-infeção por vírus H1N1 sível à omissão de uma dose, pelo que no presente caso clínico se optou pela sua manutenção). A opção pela sua suspensão é devida aos seus efeitos colaterais conhecidos e interação no metabolismo de anestésicos locais do tipo éster, suxametónio e mivacúrio5,6. CLASSIFICAÇÃO de OSSERMAN e GENKINS Grau I Ocular pura Grau IIa Generalizada leve, progressão lenta, sem crises, com resposta à terapêutica Grau IIb Generalizada moderada, com envolvimento esquelético e bulbar, de progressão rápida, mas sem crises e com resposta limitada à terapêutica Grau III Aguda fulminante, com rápida progressão para insuficiência respiratória (em 6 meses) Mortalidade elevada Grau IV Tardia grave, que progride como grau III, mas fica mais de 2 anos como grau II-III Quadro 1 - Classificação clínica da miastenia gravis Não está indicada pré-medicação com benzodiazepinas em doentes com comprometimento respiratório ou bulbar. Na presença de sintomatologia bulbar é aconselhada a pré-medicação com metoclopramida e um antagonista H2, pelo maior risco de aspiração de conteúdo gástrico6. Devem ser realizados os exames complementares de diagnóstico com destaque para os exames laboratoriais, avaliação da função cardíaca e respiratória. A necessidade de ventilação mecânica pós-operatória deve ser antecipada pela avaliação dos seguintes factores: duração da doença superior a 6 anos, dose de piridostigmina superior a 750mg/dia, capacidade vital inferior a 2.9L, existência de doença pulmonar obstrutiva crónica e cirurgia major5. A doente apresentava dois dos critérios anteriores (CV 2.7L e cirurgia major de abordagem transesternal), o que nos poderia fazer suspeitar da possível dificuldade de extubação. É importante salientar que a timectomia ou qualquer outro procedimento cirúrgico deve, preferencialmente, ser realizado após optimização do estado clinico do doente e durante um período de remissão da doença. A resposta a determinados fármacos encontra-se alterada (maioritariamente aos relaxantes musculares), sendo obrigatória a monitorização neuromuscular no intraoperatório. A resposta ao suxametónio é imprevisível pelo que é preferível o uso de relaxantes musculares não despolarizantes de curta duração de ação, apesar da hipersensibilidade conhecida2. Devem ser preferidos, também, os opióides de curta duração de ação pela maior susceptibilidade de depressão respiratória destes doentes. Desta forma foram preferidos fármacos de curta duração, sem efeito residual ou metabolitos activos, que beneficiam o doente miasténico ao facilitar a recuperação da ventilação espontânea e a sua extubação2. O remifentanil é uma excelente escolha como opióde potente, de curta duração de ação e hidrolisado por esterases não especificas sanguíneas e teciduais. Optou-se pelo cisatracúrio, relaxante muscular não despolarizante cuja eliminação é independente das colinesterases. É indiscutível o papel de relevo da utilização do rocurónio na presença desta patologia, pela existência de um antagonista selectivo (sugammadex) que permite a reversão rápida e eficaz do bloqueio neuromuscular. No entanto, à data da intervenção, o referido fármaco não se encontrava, ainda, disponível na nossa unidade hospitalar, razão pela qual não foi a nossa opção. Conclusão Apesar da existência de técnicas avançadas de diagnóstico e tratamento, a MG é ainda um desafio para o anestesiologista, justificado pelas diversas formas de manifestação da doença e pela possibilidade de complicações ventilatórias graves no período pós-operatório O doente miasténico submetido a timectomia exige um grande número de cuidados no perioperatório, nomeadamente, avaliação do grau de comprometimento respiratório (no caso clinico descrito, relacionado com a doença e acrescido de sequelas de ARDS, complicação resultante da infeção viral com menos de três meses de antecedência), presença sintomatologia bulbar, importância da manutenção/suspensão dos anticolinesterásicos e alteração da resposta a determinados fármacos, maioritariamente aos relaxantes musculares. O tratamento médico e cirúrgico adequado permite uma evolução favorável da doença (80-94 %) com remissão sintomática e suspensão gradual da terapêutica. Referências Bibliográficas 1. Marques P. 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Contém cinco capítulos: Chapitre Premier – Considérations générales sur la sensibilité et la douleur ; Chapitre Deuxième – Des moyens mis en usage afin d’éviter la douleur aux maladies soumis aux opérations chirurgicales ; Chapitre Troisième – Des théories relatives à l’éthérisation ; Chapitre Quatrième – Indications et contre-indications des inhalations d’éther; Chapitre Cinquième – Fluide et instruments propres aux inhalations d’éther; suites des inhalations. A presente resenha analisa estes diversos capítulos, interpreta os modos de dizer as realidades estudadas e refere os principais conceitos nela contidos, os quais reflectem a época (meados do século XIX) em que foi escrita, com as suas Universidades e com a sua Medicina. Notes on the history of Portuguese anesthesiology: the doctoral thesis of Francisco Luis Gomez (1823 –1874) João Duarte Bleck Summary “De l’Étherisation, Considerée sous les Rapports Théorique et Pratique” (“The etherisation considered under theoretical and practical views”) is the title of the thesis that Francisco Luis Gomez presented and public defended to obtain the doctorat at the Montpellier University. The thesis is divided in 5 chapters: Chapitre Premier – Considérations générales sur la sensibilité et la douleur; Chapitre Deuxième – Des moyens mis en usage afin d’éviter la douleur aux maladies soumis aux opérations chirurgicales; Chapitre Troisième – Des théories relatives à l’éthérisation; Chapitre Quatrième – Indications et contre-indications des inhalations d’éther; Chapitre Cinquième – Fluide et instruments propres aux inhalations d’éther; suites des inhalations. The present paper studies the different chapters as they reflect medical, philosophical and university concepts of the middle of the 19th century. 