Tabela Price e anatocismo.

Transcrição

Tabela Price e anatocismo.
Tabela Price e anatocismo.
Considerações fundamentais afetas ao direito
comum
Elaborado em 03.2005.
Marcos Kruse
economista e bacharel em Direito
1 – LEVANTANDO OS MÓVEIS
1.1 – Motivações
O presente artigo tem por fundamento inicial discutir as questões levantadas no artigo de
Antonio Pereira da SILVA, economista de Ibiporã-PR, disponível no site do Corecon-PR [01] e
que apareceram na também Revista Diálogo Econômico [02], as quais também são objeto de
análise por parte de outros profissionais, oportunamente mencionados.
No caso do artigo de A. P. da SILVA, este apresenta discussão em torno de diferentes sistemas
de amortização e procura demonstrar, em síntese, que "o Sistema Price jamais pratica o
anatocismo". Logo no início do artigo, alerta o colega que, "em qualquer área de saber que se
queira emitir opinião, é de fundamental importância que se defina o objeto de estudo". Fala,
pois, o autor, de sistema de amortização de uma determinada dívida pelo uso do Sistema Price
que traz a vantagem de parcelar o pagamento da dívida em prestações de valores iguais e
sucessivos. Estando prevenidos da importância de definição do objeto do estudo é que
escrevemos este artigo que, por seu conteúdo, vai se comportar como aprofundamento à
posição adotada pelo mencionado autor.
Carlos Alberto GANDOLFO, no mesmo compasso, chega a dizer que "a idéia de que os bancos
cobram juros capitalizados ou praticam anatocismo nas contas correntes incorporando os
encargos devidos ao saldo da conta é um raciocínio primário e simplista que não corresponde
com a realidade." [03]
1.2 – Os conceitos
Apesar do claro alerta que faz o autor do artigo em comento aos seus leitores, é preciso
enfatizar a necessidade de definir adequadamente o objeto de análise.
Tomo o exemplo do termo anatocismo. Anatocismo, conforme o notório dicionário Aurélio, é a
"capitalização dos juros de uma importância emprestada". [04] Esta definição do Aurélio está
1
inexata (para não dizer errada) porque anatocismo não é a capitalização dos juros, mas o
cálculo dos mesmos tendo por base juros lançados anteriormente à conta e não apenas o
principal. [05] Mas, quando se fala em anatocismo, não é suficiente adotar um viés econômico
sobre o assunto, uma vez que se requer uma simultânea análise jurídica. [06] Anatocismo,
conforme o Direito, e de modo mais preciso do que o Aurélio, significa "(...) a contagem ou
cobrança de juros sobre juros". [07]
Os juros, conforme o Direito, "não se capitalizam..." [08], porque, uma vez capitalizados, deixam
de ser acessórios; adquirem a mesma natureza do principal. Face às considerações ora
anotadas, exsurge a necessidade de precisar, não apenas o que seja anatocismo, mas,
também, o que seja capitalização. [09]
A falta de uma definição mais clara do objeto pode ensejar confusões. Vamos, pois, às questões
suscitadas pela discussão de tão relevante tema.
1.3 – Anatocismo e Amortização
Para demonstrar a tese, Antonio Pereira da Silva trata de especificar as diferentes regras para
estabelecimento de um sistema de amortização qualquer. As regras propostas são:
a) cada prestação é formado por duas parcelas (principal e juros) .
b) O valor de cada prestação é calculado sobre o saldo devedor.
Postas em questão as duas regras propostas pelo autor, é preciso analisar com maior vagar a
primeira porque esta relaciona o principal e os juros na paga de cada prestação.
Ora, os juros não podem ser pagos sem ocorrer transmutação da sua natureza acessória. [10]
Juros somente podem ser pagos quando são capitalizados. Adquirem, por tal processo, o status
de parcela miscível que pode ser paga na prestação. Ocorre exatamente, que a capitalização
mensal dos juros impede a ocorrência da cobrança dos juros contados a partir dos juros
vencidos. Para evitar que os juros se tornem vencidos, são estes cobrados mensalmente
considerado o saldo devedor.
O problema do anatocismo não pode ser, portanto, isolado em relação à ocorrência da
capitalização dos juros. Se os juros forem mensalmente capitalizados, o saldo devedor
incorporará os juros se estes não forem pagos, como regularmente ocorre nos extratos de conta
corrente e cheque especial. Aí, não se trata de uma planilha de amortização, mas, de conta
corrente. Neste caso, os juros não quitados ao final do mês são capitalizados e levados para o
saldo da conta do mês seguinte.
Isso não ocorre na planilha de amortização porque cada prestação é tida como elemento
separado, como se tivesse autonomia e vida própria em relação ao montante. Então, a pergunta
relevante é saber se as partes separadas de cada prestação retornam valor diferente de juros
2
ao longo de um período de tempo maior.
E aí é que vem o problema.
Os juros não incidem sobre os juros de outras parcelas porque, observadas em separado, cada
prestação é única. Não existe o fator composto na unidade. Na prestação não há juros
compostos. A composição dos juros decorre da análise do conjunto das parcelas. [11]
Mas, mesmo que não haja dúvidas sobre o modo em que os juros são cobrados (simples ou
compostos) , o mesmo ainda não pode ser dito em relação ao anatocismo. A adoção de
qualquer sistema de juros compostos equivale ao anatocismo? [12]
Como antes mencionado, o anatocismo ocorre, sem a mínima sombra de dúvida, no caso do
cheque especial. [13] Os juros capitalizados ao final de um mês entram no saldo da conta para o
mês seguinte e servem de base de cálculo para os juros do próximo período.
Mas, numa planilha de amortização qualquer, ocorre anatocismo? [14]
É de se observar que uma das maneiras de evitar a aparência de anatocismo, no caso de
parcelas inadimplidas é considerar que cada uma das parcelas inadimplidas tenha vida própria,
tenha autonomia em relação ao total do débito. Os juros colam às prestações. Por tal recurso,
os juros não se relacionam uns com os outros porque o saldo devedor é um compósito de
prestações; não tem aparência de principal + juros. [15]
1.4 – Capitalização dos Juros
Neste contexto de reflexões, também é preciso atentar bem que existe uma proibição legal de
capitalização mensal dos juros. [16] Logo, mesmo que deixemos em estado de espera a questão
do anatocismo é necessário destacar que os financiamentos, inclusive os financiamentos da
casa própria, praticam a cobrança de juros capitalizados mensalmente, prática vedada pelo
ordenamento jurídico. [17]
Então, antes de falar em anatocismo, é preciso indicar, claramente, que os juros compostos,
decorrentes da capitalização composta são o primeiro problema que deve ser enfrentado. Juros
compostos são os resultantes da capitalização composta.
