Deraldo Dias Marangoni - Sindicato dos Economistas de São Paulo

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Deraldo Dias Marangoni - Sindicato dos Economistas de São Paulo
OS DESEQUILÍBRIOS CONTRATUAIS EM FINANCIAMENTOS PELA
TABELA PRICE
PARTE III
Ainda sobre os “Diferentes índices de correção monetária”
Alguns efeitos “secundários” se fazem notar, quando se faz a aplicação de diferentes
índices para a atualização monetária das prestações e do saldo devedor, induzindo à
realização de operações financeiras quase que fadadas ao desequilíbrio futuro.
Doce ilusão
Ao se candidatar à concessão de um empréstimo, o tomador (contratante),
via de regra, procura fazer uma avaliação bastante objetiva e prática de sua
capacidade para arcar com o compromisso financeiro que vai assumir.
De forma simples, faz a comparação entre a sua RENDA e o valor da
PARCELA mensal que terá que arcar, mesma análise que normalmente faz
(ou fazia até a pouco) o agente financeiro.
Nessa perspectiva, os financiamentos para o Sistema Financeiro da
Habitação, por exemplo, acenaram para os pretensos mutuários com a
perspectiva de aquisição da Casa Própria oferecendo:
¾ prestações iniciais de valor reduzido (proporcionado
pela Tabela Price e suas variantes); e
¾ atualização monetária na mesma proporção das
correções salariais (Plano de Equivalência Salarial –
PES)
Esses dois “argumentos”, sem dúvida, são bastante convincentes, na medida
em que, por primeiro, apresentam valores compatíveis com o orçamento
familiar do “candidato a comprador”, no momento da aquisição, e por
ultimo, acenam com a manutenção dessa proporcionalidade (prestação x
renda), até o final do compromisso.
Contudo, em que pese a denominação de “Equivalência Salarial” para o tal
plano, esta proporcionalidade somente é aplicada no reajuste das
PRESTAÇÕES, enquanto que o VALOR DA DÍVIDA (este sim o real
compromisso financeiro assumido) sempre foi corrigido por outro
índice.
E o índice utilizado até passado recente (1999), na correção da dívida, era
bastante superior aos índices obtidos pelos trabalhadores em seus níveis
salariais.
Convenhamos, um financiamento que tem a correção do Saldo Devedor por
um índice qualquer e apenas a correção das prestações pelos índices salariais
do contratante, não apresenta efetivamente qualquer equivalência salarial
plena, em seus efeitos financeiros.
A oferta de crédito nessas condições, por assim dizer, não passa de pura
ilusão, já que, ao final do prazo de financiamento, o valor acumulado do
saldo devedor pode se revelar absolutamente fora da capacidade de
pagamento do tomador.
Praticada dessa forma, essa pretensa “equivalência salarial” passou a ser
simples medida FACILITADORA da concessão de crédito, permitindo a
“compra” da casa própria para um grande numero de pessoas que, na
verdade, não tinham uma evolução de renda compatível com a evolução
da dívida assumida.
Nesse contexto, e para agravamento da situação de insolvência que
acabamos observando, ocorreu ainda a extinção do Fundo de Compensação
de Variações Salariais (FCVS), que era o responsável pela cobertura do
Saldo Devedor Residual, porventura existente ao final do contrato. Os
contratos firmados a partir da edição da Lei nº 8692 de 28/07/93 não
possuem clausula de contratação dessa cobertura.
Acúmulo de Defasagens
Na ilusão da tal “equivalência salarial”, para as prestações, enquanto o
tomador é temporariamente “beneficiado” pela manutenção no nível de
comprometimento de sua renda nominal, o valor da sua dívida (saldo
devedor) acaba fazendo um “represamento” de todas as diferenças entre
os reajustes aplicados às prestações e os aplicados ao saldo devedor
(estes maiores), de forma que os valores “pagos a menor” nas prestações
sejam integralmente pagos, com as devidas correções e taxas contratuais, ao
final do prazo de financiamento (no saldo residual).
Exatamente para tentar ATENUAR essa defasagem é que os administradores
do SFH idealizaram a aplicação de um “adicional” chamado de Coeficiente
de Equiparação Salarial (CES) que, quando acrescido ao valor das prestações
promoveria sua elevação “artificial”, tornando-as mais “equiparadas” à
evolução do Saldo Devedor.