1 Assistente Graduado de Anestesiologia, Coordenador da Unidade Funcional de Anestesia do Hospital Cuf Descobertas, Lisboa Francisco Luis Gomez « De l’Étherisation, Considerée sous les Rapports Théorique et Pratique » (Da Eterização, Considerada sob o ponto de vista Teórico e Prático) é o título da tese de doutoramento em Medicina, apresentada e publicamente defendida na Faculdade de Medicina de Montpellier, a 11 de Agosto de 1847, apenas meses depois do evento que ficou para a história da Medicina como a primeira demonstração pública de uma «eterização». O tema não podia ser, assim, mais oportuno e de profundo sentido prático. A Tese, escrita naturalmente em francês, apresenta-se impressa em 58 páginas e é constituída pelas seguintes 22 Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 partes: • Uma série de dedicatórias em espanhol e francês (2 págs.); • Uma introdução de apresentação (2 págs.); e os seguintes capítulos: • Chapitre Premier – Considérations générales sur la sensibilité et la douleur. (c. 6 págs.); • Chapitre Deuxième – Des moyens mis en usage afin d’éviter la douleur aux maladies soumis aux opérations chirurgicales. (c. 5 págs.); • Chapitre Troisième – Des théories relatives à l’éthérisation. (c. 11 págs.); • Chapitre Quatrième – Indications et contre-indications des inhalations d’éther. (c. 19 págs.); • Chapitre Cinquième – Fluide et instruments propres aux inhalations d’éther; suites des inhalations. (c. 4 págs). A tese de doutoramento de Francisco Luis Gomez Dado o interesse dos modos de dizer as realidades estudadas e apreendidas pelo Autor, que reflectem conceitos e até uma certa filosofia próprios da época e da Faculdade, serão apresentadas frequentes citações do original, completadas aqui e ali com a referência a expressões atuais (entre parêntesis rectos). Dedicatória e introdução Francisco Luís Gomez, dedica a Tese, em primeiro lugar, à memória de seus Pais, muito provavelmente já falecidos, expressando com veemência afirmativa os seus «Regrets éternels !!!»; em seguida, a um tio, a quem se declara especialmente agradecido e a um tal «Señor Don Juan de Corpas y à toda su família», estes dois últimos, quem sabe se patrocinadores dos seus estudos? Seguem-se nas dedicatórias, dois «Docteurs em médecine»; e dois dos seus «Professeurs», para concluir com uma dedicatória geral em que envolve «todos mis parientes». A introdução, abre-a afirmando: «logo que foi recentemente anunciado que as operações eram praticadas sem dor, a incredulidade dos praticantes foi o primeiro sentimento que acolheu a bela descoberta de Jakson e de Morton», para continuar comentando, num estilo que hoje nos parece de um humor negro delicioso que «cortar as carnes vivas, amputar um membro, um seio, um testículo, sem causar dor alguma, bem podia parecer uma quimera!». Teremos ocasião de ver porque Gomez usa, não sem alguma ironia, este adjectivo. Dada a importância da «descoberta americana» como ele justamente a designa e sentindo a sua utilidade, de que ele próprio poderia beneficiar na sua pratica médica, resolve estudar extensamente o assunto cujos resultados são o objecto da tese. Reconhecendo não ter nada de novo a dar a conhecer, afirma que o seu papel «deve ser o de historiador imparcial» embora o facto de «ter assistido a numerosas aplicações feitas com éter sulfúrico» lhe permitir, ou melhor o autorizar a «falar com fundamento seguro». Termina a introdução expondo o plano dos diversos capítulos. Primeiro capítulo: Considerações gerais sobre a sensibilidade e a dor Começa por afirmar que «a sensibilidade [a faculdade de sentir, de receber impressões], facto capital, faculdade mais geral [ou comum] de todos os seres vivos, anima todos os tecidos, todos os órgãos e domina em todas as funções». Limita-se a constatar que «esta faculdade tem assim a maior importância, pois existe em todos os seres de digestão central» e que não nos devemos surpreender de encontrar no homem a «sensibilidade, dotada duma força e capacidade consideráveis». Lembra que esta enorme influência da sensibilidade marcou muitos fisiologistas e que muitos deles a olhavam até como «a fonte mesma da vida». Gomez refere-se aqui aos que então seguiam a teoria designada por vitalismo sensível, segundo a qual tanto as funções vegetativas ou orgânicas como as propriamente sensitivas se deviam a uma causa ou princípio vital próprio, diferente da alma racional, a qual consideravam como princípio apenas das funções intelectuais. Sem se comprometer especificamente com esta visão dualista, reconhece contudo que a sensibilidade «se manifesta em todos os actos do organismo animado» e se apresenta sob diversos modos, considerando a «sensibilidade geral [ou seja, a sensitiva] e a que preside à digestão, à respiração, ao exercício dos sentidos, à contração voluntária ou involuntária, etc. [ou seja, a relativa às funções vegetativas]». Afirma que «os efeitos patológicos manifestam […] a viva sensibilidade de que os diversos instrumentos das nossas funções [isto é, os diversos órgãos] são susceptíveis». Fala depois da relação entre alguns dos órgãos potencialmente muito dolorosos e a ausência neles de nervos, como que para concluir, imagine-se, que «a sensibilidade não tem a ver necessariamente com a quantidade de nervos»; e que «todos os tecidos, enervados ou não, estão dotados desta faculdade vital [que é a sensibilidade]». Conclusão que é coerente com a refutação que Gomez faz mais à frente das teorias organicistas. Aliás, as observações feitas por ocasião de eterizações levam-no enfim a defender que «a propriedade vital [ou seja, o tal princípio que seria a causa da sensibilidade] não está na dependência da estrutura especial dos nervos». E aqui aproxima-se da teoria que acaba por adoptar na sua Tese, na linha duma outra teoria, também ela vitalista e dualista, dum célebre Professor de Fisiologia da Faculdade, Jaques Lordat (1773-1870) – este, na esteira do sistematizador da doutrina do Princípio Vital, Paul Joseph Barthez (1734-1806), tornada oficial em Montpellier. Refere-se a dois atributos ou «potências» daquilo que designa como «fonte da vida» que seriam: a «sensibilidade orgânica ou vital», espécie de “alma orgânica” que regularia toda a vida orgânica e vegetativa, incluindo também a sensitiva; e a «sensibilidade moral ou sentimento», a que se reduziria a “alma racional”, que regularia a vida racional, intelectual, psíquica e consciente. No estado normal, estes atributos encontrar-se-iam em harmonia e equilíbrio. E depois destas considerações, hoje históricas, sobre a sensibilidade, Gomez dá como um facto observável que «mais frequentemente os doentes temem, nas operações, bem mais a dor que as mutilações ou as deformidades» delas resultantes, para referir depois que é «a apreensão dos perigos mais ou menos remotos ou mesmo a morte» o que lhes causa o medo e leva os doentes a adiar as intervenções cirúrgicas. Na linguagem actual, diria que ele se está a referir à ansiedade pré-operatória que também conhecemos hoje e tentamos aliviar. Para o Autor, trata-se de algo que está no domínio do que foi designado de «sensibilidade moral». Esta valorização da dor e da ansiedade que lhe está Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 23 A tese de doutoramento de Francisco Luis Gomez associada, e que podiam inclusivamente levar os doentes a adiar as cirurgias, trazia graves inconvenientes entre os quais o agravamento das patologias. Donde, segundo o Autor, o grande avanço que o alívio da dor e do temor prévio que ela também origina, pela administração do éter, constitua uma enorme vantagem. Como ele diz, referindo-se aos doentes operatórios, «o medo obceca-os, e o terror conduz a um abatimento das forças da vida […]; a economia humana [isto é, o equilíbrio dos diversos sistemas corporais] está prestes a sucumbir sob um choque traumático ou cirúrgico». Dá depois exemplos de casos de doentes que efectivamente acabaram por «sucumbir ao terror» nos quais podemos vislumbrar o que hoje não duvidaríamos em diagnosticar como mortes resultantes de crises vagais graves provocadas pela extrema ansiedade. E conclui: «a dor mata, diz-se com