Mas, este assunto, apesar de ser claro, ainda não é isento de dificuldades porque as definições
equivocadas levam a conclusões improcedentes. [18]
PENKUHNI [19] ao discutir a tabela Price acaba fazendo confusão. De fato, ao tratar dos juros
capitalizados, baseia-se na dicionário de Maria Helena DINIZ utilizando o verbete juros
acumulados. [20] Ora, juros acumulados não é a mesma coisa que juros capitalizados. Os juros
simples também são capitalizados! A diferença é que a capitalização composta considera mais
de uma capitalização e os juros simples, apenas uma. Ou seja, juros são simples porque
3
capitalizam-se apenas uma vez; são compostos porque a capitalização ocorre mais de uma vez.
Juros acumulados é o resultado da capitalização composta mas, com ela não se confunde. [21]
E, depois, citando o dicionário de Humberto Piragibe Magalhães e Cristóvão Piragibe Tostes
Malta, [22] acaba, novamente, utilizando o conceito de juros acumulados como se estes se
referissem aos juros compostos. Depois de feita tal confusão, pretende, o autor, demonstrar a
tese de que os juros são calculados, apenas sobre o saldo devedor.
Por conta da imprecisão em torno do que sejam juros compostos, simples e acumulados,
inservíveis as conclusões a que chega PENKUHNI.
Por hora, já podemos, com segurança explicitar:
a) juros simples são os que se referem à capitalização simples, ou seja, aquela que ocorre
apenas uma vez.
b) Juros compostos são aqueles que se referem à capitalização composta, ou seja, aquela que
ocorre mais de uma vez.
C) O ordenamento jurídico nacional não admite a capitalização mensal dos juros. Prevê,
apenas, a capitalização anual dos juros vencidos. [23]
d) O anatocismo refere-se à cobrança dos juros contando, na base de cálculo, juros de período
anterior. Ou seja, os juros são calculados sobre os juros e não sobre o principal.
e) Há diferença entres os conceitos de juros compostos na análise jurídica e econômica. Do
ponto de vista econômico, os juros vencidos e capitalizados após o transcurso de um ano
perfazem um sistema de juros compostos com capitalização anual. Do ponto de vista jurídico, os
juros vencidos podem ser cobrados anualmente sem que se dê a tal prática, o nome de juros
compostos. Ou seja, ao invés de sistema de juros compostos com capitalização anual, o direito
apenas prevê a cobrança de juros simples após o transcurso do ano. [24]
A questão da exigibilidade dos juros é fundamental. [25] Se os juros forem mensalmente exigidos,
ocorre diluição da taxa de juros anual no componente mensal. Esta diluição se dará sob a forma
exponencial por conta das capitalizações. Não se trata, pois, de cálculos de multiplicação e
diminuição como normalmente se defende. Trata-se, isto sim, de decomposição da taxa de juros
anual em 12 meses, em 12 capitalizações.
Ou seja, é preciso encontrar uma taxa mensal de juros capitalizados que retorne a taxa anual.
Não se trata de uma taxa de juros simples, mas, composta, diluída em cada prestação mensal.
Assim, os juros serão sempre cobrados sobre o saldo devedor. Entretanto, os juros vencidos
não podem ser incorporados ao saldo devedor, exceto anualmente. Esta vedação jurídica é
que está em questão quando se faz análise dos sistemas de amortização. [26]
4
Mas, se os juros somente podem ser cobrados (capitalizados) anualmente, porque alguém deve
pagá-los mensalmente? Simplesmente porque a paga mensal dos juros atende o interesse do
credor. Se, por hipótese, admitimos uma taxa de juros de 10% ao ano, haveria diferença se os
juros fossem capitalizados mensalmente ou anualmente?
A resposta a esta pergunta é afirmativa, conforme demonstra a tabela que segue que traz um
exemplo simples de pagamento de um empréstimo de R$ 1.000,00 em 24 prestações.
CAPITALIZAÇÃO MENSAL
parcelas
juros anuais:
10%
principal
1.000,00
Prestação
R$ 45,95
principal
amortização
juros
saldo
1.000,00
1
1.000,00
45,95
7,97
962,03
2
962,03
45,95
7,67
923,75
3
923,75
45,95
7,37
885,17
4
885,17
45,95
7,06
846,28
5
846,28
45,95
6,75
807,09
6
807,09
45,95
6,44
767,58
7
767,58
45,95
6,12
727,75
8
727,75
45,95
5,80
687,61
9
687,61
45,95
5,48
647,14
10
647,14
45,95
5,16
606,36
11
606,36
45,95
4,84
565,25
12
565,25
45,95
4,51
523,81
13
523,81
45,95
4,18
482,04
14
482,04
45,95
3,84
439,94
15
439,94
45,95
3,51
397,50
16
397,50
45,95
3,17
354,72
17
354,72
45,95
2,83
311,60
18
311,60
45,95
2,48
268,14
19
268,14
45,95
2,14
224,33
20
224,33
45,95
1,79
180,18
21
180,18
45,95
1,44
135,67
22
135,67
45,95
1,08
90,80
5
23
90,80
45,95
0,72
45,58
24
45,58
45,95
0,36
(0,00)
Tabela 1: Capitalização mensal de juros
No caso do exemplo apresentado pela Tabela 1, os juros cobrados mensalmente quitariam o
empréstimo com a paga de R$ 45,95 mensais. Se todavia, não houver capitalização mensal de
juros, haverá saldo credor para o devedor com a paga dos mesmos R$ 45,95, conforme
demonstra a Tabela 2.