Quando de sua criação, o CES foi calculado com base na diferença média
entre os índices de correção do salário mínimo (que era utilizado na correção
das prestações) e os índices de correção da UPC, que servia de atualização
para o Saldo Devedor.
Incapaz de prever (e eliminar) com exatidão as diferenças entre os
comportamentos futuros dos índices salariais e de correção do Saldo
Devedor, este índice acabou sendo objeto também de contestação judicial
tendo, com alguma freqüência, se mostrado incompetente para a eliminação
das defasagens, uma vez que pode, até mesmo, acelerar a amortização e
antecipar a liquidação da operação.
Anatocismo
Diz Paulo Sandroni em sua obra “Novíssimo Dicionário de Economia”, 5a.
edição, Editora Best Seller, página 27, no verbete Anatocismo: “Termo que
designa o pagamento de juros sobre juros, isto é a capitalização de juros
que foram acumulados por não terem sido liquidados nos respectivos
vencimentos”
Na sua manifestação mais aguda, senão a mais grave, a insuficiência do
valor da prestação, para a satisfação do valor dos juros mensais, como
examinado no item “Saldo Residual”, sub-item 3, tem levado os agentes
financeiros (a maioria) a fazer a INCORPORAÇÃO desses valores (dos
juros) não pagos, somando-os ao saldo devedor.
Esse procedimento é normalmente demonstrado pelas planilhas de evolução
na forma de uma “Amortização Negativa”, constituindo importante foco de
controvérsia na apreciação jurídica do assunto.
Não sendo esse o objetivo do presente trabalho, queremos, todavia deixar
bastante
claro
que
a
“Amortização
Negativa”
representa
sim
a
“incorporação de juros não pagos ao saldo devedor, sobre o qual serão
calculados os juros dos períodos posteriores”, muito embora seja fruto de
opção do agente financeiro e não uma condição inerente à Tabela Price,
como querem fazer entender alguns.
Certamente poderia, o operador do financiamento, cuidar do lançamento da
tal “parcela de juros não paga” em controle apartado da Tabela Price,
promovendo sua evolução (correção) e cobrança em separado, sem
incorporação ao capital do financiamento original.
b. Comportamento da Taxa Referencial e do INPC
Até meados de 1999, a formulação estabelecida para o cálculo da Taxa
Referencial – TR (obtida a partir da Taxa Básica Financeira -TBF), e aplicada
(após fev/91) na correção monetária dos depósitos do FGTS e em Cadernetas
de Poupança, estes freqüentemente eleitos como fonte de recursos para os
financiamentos do SFH, promovia sua manutenção, em níveis médios,
SUPERIORES aos índices obtidos pelo INPC.
Sendo este ultimo índice um “padrão” muito utilizado pelas diversas
categorias profissionais na negociação de “índices de reajuste salarial”,
tivemos, por via de conseqüência um nítido distanciamento entre a correção
aplicada ao Saldo Devedor e aquela obtida na Renda dos devedores, mormente
os assalariados.
Longe de se constituir em um “defeito” da Tabela Price, essa diferença entre
os dois índices criou um “esqueleto” de Saldos Devedores de tamanho
considerável, que se refletiu, ao longo dos últimos 15 anos, em um sensível
aumento da inadimplência e da quantidade de ações judiciais.
Primeiramente por produzir Saldos Devedores em crescimento progressivo
(amortização menor que a correção), com aumentos no valor dos juros
(calculados sobre o saldo devedor) e, finalmente, ao término dos contratos,
gerando Saldos Devedores quase sempre superiores ao valor do bem
financiado e, principalmente, acima de qualquer capacidade de pagamento do
devedor.
Um simples e rápido exame nos índices acumulados do INPC e da Poupança
(apenas correção monetária), permite a constatação de tal fato:
Período
Variação Acumulada (%)
Poupança
Mar/91 a Dez/99
20.749,74
Diferença (pontos percentuais)
INPC
20.321,71
428,03
Claro que essa diferença se manifesta com tal magnitude apenas em casos em
que o devedor (ou sua categoria profissional) tenha conseguido a reposição
integral das variações do INPC, sem ganhos de mérito ou re-enquadramento de
valor relativo, mas por isso mesmo se mostra como um fator de peso
significativo nos desequilíbrios contratuais e na inadimplência verificada nos
contratos com vigência no período.