razão». E sobre esta questão da sensibilidade à dor, a qual, segundo ele, «também se esgota tal como o sangue», não deixa de constatar «diferenças muito notáveis entre homem e mulher, entre jovens e velhos, entre os indivíduos débeis e os robustos», ilustrando com casos exemplares por ele testemunhados. Segundo capítulo: Dos meios usados com a finalidade de evitar a dor aos doentes submetidos a operações cirúrgicas A moralidade, ou bondade ética como se diria hoje, das intenções «de suspender a dor ou impedir os operados de sofrer» é claramente defendida por Gomez pois, como ele afirma logo no início deste capítulo, «todo o ser enfermo inspira compaixão e o coração humano é naturalmente conduzido a levar-lhe alívio». E desta constatação parte Gomez para descrever as várias tentativas que ao longo das diferentes épocas procuraram atingir este objetivo: Começa por falar do ópio, «chamado meconius pelos gregos» bem como do estado de «narcotismo» que este provoca, tal como outras substâncias «opiáceas», e descreve alguns dos seus inconvenientes. Refere as «inspirações» de soluções de várias plantas solanáceas usadas pelos «árabes e os arabistas», afirmando que o seu efeito «anestético [hoje, diríamos anestésico] era difícil de obter e sobretudo de dosear». De seguida descreve alguns métodos de «pressão exercida sobre as partes dolorosas», tais como o uso de bandas ou ligaduras e diversos garrotes «aplicados ao redor dos membros destinados a serem mutilados». A ideia era tirar partido do entorpecimento ou dormência da sensibilidade dos «tecidos dissecados». Intuem-se já aqui tentativas de bloqueio de troncos nervosos e de nervos, através de meios físicos. Descreve ele algumas dificuldades desta técnica da compressão nervosa, devidas à própria anatomia das regiões interessadas; assim 24 Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 como as consequências, algumas permanentes, tais como as parestesias, a insensibilidade e «mesmo a impotência do membro». Refere seguidamente, de passagem, as tentativas de alguns médicos alemães com o uso do frio, os quais tinham proposto que se arrefecessem previamente os instrumentos, mergulhando-os em água morna e outros em água ou azeite frios. Não falta a referência histórica à «administração de vinho até à embriaguez nas pessoas vigorosas». São de facto descritos por ele casos de redução de fracturas e de luxações executadas «durante a bebedeira». E a este propósito, cita técnicas, propostas por um outro médico, de inalação de vapores de álcool ou de cânfora. Não falta também, neste resumo histórico do alívio da dor apresentado por Gomez, quem tivesse em tempos sugerido «sangrias abundantes até à síncope»! A este propósito, Gomez aduz que «as perdas abundantes de sangue […] contrariam muitas vezes o sucesso das operações, mesmo das mais bem feitas». Aproxima-se seguidamente da técnica em defesa na Tese, dizendo o seguinte: «parece que os clínicos sentiam que a solução do grande problema se encontrava na inspiração de certos vapores». E mais à frente acrescenta: «Vê-se que se trata de meios semelhantes aos postos em prática pelos Árabes ou arabistas que faziam respirar uma solução aquosa de plantas solanáceas através de uma esponja mantida sob o nariz do paciente, durante todo o tempo das operações graves». Refere depois as ideias e técnicas do «sono magnético» do médico, já então polémico, Franz Anton Mesmer (17341815), natural da Suábia, também designadas como «sonambulismo mesmeriano» ou «magnetismo animal» e como estas não são susceptíveis de ser aplicadas a todos os indivíduos. Em jeito de pré-conclusão deste voo histórico, Gomez cita um texto de 1839 do mais célebre cirurgião e também anatomista de Paris no seu tempo, Alfred Armand Louis Marie Velpeau (1795-1867) que vale a pena traduzir: «Evitar a dor numa operação é uma quimera que hoje em dia não é mais permitido levar por diante. Instrumento cortante e dor, em medicina operatória, são duas expressões que não se apresentam mais uma sem a outra ao espírito do doente e em relação às quais é absolutamente necessário admitir a associação». E comenta Gomez, talvez com algum gozo: «de facto, tal parecia ser a última palavra da ciência, quando um cirurgião americano encontrou o segredo tão procurado»; não desdenhando mesmo qualificar este segredo como «uma descoberta que parecia assemelhar-se ao prodigioso». Conclui este capítulo com referências a vários cirurgiões de nomeada do seu tempo que em França e em Inglaterra experimentaram as vantagens da eterização. «Enfim, [escreve Gomez] em todas as grandes cidades experimentaram-se as inalações etéreas e foi desde logo manifesto que a descoberta de Jackson tinha prestado um imenso A tese de doutoramento de Francisco Luis Gomez serviço à humanidade e à arte de curar». Terceiro capítulo: Das teorias relativas à eterização Depois do capítulo quarto, este é o segundo mais longo da Tese. Para facilitar a recensão apresento-o dividido nas seguintes partes: 1 - «Os fenómenos observados nas pessoas eterizadas»; 2 - «Constatações em animais submetidos a inalações experimentais»; 3 - «Teorias emitidas sobre a eterização»; 4 - «A memória da dor». 1 – Os fenómenos observados nas pessoas eterizadas Começa por declarar que os fenómenos observados variam conforme a duração da inalação e a susceptibilidade dos sujeitos, havendo mesmo alguns «refractários aos vapores do éter». Segundo um autor citado por Gomez, após alguns espirros e acessos de tosse, dois ou três minutos depois começa o sono, que progride para o relaxamento total incluindo o da sensibilidade, tornado visível com a queda da cabeça sobre o peito. Este sinal faz supor que de facto a anestesia era, em muitos casos, induzida com o doente sentado, o que se confirma por algumas fotografias da época. Gomez descreve as três fases da anestesia com éter, conforme o fez o já referido cirurgião francês, Jobert de Lamballe: a fase chamada da «excitação» em que os doentes «tanto são tomados por uma hilariedade notável, como se agitam, ameaçam, [e] vociferam». Gomez faz notar que alguns são acometidos de convulsões. Nesta fase, «a sensibilidade está ainda conservada, do que nos podemos assegurar arrancando pêlos ou pinçando a pele do sujeito». Continuando a inalação, segue-se naturalmente a segunda fase chamada do «entorpecimento» em que «o sujeito sente uma sonolência; as suas forças diminuem; os músculos exteriores tornam-se flácidos e incapazes dum exercício comum; a face exprime uma profunda sonolência; os olhos estão um pouco abatidos; a língua está móvel e húmida; a palavra torna-se fácil [desinibida]; as respostas justas, ainda que lentas; a temperatura é normal; o pulso, primeiramente cheio e rápido, torna-se lento e pouco resistente. Deitado como no sono profundo, ainda que usufruindo da inteligência e da vontade, o doente está desde então insensível a todas as irritações e violências externas». Esta fase compara-a Gomez com o estado provocado pelos «narcóticos, os álcoois, e vários outros agentes». Relata depois um caso que para ele foi concludente «em favor da propriedade anti álgica dos vapores