CAPITALIZAÇÃO ANUAL
parcelas
juros anuais
10%
principal
1.000,00
principal
amortização
Saldo
juros
capitalização
1.000,00
1
1.000,00
45,95
954,05
7,97
2
954,05
45,95
908,11
7,61
3
908,11
45,95
862,16
7,24
4
862,16
45,95
816,21
6,87
5
816,21
45,95
770,27
6,51
6
770,27
45,95
724,32
6,14
7
724,32
45,95
678,38
5,78
8
678,38
45,95
632,43
5,41
9
632,43
45,95
586,48
5,04
10
586,48
45,95
540,54
4,68
11
540,54
45,95
494,59
4,31
12
494,59
45,95
448,64
3,94
13
520,15
45,95
474,21
4,15
14
474,21
45,95
428,26
3,78
15
428,26
45,95
382,31
3,41
16
382,31
45,95
336,37
3,05
17
336,37
45,95
290,42
2,68
18
290,42
45,95
244,47
2,32
19
244,47
45,95
198,53
1,95
20
198,53
45,95
152,58
1,58
71,51
6
21
152,58
45,95
106,63
1,22
22
106,63
45,95
60,69
0,85
23
60,69
45,95
14,74
0,48
24
14,74
45,95
(31,21)
0,12
25,59
(5,61)
Tabela 2: Capitalização anual dos juros
A diferença entre as tabelas 1 e 2 pode não parecer muita coisa, apenas R$ 5,61 ao término do
prazo de 2 anos. A verdadeira diferença entre estas tabelas é que apenas a segunda está
juridicamente adequada.
2 – FAZENDO A LIMPEZA
2.1 – Anatocismo: sim ou não?
O anatocismo já foi definido supra. Do que já foi dito é possível destacar que o anatocismo
somente pode ter vez no caso dos juros compostos. Anatocismo não ocorre nem pode ocorrer
nos juros simples. Havendo ocorrência de capitalização composta, há, em tese, possibilidade de
ocorrência do anatocismo. Esta é a questão que precisamos destrinchar.
Para analisar o problema, inicio pelas reflexões feitas por Teles em setembro de 2002. [27]
Conforme o autor, na conclusão de seu estudo, "a Tabela Price capitaliza juros porque traz
embutida em sua metodologia de cálculo uma função exponencial. Por isto, somente por isto,
torna-se legalmente inadequada para a nossa realidade".
Não é o caso de aqui analisarmos os exemplos de cálculo e os argumentos trazidos por Teles.
De fato, Marangoni, tratou de escrever uma manifestação ao artigo de Teles. [28] Nesta
manifestação, aparece uma discussão interessante sobre os fundamentos do cálculo financeiro.
Conforme pondera o autor, logo no início de suas reflexões, que "colegas economistas estão
sendo ‘convencidos’ por profissionais de outras áreas de estudo, mormente a jurídica, a
abandonarem o enfoque econômico/financeiro e olharem a questão sobre outra ótica, outros
conceitos e outras aplicações"
Vejamos o assunto mais de perto.
Teles apresentou em seu trabalho uma situação hipotética de um empréstimo de R$ 3.790,79 a
ser liquidado em 5 prestações com juros de 10% ao mês. Pela aplicação da Tabela Price, a
liquidação do empréstimo se faz pela paga do principal + juros em cada contraprestação. Assim:
i = 10%
7
C = 3.790,79
n=5
PMT = ?
Dadas as variáveis, o Sistema Price retorna o valor da parcela mensal suficiente para quitar o
principal + juros devidos a cada mês. Temos, pois, que o PMT = R$ 1.000,00. A Tabela Price,
por meio de fatores de cálculo faz, então, aquilo que a calculadora financeira moderna faz. É
preciso lembrar que, no século XIX, não havia calculadoras financeiras disponíveis. Para saber
quanto deveria ser pago em cada prestação era um tormento de contas matemáticas.
Então, a paga periódica de R$ 1.000,00, em 5 pagamentos, quita o empréstimo de R$ 3.790,79.
O período de paga (mensal, trimestral, anual, etc) não é definido pela Tabela Price.
Originalmente, as prestações eram anuais e os juros eram definidos como juros anuais. Aliás,
as prestações eram chamadas de anuidades.
Voltando ao exemplo do cálculo, temos, pois, a seguinte tabela de amortização.
parcela
prestação
juros
principal amortizado
0
saldo
3.790,79
1
1.000,00
620,92
379,08
3.169,87
2
1.000,00
683,01
316,99
2.486,86
3
1.000,00
751,31
248,69
1.735,54
4
1.000,00
826,45
173,55
909,10
5
1.000,00
909,09
90,91
0,01
Tabela 3: Tabela de Amortização
Na Tabela 3 aparecem os juros de 10% ao mês. Em momento algum são tais juros calculados
sobre os juros; são, exclusivamente, calculados sobre o saldo devedor. Temos assim:
3.790,79
3.169,87
379,08
2.486,86
316,99
1.735,54
248,69
909,10
173,55
-
90,91
-
Tabela 4: Juros mensais
8
Mas, o assunto não é findo neste momento. Aquino Filho [29] traz outro exemplo em que propõe,
a partir de um saldo devedor inicial de R$ 10.000,00 e taxa de juros de 12% ao ano, a paga do
débito em 18 parcelas. As parcelas mensais perfazem R$ 609,92. Temos, pois, o exemplo
apresentado por Aquino Filho:
C=E*0,01
mês anterior
A
B
C
D
E
prestação
total dos
encargos
juros pagos
(12% aa ou 1% am)
principal
amortizado
saldo devedor
0
10.000,00
1
609,82
100,00
509,82
9.490,18
2
609,82
94,90
514,92
8.975,26
3
609,82
89,75
520,07
8.455,19
4
609,82
84,55
525,27
7.929,92
5
609,82
79,30
530,52
7.399,40
6
609,82
73,99
535,83
6.863,58
7
609,82
68,64
541,18
6.322,39
8
609,82
63,22
546,60
5.775,80
9
609,82
57,76
552,06
5.223,73
10
609,82
52,24
557,58
4.666,15
11
609,82
46,66
563,16
4.102,99
12
609,82
41,03
568,79
3.534,20
13
609,82
35,34
574,48
2.959,72
14
609,82
29,60
580,22
2.379,50
15
609,82
23,79
586,03
1.793,47
16
609,82
17,93
591,89
1.201,59
17
609,82
12,02
597,80
603,78
18
609,82
6,04
603,78
0,00
Tabela 5: Tabela de Amortização – juros 1% am
Deste exemplo, e, considerando que os juros não foram calculados sobre os juros (apenas
sobre o saldo devedor) , pergunta ele "como poderia existir a cobrança de juros sobre juros
ou anatocismo na Tabela Price se em nenhum momento novos juros são incorporados ao
saldo devedor sobre os quais os novos juros teriam que ser cobrados?