Iniciada com a Resolução Bacen 2459 de 18 de dezembro de 1997 e reforçada
a partir da Resolução Bacen 2604 de 23 de abril de 1999 – com vigência a
partir de Junho/1999 - se consolidou uma inversão da tendência até então
observada, passando o Banco Central a adotar uma metodologia de cálculo da
TR que proporciona, desde então, níveis de evolução bastante inferiores aos
observados na variação do INPC e de outros índices de preços relativos.
Vejamos o que aconteceu a partir de julho de 1999:
COMPARATIVO TR X INPC
Período
TR
INPC
% Acum. % Acum.
Jul/99 a Jan/06
19,78
70,48
E não cabe aqui nenhum tipo de contestação ou comparação conceitual entre
os dois índices, de vez que são índices com objetivos e metodologias
absolutamente distintas, cada qual com sua aplicação e validação dentro
daquilo que se propõem a mensurar.
O presente trabalho apenas relaciona os dois índices para demonstrar que suas
diferenças podem determinar fortes desequilíbrios nos financiamentos que os
utilizam – em conjunto – direta ou indiretamente, para correção dos valores
devidos nas prestações e no saldo devedor.
CONCLUSÃO
Sem qualquer pretensão de esgotar o assunto, mas apenas no intuito de registrar o
resultado de observações práticas e trabalhos de apuração em grande quantidade de
contratos do sistema financeiro e ao lado de outros estudos de avaliação e análise de
“Sistemas de Amortização”, alguns dos quais disponíveis para consulta no site do
Sindicato dos Economistas do Estado de São Paulo - www.sindecon-esp.org.br (veja “O regime de Juros – Price e Gauss”), temos a convicção de que os problemas
de desequilíbrio contratual que têm sido relatados em operações financeiras com
utilização da Tabela Price, tiveram sua origem em dois pontos fundamentais:
¾ A ordem sócio-econômica e as políticas de renda adotadas no
país nos últimos anos promoveram, das mais diversas formas,
uma sistemática redução na disponibilidade de renda para uma
grande quantidade de pessoas que, em “planos milagrosos” do
passado, haviam sido inseridas em um “mercado consumidor” ao
qual não tinham tido acesso até então para, em seguida, serem
novamente alijadas desse mesmo mercado por conta de uma nova
ordem econômica, imposta, seja por forças de mercado ou por
políticas internas equivocadas; e
¾ Na forma de aplicação dos conceitos do Sistema de
Amortização de Prestações Constantes, pela utilização de
diferentes índices de correção para as Prestações e para o Saldo
Devedor, cujos efeitos são quase sempre agravados pela
utilização da sistemática de incorporar os eventuais “juros não
pagos” no momento de sua apuração, ensejando nesse caso a
incidência de “juros sobre juros”.
O Equilíbrio Desejado
Certamente que a expressão EQUILÍBRIO, pressupõe que também o Agente
Financeiro não vá sofrer perdas com defasagens que distorçam as condições
financeiras estabelecidas. Sob esse aspecto, deve-se levar em conta os critérios de
correção monetária que remuneram as FONTES dos recursos.
Convenhamos, se o agente financeiro obtém os recursos para o financiamento em
aplicações que são remuneradas pela Taxa Referencial (TR), outro não deve ser o
índice de correção de seus empréstimos, sob pena de incorrer em desastrosos
prejuízos ou, por outra, em abusivos ganhos.
Assim, podemos firmar a convicção de que a concessão de financiamentos pela
Tabela Price somente encontra o pleno equilíbrio financeiro e contratual com a
aplicação de iguais índices de correção monetária para:
¾ a remuneração da fonte dos recursos;
¾ as prestações; e
¾ o saldo devedor.
Não observadas essas condições, não poderá existir pleno equilíbrio na relação.
São Paulo, agosto de 2006
Deraldo Dias Marangoni
Economista
Corecon/SP 11.060-4