do éter». E seguem-se outros relatos de operações sob o éter, que ele testemunhou. É curiosa a observação de que os operados sob o efeito do éter «não se recordam a seguir de nenhum sofrimento» embora «o sistema humano [isto é, o organismo] não permaneça absolutamente indiferente às violências que lhe são feitas». Continua a deliciosa descrição, com os detalhes da terceira fase, designada de «estupor»: «o sujeito cai num abatimento completo; a inteligência é nula; a face, pálida, os traços apagados e inexpressivos, os olhos ternos, as pupilas dilatadas, as pálpebras fechadas, os lábios descolorados, a língua retraída, fria e tiritante. Então abaixa-se a temperatura em todas as partes do corpo, e reconhece-se um suor frio; o pulso está fraco, irregular; a respiração lenta e sacudida, a sensibilidade nula assim como o sentimento; as excreções têm por vezes lugar involuntariamente; sobrevêm espasmos nos membros; enfim, o indivíduo apresenta este estado de comoção ou de collapsus que se nota na morte aparente, na comoção traumática, na asfixia, na síncope e vários outros estados análogos, ainda que não idênticos». Afirma que as três fases se sucedem com mais ou menos rapidez, variando conforme as pessoas, o sexo, enfim a idade. E a respeito da duração relativa das três fases, constata o Autor a inutilidade «dos instrumentos e das precauções […] assim como dos aparelhos» para dosear o éter. Estava ainda longe o tempo dos dosímetros do fluxo dos gazes dos carros de anestesia ou dos vaporizadores, bem como das seringas perfusoras e outros dispositivos atuais. Ainda a propósito da variabilidade da susceptibilidade humana ao éter, conclui ele «quão pouco ela compreende os dados matemáticos»; de facto, estava ainda por descobrir o valor da estatística e da epidemiologia que fundamentam o grosso da pesquisa actual … Enfim, apesar da defesa da eterização feita pelo nosso Autor, não deixa ele de honestamente referir que, se levada «aos seus últimos limites, pode levar à morte dos indivíduos». 2 – Constatações em animais submetidos a inalações experimentais E assim, entra na descrição de várias experiências em animais realizadas por outros autores, embora tendo o cuidado de prevenir que, no que lhe diz respeito, está «sem dúvida longe de pretender assimilar os quadrúpedes ao homem, mas apenas mostrar as analogias confirmativas das reflexões e observações clínicas feitas sobre a espécie humana». Embora, parece, com alguma distância, valoriza a fisiologia comparada, como fundamento das teorias sobre o funcionamento do éter (nº 3, a seguir). Algumas das experiências relatadas, no seu conjunto, apontavam para um efeito do éter sobre a espinal-medula, os nervos raquidianos e periféricos pela «propriedade [do éter] de anular o princípio do movimento e do sentimento». Outras sugerem que o «vapor de éter se opõe de maneira notável à transformação do sangue negro em sangue vermelho, cuja ação estimulante manteria a vida». O sangue arterial seria então substituído nos órgãos pelo sangue Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 25 A tese de doutoramento de Francisco Luis Gomez venoso que exerceria neles uma «ação estupefaciente». Os efeitos da eventual depressão respiratória provocados pela inalação do éter e consequente anóxia, que não eram prevenidos ou evitados, são aqui evidentes. As últimas experiências animais relatadas por Gomez voltam a referir os efeitos sobre «a medula espinhal» mas também sobre «as outras partes dos centros nervosos» tais como «os lobos cerebrais, a protuberância anular e o bulbo raquidiano». 3 – Teorias emitidas sobre a eterização Na terceira parte deste longo capítulo, Gomez resume então as teorias produzidas sobre a eterização. Resume-as ou classifica-as em três tipos: as «puramente organicistas»; as «puramente vitalistas» e finalmente as «asserções mistas». A sua apresentação e discussão quase assumem na Tese o tom duma querela doutrinal. - Nesta última categoria, inclui Gomez as conclusões do fisiologista e fundador da experimentação neurológica, Marie Jean Pierre Flourens (1794-1867), doutorado em Montpellier e também pioneiro da anestesia, segundo as quais após, a inalação do éter, «primeiramente os lobos cerebrais perdem a sua força ou a inteligência; a seguir o cerebelo cuja lesão suspende o equilíbrio dos movimentos de locomoção»; e por fim «os vapores do éter levando a sua influência sobre a espinal-medula, aqui suspendem o princípio do sentimento e do movimento». À suspensão do «princípio do sentimento» juntar-se-ia o efeito directo sobre os órgãos do sistema nervoso central. - As teorias «puramente organicistas», defendiam que o éter lesaria os próprios órgãos, considerados, pela sua própria estrutura e composição, como sede das suas funções. Todas as funções são atribuídas apenas aos próprios órgãos, excluindo estas teorias qualquer causa ou princípio que os transcendesse. Diríamos, hoje, que são imanentistas ou puramente materialistas. A propósito das teorias organicistas, são referidas por Gomez interessantes considerações sobre o que hoje designamos por amnésia retrógrada. - A teoria «vitalista» constituía em Montpellier, já desde os tempos de Barthez, como referido, quase um dogma de fé; e na altura em que Gomez escreveu, era ainda ardentemente defendida pelo seu professor titular de Fisiologia, Jacques Lordat (cf. Capítulo 1º, pág. 4 desta recensão). Baseando-se no «hipocratismo» que admitia a existência de duas potências, forças ou princípios de ação, a saber, na tradução do próprio Gomez, «a natureza» e «a alma», a teoria defendia que «no estado habitual, estas duas causas activas dos actos da economia [vital dos organismos], contraem entre elas uma íntima aliança que contribui para a harmonia das duas ordens de fenómenos observados no corpo humano: as acções voluntárias e conscientes [que teriam como causa primeira a alma racional] e as acções 26 Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 involuntárias e sem consciência [que teriam a sua origem no princípio vital da natureza]». A eterização consistiria então num estado «de quebra momentânea da aliança entre os dois princípios do agregado humano. A influência dos vapores do éter é recebida primeiramente pela natureza humana e as funções ditas vitais [vegetativas ou orgânicas] são perturbadas, suspensas. As inalações etéreas levam secundariamente ao seu efeito sobre o sentido íntimo [ou consciência] e então o sujeito conserva [embora diminuídas] a sua inteligência e uma certa vontade de ação, enquanto que a sensibilidade e o movimento involuntários se encontram abolidos». Gomez argumenta depois contra a visão «puramente organicista» ao estabelecer que «a eterização […] prova que a força [ou princípio] vital está ligada aos órgãos, mas não é consequência da sua estrutura; que ela [a força ou princípio vital] é potencialmente distinta e susceptível de ser suspensa ou mesmo de ser abatida, sem nenhuma mudança nos instrumentos das suas manifestações [isto é, nos órgãos]». E conclui afirmando que «os vapores do éter modificam o princípio, a causa e não a textura das partes [constituintes dos órgãos]». Seguidamente, Gomez manifesta, sob a forma de uma interrogação, algo de que se diz muito convencido: «se eu admitisse como hipótese uma modificação da electricidade, conseguiria que os organicistas e os experimentadores dos nossos dias aderissem à teoria que defendo; mas a vida é ela electricidade? Nada o prova, ou melhor tudo prova o contrario». O Autor estava naturalmente longe de poder sequer antever os caminhos que a investigação fisiológica haveria de percorrer. 