9
Fica então esta minha pergunta no ar para ser respondida".
Eis aqui exposta e desnuda a questão do anatocismo. Pelos posicionamentos até aqui
abordados, a resposta sobre o anatocismo pende para a negativa, ou seja, inexiste o
anatocismo nas tabelas de amortização, mesmo aquelas que adotam o Sistema Price que
prevê a quitação do saldo devedor e juros em parcelas sucessivas e de igual valor.
2.2 – A pergunta que não quer calar
Contudo, todavia, porém, o assunto ainda não está suficientemente resolvido. Se o leitor
prestou bem atenção a todo arrazoado até aqui exposto e desenvolvido, deve ter notado
que ainda pode restar uma pulga incomodando atrás da orelha. E, porque preocupamonos com pulgas atrás da orelha, é melhor levar o assunto adiante.
Volto às ponderações de G. da S. MELO. [30] Este autor observa que a análise do Sistema
Price de amortização precisa partir do conceito de fluxo de caixa descontado. Este
conceito de fluxo de caixa descontado está nos fundamentos da matemática financeira. Ou
seja, para se entender qualquer realidade financeira, é preciso considerar o valor presente
de desembolso.
O próprio Donizete Teles, depois de seu primeiro artigo, tratou de escrever novo artigo
sobre o assunto do anatocismo [31] e, neste outro artigo precisou melhor o seu argumento.
Neste, tem a felicidade de abordar a temática a partir do conceito de fluxo de caixa
descontado. Apresenta, então, um exemplo de uma tabela de amortização.
PMT = 1000
n=5
i = 10% am
Dados tais elementos, qual é o valor emprestado? Para saber qual seja este, é preciso
trazer o valor das prestações para o valor presente. A resposta é R$ 3.790,79, valor
também constante do artigo que ora comentamos.
Mas, como é que se chegou a tal valor?
Tal valor é resultado da somatória dos valores presentes de cada uma das prestações.
Assim:
A primeira prestação, paga após o transcurso do mês, equivale (Valor Presente) a R$
909,09. Ou seja, este valor presente, líquido dos juros, após o transcurso temporal é que
recebe os juros de 10%, (R$ 909,09 * 1,10 = R$ 1.000,00) [32] perfazendo R$ 1.000,00 que
é o valor da primeira prestação.
10
O valor presente das próximas prestações é progressivamente menor porque os juros,
pelo transcurso do tempo, serão progressivamente maiores. [33] Assim:
P1 = 909,09
P2 = 826,45
P3 = 751,31
P4 = 683,01
P5 = 620,92
Os juros, por sua vez, são calculados pelo diferencial entre o valor presente de cada
parcela e o efetivo desembolso. Ou seja, os juros realizam-se após o transcurso temporal.
Assim:
parcela
índice juros
prestação
VP
juros
1
1,10000
R$ 1.000,00
R$ 909,09
R$ 90,91
2
1,21000
R$ 1.000,00
R$ 826,45
R$ 173,55
3
1,33100
R$ 1.000,00
R$ 751,31
R$ 248,69
4
1,46410
R$ 1.000,00
R$ 683,01
R$ 316,99
5
1,61051
R$ 1.000,00
R$ 620,92
R$ 379,08
R$ 5.000,00
R$ 3.790,79
R$ 1.209,21
Tabela 6: Planilha de Amortização – Fluxo Descontado
Perceba, o leitor, que cada prestação tem o mesmo valor (R$ 1.000,00) . Mas, para que se
possa, efetivamente comparar valores temporalmente diferentes, é preciso reduzir cada
prestação ao termo comum. Este termo comum é o valor presente. Assim, contrapõe-se o
valor do empréstimo ao valor do retorno.
Destas informações, Teles trata de refazer a tradicional planilha de amortização que, no
seu dizer, "camufla a incidência da capitalização composta dos juros". Fica tal planilha
assim demonstrada.
A
B
C
D
E
parcela capital capital capital
saldo
pago
saldo
anterior
R$
F
G
H
I
juros
juros
juros juros saldo
do acumulados pagos saldo final
mês
(capital
+ juros)
R$
11
3.790,79
3.790,79
1
R$
R$
R$
R$
3.790,79 909,09 2.881,70 379,08
R$ 379,08
R$
R$
R$
90,91 288,17 3.169,87
2
R$
R$
R$
R$
2.881,70 826,45 2.055,25 316,99
R$ 605,16
R$
R$
R$
173,55 431,60 2.486,85
3
R$
R$
R$
R$
2.055,25 751,31 1.303,93 248,69
R$ 680,29
R$
R$
R$
248,69 431,60 1.735,54
4
R$
R$
1.303,93 683,01
R$
R$
620,92 173,55
R$ 605,16
R$
R$
316,99 288,17
5
R$
R$
620,92 620,92
R$
90,91
R$ 379,08
R$
379,08
R$
909,09
R$ R$ 0,00
0,00
Tabela 7: Demonstrativo de Amortização
A questão que emerge da Tabela 7 é a comparação dos valores de desembolso com os
valores presentes de cada parcela. Então, trata-se, na verdade, de comparar a taxa de
juros e o valor presente que efetivamente é quitado com cada parcela. De qualquer modo,
o que Teles quer destacar é que cada prestação, a partir da consideração do seu valor
presente, quita primeiro o principal; os juros são quitados pelo diferencial entre valor
presente e valor nominal.
O que sobra de tal operação quita, apenas parcialmente os juros que foram capitalizados.
De qualquer modo, o sistema acaba com a cortina de fumaça que existe sobre a paga de
valores fixos e constantes (no caso, R$ 1.000,00) . O valor pago, sob a ótica do fluxo
descontado, não é nem pode ser, por conta do próprio conceito de juros, [34] constante. Em
decorrência, o saldo dos juros não quitados vai-se reincorporando ao capital, estando
configurado, desta forma o anatocismo.