4 – A memória da dor Finalmente, no que respeita à memória da dor, Gomez começa por recordar que «em toda a sensação há três actos distintos: impressão, transmissão e percepção» e que «para que a sensação se opere é portanto necessário uma ligação entre estes três actos». As experiências animais e os ensaios sobre o homem quando submetidos aos efeitos do éter demonstram, diz ele, que «os nervos estão incapazes de perceber a impressão e mesmo de transmiti-la; pelo que a sensação é impossível: assim, a quebra da aliança das duas potências [ou forças] do dinamismo humano não permite a transmissão fácil e habitual das acções internas e externas». As várias ocorrências eventualmente estimulantes «passam imperceptíveis. Da mesma maneira, o deficit de atenção torna imperceptíveis as alterações internas ou externas». A grande e derradeira conclusão que Gomez tira relativamente ao tema deste capítulo, revelando-se fiel à doutrina vitalista e dualista tradicional da Faculdade de Medicina de Montpellier, é que «a suspensão [ou interrupção] do acordo habitual dos dois princípios de ação [isto é, nas suas palavras a natureza e a alma] é portanto a razão de todos os fenómenos da eterização». A tese de doutoramento de Francisco Luis Gomez Capítulo quarto: Indicações e contra-indicações das inalações de éter Inicia-se este capítulo, o mais extenso, com a exposição de algumas vantagens que as «inalações» trouxeram então: Relativamente aos «praticantes», isto é aos cirurgiões, torna-os «mais audaciosos – moins pusillanimes» e a «medicina operatória» tornar-se-á, assim, mais frequente; relativamente aos doentes, «as repugnâncias, as apreensões, serão desde logo bastante menores»; relativamente às «alterações mórbidas [ou complicações], serão menos graves, menos frequentes e a saúde menos degradada»; relativamente a certos procedimentos cirúrgicos, temidos devido a «dificuldades manuais, à demora das manobras e à calma que exigem do cirurgião assim como do paciente», as «inalações etéreas» farão com que os «praticantes não recuem, desde que as julguem indispensáveis, para além do facto dos doentes estarem menos aptos ao collapsus ou à comoção». «Todavia, (faz questão de dizer mais uma vez Gomez) não cremos que o sistema vivente [ou seja, o organismo] fique completamente indiferente a tão graves provações. Ainda que o sentido íntimo [ou seja, a consciência] não se aperceba da dor e que o eu ou o ser não sofram realmente, apesar disso a força [ou princípio] vital recebe impressões profundas como habitualmente». Entra então no exame algo detalhado dos «principais casos nos quais as inalações de éter oferecem incontestáveis vantagens na prática da arte de curar». Curiosa expressão. A clínica era ainda vivida como o exercício duma arte, dum conjunto de talentos e habilidades, envoltos em experiência, sabedoria, requinte e amor, praticados sem pressa ou activismos; estariam ainda longe os tempos da supremacia tecnológica, dos médicos simples administradores de técnicas e de todo um consumismo médico ansioso e apressado. São para cima de vinte as situações analisadas por Gomez, das quais darei apenas o rol, com um ou outro comentário breve: A redução de fracturas e luxações; a extração de corpos estranhos do esófago; «o arrancamneto de unhas»; a extração de dentes; a ablação de tumores cutâneos e da mama (aqui há uma curiosa alusão à demora da cirurgia como risco); excisão de exostoses da mandíbula; reconstruções da face e a «anaplastia»; tenotomias do pé e da perna; miotomias várias; cirurgia do estrabismo; secção de nervos ou nevrotomias; laqueação de artérias, exemplificadas com os casos de laqueação da carótida primitiva e da popliteia /desta feita, Gomez sublinha a necessidade da vigilância/monitorização, obviamente clínica, dos múltiplos efeitos quer da anestesia quer das manobras cirúrgicas); ressecções e dissecções varias, especialmente de ossos e articulações; amputações e desarticulações de membros; a castração no homem (aqui comenta o caso em que verificou um longo tempo de indução); extração de cálculos da bexiga; cirurgias uterinas várias; como modo de «descobrir as doenças simuladas»; em certas queimaduras; crises nevrálgicas; nos partos distócicos e só nestes, que exigissem «uma operação sangrativa»; finalmente, são referidas situações médicas tais como «bronquites crónicas complicadas de enfisema pulmonar, diversas nevralgias, a epilepsia». «Não é menos útil conhecer as contra-indicações ao uso deste meio terapêutico» afirma o Autor ao entrar na última parte deste capítulo. São elas: as pessoas que se mostrem refractárias aos seus efeitos; aquelas em quem o éter teve um efeito paradoxal «exaltando a sensibilidade»; as pessoas «dadas às bebidas alcoólicas»; as «muito nervosas, sujeitas aos espasmos, às diversas nevroses, ao excesso nervoso»; as acometidas de «tosse nervosa, de asma, de irritação crónica dos brônquios, frequentes hemoptises ou com tendência para as alterações pulmonares graves»; a «operação à catarata»; a amigdalectomia faríngea; a laringotomia; a traqueotomia, todas estas três últimas devido ao risco de sangue na laringe, traqueia e brônquios, provocando «todos os fenómenos da asfixia». Por fim, no rol das contra-indicações, aparece o tétano. Capítulo quinto: Fluido e instrumentos próprios para as inalações de éter; o que se segue às inalações Sobre o éter propriamente dito, Gomez começa por fazer um breve historial da sua produção química e tece algumas considerações conducentes à afirmação de que é necessário «fornecer um éter puro e propício às inalações» e prevê que «alguns inconvenientes observados na administração dos vapores de éter desaparecerão no futuro». Segue-se a descrição de diversos dispositivos para a administração do éter, então «já muito numerosos». Gomez não deixa de observar que muitos do insucessos verificados no início, depois de se ter divulgado a descoberta de Jackson e Morton, se devem a falhas de concepção dos aparelhos, cuja construção depois descreve, sem recorrer a nenhuma ilustração ou desenho. São eles: O aparelho de Morton, constituído por um globo de vidro com duas tubuladuras, e esponjas embebidas em éter no seu interior. Uma das tubuladuras servindo a entrada de ar e a outra para um bucal. A esta última, perto do bucal, adaptava-se uma válvula de madeira de sentido único para impedir o ar expirado de entrar no globo. Seguem-se as descrições mais ou menos detalhadas de outros instrumentos, tais como: o aparelho de Robinson; o aparelho de Herepath, de Bristol; o aparelho de Charrière, um dos mais usados então em França, como refere Gomez; o dispositivo