2.3 – A lei de São Tomé
Mesmo que Teles tenha exposto muito bem o seu argumento, pode ser que existam
pessoas ainda não convencidas de tal engenharia econômica. [35] De fato, esta exposição
foge ao que, normalmente, se ouve e se lê a respeito do assunto. Aliás, a própria
legislação comum prevê o pagamento, primeiro, dos juros para, depois, ser efetuada a
paga do principal. [36]
Então, e porque a lei de São Tomé é boa e necessária à ciência, é imperativo verificar a
questão por mais um ângulo de observação.
Imagine-se o caso de tabela de amortização que tenha a finalidade de quitar um
empréstimo de R$ 3.000,00 em 3 pagamentos. Admitimos a taxa de juros de 10% ao mês.
Tomamos, inicialmente, a Tabela Price para identificar o valor da prestação mensal.
12
vp = 3000
n=3
i = 10% am
Dos dados indicados, temos que a prestação mensal (PMT) é igual a R$ 1.206,34. Pois
bem, se trouxermos tal parcela ao seu valor presente, temos que o valor da parcela inicial
é de R$ 1.096,67. Ou seja, em consideração à taxa de juros da amortização, o valor
presente da parcela é de R$ 1.096,67.
O diferencial entre o valor da prestação e o valor nominal pago corresponde ao montante
de juros liquidados, juros estes que se realizam após o transcurso do tempo. Assim, R$
1.206,34 - R$ 1.096,67 = R$ 109,67. Ou seja, quitam-se, apenas, R$ 109,67 de juros
quando deveriam ter sido quitados R$ 300,00. Há um saldo remanescente de juros que
não se quita com a parcela.
Em decorrência, é de se perguntar qual é o valor da prestação necessário para impedir
que os juros não pagos venham a compor a base de cálculo da próxima parcela?
O valor necessário para que não haja resíduo de juros a serem incorporados na próxima
contraprestação é, pasme o leitor, R$ 3.300,00. Se o valor nominal for, ao invés de R$
1.206,34, R$ 2.000,00, ainda assim, haverá saldo de juros não quitados no importe de R$
118,18 (cf. a Tabela 8) . De fato, o valor presente dos R$ 2.000,00 perfaz R$ 1.818,18.
Este valor (e não os R$ 2.000,00) é que deve ser contraposto ao valor presente da dívida
(R$ 3.000,00) .
parcelas
vp
juros
principal
pago
saldo nominal
principal pago
juros
pagos
saldo
juros
saldo
0 3.000,00
1 3.000,00
3.000,00
300,00
1.818,18 1.181,82 2.000,00
181,82
118,18
Tabela 8: Prestação Necessária I
O problema acusado na Tabela 8 somente tem fim com a paga de R$ 3.300,00 (cf. Tabela
9) . Ou seja, o valor presente de R$ 3.300,00, na primeira prestação, equivale aos R$
3.000,00, valor do empréstimo.
parcelas
vp
juros
principal
pago
saldo nominal
principal pago
juros
pagos
saldo
juros
Saldo
0 3.000,00
1 3.000,00
3.000,00
300,00
3.000,00
- 3.300,00
300,00
-
Tabela 9: Prestação Necessária II
13
Isto posto, já se pode afirmar que, qualquer plano de amortização sempre se constrói
tendo por base a sistemática dos juros compostos. Neste caso, não há como
descaracterizar a prática do anatocismo.
Há duas exceções para tal juízo sobre as tabelas de amortização. A primeira se dá pelo
uso e ocorrência dos juros simples, totalmente em desuso na sociedade financeira
moderna. A segunda é o permissivo legal de aplicar a capitalização dos juros vencidos
somente anualmente. Economicamente, isso ainda não deixaria de ser aplicar juros
compostos com prazo de capitalização anual. Mas, é isso que a lei permite e, não chama
tal sistemática de juros compostos. A legislação entende, singelamente, que o credor tem
direito, após o transcurso de um ano, de capitalizar (cobrar) os juros sobre o capital
emprestado.
2.4 – Onde está o Coelho?
A profunda meditação sobre o presente texto pode levar o leitor a situação de
perplexidade. Onde, afinal de contas, está o truque? Por que não é possível entender que
o mundo funciona de um jeito simples como pretendem os autores que sustentam a
inexistência do anatocismo? Não seria o caso de eu estar tentando, por meio da
matemática financeira, iludir os leitores? Por que, cargas d’água, o mundo não pode ser do
jeito como a Tabela 1 apresenta?
O mundo não pode ser do jeito simples porque o coelho está, tanto na taxa de juros
quanto no tempo. O tempo altera o valor da pecúnia. O valor de R$ 3.000,00 (três mil
reais) do exemplo citado em 2.3 – A lei de São Tomé e que é objeto de mútuo guarda, em
si mesmo, o germe da valorização. Após o transcurso de um período de tempo,
incorporará os juros, os frutos do capital. É como se o capital pecuniário se comportasse
em paralelo ao que ocorre com uma infecção. Após o transcurso temporal, os R$ 3.000,00
já serão mais R$ 3.000,00.
Então, admitindo os juros de 10% por período, após o transcurso do período, estes 3 mil já
não serão 3; serão 3 mil e trezentos. Se não houvesse taxa de juros e o transcorrer do
tempo desprezível, bastaria que fossem pagos 3 parcelas de 1 mil para quitar o
empréstimo.
Mas, existindo juros fixados temporalmente, estes afetam, não apenas o valor mutuado,
mas, também, o valor de amortização do empréstimo. Este valor é pago após o transcurso
temporal. Então, quanto vale o valor da parcela? Para saber o valor da parcela é preciso
contrapor o valor do pagamento (valor futuro) ao valor do empréstimo (valor presente) .
Esta é a realidade. A cortina de fumaça é a idéia simplória de que o valor mutuado não se
altera ele próprio por conta dos juros. Os juros contratados afetam todos os componentes
do financiamento.