de Roux, cuja descrição me leva a pensar poder tratar-se dum protótipo de máscara facial; e, termina com o de Malgaigne. Depois de descrever os aparelhos em uso, Gomez opina com toda a simplicidade: «uma garrafa de base larga e gargalo estreito, tipo das de vinho, uma simples garrafa Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 27 A tese de doutoramento de Francisco Luis Gomez comum, ou uma tétière ou biberão com uma rolha, na qual se tenham feito dois orifícios, um dos quais fornecido com um tubo aspirador, parece-nos, com efeito, tão adequados ao cumprimento do objetivo das inalações etéreas, como esses complicados aparelhos, ricamente ornados de partes metálicas, bem capazes de lhes tornar o uso [das inalações do éter] pouco difundido». E arremata esta parte do capítulo dedicada aos dispositivos, com este conselho cheio de bom senso e parcimónia: «é necessário que o praticante saiba que é menos nos instrumentos do que no seu juízo [clínico ou apreciação] que ele deve colocar os recursos adequados a cumprir as indicações terapêuticas, com a ajuda dos meios os mais simples e os mais vulgares». Parece, assim, ser seu principal desejo a larga difusão dos imensos benefícios e avanços que o uso do éter nas cirurgias tornou possíveis. Entra seguidamente em explicações de ordem técnica sobre o modo como se administra o éter: como se aplica o aparelho e o ensino a fazer ao doente, sobretudo o modo de respirar; como se deve proceder durante a indução e a manutenção das inalações; quando se deve terminar a aplicação do aparelho: logo «desde que as partes a eliminar estão extirpadas e que a aproximação [dos bordos da ferida] por meio da sutura esteja feita. O doente não tarda a acordar da sua espécie de sono». Depois, comenta ele sobre o recobro imediato: «Ainda não se encontraram casos em que a eterização se tenha prolongado por muitos minutos após a cessação das aspirações etéreas». E termina referindo alguns dos efeitos do éter sobre o paladar e a arvore tráqueo-brônquica, que se poderiam verificar ainda por mais de um dia. Quanto a acidentes, constata a sua inexistência durante a sua «experiência de quase um ano», reafirmando «as imensas vantagens» da eterização. Parte final As palavras finais da Tese não são do próprio Autor. São do mesmo professor Velpeau que Gomez tinha já citado no Capítulo 2º (cf. Pág. 6 desta recensão) e pelas quais o célebre cirurgião de Paris tinha afirmado, em 1839, que «evitar a dor numa operação é uma quimera». Quase dez anos depois, numa sessão que tivera lugar no prestigiado Instituto de França a 8 de Fevereiro de 1847, o grande Velpeau acabava afinal por reconhecer que «esta descoberta constitui um dos factos de maior alcance que jamais se viu neste século». Nas páginas 55 a 57 da Tese, constam as quinze questões a sortear às quais o candidato deveria «responder verbalmente». Finalmente, na derradeira página (a 58), é apresentado o elenco dos Professores da Faculdade de Medicina de Montpellier: dezassete Titulares das diversas cadeiras; um Honorário; e treze Agregados em exercício, compunham então o corpo docente. 28 Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 Agradecimento O autor agradece a Jorge Tavares a revisão do texto, cuja versão inicial lhe foi facultada como fonte de informação para a elaboração da História da Anestesiologia Portuguesa, bem como o incentivo para sua posterior reelaboração e publicação. Fontes utilizadas para esta recensão Site da Faculdade de Medicina de Montpellier: http://www.med.univ-montp1.fr/presentation/visiteguidée/ accueil/Plaquette1.htm T Lavabre-Bertrand. Bref aperçue de l’histoire de la Faculté de Médicine. In: nº 1 de Rabelais -La revue de la Faculté de Médicine de Montpellier-Nîmes. Septembre-Octobre, 2004: 3. Thierry Lavabre-Bertrand. Du dialogisme oral … ou une réflexion sur la pédagogie à la Faculté de Médicine en 1828. In nº 4 de Rabelais -La revue de la Faculté de Médicine de Montpellier- Nîmes. Décembre 2006-Janvier, 2007: 15. Rod K Calverley. Anesthesia as a Specialty: Past, Present, and Future. In: Paul Barash et al, eds. Clinical Anesthesia. Lippincott. Philadelphia 1989: 3-10. JJ. Figueiredo Lima. Apontamentos Cronológicos sobre a História da Anestesia. Ed. do autor. Novembro 2004: 39. J. Tavares. História da Anestesiologia Portuguesa. Edição Sociedade Portuguesa de Anestesiologia. Lisboa, 2008. Site da Wikipédia -A Enciclopédia livre: http://pt.wikipedia.org/ . Múltiplas entradas. Site do Proyecto Filosofía en español: http://www.filosofia.org/ zgo/zgfe2222.htm Primeiro Inibidor Direto Oral do Fator Xa Proteção Simples para Mais Doentes Tratamento da trombose venosa profunda Com um só medicamento oral Nome: Xarelto 15 mg, 20 mg. Composição: Cada comprimido revestido por película contém 15 mg ou 20 mg de rivaroxabano. Forma Farmacêutica: Comprimido revestido por película. Indicações terapêuticas Prevenção do acidente vascular cerebral e do embolismo sistémico em doentes adultos com fibrilhação auricular não-valvular com um ou mais fatores de risco, tais como insuficiência cardíaca congestiva, hipertensão, idade ≥75 anos, diabetes mellitus, antecedentes de acidente vascular cerebral ou acidente isquémico transitório. Tratamento da trombose venosa profunda (TVP) e prevenção da TVP recorrente e embolismo pulmonar (EP) após uma TVP aguda em adultos. Posologia e modo de administração: Prevenção do acidente vascular cerebral e do embolismo sistémico: A dose recomendada, que também é a dose máxima recomendada, é de 20 mg uma vez por dia. No caso de esquecimento de uma dose, o doente deve tomar imediatamente Xarelto e continuar no dia seguinte com a toma uma vez ao dia, conforme recomendado. Não deve ser tomada uma dose a dobrar no mesmo dia para compensar uma dose esquecida. Tratamento da TVP e prevenção da TVP recorrente e EP: A dose recomendada para o tratamento inicial da TVP aguda é de 15 mg duas vezes por dia durante as primeiras três semanas, seguida de 20 mg uma vez por dia para continuação do tratamento e prevenção da TVP recorrente e EP. A experiência com Xarelto nesta indicação durante mais de 12 meses é limitada. No caso de esquecimento de uma dose durante a fase de tratamento de 15 mg duas vezes por dia (dia 1 - 21), o doente deve tomar imediatamente Xarelto para assegurar a toma de 30 mg de Xarelto por dia. Neste caso podem tomar-se dois comprimidos de 15 mg ao mesmo tempo. O doente deve continuar no dia seguinte a toma diária e regular de 15 mg duas vezes por dia, conforme recomendado. No caso de esquecimento de uma dose durante a fase de tratamento de uma toma diária (dia 22 e seguintes), o doente deve tomar imediatamente Xarelto e continuar no dia seguinte com a toma diária, conforme recomendado. Não deve ser tomada uma dose a dobrar no mesmo dia para compensar uma dose esquecida. Passagem de Antagonistas da Vitamina K (AVK) para Xarelto: Em doentes tratados para prevenção do acidente vascular cerebral e embolismo sistémico, o tratamento com AVK deve ser interrompido e a terapêutica com Xarelto deve ser iniciada quando o INR for ≤3,0. Em doentes tratados para TVP e na