14
Os juros, simploriamente calculados como R$ 300,00, incidentes sobre os R$ 3.000,00
iniciais não são uma parcela de plus distinta do valor inicial; são um emoliente ao valor
original. Os juros que se capitalizam alteram o valor original, tornam equivalentes os R$
3.000,00 iniciais, após o lapso temporal, a R$ 3.300,00. De igual modo, pelo inverso, a
prestação paga somente pode contrapor-se ao valor futuro (no caso, R$ 3.300,00 contra
R$ 1.206,34) ou, ao valor presente (no caso, R$ 3.000,00 contra R$ 1.096,68) .
O coelho da cartola está na impropriedade de comparação dos valores presentes e
futuros. Ou se usa o fluxo de desconto sobre o valor futuro trazendo-o para o presente ou,
alternativamente, se usa o fluxo de adução sobre o valor presente levando-o para o futuro.
[37]
O que não dá, em absoluto, é tratar a matemática financeira como se fosse a casa da
sogra.
3 – A CASA ARRUMADA
A casa agora está arrumada, limpa e perfumada. Muito boa esta sensação. O que resta,
agora, é indagar pelas razões da prevalência da adoção da Tabela Price ou qualquer outra
(porque todas funcionam sob os mesmos pressupostos) no sistema financeiro brasileiro e
mundial.
Independente de quaisquer outros motivos, a razão principal decorre da velocidade de
realização dos lucros bancários. No mundo econômico incipiente, o credor poderia
esperar, sem grandes dificuldades, a realização do seu lucro. Não custava esperar anos
até que o capital e os juros fossem devolvidos. O capitalismo ia a passos lentos e seguros.
Todavia, já não vivemos esta fase incipiente. O capitalismo tem pressa. Corre em
desabalada carreira e tem pressa na realização dos lucros; tem pressa quanto à circulação
e retorno financeiro. O capital financeiro realiza os seus lucros por intermédio da
circulação. Sem circulação, não há como realizar os lucros.
Se pudesse, o capitalismo bancário moderno trataria de sugar, diariamente, os lucros,
capitalizando diariamente os juros que cobra pela venda do dinheiro que têm à disposição.
A legislação, por seu turno, não está adaptada a tal voracidade financeira. Mas, não faltam
vozes no sentido de criticar o tartaruguismo e a falta de modernidade da estrutura jurídica
nacional, [38] nem asseclas do capital que deixam de perceber o que ocorre no subterrâneo
da realidade. [39] Muitos, aliás, perdem-se no meio de tanta crítica. Não nos esqueçamos
que, do jeito que a coisa está, os cidadãos terão menos proteção contra o sistema
financeiro do que contra os assaltantes e malfeitores que sempre existiram. No que diz
respeito ao sistema financeiro, a roubalheira é garantida porque a lei e subterfúgios
diversos acabou por criar um grupo dos intocáveis, vale dizer, os banqueiros.
15
O problema de Al Capone, como é sabido, foi ter sonegado impostos e por essa razão foi
condenado à prisão. Faltou-lhe maior esperteza. Deveria ter criado um banco no Brasil.
Digo no Brasil porque aqui vale prender bicheiro; [40] gente dos bancos, nem pensar. [41]
Mas, se a legislação é assim, por que os bancos não modificam os seus procedimentos?
Por uma razão básica e simples. A maior parte dos devedores é constituída por gente
simples, que fará tudo o que estiver ao seu alcance para quitar as suas dívidas. Para a
maior parte do povo simples, continuamente espoliado pelo Governo [42] e pelos bancos,
somente resta a ilusão de que a coisa mais importante neste mundo é ter um nome limpo.
Uma última observação vem refletir um pouco sobre as profissões de advogado e de
economista. Aprendi muitas coisas nos cursos de economia e direito. Mas, a coisa mais
importante, aquela que distingue e torna alguém realmente um advogado ou economista é
o senso crítico. Principalmente o economista deve olhar além das aparências, perceber o
real movimento por debaixo da calmaria. Ser economista é saber desvelar o véu que
camufla a realidade. O advogado, por seu turno, exatamente para que sua profissão tenha
relevância social, deve compreender como é que funcionam os mecanismos sociais. [43]
Sem tal percepção e agudo senso crítico, inevitavelmente haveremos de retroceder a
fases ideológicas pré-capitalistas. Vamos acabar defendendo a idéia de que a agricultura é
a única fonte de riqueza de um país qualquer ou, defendendo a idéia de que o Brasil é um
país rico porque conta com muitos recursos minerais. Pior do que tudo isso é creditar os
males da economia à inflação sem perceber que o real transtorno econômico é o da
transferência de renda. Nenhuma destas posições aqui denominadas pré-capitalistas é
condizente com o que se espera de um verdadeiro economista e de um verdadeiro
advogado.
Isto posto, concluo o artigo no entendimento de que, data venia posições adversas, a
Tabela Price de amortização, e não apenas ela, baseia-se na adoção sistemática da
capitalização de juros compostos. Ou seja, estruturalmente admite o anatocismo como
forma de equacionar uma tabela de amortizações. [44] Com esta posição, alio-me, portanto,
à minoria que pensa desta forma. [45]
Notas
01
Antonio Pereira da SILVA, O sistema de Amortização Price não Pratica Anatocismo, In:
Corecon-PR, [Internet]. (Nota do Editor: o texto também está disponível no Jus
Navigandi, em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5647)
16
02
O artigo citado foi também publicado, de modo extremamente mutilado, na Revista
Diálogo Econômico, nº 2, out/2004 do Corecon-PR. Pela mutilação, recomendo o acesso
ao artigo em sua integralidade.
03
Carlos Alberto GANDOLFO, Anatocismo na Revista Diálogo Econômico nº 3,
fev/2005, p. 19.
04
DICIONÁRIO AURÉLIO ELETRÔNICO, Nova Fronteira, 1999.
O termo anatocismo deriva originalmente do grego que reúne o advérbio α ν α (ao longo
de, através de, durante) + τ ο κ ι ζ ω (emprestar a juros) . Cf. Isidro PEREIRA, Dicionário
Grego-Português e Português-Grego, Porto: Apostolado da Imprensa, 5ª ed., 1976. Ou
seja, anatocismo é a cobrança dos juros que se calculam sobre os próprios juros.
05
06
Cf. a abordagem de Celso OLIVEIRA. A aplicação da lei de usura financeira aos
contratos em discussão e a revogação da súmula 596 do Supremo Tribunal Federal In:
Jus
Navigandi,
Teresina,
a.
6,
n.
53,
jan.
2002.
Disponível
em:
http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2507 [internet].
07
DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico, 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1984. A
definição jurídica é melhor, mas, ainda capenga porque a redação é sujeita a
interpretações errôneas.
08
DE PLÁCIDO E SILVA, Op. Cit.
09
E, o assunto da capitalização é uma grande salada que nem todos digerem sem fazer
uma grande confusão. Vide Deltan Martinazzo DALLAGNOL. Capitalização de juros no
direito brasileiro In: Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em:
http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3439 [internet].
10
O dicionário Antonio HOUAISS é mais preciso na definição uma vez que capitalizar
significa "juntar ao capital" (juros e dividendos) ou "transformar em capital" (imóveis) .
Capital, pela própria etimologia do termo, indica o principal (a cabeça, caput, capita) ao
qual são agregados juros (acessórios) .
11
Esta é também a conclusão de Gilberto da Silva MELO, Juros simples ou Compostos,
In: http://www.gilbertomelo.com.br/tabelaprice.php [internet].
12
Conforme propõe MELO em sua argumentação na obra citada, os juros compostos
implicam existência de anatocismo. Diz ele "a matemática financeira, através de conceitos
e fórmulas, só admite duas formas de aplicação de juros: simples ou compostos. Se não
são simples, só podem ser compostos. Pela simples utilização da fórmula já se embutem
os juros compostos nas prestações a serem pagas. Matematicamente só se consegue
retornar o mesmo capital se as prestações forem retornadas a valor presente pela fórmula
17
de juros compostos". Apesar do argumento utilizado, ainda não está perfeitamente
demonstrado que os juros compostos sejam equivalentes a anatocismo.
13
Mas, a MP 1963-17 acabou por permitir, às instituições financeiras, a prática do
anatocismo. Sobre o assunto, cf. Bruno Mattos e SILVA. Anatocismo legalizado: MP 196317 beneficia as já poderosas instituições financeiras. In: Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n.
41, mai. 2000. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=730 [internet].
14
Não há falta de gente que responda negativamente a tal pergunta. Cf. Oziel CHAVES.
Aspectos financeiros do anatocismo In: Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 48, dez. 2000.
Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=738 [internet];
15
Aliás, é exatamente assim que são propostas as ações de execução por inadimplência
contratual. Se, por exemplo, houve um financiamento em 24 parcelas e 10 não foram
adimplidas, a execução do crédito vai pautar-se pelo cálculo a partir das parcelas
inadimplidas. Cada uma das parcelas adquire vida própria de modo que as parcelas
inadimplidas sofrem, cada uma por si, o cálculo das taxas de juros contratadas, além dos
juros moratórios, correção monetária, honorários advocatícios, etc. Não se quita um
montante qualquer, mas, um conjunto de prestações.
16
Código Civil Brasileiro vigente (!!!!) artigo 591 permite a capitalização anual dos juros.
Ou seja, os juros não podem ser cobrados (capitalizados) mensalmente.
17
Não é apenas o Código Civil vigente (!!!!) que não prevê a capitalização mensal dos
juros. A proibição de tal prática também consta no Decreto 22.626/33 que prevê, no artigo
4º "é proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de
juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano em ano."
18
A questão da capitalização dos juros é assombrosa. Luiz Gonzaga Juqueira de AQUINO
FILHO, Respostas a Declaração em Defesa de uma Ciência Matemática ou Financeira
ou
na
Prática
a
Teoria
é
Outra,
In:
www.sindeconesp.org.br/artigos/artigo_resposta_mat.pdf [internet] acabou se dispondo, tal qual Dom
Quixote de La Mancha, a defender a ciência financeira dos ataques de infiéis que praticam
táticas talibanescas. Na verdade, o autor indignou-se contra um grupo de professores de
matemática financeira porque estes assinaram uma declaração em que reconhecem a
contemplação dos juros compostos no Sistema Price. Ora, é até patético dizer o contrário.
A Tabela Price contempla juros compostos. Ou, pensa o autor, que se tratam de juros
simples? De fato, no afã de refutar a idéia do anatocismo (cf. o artigo citado na nota de
rodapé , adiante) , acabou por meter os pés pelas mãos. A solene declaração dos
professores de matemática financeira nada fala sobre o anatocismo; fala, apenas, dos
juros e capitalização composta, aplicável, por conta das diferentes capitalizações que
ocorrem durante o financiamento (no caso, da casa própria) . Juros simples são aqueles
que são aplicados uma única vez sobre o principal. Exemplo típico de juros simples pode
ser encontrado na Justiça de Trabalho. Sobre os créditos trabalhistas, aplica-se a taxa de
18
juros de 1% ao mês simples. Ou seja, é devida uma capitalização sobre o montante do
crédito apurado. Por conta do ataque quixotesco contra moinhos de vento, o restante do
artigo de AQUINO FILHO fica comprometido. Fica no ar, a pergunta com que é concluso o
artigo, pergunta esta que se retoma adiante (2.2 – A pergunta que não quer calar) .
19
Adolfo Mark PENKUHNI, A Legalidade da Tabela Price, In: http://www.forense.com.br
[internet].
20
Maria Helena DINIZ, Dicionário Jurídico, vol. 3, São Paulo: Saraiva, 1998.
21
Em se tratando de diferentes contas com previsão de juros simples, pode-se falar que os
juros acumulados das contas perfaz tanto.
22
Humberto Piragibe MAGALHÃES & Cristóvão Piragibe Tostes MALTA. Dicionário
Jurídico. 8ª ed., Rio de Janeiro: Editora Destaque.
23
Cf. os fundamentos indicados nas notas de rodapés e supra.
24
O Direito acaba por não admitir a nomenclatura juros compostos por capitalização anual.
Com isso, acaba por existir um novo conceito jurídico relativo aos juros.
25
Contra a idéia de A. P. da SILVA, Op. Cit., o qual considera ser um absurdo o problema
da exigibilidade dos juros.
26
Outra questão diferente e impertinente aos objetivos do presente artigo é se tais regras
jurídicas de fato funcionam dentro das instituições sociais nacionais. O fato é que não
porque o percentual dos que recorrem ao judiciário é muito pequeno.