prevenção da TVP recorrente e EP, o tratamento com AVK deve ser interrompido e a terapêutica com Xarelto deve ser iniciada assim que o INR for ≤2,5. Passagem de Xarelto para os Antagonistas da Vitamina K (AVK): Em doentes que passam de Xarelto para um AVK, o AVK deve ser administrado simultaneamente até o INR ser ≥2,0. Durante os dois primeiros dias do período de passagem, deve utilizar-se a dose inicial padrão do AVK, seguida de uma dose do AVK baseada nas determinações do INR. Enquanto os doentes estiverem a tomar simultaneamente Xarelto e o AVK, o INR não deve ser determinado antes das 24 horas após a dose precedente de Xarelto e antes da dose seguinte. Passagem de anticoagulantes parentéricos para Xarelto: Em doentes atualmente a serem tratados com um anticoagulante parentérico, Xarelto deve ser iniciado 0 a 2 horas antes da hora prevista para a administração seguinte do medicamento parentérico (ex.: HBPM) ou na altura da interrupção de um medicamento parentérico em administração contínua (ex.: heparina não fracionada intravenosa). Passagem de Xarelto para anticoagulantes parentéricos: Administrar a primeira dose do anticoagulante parentérico na altura em que deve ser tomada a dose seguinte de Xarelto. Os comprimidos devem ser tomados com alimentos. Compromisso renal moderado ou grave: Na prevenção do acidente vascular cerebral e do embolismo sistémico em doentes com fibrilhação auricular não-valvular, a dose recomendada é de 15 mg uma vez por dia; No tratamento da TVP e prevenção da TVP recorrente e EP: os doentes devem ser tratados com 15 mg duas vezes por dia durante as primeiras 3 semanas. Após isto, a dose recomendada é 15 mg uma vez ao dia com base em modelos farmacocinéticos. Xarelto deve ser utilizado com precaução em doentes com compromisso renal grave. Não é necessário ajuste posológico: compromisso renal ligeiro, população idosa, sexo, peso corporal. Não é recomendada a utilização em doentes com taxa de depuração da creatinina <15 ml/min. Está contra-indicado em doentes com doença hepática associada a coagulopatia e risco de hemorragia clinicamente relevante, incluindo doentes com cirrose com Child Pugh B e C. População pediátrica: não é recomendada a sua utilização em crianças com idade inferior a 18 anos. Contra-indicações: Hipersensibilidade à substância ativa ou a qualquer um dos excipientes. Hemorragia ativa clinicamente significativa. Gravidez e aleitamento. Doença hepática associada a coagulopatia e risco de hemorragia clinicamente relevante incluindo doentes com cirrose com Child Pugh B e C. Advertências e precauções especiais de utilização: Risco hemorrágico, compromisso renal, doentes com risco aumentado de hemorragia. Os doentes com problemas hereditários raros de intolerância à galactose, deficiência de lactase Lapp ou malabsorção de glucose-galactose não devem tomar este medicamento. Doentes com válvulas protésicas. Doentes com embolismo pulmonar agudo. Procedimentos invasivos e intervenções cirúrgicas. Interacções medicamentosas: Inibidores do CYP3A4 e da gp-P: não é recomendada em doentes submetidos a tratamento sistémico concomitante com antimicóticos azólicos tais como cetoconazol, itraconazol, voriconazol, posaconazol ou inibidores da protease do VIH; Anticoagulantes: deve ter-se precaução se os doentes são tratados concomitantemente com quaisquer outros anticoagulantes; AINEs/ inibidores da agregação plaquetária: deve ter-se precaução nos doentes tratados concomitantemente com AINEs (incluindo ácido acetilsalicílico) e inibidores da agregação plaquetária; Indutores do CYP3A4; Os parâmetros de coagulação (ex.: TP, aPTT, HepTest) são afetados. Efeitos indesejáveis: Anemia (incl. parâmetros laboratoriais respetivos), tonturas, cefaleias, síncope, hemorragia ocular (incl. hemorragia conjuntival), taquicardia, hipotensão, hematoma, epistaxe, hemorragia do trato gastrointestinal (incl. hemorragia gengival, hemorragia retal), dores gastrointestinais e abdominais, dispepsia, náuseas, obstipação, diarreia, vómitos, prurido (incl. casos raros de prurido generalizado), erupção cutânea, equimose, dor nas extremidades, hemorragia do trato urogenital (incluindo hematúria e menorragia), febre, edema periférico, diminuição da força e energia de um modo geral (incl. fadiga, astenia), aumento das transaminases, hemorragia pós-procedimento (incluindo anemia pós-operatória e hemorragia da ferida), contusão, trombocitemia (incl. aumento da contagem de plaquetas), reação alérgica, dermatite alérgica, hemorragia cerebral e intracraniana, hemoptise, boca seca, anomalias da função hepática, urticária e hemorragia cutânea e subcutânea, hemartrose, compromisso renal (incl. aumento da creatinina no sangue, aumento de ureia no sangue), sensação de mal-estar, edema localizado, aumento da bilirrubina, aumento da fosfatase alcalina sanguínea, aumento da HDL, aumento da lipase, aumento da amilase, aumento da GGT, secreção da ferida, icterícia, hemorragia muscular, aumento da bilirrubina conjugada (com ou sem aumento concomitante da ALT), formação de pseudoaneurisma após intervenção percutânea, síndrome compartimental secundário a hemorragia, insuficiência renal/insuficiência renal aguda secundária a hemorragia suficiente para causar hipoperfusão Número da A.I.M.: 5132956, 5132964, 5132972, 5423918, 5423926, 5423934, 5424403. Data de revisão do texto: Dezembro 2011 Não comparticipado nas doses de 15 mg e 20 mg. Medicamento sujeito a receita médica. Para mais informações deverá contactar o titular da AIM Bayer Portugal, S.A., Rua Quinta do Pinheiro, nº 5, 2794-003 Carnaxide · NIF 500 043 256 L.PT.GM.02.2012.0192 Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 29 Normas de Publicação: A Revista da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia publica manuscritos considerados de importância para a Anestesiologia, Cuidados Intensivos, Terapêutica da Dor e Ciências Básicas, dando prioridade a Artigos Originais, Artigos de Revisão e Casos Clínicos. Publica ainda, temas de interesse noutras áreas, tais como: Ensino, Ética ou História da Anestesia. Os Editoriais são normalmente reservados aos Editores e à Direcção da S.P.A., podendo contudo, serem aceites os escritos de outros sócios, a pedido ou por iniciativa própria. Os manuscritos enviados para publicação, não devem ter sido publicados ou simultaneamente presentes para publicação, em qualquer outra parte (exceptuam-se os artigos publicados com a designação de “Intercâmbio”). Quando aceites, ficam propriedade da Revista, só podendo ser reproduzidos com autorização desta. As opiniões e metodologias neles expressas são da inteira responsabilidade dos autores, mesmo quando sujeitos a revisão editorial. Por artigo original entende-se todo aquele que, baseado em material clínico e/ ou experimental, pela sua originalidade, objetivo e qualidade de metodologia, representa um esforço de contribuição concreto na esfera do conhecimento cientifico. Quando pressuponha uma anterior investigação ou tratamento dos dados colhidos, para esclarecimento das conclusões, deve ser referenciado com o subtítulo “comunicação prévia”.O artigo