27
Luiz Donizete TELES, Tabela Price e Prática de Anatocismo, In: Corecon-SP
[internet].
28
Deraldo Dias MARANGONI, A Tabela Price e a Capitalização dos Juros, In: CoreconSP [internet].
29
Luiz Gonzaga Junqueira de AQUINO FILHO, Tabela Price e a Prática do Anatocismo,
In: www.sindecon-esp.org.br/artigos/resptabelaprice.pdf [internet].
30
Cf. nota de rodapé supra.
31
Luiz Donizete TELES, A Capitalização de Juros na Tabela Price, In: Corecon-SP
[internet].
32
Desconsidero, neste artigo, os desvios centesimais da conta. Por impertinente, deixo de
explicitar os meandros mais elementares dos cálculos, mesmo porque, a pressuposição
19
deste artigo é que o leitor conheça as regras básicas da aritmética e da matemática
financeira.
33
Os juros são maiores na última parcela porque o transcurso do tempo aumenta o
importe dos juros. Ou seja, na última parcela, os juros serão muito maiores do que na
primeira. Todavia, a percepção de tal realidade somente pode acontecer se o leitor
compreender como funciona o raciocínio do fluxo de caixa descontado, ou seja,
compreender o que significa o valor presente de qualquer prestação.
34
Os juros representam o ganho que se tem sobre os empréstimos fungíveis, em especial,
o dinheiro. Mas, o ganho somente ocorre pelo transcurso temporal. Sem o tempo, os juros
deixam de ter realidade porque o empréstimo somente pode ser perfectibilizado dentro de
categorias temporais. Inexiste um empréstimo feito fora do tempo.
35
Aliás, comum é que as pessoas não consigam perceber a realidade por trás da
aparência simples e inocente de que os juros nunca são calculados sobre juros.
36
Conforme prescrição do Código Civil Brasileiro, art. 354. Mas, é bom dizer que a
intenção da previsão do texto legal é, apenas, defender o devedor contra a prática do
anatocismo.
37
No caso, o presente é dado pelo momento da fixação contratual; o futuro refere-se ao
momento de quitação das parcelas.
38
Quem quiser encontra literatura sobre este tema. O próprio Departamento de Estudos e
Pesquisas do Banco Central do Brasil publicou, em 1999, Juros e Spread Bancário no
Brasil. Nesta publicação, entre as medidas legais sugeridas, preconiza-se que seja feito
"esclarecimento sobre o anatocismo". O tal esclarecimento diz respeito, evidentemente, ao
poder judiciário que "vem dando ganho de causa a devedores que alegam a validade do
dispositivo do Decreto 22.626/33 que trata da não capitalização dos juros". Outra
publicação do Banco Central, sob responsabilidade de Pedro FACHADA & Luiz Fernando
FIGUEIREDO & Eduardo LUNDBERG, Sistema Judicial e Mercado de Crédito no Brasil In:
Notas Técnicas do Banco Central do Brasil, nº 35, março 2003, aprofunda a questão do
esclarecimento. Conforme os autores, "para evitar que alguns devedores continuassem a
utilizar a morosidade judicial em seu benefício, o governo editou a Medida Provisória
esclarecendo sobre a legalidade da cobrança de juros sobre juros (anatocismo) pelas
instituições financeiras". Ou seja, para o leitor atencioso, não se trata do Banco Central
negar a existência do anatocismo; trata-se de defender a legalidade de sua cobrança. A
falta de modernidade mencionada no texto refere-se, evidentemente, à falta de adaptação
jurídica à lógica bancária que é, na própria avaliação dos mercados financeiros, o melhor e
mais simples dos mundos.
39
E aqui temos o grande mérito de Karl Marx. Independente de concordar ou não com
suas doutrinas, Marx destacou-se do restante da turba pelo fato de investigar como o
20
mundo econômico se comporta; não conforme a aparência, mas, conforme a realidade do
movimento. Neste sentido, todo economista ou jurista sério tem de tomar parte deste
insight.
40
E, já alerto o leitor para o fato de que a ação do Estado contra os bicheiros baseia-se em
razões de Estado. A rigor, o jogo de bicho é muito mais honesto do que toda a jogatina
legalizada. Esta sim, não passa de uma grande roubalheira.
41
Cf. Elza Alinde Miranda CARDOSO, Das dificuldades da aplicação do direito perante o
poder dos bancos no atual governo brasileiro: anatocismo institucionalizado. In: Jus
Navigandi,
Teresina,
a.
4,
n.
46,
out.
2000.
Disponível
em:
http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=721 [internet]. O caso de prisão de alguns
banqueiros não tem ligação com o que estamos dizendo neste momento.
42
Refiro-me, especificamente, à questão tributária.
43
Sem a exata compreensão dos mecanismos sociais, torna-se, o advogado, mero
instrumento da manutenção do status quo. O advogado deve defender o seu cliente sem
que isso signifique ser ignorante em relação ao que realmente ocorre atrás do véu que
cerca a realidade.
44
Com essa conclusão, coloco-me ao lado daquela minoria de economistas que, conforme
o sindicato dos economistas de São Paulo, "não têm conhecimento técnico-científico"
sobre o assunto. Cf. os termos do Informe do Sindecon, ano VI, nº 115 de julho/2003, In:
http://www.sindecon-esp.org.br/Informe/Informe115.pdf [internet].
45
Contra meu posicionamento está a maioria. Mas, a ciência não se constrói pela
democracia e sim, pelo convencimento da verdade de cada proposição.
-X-X-
21

Documentos relacionados

juros tabela price - Perícia Contábil Judicial

juros tabela price - Perícia Contábil Judicial O valor dos juros é calculado pela fórmula clássica de juros simples, onde ‘n’ , pela razão de buscar o valor relativo a um período de referência é igual a 1: J = C . i . n. Também pode ser calcula...

Leia mais

revisao de financiamento - CORECON-GO

revisao de financiamento - CORECON-GO No item anterior, demonstra-se o cálculo da primeira prestação com base na Tabela Price (R$ 271,53) onde se observa que o valor encontrado na aplicação da fórmula da Tabela Price – de juros compost...

Leia mais