de revisão é todo aquele que resulta de uma síntese crítica de informação contida em publicações existentes, apoiando-se fundamentalmente as afirmações nele referidas em citações bibliográficas recentes (últimos cinco anos). O caso clínico consiste na apresentação de uma história clínica, cuja evolução apresenta particularidades dignas de registo. CONSIDERAÇÕES LEGAIS Os artigos baseados em investigação clínica no Homem, devem deixar bem explícito que os ensaios foram conduzidos de acordo com as normas éticas da declaração de Helsínquia. Se se tratar de investigação animal, os autores devem estar atentos ao Decreto- lei l29/72, de 6/7/92 e à Portaria I005/92, de 23/I0/92. Nos casos clínicos, os autores, devem evitar quaisquer dados que identifiquem o doente, tais como o nome ou iniciais deste, fotografias que permitam a sua identificação (salvo com consentimento expresso) ou ainda referências hospitalares. A inclusão de material já publicado, como ilustrações ou quadros, implica a autorização do seu autor e editor. Preparação de manuscrito e suporte informático Devem ser enviadas três cópias de cada, em formato A4, escritos em língua portuguesa. As folhas devem ser dactilografadas de um só lado, a dois espaços, com margens não inferiores a 2,5 cm e paginadas. A primeira página deve conter o título e uma abreviação deste, não ultrapassando os 50 caracteres e espaços. Nesta página, deve ainda constar o nome e o apelido dos autores, categoria profissional, local de trabalho, direcção e telefone do autor, a contactar para troca de correspondência. Na página que se lhe segue deve constar o resumo e as palavras-chave em português, seguindo-se-lhe o título, o resumo e as palavras-chave em inglês. Estas deverão basear-se, sempre que possível, na terminologia do Index Medicus e não exceder o número de 10 (os editores, reservam-se o direito de revisão destas, quando justificada). Deverá ser entregue, uma disquete com a cópia do manuscrito, em formato de documento Word (Windows 97 ou outra versão anterior) ou de texto (.txt) ambos para PC. Os autores devem guardar uma cópia do material enviado, para a eventualidade da sua revisão ou extravio. Os manuscritos dividem-se consoante o tipo: ARTIGO ORIGINAL Subdivide-se, regra geral em: Sumário: Deve conter informação sucinta sobre o objetivo, metodologia, resultados e conclusões e ser elaborado de modo a permitir a compreensão do trabalho, sem necessidade de recorrer ao texto. Introdução: não deve ser referenciada com título. Deve ser concisa e conter as razões e objetivos do trabalho, podendo incluir referências sucintas e informação considerada pertinente para o tema tratado e com bibliografia devidamente referenciada. Metodologia: devem ser descritos os métodos utilizados, de modo claro e objetivo, de forma a que a experiência possa ser devidamente interpretada e reproduzida pelo leitor. Igualmente, no que se refere a análise estatística, deve ser referido, neste capítulo, o método usado. 30 Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 Resultados: a apresentação de resultados deve ser feita de forma clara, reportando a significância a níveis de probabilidade e evitando repetições desnecessárias do texto, quadros e gráficos. Discussão: devem ser relacionados e interpretados os factos observados, assim como o seu significado em relação a estudos já publicados. Os dados considerados de interesse para as conclusões devem também ser discutidos. Os artigos originais não devem ultrapassar as quinze páginas. ARTIGO DE REVISÃO Para além do título, pode subdividir-se em sub-capítulos e alíneas, segundo o critério dos autores. Os artigos de revisão não podem ultrapassar quinze páginas. CASO CLÍNICO Para além do título e resumo, deve conter uma introdução sucinta, sem título, focando a razão de ser do relato clínico, podendo conter referências bibliográficas pertinentes. A esta introdução, segue-se a descrição do caso, sob o título “Caso Clínico”, em que se relatam os dados relevantes da doença actual, antecedentes pessoais e familiares, exames auxiliares, terapêutica e técnicas. Relatando o caso segue-se a Discussão, em que se analisam as características especiais do caso e se aprecia o seu significado, à luz da bibliografia existente. Os casos clínicos não devem ultrapassar as seis páginas. QUADROS Os quadros representam uma relação de dados em linhas horizontais. Se neles figurarem unidades (referentes aos resultados), devem ser colocadas no topo das colunas (não as repetindo nas linhas horizontais).Devem numerar-se com algarismos romanos, segundo a ordem de citação no texto, identificados com legendas na parte superior e apresentados em páginas separadas. ILUSTRAÇÕES Por ilustrações, consideram-se os esquemas, gráficos e fotografias. Numeram-se com algarismos árabes, pela ordem de citação no texto. Os esquemas e gráficos devem ser executados em papel branco e a sua identificação, com número de citação, autor e titulo do artigo, deve ser feita no reverso, a lápis. As legendas devem ser apresentadas em páginas separadas. AGRADECIMENTOS Se existem, devem ser curtos. BIBLIOGRAFIA As referências bibliográficas devem ser numeradas pela ordem em que são mencionadas no texto e identificadas neste por algarismos árabes, entre parênteses rectos. Os títulos das revistas ou jornais devem ser abreviados de acordo com o modelo utilizado no Índex Medicus. As referências de ma nuscritos ainda não publicados não devem ser consideradas como fontes bibliográficas. Exemplos de referências bibliográficas correctas: Revista: Jaeger MJ, Scheultetus RR.The effect of Brain circuit on gas exchange. Can J Anaesth 1897; 34:26-34. Livro: Greene NM. Key words in anaesthesiology, 3rd ed. New York, Elsevier, 1988. Capitulo de Livro: Hull CJ. Opioid Infusions for the management of post – operative pain. In: Smith G, Covino BG, eds. Acute pain. Butterworths,1985:155-179. CARTAS AO EDITOR Poderão ou não referir-se a material publicado na revista. Será, no entanto, dada prioridade de publicação às relacionadas com material já editado. NOTA Estas normas de publicação representam apenas uma orientação para os Autores que pretendem dar o seu contributo para a edição desta Revista. Para informação mais detalhada do modo de elaboração de um artigo cientifico, poderão ser consultados diversos textos dedicados a este tema, dos quais de destacam: -Bailar JC, Mosteller F. Guidelines for statistical reporting in articles for medical Journals. Annals of Internal Medicine 1988: 266-273 -Baron DN. Units, symbols and abbreviations: a guide for biological and medical editors and authors. 4th ed. London: Royal Society of Medicine Services, 1988:64 -Dudley H.The presentation of original work in Medicine and Biology. Churchill Livingstone, 1977. -Huth EH, Kinning K, Lock SP et al. eds. Uniform requirements of manuscripts submmited to Biomedical Journals. Annal of Internal Medicine, 1988; 108: 258-265. -Smith G. ed. Extended guide to contributors. British Journal of Anaesthesia,1990; 64: 129-136. Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012 31 32 Revista SPA | Vol. 21 - nº5 | 2012